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2ª Aula
19-09-2013
Caracterizam-se pela não exigibilidade judicial da prestação, resumindo-se a sua tutela jurídica
à possibilidade de o credor conservar a prestação espontaneamente realizada.
Ora, inerente à possibilidade de conservação da prestação realizada (por parte do credor) está
a inadmissibilidade de repetição, ou seja, o devedor não pode pedir a restituição do que
prestou, mesmo que estivesse erro quanto à coercibilidade do vínculo.
Exemplos: (1) A empregada idosa vive em casa dos patrões e, embora já não
desempenhe as tarefas da casa, os patrões sentem a “obrigação moral” de a sustentar;
(2) obrigação moral de alimentos entre unidos de facto (ver art. 495º/3, CC).
Exercício 4
1
O art. 404º diz-nos que às obrigações naturais é aplicado o regime das obrigações
civis, excetuando a faculdade de realização coativa da prestação. Todavia, existem
muitas outras características das obrigações civis que não são extensíveis às
obrigações naturais:
Transmissão negocial;
Estipulação de garantias;
Regimes do cumprimento e não cumprimento;
Extinção por prescrição (a prescrição tem exatamente como efeito tornar
natural uma obrigação civil).
a) São meras relações de facto, não sendo verdadeiras obrigações jurídicas, mas sim
deveres oriundos de outras ordens normativas como a justiça ou a moral;
b) São verdadeiras obrigações jurídicas, apenas com um regime diferente das restantes
pois a lei não permite a sua execução.
Menezes leitão:
2
doutrina, não devem ser apenas admissíveis as obrigações naturais tipificadas
por lei, mas sim todas as que as partes livremente decidirem criar.
Conclusão: Diana tem ou não de pagar?
- posição dominante: deve recorrer-se à redução do negócio jurídico (282º); se
retirarmos a observação entre dentes de Diana, a obrigação torna-se civil, logo válida.
- posição minoritária – a obrigação natural é válida e Diana deverá ter de pagar.
Logo quando celebram o contrato, o credor (da obrigação de pintura da casa) renuncia à
indemnização em caso de o devedor danificar algo na casa renúncia antecipada: antes do
cumprimento da obrigação e aquando da celebração do contrato. Ora, este tipo de renúncia é
nula, por força do art. 809º; contrariamente, se as partes nada disserem quanto às
consequências de danos causados pelo pintor aquando da realização da prestação e, apos o
dano, disser que não quer ser indemnizado, tal já é perfeitamente possível. O que o credor não
pode é renunciar antecipadamente aos seus direitos.
Definição de obrigações naturais – obrigações morais em relação às quais o credor não pode
exigir o cumprimento mas, depois de cumpridas, o credor pode aproveitar as suas vantagens.
assentam numa lógica de voluntariedade.
Exercício 6
Obrigação de resultado – exemplo: se eu contrato um pintor para pintar a minha casa, o que
me importa é o resultado final, isto é, que a parede fique pintada convenientemente.
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Obrigação de meios –um advogado, por exemplo, não se vincula a um resultado, por definição
incerto. Exige-se dele que faça todos os possíveis para alcançar o resultado desejado mas não
se pode exigir que obrigatoriamente o atinja porque só dele, mas também de uma decisão de
um terceiro, de factos externos, provas…
Exercício 6
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como o devedor. Ao comportar-se de modo desconforme com a boa-fé, Ricardo
violou deveres acessórios.
- Exemplo de violação do dever de proteção – as partes acordam que o credor deverá
ir buscar a coisa à loja do devedor; se o chão estiver escorregadio e o credor cair, o
devedor violou o dever de proteção;
- Exemplo de violação do dever de lealdade – o caso do exercício 6.
O devedor;
Um representante do devedor (legal ou voluntário);
Qualquer outra pessoa (767º/1) – caso essa pessoa tenha a consciência de que está a
cumprir uma prestação que sabe não ser sua: tem de ser voluntariamente pois, caso esteja
em erro, aplicamos o regime do art. 477º.
Art. 767º/2 Quando a prestação é intuitu personae não pode ser qualquer pessoa a
cumpri-la. Surge a dualidade entre prestação fungível (se a prestação for entregar um
quadro de Picasso, qualquer pessoa o pode fazer; pintá-lo é que não) e infungível (só pode
ser o devedor a realizar). Uma prestação é infungível quando: (1) está estipulado no
contrato que a pessoa do devedor é insubstituível; (2) quando resulta da interpretação do
contrato que o interesse do credor assim o exige.
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Quem pode receber a prestação?
Nem sempre existe a figura do accipiens: Há obrigações cuja prestação não se faz a
ninguém. Exemplo: contrato alguém para matar um animal selvagem. Não há ninguém
a quem prestar, isto é, não vou entregar a ninguém o corpo do lobo.
Quem pode receber a prestação? O credor ou o seu representante (769º); todavia,
o devedor pode recusar prestar perante o representante do credor (771º).
3ª Aula
23-09-2013
Princípio da pontualidade – trata-se de cumprir, ponto por ponto, tudo aquilo a que as
partes se vincularam.
Princípio da integralidade (art.763º) – trata-se de cumprir tudo, não apenas uma parte.
Caso contrário, o cumprimento será defeituoso (sendo, por isso, uma modalidade de
não cumprimento).
Caso prático nº 7
- De acordo com o nosso código, mesmo que o accipiens não seja a pessoa do credor,
se o resultado final correr bem, ou seja, se a prestação chegar, pontual e integralmente, às
mãos do credor, considera-se que houve cumprimento (art.770º/d). Todavia tal não
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aconteceu, pelo que não houve cumprimento: a prestação não foi realizada porque não
chegou ao seu destino (Aurora) e, assim sendo, o devedor não se exonerou da
contraprestação; dado não ser impossível cumprir pois a coisa é fungível, Jasmim ainda pode
cumprir, pintando um novo quadro.
Sub-rogação
Conceito – consiste na situação que se verifica quando, cumprida uma obrigação por terceiro,
o crédito respetivo não se extingue, mas antes se transmite por efeito desse cumprimento
para o terceiro que realiza a prestação ou forneceu os meios necessários para o cumprimento.
Modalidades de sub-rogação
Tem de ser efetuada até ao momento do cumprimento, caso contrário haverá apenas
extinção da dívida e não a sua transmissão;
A declaração posterior faz, pois, extinguir o crédito, deixando o terceiro “a ver navios”.
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2 Requisitos (não cumulativos): credor ter garantido o cumprimento 1; credor ser
diretamente interessado na satisfação do crédito. Tais requisitos verificam-se sempre
que a não realização da prestação lhe cause prejuízos patrimoniais próprios ou o
cumprimento seja necessário para acautelar o seu próprio direito).
Para perceber bem este instituto: o caso mais comum de interesse direto no
cumprimento é o de o terceiro ser garante da obrigação, uma vez que nesse caso a
não realização do cumprimento implica a execução dos seus bens pelo credor. Assim,
se o terceiro for fiador do devedor ou tiver constituído um penhor ou hipoteca sobre
bens seus para garantia de cumprimento, a lei determina a sub-rogação como efeito
direto do cumprimento.
Conclusão: como nenhum destes pressupostos foi verificado, não há base para aplicar o
instituto da sub-rogação. É necessário optar por outras possibilidades:
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Garantir o cumprimento = prestar uma garantia pessoal ou real a favor do credor de que o
cumprimento será efetuado. Por exemplo, ser fiador.
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Conclusão: sim, qualquer um pode cumprir uma obrigação alheia (767º) mas não é certo que
depois seja compensado por tal.
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Entende-se que há contrato de compra e venda entre os pais das duas menores.
Obrigações emergentes da celebração do contrato.
1. Obrigação de pagar o preço
2. Obrigação de entrega da coisa
A mera celebração do contrato de compra e venda opera a transferência da
propriedade (879º) Se já havia contrato, a propriedade já tinha sido transferida para
os pais de Natália.
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credor usufruir das suas utilidades (princípio da primazia da materialidade subjacente
[770º/d)]) o cumprimento desta obrigação é feito com sucesso.
Mas o art.764º/1 deita este argumento por terra: o dinheiro da mãe de Natália foi de facto
utilizado sem o seu consentimento, mas para adquirir, pelo preço acordado previamente pela
mesma, a compra de uma bimby, também conforme acordado. Por isso, nos termos do art.
764º/1 não há razão para anular porque não resulta para o devedor qualquer prejuízo. Só
há anulação se houver prejuízo (por exemplo, pagamento de um preço superior ao acordado
entre as partes).
Conclusão: se tudo correr bem, não há razão para anular o cumprimento da prestação,
em atenção ao princípio primazia da materialidade subjacente não devemos
utilizar formalismos para anular um negócio cujo resultado foi o anteriormente
querido pelas partes Irregularidades são sanáveis por resultado “correto” e não
ditam a anulação do negócio.
Exercício 10
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10
Obrigação de entrega: ocorre quando o credor e a coisa estão geograficamente separados.
Desdobra-se em:
Obrigação de vir buscar – cabe ao credor deslocar-se ao local em que o devedor tenha
a coisa para a ir buscar. Obrigação de entrega de algo: cabe ao credor, regra geral, ir
buscar. A obrigação de entrega e do devedor. Mas ele esta quieto, sendo o credor que
tem de ir buscar.
Obrigação de enviar (797º) – credor e devedor estão em locais diferentes e cabe ao
devedor enviar a coisa. Só tem de enviar, expedir. Não responde pela entrega ou não
da coisa ao credor.
Obrigação de levar – aquelas em que o devedor se obriga a ir levar a coisa ao credor.
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Tempo do cumprimento:
Obrigações puras – devedor incorre em mora quando for interpelado. Mas a obrigação
não vence só após a interpelação, vence logo após a celebração do contrato, assim que
o credor pode interpelar o devedor a cumprir.
Obrigações a prazo
– Vencem se no momento em que o prazo é ultrapassado, se for estabelecido
em benefício do devedor as obrigações com prazo estabelecido a favor do devedor
vencem com a entrada dele em mora, ou seja, com a perda do beneficio do prazo por
ter falhado o prazo para cumprir;
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- Se for estabelecido em beneficio do credor, vence logo que o contrato for
celebrado (a partir do momento em que podia exigir o cumprimento e não o fez).
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Art. 777º/2:
Obrigações puras – as partes não fixaram um prazo para o cumprimento mas, nos
termos do 777º/2, em certos casos há necessidade de fixação de um. Três tipos de
motivos justificam a fixação de um prazo:
Circunstancial – em virtude das circunstâncias que o determinaram
Usual – por força dos usos
Natural – por força da natureza da obrigação
Exemplo: vou a uma loja e quero comprar um produto mas não há em stock. Por isso,
encomendo-o mas não é fixado nenhum prazo para que ele chegue. Mas em algum momento
a loja terá de ser constituída em mora. Ou seja, tem de haver um prazo: se for uma coisa vinda
do estrangeiro, não podemos chegar a loja e exigir num certo dia, não pode ser uma obrigação
pura Aplica-se o 777º/2, por força de ser uma obrigação circunstancial.
Ex. 11.
Contrato compra e venda do recheio: entrega da coisa (recheio); pagamento do preço.
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Contrato de arrendamento: temos uma obrigação que se vai vencendo
periodicamente, todos os meses. não há perda de benefício do prazo pois estamos
a falar de obrigações distintas, não faria sentido o senhorio exigir a totalidade do preço
porque as seguintes ainda não estão vencidas.
Mas quanto ao recheio, já estamos perante uma prestação una: se falhar 1/8 do preço
total, o credor já pode pedir a totalidade do preço (934º)
Aula nº4
26-09-2013
Caso prático nº 12
1º Parágrafo
O objeto das prestações nem sempre tem de estar determinado – o limite de tal
indeterminação é o art. 280º, ou seja, basta apenas que o objeto seja determinável.
Uma obrigação alternativa é composta por duas prestações alternativas Moreno está
obrigado a prestar uma de duas coisas. Obrigação que compreende duas ou mais prestações
mas em que o devedor vincula-se a realizá-las em alternativa, ou seja, só tem de cumprir uma.
Mais, saber qual delas vai ser cumprida tem necessariamente de depender de uma escolha.
- Exemplo: ‘Se amanhã chover, vendo-lhe o meu chapéu-de-chuva; se fizer sol, vendo-
lhe o meu protetor solar Não é uma obrigação alternativa porque é o tempo que determina
o objeto da obrigação, não uma das partes (ou um terceiro).
Obrigações alternativas (art. 543º e ss) Através de uma escolha, a prestação vem a ser
designada.
- Regra supletiva: a escolha pertence ao devedor (543º/2); mas por estipulação das
partes, pode também pertencer ao credor ou a terceiro. Como no caso não há estipulação em
contrário, deverá ser Moreno (o devedor) a escolher.
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momento ocorre a transferência da propriedade? a transferência ocorre com a escolha, a
qual determina o objeto da prestação.
Obrigações de resultado e obrigações alternativas – quando se diz que a obrigação tanto pode
incidir sobre a colheita de 2009 como sobre a de 2010, apenas nos referimos ao resultado, não
aos meios utilizados. Nas obrigações alternativas, há dois resultados distintos e temos de optar
por um deles.
Qual o prazo para a escolha, se as partes não o fixarem? A data da escolha pode
não coincidir com a data de vencimento da obrigação: as partes podem fixar prazos
distintos. Não o fazendo, interpretamos tal como significando que as partes quiseram
fazer coincidir os dois prazos Moreno tinha até àquela data para escolher qual das
colheitas queria. Havendo uma data, não há obrigação de interpelação de Ruivo
porque é uma obrigação de prazo, não pura.
O que acontece quando o devedor deve escolher e não escolhe? Art. 548º: O credor
(Ruivo) propõe uma ação de execução contra o devedor que não escolheu (Moreno) – ação
executiva contra Moreno para entrega da coisa certa. Se Moreno não escolher no prazo que na
execução foi fixado pelo tribunal, devolve-se ao credor o direito de escolha. Antes disso, a falta
de escolha não dá ao credor o direito a escolher.
Quando ocorre a determinação da obrigação? Ocorre com a escolha, desde que esta chegue
ao conhecimento do credor – não basta uma escolha íntima, tem de ser declarada perante o
credor Art.548º.
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2º parágrafo
Metade da colheita – temos uma obrigação genérica (art.539º). Sempre que temos
uma obrigação de quantidade, temos uma obrigação genérica – não estamos a
identificar que garrafas específicas, mas sim a quantidade que queremos. São
obrigações apenas determinadas quanto ao género, tal como diz a lei.
Também estas são obrigações indeterminadas, pelo que não há transferência da
propriedade com a celebração do contrato.
Quando se dá a determinação do objeto da prestação? Com a concentração, a
obrigação genérica transforma-se em específica. A concentração pode operar-se com
uma escolha ou com um simples ato de especificação.
- Exemplo: se a coisa genérica for coisa infungível (5 quadros de Paula Rego,
por exemplo) terá de haver uma escolha – também este tipo de obrigação genérica
mas carece de escolha; Mas, regra geral, as obrigações genéricas ligam-se com as
coisas fungíveis, em que apenas é necessário um ato de especificação.
- Já se a coisa for fungível (5 bananas, por exemplo) – não é necessária escolha,
apenas um ato de especificação. Ou seja, um ato de contagem levará à
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concentração, isto é, a tornar a obrigação genérica em específica (é apenas necessário
selecionar 5 bananas “ao calhas”).
MAS: nos termos do art.541º, em certos casos, a concentração pode exonerar o devedor da
prestação:
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“Moreno vendera e se obrigara a entregar a Ruivo metade da sua produção de vinho tinto
reserva das colheitas de 2009 e de 2010, reservando-se a possibilidade de entregar em seu
lugar a totalidade da sua produção de vinho tinto reserva da colheita de 2011”
Situação parecida com uma obrigação alternativa. Mas nestas, temos sempre duas prestações
não hierarquizadas. Aqui, pelo contrário, há uma hierarquia: a obrigação é A, apenas reservo a
possibilidade de substituir A por B. Só se o devedor quiser entrega B em vez de A. Diferença
prática – se antes da escolha se extinguir A, a obrigação extingue-se. Porque, para todos os
efeitos, a prestação incide sobre A. O credor nunca pode exigir B.
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408º, CC Contratos com eficácia real; nº2 Regra geral para coisas indeterminadas:
transferência opera-se no momento da determinação; nas coisas genéricas, a transferência
opera-se com a concentração.
Obrigações específicas (contrárias às genéricas) – não têm uma secção a si destinada, mas
artigos que apenas a elas se destinam: 796º, 408º/1, 905º e ss, 918º.
Art. 542º (obrigações genéricas) – Regra geral, a escolha ou ato de especificação cabe ao
devedor e, ao contrário do que sucede com as obrigações alternativas, não carece de
declaração. Mas sempre que a escolha couber ao credor ou a 3º, a escolha só é eficaz se for
declarada ao devedor.
Último parágrafo
1. O que poderia Ruivo fazer? Podia pedir uma indemnização a Moreno, mas nada
podia fazer contra colheita – este contrato tem somente eficácia obrigacional, pelo
que não é oponível ao terceiro;
2. O que poderia Ruivo fazer, se o terceiro (Louro) conhecesse o contrato entre Ruivo e
Moreno? Aqui já haveria eficácia externa da obrigação: o terceiro poderá ter de
responder, mas só avança se o devedor não conseguir satisfazer o credor (se o credor
se tornar insolvente, por exemplo).
Efeitos do cumprimento
Efeito extintivo da obrigação.
Cumprimento corresponde à extinção voluntária da obrigação, nos termos do art.
762º.
Cumprimento é a causa normal de extinção de uma obrigação.
Quando temos um ato do devedor ou de qualquer solvens, como sabemos de que
cumprimento se trata?
- Analisando da prestação, através do princípio da pontualidade:
correspondência entre o que está descrito no contrato e o que na verdade ocorreu. Se
corresponder ponto por ponto, temos cumprimento.
Mas em certos casos, o devedor tem várias prestações em falta para com o credor e
não especifica qual delas aquele cumprimento visa satisfazer. Surge, neste momento, a
questão da imputação de cumprimento – caso prático nº 13.
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Caso prático nº13
Mas se o devedor não escolher de qual das obrigações se pretende exonerar, temos de
seguir para os regimes dos arts. 784º ou 785º.
- Art. 784º: Quando a dívida venceu? Como não sabemos se foi dado um prazo,
presume-se que é uma obrigação pura e, por isso, venceu-se logo no momento da
compra. Se todas venceram ao mesmo tempo, deve ser imputada a mais antiga em
data, ou seja, o frigorífico. mas o valor deste é de 600eur, pelo que ainda sobram
200.
Os 200eur que sobram irão cumprir parcialmente a dívida do fogão, a segunda mais
antiga em data (não respeita o princípio da integralidade mas, tendo em conta o art.
784º/2, percebemos que, neste caso específico da imputação do cumprimento, o
legislador descura tal preocupação com a integralidade).
Questão do recibo
Art. 786º, direito à quitação por parte do solvens, não apenas do devedor – por que é
que existe este direito? Tem que ver com a questão do ónus da prova do cumprimento
– quem deve demonstrar que foi ou não cumprida a prestação? 342º: se estivermos
perante a obrigação de entrega de uma coisa, ela pressupõe o direito de crédito e o
dever de prestar.
- Ao credor, cabe demonstrar a existência do direito de crédito (através de um
documento que comprove o contrato);
- Cabe ao devedor demonstrar que o direito de crédito se extinguiu pelo
cumprimento Como é o devedor que tem ónus de demonstrar que cumpriu, ele
tem o direito de exigir um documento, assinado pelo credor, a reconhecer que o
cumprimento ocorreu: direito à quitação, art. 787º.
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Art.788º, restituição do título – exemplo: “declaro que devo 100eur ao Miguel”.
Quando pago, posso exigir a restituição deste papel, como prova de que já me
exonerei daquela prestação.
789º - caso o credor invoque a impossibilidade de restituição do título, pode o devedor
exige outro documento comprovativo de que o cumprimento ocorreu.
Nã o cumprimento
Tudo o que difere de cumprimento.
Distinto de incumprimento.
Deve ser analisado de forma tripartida:
1. Quais os efeitos na obrigação;
2. Quais os efeitos relativos à contraprestação;
3. Efeitos de resp. civil – gera ou não dever de indemnizar?.
Os efeitos da perturbação poderão ser variados, por exemplo, a redução do preço – devedor
da obrigação da entrega da coisa foi negligente e a coisa perdeu algumas utilidades – do lado
da contraprestação, pode ocorrer somente uma redução do preço.
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Nota: existe ainda o cumprimento defeituoso, que não é diretamente regulado no código.
Qual a prestação que se torna impossível? a pintura das paredes da casa, uma vez
que é hipotecada. o que acontece à prestação? art.790º/1 extingue-se.
E o que acontece à contraprestação, isto é, o pagamento do preço? Nos termos do
795º/2, fica o credor exonerado da contraprestação.
Não há qualquer dever de indemnizar de ambas as partes.
Aula 5
30-09-2013
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Contrato de prestação de serviços;
Prestações: 1. pintar as paredes da casa de Adão, por parte de Berta (devedora); 2. Pagamento
do preço devido (devedor é Adão);
Todavia, a prestação de pintura das paredes da casa sofre uma perturbação: a casa é
hipotecada, logo há impossibilidade inimputável ao devedor (790º/1). Trata-se de uma
impossibilidade absoluta porque a casa deixa de ser de Adão, ou seja, a juridicamente
impossível. É ainda definitiva e total, pois a casa não voltará à esfera de Adão.
Efeitos da impossibilidade:
Tradicionalmente, a doutrina defendia que o caso devia ser tratado como qualquer
outra impossibilidade não imputável ao devedor (sem qualquer especificidade);
Atualmente, a doutrina divide-se; é unanime quanto ao facto de que deve ser aplicado
um regime específico, mas o código não prevê qualquer regime para este tipo de
situações. Assim, há quem defenda a aplicação, por analogia, o regime da mora do
credor (há uma lacuna da lei quanto a casos em que a impossibilidade advém da esfera
jurídica do credor); há também quem defenda a aplicação do regime do 398º/2 +
1227º (retiramos desta última norma apoio para dar tratamento especial a casos como
este).
Por que não aplicamos o 795º/2? Este pressupõe sempre a culpa do credor=/= casos em
que a impossibilidade provém da esfera do credor mas não há culpa do mesmo. Ora, a
lacuna legal versa sobre os casos em que nenhuma das partes tem culpa da impossibilidade
mas é na pessoa jurídica de uma delas que a impossibilidade tem origem.
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Caso prático nº 15
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Novidade face ao caso anterior: em teoria, a prestação continuaria a ser possível, ao
contrário da anterior, em que a prestação seria fática e juridicamente impossível
(sendo a casa hipoteca, Berta não teria acesso à mesma). Já neste caso, não há tantos
entraves físicos e jurídicos à realização da prestação. Pode defender-se a tese de que a
obrigação continuava a ser possível: Catarina podia deslocar-se à missa, na hora e local
combinado, e cantar o Ave Maria.
Posta esta hipótese, há que reforçar a relação entre o conteúdo da obrigação e o
interesse do credor a ela inerente. O resultado define a obrigação, mesmo que só nos
obriguemos aos meios. E é por isso que esta obrigação é impossível: Catarina não tinha
só a obrigação de ir cantar à igreja; a obrigação pressupunha acompanhar o
casamento, o que se torna impossível porque os noivos desistem de casar. faltam
elementos essenciais que definiam a prestação: ela torna-se impossível porque (1) já
não serve o interesse do credor e (2) fazia parte do conteúdo da obrigação cantar na
cerimónia.
Importa referir que o facto de a prestação deixar de servir o interesse do credor, por si
só, não é um fator que leve à impossibilidade. Regra geral, o interesse do credor é
irrelevante, exceto se ele já estiver em mora: neste caso, é o seu interesse que faz a
transição para o ID.
Todavia, em certos casos, pode contribuir para a extinção da obrigação. No caso em
análise, o interesse do credor, associado a outro ingrediente, leva à impossibilidade e
consequente extinção da obrigação.
Voltando ao primeiro ponto, quer se trate de impossibilidade não imputável ou não imputável
mas derivada de facto ocorrido na esfera do credor, a prestação extingue-se.
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devidamente a prestação. Esta opção vai mais de encontro ao espírito da lei e dos
interesses do credor do que a primeira: o que o credor quer é que haja música de
qualidade no casamento, o que poderá ser assegurado por alguém escolhido por
Catarina.
Variante: se Catarina tiver culpa na rouquidão, por exemplo, se tivesse andado ao frio,
a impossibilidade já seria imputável ao devedor. Mas no caso, partamos do
pressuposto de que ela não foi negligente e causadora da rouquidão.
3. Forma correta de resolver o caso: devemos pensar no que as partes estipulariam, caso
tivessem previsto esta situação:
1. Extinção da obrigação
2. Dever de catarina avisar e arranjar uma substituta ou apenas avisar com
antecedência, dando tempo a Dália para contratar outrem.
Sub-hipótese
Catarina tem dores de garganta mas, para ela, cantar seria um sofrimento. Quid iuris?
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- Este regime não se aplica a obrigações com prazo absolutamente fixo
(obrigações cujo cumprimento só pode ocorrer no momento x, ou entre o momento x
e o y). O exemplo paradigmático de obrigações absolutamente fixas é exatamente o
casamento (às 12.00h, dia 29) Logo, em rigor, não pode haver impossibilidade
temporária, transitando-se logo para a impossibilidade.
As prestações absolutamente fixas são sempre realizadas a uma determinada hora,
data e local; as partes têm toda a liberdade de fazer outras coisas durante o dia, desde
que as obrigações fixas se mantenham. Qualquer alteração temporal a uma prestação
absolutamente fixa não pode ser imediata: Catarina poderia ter algum compromisso
para as 17h, pelo que não podemos classificar o caso como impossibilidade
temporária: se não tivesse nada agendado, o dever de lealdade impunha que aceitasse
o reagendamento: Por definição, a obrigação extinguir-se-ia; mas nas obrigações há
sempre deveres acessórios, nomeadamente o dever de lealdade, corolário do dever de
agir de acordo com a boa-fé – impunha-se que, se Catarina nada tivesse agendado
para aquela hora, aceitasse o reagendamento.
Pelo contrário, se tivesse algo combinado, então a prestação extinguir-se-ia, ficando
Dália exonerada da contraprestação (790º/1 + 795º/1).
Se catarina nada tivesse combinado e, mesmo assim, desaparecesse e não
comparecesse às 17h, aplicaríamos o regime do abuso de direito – seria abusivo
Catarina invocar a extinção da obrigação, na medida em que iria causar um dano
bastante grande à contraparte, quando esta sua flexibilidade exigiria da cantora um
esforço mínimo.
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d) Estamos perante uma condição (art.790º/2) que Catarina apresenta a Dália: Catarina
só se vincula a cumprir o contrato com Dália se passar no exame.
Por isso, se a condição se verificar (se ela passar no exame) a obrigação de
cantar no casamento constitui-se automaticamente mas logo (como está previsto na
alínea a)) cairá numa impossibilidade superveniente, dado que os noivos desistem do
casamento; todavia, tal não afeta a validade do negócio, apenas o torna juridicamente
impossível.
Pelo contrário, se ela não passar no exame, a condição terá efeitos retroativos,
ou seja, a obrigação assumida perante Dália nem sequer chega a criar-se na esfera de
Catarina, e então o contrato nem chega a celebrar-se.
Teoricamente, este regime seria aplicável. Mas na prática, não o é. Porquê? Porque a
letra da lei é mais ampla do que devia ser, levando à necessidade de interpretação
restritiva:
Exemplo: um agricultor tem um pomar e celebrou um seguro que o protegesse face a
uma destruição da colheita. Imaginemos que celebrou um contrato de compra e venda
de fruta, com B. Se houver um temporal e fruta se destruir por completo, o credor
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pode optar por não pagar (exonera-se da contraprestação) ou pagar a fruta e receber
a indemnização. Indemnização visa colmatar os danos do credor da fruta por não
cumprimento da obrigação: se a fruta tinha como destino o credor, faz sentido que ele
receba a indemnização;
Contrariamente ao exemplo, no caso prático, o seguro que Catarina celebrou
destinava-se não a ressarcir o dano da não celebração do casamento (catarina não
tinha interesse na celebração do casamento) mas sim protege-la a si mesma quanto a
uma redução do seu rendimento por causa do cancelamento de um casamento.
Pagamento não visa compensar a falta de uma cantoria, mas sim a falta da
contraprestação paga por Dália em troca da prestação de Catarina.
Não há aqui qualquer ligação entre a ratio do seguro e Dália, que permita acionar a
figura do commudum de representação. Não faria sentido ser Dália a receber a
indemnização. Para além do que resulta da letra da lei, temos de nos certificar se
existe relação entre o direito do credor e o novo direito que surge na esfera do
devedor por via da impossibilidade.
**
Séc. XX, Inglaterra, morre um rei e o rei Eduardo VII iria ser coroado. Marcou-se a data
da coroação mas, pouco tempo antes, Eduardo teve uma crise de apendicite. O problema
era o de que já tinham sido celebrados inúmeros contratos em torno dessa coroação,
nomeadamente o aluguer de varandas para assistir à mesma. Também foram alugados
imensos barcos, porque parte do cortejo passava pelo rio Tamisa. Eram contratos que, se
não fosse este evento, não teriam razão de ser – figura que só se justificou pelas
circunstâncias excecionais da coroação. Dado o adiamento, alguns donos das varandas
insistiram na realização do contrato, não obstante nada haver de relevante para observar
das varandas. Tal desencadeou inúmeros processos em tribunal porque, à época, apenas a
impossibilidade física relevava: ora, para todos os efeitos, os proprietários permitiam o
24
acesso às mesmas, em troca do valor do aluguer (não havia qualquer impossibilidade
física).
Perante isto, houve a necessidade de alteração legal, porque seria absurdo entender que
estas pessoas manteriam o dever de pagar uma fortuna para aceder a uma varanda sem
qualquer interesse. Argumento dos donos das varandas: “eu não me obriguei a trazer o rei
àquela rua, apenas a deixar atravessar a sua casa e aceder à varanda”. De facto, o
adiamento é inimputável aos proprietários; tal como Catarina não se obrigou a assegurar
que o casamento aconteceria mesmo.
Alteração legal: Passou a entender-se que, o facto de uma das partes não se obrigar a
determinado resultado, não era suficiente para a manutenção da obrigação. A questão é saber
se a coroação ou, no caso, o casamento, encorpavam a definição da obrigação.
Com efeito, a impossibilidade por frustração de fim foi pensada para casos em que o devedor
não se vincula a atingir um dado resultado mas, ainda assim, aquele comportamento (o
cumprimento da prestação) só se justifica se aquele resultado existir.
Apesar de, em certos casos, o devedor não se vincular ao resultado, a sua verificação é
pressuposto do cumprimento da obrigação. Ora, estes casos têm uma resolução semelhante
aos de verificação do resultado, mas por outra via (ex.5).
Mais, não se trata de um caso de interesse de alguma das partes porque a fatalidade surge
antes da data de cumprimento da obrigação (a perda objetiva de interesse é pensada para
casos de mora do devedor, legitimando-se assim a perda de interesse do credor). Não se aplica
a perda de interesse porque este instituto pressupõe que a obrigação ainda existe.
A impossibilidade por frustração de fim e a satisfação do interesse do credor por outra via
(Menezes leitão, pp. 128-129)
25
casos em que o devedor se desloca efetivamente perante ele a oferecer-se para cumprir a
prestação a que estava adstrito e só por um facto externo à sua conduta a prestação não vem
a ser realizada.
Solução da nossa doutrina: entende-se que não deve ser aplicado o art.795º, ou seja, não
devemos equiparar esta situação a um caso claro de impossibilidade inimputável a ambas as
partes. Estamos perante uma lacuna da lei, pelo que deveremos proceder a uma interpretação
analógica – aplicação ao caso do art. 1227º: o devedor deverá ser indemnizado pelo credor,
caso já tenha efetuado despesas tendentes ao cumprimento da prestação que, só por causa de
um facto externo não vem a ser realizada.
**
a) Incoterm EXW:
Esta é a cláusula mais favorável ao vendedor e designa a obrigação de vir buscar. É o
regime regra do nosso código (772º, domicílio do devedor): O vendedor disponibiliza
os bens no seu domicílio; o comprador dirige-se ao devedor para ir buscar as coisas.
b) Incoterm FOB
Em vez de ficar à espera de que venham buscar a coisa ao seu domicílio, o vendedor tem
de enviar as coisas via barco, obrigando-se a ir até ao porto de Sines e depositar as coisas
no local adequado – obrigação de enviar Silvino tem de ir até ao porto, sendo lá que o
risco se transfere para Terêncio. O ato de carregar o navio já corre por conta do
26
comprador (797º). Transferência do risco ocorre no porto de Sines, pelo que o
vendedor tem direito a receber o preço da coisa.
c) Incoterm CIF
Obrigação de envio, mas, neste caso, o vendedor obriga-se a suportar os custos de transporte;
O cumprimento ocorre no mesmo momento do anterior, ou seja, quando há carregamento do
navio.
d) Incoterm DAT
A transferência do risco só ocorre com o descarregamento das rolhas no porto de Sta. Cruz:
Também neste caso as rolhas terão de ser pagas pelo comprador porque pereceram quando já
estavam nesse porto. O risco corre na mesma por conta de Terêncio.
Nenhum dos Incoterms prevê a hipótese de ter e ser o devedor a prover quanto ao
transporte até ao domicílio do comprador.
Não há mora do credor! – Apesar de dizer que Terêncio nunca mais foi levar as rolhas, não
há mora porque a obrigação já fora cumprida. Aquilo que o credor faz depois disso é com
ele.
