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Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES

Obrigações Civis
São juridicamente exigíveis, ou seja, o credor tem o poder de exigir judicialmente o
cumprimento. Assim, se o devedor não cumprir, o credor poderá́ obter judicialmente a
condenação do devedor a cumprir e, permanecendo a recusa, poderá́ executar o
património do devedor. A garantia destas obrigações é perfeita.

Obrigações naturais

CC: 402º Correspondem a um mero dever moral ou social, pelo que o seu cumprimento
não pode ser exigido judicialmente, contudo continua a ser um dever de justiça.

Caracterizam-se, e distinguem-se das obrigações civis, por não haver uma


exigibilidade da prestação, pelo que, a tutela desta depende da possibilidade do
credor conservar a prestação realizada espontaneamente CC: 403º soluti retentio

Se o devedor tiver capacidade para realizar a prestação, e se assim o fizer, de livre e


espontânea vontade, não pode pedir a restituição do que prestou, mesmo que tivesse
agido em erro considerando haver coercibilidade do vínculo.
Exceção: se o devedor não tiver capacidade para realizar a prestação pode-se recorrer à
repetição indevida prevista no CC: 476º

As obrigações naturais não podem ser convencionadas livremente pelas partes, pois neste
caso estaríamos perante uma obrigação civil apenas com a especificidade de que o credor
renunciava ao seu direito de exigir ao devedor o cumprimento da obrigação.
Comportamento este que é vedado pelo CC: 809º

Exemplos de obrigações naturais são:


CC: 1245º Jogo e Aposta
CC: 1895º/2 Pagamento ao filho de uma compensação pela obtenção de bens para os pais

CC: 304º/2 Obrigação prescrita

Alguém recebeu uma quantia em dinheiro, de empréstimo. Deveria, oportunamente, ter


devolvido a quantia emprestada, mas não o fez. O credor não atua e o tempo passa.
Passado o prazo de prescrição, a dívida prescreve, ou seja, não é mais exigível
judicialmente. O devedor já não corre o risco de ser condenado a pagá-la ou de ver o seu
património executado para pagamento da dívida, porque a dívida não é judicialmente
exigível.
Contudo, é um facto que o devedor recebeu uma quantia de empréstimo que devia ter
devolvido e não devolveu, portanto, há́ aqui um imperativo moral ou de consciência que
ditaria o cumprimento, correspondendo a um dever de justiça.
Assim, se o devedor pagar espontaneamente, não pode vir pedir depois a devolução do
que pagou, invocando que a dívida não era exigível, por estar prescrita. O credor retém a
título de pagamento a quantia, embora não pudesse ir a tribunal exigir o pagamento, e o
devedor continuava a dever, mesmo que tal não lhe pudesse ser judicialmente exigido.

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CC: 404º Determina que se deve aplicar às obrigações naturais o regime das obrigações,
excluindo o que se prende com a coação da prestação.
Segundo Menezes Leitão o alcance é mais reduzido que isto pois:
• Não se aplica o regime das fontes das obrigações.
• A sua espontaneidade não é compatível com a estipulação de garantias ou com o
regime de cumprimento e não cumprimento.
• Não se podem extinguir por prescrição.

Qualificação das obrigações naturais como relações de facto:


Guilherme Moreira, as obrigações naturais são, como a posso em matéria de
direitos reais, relações de facto que derivam certos efeitos jurídicos, e designadamente o
de que sendo voluntariamente cumpridas, não se pode pedir a restituição do que se haja
pago, produzindo assim essas relações das obrigações. Seguida por:

Jaime de Gouveia, se um dever moral está na extrema zona de influência da


obrigação jurídica, e o devedor no cumprimento do seu dever realiza uma prestação, o
direito objetivo pode reconhecer certos efeitos jurídicos ao cumprimento desta prestação
de ordem moral. A obrigação natural será o próprio dever moral, cuja prática, realizada
pelo devedor, a lei, em certos casos, atribui efeitos jurídicos.