Aula 6
3-10-2013
Menezes cordeiro – considera a frustração de fim como incluída nos casos de impossibilidade,
e não como figura semelhante à alteração de circunstâncias;
O erro sobre a base do negócio (art.252º, 2) e a alteração de circunstâncias (437º) têm visto o
seu âmbito de aplicação ser consideravelmente reduzido; ora, se o contrato for celebrado
27
primeiro (sem qualquer tipo de invalidade) e a vicissitude ocorrer depois, resolvemos a
questão através da impossibilidade e não com os institutos acima referidos.
O mesmo quando há uma grande quebra do valor da moeda: a prestação é na mesma possível,
mas o seu cumprimento violaria o princípio da boa-fé.
Alteração de circunstâncias é um último reduto, atuando apenas quando a questão não foi
resolvida pelas partes (art.437º, riscos próprios do contrato) ou pelo legislador
(impossibilidade).
Usura – também visa restringir certos desequilíbrios. Visa evitar benefícios excessivos ou
injustificados. Há que modificar o contrato para alterar o excesso.
28
Se houver erro, aplicamos o erro sobre a base do negócio; Situação originária
**
**
A nossa lei ensaia formas que permitam à parte lesada libertar-se da prestação a que se
vinculou:
1. Art. 252º/2, erro sobre a base do negócio – situação subjetiva – situação de erro, ou
seja, está em causa a falsa representação sobre as circunstâncias em que se baseou o
negócio. a consequência é a anulação do negócio;
2. Art. 437º, alteração de circunstâncias – situação objetiva – as circunstâncias
efetivamente existentes no momento da celebração do contrato e que depois se
alteram. a consequência é a resolução ou a modificação, segundo juízos de
equidade.
29
1. Alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar – ao
tempo da celebração, o carro estava em Portugal; posteriormente, é roubado e
encontrado na Rússia;
2. Carácter anormal da alteração – ao tempo da celebração, não era previsível que o
carro fosse roubado e levado para a Rússia.
3. Que essa alteração provoque uma lesão para uma das partes – para o devedor cumprir
a prestação de entrega do automóvel, ter-se-ia de deslocar à Rússia;
4. Que a lesão seja de tal ordem que se apresente como contrária à boa-fé a exigência de
cumprimento da obrigação assumida – seria demasiado oneroso que o devedor tivesse
custos adicionais com o “resgate” do carro e recebesse somente o preço acordado
inicialmente.
5. E não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato.
**
Primeiro requisito
Segundo requisito
A alteração tem de ser anormal, isto é, de todo imprevisível para as partes a sua
verificação. Exemplo: casos de guerra ou de revolução, alterações a nível legal…
Terceiro requisito
Lesão de uma das partes, ou seja, a alteração deve operar um desequilíbrio entre as
prestações contratuais – modificação no equilíbrio contratual;
Caso não haja lesão, o contrato deve ser cumprido nos termos gerais.
Quarto requisito
É preciso que o desfasamento seja de tal ordem que torne contrária à boa-fé que a
parte beneficiada venha exigir o cumprimento do contrato. Assim sendo, podemos
considerar a alteração de circunstâncias como uma forma específica de abuso de
direito, designadamente do direito de crédito, já que se torna ilegítimo o credor ver o
seu interesse satisfeito à custa de uma lesão do devedor. Consequentemente, a
alteração de circunstâncias não pode ser aplicada a contratos já celebrados, já que,
neste caso, o risco de uma alteração substancial (perda de valor) no que respeita ao
objeto da prestação já corre por conta do recetor da prestação.
Quinto requisito
Exige-se que a lesão causada pela alteração de circunstâncias não se apresente como
coberta pelos riscos próprios do contrato. Com efeito, quando celebramos um
contrato assumimos uma série de riscos, não se podendo recorrer à alteração de
30
circunstâncias sempre que a lesão sofrida pela parte não ultrapasse o círculo de riscos
considerados como normais naquele contrato. Conclusão: a alteração de
circunstâncias é um regime subsidiário em relação às regras de distribuição do risco,
cessando a sua aplicação sempre que exista uma regra que atribua aquele risco a
alguma das partes (exemplo: em caso de o automóvel mudar de lugar, é o devedor
quem suporta o risco e as despesas de deslocação). Por isso, este regime não se aplica
aos contratos aleatórios: não havendo limites aos riscos assumidos pelas partes, fica
de todo excluída a aplicação do regime do 437º.
Com efeito, nos termos do art. 807º, a mora do devedor provoca uma inversão do risco da
prestação – ou seja, assume o risco de verificação de posteriores desequilíbrios contratuais.
Com efeito, não podemos conceder uma vantagem em virtude de uma falta contratual: se o
devedor tivesse cumprido pontualmente a prestação, o contrato já teria sido executado e,
assim, excluída a aplicação do regime da alteração de circunstâncias.
A parte lesada não pode decretar imediatamente a resolução, sem averiguar primeiro
se a outra parte não lhe impõe antes a modificação do contrato, segundo juízos de
equidade. Mas se este não o fizer, pode a parte lesada decretar logo a resolução.
Mesmo em relação à modificação, podem as partes conformar extrajudicialmente o
seu conteúdo, só seguindo para tribunal em caso de litígio. a modificação deve visar
a reposição do equilíbrio contratual, tendo em atenção qual a vontade das partes no
contrato e qual a eficácia concreta que a alteração teve na esfera da parte lesada.
Imputação ao devedor – ocorre quando a perturbação é consequência de culpa sua - Ato ilícito
e culposo.
31
Existem casos em que, não obstante a culpa não ser do devedor, esta é-lhe igualmente
imputável (art.800º) - culpa dos seus representantes ou auxiliares, que contam como se
fossem atos do devedor.
Culpa presume-se (art. 799º), porque estamos a falar do não cumprimento de uma obrigação.
Tem de ser o devedor a provar que não houve culpa (=/= obrigações de meios, em que o ónus
de prova recai sobre o credor [ver aula 1])
**
O que é relevante, dado B não ser muito dotado, é tocar COM AQUELE VIOLINO. Não tanto
a pessoa de B, mas sim a presença do violino.
**
32
Caso prático nº 19 - Mora do devedor
Obrigação pura – não havia prazo para a pintura («não chegaram a agendar a prestação do
serviço») – devedor pode cumprir a todo o tempo; credor pode exigir a todo o tempo.
O que precisamos para que a obrigação se vença? Interpelação (805º) Será mesmo
interpelação? Albino só pergunta quando Branco pode, não exige propriamente o
cumprimento Ato de comunicação, em que o credor comunica ao devedor que pretende
que ele cumpra. Na vida real, as pessoas não exigem o cumprimento – pela interpretação,
apesar de termos apenas uma pergunta, o seu sentido é comunicar que o credor pretende o
cumprimento (tendo em conta as regras da educação, etc). O que temos é uma declaração
tácita – literalmente, ele não exigiu, mas tacitamente, fê-lo. Não se exige forma para a
interpelação (219º).
a) Obrigação mantém-se;
b) Contraprestação também se mantém (eventualmente, Albino podia invocar a exceção
de não cumprimento)
c) Responsabilidade civil – dever de indemnizar Albino pelos danos decorrentes do
atraso. 804º.
33
efeitos da transição da mora para o ID (só porque já havia mora! Caso contrário, como
já vimos, regra geral, o interesse do credor não é suficiente para extinguir a prestação)
Extinção da mora, mas sem chegar ao ID (nem pelo facto de ter havido cumprimento):
1. Acordo das partes – moratória. O devedor está em mora, mas as partes conversam e
estabelecem um novo prazo (convenção =/= declaração unilateral do credor, ou seja,
fixação de um prazo admonitório). Com a moratória, as partes estendem o prazo para
cumprir e afastam a mora.
Branco alega que foi duas vezes a casa do credor e não lhe abriram a porta, daí ele incorrer em
mora. Todavia, não ocorre no caso em análise porque não se exige que o credor esteja sempre
em casa, à espera que o devedor cumpra – Branco deveria avisar primeiro.
Não havendo purgação da mora, transita-se para o ID porque o prazo admonitório não foi
cumprido.
Art. 807º - Princípio de que, antes da mora, há maior equilíbrio entre as partes. Mas a partir do
momento em que há mora do devedor, ele torna-se responsável pelo perecimento ou
deterioração da coisa. Antes da mora, ele só responde por culpa. Depois da mora, responde
por qualquer problema que teoricamente não lhe seria imputável – não porque o tenha
causado, mas por estar em mora. O devedor pode, contudo, conseguir não suportar o risco,
conforme refere o nº2: o devedor tem a hipótese de provar a relevância negativa da causa
virtual.
34
a) Obrigação extingue-se com o não cumprimento do prazo admonitório;
b) Contraprestação – também se extingue, havendo resolução por parte do credor: se
perde o interesse (porque apenas queria a parede preta para o Halloween), seria
absurdo não resolver;
**
Não haveria indemnização, a menos que nuno tivesse de pagar mais a substituta.
**
Trata-se de uma violação positiva do contrato ou da obrigação – houve uma conduta, mas
desconforme com o resultado pretendido.
DL 67/2003/ 8 de abril – regime jurídico da compra e venda de bens de consumo – antes deste
DL, historicamente, ia-se ao regime da compra e venda, ou ao da empreitada, e aplicava-se por
analogia.
35
O DL 67/2003 apresenta possíveis soluções para as desconformidades da prestação,
sublinhando que aquilo que se passa é o não cumprimento pontual da prestação e não um
problema com o objeto em si (art.2º/1) – assim, o princípio geral que norteia a classificação de
uma prestação como defeituosamente cumprida é o princípio da pontualidade.
Perante o não comprimento da prestação ponto por ponto, o credor pode optar por uma de
quatro soluções, constantes no art.4º:
1. Substituição
2. Reparação
3. Redução do preço
4. Resolução do contrato
O consumidor pode escolher entre estas opções, desde que tal escolha não vá contra os
limites impostos pela boa-fé. Por exemplo: se for muito fácil reparar a coisa, sendo só preciso
acrescentar uma peça, será contrário à boa-fé se o credor exigir a substituição.
**
Caso prático nº 21
Não se exige prova de mais nada a não ser o da desconformidade com o contrato. Não é
preciso que o cumprimento defeituoso cause danos ao credor. Assim, o consumidor tinha
direito a escolher, e o vendedor só se podia opor a essa escolha se ela fosse demasiado
onerosa e a opção por outra fosse de valor equivalente para o comprador.
**
Questão: em que medida podem as partes estipular algo que se desvie do regime
regra?
Estão em causa as chamadas cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade.
Ricardo não pode excluir-se de responsabilidade quanto a danos causados pelos seus
colaboradores – art. 800º e 809º. A renúncia e possível depois do dano feito, se o
lesado assim o entender; mas não é possível no momento do contrato.
Limitação: “só sou responsável até 1000€”;
Exclusão: “não sou responsável”; ou “não respondo por culpa leve, só por culpa grave
e dolo”.
36
É líquido entre a doutrina que as cláusulas de exclusão são proibidas. Mesmo assim, a
doutrina divide-se quanto às cláusulas de limitação – autores mais antigos não
permitem as cláusulas de limitação (Ana Prata, por exemplo); =/= Pinto Monteiro –
considera a sua validade, pois estas cláusulas são usadas todos os dias e vão de
encontro às necessidades do comércio. Atualmente é pacífico que se pode restringir a
responsabilidade por culpa leve; e que não se pode restringir a responsabilidade de
danos à integridade física e ao bem vida. Prevalece o entendimento de que só é
proibido o que vem previsto nas CCG. O resto é admissível.
Aula 7
7-10-2013
810º/1 Cláusulas de fixação de responsabilidade são amplamente admitidas pela nossa lei.
São as cláusulas penais. Estas são tendencialmente válidas tanto para a mora como para o ID,
fixando antecipadamente as consequências para estes dois tipos de não cumprimento.
Visam facilitar a aplicação do instituto da responsabilidade civil. Quando as partes nada dizem,
aplicam-se os temos gerais do direito, o que pode gerar dificuldades de chegar a acordo
quanto ao montante da indemnização. Para agilizar o processo, as partes podem desde logo
fixar no contrato as consequências da mora ou do incumprimento de uma obrigação
decorrente de um contrato entre elas celebrado. Uma vez que visa pré-estabelecer as
consequências da mora ou do incumprimento, as cláusulas penais só serão aplicáveis quando é
relativamente fácil chegar ao valor devido pela parte que lesa (por exemplo, quando se sabe
exatamente qual o prejuízo de cada dia de atraso no cumprimento ou do incumprimento
definitivo da obrigação).
37
Existem três modalidades de cláusulas penais:
Por fim, se o devedor demonstrar que não houve quaisquer danos, pode conseguir que não se
aplique esta cláusula – já que, no nosso direito, a compensação devida ao credor depende
sempre da medida dos danos.
**
Valor que punitivamente é imposto à parte que incumpre a obrigação a que se vinculara.
Funciona como uma autêntica sanção, como se fosse uma pena, sendo o seu objetivo é
sancionar pelo incumprimento. O credor não procura mais o cumprimento, mas sim uma
forma de o substituir pecuniariamente na sua esfera jurídica. Visa sancionar o devedor pelo
incumprimento e, ao mesmo tempo, compensar o credor pela não satisfação do seu crédito.
38
2.2. CLÁUSULA PENAL COMPULSÓRIA
**
O regime do 810º e ss foi redigido numa altura em que ainda não havia a consciência destas
distinções. Cabe ao intérprete fazer a distinção.
810º/1 – Refere-se apenas à cláusula penal compensatória. O regime dos artigos seguintes foi
pensado apenas a esta. As restantes modalidades não são abrangidas pelo regime mas são
admitidas, no âmbito da autonomia privada. Aplicamos o regime do 810º e ss até onde se
justificar:
O credor também pode prescindir da cláusula penal e exigir indemnização nos termos gerais
da responsabilidade civil, se houver a convenção entre as partes a que se refere o 811º/2, in
fine. Não havendo convenção, aplica-se a cláusula.
39
811º/3 – Quando temos uma compensação pela mora e outra pelo ID temos de ter a certeza
que o credor não vai receber mais do que o valor dos danos. Proibição do excedente.
Redução equitativa (art.812º) – Pinto Monteiro defende a aplicação deste princípio a todas as
cláusulas penais e até mesmo a figuras afins, como o sinal. Não são, tecnicamente, cláusulas
penais mas têm uma função similar.
40
São causas que extinguem o contrato e que, por isso, arrastam consigo a obrigação. Mas o
que releva para efeitos do direito das obrigações são as causas de extinção que apenas
afetam uma obrigação.
**
2a feira
3a feira 5a feira 6a feira
CV 4a feira
nao quer ja tinha o levantou o
cumprimento cheque
camisolas diinheiro dinheiro
parcial
Não podendo pagar, João oferece-se para entregar a Paulo camisolas, em vez da quantia
acordada – tentativa de dação em cumprimento (art.837º).
«Prestação de coisa diversa da que era devida» - aqui, coisa tem um sentido mais amplo: pode
ser prestação de coisa ou de facto, positivo ou negativo. Uma qualquer obrigação. Funciona
com toda a espécie de obrigações. Porém, a prestação de coisa diferente da que era devida
não pode corresponder a uma nova obrigação assumida perante o credor já que, nesse caso,
estaríamos perante a figura da novação.
41
Exemplo: João vem logo com as camisolas e pergunta se Paulo as aceita, em
substituição do dinheiro devido. Se o credor concordar, há dação. =/= Mas se não
tiver levado as camisolas, e for busca-las depois, já não é dação, é novação. Do lado do
devedor não basta declarar que vai prestar algo diferente, tem de, de facto, prestar a
coisa. Só com a entrega da coisa temos dação em cumprimento.
Ratio deste requisito – este requisito justifica-se mesmo que a prestação realizada tenha valor
igual ou superior à prestação devida, uma vez que era esta a que o credor tinha direito, e não
se compreenderia que fosse forçado a receber outra prestação, a qual, mesmo que tivesse
valor superior, poderia não corresponder ao seu interesse.
No caso concreto, há apenas uma tentativa de dação em cumprimento porque o credor não
aceita.
Contrato oneroso, pelo qual se extingue uma obrigação através da realização perante o credor
de uma prestação diferente da devida como contrapartida da não prestação da primitiva.
42
**
Noção – consiste na execução de uma prestação diversa da devida para que o credor proceda à
realização do valor dela e obtenha a satisfação do seu crédito por virtude dessa realização.
Por isso, na dação, o crédito subsiste até que o credor venha a realizar o valor dele.
Não visa obter a exoneração imediata do devedor, mas sim proporcionar ao credor uma forma
mais fácil de obter a satisfação do seu crédito, através da transformação em dinheiro da
prestação que for realizada. É, por isso, um negócio preparatório do cumprimento.
Com efeito, pode ser vista como um mandato conferido pelo devedor ao credor para proceder
à liquidação da prestação realizada e se pagar com o dinheiro obtido por essa via.
Outro exemplo: presto um bem distinto da prestação a que me vinculei e o credor tenta
vendê-lo. Só quando receber o preço é que a obrigação se extingue (aqui, não serão
válidas prestações de facto, isto é, só vale a prestação de uma coisa que possa ser
convertida em dinheiro). Mas se quiser antes ficar com o relógio, voltamos à figura da
dação em cumprimento.
Se o credor não conseguir vender o relógio, não há exoneração e o devedor continua vinculado
à prestação original; mesmo enquanto o credor tenta vender, o devedor mantém-se vinculado
à prestação.
Se diz “vou ver o que consigo fazer com o objeto que me estás a entregar” – temos uma
espécie de indefinição, até que consiga converter em dinheiro – dação pro solvendo.
43
O credor pode recusar a dação pro solvendo, ou seja, a entrega de um cheque como
meio de pagamento ou entrega do relógio. Se o credor não aceitar a dação, o
devedor entra em mora.
O credor também tem de dar o consentimento. O único modo que, entre particulares,
extingue imediatamente a obrigação pecuniária são as moedas e notas. Com o cheque,
apenas o seu depósito na conta do credor, por parte do banco, extingue o seu direito
de crédito.
Em que dia se extingue a obrigação de João perante Paulo? 5ª Feira, porque o seu interesse
já foi satisfeito, ou seja, o montante do cheque já está disponível na sua conta bancária.
**
O que é?
A lei não considera justo que, nestes casos, o devedor fique indefinidamente vinculado ao
cumprimento, apenas em virtude de o credor não prestar a colaboração necessária para esse
cumprimento, pelo que confere ao devedor um meio de produzir a extinção da obrigação sem a
colaboração do credor. Trata-se de uma faculdade que a lei confere ao devedor.
Pressupostos
a) Ter a obrigação por objeto uma prestação de coisa, podendo ser uma quantia
pecuniária, ou uma coisa de qualquer outra natureza.
b) Não ser possível ao devedor realizar a prestação por um motivo relacionado com o
credor (art. 841º/1).
- Impossibilidade não imputável ao devedor de realização da prestação ou de o fazer
em segurança, por motivo adveniente da esfera do credor. Ex: desconhecimento do
44
paradeiro do credor; credor está em coma e sem que tenha representante legal a
quem fazer o cumprimento.
- Mora do credor.
Efeitos
Efeitos
Durante o decurso da ação: a obrigação mantém-se, mas recai sobre o credor o risco
de perda ou deterioração da coisa;
Sendo a consignação aceite pelo credor ou declarada judicialmente, o devedor
exonera-se da prestação, como se tivesse realizado a prestação na data do depósito
(art.846º).
O credor vê extinto o seu direito de crédito perante o devedor, adquirindo, porém,
outro crédito à entrega da coisa por parte do consignatário.
45
Aplica-se a casos em que o devedor quer cumprir e é o credor que é renitente. Eu tenho uma
dívida, tento cumpri-la mas o credor nunca está disponível – configuração de uma situação de
mora do credor. O devedor pode ter interesse em livrar-se da obrigação. Por isso, este regime
serve para aqueles casos em que existe uma vantagem em cumprir.
Exemplo: tenho um cavalo à minha guarda e tenho o dever de o entregar (a prestação a que
me vinculei é a de entrega do cavalo). Se o credor não o vier buscar, tenho gastos adicionais de
manter o animal a meu cargo (alimentação, infraestruturas…). Para além do dever de cumprir,
há interesse em livrar-se da prestação. Surge então esta figura, que se justifica quando a
não realização causa prejuízo ao devedor.
Outra situação, em que não há mora do credor: o credor está em coma; não há mora, mas há
na mesma interesse do devedor em livrar-se da prestação.
É necessário recorrer ao tribunal, fazendo se uma petição para entregar a coisa. Se for coisa
móvel, dinheiro ou qualquer outra coisa passível de ser guardada num cofre, a coisa deve ser
entregue na caixa geral de depósitos; se não for susceptível para lá ser guardada, será
encontrado o local mais adequado ao depósito.
Art. 846º - Para a aplicação deste regime, é necessária a aceitação do credor ou decisão judicial
que reconheça a consignação em depósito. Só assim é que o devedor se exonera.
Quem suporta os custos iniciais do processo é o devedor (porque é o autor da ação). Não
obstante, no final, os restantes custos serem imputados ao credor (porque há mora do credor).
**
Compensação
Noção: modo de extinção das obrigações segundo o qual, quando duas pessoas estejam
reciprocamente obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma natureza, é admissível que as
respetivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de
realizar as suas prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela
outra parte.
Vantagens: produz a extinção das obrigações dispensando a realização efetiva das mesmas, ou
seja, é uma forma de facilitação do pagamento; permite ao declarante extinguir a sua
obrigação, mesmo que não tenha qualquer possibilidade de receber o seu próprio crédito por
insolvência do devedor, funcionando assim como uma garantia dos créditos.
Pressupostos (art.847º):
46
Exigibilidade do crédito que se pretenda compensar (art.847º/1/a)).
Existência, validade e exigibilidade do crédito do declarante:
O crédito do declarante tem de ser judicialmente exigível e apenas é possível se o devedor não
puder opor qualquer exceção. Basicamente, só são exigíveis créditos em relação aos quais o
declarante possa exigir a realização coativa da prestação. Assim:
- Não podem ser compensados créditos de obrigação natural com dívidas respeitantes
a uma obrigação civil. Exemplo: fiz uma aposta com o Miguel e, como ganhei, ele ficou
de me pagar 10€ (obrigação natural); se, por força de um contrato de compra e venda
de um CC lhe estiver a dever 10€, não posso exigir a compensação das dívidas, dada
uma ser natural e outra civil;
- Não pode haver compensação se o crédito ainda não tiver vencido. Todavia as partes
podem, contratualmente, afastar o requisito de a prestação do declarante já ter de se
ter vencido.
- Não pode haver compensação se uma das partes tiver invocado a exceção de não
cumprimento ou a prescrição (neste último caso, apenas se ela tiver ocorrido antes da
compensabilidade das prestações).
Também o declaratário tem de ser titular de um crédito válido, ou seja, o declarante tem de ser
seu devedor;
Esse crédito válido tem de poder ser cumprido pelo devedor (declarante), só nesse caso sendo
legítimo ao declarante invocar a compensação (não pode, por exemplo, se estiver insolvente).
Portanto, o declarante não pode invocar a compensação se a sua dívida ainda não estiver
vencida e o prazo tiver sido estabelecido em favor do credor (é o declaratário que determina o
momento em que a prestação será cumprida).
Por fim, o declarante pode utilizar a compensação para extinguir dívidas naturais suas com
créditos civis do declaratário.
47
eventual pagamento de indemnização. Todavia, nada impede que o lesado venha,
nessa circunstância, invocar a compensação para extinguir a sua dívida. Se ambos os
créditos provierem de factos ilícitos, também não poderá haver compensação.
O regime da compensação
Art. 848º - A compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra.
Todavia, mediante essa declaração, os créditos consideram-se extintos desde que se tornaram
compensáveis (art.854º). há retroatividade.
A compensação será ineficaz se for constituída sob condição ou termo, o que se justifica com a
necessidade de certeza e segurança quanto à extinção das obrigações
48
A declaração de compensação é um direito potestativo – reflete-se na esfera da outra parte
sem que ela se possa opor.
Havendo vários créditos compensáveis entre as partes, a escolha de saber sobre qual deles
incide a compensação cabe ao declarante. Subsidiariamente, vigoram as disposições dos
artigos 784º e 785º (art.855º/2).
Só pode haver compensação quando temos duas pessoas que são, reciprocamente, credores e
devedores. Temos duas obrigações da mesma espécie, cruzadas. Imaginemos que fico a dever
5eur a B. No dia seguinte, faz-se o inverso, ou seja, deve-me ele 5eur. Se uma das partes o
propuser, haverá compensação.
A compensação não é automática, a não ser que vigore entre as partes o esquema de
conta corrente, ou seja, de compensações permanentes. A cada momento temos um
saldo e só o saldo é devido (vou todos os dias almoçar com um amigo, sendo que um
dia paga ele, noutro pago eu).
A conta corrente diz respeito a uma situação em que há compensação permanente
entre um mesmo credor e um mesmo devedor. Exemplo: A é dono de um
supermercado e B é dono de uma fábrica de bolachas. A encomenda sempre e só
bolachas a B; por sua vez, B faz sempre e só as compras semanais na loja de A – ambos
têm continuamente direitos de crédito um sobre o outro; vamos tendo obrigações de
ambos os lados, mas apenas há uma obrigação quanto ao saldo da conta corrente, ou
seja, tem de estar equilibrado. Neste caso, não há necessidade de, a cada nova dívida,
haver declaração de compensação. Apenas tem de haver uma declaração que valerá
para todo o vínculo contratual.
Não existindo este esquema, não há compensação a não ser que uma das partes declare que
“compensam-se as dívidas”. Se não, ambas permanecem.
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1. Obrigação de pagamento dos sapatos
2. Dever de indemnizar – decorrente da agressão, da lesão da integridade física, há dever
de indemnizar.
Todavia, a compensação tem requisitos que obstam à compensação proposta: não pode incidir
sobre a obrigação de indemnizar por facto ilícito doloso – esta obrigação não se extingue por
compensação (853º/1/a).
Prof. Lima Rego: quem não pode extinguir a prestação através da compensação é Paulo (o
agressor); João, se quiser, pode. Porque não foi ele que praticou o facto ilícito. Não se trata de
uma aceitação, isso não pode acontecer, não pode ser o autor do facto doloso a propor a
compensação. Tem de ser o lesado a propô-la.
Aula nº8
10-10-2013
Compensação (continuação)
Aplicação das regras básicas do negócio jurídico, quanto à eficácia das declarações negociais –
art. 224º.
Exemplo: duas obrigações já eram compensáveis (um delas, pelo menos, já era
exigível, ou seja, já vencera) desde junho mas só o declaro agora. Com a declaração, os efeitos
retroagem a junho. Importância da retroatividade: se uma delas prescreveu em agosto, isso
não afeta a compensação porque a declaração retroage à data de constituição de obrigações
compensáveis A compensação prevalece sobre a prescrição. Desde que a compensabilidade
seja anterior à prescrição, é possível proceder à compensação. (conforme vimos acima, o
mesmo acontece em relação aos direitos de terceiros).
**
A Novação
1. Conceito e modalidades
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Regime parecido com a dação em cumprimento. Tomando novamente como exemplo
as camisolas: em vez de a prestação instantânea de uma coisa, temos a assunção de
uma nova obrigação A obrigação nova assumida pelo devedor é a de ir a casa
buscar as camisolas e regressar com elas, a fim de as entregar ao credor. Há a
substituição da prestação primitiva por uma nova prestação.
Novação objetiva
A novação diz-se objetiva sempre que a nova obrigação se constitui entre os mesmos
credor e devedor da obrigação antiga (art.857º).
Pode representar uma mudança no objeto da prestação: um comerciante obriga-se a
entregar a outro 10 camisolas, em vez dos 100eur que devia.
Ou uma alteração na sua fonte: o mandatário, que deveria restituir 1000eur ao
mandante, combina com ele conservar aquela quantia a título de mútuo.
Caso de novação objetiva: sou trabalhador de um banco, onde tenho conta aberta.
Todos os meses, o banco tem de me depositar o ordenado, na minha conta. O
ordenado é 1000€, que é depositado na minha conta – lançamento contabilístico na
minha conta; quando os 1000€ caem na minha conta, há uma nova obrigação de o
banco pagar 1000€ (caso eu os queira levantar), mas enquanto banco e já não como
entidade patronal. A novação objetiva é, pois, a substituição de uma obrigação por
outra, permanecendo o mesmo credor e devedor.
Novação subjetiva
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Importante: para que exista novação (em qualquer das modalidades) terá de haver
sempre intenção das partes de extinguir a anterior obrigação, criando uma nova em
sua substituição. Assim, na ausência de intenção, o que as partes realizarão será
apenas uma modificação (se a alteração for objetiva) ou transmissão (se se operar uma
alteração de credor ou devedor) da obrigação primitiva, nunca uma novação.
2. Pressupostos da novação
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Assim sendo, a novação é ineficaz sempre que falte uma obrigação prévia.
3. Regime da novação
Efetivamente, a garantia é sempre concedida tendo em atenção uma concreta obrigação; a lei
admite, porém, a possibilidade de as garantias iniciais serem reservadas para a nova obrigação,
desde que essa reserva seja efetuada por declaração expressa (861º). Porém, tratando-se de
garantia de terceiro, também terá de haver declaração expressa deste nesse sentido (861º/2).
Tal declaração, quer do devedor quer de terceiro, pode ser efetuada previamente à novação:
basta que estabeleçam que, na eventualidade de uma nova obrigação por novação, as
garantias primitivas manter-se-ão.
**
Remissão
1. Conceito de remissão
Regime previsto nos arts. 863º e ss, consiste num perdão de dívida (extinção da dívida,
por decisão do credor e com o acordo do devedor). Efetivamente, o credor, tendo
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naturalmente direito a exigir a prestação do devedor, pode, com o acordo deste,
abdicar desse direito, determinando a extinção da dívida, sem que ocorra a realização
da prestação.
Definição: a remissão consiste no acordo entre o credor e o devedor mediante o qual
aquele prescinde de receber deste a prestação devida.
O nosso OJ não olha com bons olhos para as renúncias antecipadas aos direitos do
credor (art.809º). Mas posteriormente podemos declarar como perdoada uma dívida.
2. Pressupostos da remissão
a) A existência prévia de uma obrigação;
Efetivamente, a remissão consiste num negócio jurídico extintivo de obrigações, pelo
que a sua celebração depende da existência da obrigação que se visou extinguir.
Por isso, não é remissão o chamado reconhecimento negativo de dívida: declaração do
credor perante determinada pessoa, afirmando que não existe qualquer obrigação que
esta deva realizar perante ele.
- Reconhecimento da inexistência de dívida – questão de facto de saber se há
uma dívida. Se as partes chegarem a conclusão de que, afinal, já tinha havido
exoneração, o credor declara-o através desta figura.
b) Um contrato entre credor e devedor pelo qual aquele abdica de receber deste a
prestação devida. O contrato de remissão constitui um ato de disposição do direito do
credor, representando ao mesmo tempo uma atribuição patrimonial geradora de
enriquecimento para o devedor. Regra geral, esta atribuição patrimonial do credor
para o devedor será realizada a título de liberalidade. Neste caso, o contrato de
remissão revestirá a forma de uma doação (863º/2): de facto, é uma atribuição
patrimonial geradora de enriquecimento, que produz a diminuição do património do
credor.
3. Efeitos da remissão
Se a obrigação tiver apenas um credor e um devedor, a remissão opera a extinção da
obrigação:
- Liberação do devedor;
- Extinção do direito de crédito.
Existindo uma pluralidade de partes: a remissão pode ter sido concedida a todas ou
por todas as partes; ou apenas por algumas ou a algumas das partes:
a) Remissão in rem: Referindo-se a remissão a toda a dívida, a sua extinção definitiva
opera-se em relação a todos os sujeitos.
b) Remissão in personam: A remissão é somente concedida por ou em benefício de
pessoas específicas, pelo que apenas produzirá efeitos em relação a estas, mantendo-
se a obrigação para as restantes.
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A remissão in personam tem efeitos distintos consoante o regime específico de
pluralidade das partes na relação obrigacional aplicável:
a) Regime da conjunção ou parciariedade – extinguem-se as frações da obrigação (como
um todo) em relação às partes visadas na remissão, não sendo afetada a obrigação
quanto aos seus restantes sujeitos. Ex: se A, B e C devem parciariamente 900€ a D, o
facto de a dívida de A ser remitida em nada afeta a parcela de dívida dos demais, que
continuam apenas a dever 300€ cada um.
b) Regime da solidariedade passiva (pluralidade de devedores) – vindo a ser remitida a
dívida de um dos devedores, esta extingue-se, mantendo-se a dos restantes
devedores. Estes ficam, porém, exonerados pela parte relativa ao devedor remitido.
Ex: se A, B e C devem solidariamente 900€ a D e este concede remissão a C, deixa de
poder exigir a prestação a C, podendo exigir 600€ a qualquer um dos outros dois.
864º/1
- Nota: se o credor declarar reservar o seu direito por inteiro (os 900 e não
somente os 600€) contra os outros devedores, estes conservarão também o
seu direito de regresso contra o devedor exonerado. Ex: D pode exigir os 900€
a B, mas este tem direito de regresso tanto perante A como perante C,
podendo exigir 300€ a cada um deles. 864º/2
a) Remissão concedida pelo credor a um dos devedores – implica que o credor só pode exigir a
prestação dos restantes (que será na mesma os 900€, já que a prestação não é divisível) se
lhes entregar o valor da parte que compete ao devedor exonerado (865º/1 + 536º);
b) Remissão concedida por um dos credores ao devedor – embora este não fique exonerado
perante os restantes credores, estes só podem exigir-lhe a prestação se lhe entregarem a
parte referente ao credor que remitiu (simbolizando essa restituição a remissão, já que a
prestação é indivisível).
A remissão tem como efeito a extinção das garantias prestadas por terceiros (866º/1);
Sendo a remissão nula por causa imputável ao credor, mantêm-se extintas as
garantias, salvo de o terceiro conhecesse, ao tempo em que soube da remissão, da
nulidade do negócio remissivo (tal como na novação) 866º/3
Pelo contrário, a renúncia, por parte do credor, às garantias da dívida (prestadas por
terceiros garantes) não fazem presumir a remissão da dívida (867º), desde logo porque
a remissão carece de contrato celebrado entre credor e devedor.
**
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A confusão
1. Conceito de confusão
A confusão consiste na extinção simultânea do crédito e da dívida em consequência da
reunião, na mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor (art.868º). a
obrigação, como vínculo intersubjetivo que é, pressupõe a alteridade de sujeitos pelo
que, se essa alteridade desaparecer, naturalmente que se extinguirão tanto o crédito
como a dívida. De facto, deixa de haver qualquer necessidade jurídica de manter a
obrigação, como adstrição/vinculação de uma pessoa a realizar uma conduta em
benefício de outra, a partir do momento em que o adstrito à prestação e o beneficiário
dela são o mesmo.
Confusão imprópria – reunião, na mesma pessoa, das qualidades de devedor e garante
da obrigação – neste caso não há qualquer extinção da garantia, apenas há a extinção
da garantia, salvo se o credor tiver legítimo interesse na sua subsistência (871º/3).
2. Pressupostos da confusão:
3. Regime da confusão
Extinção de ambas as obrigações;
Extinção de todos os acessórios do crédito;
Extinção das garantias que asseguravam o cumprimento da obrigação, quer as
prestadas pelo devedor, quer por terceiro.
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Desfazendo-se a confusão, renascem ambas as obrigações, bem como os acessórios do
crédito. Todavia, as garantias prestadas por terceiro permanecem extintas, se a
invalidade for imputável ao credor, salvo se o terceiro tivesse conhecimento do motivo
de invalidade da confusão, ao tempo em que teve conhecimento da mesma.
Art.873º/2
Reunião, na esfera de uma única pessoa, das qualidades de credor e devedor – é outro forma
de extinção de uma dívida, denominada confusão.
**
Prescrição
1. Generalidades
Causa de extinção do direito de crédito, mas inserida na parte geral do CC, ao lado da
caducidade e do não uso (no capítulo relativa ao tempo e às suas repercussões nas
relações jurídicas), não sendo por isso vista como uma figura privativa dos direitos de
crédito. Não obstante, é nesse campo que tem maior relevância.
Conceito: ocorre a prescrição quando alguém adquire a possibilidade de se opor ao
exercício de um direito, em virtude de este não ter sido exercido durante um
determinado lapso temporal (304º/1). Podemos, pois, entender a prescrição como
uma exceção, na medida em que permite ao seu titular paralisar eficazmente um
direito da contraparte.
Não deve ser confundida com a caducidade e o não uso.
Caducidade – quando, por lei ou por vontade das partes um direito deva ser exercido
durante um certo lapso de tempo a situação é preferencialmente qualificável como
caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (298º/2).
Não uso – causa de extinção privativa dos direitos reais de gozo, em relação aos quais
não se aplica o regime da prescrição (298º/3).
Por inferência, retiramos que há prescrição sempre que não exista prazo especial de
exercício, resultante da lei ou por vontade das partes, não se esteja perante um direito
real de gozo e não estejamos perante um direito indisponível ou que a lei declare
isento de prescrição (298º/1). Cumpridos os requisitos da prescrição, o direito pode
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prescrever se não for exercido dentro do prazo de prescrição, que é ordinariamente
fixado em 20 anos (309º).
Ao contrário dos direitos reais, a generalidade dos direitos de crédito prescrevem, por
força do princípio da não vinculação perpétua, mediante o qual ninguém está para
sempre vinculado às obrigações, o que significa que elas (e também os contratos)
prescrevem, mais tarde ou mais cedo.
Existem diversos tipos de prescrições presuntivas, com prazos distintos, como por
exemplo a relativa ao arrendamento de habitação por estudantes (317º/a))
Prescrição presuntiva de dois anos: passados esses dois anos, o devedor está
dispensado de provar que pagou. Terminado o prazo da prescrição presuntiva, o ónus
de provar que o devedor não cumpriu recai sobre o credor, não tendo o aquele de
demonstrar que pagou (trata-se de uma questão é probatória). Neste caso, a obrigação
permanece civil, apenas se inverte o ónus da prova.
- Ratio desta prescrição presuntiva: o devedor médio não tem o dever de
guardar os comprovativos de pagamento mais do que dois anos =/= em casos normais
de prescrição, ou seja, quando não há qualquer prescrição presuntiva, prescrevendo, a
obrigação civil torna-se natural, já que cessa a faculdade de exigir o cumprimento – se
o devedor quiser, ainda pode cumprir, ou seja, a obrigação não fica sem causa.
3. Regime da prescrição
De acordo com o art.300º, o regime da prescrição é absolutamente imperativo.
Nos termos do art. 303º, a prescrição não pode ser conhecida ex officio, tendo de o ser
através de invocação judicial ou extrajudicialmente: a prescrição não resulta
automaticamente do decurso do prazo, sendo necessária a sua invocação pelo devedor,
para que possa ocorrer a extinção da obrigação. Se o devedor não invocar a prescrição
quando demandado pelo tribunal para cumprir a obrigação a que estava adstrito,
aquele condená-lo-á no cumprimento da obrigação.
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Efeito da prescrição: faculdade atribuída ao devedor de recusar o cumprimento da
obrigação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (304º/1).
A prescrição pode, em termos jurídicos, ser definida como uma exceção perentória.
Importante: se a contraparte tiver invocado a exceção de não cumprimento
(anteriormente à invocação da prescrição por parte do devedor), a prescrição da sua
obrigação não prejudica a exceção de não cumprimento, salvo se se tratar de
prescrição presuntiva (430º).
A prescrição é renunciável, mas somente após ter decorrido o prazo prescricional
(302º/1), tendo legitimidade para a renúncia quem puder dispor do benefício por ela
criado (302º/3); obviamente, a renúncia é tácita e não carece do consentimento do
credor.
Nota: nos termos do art. 305º/1, a lei permite que, além do devedor, possam invocar a
prescrição o credor ou qualquer outro terceiro com legítimo interesse na sua
declaração, ainda que o devedor tenha renunciado.
4. Prazo da prescrição
Lapso de tempo durante o qual o sujeito pode exercer o seu direito. Não o fazendo, o
direito prescreverá. Ora, esse lapso de tempo denomina-se prazo de prescrição.
O prazo ordinário é de 20 anos (309º), existindo contudo outros prazos especiais (310º
e 311º).
Quanto ao início do prazo da prescrição, a lei determina que este só se verifica a partir do
momento em que o direito puder ser exercido, ou seja, a partir do momento em que o
credor tem a possibilidade de exigir ao devedor que realize a prestação devida:
Os prazos de prescrição podem ser suspensos, o que ocorre quando a sua contagem é
paralisada durante a verificação de certos factos ou situações a que a lei atribui esse efeito;
terminado o período de suspensão, continua a contar-se o prazo (318º e ss);
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Ou interrompidos – não só a contagem é interrompida, como se inutiliza o prazo
anteriormente decorrido. (acabando a interrupção, começa se a contar do início). 323º e ss.
5. Natureza da prescrição
Meio de defesa, exceção perentória, invocação de um facto extintivo ou modificativo
para travar uma exigência do credor em torno de uma prestação;
Exceção perentória (304º/1), já que permite ao devedor paralisar definitivamente um
direito da contraparte.
A prescrição da obrigação civil torna-a uma obrigação natural, já que desaparece a
faculdade de exigibilidade, por parte do credor.
Assim, a prescrição é ou não causa de extinção das obrigações consoante a nossa posição
acerca da natureza das obrigações naturais:
Exemplo: celebro um contrato com um empreiteiro. Não tendo estipulado um prazo para o
cumprimento, a obrigação, a certa altura, prescreverá. Mas se estipularmos um prazo, temos
uma obrigação de prazo, pelo que terminando o prazo, ela caduca.
Obrigações sem prazo (obrigações puras) – ligam-se, regra geral, com a prescrição, por
força do princípio da não vinculação perpétua.
Obrigações com prazo – ligam-se, regra geral, com a caducidade, por passar o prazo.
Nota: Quando o prazo resulta de convenção entre as partes sabemos que, passado o prazo,
haverá caducidade. Mas quando é a lei a fixar o prazo, fica a dúvida se se aplica o regime da
prescrição ou da caducidade. Quando a lei nada diz, aplica-se por defeito o regime da
caducidade.
**
De facto, qualquer das partes pode ceder a sua posição contratual. Mas do que tratamos aqui
é da transmissão da posição de credor.
No caso, não se fala em contrato: a cessão opera a transmissão do direito de crédito, não de
toda a posição contratual.
=/=
Conceito: consiste numa forma de transmissão do crédito que opera por virtude de um
negócio jurídico, normalmente um contrato celebrado entre o credor e um terceiro.
O regime da cessão de créditos não constitui um tipo negocial autónomo, mas antes
uma disciplina de efeitos jurídicos, que podem ser desencadeados por qualquer
negócio transmissivo (art. 578º/1).
Destes dois pontos resulta que: o crédito é uma situação jurídica suscetível de transmissão
negocial, sem que o devedor tenha de outorgar ou de forma alguma colaborar com o negócio
transmissivo.
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c) A não ligação do crédito, em virtude da própria natureza da prestação, à pessoa do
credor.
Esse negócio jurídico pode ser uma compra e venda (874º), uma doação (940º), uma
sociedade (984º), uma dação pro solvendo (840º/2), uma dação em cumprimento
(837º).
A cessão de crédito é, pois, um efeito desse mesmo negócio, no qual se integra. Por
isso, a lei determina expressamente que os requisitos e os efeitos da cessão entre as
partes definem-se em função do tipo de negócio que lhes serve de base (578º/1) é
através do negócio de base que se define a forma e o regime aplicável à cessão.
Normalmente, o negócio jurídico que serve de base à cessão é um contrato, pela que
serão necessárias as declarações negociais do cedente e do cessionário. Todavia, a
cessão também pode resultar de um negócio jurídico unilateral, nomeadamente o
testamento (ver 457º e ss). é também possível a cessão de créditos por meio de um
contrato a favor de terceiro (443º/2), caso em que a aquisição do crédito não
necessitará de declaração do cessionário, efetivando-se na sua esfera jurídica sem a
necessidade do seu consentimento (444º/1).
O negócio que serve de base à cessão é sempre causal, pelo que a cessão de créditos
não constitui entre nós uma forma de transmissão abstrata do crédito.
Art. 585º - Determinando que o devedor pode opor ao cessionário todas as exceções
que possuía em relação ao cedente, entende-se que a posição jurídica inicial do
cedente delimita a posição jurídica do cessionário. Assim, se o negócio de base vier a
ser anulado, é manifesto que a cessão tem será (ver 289º a 291º).
A lei proíbe, em certos casos, que o crédito seja cedido – créditos como o direito de
preferência (420º) ou o direito a alimentos (art.2008º ).
A cessão de créditos pressupõe ainda que não tenha sido convencionado entre devedor
e credor que o crédito não seria objeto de cessão (577º) Pacto de non cedendo, que
62
pode ser estipulado expressa ou tacitamente. Todavia, a nossa lei restringe a sua
eficácia prática, uma vez que faz depender a sua oponibilidade ao cessionário do seu
conhecimento no momento da cessão (art.577º/2).
O crédito não esteja, em virtude da própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor
Se tal sucedesse, não faria sentido obrigar o devedor a prestar perante pessoa
diferente.
Transmissão do crédito para o cessionário, por mero efeito do contrato. Todavia, essa
transmissão não é logo oponível a terceiros, uma vez que a lei dispõe que a cessão só
produz efeitos em relação ao devedor após a sua notificação, aceitação ou
conhecimento (583º/1 e 2).
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Transmitem-se também todas as vantagens e defeitos que o crédito tinha, abrangendo,
portanto, garantias e outros acessórios.
Para que produza efeitos em relação ao devedor, a cessão tem de lhe ser notificada,
ainda que extrajudicialmente, ou então terá ele de a aceitar (583º/1).
Tanto a notificação como a aceitação não são sujeitas a forma especial; a aceitação
pode mesmo ser tácita (217º). Exemplo: devedor combina com o cessionário uma
alteração da prestação, por exemplo, do local do pagamento.
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C. Efeitos em relação a terceiros
Porém, quando o crédito é cedido a mais do que uma pessoa (vários cessionários), a
eficácia da cessão em relação a terceiros depende da notificação ou aceitação do
devedor: prevalece a cessão que primeiro tiver sido notificada ao devedor ou por este
sido aceite (584º). Assim, se um dos cessionários decide notificar o devedor, este
perde a faculdade de cumprir a prestação perante o cedente ou perante outro
cessionário, sendo o crédito o que notifica que prevalece.
**
No caso concreto, a cessão de crédito (577º e ss) configura uma dação pro solvendo (840º/1 e
2). Em vez de prestar diretamente os 2000€ devidos, o devedor (Felisberto) presta somente
500€ e cede ao seu credor (Gustavo) o seu direito de crédito perante um terceiro (Horácio), no
valor de 1500€. Conforme já vimos, nos termos do art. 578º/1, a cessão de crédito pode
ocorrer em qualquer contrato de base; neste caso insere-se numa dação pro solvendo.
Assim sendo, não é necessário o consentimento de Gustavo para que Felisberto ceda o seu
crédito a Horácio.
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A qualificação «cessão de crédito» nada nos diz sobre o contrato que lhe subjaz, pelo que é
apenas um efeito não um tipo autónomo de contrato. A única coisa que sabemos é que haverá
a transmissão de um crédito de um credor para outro. É um contrato pluricausal. Os requisitos
e efeitos da cessão definem-se em função do tipo de negócio que lhe está subjacente (578º/1).
Cessão de crédito versus transmissão – esta é mais ampla (inter vivos e mortis causa); aquela
apenas se refere à transmissão voluntária, ou seja, inter vivos.
Mas em relação ao devedor (David), a cessão só tem efeitos quando é notificado ou quando
aceita (583º/2). Não tendo havido nem notificação nem aceitação, David cumpre a prestação
perante Carlos, que já não é o credor. Como D não foi notificado da cessão, tal facto não lhe
pode ser oponível e ele exonera-se da prestação (583º/2, a contrario). O problema é entre C e
E.
Como resolver a questão? 587º/1 - O cedente, regra geral, não tem de garantir ao
cessionário a solvência da dívida, mas sim a existência e a exigibilidade do crédito. Se o
devedor se tornar posteriormente insolvente, o cedente não tem responsabilidade em relação
a isso, apenas tem de garantir a existência e exigibilidade ao tempo de cessão. (Só não há este
dever se se tratar de uma obrigação futura). C, ao receber o dinheiro, viola o princípio da boa-
fé.
Resposta: David tem razão, já que não lhe era oponível a cessão. Desconhecendo a cessão e
extinguindo a prestação perante o seu credor, David exonera-se da prestação. Por seu turno,
Elisa pode exigir a restituição do crédito a Carlos, mas não a D porque ele já se exonerou.
Se Carlos viola o princípio da boa-fé, Elisa também poderá exigir uma indemnização por danos,
caso eles existam. (para além dos 10000€, podia exigir indemnização por violação do dever de
boa-fé, nos termos do 227º, caso existissem danos) – Exemplo: ficar impedida de comprar
algo.
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1. Conceito
- Situação que se verifica quando, cumprida uma obrigação por terceiro, o crédito respetivo
não se extingue, mas antes se transmite por efeito desse cumprimento para o terceiro que
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realiza a prestação ou forneceu os meios necessários para o cumprimento – Ex: A deve a B
100€. Um terceiro, C, aparece e paga os 100€ a B, substituindo A; B não tem mais direito de
crédito sobre A, porque vê o seu interesse ser satisfeito; todavia, o direito de crédito não se
extingue (não desaparece), apenas se transmite de B para C; ou seja: C tem um direito de
crédito sobre A – A deve 100€ já não a B, mas a C.
- A sub-rogação não deve ser confundida com o direito de regresso, existente no âmbito das
obrigações solidárias (524º) – Enquanto na sub-rogação se verifica uma transmissão de direitos
do credor para o terceiro que cumpre a prestação; no direito de regresso essa transmissão não
ocorre, surgindo antes um direito novo, em virtude de uma relação especial já existente entre
o autor do pagamento e o devedor.
d) Sub-rogação legal.
Verifica-se através da declaração deste de que pretende que o terceiro que cumpre a
obrigação venha, por virtude desse cumprimento, a adquirir o crédito;
Dois requisitos:
Faltando qualquer destes requisitos, não se verifica a sub-rogação pelo credor. Assim, se o
terceiro se limita a cumprir a obrigação, sem que o credor nada declare, o que se verifica é
apenas um cumprimento por terceiro, sem que este venha a adquirir o crédito por via da sub-
rogação; Igualmente, se o credor declarar a sub-rogação, esta não ocorrerá enquanto o
terceiro não efetuar o cumprimento. A declaração de sub-rogação pelo credor tem que ser
expressa, embora para ela não se exija qualquer forma especial; Esta declaração tem ainda
67
que ser emitida até ao momento do cumprimento para evitar que a obrigação se extinga em
lugar de se transmitir – Ultrapassado esse prazo, a sub-rogação não é mais possível, já que não
se permite ao credor vir qualificar a posteriori como sub-rogação o que não passou de um
simples cumprimento por um terceiro. Havendo declaração expressa do credor a determinar a
sub-rogação, também não se verifica enquanto o terceiro não cumprir a obrigação – A sub-
rogação só ocorre com o cumprimento, não sendo a declaração do credor só por si eficaz
para determinar a transmissão do crédito.
Artigo 590º - verifica-se através da declaração do devedor, pretendendo que o terceiro cumpra
a obrigação e adquira o crédito – Tem de ser declaração expressa e deve ser efetuada até ao
momento do cumprimento, para evitar a extinção da dívida em lugar da sua transmissão. Não
se admite igualmente que o devedor pudesse retroativamente qualificar como sub-rogação o
que tinha sido apenas um cumprimento por terceiro.
Artigo 591º - Aqui, não é o terceiro que cumpre a obrigação, mas sim o próprio devedor –
Todavia, como este vem a efetuar o cumprimento com dinheiro ou outra coisa fungível que lhe
é emprestada pelo terceiro, nestes casos, é admitida a sub-rogação.
Requisitos para este tipo de sub-rogação: é possível, desde que haja declaração expressa, no
documento de empréstimo, de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e que a
pessoa que emprestou, o “mutuante”, fica sub-rogado nos direitos do credor. Este tipo de
sub-rogação levanta algumas dificuldades especiais, uma vez que, em consequência do mútuo,
o terceiro já adquire um crédito sobre o devedor, não fazendo sentido que fique com dois
créditos após a sub-rogação. – Nesse caso, segundo Menezes Leitão e Galvão Telles – a sub-
rogação substitui o primeiro crédito pelo segundo.
d) Sub-rogação legal:
Esta situação verifica-se sempre que o terceiro tenha garantido o cumprimento ou estiver, por
qualquer outra causa, diretamente interessado na satisfação do crédito – O requisito geral da
sub-rogação legal é o de que o terceiro tenha interesse direto no cumprimento, o que
sucederá sempre que a não realização da prestação lhe possa acarretar prejuízos
patrimoniais próprios ou o cumprimento se torne necessário para acautelar o seu próprio
direito.
68
penhor sobre os seus bens para garantia do cumprimento, a lei determina a sub-rogação como
efeito direto do cumprimento, independentemente de outros requisitos.
Outro caso de interesse direto: situação de o terceiro ser subarrendatário de um prédio, já que
o não pagamento da renda ao senhorio pelo arrendatário, pode implicara a extinção do
subarrendamento – (1089º) - O terceiro, nesta situação, que realizar a prestação em lugar do
devedor, para evitar essa lesão, ficará sub-rogado nos direitos do credor, pelo 592º.
Ora, estes exemplos demonstram que o interesse direto do terceiro no cumprimento tem que
corresponder a um interesse próprio com conteúdo económico prático, não bastando um
interesse meramente jurídico – Não haverá sub-rogação legal sempre que o pagamento seja
realizado exclusivamente no interesse do devedor ou quando o interesse do terceiro no
cumprimento seja meramente moral ou afetivo (ex: pai que paga a dívida ao filho, atendendo
ao bom-nome da família).
**
a) Por contrato celebrado entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor
Assunção interna;
b) Por contrato celebrado entre o credor e o novo devedor, com ou sem consentimento
do devedor primitivo Assunção externa.
Assunção interna
Para que se efetive, são necessários dois negócios jurídicos: um contrato entre o devedor
primitivo e o novo devedor, determinando a transmissão; e um negócio jurídico unilateral do
credor a ratificar esse mesmo contrato.
De facto, se não existir ratificação, o contrato entre o primitivo e o novo devedor não será
eficaz em relação ao credor, pelo que não poderá valer como assunção de dívida. As partes são
mesmo livres de distratar o contrato enquanto não se verificar a ratificação pelo credor
(596º+/1), podendo igualmente fixar ao credor um prazo para que ratifique, findo o qual se
presumirá a recusa da ratificação (596º/2).
69
Em suma, sem a ratificação não se pode produzir a assunção de dívida já que ela não se torna
eficaz perante o credor, não ficando o novo devedor vinculado em face dele. Só a partir da
ratificação é que a assunção é tida como definitiva.
Qual a situação jurídica do devedor primitivo e do novo devedor, quando não existe
ratificação do credor?
Assunção externa
Aqui, há apenas um único negócio jurídico: entre o credor e o novo devedor, determinando a
assunção, podendo o devedor primitivo dar ou não o seu consentimento. Portanto o
consentimento do devedor é irrelevante, bastante o acordo entre os outros dois para
desencadear a assunção.
**
Para que haja exoneração do devedor primitivo (assunção liberatório) é necessária declaração
expressa do credor, nos termos gerais do 217º. Esta declaração é tanto exigível não assunção
externa como na interna, caso contrário o devedor primitivo será solidariamente responsável
pela dívida. Por isso mesmo, na assunção interna, a ratificação não se confunde com a
declaração expressa, sendo ambas necessárias para validar uma assunção liberatória.
70
Requisitos da assunção de dívida
a) O consentimento do credor
Como não poderia deixar de ser, é igualmente necessário o consentimento do novo devedor
para que ocorra a assunção – não faria qualquer sentido impor a alguém a assunção de uma
dívida contra a sua vontade. Por isso, o novo devedor é sempre uma das partes no contrato de
assunção de dívidas.
Não existem obstáculos à transmissão de dívidas futuras, desde que se preencha o critério da
determinabilidade (art.280º).
Caso o contrato de transmissão não venha a ser celebrado, seja nulo por impossibilidade legal
ou seja anulado por qualquer motivo, a lei determina que renasce a obrigação anterior,
mesmo que o credor tenha exonerado o primitivo obrigado.
Verifica-se a transmissão da dívida do antigo para o novo devedor, uma vez que é este o
objeto do negócio celebrado, o qual não depende da exoneração concedida pelo credor
71
(595º/2). Entre o antigo e o novo devedor verifica-se o fenómeno da transmissão da
dívida.
Solidariedade imperfeita:
Uma vez que na relação interna apenas o novo devedor será efetivamente devedor da
obrigação, o direito de regresso só se poderá realizar num só sentido: se o novo
devedor efetuar ao credor o pagamento, não lhe assistirá qualquer direito de regresso
sobre o antigo devedor. Se, porém, for o antigo devedor a efetuar o cumprimento terá
direito de regresso sobre o novo devedor pela totalidade do crédito. De facto, as
relações internas entre ambos são definidas pelo contrato que serve de base à
assunção, não lhe sendo aplicável a presunção do art. 516º de que a solidariedade é
bilateral.
Prescrita a obrigação do devedor primitivo, este não pode gozar do direito de regresso
perante o novo devedor.
Com a exoneração pelo credor primitivo obrigado, o novo devedor torna-se o exclusivo
devedor, ficando o primitivo obrigado totalmente liberado da sua obrigação. No
entanto, o novo devedor permanece vinculado à mesma prestação que era devida pelo
antigo, uma vez que o conteúdo da obrigação não se altera em virtude da sua
transmissão. Ao contrário do que sucede na novação, não ocorre uma extinção do
direito de crédito e a sua substituição por um outro, mas antes um redireccionamento
do mesmo crédito, que antes era dirigido contra o primitivo credor e agora passa a ser
oponível ao assuntor. O crédito permanece o mesmo, não se alterando o seu conteúdo,
mas somente a sua direção, através da substituição da pessoa do devedor.
Se o antigo devedor for exonerado pelo credor, este deixará de poder opor-lhe o
cumprimento, em caso de insolvência do assuntor, quer como devedor, quer como
garante da obrigação (ver 600º). De facto, a exoneração visa exatamente a extinção da
responsabilidade do primitivo obrigado, em virtude de o assuntor considerar suficiente
a garantia conferida pelo património do assuntor, produzindo assim a liberação integral
do primitivo devedor.
72
- Admite-se porém a possibilidade de o credor ressalvar expressamente a
responsabilidade do primitivo obrigado aquando da exoneração (art.600º). Neste caso,
a exoneração não produz a extinção da responsabilidade do primitivo devedor, mas
torna-a subsidiária, só podendo o credor demandar o primitivo devedor em caso de
insolvência do assuntor.
Nos termos do art. 599º/2, a regra é a da não transmissão das garantias do crédito para o novo
devedor, a menos que haja consentimento do garante.
Todavia, se as garantias tiverem sido prestadas pelo assuntor, então elas manter-se-ão.
Igualmente, se a garantia resultar de determinação da lei também será mantida,
independentemente da substituição da pessoa do devedor.
Art.598º:
a) O novo devedor não pode opor ao credor quaisquer meios de defesa que resultem
da relação entre o antigo e o novo devedor, a qual se representa como causal em
relação à assunção da dívida.
Pode dizer-se que a assunção de dívidas é um ato abstrato, dado que dela resulta a
proteção do credor contra quaisquer exceções derivadas da relação causal entre o
antigo e o novo devedor.
73
b) Pelo contrário, o novo devedor pode obviamente opor os meios de defesa que
resultem da relação entre ele próprio e o credor.
Podem, em princípio, ser opostos pelo novo devedor, uma vez que ao assumir a dívida ele
passa a responder exatamente nos mesmos termos em que respondia o antigo devedor.
Há, todavia, uma restrição: o fundamento dessas exceções tem de ser anterior à assunção
da dívida e não podem ser meios pessoais de defesa do antigo devedor. Ex: não pode opor
a anulação do contrato com base no erro, dolo ou coação moral, ou a compensação, já que
são indissociáveis da pessoa do devedor primitivo. Todavia, se o primitivo devedor já
tivesse invocado esses direitos perante o credor, eles continuam a aproveitar ao novo
devedor.
Dia 14-10-2013
Aula 9
INTRODUÇÃO
74
- No exercício nº 26, temos a cessão de crédito num contrato de compra e
venda;
- No exercício nº27: o devedor, em vez de cumprir a obrigação pecuniária a
que estava adstrito, cedeu o seu crédito, de modo a poder satisfazer o interesse do
credor. Ou seja, temos uma cessão no âmbito de uma dação pro solvendo.
**
Tem semelhanças com a cessão de crédito. Porém, na primeira o enfoque está no crédito. Já a
sub-rogação não deriva de um contrato, o elemento relevante é o cumprimento de uma
obrigação por um terceiro. Cumprindo em vez do devedor, o terceiro pode ser sub-rogado nos
interesses do credor, já que este vê o seu direito de crédito ser satisfeito. Pode resultar de:
A sub-rogação pessoal visa a substituição o credor por outra pessoa: o direito de crédito [do
credor cessa, já que este viu o seu interesse satisfeito, mas não se extingue, transmite-se para
o terceiro que cumpriu a obrigação.
592º sub-rogação legal, sujeita a critérios mais apertados face à sub-rogação convencional,
que apenas exige a declaração expressa anterior ao cumprimento . Só haverá sub-rogação
legal se o terceiro tiver prestado uma garantia de cumprimento ou tiver interesse económico
prático no cumprimento da obrigação, já que, em ambos os casos, o incumprimento do
devedor poria em causa o património do terceiro. Por isso, justifica-se a sub-rogação
automática, sem necessidade de declaração por qualquer das partes, desde que verificados
um destes dois pressupostos.
No caso concreto:
75
(804º/1) – tal e qual como se fosse um novo contrato, uma nova obrigação de
pagamento do preço.
Há sub-rogação – Horácio substitui-se a Gustavo no direito de crédito em relação a
Felisberto.
A sub-rogação apenas não é possível quando a pessoa do credor é infungível – pode
ocorrer, entre outras, por convenção prévia de que a posição de credor é
insubstituível.
**
27, A LÍNEA C)
Em regra, qualquer terceiro pode cumprir a obrigação. Todavia, neste caso não vem um
terceiro oferecer-se para cumprir, mas sim oferecer-se para ficar com a posição do devedor
(figura semelhante à cessão de crédito, mas do lado do devedor). O terceiro não é apenas um
solvens, oferece-se mesmo para ficar como titular da posição passiva na obrigação.
Condição imposta por Gustavo: redução da prestação. Presta o que devia, satisfazendo o
direito de crédito do credor, já que este aceita a redução.
Figura da assunção de dívida – 595º e ss – vem um terceiro que pretende ficar com uma divida
que não é sua: ou combina com o devedor, ou com o credor. Neste caso, contrata com o
credor. (não carece do consentimento do devedor primitivo – art. 595º, alínea b)).
76
Só há exoneração do devedor primitivo quando há declaração expressa – nº2. Quando nada se
diz, vigora a assunção cumulativa e o devedor inicial não se exonera. Não ficam ambos
obrigados a prestar – se um prestar antes, o segundo fica livre (obrigações solidárias). Se assim
não fosse, o credor receberia duas vezes.
Não houve sub-rogação (não houve declaração nem do devedor nem do credor e não
são preenchidos os requisitos da sub-rogação legal).
Temos de recorrer ao regime das obrigações solidárias –houve uma remissão parcial
(redução da dívida de 1500 para 1200€) e, no restante, houve cumprimento.
Ora, o regime da assunção de dívidas aponta para a solidariedade (art.595º/2):
Solidariedade passiva (dos devedores) + direito de regresso (524º). Assim, aquele que
tiver pago a totalidade da dívida, isto é, tiver satisfeito “a mais” em relação à divisão
interna da dívida (ex: devia apenas ter pago 20% e paga 100%; pode exigir 80% ao
outro devedor), pode exigir a parte pertencente da dívida ao outro devedor.
No caso em análise o devedor primitivo representa 100% da dívida (onde está isto??) -
logo o assuntor tem direito a exigir a totalidade da dívida. Enquanto devedor solidário,
pode exigir tudo o que pagou, porque na relação interna não há motivo para que ele
tenha de suportar aquela divida. Mas não poderá exigir mais do que isso – pode exigir
os 1200€, que foi o que efetivamente pagou, não os 1500€.
Quando a assunção é cumulativa: O direito que o devedor secundário tem sobre o
primitivo é um direito de regresso total: pode exigir a restituição da totalidade da
dívida que efetivamente prestou.
Ratio da assunção: acontece muitas vezes quando a dívida é um acessório de uma ação, por
exemplo. Todos os acionistas da empresa têm de pagar um x à empresa. É muito frequente
que quem compre uma ação leve também a dívida associada a essa ação. Ou, por exemplo,
quando alguém compra um estabelecimento comercial fica também responsáveis pelas dívidas
contraídas anteriormente e ainda não extintas.
**
Joana – devedora
77
Luísa – credora
Maria - terceira
Temos nova assunção de dívida, mas desta vez acordada entre o devedor e um terceiro
(595º/1/a)).
Mas: Maria prometeu assumir a dívida, não a exonerar Joana. Não se podendo proceder à
assunção de dívida, já que o credor não ratificou, vigora o princípio do aproveitamento do
negócio jurídico (298º) e o negócio deverá ser convertido numa promessa de exoneração de
dívida, nos termos do art. 443º/3.
Assunção de dívida =/= fiança – fiança é uma garantia pessoal em que há um terceiro que
garante o cumprimento pelo devedor.
Se a assunção for nula, a obrigação do primeiro devedor renasce (na assunção liberatória).
78
Mas as garantias não renascem, salvo se o terceiro estivesse de má-fé.
**
**
1. A pluralidade do lado ativo ou passivo (mais do que um devedor) tem inerente uma
questão: a prestação é divisível ou indivisível?
79
Quando uma prestação é indivisível significa que a sua prestação tem de ser una.
Nesse caso, aplicamos os artigos 535º a 538º.
Parciárias?
Solidárias?
**
No 1º caso, a mãe morre e ambas herdam o veleiro, pelo que passam a ser comproprietárias.
No 2º caso, o veleiro caberá apenas a uma delas, ou seja, não serão comproprietárias mas
apenas uma delas terá a proprietária exclusiva sobre o veleiro. Ou seja, apenas uma das irmãs
cumprirá o contrato com Duarte, não as 3.
Estamos perante uma obrigação disjunta: apenas um contrato, com pluralidade passiva
(pluralidade de potenciais devedores). Figura parecida com a obrigação alternativa, mas a
alternativa está no devedor, não na prestação. Basicamente: antes da partilha, as três se
obrigam; mas quando a partilha ocorrer, só efetivamente uma cumprirá.
Obrigação disjunta: só uma obrigação, três pessoas vinculam-se a cumprir. Haverá um facto
superveniente ao contrato que fará com que apenas uma delas permaneça vinculada a
cumprir. No momento do contrato há pluralidade, mas no momento do cumprimento essa
pluralidade desfaz-se, havendo só um credor e um só devedor.
80
ALÍNEA C)
Sim. Nesse caso, teríamos a obrigação em mão comum. O direito de propriedade do veleiro
passa a integrar o património comum das 3 herdeiras. É como se fosse um único sujeito (vários
sujeitos, mas que partilham um só património).
Obrigação cuja pluralidade deriva de o seu objeto se integrar num património em mão comum
(exemplo: património comum do casal).