Qualificação das obrigações naturais como obrigações jurídicas imperfeitas:


José Tavares, o que explica a não repetição do indevido é o facto de a dívida existir
realmente, embora não tenha eficácia jurídica por lhe faltar algum requisito previsto na
lei.

Não confundir as obrigações naturais com outras figuras

Obrigação ou dever meramente moral


Não tem qualquer correspondência com o dever de justiça, ao contrário das obrigações
naturais.
Exemplo: Dívida prescrita (obrigação natural). Dever moral de caridade.

Relações de pura obsequiosidade ou de cortesia no trato social


Não relevam em termos de exigibilidade jurídica de cumprimento.
Exemplo: Acordos mundanos sobre um convite para uma festa ou outro evento social.

Gentlemen’s agreements
Trata-se de acordos que versam sobre matéria que normalmente é objeto de verdadeiros
contratos, mas que as partes pretendem subtrair à vinculação jurídica.

CC: 809º Não se pode renunciar previamente aos direitos que a lei consagra, portanto,
não será́ válida a renúncia prévia ao direito de recorrer aos tribunais para exigir o
cumprimento, no caso de o direito de crédito não ser satisfeito voluntariamente pelo
devedor. Depois do incumprimento, o credor pode renunciar a esse direito, desde logo,
deixando de recorrer aos tribunais, mas antes do incumprimento não pode fazer essa
renúncia. Assim, as obrigações naturais apenas poderão constituir-se por força da lei e
não por acordo das partes.

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Os acordos de cavalheiros apenas serão tais enquanto as partes de comportem justamente


como cavalheiros, com honra, respeitadores da sua palavra. Porém, esses acordos não
podem afastar por si mesmos a vinculatividade e a proteção jurídica que o Direito
reconhece aos acordos sobre matéria juridicamente relevante, nomeadamente,
patrimonial.

Obrigações de pagamento cum potuerit e cum voluerit CC: 778º


No primeiro caso, fica acordado que o devedor pagará quando puder. Aqui a dívida é
exigível logo que o devedor tenha possibilidade de cumprir (e isso se prove). Se,
entretanto, o devedor falecer, será́ sempre exigível aos seus herdeiros.

No segundo caso, fica acordado que o devedor pagará quando quiser. O cumprimento não
pode ser exigido ao devedor porque foi deixado ao seu livre arbítrio o momento de pagar,
mas, se o devedor falecer, será́ sempre exigível aos seus herdeiros.

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Modalidades de obrigações em função do objeto (do tipo de prestação)

Prestação de coisa Pretensão de facto


Objeto consiste na entrega de uma Realizar uma conduta de outra ordem,
coisa. como na hipótese de aleguem se obrigar a
Exemplo: CC: 879º b) vendedor cuidar de um jardim
obrigado a entregar o bem vendido Exemplo: CC: 1154º Prestação de serviços

Obrigações de Prestações de Coisa

Toda a prestação consiste numa conduta do devedor, em ele fazer ou não fazer algo, mas
nestas obrigações a conduta do devedor é de entrega de uma coisa.
Exemplo: CC: 879º
A papelaria vende uma caneta ao Bento, logo, deve entregar-lhe a caneta e o Bento deve
entregar-lhe o dinheiro do respetivo preço.

Podemos distinguir a atividade do devedor, da própria coisa que existe independemente


da conduta deste.
Em regra, o interesse do credor recai sobre a coisa e não sobre a conduta do devedor,
contudo, mesmo nestes casos, o credor não tem qualquer direito sobre a coisa (só sucede
nos direitos reais). Como os direitos de crédito tem que recai sempre sobre a conduta do
devedor, o credor tem direito a uma prestação que consiste na entrega da coisa.

Devido a tal, por vezes há uma aproximação a uma classificação económica, dizem que
as prestações de coisa correspondem ao fornecimento de bens.

Antigamente costumavam-se subdividir em prestação de dar, prestar e restituir, contudo,


atualmente, com a transmissão da propriedade como um mero efeito do contrato, e não
da entrega da coisa, esta classificação deixa de fazer sentido.