Vendem o veleiro ainda antes da partilha, pelo que o veleiro sai da herança, ainda antes da
partilha. Logo, o veleiro pertence ao património das 3. O que vai ser partilhado não é o veleiro,
mas o dinheiro decorrente da sua venda.
O vínculo é coletivo, mas é só um – se elas não cumprissem, Duarte proporia uma ação, não
contra as três, mas contra a herança. A ré seria a herança. Assim, embora envolvam uma
pluralidade de pessoas, são tidas como obrigações em que só há um vínculo.
**
Solidariedade (512º) – qualquer dos devedores pode exigir e a qualquer deles pode ser exigido
o cumprimento integral; O cumprimento a todos libera, ou seja, o credor nada mais poderá a
exigir.
Temos, neste caso, solidariedade passiva. Ora, estatem inerente o direito de regresso.
81
Em regra, qualquer terceiro pode cumprir uma obrigação alheia; verificando-se os
requisitos, temos sub-rogação legal e o terceiro substitui-se ao credor – aqui a
obrigação não se extingue, é a mesma, mas transita do credor para o terceiro que
cumpre a obrigação.
Diferentemente, quando há direito de regresso há uma obrigação nova: o devedor que
cumpre tudo e depois tem direito de regresso não herda a posição do credor perante
os outros devedores. O direito de regresso é um direito novo, decorrente do carácter
solidário da obrigação.
O direito de regresso protege mais o seu titular do que a sub-rogação, já que não pressupõe
requisitos de carácter económico-prático.
A prescrição, por exemplo, poderá afetar a sub-rogação – porque se trata do mesmo direito
que existia na esfera do credor, a transmissão não faz com que o prazo comece a contar de
novo. Se o terceiro cumprir no dia antes do prazo para o direito de crédito prescrever, fica sem
direito à sub-rogação, se o devedor invocar a prescrição.
Cada um dos devedores só está vinculado a prestar ao credor ou credores a sua parte
na prestação, e cada um dos credores só pode exigir do devedor ou devedores a parte
que lhe cabe. A prestação é realizada por partes, prestando cada um dos devedores a
parte a que se vinculou e não recebendo cada um dos credores mais do que aquilo que
lhe compete.
Neste tipo de obrigações, cada credor só pode exigir a sua parte no crédito e cada devedor só
tem que prestar a sua parte na dívida.
82
Solidariedade ativa – qualquer dos credores pode exigir ao devedor a prestação
integral; esta prestação libera o devedor perante todos os credores. Cabe ao credor
que recebeu a totalidade esteja obrigado a restituir aos restantes aquilo que recebeu
mais do que o que lhe caberia na relação interna (espécie de direito de regresso, mas
do lado ativo).
Solidariedade mista – qualquer um dos credores pode exigir a qualquer dos devedores
a totalidade da dívida (aquela que todos os devedores devem a todos os credores).
Essa prestação libera todos os devedores perante todos os credores. O devedor que
cumpriu a prestação integral tem direito de regresso sobre os restantes e o credor que
recebeu a totalidade da dívida tem de restituir o excesso aos restantes.
Quando estamos perante um caso de obrigações plurais (seja do lado ativo ou passivo)
devemos aplicar o regime da conjunção ou da solidariedade? Aplicamos o art. 513º, o qual
determina que só existe solidariedade de devedores ou credores quando resulte da lei ou da
vontade das partes. Assim, se nada tiver sido estipulado pelas partes nem resultar da própria
lei, vigora a regra da conjunção.
83
B. Relações internas
A. Relações externas
Um dos credores pode exigir, por si só, a prestação integral, liberando-se o devedor
perante todos com a realização da prestação a qualquer um dos credores (art. 512º/1,
in fine). Com efeito, o devedor pode, em princípio, escolher a que credor solidário
presta, mesmo que tenha sido interpelado apenas por um deles. Tal já não será
possível se o devedor for judicialmente interpelado para cumprir perante aquele
credor (528º/1).
Qualquer modo de extinção da obrigação (cumprimento pontual, dação em
cumprimento, dação pro solvendo, novação, consignação em depósito, compensação)
exonera o devedor perante os credores (532º).
Se a prestação se tornar impossível por impossibilidade imputável ao devedor,
mantém-se a solidariedade ativa no que respeita à indemnização (529º/1);
Se a impossibilidade for imputável a um dos credores, o devedor exonera-se perante
todos, mas o credor culposo fica obrigado a indemnizar os restantes credores (529º/2);
Meios de defesa: o devedor não pode opor a um credor meios defesa exclusivos da
relação que mantém com um outro credor (514º/2).
B. Relações internas
Sobressai o facto de o credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia
na relação ter a obrigação de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito
comum (533º); existe como que um direito de regresso ativo dos outros credores
sobre aquele que recebeu a prestação, naturalmente limitado ao que cada um
compete no crédito comum.
Em princípio, a lei presume que são iguais as partes dos credores na obrigação
solidária (516º), pelo que a obrigação será efetuada em partes iguais.
Quando estamos perante uma obrigação indivisível não será possível exigir apenas uma parte
a um dos devedores.
84
todos os devedores simultaneamente. Todavia, se as partes convencionaram a solidariedade
da dívida, já poderá D exigir só de A a totalidade da prestação, isto é, a entrega do automóvel.
Aula 10
17-10-2013
Para aferirmos se haverá lugar ao direito de regresso (art.524º) temos de avaliar a relação
interna – se houver uma divisão diferente da que ocorreu no cumprimento, há direito de
regresso. Se não, não há. Só há direito de regresso se o cumprimento ultrapassar a
percentagem na relação interna, isto é, se o devedor solidário pagar ao credor mais do que
aquilo que lhe competia, de acordo com a divisão inicial da dívida.
OBRIGAÇÕES PLURAIS
a)
Transferência bancária não é dação em cumprimento porque as partes acordaram logo
que o pagamento seria feito por transferência. Não é um modo alternativo de
pagamento.
A obrigação é divisível porque o seu objeto é o dinheiro.
Não se dizendo nada no contrato quanto á divisão da renda, ela presume-se dividida
pelos devedores em partes iguais, ou seja, 100eur a cada uma (art.534º).
85
Obrigações civis – vigora o art.513º, pelo que a dívida só será solidária se tal resultar
da lei ou do contrato. Não havendo qualquer estipulação nesse sentido vigora o
regime da parciariedade/conjunção, quer do lado passivo quer do lado ativo.
Assim sendo temos 9 vínculos diferentes (3 credores x 3 devedores, ou seja, cada um
dos três devedores deve 100€ a cada um dos três credores) – quer do lado ativo quer
passivo, não há solidariedade.
Na medida em que vigora a parciariedade/conjunção, sendo a dívida total de 900eur,
cada devedor deve 100eur a cada credor. Não há, no nosso CC, regime para a
parciariedade. Por isso, a cada um destes vínculos aplicamos, isoladamente, o regime
das obrigações em geral – tratamo-los como se fossem nove obrigações distintas.
Assim, Hélio, ao descobrir 100eur na sua conta, tinha de descobrir qual das devedoras
lhe tinha pago, ficando esta exonerada, pois extinta a obrigação perante Hélio. Este
deve, por isso, dirigir-se às outras duas.
b)
Elisa não devia mais nada ao Hélio, por força da alínea a). Ou seja, presumimos que foi ela que
pagou os 100€ a que a alínea anterior se refere.
Mesmo assim, Elisa paga mais 200€ a Hélio, ou seja, paga a totalidade da dívida, exonerando
também, perante Hélio, Filipa e Graça. Qual o interesse deste pagamento?
De acordo com este regime, cada credor pode exigir 300eur a cada um dos 3 devedores. Os
vínculos deixam de ser de 100eur e passam a ser de 300eur.
Resposta à alínea a) Hélio pode exigir mais 200eur a cada uma das três devedoras. A
divisão interna caberá às três, devendo a que já pagou os 100€ exigir a restituição dos
200€ adicionais que prestou, ao abrigo do direito de regresso.
Resposta à alínea b) Até aos 300eur não há direito de regresso porque esse valor é
exigível a qualquer uma das devedoras. Pagando 300 a um deles, devem as outras duas
pagar os respetivos 300 aos outros dois. Se pagar mais de 300, tem direito de regresso
sobre as outras duas (E não sub-rogação).
Ou seja: na parciariedade, cada uma paga 100eur a cada credor (se eles são 3, perfaz na
mesma os 300eur); na solidariedade passiva, se uma das três paga 300eur a um dos
86
devedores, nada mais tem de pagar, ficando exonerada da prestação como um todo. A partir
desse momento, terão as outras duas de pagar aos restantes dois.
**
Contrato a favor de terceiros (443º e ss) - Outra figura que representa obrigações
plurais – regra geral, também o promissário tem direito de exigibilidade perante o
devedor (promitente), o que gera uma obrigação plural, ou seja, uma espécie de dois
credores (promissário e terceiro beneficiário, 444º/2) para uma só prestação. Não há
propriamente solidariedade porque o beneficiário da prestação será o terceiro, não o
promissário.
Contratos com eficácia de proteção para terceiros – é o princípio da boa-fé que
protege os terceiros. Por exemplo, um contrato de fornecimento de material
informático, material esse usado por estudantes no qual, de repente, um erro no
programa apaga o trabalho todos os estudantes. Ora, do princípio da boa-fé decorre
uma proteção do terceiro, não obstante o negócio ser celebrado entre um empresa e a
faculdade. Existem certos deveres acessórios que, quando violados, podem prejudicar
terceiros e justificar a sua proteção, por meio de uma indemnização. Não há direito à
prestação porque a obrigação não é verdadeiramente plural, o contrato celebra-se
somente entre o credor e o devedor.
87
**
Modalidades de obrigaçõ es
OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
Aa obrigações pecuniárias são aquelas que têm por objeto uma obrigação em dinheiro,
visando proporcionar ao credor o valor que as respetivas espécies monetárias possuam. Ora,
estes dois requisitos são cumulativos: por um lado, se a obrigação tem dinheiro por objeto,
mas não visa proporcionar ao credor o valor dele (entrega de moedas ou notas para coleção)
não estaremos perante uma obrigação pecuniária; por outro lado, também não estaremos
perante uma obrigação pecuniária se a prestação visar apenas proporcionar ao credor um
determinado valor económico, não tendo por objeto quantias em dinheiro.
Mas e o que é o dinheiro? É uma convenção da sociedade de que aquilo é um meio para a
aquisição de bens e serviços. Dessa convenção resultam as espécies monetárias. O que
caracteriza as obrigações pecuniárias é o facto de a entrega do dinheiro em si ser algo que visa
proporcionar ao credor o valor da coisa ou do serviço prestado.
Assim, a prestação de uma moeda antiga não pode ser considerada uma obrigação pecuniária.
Só o é aquela que representa um instrumento que proporciona ao credor um determinado
valor. Tem de ser fungível, portanto. São prestações pecuniárias as espécies simbólicas ou
convencionais que funcionam como instrumento geral de trocas.
a) Prestação de coisa
b) Prestação de facto
c) Obrigação pecuniária (não temos a entrega de uma coisa, mas sim a de um símbolo
que consideramos como importante e válido no sistema geral de trocas).
Também não há obrigação pecuniária quando o valor da mesma ainda é indeterminado. Por
exemplo: quando leso a integridade física de alguém e surge na minha esfera jurídica a
88
obrigação de indemnizar por danos, ainda não é uma obrigação pecuniária, só passará a sê-lo
com a liquidação, isto é, quando o valor da indemnização estiver determinado/certo.
1. OBRIGAÇÕES DE QUANTIDADE
Consistem naquelas obrigações que têm por objeto uma quantidade de moeda com curso legal
no país. Atualmente, a moeda com curso legal é o Euro.
Não é uma definição da prestação, mas sim do valor. Os euros são utilizados para
indicar a quantia.
Art. 1142º - Mútuo
Obrigação pecuniária – Mútuo, art.1142º – obrigação de restituir “outro tanto (fixação
da quantidade) do mesmo género e qualidade”.
Conclusão: Luís não podia impor a mónica o pagamento em libras porque em Portugal
apenas o euro tem curso legal (moedas e notas de euro).
89
Tudo o que seja prestação de algo diferente de moedas e notas em euro, não será
cumprimento, mas sim dação em cumprimento ou pro solvendo.
Princípio nominalista – vigora o valor nominal da moeda. Exemplo: As partes acordam pagar x
daqui a um ano. Daqui a um ano vai ser pago esse valor, nada mais, independentemente da
inflação. Todavia, esta regra tem desvios: as partes podem acordar que, dali a 1 ano, o
pagamento será feito, mas com uma atualização de acordo com a inflação; ou mesmo por
imposição legal: atualizações do valor, em função da inflação (1077º/2).
Também é possível haver um índice de preços, quando a lei o permitir – o seu objetivo é
refletir a inflação, o mais rigorosamente possível – art. 551º.
[Menezes leitão]
As obrigações de quantidade são reguladas no art. 550º, do qual se extraem dois princípios
fundamentais: o princípio do curso legal e o princípio do nominalismo monetário.
Princípio do curso legal – o cumprimento das obrigações pecuniárias deve realizar-se apenas
com espécies monetárias a que o Estado reconheça função liberatória genérica, cuja aceitação
é obrigatória para os particulares. A moeda com curso legal permite ao credor a receção de um
valor correspondente às espécies monetárias, em virtude da possibilidade de elas serem
utilizadas como instrumento geral de troca.
90
OBRIGAÇÕES EM MOEDA ESPECÍFICA E OBRIGAÇÕES EM MOEDA ESTRANGEIRA (ART. 552º E SS)
São aquelas em que a prestação é estipulada em relação a espécies monetárias que têm curso
legal apenas no estrangeiro.
Mora do devedor – embora a lei não regule esta possibilidade, entende-se que é aplicável o
disposto no art. 804º/2 e caberá ao devedor indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos,
devendo a indemnização incluir: 1. A diferença cambial desfavorável (entre o cumprimento em
tempo e o cumprimento em mora); 2. Juros de mora (calculados à taxa da moeda em causa).
Ainda sim, estando em Portugal, o devedor pode prestar em euros (obrigação com
faculdade alternativa). Só assim não será se as partes especificarem que a prestação só
poderá mesmo ser feita em libras – de contrário, caímos no âmbito do 558º e há
faculdade alternativa. Obrigações impróprias ou impuras porque o devedor, se
quiser, pode pagar em euros. Mas só o devedor, já que o credor só pode exigir em
moeda estrangeira.
91
**
Alínea b)
[MENEZES LEITÃO]
A obrigação de juros constitui-se tendo como referência uma outra obrigação (a obrigação de
entrega ou de restituição do capital) e constitui um rendimento desse mesmo capital. Todavia,
estas são duas obrigações distintas, já que o crédito dos juros é autónomo do crédito de
capital – qualquer deles pode ser cedido e extinguem-se um sem o outro (art.561º).
a) Juros legais (559º/1) – aplicáveis sempre que haja uma norma legal que determine a
atribuição de juros em consequência de do diferimento da realização de uma
prestação (ex: art. 806º); e funcionam ainda supletivamente, sempre que as partes
estipulem a atribuição de juros mas não determinem a sua taxa.
b) Convencionais – a taxa é estipulada pelas partes. Todavia, a lei estabelece limites à
liberdade de estipulação das partes (1146º + 559º/A), classificando como usurários os
juros que ultrapassaram os máximos previstos na lei.
92
Proibição do anatocismo
Visa a cobrança de juros sobre juros. Esta proibição compreende-se já que tal cobrança
poderia ser uma forma de indiretamente violar a proibição de cobrança de juros usurários.
Mónica exige ainda juros sobre os juros, à taxa legal, a partir do momento em que Luís
entrou em mora – estes já são juros moratórios.
O que são os juros? Tecnicamente são frutos civis (art. 212º); são frutos civis do dinheiro – em
consequência de uma relação jurídica o dinheiro pode, periodicamente, produzir juros.
Juros remuneratórios
93
Não há obrigação de juros sem uma obrigação de capital. Juridicamente são obrigações
diferentes – com a mora, a obrigação de capital mantém igual, não aumenta.
Juros moratórios
Juros moratórios (art.806º) são aqueles que decorrem do atraso na prestação pecuniária.
**
Taxa de juro – normalmente, o juro é fixado de acordo com uma taxa, legal ou convencional.
Salvo estipulação em contrário, a taxa será:
Juros civis – juros aplicáveis aos créditos de natureza civil – 4%, ao ano (art.559º/1);
Juros comerciais – flutuam com bastante mais frequência – existe uma taxa em cada
semestre. Neste momento, a taxa é de 8,5% ao ano (art. 192º/3, Código Comercial +
277/2013, 26 de Agosto + aviso da direção geral do tesouro 11617/2013 de 27 de
Agosto).
Atualmente admite-se a figura dos juros remuneratórios, mas dentro de certos limites –
nomeadamente, a taxa de juro tem de ser fixa. O juro é autónomo face à prestação principal
(561º), logo a cada ano é somado ao valor inicial.
Significam aplicar 4% já não sobre o valor inicial da prestação principal (por exemplo, 100eur),
mas sobre o valor que resulta já da soma com juros (não é permitido no Direito Civil, mas é no
Direito Bancário).
Ainda assim, não é totalmente proibido no Direito Civil, na medida em que o art.560º impõe
apenas limites:
- Notificação judicial;
Aula 11
94
Dia 21-10-2013
Caso nº32
b)
Mútuo – art. 1142º - alguém empresta a dinheiro ou qualquer outra coisa fungível a outrem.
Ora, esse outrem tem de restituir o que foi mutuado, no mesmo género ou qualidade. Esta
obrigação é chamada obrigação de restituição de capital.
Mútuo gratuito – empresta-se dinheiro mas nada mais se recebe a não ser o dinheiro
emprestado;
Nada se dizendo, o mútuo presume-se oneroso – 1145º, in fine(é exatamente o que acontece
no caso 32).
Mútuo oneroso
Quando contratualmente é devida uma obrigação de juros mas as partes não fixaram
uma taxa;
Obrigações em que é a própria lei que determina o pagamento de juros.
Nada se dizendo em contrário, aplica-se a taxa de 4% ao ano porque é uma obrigação civil.
Ora: o valor mutuado é de 150€, emprestado durante 3 meses, a uma taxa de 4% ao ano: 4% x
150 = 6€; logo dividimos 6 por 4 (3 meses são ¼ de ano) = 1,5€. 1,5€ representa a remuneração
pelo empréstimo.
Mónica pede também juros sobre juros (anatocismo): 150€ + 1,5€ = 151€. Mónica pede que
os juros moratórios sejam calculados sobre os 151€ e não sobre os 150€. Art. 806º - Pela
95
mora no cumprimento da prestação pecuniária são devidos juros calculados à taxa legal (4%,
nos termos do nº2).
Período mínimo de 1 ano, nos termos do nº2 (só tinham passado 3 meses).
A ideia dos juros moratórios é suprir a privação do dinheiro por mais tempo do que o
que o credor esperava. Por isso, faz sentido limitar fortemente o anatocismo: o que
compensa o credor pela privação do capital são os juros de 4%, calculados pelo valor
mutuado. O cálculo de juros sobre juros já ultrapassa o prejuízo sofrido da privação de
liquidez.
Deste modo, as limitações ao anatocismo visam não permitir a escalagem que faria
com que o valor recebido ultrapasse em muito o prejuízo de falta de liquidez.
Todavia, aos juros moratórios decorrentes de um contrato de mútuo não devemos
aplicar o art. 560º. Se fosse um contrato de compra e venda, havendo mora aplicar-se-
iam juros moratórios. Mas se aqui temos um mútuo e não uma compra e venda, a
contrapartida do empréstimo não é o pagamento de um preço, mas sim do próprio
juro. O juro é, como qualquer prestação inserida num contrato sinalagmático, uma
contrapartida contratual. Conforme já vimos, o mútuo pressupõe duas prestações, do
lado do beneficiário do empréstimo (a obrigação de capital e a de juros
remuneratórios).
Por que faz sentido desaplicar (embora parcialmente) o 560º das obrigações em que
a prestação principal é o pagamento de juros?
- Porque, como referi acima, o objeto da prestação é o próprio juro. O regime
aplicável às obrigações de juros deverá ser: na primeira prestação deve haver
capitalização: os juros moratórios calculam-se sobre os 151,50€ (só assim calculamos
os juros moratórios sobre as duas obrigações, a de capital e a de pagamento de juros).
Só depois da primeira capitalização é que devemos aplicar o 560º e aí já não haverá
mais capitalização.
Conclusão: Sim, Mónica podia exigir juros sobre juros, mas por força de uma
interpretação restritiva do art. 560º, que apenas deverá ser aplicado às obrigações de
pagamento do preço (tal como no contrato de compra e venda).
O art. 559º/A remete para o regime do 1146º. Este impõe alguns limites, mas não afasta o
regime do 282º e ss (negócio usurário). O 1146º aplica-se a todos os tipos de juros e impõe
limites máximos às taxas de juros. Ultrapassados esses limites, serão considerados juros
usurários.
96
Nº3 – se um certo juro for superior ao limite máximo permitido, é reduzido a esse mesmo limite
máximo, mesmo que não seja essa a vontade dos contraentes. (Esta norma não se aplica ao
direito bancário, por exemplo).
Decisão do tribunal:
Não se aplica aos juros remuneratórios o disposto no art. 781º - se temos um
empréstimo, a cada mês que passa estamos a pagar a remuneração pelo empréstimo.
Se a certa altura o banco exige o dinheiro todo de uma vez, vai ter de abdicar dos juros
porque vai deixar de lhe faltar a liquidez, sendo essa a ratio dos juros. O juro
remuneratório só seria devido se o devedor continuasse a dispor do capital mutuado,
o que equivale a dizer que o banco continuava a não ter o dinheiro emprestado ao
consumidor.
Ponto 2: Todavia, o banco não exigia a aplicação do 781º (vencimento de todas as prestações,
logo exigibilidade da totalidade da dívida), mas sim a resolução do contrato. Pelo contrário,
quando aplicamos o 781º, exigimos o cumprimento de uma obrigação, simplesmente o
devedor perde o benefício do prazo, mas continua a dever a prestação, agora no seu todo.
97
Com efeito, o banco resolveu o contrato de mútuo com base no incumprimento do devedor.
Com a resolução extingue-se a obrigação de restituição/ prestação de capital (em que
aplicaríamos o art. 781º para exigir o cumprimento de toda a obrigação); quando resolvemos o
contrato, por força do art.433º, os efeitos entre as partes são uma equiparação à nulidade
(289º), pelo que terá de ser restituído tudo aquilo que foi prestado: a obrigação de restituição
do capital mutuado já não é uma obrigação contratual (781º), mas sim um efeito da destruição
dos efeitos do contrato (289º).
Ideias a reter:
**
Obrigações duradouras
O tempo é muito relevante em direito das obrigações.
Prestações instantâneas – são aquelas cuja execução ocorre num único momento (Ex.:
entrega da coisa no contrato de compra e venda).
Prestações duradouras – são aquela cuja execução se prolonga no tempo, em virtude
de terem por conteúdo ou um comportamento prolongado no tempo ou uma
repetição sucessiva de prestações isoladas por um período de tempo (ex.: construção
de um edifício de 30 andares, contrato de trabalho, contrato de mútuo, contratos de
fornecimento de gás e eletricidade).
98
Integrais – aquelas que são realizadas de uma só vez (ex: entrega da coisa pelo
vendedor);
Fracionadas – o montante global é dividido em várias frações, a realizar
sucessivamente (ex.: pagamento do preço na venda a prestações – art. 934º).
Nas prestações instantâneas fracionadas estamos perante uma única obrigaçãocujo objeto é
dividido em frações, com vencimentos intervalados, pelo que há sempre uma definição prévia
do seu montante global e o decurso do tempo não influi no conteúdo e extensão da obrigação,
mas apenas no seu modo de realização.
Existem vários preceitos relevantes para as obrigações duradouras, não uma secção
autónoma.
99
de termos uma prestação duradoura e não instantânea. Noutros casos não há esse
esforço adaptativo e tem de ser o intérprete a fazê-lo.
Art. 434º/2: Nas prestações instantâneas, em regra, a resolução destrói todos
os efeitos do contrato, tendo por isso efeito retroativo. Todavia, quando se trata
de uma prestação duradouras cai a regra da retroatividade, mantendo-se as
prestações já efetuadas. A resolução só tem efeitos para o futuro (ex nunc).
3. Neles vigoram, com maior intensidade, os deveres de boa-fé. Efetivamente, trata-
se de relações que, atendendo à sua duração, pressupõem uma intensa relação de
confiança e colaboração entre as partes, o que pressupõe uma aplicação mais
intensa dos princípios da boa-fé e dos deveres acessórios de proteção, informação
e lealdade em ordem a manter uma permanente confiança recíproca e
entendimento mútuo no âmbito daquele contrato. Assim sendo, se houver alguma
lesão da confiança causada por uma das partes, tem a outra o direito à resolução
do contrato, com fundamento em justa causa.
**
100
direito vê nascer na sua esfera um direito potestativo de obter informação; o
interpelado vê-se num estado de sujeição, tendo de esclarecer as dúvidas daquele que
exige a informação.
Do ponto de vista jurídico, a obrigação de informar (vinculo jurídico que une um
devedor e um credor de informação) determina-se com o pedido de informação
(563º). Ou seja, não basta que alguém tenha uma dúvida e outrem esteja em
condições de responder (um advogado, só pode ter conhecimentos jurídicos, não tem
de esclarecer as dúvidas de todos). Só surge esse dever quando é feito um pedido de
informação específico. Assim, a existência da obrigação só se completa com o pedido
de informação (ao contrário das restantes obrigações, em que a interpelação apenas
faz entrar em mora).
**
No caso: por força da analogia com o CPC, também prevaleceria o dever de sigilo. Só se se
viesse a verificar que Ana tinha mesmo um direito de crédito sobre a seguradora (em virtude
de Bruno ter mesmo um seguro contra danos causados pelo cão e a destruição do vestido
caber nesse âmbito) é que se geraria esse dever de informar, mas como dever acessório face
ao dever principal que seria a o pagamento de uma indemnização. Ou seja, se o contrato entre
a seguradora e Bruno fosse celebrado como um contrato a favor de terceiro.
Ideias a reter:
101
Em suma, o regime do 573º e ss. apresenta-nos duas dificuldades:
1. Letra da lei demasiado ampla – tem de ser restringida, aplicando o regime previsto
no CPC;
2. Compatibilizar com outros direitos que poderão ser conflituantes.
Nota: Mesmo havendo dever de informar, se o contrato com a seguradora já tivesse sido
resolvido, bastaria a esta dizer que já não havia qualquer contrato. Mais uma vez, por força do
dever de sigilo.
**
Constitui-se na esfera de Bruno a obrigação de indemnizar Ana. Todavia ele não paga.
Com efeito, uma característica inerente à obrigação é a sua violabilidade. Conforme
sabemos o direito de crédito é o direito de exigir uma certa conduta a que se chama
prestação; mas como tal conduta é, por natureza, voluntária, ela é violável.
Art. 62º, CRP – refere se ao direito à propriedade privada, não estritamente do ponto de vista
dos direitos reais, mas no sentido civilista do termo (sem se limitar às coisas corpóreas,
conforme ocorre nos direitos reais): o direito à propriedade privada visa proteger todo o nosso
património. No entanto, esta proteção tem os seus limites, os quais estão no art. 18º, CRP:
102
Como o nosso património está constitucionalmente protegido, as restrições ao direito
à propriedade privada têm de limitar se ao necessário. Ora, as restrições a este direito
têm por base outro direito que com o primeiro conflitua, o direito de crédito. Temos
de confrontar a proteção constitucional dada a estes dois direitos, sempre apenas na
medida do necessário. Como fazemos esta compatibilização?
- Art. 1º, CPC – proibição da autodefesa – não se pode recorrer à força para
fazer cumprir o direito de crédito;
- Art. 20º, CRP – Acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva. Ana até
já foi a tribunal, conseguindo uma sentença condenatória. Mas Bruno continua sem
cumprir. Ana terá de recorrer novamente a tribunal, tendo em vista a tal tutela
jurisdicional efetiva.
- Art. 2º, CPC – sentença condenatória: já houve uma sentença que condenou
Bruno a pagar a Ana (esta sentença concede a Ana o direito a uma indemnização e
condena Bruno a pagar); ação executiva: possibilidade de fazer executar a sentença, já
que, mesmo com ela, Bruno não cumpriu (aqui, Ana já vai a tribunal com outro
objetivo, fazer valer o direito a indemnização [alcançado na sentença condenatória] e
forçar Bruno a pagar).
807ª
818º
827º a 829º/A – execução específica.
103
entrega de um colar, ou seja, a entrega de um bem específico. Na ação executiva, o
credor não vai executar o património do devedor, vai força-lo a entregar o colar. Há,
pois, a possibilidade de recorrer à ação executiva para, coercivamente, obtermos um
determinado bem – Vamos diretamente buscar a coisa.
3. Questão ainda diferente é a execução específica do CP, em que a expressão
«execução» tem ainda outro sentido. Enquanto nos pontos 1 e 2 estávamos no âmbito
de uma ação executiva, a execução específica do contrato promessa só pode ser
alcançada por meio da ação declarativa, já que a sentença do tribunal substitui a
declaração negocial da parte faltosa.
Conclusão: execução específica não vai totalmente de encontro com o significado da ação
executiva, que entende o património como garantia geral das obrigações.
Se não tem mesmo património, não há nada a fazer. A obrigação extingue-se. Embora não
pelo cumprimento, a obrigação extingue-se. Só há cumprimento quando ele é voluntário.
A execução específica (827º e ss.) é uma das formas de realização coativa da prestação e
permite-nos impor a satisfação do interesse do credor, mesmo sem o cumprimento voluntário
do devedor.
Nem todas as prestações podem ser objeto de execução específica. Por exemplo, se A se
obrigou a entregar um relógio a B, este pode exigir judicialmente o cumprimento (vai um
agente de execução a casa do devedor e tira-lhe o relógio) porque o relógio é uma coisa
determinada A execução específica aplica-se somente aos casos em que o credor vai ver o
seu interesse satisfeito, tal como se houve cumprimento voluntário, mas prescindindo da
colaboração do devedor.
=/=
Ação executiva – ao contrário do que refere Menezes Leitão, a ação executiva só pressupõe
uma situação de incumprimento definitivo se se tratar da garantia geral das
obrigaçõesRecorremos ao tribunal, não para ir buscar a coisa à força, mas para vender os
bens do devedor e, com o valor obtido, compensar o credor - aqui pressupõe-se o
104
incumprimento definitivo. Então, podemos definir a garantia geral das obrigações como o
facto de, pelas dívidas do devedor, responder tendencialmente a globalidade do seu
património.
Se a obrigação em causa fosse a entrega do relógio, temos execução específica (em mora) mas
por meio de uma ação executiva – nos casos de coisa específica/determinada, há o
cruzamento destas duas figuras porque, para proceder à execução específica tem de haver um
agente de execução que vá à casa do devedor buscar o relógio (ação executiva, apenas não no
âmbito da garantia geral das obrigações).
Na garantia geral das obrigações existem dois tipos de ações, a ação declarativa:
A ação declarativa divide-se em três subespécies (todas elas tendo em comum o facto de
reconhecerem o interesse do credor):
Na ação declarativa, o autor sai do tribunal com uma sentença. Na executiva, o objetivo do
autor já não é a obtenção de uma sentença, mas obter uma coisa concreta: o agente de
execução executar bens do devedor, vendê-los e entregar o produto da venda ao credor ou, se
se tratar de coisa determinada, entregar diretamente o bem ao credor.
1. Entrega de coisa certa – como já vimos, aqui pode haver execução específica porque o
que se pretende é exatamente a satisfação do interesse do credor, tal como se
houvesse cumprimento voluntário do devedor.
2. Prestação de facto – não pode haver execução específica porque uma ação ou
omissão depende sempre do cumprimento voluntário do devedor. Aqui, terá sempre
de haver venda dos bens do devedor e entrega do dinheiro ao credor.
3. Pagamento de dinheiro – não há execução específica porque pressupõe o
incumprimento definitivo e consequente pagamento de indemnização
Porque é que a execução específica do contrato promessa não se processa na ação executiva?
Porque basta-se com a sentença, não precisa de um agente de execução. Basta a sentença
do tribunal (ou seja, a ação declarativa constitutiva) para satisfazer o interesse do credor tal
como se fosse o promitente.
105
Em todos os casos em que o credor não pode obter exatamente a prestação como pretendia
(cumprimento pontual e integral) aciona-se a garantia geral das obrigações e não à execução
específica.
Versus
Via encontrada pelos sistemas jurídicos para conseguir, ao mesmo tempo, proteger o
património pessoal do devedor e, mesmo assim, proteger os direitos do credor: proibição da
autodefesa, tendo o credor de recorrer aos tribunais.
Caso prático nº 33
106
que se respeite um núcleo mínimo de bens que permita a sobrevivência do devedor.
Quais os bens que temos de deixar e quais os que podemos atacar?
Penhor – garantia especial. Semelhante a uma hipoteca, mas diz respeito a bens móveis (a
hipoteca reporta-se a imóveis). É a entrega de um bem como garantia de que havemos de
voltar para cumprir a dívida. Empenhar ou dar de penhor.
Que bens são esses? Arts. 736º, 737º, 738º (novo CPC).
(1) O ordenado – o devedor tem de ficar com um tanto para sobreviver. O que
retiramos do ordenado não pode ser inferior ao ordenado mínimo: se a pessoa ganhar o
ordenado mínimo, todo ele é impenhorável. Pelo contrário, no máximo, o devedor fica com
1500€/mês a salvo da penhora. 1ª regra: 1/3 penhora-se, 2/3 ficam para o devedor poder
sobreviver; 2ª regra: Se receber o ordenado mínimo, é tudo impenhorável (proteção do
devedor); 3ª regra: a regra do 1/3 cede perante quem recebe muito: o máximo com que o
devedor pode ficar são 1500€ (proteção do credor)
(2) Um estabelecimento comercial: tudo o que ele gerar em dinheiro, vai para o
tribunal. Mas não são penhoráveis os instrumentos que lhe permitem gerar dinheiro. Nota: se
se destinar à execução de um instrumento em concreto, obviamente esse instrumento será
penhorado.
Conclusão exercício nº 33 – Ana propõe uma ação executiva contra Bruno – o agente de
execução vai à procura dos bens de Bruno mas este declara-se insolvente e diz que não dispõe
da quantia que deve. Se isso for verdade, ou seja, se na ação executiva não se descobrirem
bens penhoráveis, a ação fica por ali e o interesse da Ana não será satisfeito. Todavia, o seu
direito de crédito não se extingue: mantém-se e a prestação só deixa de ser exigível quando
prescrever. Ana poderia continuar a observar a vida de Bruno e, se este encontrasse emprego
ou por qualquer outra forma adquirisse património (doação, por exemplo), reacionar-se-ia a
ação executiva e o tribunal penhoraria 1/3 do ordenado de Bruno.
Aplicamos, a esta situação, o art. 311º - a partir do momento que obtenho um título executivo,
ou seja, que me permite seguir para uma ação executiva, o meu direito só prescreve dali a 20
107
anos (deixa de se aplicar o prazo para a prescrição normal do direito de crédito, se ele fosse
mais curto).
Quando há declaração de insolvência, deixa de ser possível uma ação executiva. A partir do
momento em que existe um processo de insolvência em curso, todas as dívidas daquele
devedor são tratadas em conjunto, pelo que um credor, isoladamente, não pode propor uma
ação executiva. São chamados todos os credores, conjuntamente: para decidir quais os
créditos que são satisfeitos, em que proporção, etc….
Art. 604º - “par condicio creditorium” – sem prejuízo de eventuais motivos de preferência,
todos os credores serão tratados em pé de igualdade. Todavia, este princípio só se aplica em
determinadas circunstâncias: Se o devedor iniciar o processo de insolvência, é deste modo que
se tratam todos os credores, ou seja, em regra todos são tratados de modo igual; mas se
existirem causas legítimas de preferência (604º/2) este princípio já não se aplica.
108
faz parte dos bens penhoráveis, pelo que uma cláusula de exclusão
podia pôr em causa as expectativas dos credores posteriores.
Conclusão: a cláusula do art. 603º só é válida para o passado, não para
dívidas posteriores à liberalidade. No caso prático aplica-se o art. 603º
porque estão em causa dívidas anteriores à doação.
Art. 602º, convenção entre as partes: é esta a solução para deixar a casa a
salvo de credores posteriores: Bernardo pode convencionar com os futuros
credores que, por dívidas contraídas não responda a casa. É também possível
convencionar que por uma dívida respondem só determinados bens.
Aula 12
31-10-2013
De facto, Adolfo quer que a casa se mantenha na família: o fideicomisso é uma espécie de
dupla regulação da herança. Em vez de dizer que quer que os bens vão para X ou Z, o testador
pode, se quiser, regular que as coisas vão para a pessoa X e, quando esta morrer, vão para a Z.
quando isto acontece, o primeiro a receber recebe a coisa de forma limitada, ou seja, com o
encargo de transmitir a outrem, por morte - encargo de conservar a herança. Quando alguém
tem o encargo de conservar, significa que não pode vender e que os credores não podem
atacar a coisa – a coisa que é alvo do fideicomisso reveste um património autónomo e só pode
ser alvo de atos jurídicos cujos efeitos cessem com a morte do primeiro herdeiro.
Com o art.603º (limitação por determinação de terceiro) só podemos pôr os bens a salvo dos
credores anteriores; com o fideicomisso (2296º) protegemos a coisa de todos os credores,
sejam eles anteriores ou posteriores à constituição da obrigação do devedor (2292º).
Quando alguém tem dívidas, o acionamento da responsabilidade patrimonial não significa que
os credores fiquem com os bens do devedor – 795º, CPC. De facto, a adjudicação dos bens
penhorados é pouco frequente; o que é normal é que os credores recebam o produto da
venda desses mesmos bens (venda em execução – produto da venda satisfaz o interesse do
credor).
Art. 824º, CC: quando há venda em execução, o bem não vai para o património do
terceiro adquirente com os ónus e encargos em geral que o bem já trazia. Esses
direitos de garantia que antes o oneravam caducam, pelo que o adquirente recebe
o bem livre.
109
Art. 604º (o que dispõe que os credores deverão ser pagos rateadamente) não se aplica a este
caso. De facto, ele não se aplica enquanto não decorrer uma ação em tribunal. Só se aplica em
tribunal e em caso de ser interposta uma ação de declaração de insolvência. Na vida corrente,
o devedor é livre de pagar a um e não a outro credor.
Situação de insolvência – alguém tem mais passivos do que ativos. =/= Declaração de
insolvência – os particulares não estão sujeitos ao dever de requerer a declaração de
insolvência, ao contrário do que sucede com as pessoas coletivas. Quando verificamos que não
temos património suficiente para satisfazer todos os credores, não temos de requerer a
declaração. Enquanto ninguém propuser uma ação em tribunal, o devedor é livre de pagar a
quem quiser, a quem “gostar mais”. Havendo uma ação, ele vê-se obrigado a pagar
preferencialmente ao autor.
Quirografários – credores comuns, ou seja, os que não têm qualquer garantia especial a seu
favor. Apenas gozam da garantia geral das obrigações. Estão em igualdade de circunstâncias
(604º).
**
110
CASO PRÁTICO Nº36
Devedor que começa a pôr a salvo os seus bens, dissipando-o a favor de terceiros. Face a isto,
o credor podia recorrer a uma declaração de nulidade, nos termos do art.605º.
Em primeiro lugar, há aqui uma simulação de contrato de compra e venda, nulo por força do
art. 240º/2. É este o motivo adjacente à possibilidade de recorrer ao art. 605º.
O art.605º visa esclarecer que os credores de uma determinada pessoa também têm
legitimidade para invocar a nulidade dos atos do devedor, quer posteriores ou anteriores ao
negócio celebrado entre o credor e o devedor, bastando para isso que haja interesse legítimo
nessa declaração. Confere expressamente legitimidade aos credores para requerem a
declaração da nulidade; todavia, o art. 286º já confere legitimidade a qualquer interessado;
qual o interesse do art.605º? Vem dizer-nos que, antes de recorrerem a outros meios, os
credores requerer a nulidade dos atos praticados pelos seus devedores. A sua utilidade é de
clarificação do que já resulta do 286º, aplicando-se preferencialmente nos negócios simulados
Simão fez uma simulação de um negócio de CV com Teresa, nulo por força do 240º. Se o
negócio não fosse nulo, Simão conseguiria impedir que os seus bens fossem encontrados e a
execução não seria efetuada com sucesso.
Todavia, este a declaração de nulidade visa somente impedir que o devedor dissipe o seu
património por meio de atos que sejam nulos, ou seja, tem de haver fundamento para a
nulidade. Se Simão vendesse os bens a Teresa e esta os colocasse efetivamente em sua casa,
aproveitando as suas utilidades, então Zé nada poderia fazer. Ele só pode atacar atos nulos, daí
o regime do 605º ter o seu campo de aplicação privilegiado nos negócios simulados.
1. Em primeiro lugar, permite que a nulidade abranja atos anteriores ao crédito – não se
exige assim uma efetiva intenção fraudulenta do devedor em relação a determinados
credores, aquando da celebração do negócio, sendo permitida a invocação de nulidade
pelos credores, mesmo em relação a negócios celebrados antes da constituição do
crédito.
2. Em segundo lugar, não se exige que o ato de dissipação produza a insolvência do
credor, bastando pelo contrário que do ato resultasse qualquer prejuízo para os
credores, como o risco de desaparecimento ou diminuição da segurança constituída
pelos bens do devedor. Em suma, a legitimidade dos credores para a invocação da
nulidade dos atos do devedor depende do simples interesse nessa declaração, não se
exigindo que esses atos venham produzir ou agravar a insolvência do devedor.
111
A nulidade tem efeito retroativo pelo que determina a restituição de tudo o que tiver sido
prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, do valor correspondente (289º/1).
Esta restituição far-se-á naturalmente ao património do devedor, em benefício de todos os
credores, pelo que o credor que invocou a nulidade não adquire, por esse motivo, qualquer
preferência no pagamento.
Meio de conservação da garantia geral, destinada a permitir aos credores reagir contra os atos
do devedor que se apresentam como lesivos dessa garantia (já que se impugna um ato pelo
qual o devedor cria ou aumenta conscientemente a sua insolvência ou inviabiliza a existência
de garantias).
Todavia, no que toca à doação de todo o seu dinheiro ao filho Vicente, aparentemente não há
aqui um negócio nulo, não há simulação já que o dinheiro é efetivamente transmitido para a
esfera de Vicente. Portanto, Zé já não poderá requerer a nulidade daquela doação.
Impugnação Pauliana – meio que permite ao credor reagir contra atos válidos ou inválidos que
envolvam uma diminuição da garantia patrimonial, mas só se se verificarem determinados
requisitos.
Ex: empresto dinheiro a um amigo que diz que me paga assim que puder. Mas recebe
dinheiro e, em vez de me pagar, compra um Ferrari. Não posso fazer nada contra isto. Só
posso reagir contra atos que me prejudiquem diretamente – o devedor conserva autonomia
de fazer o que quiser com o dinheiro.
112
Apesar de serem requisitos apertados, não são tão exigentes quanto à primeira vista parecem,
graças ao ónus da prova previsto no art. 611º – o credor só tem de provar que desconhece a
existência de outros bens, bem como o montante da dívida. Cabe ao devedor defender-se,
provando que tem outros bens penhoráveis (situação em que o credor irá recorrer a esses
bens invocados pelo devedor, por meio de uma ação executiva, o que levará o agente de
execução a ir buscar esses bens invocados pelo devedor).
1. REALIZAÇÃO PELO DEVEDOR DE UM ATO QUE DIMINUA A GARANTIA PATRIMONIAL DO CRÉDITO E NÃO
SEJA DE NATUREZA PESSOAL
O primeiro pressuposto é a existência de um ato que implique a diminuição da garantia
patrimonial do crédito. Efetivamente, a ação pauliana é dirigida contra os atos
praticados pelo devedor, visando impedir que esses atos possam afetar a garantia
patrimonial do crédito. Estão assim em causa atos que se repercutam em termos
negativos no património do devedor, quer em virtude de uma diminuição do seu ativo
(transmissão de um imóvel ou remissão de uma dívida), quer em virtude de um
aumento do seu passivo (assunção de uma dívida ou prestação de garantias).
Não estão sujeitos à impugnação pauliana os atos do devedor que tenham natureza pessoal,
mesmo que deles resulte eventualmente uma diminuição do seu património. Assim, se o
devedor quiser casar em comunhão geral de bens, ou efetuar uma perfilhação de uma criança,
os credores não poderão reagir contra estes atos através da impugnação pauliana. Da mesma
forma, como já referi, o devedor pode livremente comprar um Ferrari, ainda que isso venha
diminuir o seu património.
a) Atos nulos
Por exemplo, os negócios simulados (art. 240º). A nulidade implica necessariamente a não
produção de efeitos jurídicos do ato, o que poderia levar a questionar se ele efetivamente
levaria à diminuição da garantia patrimonial do crédito. Todavia, a lei prevê expressamente tal
possibilidade em relação a estes atos (615º/1), o que se compreende atendendo às
dificuldades de prova de certos fundamentos da nulidade, como no caso da simulação, pelo
que seria incorreto sujeitar o credor aos riscos da improcedência de uma ação de nulidade.
113
enganador: não se encontrando o devedor na eminência de insolvência, ou seja, não havendo
em tribunal um processo de insolvência, cabe-lhe a faculdade de gerir livremente o seu
património, o que pode passar por dar prioridade a alguns credores, cuja reação ao não
cumprimento lhe poderia acarretar mais prejuízos (daí fazer sentido escolher, por exemplo,
pagar apenas a dívida maior ou a que devia ao seu principal fornecedor). Ora, nestes casos em
que existem vários credores mas o devedor paga a totalidade da dívida a apenas a um deles,
deixando os outros com o seu crédito por satisfazer, o credor cujo direito de crédito é
integralmente satisfeito recebe aquilo a que tem direito e jamais se verá obrigado à restituição
da prestação que lhe era efetivamente devida e exigível.
Todavia, faz sentido que o credor possa recorrer ao instituto da impugnação pauliana face ao
cumprimento de obrigações ainda não exigíveis ou de obrigações naturais. Quanto à primeira,
ao fazê-lo, o devedor está a privilegiar um credor em específico que tem menos direito a ver o
crédito extinto do que os demais, não se justificando que o devedor o faça se tal implicar
diminuir a garantia patrimonial dos restantes quanto às segundas, elas representam somente
um dever de justiça, pelo que jamais se pode cumprir um crédito natural em detrimento da
extinção de um crédito civil, com a consequente diminuição da garantia patrimonial do credor
civil.
2. A ANTERIORIDADE DO CRÉDITO EM RELAÇÃO AO ATO OU, SENDO ELE POSTERIOR, PRÁTICA DO ATO
DOLOSAMENTE COM O FIM DE IMPEDIR A SATISFAÇÃO DO DIREITO DO FUTURO CREDOR
A regra de que o credor não deverá poder impugnar atos anteriores ao crédito comporta uma
exceção, caso o ato tenha sido praticado dolosamente com o fim de prejudicar a satisfação do
direito de um futuro credor. Se apesar de anterior ao crédito se puder concluir que o devedor
visou dolosamente com o ato impedir a satisfação do futuro credor, justifica-se a aplicação
deste instituto, de modo a impedir a fraude ao credor.
Duas notas: em caso de o crédito ser anterior ao ato mas ainda não ser exigível, o credor pode
na mesma recorrer á impugnação pauliana (614º); mas já não o pode fazer se o crédito, ainda
que constituído anteriormente, tiver sido sujeito a uma condição suspensiva, ainda não
verificada (614º/2).
3. NATUREZA GRATUITA DO ATO OU, SE FOR ONEROSO, OCORRÊNCIA DA MÁ-FÉ TANTO DO ALIENANTE
COMO DO ADQUIRENTE
Não se exige nenhum requisito adicional quanto aos atos gratuitos na medida em que se
entende que os interesses que estão em causa jamais poderão prevalecer contra os direitos do
114
credor. A ação de impugnação pauliana procede, mesmo que o devedor e o adquirente
estejam de boa-fé.
A lei exige que o ato acarrete a impossibilidade de satisfação do crédito. Ora, tal abrange dois
tipos de casos:
Diminuição do património apenas não chega! É preciso que resulte um aumento significativo
da dificuldade prática de executar o património. Mas ao credor basta alegar que desconhece
outros bens já que, normalmente, o credor não tem uma ideia 100% correta dos bens do seu
devedor. “Ele tinha aqueles bens, está a dissipá-los e não sei se tem outros” – essa prova cabe
ao devedor. Mesmo que a impugnação pauliana seja improcedente, o credor ganha com isso
porque fica a conhecer outros bens que poderá executar.
O facto de o adquirente dos bens ter procedido a uma nova alienação não prejudica a
possibilidade de os credores impugnarem igualmente essa transmissão através da IP. Tal
hipótese é prevista no art. 613º/1, exigindo apenas os seguintes requisitos:
115
Efeitos da impugnação pauliana:
Primeiro aspeto: Os seus efeitos aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido (nº4).
Consequentemente, com a impugnação pauliana não há qualquer retorno dos bens ao
património do devedor (ao contrário do que sucede com a declaração de nulidade). De facto,
esta ação tem natureza individual, beneficiando apenas o credor que dela faz uso.
Segundo aspeto: nos termos do art. 616º/2, o credor que recorre à impugnação pauliana tem
direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património
do adquirente (obrigado à restituição) (818º, in fine) e praticar os atos de conservação da
garantia patrimonial autorizados por lei. Todavia, este direito varia consoante o adquirente
esteja de boa ou má-fé.
Terceiro aspeto:
Não se tratando de uma ação de anulação, o ato mantém-se válido e eficaz entre o devedor e
o terceiro, ocorrendo apenas uma situação de responsabilidade do devedor perante o terceiro
em virtude de o credor ter, em consequência do ato por ele praticado lesivo da garantia
patrimonial, adquirido sobre um terceiro um direito à restituição dos bens na medida do seu
interesse.
Ora, nos termos do art. 617º,1, a responsabilidade do devedor perante o adquirente varia
consoante o ato seja gratuito ou oneroso.
Ato gratuito – o devedor só é responsável perante o terceiro nos termos do art. 957º,
ou seja, se se tiver expressamente responsabilizado ou se tiver agido com dolo.
Se o ato for oneroso – o terceiro tem direito a exigir do devedor aquilo com que este se
enriqueceu – o devedor tem de restituir ao terceiro o enriquecimento obtido, com a
116
exoneração da prestação perante o credor, já que este satisfez o seu direito de crédito
recorrendo ao património do terceiro.
Nota: a satisfação do direito do credor tem primazia sobre a satisfação do direito do terceiro
contra o devedor, pelo que, só após a satisfação daquele é que poderá vir a ser exercido este.
a) Com a satisfação do direito de crédito, seja por cumprimento, seja por outra causa de
extinção das obrigações;
b) Com a aquisição de novos bens por parte do devedor, desde que suficientes para
assegurar a garantia patrimonial do crédito, uma vez que neste caso tanto o devedor
como o terceiro têm condições para provar a existência de bens penhoráveis,
obstando assim à procedência da ação de impugnação pauliana (611º).
Nos termos do art. 618º estabelece-se um prazo de 5 anos, a contar da data de constituição do
ato impugnável.
Uma ação de declaração de nulidade, uma vez que os atos impugnados poderão
perfeitamente ser válidos;
Uma ação de anulação da transmissão já que a sua procedência não faz reverter os
bens alienados ao património do devedor, mas apenas permite ao credor exigir ao
adquirente a restituição dos bens na medida do seu interesse (ou seja, de modo a
extinguir o seu direito de crédito, nada mais).
Não é uma declaração de ineficácia já que em sua virtude o credor adquire pretensões
próprias contra o terceiro adquirente, cujo conteúdo varia consoante a sua boa ou má-
fé.
A impugnação pauliana é uma ação pessoal – visa restituir ao credor, na medida do seu
interesse, os bens com que ele contava para a garantia do seu crédito. Assim, ela confere ao
credor um direito de crédito à restituição em relação ao adquirente, que tem por objeto os
bens em espécie ou o seu valor, se estiver de má fé, ou o seu enriquecimento, se estiver de
boa fé.
Aquisição gratuita – este modo de aquisição é considerado uma «causa menor»; se for
realizada à custa de outrem que não o próprio doador (neste caso, realiza-se à custa do
credor) justifica-se a restituição do enriquecimento, mesmo que o terceiro adquirente
estivesse de boa-fé (612º/1)
Aquisição onerosa – em princípio, ao contrário da aquisição gratuita, ela constitui uma
causa legítima de aquisição, pelo que não deverá ser aplicável o instituto do
enriquecimento sem causa. Portanto, a aquisição onerosa só deixa de ser fundada
117
numa causa legítima se se verificar a má-fé simultânea do devedor e do terceiro
adquirente, tendo consciência do prejuízo que o ato acarreta ao credor. Assim, se por
força de esse ato o credor vir diminuídas as suas garantias patrimoniais e a
impossibilidade de satisfação do seu crédito, o terceiro terá de restituir a garantia
patrimonial (616º e 618º). Posteriormente, o terceiro pode exigir ao devedor aquilo
com que este se enriqueceu (617º/1). Nesta situação, temos uma situação de
enriquecimento injustificado do terceiro à custa dos credores uma vez que a sua
aquisição, ainda que mediante o pagamento de um preço, assenta num desvio de bens
da função que legalmente lhes é atribuída: a de servirem de garantia patrimonial dos
créditos. Concluindo, essa garantia patrimonial deverá ser novamente afetada a essa
função.
O ato impugnado não é destruído, mantém os seus efeitos. Nos termos do art. 616º, o
dinheiro continua na esfera do beneficiário da doação (Vicente). Mas a impugnação, se
bem-sucedida, permite que o credor possa executar o património do beneficiário da
doação, somente naquele montante. Não se elimina o ato, mas sim o seu prejuízo para
o credor - Restituição dos bens ao credor, na medida do seu interesse.
Relações entre o devedor e o terceiro: se for um ato gratuito, a proteção do terceiro
adquirente é menor. Se for um ato oneroso e se o comprador ficar prejudicado, pode
exigir ao devedor aquilo com que este enriqueceu. Neste caso, o terceiro pode estar de
má-fé que conserva este direito na mesma.
**
Aula nº13
Dia 3-11-2013
SIM Trata-se de um erro de qualificação jurídica: o ato produz efeitos em geral, mas
em relação ao credor não produz efeitos – é uma ineficácia relativa e não a declaração
de nulidade do ato. Ou seja, quando se pede a declaração de nulidade com base na
118
impugnação pauliana, o tribunal deve convolar o pedido e declarar a ineficácia do ato
perante o credor (trata-se de um mero erro de qualificação do autor).
Declarações de voto – alguns juízes votaram contra, dizendo que esta decisão passava por
cima de um erro técnico, o que não pode ser. Defendiam que não era um mero erro de
qualificação jurídica, o pedido é um e não se pode converter noutro. Todavia, é a orientação
de dar razão ao autor e convolar o pedido que vigora, a partir de este acórdão.
Os efeitos não são os de destruição do ato: o credor não pode exigir que o filho devolva o
dinheiro ao pai. Mas tem o direito de proceder como se o dinheiro nunca tivesse saído da
esfera do devedor. Pode propor uma ação de execução contra Vicente, pois é como se o
dinheiro estivesse na esfera do pai. Vicente não pode dizer que a dívida não é sua.
3. O credor pode exigir determinadas coisas ao terceiro: Para percebermos o que é que o
credor pode pedir, temos de ter em conta duas distinções:
119
Os efeitos da impugnação pauliana também diferem consoante a gratuitidade ou onerosidade
do ato (ver acima).
Aula nº13
4-11-2013
120
Exercício nº37
Beneficia todos e não apenas o credor que propõe a ação (tal como na declaração da
nulidade);
É preciso ter em conta que este meio corresponde a uma intromissão forte na esfera
jurídica do devedor: um amigo deve-me 30000€; ora, eu é que decido se insisto ou não
com o cumprimento da obrigação, se quero ou não insistir na valência dos meus
direitos, a menos que o meu património esteja a ficar em perigo – só aí é que há motivo
para haver ação sub-rogatória. Pode ser interposta em defesa de outros direitos que
não direitos de créditos.
Requisitos (606º):
121
avó deste. Todavia, o devedor não tem no seu património esse anel,
mas tem, por sua vez, um direito de crédito perante um terceiro (C),
tendente à entrega do anel da avó de A. Se B não exercer o seu direito
de crédito, A nunca vai receber o anel. Ora, neste caso não está em
causa uma garantia, mas sim a direta satisfação do direito de crédito.
A ação sub-rogatória é uma ação indireta ou oblíqua – por isso, aproveita a todos os credores.
Trata-se de uma relação tripartida e indireta porque o dinheiro, em resultado da ação do
credor na posição do devedor, vai entrar na esfera do devedor e não na do credor. Só num
segundo momento é que o credor vai buscar o dinheiro à esfera do devedor. Aproveita a todos
os credores na medida em que qualquer um deles pode executar o valor que entra na esfera
do devedor, em resultado da ação sub-rogatória motivada pela ação sub-rogatória levada a
cabo por um dos credores. Se ele não se apressar a atuar tendo em vista o segundo passo, isto
é, ir buscar o dinheiro correspondente ao seu crédito, os outros poderão fazê-lo e a ação não
trouxe qualquer vantagem para o seu autor.
Exemplo:
=/=
Ação direta – em alguns casos, temos um credor que tem direito a indemnização perante o
responsável pelo dano àquele infringido. Como o devedor tem um seguro de responsabilidade
civil com uma seguradora, o lesado pode pedir diretamente a indemnização à seguradora (é
este o único caso de ação direta no DC. Em regra, as ações são indiretas/oblíquas).
De facto, como já referimos acima, o art. 609º determina que a sub-rogação aproveita a todos
os credores, o que implica a lei ter consagrado a modalidade da ação sub-rogatória indireta,
que não atribui qualquer preferência ao credor que a ela recorre, mas antes determina o
ingresso dos bens obtidos no património do devedor, ficando aí sujeitos ao poder de execução
de todos os credores. Assim, o autor da sub-rogação não obtém qualquer vantagem especial
pelo facto de a ela ter recorrido, sendo a sua atuação exercida em benefício de todos os outros
credores. A única coisa que o credor faz é interpelar o devedor do seu devedor a cumprir
(tornar uma obrigação pura numa obrigação vencida) Diminui a incerteza que caracteriza o
facto de o credor poder interferir nos direitos de crédito do seu devedor os quais, à partida,
lhe deveriam ser totalmente alheios.
122
Ação pode ser exercida tanto judicial como extrajudicialmente (608º, a contrario). Sendo feita
judicialmente, é necessária a citação do devedor (608º).
**
Recordando o exemplo acima, faria sentido que A tivesse uma forma de assegurar que obtém
os 500€ antes que os outros credores cheguem e satisfaçam os seus créditos. De facto, o
património é volúvel, com a ação sub-rogatória o devedor recebe um ativo (um mais no seu
património). Todavia, tem hoje mas pode deixar de ter amanha. Ora, perante esta volatilidade
surge a necessidade de mecanismos que nos garantam que o património não vai desaparecer.
É neste contexto que surge o arresto.
Permite ao credor atacar bens concretos. Permite apreender bens específicos do devedor
quando haja receio justificado da perda da garantia patrimonial.
Justo receio: basta que exista um risco de o devedor proceder à ocultação, alienação ou
dissipação dos seus bens ou que se verifiquem quaisquer outras circunstâncias que indiciem a
possibilidade de futuro desaparecimento dos bens que constituem a garantia patrimonial do
crédito. É preciso convencer o tribunal de que o meu receio é justificado. Para tal, posso:
provar que o devedor está numa situação de insolvência ou quase insolvência; provar que o
devedor já recorrente em dissipação do património (apresentar várias ações executivas
passadas contra o meu devedor que acabaram sem sucesso por falta de património).
O arresto é semelhante à penhora, mas opera-se antes: quando ainda não temos uma ação
executiva, (caso em que há a penhora de bens) a apreensão de bens faz-se por via do arresto.
O arresto pode também ser decretado em relação ao adquirente dos bens do devedor,
exigindo-se nesse caso que tenha sido judicialmente impugnada a transmissão (619º/2), por
exemplo, através da declaração de nulidade ou da impugnação pauliana ou, não o tendo ainda
sido, que se demonstrem factos que tornem provável a procedência dessa impugnação. De
facto, pode cumular-se o arresto com a declaração de nulidade, impugnação pauliana e com a
ação sub-rogatória.
123
a) Corrigir atos de dissipação – ação de nulidade; impugnação pauliana
b) Combater a inércia do devedor – ação sub-rogatória
c) Prevenir a dissipação de património (justo receio de perder a garantia patrimonial) –
Arresto.
Efeitos do arresto:
Decretado o arresto, os bens são apreendidos (vertente física, com privação do uso)
para garantia do cumprimento da obrigação, como se tivessem sido penhorados, o
que implica que, partir do momento em que os bens estão arrestados, os atos de
disposição são ineficazes em relação ao credor (622º/1 e 819º).
Com o arresto, cria-se uma preferência – um credor comum que recorra ao arresto
torna-se credor preferente (622º/2 e 822º/2). Todavia, se o bem não for penhorável,
não nos serve de nada arrestá-lo: ao arresto são aplicáveis as regras da penhora. Se o
seu objetivo é funcionar como garantia patrimonial, então eles têm de ser penhoráveis
e, por isso, alienáveis. É que, de facto, o arresto é convertido em penhora na execução
do crédito de que constitui garantia. Todavia, a preferência do credor que propõe a
ação de arresto fica sem efeito caso venha a ser declarada a insolvência do devedor já
que, nesse caso, os credores são todos tratados de igual modo, como um todo.
Por fim, se o arresto for julgado improcedente ou caducar, o requerente é responsável pelos
danos causados ao arrestado, quando não tenha agido com a prudência normal (art.621º). o
requerente pode mesmo ter de pagar uma caução, se tal lhe for exigido pelo tribunal.
**
Garantias especiais
Definição: consistem em situações em que a posição do credor aparece reforçada para além do
que resultaria simplesmente da responsabilidade patrimonial do devedor, aparecendo também
fortalecida quando confrontada com a posição de outros credores. De facto, o que é essencial
à garantia especial é apenas que um dos credores se encontre, em comparação com os outros,
numa posição de benefício, assim se quebrando a normal igualdade entre os credores, prevista
no art. 604º.
Tem por efeito distinguir os credores comuns dos credores preferentes. Os credores comuns
beneficiam apenas da garantia geral das obrigações, ao passo que os preferentes gozam de
garantias especiais. Assim, temos um credor preferente quando este decide reforçar as suas
124
garantias, cumulando mais algumas com as gerais, o que lhe permite colocar-se numa posição
de vantagem face aos outros credores.
Garantias pessoais
Garantias Reais
Os credores titulares de garantias reais dizem-se credores preferentes, por oposição aos
credores comuns ou quirografários. A lei atribui-lhes o direito de se fazerem pagar em
primeiro lugar sobre os bens objeto da garantia, passando assim à frente dos credores
comuns, que só se podem fazer pagar pelo remanescente desses bens, após o pagamento aos
preferentes.
Incidem sobre bens concretos, que podem ser bens de terceiro (caso em que temos um
aumento qualitativo e quantitativo), ou bens do próprio devedor (só há um aumento
qualitativo).
A hipoteca é o exemplo paradigmático de uma garantia real: o seu efeito é garantir que pago o
empréstimo. Se eu não pagar, o banco executa a hipoteca e vai buscar o imóvel. O reforço é
meramente qualitativo porque, sendo a casa hipotecada propriedade do devedor, as garantias
não aumentam, o imóvel já integrava o leque dos seus bens penhoráveis. A questão é a de que
o credor garantido por uma hipoteca tem preferência na hipoteca na execução do imóvel face
aos outros credores (sendo o imóvel hipotecado, aquele credor tem direito a satisfazer o seu
crédito com aquele imóvel, beneficiando do produto da venda referente ao seu direito de
crédito e só o que sobrar aproveita aos outros credores). As garantias reais dão azo a direitos
reais de garantia na esfera do credor.
125
Nas garantias reais, há ainda outra distinção a fazer – os bens que se adicionam à garantia
geral podem ser:
**
Há, porém, certos casos especiais de garantias que não se reconduzem nem às garantias
pessoais, nem às reais. São os chamados regimes especiais de responsabilidade patrimonial:
Quando alguém se apercebe de que não tem bens suficientes para pagar aos credores, pode
também abandonar a questão, abandonando os seus bens aos credores – figura próxima da
dação pro solvendo: “eu não consigo pagar os meus bens todos; por isso tomem-nos todos e
entendam-se” Consiste no ato de dar o património num todo a todos os credores, em
conjunto. Só funciona enquanto ainda não houver declaração de insolvência porque neste
caso a situação é tratada em tribunal, como já vimos. Esta figura não é muito relevante na
prática.
A caução não é uma garantia especial, não obstante estar arrumada nesta secção.
Definição: Toda a garantia imposta ou autorizada por lei, decisão judicial ou negócio jurídico
para assegurar o cumprimento de obrigações eventuais (própria existência no futuro é incerta)
ou de amplitude indeterminada (sabemos que vai existir, mas não qual o seu conteúdo) . Nestes
casos, impõe-se/autoriza-se a prestação de caução (por lei, decisão judicial ou por decisão das
partes, no exercício da autonomia privada). Pode concretizar-se por meio de garantias pessoais
ou garantias reais.
126
É uma figura que surge muitas vezes na legislação, em diversos contextos.
Consiste numa segurança para obrigações incertas, numa segurança acrescida face à garantia
geral. Assim sendo, é vulgarmente utilizada na obrigação de gestão de patrimónios alheios: é
comum vir a surgir na esfera do gestor a obrigação de indemnizar; de facto, se gerimos
património alheio, automaticamente pomo-nos a jeito de vir a praticar algum ato que suscite
tal obrigação. Caso isso aconteça, o valor pago com cariz de caução assegura a satisfação do
direito de outrem a ser indemnizado.
Insere-se no capítulo das garantias especiais pois opera-se por meio de uma garantia
especial. A caução em si mesma não é uma garantia especial. Mas a sua prestação é feita por
meio de uma garantia especial, que pode ser pessoal ou real (623º/1).
Vertente processual – se for preciso recorrer a tribunal para prestar caução, existe um
processo especial de prestação de caução.
Nos termos do art. 626º, pode ocorrer que a caução, após prestada, se torne insuficiente ou
imprópria, por causa não imputável ao credor. Nesse caso, a lei atribui-lhe o direito de exigir
que esta seja reforçada, ou que seja prestada outra forma de caução. Por exemplo, se as ações
desvalorizarem muito, por exemplo, o credor tem o direito a exigir o reforço da caução.
127
Opõe-se à assunção de dívida porque não tem por efeito de constituir o fiador como o
principal devedor. Na assunção de dívida, o novo devedor é titular do lado passivo da
obrigação, titular do dever de prestar. Mas o fiador apenas atua como garante, não é titular do
dever de prestar, está na retaguarda e responde apenas pelo incumprimento da obrigação.
Apenas é chamado em segunda linha, se o devedor não cumprir. Mas todo o seu património
responde pela dívida do devedor: o seu património garante não só pelas suas próprias dívidas,
mas também as dívidas de quem ele é fiador. Figura muito violenta – as pessoas não têm a
noção da gravidade do que é ser fiador de alguém.
Aula nº14
7-11-2013
A fiança é uma obrigação/vínculo jurídico pela qual um terceiro se vincula a garantir, através
do seu património, o cumprimento da obrigação por parte do devedor. Quando olhamos para
a obrigação, temos o dever de prestar, o dever de pagar e, em caso de incumprimento, a
garantia geral. O fiador só participa na garantia geral, juntando-se ao devedor na
responsabilidade patrimonial.
Garantia pessoal – não significa que o fiador responde pela sua pessoa. É a delimitação dos
bens que respondem em caso de incumprimento que é feita através da pessoa – são os bens
daquele fiador, daquela pessoa que servem de garantia adicional ao património do devedor.
2. Requisitos da fiança
128
A fiança pode celebrar-se por contrato ou negócio jurídico unilateral. (a doutrina diverge). E
pode ser gratuita ou onerosa – a fiança unilateral é sempre gratuita; na fiança contratual, o
fiador pode ser remunerado pela outra parte, seja ela o devedor ou o credor. O que distingue a
fiança de outras figuras é esta extensão a todo o património do devedor de toda a
responsabilidade patrimoniale não a sua forma de criação ou a sua gratuitidade ou
onerosidade.
129
I. Fiança mais forte – aquela em que o fiador não só renuncia ao benefício da excussão
prévia como se assume como principal pagador (não é verdadeira fiança porque ela
não é acessória);
II. Intermédia – o fiador renuncia ao benefício da excussão prévia mas não tem o dever
de prestar, só tem responsabilidade patrimonial. (Há acessoriedade mas não há
subsidiariedade).
III. Mais fraca – não há sequer renúncia ao benefício da excussão, ou seja, o património
do fiador é subsidiário. (há acessoriedade e há subsidiariedade)
Na fiança mais forte, o credor pode nem interpelar o devedor e interpelar desde logo o fiador.
Não sequer espera que a obrigação se vença ou pelo incumprimento do devedor (verdadeira
assunção de dívida).
**
A fiança tanto pode decorrer de um negócio unilateral (do fiador), como de um contrato
celebrado entre o fiador e o devedor, entre aquele e o credor, ou entre o fiador, o credor e o
devedor.
4. Fiança bancária
Tem a característica de o fiador ser um banco.
A lei permite a prestação de caução por meio de fiança bancária e não por outros tipos
de fiança. (ver prestação de caução – 623º/1).
É frequente que a fiança bancária seja constituída por contrato entre o devedor e o
fiador, por meio de uma declaração unilateral do fiador (banco) ao credor, assim
contendo o núcleo essencial da fiança: declaração do fiador no sentido de ser garante
da dívida do devedor. Mas o contrato produz efeitos antes da comunicação ao credor,
já que é um contrato a favor de terceiro (o credor não é parte no negócio, este é
celebrado entre o devedor e o fiador). Mas para que o contrato de fiança seja a favor
do terceiro-credor é necessário que o contrato seja levado ao conhecimento do credor
(declaração unilateral do fiador ao credor), não obstante não ser necessária a sua
aceitação para a produção de efeitos do mesmo.
Ou seja:
Quando as partes do contrato são o fiador e o devedor, estamos perante um contrato a favor
de terceiro, já que o credor é um terceiro. Todavia, tal só se verifica se estiver presente o
núcleo essencial da fiança, previsto no art. 628º a declaração do fiador ao credor. A um
contrato desta natureza aplicamos o regime do art. 444º e ss.
Se o contrato for celebrado entre o devedor e o fiador mas não houver declaração ao credor, o
contrato vale apenas como contrato-promessa de fiança, que há-de ser prestada pelo fiador
perante o credor através de um ato unilateral.
130
De facto, como já vimos acima, o art. 628º apenas exige a declaração expressa do fiador, pelo
que parece admissível sustentar que a fiança possa formar-se por negócio jurídico unilateral,
praticado pelo fiador em benefício do credor. Pelo contrário, tratando-se de um contrato, ele
terá obviamente de incluir a tal declaração expressa dirigida do fiador ao credor, só assim
observando o requisito de validade exigido pelo art. 628º. É com tal declaração que o contrato
se forma (quando ele é celebrado entre o fiador e o credor); ou é através dela que é dado
conhecimento ao credor do contrato que, a seu favor, o fiador celebrou com o devedor. A
fiança é, portanto, uma declaração unilateral do fiador, podendo esta estar ou não inserida
numa estrutura contratual.
=/=
Situação completamente diferente é ser o banco a exigir uma fiança, quando se pede um
empréstimo ao banco.
5. A acessoriedade da fiança
Respeita à forma da fiança, que não pode ser de nível inferior à forma da obrigação principal
(628º/1) e à sua validade que, em regra, depende da validade da obrigação principal (com a
exceção dos casos em que o fiador conhecia o motivo que levaria à invalidade da obrigação
principal e, ainda assim, aceitou tornar-se fiador – 632º/2). Também o conteúdo da obrigação
acessória decalca o conteúdo da obrigação afiançada (631º), não podendo ser mais extenso ou
gravoso do que o conteúdo da obrigação principal (mas nada impede que seja mais limitado).
Funcional:
A fiança, como obrigação acessória que é, distingue-se da obrigação principal (exceto nos
casos em que o fiador se assume como principal pagador).
131
Imaginemos a obrigação (principal) de pagar 100€ no dia 8 de novembro. O
vencimento ocorre no dia 8 de novembro, ou seja, na decorrência do determinado
período do tempo. Por outro lado, o evento que desencadeia o vencimento da
obrigação do fiador é o incumprimento da obrigação principal. Mesmo havendo
renúncia ao benefício da excussão, apesar de podermos ir atrás dos dois patrimónios
sem ter de ir primeiro ao devedor, tal não deixa de só poder ocorrer depois do
acontecimento que desencadeia o vencimento da fiança, o incumprimento. (só não é
assim na fiança cujo fiador é havido como principal pagador).
“Tem o conteúdo da obrigação principal” – tal expressão não é rigorosa. Não tem bem
o mesmo conteúdo da obrigação principal, já que é acessória à mesma.
“Cobre as consequências da mora ou culpa do devedor [incumprimento] ” – a
obrigação do fiador só se vence havendo mora ou incumprimento definitivo. De facto,
o fiador também responde pelas consequências da mora do devedor.
Ou seja: a fiança garante sempre os dois casos de violação da obrigação da obrigação principal,
a mora ou incumprimento definitivo. Imaginemos que o devedor se recusa a cumprir o
pagamento da indemnização dos danos causados pela mora, exigível nos termos do art.
804º/1; o credor pode executar o património do fiador, subsidiariamente ou em pé de
igualdade com o património do devedor, consoante haja ou não o princípio da excussão. De
facto, formada a garantia, o fiador vincula-se a garantir a obrigação principal como um todo,
não podendo estipular-se que a fiança apenas se aplica ao incumprimento da obrigação de
indemnizar pelos danos causados pela mora. (basicamente, o facto que determina a
exigibilidade da obrigação do fiador é o não cumprimento da obrigação principal, que inclui os
casos de mora e de incumprimento definitivo).
Fiança «on first demand» (ao primeiro pedido) - Basta o credor interpelar o fiador a pagar e
este tem de pagar. Sem burocracias ou processos judiciais. Resulta da autonomia privada.
Muito mais fácil de acionar, do lado do credor, mas mais gravoso para o garante, já que não
pode defender-se, dizendo que ainda não há incumprimento do devedor (paga primeiro,
discute depois). O que desencadeia a obrigação do fiador é o pedido do credor (garantia
desprovida da característica da acessoriedade, logo não é uma verdadeira fiança – é uma
garantia autónoma).
Carlos Ferreira de Almeida discorda deste entendimento, entendendo-a como uma verdadeira
fiança. Na fiança ao primeiro pedido, o fiador deve pagar ao credor logo após a interpelação
deste. Mas nem por isso se desvanece a acessoriedade, sem a qual a fiança ficaria
descaracterizada. Por isso, o fiador mantém o direito de, após o pagamento, invocar
plenamente os meios de defesa que seriam invocáveis pelo devedor de uma fiança dita
normal. Esta acessoriedade suspensa (“paga primeiro, discute depois”) é reconhecida
unanimemente.
132
O que se pretende com a fiança on the first demand não é excluir a acessoriedade, requisito
primordial da fiança. É evitar a dilação que a discussão sobre a obrigação afiançada poderia
acarretar.
=/=
A fiança pode ser singular ou plural, consoante seja prestada por um só fiador ou por uma
pluralidade de fiadores, podendo neste caso as obrigações dos fiadores serem parciárias ou
solidárias.
Havendo vários fiadores, trata-se da faculdade de exigir a divisão, ou seja, cada um dos
fiadores só responde por uma quota-parte da obrigação. Se renunciarem a este direito, então
a obrigação passa a ser solidária.
Não esqueçamos que, quando alguém se assume como principal pagador, renuncia
automaticamente ao benefício da excussão e ao benefício da divisão.
133
Conforme já vimos, a característica da acessoriedade da fiança exige que a obrigação do fiador
só se vença com o incumprimento. Se da declaração negocial do fiador se retirar que não
existe a característica da acessoriedade, não estaremos perante uma verdadeira fiança, ainda
que as partes lhe chamem assim.
Quando o fiador renuncia ao benefício da excussão e ao benefício da divisão ainda pode haver
acessoriedade, ou seja, não é por isso que o momento determinante para o vencimento da
obrigação do fiador deixa de ser o incumprimento do devedor. Assim, uma fiança com a
renúncia a estes dois direitos é ainda uma verdadeira fiança. A renúncia a estes dois princípios
apenas significa que: 1) o fiador não pode exigir que o seu património responda apenas
subsidiariamente (aquando do acionamento da responsabilidade patrimonial); 2) o fiador,
quando convive com outros fiadores do mesmo devedor, não pode exigir que o seu património
responda apenas por uma parcela da obrigação incumprida. A característica da acessoriedade
desaparece sim quando o fiador é o pagador principal.
Art.632º/2 – exemplo: Um menor pretende adquirir uma mota mas o senhor da loja não quer
celebrar o negócio por ele ser menor. Mas há um maior que acompanha o menor e que se
responsabiliza pelo negócio, ou seja, torna-se fiador do menor, mesmo sabendo que o devedor
é menor. Neste caso, constituindo uma exceção ao nº 1, a invalidade da obrigação principal
não influencia a fiança, que continua válida não obstante a anulabilidade dos atos praticado
por menores. Se for requerida a anulação, a fiança permanece válida, já que o fiador aceitou
ser garante da dívida do menor, conhecendo a invalidade do negócio por ele celebrado.
Art.631º (âmbito da fiança) – a fiança não pode exceder a dívida principal nem ser constituída
em condições mais onerosas, mas pode ser inferior à dívida principal ou ser constituída em
condições menos onerosas. Exemplo: a dívida pode ascender até milhões, mas o fiador é só
fiador até um determinado valor, que não poderá ultrapassar a obrigação principal. Outra
decorrência da acessoriedade da fiança: como é acessória, não pode exceder a dívida principal.
Não pode ser assim, já que a razão de ser da fiança é exatamente o facto de o credor não
confiar na capacidade de o devedor solver a dívida. Se se permitisse que o fiador
desaparecesse em caso de perigo de o devedor não solver a dívida, a fiança não serviria de
nada. O seu objetivo é exatamente o oposto: dar ao credor uma garantia extra ao património
134
do devedor. Por isto, temos de interpretar o art.654º em termos restritivos, aplicando-o
apenas a obrigações ainda não consagradas.
Assim, agora olhando para o caso prático nº38, por mais drástico que possa parecer, a solução
seria o fiador ter mesmo de pagar, sem nada poder fazer – pagamento de todas as rendas e
ainda de uma indemnização igual a metade das rendas (1041º, CC). É também importante
referir o art. 1076º, 2, que nos diz que o arrendatário pode pagar antecipadamente o valor das
rendas, podendo ainda ser prestada uma caução.
Supondo que Celso não renunciara ao benefício da excussão (638º), podia exigir que primeiro
fossem excutidos os bens de António. Mas se este não tivesse bens, seria mesmo Celso a
responder pela dívida, sem prejuízo de depois poder recorrer ao 644º, ficando sub-rogado nos
direitos do credor.
Art.644º - Sub-rogação
Este artigo, em rigor, não seria necessário porque já existe o art.592º, que inclui
expressamente os garantes no regime da sub-rogação legal. O art. 644º seria perfeitamente
dispensável.
A fiança omnibus
A fiança pode garantir uma ou mais obrigações. As obrigações garantidas podem ser atuais,
condicionais ou futuras. (628º, 2ª parte).
O que tem vindo a ser debatido é se é ou não válida a fiança geral ou omnibus, isto é, a
garantia de toda e qualquer obrigação de um dado devedor.
No direito português, entende-se sem hesitações que é válida a fiança geral de obrigações já
existentes ao tempo da formação da fiança, mas subsiste a controvérsia quanto aos limites da
135
validade da fiança geral de garantia de obrigações futuras (ainda não existentes ao tempo da
formação da fiança).
136
Acórdão 4/2001 – acórdão uniformizador de jurisprudência
A fiança é a única garantia pessoal com um regime completo no CC. Existem muitas outras. Em
todas estas, importa conhecer o regime da fiança pois o contraponto será o seu regime. As
outras garantias existentes no CC são reais.
Resumo da fiança
A fiança constitui a garantia especial e pessoal das obrigações. Como todos sabemos, o credor
pode exigir a garantia da fiança no momento da celebração do contrato. É muito comum a
existência de fiança nos contratos de mútuo (empréstimo), nomeadamente para compra de
habitação e também nos contratos de arrendamento.
Fiança significa sobretudo que, se o devedor não cumprir com a sua obrigação, pagar a renda
ou a prestação do crédito, por exemplo, o património do devedor poderá ser executado no
âmbito da garantia patrimonial.
A fiança deve ser prestada pela forma exigida para a obrigação principal, isto é, se a obrigação
principal tiver de ser prestada por escritura pública, a fiança deverá ser declarada também por
escritura pública. É comum que, nos contratos de empréstimo de dinheiro, seja para compra
de habitação, seja para crédito pessoal, a identificação do fiador conste no próprio contrato ou
escritura, onde assina, ao lado do devedor principal.
É importante que o fiador em crédito à habitação, com hipoteca do imóvel comprado, saiba
que se pode recusar a pagar enquanto o bem hipotecado não for executado. Ou seja, no caso
de o devedor não pagar a prestação do crédito à habitação, o fiador pode exigir que, primeiro,
o imóvel que está hipotecado a favor do Banco, seja vendido para com o produto da venda
liquidar o empréstimo; só se mesmo assim o credor não obtiver integral pagamento do seu
crédito, é que o fiador terá de pagar o valor em dívida. (Hipoteca prevalece sobre a fiança)
No caso de existirem vários fiadores para garantir a mesma dívida, cada um dos fiadores é
responsável pelo pagamento integral do crédito (649º/1). Assim, se o devedor não pagar, o
credor pode escolher livremente de, entre os vários fiadores, aquele que irá interpelar para
pagamento do crédito. Só não será assim se, no ato de prestação da fiança, os vários fiadores e
137
os restantes interessados tiverem acordado o benefício da divisão. Neste caso, cada fiador só
responde por uma parte do crédito.
Também é importante que o fiador de um contrato de arrendamento saiba que esta fiança não
se mantém indefinidamente, enquanto durar o contrato. Ela extingue-se com a primeira
renovação do contrato ou logo que haja alteração da renda.
Uma questão que é muitas vezes colocada é a de saber se o fiador pode deixar de o ser. A
resposta é negativa (excetuando-se o referido no parágrafo anterior). Ser fiador é assumir uma
obrigação da qual não se pode desvincular quando assim o entenda. Só o poderá fazer se,
tanto o devedor, como o credor, o aceitarem. Ora, não é muito frequente que o credor acorde
em ficar com menos uma garantia. Logo, é necessária a devida ponderação antes de se aceitar
ser fiador de alguém.
Por último, se o fiador pagar, fica com o direito do credor sobre o devedor, podendo assim
exigir o cumprimento da obrigação por parte do devedor (644º).
Aula nº15
11-11-2013
A obrigação
Obrigação – na linguagem corrente, associamos a obrigação ao lado passivo, ao dever. Mas a
obrigação é o vínculo, não se reconduz ao dever (art.387º). Não se reconduz ao dever de
prestar nem à soma daquele com o direito de crédito, já que existem deveres acessórios e
secundários. Assim, a obrigação surge como uma figura complexa – pode haver
responsabilidade civil por violação de deveres acessórios, decorrentes da boa-fé, ainda que a
prestação principal seja cumprida.
A obrigação pressupõe a sua violabilidade – se não for prestada voluntariamente, ainda que
por meio da garantia, possamos recorrer à realização coativa da prestação, já não haverá
cumprimento – não é cumprimento. A partir do momento em que é acionada a garantia geral,
deixamos de falar em cumprimento (a garantia geral é um meio exclusivamente processual, já
não é direito civil). Não há cumprimento quando precisamos de um agente de execução para
obter a satisfação do nosso direito. Em rigor, o cumprimento diz apenas respeito ao
cumprimento voluntário, ainda que tenhamos os meios estatais de corrigir essa violabilidade.
138
cumprir e a nossa única garantia é o seu património, então o objeto da obrigação não será o
seu património e a prestação um ato que o devedor cumpre se quiser? O objeto do direito de
crédito será o direito a atacar o património do devedor ou seja, o direito a fazer acionar a
responsabilidade patrimonial?
Três teorias tentam dar resposta à questão sobre qual será o objeto do direito de crédito:
a) Personalistas
b) Realistas
O direito de crédito consiste num direito real sobre o património do devedor. o dever de
prestar é uma conduta livre, o incumprimento não seria ilícito porque o património do
devedor ficaria ao dispor do credor. Se assim fosse, quem não tivesse património não poderia
constituir-se devedor de ninguém. Esta conceção significa forçosamente retirar a quem não
tenha património a capacidade de exercício e de gozo.
c) Teorias mistas
Vínculo principal – relação entre o dever de prestar e o direito de crédito
Vínculo secundário – direito sobre o património do devedor, como um direito real de
garantia.
139
3. 802º/2 – Impossibilidade imputável
4. 808º - Perda objetiva de interesse
Lei atribui relevo ao interesse do credor. Mas por vezes perde-se a noção de que a regra geral
é a irrelevância. Só e relevante nestas 4 situações.
Deveres acessórios – não derivam da AP, mas da lei, do princípio da boa-fé e das suas
diferentes concretizações, como o princípio da materialidade subjacente.
**
No Direito das Obrigações – O direito de crédito apenas diz respeito àquele credor e àquele
devedor (há um único vínculo, entre aquele credor concreto e o seu devedor), pelo que é
relativo – princípio da relatividade das obrigações (art.406º/2).
Estamos perante alguém que não é devedor nem credor – se instigar o devedor a não cumprir
ou o impedir de cumprir, responde pelo não cumprimento?
Duarte (devedor) violou o direito de crédito de Emília (credor), pelo que responde pelo não
cumprimento. E Filipe (terceiro), que atuou como cúmplice, ou seja, convencendo Duarte a
vender-lhe o livro a ele, pelo dobro do preço? À partida, o terceiro não responde pelo não
cumprimento porque o direito de crédito tem apenas eficácia obrigacional, ou seja, do
devedor perante o credor e, não havendo oponibilidade perante terceiros. O máximo que
Emília poderia pedir seria exigir indemnização pelo incumprimento a Duarte, mas nunca
recuperar o livro, resgatando-o da esfera de Filipe.
Relatividade – o direito das obrigações pressupõe vínculos que geram deveres específicos na
esfera de pessoas específicas. Estruturalmente, a obrigação é relativa, correspondendo a um
vínculo somente entre o devedor e o credor (a relatividade estrutural é pacificamente aceite).
Mas a sua relatividade impede a sua oponibilidade a terceiros?
140
b) Tese tradicional – defende a relatividade, tanto no plano estrutural, como no plano
da oponibilidade, ou seja, quanto à eficácia da obrigação. Aliás, é a relatividade
estrutural e de eficácia que distingue o direito das obrigações dos direitos reais e dos
direitos subjetivos (ambos direitos absolutos) – o direito de crédito só é oponível às
partes, pelo que os terceiros não respondem por qualquer violação da obrigação. Nos
direitos reais, por exemplo no art. 1311º, assegura que o titular de um direito real
pode reagir contra quem quer que seja que viole o seu direito, nomeadamente o seu
direito de propriedade. Não temos um preceito deste género no direito das
obrigações. Esta doutrina baseia se no princípio da relatividade, no art.406º/2.
Art. 406º/2 – Leva-nos à necessidade de recordar a distinção entre contrato e obrigação – uma
coisa é ter em conta o contexto contratual, outra é analisar o plano da obrigação, olhando para
os seus titulares e sem nos centrarmos no contrato que congrega a obrigação. Ora, o art.
406º/2 refere-se aos contratos. E em relação às obrigações, valerá também o princípio da
relatividade?
Ora, nestes casos gritantes é unânime que seria abusivo o terceiro poder invocar o
princípio da relatividade das obrigações; pelo contrário, é frequente que o credor cujo
direito de crédito é violado recorra ao abuso de direito – o terceiro beneficia do princípio
da relatividade (tem um direito); mas como incitou ao cumprimento, entende-se que
houve abuso do direito que lhe era conferido.
141
5. Proibição da concorrência desleal (Código da propriedade industrial, art.317º) – a
ideia é a de criar condições para uma concorrência salutar entre agentes económicos.
Nessa lógica, proíbe-se qualquer prática de concorrência desleal. Por vezes, a
ingerência de terceiros numa obrigação pode ser proibida por força da cláusula geral
da concorrência desleal.
6. Violação da titularidade do crédito (este limite não é de aceitação generalizada, mas
já tem muitos defensores) – corresponde a uma situação mais gritante do que a
média, em que alguém recebe a prestação porque se faz passar pelo credor – o
solvens, quando cumpre, pensa que está a cumprir perante o credor, logo a exonerar-
se da obrigação. Há uma assunção do crédito, mas atentatória, falsa, pelo que faz
sentido que o credor se possa defender. Quem se faz passar pelo credor não pode
utilizar o princípio da relatividade para se eximir da responsabilidade. A base legal para
punir este comportamento poderá ser o art.483º - não há dúvida de que o terceiro
responde – a dúvida reside em saber qual o fundamento mais correto para essa
responsabilidade.
[Nota: Tratando-se de uma situação tão clara de que jamais o terceiro poderá ser
desresponsabilizado, diz-se que este limite não é reconhecido por toda a doutrina, não
porque haja quem discorde: simplesmente, os autores mais antigos nem pensaram
nesta hipótese.]
Estes autores defendem que a relatividade não se estende à sua eficácia – estruturalmente é-
o, mas não significa que ao nível da eficácia os seus efeitos se restrinjam ao devedor e ao
credor.
Todavia, esta tese não pode pressupor a existência de um dever genérico de respeito dos
direitos de crédito, exigível a terceiros, tal como se exige para os direitos reais. Para tal seria
necessário retirar de algum lado esse hipotético dever de respeito dos direitos de crédito, mas
não existe nenhum regime do CC de onde possamos inferir tal dever. Com efeito, o que o art.
483º determina é que quem viola ilicitamente (refere-se a uma violação ilícita) o direito de
outrem deverá responder por essa lesão – é preciso demonstrar a ilicitude para fundamentar o
recurso a esta cláusula geral, o que difere totalmente de um dever genérico de respeito. Nos
direitos reais, qualquer ato que ponha em causa o direito real de outrem será punível; no
direito das obrigações não é assim. Exemplo: A encontra uma joia na areia, que era de B e
vende-a a C (se B assim o exigir, A será responsabilizado pois está a violar o direito de
propriedade de B, embora desconhecesse que este era o legítimo proprietário; mais, C terá de
restituir o bem a B); mas se A tivesse prometido vender a B um livro e se esse contrato
142
promessa não tivesse eficácia real (art. 413º), se A vendesse o livro a C, C não seria
responsabilizado porque nem tão-pouco saberia do contrato-promessa antes que havia sido
celebrado entre A e B. enquanto no primeiro caso B pode exigir indemnização e reaver o bem,
no segundo caso, B só poderá exigir indemnização ao seu devedor, não podendo resgatar o
bem nem ser indemnizado pelo terceiro.
- Em suma, o que podemos afirmar é: nenhuma das teorias consegue apresentar uma base
legal suficiente, sólida, para defender as suas ideias. Nem para defender a sua ineficácia nem
para defender uma eficácia erga omnes dos direitos obrigacionais. Mais, a lei não resolve a
questão de saber se as obrigações têm eficácia externa (ou seja, sempre no plano da
oponibilidade: não resolve com o art.483º, porque teríamos é preciso demonstrar a ilicitude,
não basta invocar a violação de um dever genérico de respeito; o 406º também não resolve, já
que diz respeito aos contratos e não às obrigações.
Vamos, então, tentar encontrar uma base legal para esta questão, jamais perdendo de vista
que esta eficácia externa aqui proclamada, a existir, não poderá ser aplicada genericamente a
qualquer obrigação.
Não há autores que defendam uma total eficácia externa, ou seja, a oponibilidade erga omnes.
Com efeito, é entendimento generalizado que as obrigações são estruturalmente relativas.
Vamos tentar responder à questão acima colocada, a da base legal para a defesa da eficácia
externa das obrigações e em que casos ela se aplica, já que, como vimos acima, oponibilidade
perante terceiros de um direito de crédito jamais poderá ser absoluta.
Ao contrário do que sucede com os direitos reais, a eficácia externa dos direitos de crédito só
se aplica aos terceiros que conheçam a sua existência. Para que os violadores de direitos
absolutos sejam responsabilizados, não é necessário que conheçam os seus titulares (exemplo
acima, da joia encontrada). Nas obrigações, a responsabilidade externa é limitada aos
terceiros conhecedores da obrigação.
- O direito de crédito, embora não se possa considerar absoluto, não deixa de ser um direito
subjetivo – o credor não tem uma mera expectativa. A existência da posição de credor merece
tutela jurídica, bem como deve ser conhecida por terceiros que se “intrometam” na relação
obrigacional. Com efeito, tanto a impugnação pauliana como todo o regime da insolvência
apontam para o facto de os terceiros não serem completamente irrelevantes nas obrigações.
143
Devemos ter em conta uma evolução do tráfego jurídico apontando para uma inversão da
importância dos direitos civis:
Antigamente, o que era verdadeiramente importante eram os direitos reais, os bens que as
pessoas possuíam, o seu património. Atualmente, o nosso património assenta essencialmente
no dinheiro que temos no banco – esse “património” não é mais do que um direito de crédito
perante o banco em relação ao dinheiro que temos na nossa conta, e não um direito real.
Assim, tem-se notado nos últimos 100 anos uma crescente importância dos direitos de crédito,
em detrimento da propriedade de bens corpóreos.
Ora, num sistema económico e jurídico assente em direitos de crédito, a absoluta relatividade
das obrigações seria um perigo para o tráfego jurídico. A tese da relatividade a respeito da
eficácia é um perigo para as relações jurídicas privadas contemporâneas. Assim sendo, hoje
em dia seria difícil defender a tese tradicional sem algumas atenuantes.
Um terceiro que conheça o direito de crédito e cause o seu incumprimento, responde perante o
credor/ é obrigado a indemnizar o credor, apenas quando o devedor não satisfaz plenamente o
direito do credor a uma indemnização e essa falta de indemnização é imputável ao próprio
terceiro. Quatro pressupostos:
144
4. A falta de indemnização é causada pelo terceiro – se o devedor não tem culpa, não
indemniza – a falta de indemnização é causada pelo terceiro pois ele é também a
causa do incumprimento.
Ou seja, o terceiro responde numa segunda linha, se o devedor não cumprir o dever de
indemnizar.
CASO PRÁTICO Nº 39
Embora Emília tenha efetivamente comprado o livro a Duarte, não houve transmissão da coisa
(541º).
- O enunciado diz-nos apenas que Duarte vendeu um livro raro a Emília, não sabemos se é um
exemplar único ou se, embora raro, chegaram mais exemplares ao armazém.
Tratando-se de uma obrigação genérica, o contrato não adquirira eficácia real apenas com
a sua celebração. Portanto, teríamos de aplicar o princípio da relatividade das obrigações,
mas harmonizado com a possibilidade de oponibilidade, verificados os quatro
pressupostos acima referidos:
Esta classificação foi abandonada na 2ª metade séc. XVIII por ser pouco científica, pelo que foi
sendo substituída. A que mais era criticada era os quase contratos.
146
fonte nas faculdades de direitos romano germânico). A gestão de negócios tem
interesse dogmático, já que as suas regras são analogicamente aplicadas a outras
figuras – mas enquanto fonte das obrigações, é puramente residual. Negócios
unilaterais também têm pouca relevância. Responsabilidade civil –
responsabilidade contratual (resulta da violação de obrigações) + delitual.
E o enriquecimento sem causa, que problema visa tratar? Visa dar resposta ao
aparecimento de algo, na esfera jurídica de alguém, mas que pertence a outrem. Incide sobre
uma vantagem patrimonial que deveria pertencer a uma esfera mas que, por qualquer motivo,
foi para a outra. Dá-nos uma base para exigirmos a deslocação desse incremento d espera
onde está para a esfera onde devia estar.
Art. 473º - Regime manifestamente insuficiente, à luz dos dias de hoje. A doutrina atual é
muito mais rica, oferecendo-nos elementos muito mais sofisticados de qualificação do
enriquecimento sem causa. Foi devido à consciência de insuficiência do art. 473º que foi criado
o art.474º - enquanto o art. 473º contém a proclamação de uma regra muito vaga, o art. 474º
adverte que só se aplica se não houver outra solução – carácter subsidiário. Por vezes, os
mesmos factos dão azo a respostas de responsabilidade civil e enriquecimento em causa – não
quer dizer que o enriquecimento sem causa tenha de ceder, não obstante a regra do art. 474º.
Se houver dois interesses distintos em causa, podem coexistir. Só se o interesse for o mesmo é
o enriquecimento sem causa cede. O princípio da subsidiariedade não deve ser levado à letra.
147
Estão em causa situações em que alguém presta a outrem, verificando-se, no entanto, uma
ausência de causa jurídica para essa prestação, ou melhor, para o aproveitamento da
prestação pelo seu destinatário.
Há que ter em conta uma subtileza terminológica: geralmente, quando nos referimos à
prestação, referimo-nos ao ato de prestar, ou seja, à realização do cumprimento. Mas no
enriquecimento sem causa prestação significa algo ligeiramente diferente: não a conduta
devida ou a prestação cujo cumprimento extingue o dever de prestar (no âmbito das
obrigações); mas “um incremento consciente e finalisticamente orientado de um património
alheio” – não designa necessariamente uma conduta, olhamos para o resultado da conduta e
não tanto para a obrigação de prestar. Aqui, a conduta corresponde à atribuição. Para além
disto, tem de existir intenção de proporcionar uma vantagem/um incremento patrimonial, ou
seja, a orientação finalística sem que tal tenha sido um incidente – algo de consciente e
voluntário e que provoque aumento do património alheio.
O problema não está na prestação, temos plena consciência do que estamos a fazer, achando
que é correto. Decidimos fazê-lo por qualquer motivo (e é esse motivo que está deturpado),
mas em relação à prestação não há dúvida sobre o que estamos a fazer.
Sem causa:
Ausência de causa – não obtenção do fim visado. Realmente queríamos que o incremento se
verificasse, mas com um fim que não se verificou, por estarmos em erro ou qualquer outro
vício.
a) Repetição do indevido
(primeira submodalidades do enriquecimento por prestação)
148
Art.473º, 1ª parte “O que for indevidamente recebido” – repetição tem o sentido de
restituição daquilo que for prestado.
I. Repetição do indevido objetivo – obrigação que se pretendia cumprir afinal não existia
(476º/1):
II. Repetição do indevido subjetivo:
- Obrigação existia mas quem prestou não era o devedor, ou seja, houve um problema
de identificação do solvens (quem presta não era o devedor mas achava que era); (477º)
- Ou sabíamos que o solvens não era devedor mas achávamos que deveria ser ele a
cumprir, por se ter comprometido com o verdadeiro devedor. (478º)
- Presta-se a alguém que não era o credor (erro em relação ao accipiens) (art.477º)
III. Temporal – obrigação existia e vinculava aqueles sujeitos mas ainda não se tinha
vencido.
As partes praticam alguns atos, no âmbito de meras negociações, mas por qualquer motivo
não chega a celebrar-se um contrato. Não chegou a haver intenção séria de contratar, estamos
perante meros preliminares, ou seja, sucessivos convites a contratar.
Uma das hipóteses é, então, não ter sido celebrado contrato. Mas uma das partes convence-se
de que o contrato efetivamente se formou e cumpre-o (faz uma transferência bancária, como
modo de pagamento do preço devido).
Estamos perante um caso de indevido objetivo – Bonifácio achava que devia cumprir o
contrato mas não devia porque ele se não chegou a formar (476º/1). Perante isto,
Bonifácio tem direito à restituição.
Nota: para que se aplique o regime do enriquecimento sem causa, não é necessário que
qualifiquemos a prestação como cumprimento, basta apenas que exista uma conduta
tendente a extinguir a obrigação – por isso, ele aplica-se também à dação em cumprimento, à
pro solvendo. Também se aplica à prestação de valores muito superiores ao que era devido,
devendo ser restituído o excesso.
O motivo que determina o indevido objetivo é semelhante ao que ocorre no erro na formação
do negócio – mas não se pretende deitar abaixo o negócio porque nem sequer chega a existir.
Queremos receber o que, em erro, foi prestado.
149
Aula nº 16
14-11-2013
As partes praticam alguns atos, no âmbito de meras negociações, mas por qualquer motivo
não chega a celebrar-se um contrato. Não chegou a haver intenção séria de contratar, estamos
perante meros preliminares, ou seja, sucessivos convites a contratar.
Partindo do pressuposto que o contrato não se chegou a formar, não há obrigação de entrega.
Mas uma das partes convence-se de que o contrato efetivamente se formou e cumpre-o (faz
uma transferência bancária, como modo de pagamento do preço devido). Estamos perante um
caso de enriquecimento por prestação, de repetição do indevido objetivo – Bonifácio achava
que devia cumprir o contrato mas não devia porque ele se não chegou a formar (476º/1).
Perante isto, Bonifácio tem direito à restituição.
Nota: para que se aplique o regime do enriquecimento sem causa, não é necessário que
qualifiquemos a prestação como cumprimento, basta apenas que exista uma conduta
tendente a extinguir a obrigação – por isso, ele aplica-se também à dação em cumprimento, ou
à dação pro solvendo. Também se aplica à prestação de valores muito superiores ao que era
devido, devendo ser restituído o excesso.
O motivo que determina o indevido objetivo é semelhante ao que ocorre no erro na formação
do negócio – mas não se pretende deitar abaixo o negócio porque nem sequer chega a existir.
Queremos receber o que, em erro, foi prestado.
Embora não haja negócio, surge uma na esfera de Bonifácio, decorrente do ESC,
designadamente do enriquecimento por prestação (incremento finalisticamente orientado do
património alheio, consciente e voluntariamente, mas sem causa); neste caso, há repetição do
indevido: Antero estava convencido de que devia aquele dinheiro mas não devia; tinha
consciência e queria fazer a transferência, queria incrementar o património do Bonifácio,
simplesmente estava convencido de que devia faze-lo mas não devia. Portanto, a estes casos
aplicamos o art. 473º/3 e Bonifácio tem a obrigação de restituir o que foi indevidamente
recebido – indevido objetivo, porque aquele dinheiro não era devido (476º/1)
150
A obrigação de restituição tem diversos regimes:
Resposta: havendo contrato, não havia motivo para exigir a restituição nos termos do
enriquecimento sem causa. Nesse caso, o lesado deve exigir a anulação do contrato e aplicar o
art. 289º/1, devendo Bonifácio restituir tudo o que foi prestado.
Todavia, se cairmos num dos casos em que a prestação feita a terceiro era admissível (760º),
fica precludida a hipótese de recorrer ao ESC, já que essa prestação é liberatória, isto é,
equivale ao cumprimento; mas não sendo o caso, a prestação pode ser restituída, com base
nos artigos supramencionados.
No caso 8 chegámos à conclusão de que não havia sub-rogação porque não havia um interesse
jurídico-económico nesta questão, o terceiro cumpriu a obrigação do seu primo (devedor)
apenas para defender o bom nome da família. Portanto, só poderia receber algum dinheiro em
sede de enriquecimento sem causa.
Não há indevido objetivo (há mesmo uma dívida de Tiago perante Luís);
Não há indevido subjetivo (sabe quem é o credor e o devedor e sabe que ele é
somente um terceiro);
Os casos mais próximos seriam o da a confusão quanto ao solvens ou o de que estava
obrigado a cumprir e não estava. Todavia, não é bem assim: quando há conhecimento
de que não se deve, não se merece proteção nos quadros do enriquecimento sem
151
causa. Em suma, há ausência de base para fazer funcionar o instituto do
enriquecimento sem causa.
Sub-hipótese:
Imaginemos que Simão estava convencido de que os primos deveriam cumprir as prestações
dos familiares – embora parva, trata-se de uma convicção errada, pelo que aplicávamos o
art.477º/2 (cumprimento de obrigação alheia na convicção de que era própria), aplicando-se o
regime da sub-rogação.
Ora, se erros parvos são abrangidos pelo regime do ESC, quando não há engano mas vontade
de pagar dívida de um familiar, também devemos abranger o regime do ESC? Seria uma
analogia possível, mas LR não concorda, já que levaria a demasiadas ingerências na vida dos
outros. Isto é diferente de dizer que o erro era indesculpável (de tão parvo) mas, ainda assim,
o objetivo não foi imiscuir-se na vida dos outros.
Em suma: Simão não tem hipótese nenhuma. Qualquer terceiro pode ser solvens, isto é,
cumprir uma obrigação alheia. Mas não pode vir depois exigir a restituição do que prestou,
seja em sede de sub-rogação, seja de ESC.
CASO PRÁTICO Nº 42
Mas no caso em análise, Dionísio já pagara parte da prestação a que se vinculara. Como pode
reaver o que prestou, já que a contraprestação (que motivava o pagamento do dinheiro) se
tornou impossível por causa não imputável a qualquer das partes? Enriquecimento sem
causa – enriquecimento por prestação, na modalidade de causa que deixou de existir3.
Aplicamos o art.795º/1/2ª parte, que nos remete para o art. 473º/2/2ª parte.
Outro caso:
Imaginemos que se constitui na minha esfera jurídica a obrigação de indemnizar porque perdi
um bem de valor para alguém. Efetivamente exonerei-me dessa obrigação pelo cumprimento,
3
De facto, sem causa pode significar causa não existia (repetição do indevido, modalidade objetiva); mas
também causa existia mas deixou de existir.
152
mas mais tarde a coisa aparece. Tenho direito a receber a indemnização de volta, com
fundamento no ESC, enriquecimento por prestação, na modalidade de causa que deixou de
existir.
CASO PRÁTICO Nº 43
Estamos perante uma espécie de negócio gratuito: “dou-te boleia, mas vais assistir ao jogo”.
Não é um sinalagma porque não podemos afirmar que a boleia se dá em função de assistir ao
jogo; mas Golias beneficia daquela liberalidade porque se comprometia a fazer algo, a ir ver o
jogo. Todavia, o efeito que não se verificou, pelo que se gera na esfera de Golias a obrigação
de restituição. Mas restituição de quê, já que a boleia não pode ser restituída?
Transformação num valor, isto é, calculando-se o valor de mercado do serviço prestado por
Filinto (pois há má-fé de Golias – art. 479º/1).
Estamos perante um caso de fornecimento abreviado: Higina, por meio de Ivo, pretende
entregar compota a Jorge (Ivo é mero intermediário). Quando Ivo, a pedido de Higina,
entregou a compota a Jorge, este já não tinha motivo para a aceitar porque já tinha cessado
relações com Higina, aproveitando-se do desconhecimento de Ivo. Há obrigação de restituir,
porque aquele incremento patrimonial na esfera de Jorge não tem razão de ser. Mas quem
pode exigir? Higina ou Ivo?
A Ivo é irrelevante saber por que motivo Higina lhe pediu que entregasse a compota a Jorge –
a sua obrigação é perante Higina, pretendendo exonerar-se perante ela. Ora, como Higina não
avisou Ivo que a relação com Jorge cessara, o distribuidor cumpriu a sua obrigação de entrega
porque cumpriu pontualmente as orientações de Higina, conforme sublinha o disposto no
art.770º/a). Portanto, é Higina que tem de pedir a restituição a Jorge. Para que Higina tenha
direito à restituição aplicamos o art. 476º/1, repetição de indevido subjetivo, quanto ao
solvens -Ivo (que funciona como um braço de Higina) achava que a compota era devida a
Jorge, mas não era. Temos aqui uma interposição de um terceiro (Ivo), mas que não é
relevante: Higina pode fundamentar o seu direito de crédito, tal como se fosse ela a equivocar-
se quanto à identidade do accipiens. Ser um terceiro a entregar fisicamente a coisa não é
relevante, nem por isso deixamos de poder aplicar o ESC – a compota é de Higina, logo foi ela
que incrementou o património de Jorge.
**
153
2. Enriquecimento por intervenção
Aproveitamento de um bem alheio – Vigário usou um espaço que não era seu. Dizia-se
arrendatário mas, na verdade, não pagava renda nenhuma. Todavia, não causou danos à
proprietária porque “deixa a loja impecável”, pelo que não haveria lugar a uma obrigação de
indemnizar (a responsabilidade civil só se aplica quando há danos).
Não havendo danos, houve somente um aproveitamento. O art. 473º/2 refere-se aos casos de
enriquecimento por prestação, já que as outras figuras ainda não tinham sido descobertas.
Portanto, para fundamentar o direito de Xana temos de aplicar a cláusula geral do nº1. Mas ela
é muito vaga, pelo que temos de recorrer à doutrina, que clarificou estas situações: o caso em
análise trata-se de uma ingerência não autorizada em património alheio, ou seja a uma
intervenção visando o aproveitamento não autorizado de um bem alheio.
O ESC não se preocupa com os danos, mas com o aproveitamento da loja de Xana, sem
autorização. Há a necessidade de dar resposta adequada a estes casos, desincentivando
atuações de apropriação de DR alheios, que tendem a desincentivar a celebração de contratos
de arrendamento, já que poder-se-ia ocupar um espaço alheio sem dar satisfações ao
proprietário. Mesmo que houvesse danos, isso não precludia também a aplicação do
enriquecimento sem causa, já que a subsidiariedade do ESC apenas é aplicada quando ambos
os institutos visam resolver interesses iguais. Se os interesses perseguidos forem diferentes, a
responsabilidade civil e o enriquecimento sem causa podem cumular-se, havendo direito à
restituição + direito à indemnização, porque os dois institutos atendem a interesses distintos.
Mas como no caso concreto não há danos não há este problema.
Justificação dogmática – O proprietário tem permissão de utilizar a loja, pelo que tem
exclusividade de uso e fruição da coisa; quando há aproveitamento de terceiro, ainda que
Xana não tenha sido prejudicada na sua possibilidade de utilização, foi violado o seu direito de
exclusividade – há uma frustração do destino do bem, o que justifica a deslocação patrimonial
de Vigário para Xana, com vista a corrigir os efeitos deste aproveitamento. O difícil é saber
qual o objeto da obrigação de restituir, já que não há uma prestação.
154
aproveitamento da loja) ou património do enriquecido como um todo? (todo o seu
património, retirando gastos que ele tenha tido com melhoramentos do local, ou seja,
deduzindo tudo o que não potencie o incremento patrimonial) Inicialmente a
doutrina seguia este último entendimento, por influência do instituto da
responsabilidade civil (para aferir os danos, olha-se para o património como um todo).
Mas mais tarde chegou-se à conclusão de que tal não se justificava no ESC porque
estávamos perante um incremento, não danos. De facto, o art.473º/1 parece seguir a
segunda opção, fazendo referência a tudo “aquilo com que injustamente se
locupletou” (referência concreta à vantagem injusta, nada mais). Também o art.
479º/1 reforça a segunda posição: “Tudo quanto se tenha obtido à custa do
enriquecido”. Em suma, num primeiro momento olhamos apenas para o incremento,
para aquilo que acresceu à esfera do enriquecido.
2. À CUSTA DE OUTREM – o incremento tem de provir da esfera alheia. Mas não temos
de procurar o empobrecimento (confusão com a RS, em que se procuram danos) –
aqui, não é necessário empobrecimento na esfera para onde deveria ter ido aquele
enriquecimento;
No ESC não há necessariamente um ato censurável – a culpa não é elemento do ESC, pelo que
o enriquecido pode estar de boa-fé. Ora, é preciso proteger, de certo modo, o enriquecido de
boa-fé.
Exemplo: faço anos, recebo um vinho caríssimo em casa, mas não sei de quem veio o dito
presente. Mais tarde descobre-se que era para o meu vizinho (boa-fé subjetiva, ética), pelo
que é preciso proteger os enriquecidos de boa-fé, nos termos da conjugação do art. 479º/2 +
a) ou b), 480º: aquele que bebe o vinho não tem conhecimento da falta de causa e é o
momento em que alguém o informa disso que é relevante para quantificar a obrigação de
restituir. Ou seja: só no momento em que cessa a boa-fé é que se vai aferir do
enriquecimento. Se o enriquecimento já tiver desaparecido, não há obrigação de restituir (por
exemplo, se quando tomou conhecimento de que a garrafa era para o vizinho, já tivesse
bebido todo o seu conteúdo, aquela satisfação não seria contabilizada). Só há obrigação de
restituir se o enriquecimento se mantiver à data da falta de causa. “Se em determinado
momento fomos mais felizes mas no final não há nenhum ganho, não há enriquecimento”.
Boa-fé 479º/2 + 480º, b): a contagem do que há a restituir só se inicia com o fim
da boa-fé. Se nesse momento o enriquecimento já tiver desaparecido, não há nada
para restituir;
155
Má-fé 479º/1: a contagem do que há a restituir engloba tudo quanto tenha sido
obtido à custa do empobrecido, ou seja, a coisa de que o enriquecido se apropriou
ou, caso o enriquecimento já tenha desaparecido, o valor da coisa.
No caso de Xana e Vigário, há má-fé de Vigário (art.479º/1) – ele sabia que a loja não era sua,
tinha plena consciência de estar a aproveitar-se indevidamente do património alheio. O que é
que vigário tem de pagar a Xana? O valor da exploração da loja (valor do arrendamento) ou
todo o lucro decorrente da atividade económica (venda dos melões)? O lucro da venda dos
melões também se deve a Vigário, já que foi ele que os plantou, regou, etc. Por isso no nosso
ordenamento olhamos para o uso da loja, ou seja, para o valor que Xana poderia ter recebido
se tivesse arrendado – há que procurar o valor de mercado do arrendamento daquela loja e
será esse o montante a restituir, tal como se Vigário tivesse sido efetivamente arrendatário de
Xana.
Não releva se vendeu ou não melões, o risco do negócio corre por conta de Vigário. Hipótese
em que relevaria o facto de o negócio ter sido ruinoso: os vizinhos de Xana diziam que ela
havia autorizado que, durante a sua ausência, qualquer comerciante pudesse usar a sua loja,
desde que a deixasse exatamente nas mesmas condições em que a havia encontrado. Ora,
quando Xana volta, encontra Vigário a dispor da sua loja e diz que não deixou qualquer
indicação daquele tipo aos vizinhos cessa a boa-fé de Vigário – se não tivesse vendido melões
durante o período em que se serviu da loja, nada teria de restituir.
Exemplo 2: imaginemos que tenho uma máquina que permite fabricar milhares de notas de
euros, mas está avariada. Encontro numa loja, aparentemente abandonada, a peça que
permite reparar a máquina e instalo-a. Continua a ser irrelevante o ganho, o que interessa é
aferir o valor de mercado da peça. Nestes casos, o lucro propiciado pode compensar o
aproveitamento indevido. Quer esteja de boa ou de má-fé, o enriquecido apenas tem de
restituir o valor da coisa, ou seja, só releva aquilo que aproveitou (o valor da peça ou o valor da
loja). Se o lucro foi maior, fica com ele.
Não pode haver indemnização porque não há danos: Olinda não tem por hábito usar a sua
casa em Agosto e porque Narciso e a sua família não danificaram o jardim.
156
Mas há obrigação de restituição, em sede de ESC: estamos perante a fruição de um bem, logo
recorremos ao enriquecimento por intervenção (não se aplica só a negócios, visando o lucro).
Há má-fé, pelo que não olhamos para o património daquela família. Contabilizamos apenas o
valor do bem de que eles usufruíram, sem causa: o objeto da restituição será o VALOR DE
MERCADO, mas mais difícil porque não há uma espécie de arrendamento da casa, somente o
uso e fruição do jardim e piscina. Quando não sabemos bem qual o valor em causa, podemos
aplicar analogicamente o 566º/3, que se refere à RS Se não fosse possível averiguar o valor
de mercado de uso da piscina e do jardim, fixaria o tribunal um valor de acordo com a
equidade, entre os valores mínimos e máximos considerados provados.
- Quando a pessoa entra e finge que passa o passe, o motorista pensa que deve
transportá-lo – Enriquecimento por prestação – restituição do indevido subjetivo (erro
quanto ao accipiens).
- Mas se entra sem ser visto, já é se trata de enriquecimento por intervenção.
Aula 17
18-11-2013
a) Incremento de valor de bens alheios - Sem sabermos que são bens alheios,
incrementamos o seu valor, pelo que ficamos com o direito à restituição do
incremento efetuado.
157
conseguir clientes, antecipar-se e cumprir a realização de obras exigidas a outrem e
depois ir pedir ao verdadeiro devedor o valor do trabalho realizou. Ora, isto não pode
acontecer, pelo que a regra geral deve ser a seguinte: sim, qualquer um pode cumprir,
mas às suas custas – não devemos enquadrar no ESC o pagamento consciente de
dívidas alheias.
Alguém leva um bem que não é seu mas acha que é e incrementa o seu valor – entregar um
casaco com um rasgão a uma cerzideira, tornando-o num casaco novo – quem deve suportar
os custos do trabalho da cerzideira? Quem celebra o contrato com aquela ou quem beneficia
do valor do casaco depois de arranjado, isto é, o seu real proprietário? Poderá Alda pedir algo
a Beatriz, pelo incremento do valor do casaco?
Por um lado, Alda gastou o dinheiro num casaco que nem era seu; mas Beatriz podia não
querer gastar o dinheiro a reparar o casaco – a dado momento alguém toma a decisão por si e
obriga-a a suportar custos, poderá ser?
O direito de propriedade caracteriza-se pela liberdade total sobre o bem, o proprietário pode
até estragá-lo se quiser: sendo proprietária exclusiva, Beatriz poderia perfeitamente deixá-lo
deteriorar-se, se assim o entendesse.
Por um lado: Boa-fé do enriquecido – total ignorância de que o seu casaco está na posse de
outrem e que isso o beneficiará porque o casaco vai ser valorizado; Por outro lado, também
quem incrementa o valor do casaco desconhece que este não é seu, ou seja, também está de
boa-fé.
Duas hipóteses:
a) 468º/2 – Se Beatriz (dona do casaco) demonstra que, se fosse ele a agir, não tinha
feito as coisas daquela maneira (mas tinha agido), atua o regime do ESC – obrigação de
restituição do valor do trabalho da cerzideira, de Beatriz perante Alda.
b) Quando não queria mesmo fazer nada ao bem, ou seja, tendo sido colocado na
situação de “enriquecido à força”, aplica-se o art.479º/2: limitar o enriquecimento
àquilo que subiste quando cessa a boa-fé. Nesta hipótese devemos tomar em conta o
planeamento subjetivo do enriquecido – ele teria tido esse gasto? Já tinha planeado
arranjar o casaco, ou seja, a ação de Alda poupou Beatriz de uma despesa?
Se sim, há obrigação de restituir;
Mas se o proprietário demonstra que, no estado atual das suas finanças, nunca teria
forma de arranjar aquele casaco, tendo gastos mais importantes e prementes em
mãos, prova que na verdade não poupou, já que aquele gasto não estava nos seus
planos. No limite, o casaco de caxemira estragar-se-ia e ela teria de comprar um
casaco normal, de lã (porque não tinha dinheiro para um de caxemira) – neste caso, o
que ela tinha de pagar a Alda era o valor desse hipotético casaco de lã. Basicamente,
158
para se exigir à restituição nos termos do ESC, o proprietário tem de demonstrar que
nunca faria aquela despesa. Se tivesse muitos casacos, por exemplo, nem sequer
compraria outro casaco, logo não teria de pagar nada.
Nos termos do art. 479º/2, devemos verificar se houve ou não enriquecimento, no plano
subjetivo do enriquecido; apesar de, em termos absolutos, haver valorização do casaco, temos
de restringir os efeitos do ESC, no limite até 0, se aquele incremento não representar uma
poupança/enriquecimento para o enriquecido.
CASO PRÁTICO Nº 49
Utilização da farinha de outrem (pois Maria já tinha pago), mas sem se aperceber –
enriquecimento por dispêndios de outrem, mas com boa-fé.
Imaginemos que a padaria pagava 30cêntimos por pacote, mas Maria, como encomendava a
título pessoal, pagaria 50cêntimos à unidade. Maria só teria direito a receber farinha o valor da
farinha a 30cêntimos, porque se toda a farinha é entregue como se fosse para a padaria, então
ela é toda cobrada ao valor de 30 cêntimos. A poupança/enriquecimento da padaria consiste
no facto de não ter de comprar tão cedo pacotes de farinha a 30 cêntimos (Maria fica sempre
a perder porque encomendou a 50 e só é ressarcida como se tivesse comprado a 30).
Pode também haver restituição em farinha, o que até será mais eficiente e benéfico para
ambas as partes.
CASO PRÁTICO Nº 50
Não se pode dizer que há enriquecimento por prestação (embora seja a situação mais
parecida) porque Emília sabia que o accipiens era Daniel, houve apenas um erro de escrita, que
não está consagrado como figura autónoma do enriquecimento sem causa – por isso, temos
de enquadrar esta situação na cláusula geral do art. 473º/1.
159
A ordem jurídica não protege de modo igual todos os adquirentes, protegendo-os menos
quando se trata de atos gratuitos ou quando a alienação está sujeita a uma impugnação
pauliana. Nos restantes casos, o adquirente fica com os bens. Quando os bens saltam de um
património para outro, o enriquecido deve restituir o “justo titular” daquele enriquecimento;
mas em relação ao adquirente, a regra é a de que o ESC não o deve atingir, desde que não haja
um ato gratuito ou o ato seja impugnado.
No caso prático:
Dois negócios: o primeiro, ente Gualter (menor) e Hipólito, que vem a ser anulado; o
segundo, gratuito, entre Hipólito e Iris. O que acontece segundo negócio?
- Está em causa uma doação, pelo que há hipótese de atacar o adquirente
(Iris), que não será tão protegida como seria numa situação regra.
289º/2 – o primeiro contrato de compra e venda (entre Gualter e Hipólito) é anulado, logo
recai sobre Hipólito a obrigação de restituir tudo o que foi prestado. Todavia, havendo um
segundo negócio de alienação, Hipólito dissipou o seu enriquecimento, não podendo tornar-se
contra ele efetiva a obrigação de restituição; é o terceiro que recebeu gratuitamente o
enriquecimento que fica obrigado a restituir os soldadinhos. O art.289º/2 é uma regra
especial, aplicável aos casos de atos gratuitos inseridos no ESC (deve ser conjugado com o art.
481º).
Se não houver ato gratuito ou impugnação pauliana, o terceiro adquirente não tinha de
restituir nada. A pessoa que está no meio dos dois contratos (Hipólito) tem de devolver o valor
de mercado do bem (e fica sem os bonecos porque o terceiro ficava a salvo). 289º/2, a
contrario.
Iris estava de boa-fé (não sabia que Gualter era menor quando recebeu os soldadinhos,
oferecidos por Hipólito): o momento relevante para aferir qual o quantum da restituição é a
exigência de restituição – se nesse momento já foram roubados alguns soldadinhos, ela só tem
de restituir os que sobram;
160
Mas se estiver de má-fé, o momento em que se calcula é exatamente aquele em que se recebe
o enriquecimento – Iris, mal recebe os soldadinhos fica obrigada à restituição e tudo o que
sucede depois não altera a obrigação de restituir, só se soma a de indemnizar. Imaginemos
que ela tem de restituir 20. Mas chegamos ao momento em que a restituição lhe é exigida e
ela já só tem 15 soldadinhos. Portanto, a RC tem de complementar o ISC e, para além de
restituir os 15, tem também de indemnizar no valor dos outros 5, já que eles foram roubados
por negligência sua. (480º).
Mesmo estando de boa-fé (quanto à doação), se Iris tivesse sido negligente (ex: deixou a porta
mal fechada e em consequência disso houve o assalto) responderia por esse danos, ou seja,
além da restituição dos soldadinhos que não foram roubados, teria de indemnizar os pais de
Gualter pelos que foram roubados.
O ESC não deve ser visto como um modo de corrigir lapsos. É uma figura que deve integrar o
direito das obrigações e que já levou à criação de outras figuras, nomeadamente das garantias
autónomas das obrigações.
Para existirem, pressupõem a existência do enriquecimento sem causa, uma vez que a garantia
é acionada sem haver incumprimento. Em consequência disso tem de haver um mecanismo
que obrigue o credor a restituir o que recebeu antecipadamente, se não houver
enriquecimento. Por exemplo, na garantia on first demand (ao primeiro pedido), o fiador é
obrigado a prestar assim que é interpelado pelo credor. Se não houver incumprimento, o
credor deverá restituir a garantia prestada pelo fiador, ao abrigo do ESC.
**
A partilha a sua posição com C – esta figura não existe no código mas pode ser aplicada por
força da autonomia das partes.
161
Dois contratos: um entre A e B, outro entre A e C. Carlota, por força do primeiro contrato
(cessão atípica) assume uma posição idêntica Antónia no contrato com Bento (partilha com
Antónia a posição de devedora na obrigação de entrega de carne). Agora, Carlota quer sair do
primeiro contrato, devido ao incumprimento do segundo. Pode? No primeiro contrato, há um
direito à resolução, com efeitos retroativos (289º/1) – mas isso não quer dizer que possa opor
a resolução a Bento. Podia resolver o contrato com ANTÓNIA, mas em relação a Bento era
tudo irrelevante. Não podemos querer resolver um contrato com fundamento na resolução de
um outro contrato. Ora, se o contrato entre A e C era de cessão atípica, então basicamente a
sua resolução não tinha efeitos. Para cessar o contrato com Bento, tinha de o fazer ao abrigo
das regras do contrato de fornecimento, não com base num contrato anterior.
**
1. Situação que visa permitir que alguém auxilie outrem, quando esse outrem está
impossibilitado de cuidar de si próprio – alguém avança sem que lhe seja pedido. É
basicamente a consagração legal do “bom-samaritano” (mas o altruísmo não tem
necessariamente de estar presente).
2. Mas por outro lado, visa proteger o património do impossibilitado, quando há uma
ingerência prejudicial no património Fixação de limites/deveres do gestor.
162
Aqui, a expressão “negócios” surge num sentido amplíssimo, significando “assuntos” – gestão
de assunto alheio.
Este instituto só regula as relações entre o gestor e o dominus. Se a certa altura for necessário
praticar atos jurídicos em nome do dominus, aplica-se o regime da representação sem
poderes, por exemplo, para saber se o dominus fica vinculado aos atos jurídicos praticados
pelo gestor em sua representação.
CASO PRÁTICO Nº 52
Situação clássica: alguém vai para o hospital e um vizinho assume as suas obrigações correntes
do lar. A gestão de negócios não tem de visar situações de peso económico. Este instituto dá
para tudo, é muito amplo.
163
Ao agir por conta de outrem, o que interessa é que os efeitos se repercutam na esfera
do dominus, seja direta, seja indiretamente.
- No interesse de outrem – é preciso estabelecer uma relação entre a intenção
e a esfera jurídica onde essa intenção se reproduz – não basta uma boa intenção, é
preciso que ela seja objetivamente avaliada como útil para o dominus. O que é
importante é a informação ao dispor do gestor no momento em que decide agir (no
caso, Cristina não sabia que o dominus já tinha adquirido o livro, portanto partiu do
pressuposto de que a sua conduta tinha interesse para o dominus).
Aula 18
21-11-2013
164
interromper injustificadamente a gestão numa situação susceptível de lhe causar
danos. A lei não atribui, porém, ao dominus, um direito de crédito de exigir a
continuação da gestão.
2. 465º/a) – obrigação de manter a utilidade da gestão durante todo o tempo que esta
venha a ser exercida. O interesse representa a utilidade objetiva, ao passo que a
vontade representa a utilidade subjetiva.
3. 465º/b) – o gestor tem o dever de avisar o dominus, logo que possível, de que assumiu
a gestão.
4. 465º/ c) e d) – dever de o gestor prestar contas, findo o negócio ou interrompida a
gestão, ou quando o dono as exigir, e de prestar ainda todas as informações relativas à
gestão Regra que se destina a manter o dominus informado sobre os termos em
que foi exercida a gestão do seu património;
5. 465º/e) – o gestor tem o dever de entregar ao dominus tudo o que tenha recebido de
terceiros no exercício da gestão ou o saldo das respetivas contas, com os juros legais
relativamente às quantias em dinheiro, a partir do momento em que a entrega haja de
ser efetuada. De facto, a partir do momento em que o negócio pertence ao dominus
todos os proveitos dele resultantes devem ser-lhe atribuídos, adquirindo este um
direito de crédito sobre o gestor com esse objeto.
CONTINUAÇÃO DO EXERCÍCIO 52
A gestão foi regular? Já vimos que estamos perante uma gestão de negócios, pois verificam-
se os três requisitos exigidos no art. 464º. O próximo passo é aferir se a gestão foi regular. Para
tal, vamos avaliar os deveres do gestor, nos termos do 465º:
Num primeiro momento, para sabermos se alguém está a agir em gestão de negócios, temos
de ver se, quando começou a agir, fê-lo no interesse do dominus (2º requisito); depois
avançamos no tempo e aferimos se a própria gestão foi exercida de acordo com a vontade real
ou presumível do dono do negócio (art.465º/a)). Se for, a gestão é regular. A consequência da
gestão regular vem prevista no art. 468º/1 - constitui-se na esfera do dominus a obrigação de
indemnizar o gestor por despesas (com juros) e eventuais prejuízos causados. Antero parece
ter agido no interesse e de acordo com a vontade presumível de Berenice. Portanto, pelo
menos quanto a despesas e prejuízos, ele deverá ser ressarcido, podendo pedir o reembolso
da água gasta e da comida de gato.
468º/2– se a gestão foi irregular, isto é, se não o gestor não respeitou a vontade real ou
presumível do dominus, ainda assim o gestor tem direito a algo – restituição nos termos do
enriquecimento sem causa (mas com uma ressalva, a aprovação da gestão). Ou seja, se a
gestão, apesar de irregular, contiver atos que fizeram com que o dominus enriquecesse (por
exemplo, mandar pintar a parte de gora da casa) o gestor deve ver ser-lhe restituído o valor
investido.
Aprovação da gestão: gestão não foi regular mas o dominus regressa e aprova a
gestão – de facto, não houve conformidade com a vontade, mas o dominus até
concorda com a gestão efetuada – neste caso sana-se tudo e aplica-se a regra da
165
gestão regular, ficando o dominus impedido de exigir indemnização por danos. O
art. 469º vem prever que a aprovação da gestão envolve o reconhecimento de que
a gestão foi regular e, portanto, insusceptível de constituir o gestor em
responsabilidade. A aprovação implica um juízo global do dominus em relação à
atuação do gestor, significando que este a considera em geral conforme com o seu
interesse e vontade. Uma vez emitida a aprovação global, o dominus deixa de
poder isoladamente considerar que em determinado ato o gestor atuou em
desconformidade com os seus deveres, não lhe podendo por esse motivo exigir-
lhe responsabilidade.
Remuneração do gestor pela sua gestão (art.470º) - sendo a gestão regular, pergunta-se se,
além da indemnização, o gestor tem direito a uma remuneração.
Pelo contrário, há que tentar retirar outro sentido do art 470º. Parte da doutrina (incluindo LR)
defende que o critério deve antes ser o seguinte: se tivesse havido oportunidade para as
partes contratarem, o dominus teria celebrado um contrato remunerado? Não se atende tanto
à profissão do gestor mas, mais uma vez, à vontade do dominus: se Berenice soubesse que ia
estar 15 dias sem estar em casa, teria pago a alguém para regar as plantas e alimentar o gato?
Aquele contexto merecia um contrato remunerado, se tivesse havido oportunidade?
Resposta ao exercício 52: verificavam-se todos os pressupostos da gestão, a gestão foi regular
logo Antero tem direito ao reembolso de todos os gastos; quanto a remuneração, se fosse um
jardim pequeno, faria sentido que, se tivesse tido oportunidade, Berenice tivesse pedido um
favor a um vizinho; sendo grande, faria mais sentido que, se tivesse oportunidade, contratasse
um jardineiro.
CASO PRÁTICO Nº 53
166
Subjetivamente alheio – nada indica, no seu comportamento, que esteja em gestão de negócio
alheio; só a ratio do ato faz com que seja gestão de negócio alheio. É preciso encontrar um
animus de gestão de negócio alheio. É sempre preciso intenção: no objetivo, há intenção e
exteriorização; no subjetivo, só há intenção.
Requisito adicional: há que fazer um esforço de obter instruções e não ser possível
(telefonemas não atendidos, por exemplo). Assim que possível, deve dar conta da sua atuação
ao dominus, conforme refere o art. 465º/b).
Aqui, houve apenas um ato de gestão: não se distingue a intenção de agir da gestão
propriamente dita. Por isso, como antes de chegar ao Porto nada faria Cristina prever que
Dália já adquirira o livro; mais, houve um esforço em tentar saber que aquele ato interessava
ao dominus. Apesar de a amiga já ter comprado outro, Dália não tinha forma de o saber, era
presumível que o interesse de Dália fosse que a amiga lhe comprasse o livro Por tudo isto, a
atuação foi regular e a solução deverá ser Dália ficar com um livro repetido e ainda
reembolsar Cristina, incluindo juros. Mas já não parece poder pedir remuneração, já que não
seria essa a intenção do dominus.
CASO PRÁTICO Nº 54
Caso em que alguém começa a gerir o negócio alheio mas interrompe – há algum dever de
continuar? Não, há é o dever de, assim que se começa a ingerência, agir com lealdade/
cuidado – podemos interromper a gestão, desde que isso não prejudique o dono. Elsa não
tinha o dever de continuar, mas sim de cessar a sua atuação com cuidado, fechando a loja.
Mas aqui temos uma invasão da propriedade alheia (situação diferente do caso de Berenice,
em que Antero não entrava na casa, apenas cortava a relva do jardim e alimentava o gato
através de uma portinhola). Elsa poderia invadir a loja, assumindo o negócio alheio?
167
fosse presumível que Filomena tivesse gosto em que Elsa lhe fizesse aquele favor –
se sim, vontade presumível; Caso não fosse presumível aquela vontade, não há
gestão de negócios, pois o gestor não atende à vontade presumível do dominus;
Não houve autorização.
Entendendo que se respeitou a vontade presumível, houve gestão. O segundo passo é ver se
ela foi regular.
2. A regularidade da gestão
Dizer que A geriu os negócios de B significa dizer que agiu licitamente, ou seja, o auxílio foi
legítimo. Depois vemos se essa gestão foi ou não regular. Verificando-se os pressupostos da
gestão de negócio, legitima-se a atuação do gestor e não há crime o previsto no 191º, CP.
Nota: quando a gestão engloba vários atos, o dominus não pode dizer que aprova alguns atos,
outros não. Ou aprova todos, na generalidade, ou não.
CASO PRÁTICO Nº 55
Objetivamente, Helena tem razão, não faz sentido que o taxista acumule maços de tabaco no
chão do carro, prática que até prejudica o negócio. Todavia, é essa a vontade real do dominus,
que deverá prevalecer.
b) Retocar a pintura
O facto de Helena ter-se imiscuído demasiado na esfera de Gonçalo não deve anular o que ela
fez de bom. Quando se trata de gerir um negócio, devemos tratar todos os atos como um
todo, porque num negócio há sempre atuações boas e más, consideradas como um todo; mas
neste caso do carro, em que não se trata de um negócio no sentido corrente do termo,
podemos claramente distinguir as duas ações: há aqui uma gestão regular quanto à pintura e
168
um ato disparatado de mandar limpar, que não tem concordância com a vontade real do
dominus (nem é gestão de negócios porque não há verificação do requisito dois, dada a
remissão para o art. 340º, de ter de atender a vontade real – se Helena conhecia a vontade
real e não a seguiu, não esta a agir no interesse de Gonçalo, pelo que não há sequer gestão de
negócios). Portanto, deve ser reembolsada pela pintura do carro, mas já não pela limpeza.
Indemnização por danos morais de Gonçalo? Não faz sentido. Provavelmente reduzir-se-ia
o reembolso pela pintura, mas apenas simbolicamente.
CASO PRÁTICO Nº 56
Coloca-se assim a questão de saber que esses atos foram em nome próprio (mandato sem
representação) ou em nome do dominus, repercutindo-se diretamente na sua esfera jurídica
(representação sem poderes).
Ora, no caso em análise só faz sentido que estejamos perante um caso de representação sem
poderes (268º) porque estamos perante um contrato em que as amigas iam ser figurantes,
pelo que não seria normal que celebrasse o contrato em nome próprio (“se as amigas não
quisessem, ela fazia de três”, o que não faz qualquer sentido).
Aplicando-se o art. 268º era preciso a ratificação das amigas, pelo que até à ratificação o
negócio seria ineficaz perante as mesmas.
Pode o dominus ratificar sem aprovar ou vice-versa? Sim, à partida nada o impede. Mas há
o limite do abuso de direito – por exemplo, aproveita-se das boas ações feitas pelo gestor
(ratifica) mas não aprova, para se eximir do reembolso – abuso de direito.
Gestão de negócio alheio, julgado próprio (472º) - Aplicação do regime do IRS; mas havendo
aprovação da gestão, passa a aplicar-se todo o regime da gestão.
Aula 19
25-11-2013
169
Sistematização da gestão de negócios:
Relação entre o gestor e o dominus
- por conta (com o intuito dos efeitos jurídicos se repercutirem na esfera do dominus)
e no interesse do dominus (a gestão tem de ser realmente útil para o dominus. Deve atender-
se ao interesse e à vontade presumível e real, quando esta seja ou possa ser conhecida).
- sem autorização.
Os efeitos da gestão em relação a terceiros : Gestã o de negó cios, interligada com o mandato
sem representaçã o e com a representaçã o sem poderes
Retomando ao caso da Cristina, da Dália e do alfarrabista: Cristina diz ao alfarrabista que está a
comprar aquele livro em nome da sua amiga, porque ela é que é apreciadora – representação
sem poderes.
2ª questão: Terá Cristina direito a reembolso de despesas, dos prejuízos ou remuneração? -->
Estamos novamente perante a relação entre Cristina e Dália, pelo que continuamos a aplicar só
o regime da gestão de negócios. Do mesmo modo, se quisermos saber o que Dália pode exigir
a Cristina, também continuamos na gestão de negócios;
=/=
170
3ª questão: Quanto ao alfarrabista, que quer saber quem se vinculou perante ele ao contrato
de compra e venda – aqui, já não nos basta o regime da gestão, pelo que encontramos as
respostas no regime da representação sem poderes, pois Cristina refere que age em nome de
Dália (268º). Quando o gestor nada diz ou refere que age "por conta de alguém", aplicamos o
regime do mandato sem representação (1181º), pelo que o gestor tem o dever de transmitir o
resultado da sua atuação ao dono (não pode arrepender-se e querer o resultado para si).
Em suma, os regimes não são conflituantes porque a cada questão só um deles dá resposta.
(Menezes Leitão)
A projeção dos efeitos do negócio para a esfera do dominus dá-se por meio do mecanismo da
representação. Todavia, para que tal seja possível, há que respeitar os requisitos do art. 258º:
atribuição de poderes representativos (procuração); invocação do dono do negócio. Na gestão
de negócios está, porém, excluída a possibilidade de haver procuração, já que a sua aplicação
tem exatamente como pressuposto a inexistência de qualquer tipo de autorização (464º).
Posto isto, a atribuição de poderes representativos só se pode dar em momento posterior à
gestão, com eficácia retroativa, por virtude da ratificação (268º), acordo pelo qual o dono do
negócio se apropria dos efeitos jurídicos dos negócios celebrados pelo gestor em nome
daquele. Não havendo ratificação, o negócio não produzirá efeitos quanto ao dominus, por
ausência de poderes representativos, nem em relação ao gestor, por não ter sido celebrado
em nome próprio – o negócio padecerá de ineficácia absoluta. Se já tiver sido prestado algo
por alguma das partes, deve restituir-se as prestações executadas nos termos do ESC, por
realização de uma prestação com vista a um efeito que não de verificou (473º/2, parte final).
a) Aprovação – ocorre nas relações internas, representa um juízo global sobre toda a
atuação do gestor e destina-se a reconhecer-lhe os direitos de reembolso de despesas
e indemnização.
b) Ratificação – ocorre nas relações com terceiros, aos quais se dirige, visando tornar
eficaz o negócio em relação ao dominus.
Atos completamente diferentes, pelo que a realização de um não pode envolver qualquer
declaração tácita relativamente ao outro.
171
Aquela em que o gestor atua em nome próprio. Nestes casos, o art. 471º manda aplicar o
regime do mandato sem representação (art.1180º e ss). ora, por força do art. 1180º,
quando o gestor celebra um negócio em nome próprio adquire os direitos e assume as
obrigações dele decorrentes, mesmo que as partes conheçam a sua qualidade de gestor.
Caso prático nº 57
Gestão imprópria:
1. Gestão de negócio alheio, julgado próprio – o gestor pensa que faz algo no seu próprio
negócio, mas ele é alheio (previsto na lei, 472º/1);
2. Ou gestão de negócio alheio, com a consciência de que é alheio, mas com interesse
próprio (por conta própria) – não há aqui a figura do bom- samaritano.
• Na gestão de negócio alheio, julgado próprio (e, para parte da doutrina, também a
gestão de negócio alheio no interesse próprio) havendo aprovação do dominus
(472º/1) permite-se que se aplique o regime da gestão de negócios.
Em suma:
Ora, a aprovação da gestão produz determinados efeitos (469º): renúncia do dono ao direito
de indemnização; reconhecimento ao gestor do direito a reembolso e a compensação por
eventuais prejuízos causados pela gestão. (Não confundir com a ratificação, que faz com que
os atos praticados pelo gestor, perante terceiros, sejam oponíveis ao dominus).
172
Pensemos no caso do casaco de caxemira: Beatriz, proprietária do casaco, telefona a Alda
dizendo que o arranjo do casaco foi uma ótima ideia, que ia fazer o mesmo e que aquela lhe
poupara imenso trabalho - esta declaração é tida como aprovação da gestão, pelo que deixa
de se aplicar o regime do ISC, passando a aplicar-se a gestão de negócios.
A questão da gestão de negócio alheio, com a consciência de que é alheio, mas no interesse
próprio:
Alguma parte da doutrina manda seguir o mesmo raciocínio. Exemplo: A entra numa loja de
roupa, durante 3 meses vende tudo o que conseguir e leva o dinheiro. O dono, quando
regressa, pode aprovar a gestão - “muito bem, aprovo a sua gestão. Agora quero tudo o que
ganhou durante os três meses” – cria-se na esfera do gestor a obrigação de restituir tudo ao
dominus, enquanto a este caberá reembolsar e recompensar o gestor por eventuais prejuízos.
Em suma: se de repente há aprovação, não se aplica o ESC, transita-se para o âmbito da gestão
de negócios.
• Poderá haver aprovação porque o dominus até agradece, pelo que será aplicável
regime da gestão de neg´ócios (464º e ss) - não há direito a remuneração (470º), mas
eventualmente a reembolso de despesas (468º);
***
Não devem ser confundidos com os negócios mono-vinculantes (ex: contrato promessa
unilateral). Estes, embora apenas uma das partes se vincule à promessa, são verdadeiros
contratos, regra geral entre dois sujeitos jurídicos. Pelo contrário, o que caracteriza o negócio
unilateral é o facto de ser uma figura que se completa com apenas uma declaração negocial.
173
Nos termos do art.457º, a promessa unilateral de prestação não é genericamente admissível,
apenas o sendo quando a lei o pressupõe/determina. Ou seja, os negócios unilaterais só são
fonte de obirigações nos casos expressamente indicados na lei, o que descreve o princípio da
tipicidade dos negócios jurídicos unilaterais. Se há apenas uma declaração negocial, temos de
ir à procura de base legal para fundamentarmos essa única declaração, só assim podendo
atribuir-lhe a natureza de fonte de obrigações.
O caso da proposta contratual, o negócio unilateral por excelência: a declaração negocial que
revista a forma proposta contratual vincula só o declarante. Quando se dá a aceitação, a
declaração unilateral passa a integrar-se num determinado contrato. Mas até à aceitação, ela é
um negócio unilateral, com um regime próprio, nomeadamente quanto ao prazo de vinculação
do proponente, à hipótese de renúncia, etc.
Por este motivo, poder-se-ia defender o princípio do contrato, segundo o qual para a
constituição de uma obrigação se exige não apenas uma declaração negocial do devedor,
como também uma declaração de aceitação do credor, com a primeira convergente. Mas a
nossa lei não consagrou o princípio do contrato em termos absolutos, optanto por consagrar o
princípio da tipicidade dos negócios unilaterais (457º), segundo o qual só excecionalmente a
constituição de obrigações por negócio unilateral é admitida.
De acordo com este princípio, salvo nos casos previstos na lei, a emissão de uma simples
declaração negocial não é vinculante para o seu autor em termos de constituição de
obrigações, exigindo-se antes a celebração de um contrato.
- Por outro lado, o regime da promessa pública é muito amplo, já que o seu art.
459º nos diz que os negócios unilaterais, desde que emitidos em público, vinculam
juridicamente o declarante.
174
Perante esta tipicidade aparentemente mitigada, já que os tipos de negócio unilateral previsto
na lei como constitutivos de obrigações têm um carácter bastante amplo faz-se uma pergunta:
será que o legislador não tenta assegurar alguma ponderação na declaração unilateral? Não
se deve restringir os casos em que vinculam?
- No nosso ordenamento, não parece haver uma restrição muito forte à vinculação de
declarações unilaterais. Na verdade basta que, nos termos do 459º, a declaração seja pública.
Ora, o carácter público dessa declaração não depende necessariamente de um anúncio no
jornal - pelo contrário, o carácter público depende do contexto em que a declaração se insere.
Por exemplo, anunciar numa aula é válido, pelo que a exigência de ser público pode ser
cumprida até num contexto restrito, como é o a turma. Em suma, de acordo com Menezes
Cordeiro, bastando o critério de ser pública para que uma declaração vincule o seu declarante,
fugimos à tipicidade, tratando-se ao invés de uma tipicidade lassa (há tipicidade, mas muito
pouco exigente).
3. A rejeição dos negócios unilaterais como como negócios gratuitos (única declaração
unilateral, só uma vinculação, não gratuitidade)
Os negócios unilaterais pressupõem apenas uma declaração negocial, pelo que só vinculam o
declarante; mas isto não significa necessariamente que sejam negócios gratuitos. Exemplo:
Espécie de competição, em que A promete dar um prémio a quem for a pé de Londres a York;
Há efetivamente um homem que vai a pé de Londres a York. Só A, o declarante se vincula a
algo (a entregar do prémio, desde que verificada a condição resolutiva de alguém conseguir
fazer tal distância a pé). O homem que comete a proeza não se vinculara a nada. Todavia não
é um negócio gratuito já que pressupõe um esforço (físico) do sujeito que recebe o dinheiro.
Em suma: estamos perante um negócio unilateral pois só há uma declaração, logo um sujeito
que se vincula - quem promete a recompensa está logo vinculado a pagar, desde que alguém
cumpra a caminhada; mas o que decide caminhar, pode perfeitamente não o fazer. Esta una
vinculação faz deste um contrato unilateral, mas não um negócio gratuito, já que o eventual
beneficiário do prémio, para o obter, também terá de se esforçar (ao fim ao cabo, de prestar o
seu esforço - no direito anglo-americano basta haver esforço de ambas as partes para ser considerado um
contrato).
O caso da fiança unilateral (caso nº 58) – há vários autores que a rejeitam, exatamente devido
ao principio da tipicidade dos negócios unilaterais. Declaração do fiador tem de ser, não só
expressa, como perante o credor ou perante o devedor. Logo, entendem estes autores que
não pode tratar-se de um negócio unilateral, mas sim de um contrato entre o fiador e o
credor, ou entre o fiador e o devedor. A aplicaçao do princípio da tipicidade tem, aqui, efeitos
significativos.
Art.628º - o que interessa é que a vontade de ser fiador seja expressamente declarada. Sendo-
o, Rui torna-se fiador de Quirino e, se este não cumprir a obrigação, terá de ser Rui a cumprir.
**
175
Este preceito não devia constar nesta sede, já que não é um negócio unilateral constitutivo de
obrigações, já que para tal teria de permitir às partes a constituição de obrigações sem a
indicação da fonte (a fonte seria o próprio negócio unilateral).
Portanto, esta figura não é fonte de obrigações; a sua relevância reside apenas na inversão do
ónus de prova, pelo que é um ato jurídico simples, não um negócio jurídico:
Caso prático nº 59
1. Demonstrar que aquela pessoa não assinou uma declaração escrita daquela natureza
(378º, CC) – teríamos de provar que o documento não foi assinado naqueles termos,
mas extraído de um papel em branco;
176
Em suma: o que resulta do art. 458º é que a declaração unilateral de promessa de
cumprimento ou de reconhecimento de dívida não vale como negócio unilateral, mas como
uma declaração reportada a momento anterior, cuja fonte da obrigação está no passado.
Declarações reportadas a negócios anteriores valem, quando muito, como reconhecimento de
uma obrigação anterior (único sentido útil) – não serve para criar, válida e eficazmente, uma
obrigação.
Aquela declaração de Martim não constitui um negócio unilateral, pelo que não o vincula ao
pagamento dos 1500€. Mas faz com que se inverta o ónus de prova, isto é, caberia a Martim
provar que aquela declaração tinha sido forjada e que inexistia qualquer relação fundamental,
isto é, um facto anterior que motivava o surgimento daquela obrigação na sua esfera jurídica.
Se conseguisse provar, não pagava. Se não conseguisse provar, efetivamente teria de pagar.
Consiste numa declaração negocial dirigida ao público, através da qual se promete uma
prestação a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou
negativo.
Nos termos do art. 459º/1, basta que se verifique a situação para que o promintente se vincule
à promessa, sem necessidade de aceitação do beneficiário.
Conforme refere o art. 225º, o anúncio público da declaração pode revesir uma de duas
formas:
2. "Cujo paradeiro seja desconhecido" - a oferta ao público pode, pelo contrário, dirigir-se a
pessoa conhecida. Assim, este regime visará uma declaração com um destinatário específico e
pré-determinado, mas que simplesmente é feita em público. Ex: anuncio na aula que o Paulo
vai receber um prémio.
Mesmo havendo uma verdadeira proposta dirigida ao público, tal apenas dita irrevogabilidade
da proposta, mas não vinculação a uma obrigação – quando se faz uma proposta dirigida ao
público, eu preciso de uma aceitação. Ou seja, a proposta contratual dirigida ao público só se
forma contrato com a aceitação;
=/=
177
Promessa pública (Art. 459º) - declaração que é mesmo dirigida ao público, não tendo um
único destinatário pré-determinado. Ex: anuncio na turma que qualquer aluno pode receber
um prémio, desde que tenha a melhor nota. Não preciso de oferecer algo a toda a gente, mas
sim prometer uma prestação a quem cumpra determinadas circunstâncias (Ex: aluno que tiver
melhor resultado). Muitas vezes, verificados os pressupostos, o credor passa a ser apenas um;
mas quando se emite a declaração, qualquer aluno poderia ser credor. Daqui se retira que o
credor da prestação é indeterminado mas determinável (511º), sendo que essa determinação
ocorrerá quando se souber quem se encontra na situação prevista ou vem a praticar o referido
facto.
[Na proposta ao público, o público adquire o direito potestativo de aceitar =/= na oferta ao
público, o destinatário até pode não adquirir nada quando se faz a oferta, mas somente
depois, quando saírem as notas – mas não é um direito potestativo, é um direito de crédito.]
Nos termos do art. 459º/2, mesmo quem desconhecia a promessa pode beneficiar dela, desde
que se encontre na situação prevista ou pratique determinado facto (exemplo: mesmo um
aluno que não estava presente na aula, se tiver a melhor nota, terá direito à prestação
prometida).
Fora destes casos, a promessa só se poderá extinguir por revogação (460º). Este modo de
extinção só pode ser realizado na forma da promessa e nunca depois de a situação referida já
se ter verificado ou depois de o facto já ter sido praticado (461º/2.
Se houver prazo de validade para a proposta, ela só pode ser revogada se houver justa causa
(461º/1/2ª parte). Exemplo: a professora ter sido despedida.
Caso prático nº 60
• A oferta ao público vincula mesmo quem não tenha ido a aula (459º/2).
178
• Resposta: à partida, a professora estaria vinculada ao pagamento dos 1000€ ao melhor
aluno, tendo este um direito de crédito sobre a professora.
6. Concurso público:
Negócio unilateral em que a oferta da prestação ocorre como prémio de um concurso, o que
justifica que haja um prazo para a apresentação dos concorrentes, sem o que o negócio não
será válido (463º/1). Posteriormente, a decisão sobre a admissão dos candidatos e sobre a
atribuição do prémio caberá às pessoas designadas no anúncio como o jurí do concurso ou, na
falta de designação, ao promitente (463º/2). Esta decisão é vinculada, já que tem de se
conformar com as regras definidas no anúncio do concurso, podendo tal decisão ser
judicialmente impugnada caso ocorra a violação dessas regras. Todavia, a impgunação só faz
sentido ocorrer se houver violação de regras de verificação objetiva, podendo assim o tribunal
sancioná-las (respostas certas/erradas); mas se forem subjetivas, o promitente tem total
liberdade (concurso miss portugal).
Aula 20
Dia 28-11-2013
Caso prático nº 61
Art.1350º, CC – ruína de construção, do âmbito dos direitos reais – nos caso prático estamos
perante uma ameaça de ruína e consequente desmoronamento, pelo que este artigo cria na
esfera do ameaçado um direito. Oliveira Ascensão remete a ruína para o âmbito da
responsabilidade civil. Mas relações de vizinhança, no âmbito dos direitos reais, não são um
problema de responsabilidade civil – estamos a lesar um direito absoluto (dto real), pelo que
mesmo sem culpa há que cessar a lesão. A responsabilidade civil carece de culpa; a ação
negatória não depende de um juízo de culpa (exemplo da violência doméstica - mesmo se se
provasse estava excluída a culpa, era lícito que a lesada requeresse ao tribunal a cessação da
lesão). A obrigação de cessar lesão é independente de culpa. De igual modo, cessar a ameaça
de ruína do muro não deve remeter para a responsabilidade civil – entre vizinhos, há o dever
de zelar para que a nossa propriedade não lese a dos vizinhos, independentemente de culpa.
Há um dever genérico de agir, independentemente da culpa.
179
Resposta ao caso 60: José fica obrigado a destruir o muro construído na propriedade da
vizinha; e a ir buscar o bocado de terra que caiu na propriedade da vizinha, mesmo que não
haja culpa, desde que se esteja a lesar o DP alheio.
Aula 21
9-12-2013
Questõ es em aberto
O caso dos rissóis caros
O ladrão L furtou rissóis da mercearia de M, comendo-os já fora da loja ainda antes de ser
descoberto. Os rissóis são comprados por M a T, a € 0,50. Naquela zona, muitas mercearias
compram desses rissóis a T. M vende-os a € 1,00. Todos os outros merceeiros os vendem a €
0,80. M não tem quaisquer despesas com os rissóis além do preço por que os paga. O furto de
L não afetou as vendas de M, já que houve rissóis suficientes para todos os clientes
interessados, até à reposição do stock, e o próprio L não os compraria. Quid juris?
A condutora C estacionou num parque pago. Antes de entrar, porém, declarou a D, dono do
parque e do terreno em que este se situa, que não se comprometia a pagar o preço pedido por
D, que, na verdade, não iria pagá-lo e que se estava nas tintas para a circunstância de o seu
comportamento ser ilícito. Durante o tempo em que C ali manteve o carro, houve sempre
lugares disponíveis. Quid juris?
1. Protestatio factum contrarium– teoria ainda defendida por parte da doutrina, de onde
se destaca o professor Menezes Cordeiro. Consiste na conceção de que, regra geral, o
protesto não tem valor e, mesmo que alguém declare não se vincular a um contrato e
observar um comportamento tendente a tal, haverá contrato. Basicamente, entende
que devem prevalecer os atos em detrimento das palavras. Todavia, esta teoria vai
contra os princípios gerais do contrato, baseada no princípio da autonomia privada,
pelo que não deverá ser aplicado ao caso. E não o deve por três razões:
1) Não pode ser aplicada a casos em que alguém se dispõe a pagar, mas um
preço inferior, porque aí já há concordância entre a vontade e o
comportamento demonstrado.
180
2) Vai contra a autonomia privada, na medida em que desvaloriza a declaração
de quem não cumpre o contrato;
3) Os contratos são formados por palavras, pelo que não podemos vir dizer que
os atos valem mais do que as palavras.
2. Responsabilidade civil– baseia-se na ideia de que, se alguém pratica um ato que tem
como consequência a violação de um direito e a inerente existência de um dano, o
agente deverá indemnizar a vítima.
Ora, tendo como referência a existência de um dano, este instituto determinaria que o
L apenas teria de pagar 50 cêntimos ao merceeiro, pois seria este o seu dano: teria de
encomendar mais rissóis ao seu fornecedor, o que tem exatamente um custo de 50
cêntimos. Mas tal seria insuficiente;
No caso do estacionamento, não houve qualquer dano para o seu dono pelo simples
facto de o carro lá estar estacionar (é errado pensar que o simples facto de a senhora
não ter pago o parquímetro seria um dano para o proprietário). Portanto, segundo a
RC, a senhora não deveria pagar nada ao proprietário do estacionamento.
Em suma: estes casos não resolvem recorrendo à ideia de que se formara um contrato (os
protestos são válidos e fazem com que não haja contrato, logo não haja incumprimento) nem
ao instituto da responsabilidade civil (aplica-se a responsabilidade civil, mas só quanto ao
pagamento de 50 cêntimos).
Conclusão: Também não é o ESC que resolve o caso. A única coisa que este nos diz é que deve
ser restituído aquilo com que determinado sujeito se enriqueceu, já que foi contra as regras da
propriedade. Ora, o que primacialmente resolve estes casos é exatamente o direito de
propriedade (que abarca os direitos de autor e a propriedade intelectual). Basicamente, o
181
regime do enriquecimento sem causa, na modalidade de enriquecimento por intervenção, é
um desenvolvimento da teoria do direito de propriedade (tal como a responsabilidade civil é
um desenvolvimento da tutela dos direitos subjetivos).
Posso proibir a entrada no meu parque a quem não pagar o devido – quem não paga,
atua ilicitamente;
Posso exigir a celebração de um contrato, previamente à utilização do espaço:
“ninguém pode usar o parque sem pagar um x por quarto de hora”.
“É proibido consumir os meus rissóis sem que me paguem 1 euro à unidade” Quem
não respeitar esta regra, não só age ilicitamente, como está a ir contra uma condição
imposta pelo dono – se não a cumpriu no momento devido, terá de a cumprir depois;
Mas todas estas regras só são válidas se houver indicação prévia da sua exigência – para
que haja liberdade negativa de vinculação (liberdade de desvinculação), em apelo à
autonomia privada.
a) Esse preço não está expressa e devidamente publicitado – erro de quem o cobra (o
dono), pelo que não vinculam.
b) Mas se estiver publicitado, há vinculação ao pagamento, mesmo que a um preço
absurdo.
182
Resoluçã o de exames
Aula 22
Dia 02-12-2013
Por opção de Elisa, aplicamos o regime do ID – art.808º, que remete para o 801º/2 – o credor
pode resolver o contrato e deve ser-lhe restituído tudo o que foi prestado.
b)
- ou não contrata mais ninguém, continua a insistir e a cobrar os 100 eur por
cada dia de atraso;
183
consequência do incumprimento (antecipação do valor provável do prejuízo).
Danos/prejuízos: não ia conseguir dar a festa que estava a organizar. Mas
Duarte avisou a tempo de que não ia cumprir, logo Elisa teve tempo para
arranjar um substituto, pelo que o incumprimento de Duarte não inviabilizou a
realização da festa – desaparecem aqueles danos. Assim, Duarte pode impedir
a exigência de Elisa de ser ressarcida em 25000€, se conseguir provar que ela
não teve danos – se conseguisse fazer prova da ausência de danos, poderia
desaplicar a cláusula penal, porque ela serve apenas para dispensar o cálculo
dos danos, logo exige que existam danos.
Subhipótese: se em virtude da falta de antecedência ela tivesse de pagar mais por um mesmo
serviço, já haveria danos – já não se poderia recorrer a esta via para impedir a desaplicação da
cláusula penal. Duarte apenas poderia recorrer à redução equitativa da cláusula penal
(art.812º), argumentando que ela seria manifestamente excessiva, já que o telefonema faria
com que Elisa pudesse ainda dar a festa. A cláusula penal, pelo contrário, foi pensada para um
caso de incumprimento sem prévio aviso.
Grupo II
Gestão de negócios
1. Cláudia decidiu agir sobre o negócio objetivamente alheio (teve de entrar na casa de
Artur).
2. Por conta e no interesse de Artur – utilidade não só objetiva, mas também efetiva
(Artur até tinha contratado alguém anteriormente para cuidar do seu cão) – só não
sabemos se era do interesse dele ter alguém sem qualificações de veterinária;
184
podemos ter um ato lícito civilmente e ilícito penalmente – logo não há
qualquer crime. Conclusão: arrombar a porta para alimentação do cão –
gestão lícita.
• Esterilizar o cão - Este ato já não foi praticado em gestão de negócios porque é
uma ingerência inadmissível no património de Artur – este tem direito a uma
indemnização, nos termos do 466º.
**
De acordo com o regime geral do 847º/1, qualquer uma das partes pode declarar a
compensação – deduz-se a mais pequena da maior (847º/2).
185
Exame 20-03-2013
Grupo I
Grupo II
Ora, quando um mês depois C se dirige à loja de D, podemos entender que se trata de uma
interpelação.
a)
Dinis não se evita a interpelação, mas confessa que se esquecera. Houve um esquecimento
mas Carlota diz que ainda está interessada no cumprimento. Será que há mora de alguma das
partes?
Prestação feita a terceiro (Dinis entrega os bombons a Elias, pai de Carlota: Não pode aplicar-
se o art.770º/d) porque os ovos foram comidos pelo pai de Carlota, não tendo chegado a
poder do credor. Portanto, o devedor não se exonera da obrigação de entrega dos bombons.
186
Era Dinis que costumava telefonar a dizer que os ovos estavam prontos (combinação
tácita) – por isso, não há mora do credor (apesar de o lugar do cumprimento ser o
domicilio do devedor, nos termos do art.772º/1);
Estamos perante uma obrigação temporalmente limitada, já que o cumprimento tem
de ser efetuado antes da páscoa – por isso, não há um prazo certo para a mora, mas a
certa altura o devedor terá de incorrer em mora (mais perto da páscoa).
Carlota ainda está interessada e fixa prazo admonitório – ou Dinis cumpre ou entra em
ID. O facto de Dinis dizer que se esquecera não o faz incorrer imediatamente em mora.
Em suma: nenhuma das partes está em mora e é lícito que Carlota exija o cumprimento
até àquele prazo, sendo exatamente essa a ratio da fixação de um prazo admonitório. De
facto, se a prestação a um terceiro não exonerou o devedor do cumprimento, ele
permanece vinculado ao cumprimento da obrigação, devendo por isso respeitar o prazo
fixado por Carlota, sob pena de responder pelo incumprimento definitivo da obrigação.
b)
Quem tem direito à restituição, nos termos do enriquecimento sem causa, é DINIS – entrega
os chocolates a Elias convencido de que estava obrigado perante este mas não estava – ESC
por prestação do indevido subjetivo.
Não deverá pagar o preço cobrado por Dinis porque este dever de restituição não deriva de
uma relação contratual, mas sim do regime do ESC – por isso, Elias deve restituir o valor de
mercado dos bombons.
Aqui não há boa-fé porque Elias estava desatento quando Dinis lhe disse que os bombons não
eram para ele - não sabia mas devia saber que os bombons não lhe eram destinados. A
indesculpabilidade do erro faz com que haja direito à restituição nos termos do
enriquecimento sem causa).
Exame de 4-01-2013
Contrato de comodato – estamos perante um empréstimo de uma consola. Benta é a
comodatária; Antónia é a comodante. Gera-se na esfera do comodatário a obrigação de
restituição (1129º).
187
Obrigação de restituição é uma obrigação a prazo – Benta restituía a consola a Antónia no dia
do seu regresso a casa (não tem data certa, mas ainda assim há uma determinação – sabemos
quando acaba, não sabemos é como ocorre. Nesse sentido, pode referir-se também o 1137º.
Benefício do prazo – estabelecido a favor do devedor, Benta (através da norma legal - 779º - e
pela análise do caso concreto) – logo a obrigação ainda não se vencera.
Furto da consola:
A obrigação de restituição tornou-se impossível pois Benta deixou de ter a coisa. Mas Benta
considera que tal lhe é imputável pois foi negligente – como comodatária, tinha a obrigação
de guarda da coisa, nos termos do art. 1135º/a). O gesto de avançar como uma indemnização
evidencia que Benta considera-se moralmente responsável. Assim sendo Benta satisfez a
obrigação de indemnizar, ainda antes do vencimento da obrigação (antes de sair do Hospital),
pois ela extinguiu-se por impossibilidade (achou benta). Havendo impossibilidade imputável a
Benta aplicamos o art.801º/1, implicitamente, remete para o 798º - dever de indemnizar, no
valor da consola.
Benta indemniza Antónia pelo desaparecimento da consola mas esta reapareceu – causa da
indemnização deixou de existir, o que nos remete para o regime do enriquecimento sem
causa.
• Causa que nunca existiu, as partes é que o desconheciam – ou seja, Benta cumpre a
obrigação de indemnizar convencida de que estava obrigada perante o credor a
cumorir - repetição do indevido subjetivo. A Obrigação de indemnizar nunca existiu,
Benta é que achava que devia.
188
• Sem causa – não houve roubo, a consola reapareceu, pelo que não há fundamento
para que Antónia seja indemnizada.
Nos terms do art. 479º/2, o enriquecido (Antónia) estava de boa-fé (desconhecia a ausência de
causa, ao tempo do enriquecimento). Temos de encontrar o momento em que a boa-fé cessa
(479º/2 + 480º): quando Benta telefona a Antónia, já que é neste momento que esta toma
conhecimento da ausência de causa. Ora, temos de aferir se, com o termo da boa-fé, ainda
existe enriquecimento:
• Antónia diz que já gastou aquele dinheiro – será que o enriquecimento desapareceu? Não
- A circunstância de ter gasto o dinheiro noutra coisa não faz com que essas coisas passem
a ser objeto da restituição - ou seja, há que restituir o que foi prestado, o dinheiro, não o
tablet.
Grupo II
As partes não estipularam um prazo, pelo que estamos perante uma obrigação pura – ora, as
obrigações puras vencem-se com a interpelação. Houve uma tentativa de interpelação mas o
devedor fecha a loja. Nos termos do art. 805º/2/c), o devedor considera-se interpelado, pois
foi por sua culpa que a interpelação não procedeu. Mas a interpelação não dá de imediato
lugar à mora, já que esta obrigação pressupõe um prazo natural (mora não era automática, em
razão da natureza da obrigação). Nos termos do art.777º, a mora começa num prazo
ponderado pelo juiz. Não era no próprio dia, seria nos dias depois.
Durante a mora do devedor, este tenta cumprir mas o credor é o credor que nunca mais diz
nada – Duarte tenta entrar em contacto com Carlos e dizer que os enfeites já estão prontos.
Lugar do cumprimento – domicílio do devedor (regra geral, 772º/1). Ou seja, Carlos deveria ter
voltado à loja de Duarte, o lugar do cumprimento da o obrigação. Mas como o credor nunca
mais aparece, a mora do devedor converte-se em mora do credor.
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- Concentração da prestação genérica: as coisas elaboradas passam a ser exatamente o
objeto da obrigação – se se destruirem, o devedor não está obrigado a susbistui-las por outras
(aqueles e somente aqueles enfeites de natal) - art.813º.
- Esta obrigação tem um fim intrínseco: enfeitar no Natal: o risco de impossibilidade
superveniente passa a correr contra o credor.
A entrega dos enfeites a Elvira é irrelevante. Elvira não é credora nem representante de Carlos.
Mas como a coisa chegou ao seu destino, considera-se cumprida, nos termos do art. 770º/d).
**
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