A distinção que atualmente nos importa prende-se com:


Prestação de coisa presente

Prestação de coisa futura

CC: 211º Coisas futuras são as que não estão em poder do disponente ou a que este não
tem direito no momento da declaração negocial.
Menezes Leitão e Galvão Teles consideram que a definição não está inteiramente correta,
pois consideram que o conceito deve ser mais amplo que este. Para eles os bens futuros
são os que, não tendo existência, não possuindo autonomia própria ou não se encontrando
na disponibilidade do sujeito, são objeto de negócio jurídico tendo como perspetiva a
aquisição futura dessas características.

A lei permite a constituição de obrigações sobre coisas presentes e igualmente sobre


coisas futuras.
CC: 399º
Excluindo os casos em que a lei proíbe a prestação de coisa futura,
como em doações CC: 942º/1

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Obrigações de Prestações de Facto

Nestas obrigações a conduta do devedor não consiste na entrega de uma coisa.


Exemplo: CC: 1154º
Se Carlos assume o dever de cuidar da quinta de Dinis, está a obrigar-se a uma prestação
de facto.

Não podemos distinguir entre conduta do devedor e coisa a prestar, como uma realidade
independente da conduta do devedor, assim, o direito do credor tem por objeto a prestação
do devedor, a realização de uma conduta pela qual tem interesse

Devido a tal, por vezes há uma aproximação a uma classificação económica, dizem que
as prestações de facto correspondem à realização de serviços.

Prestação de fazer
Implicam um ato positivo, ou seja, tem por objeto uma ação do devedor.
Exemplo: Carlos assume o dever de cuidar da quinta de Dinis.

Prestações de não fazer


Implicam um ato negativo, ou seja, tem por objeto uma omissão do devedor.
Exemplo: Albano vincula-se perante Bento a não abrir um estabelecimento comercial na
mesma rua em que se situa o estabelecimento que ele vendeu a Bento.

Há quem inclua ainda dentro das prestações de facto negativo as prestações de pati, que
se traduzem no dever de tolerar a realização de uma conduta por outrem.
Exemplo: Edmundo vincula-se perante Felícia a deixar que ela passe por uma zona do seu
prédio para ela aceder, por sua vez, ao prédio dela, ainda que não estejam verificados os
requisitos legais para que a Felícia pudesse obter a constituição do direito real de servidão
de passagem.

Prestação de facto material


A conduta que o devedor se compromete a realizar é uma conduta puramente material,
não destinada à produção de efeitos jurídicos
Exemplo: A obrigação de cuidar da quinta.

Prestação de facto jurídico


A conduta do devedor aparece destinada à produção de efeitos jurídicos.
Exemplo: Elisa promete a Fernando vender-lhe determinado prédio. A Elisa só cumpre a
sua obrigação de vender, decorrente da promessa, celebrando com Fernando, como
vendedora, o contrato prometido de compra e venda.

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Prestações fungíveis Prestações infungíveis


Pode ser realizada por outrem que não o Só o devedor pode realizar a
devedor, podendo assim este fazer-se prestação, não sendo permitida a
substituir no cumprimento. realização por terceiro.

CC: 767º/1 Regra Geral


As prestações são fungíveis, podem ser realizadas por terceiro, interessado ou não
no cumprimento da obrigação
CC: 767º/2 Exceção
Prestação é infungível quando:
• Infungibilidade natural: substituição do devedor no cumprimento não
prejudica o credor
• Infungibilidade convencional: acordado expressamente que a prestação só
pode ser realizada pelo devedor

Obrigações de Prestações Fungíveis

O devedor pode ser substituído por outrem na realização da conduta, sem prejuízo do
interesse do credor.
Exemplo: Albano, ourives, está adstrito a entregar um anel ao seu cliente Bento. Tanto o
pode fazer entregando pessoalmente o anel a Bento, como mandando um seu empregado
entregar o anel a Bento.

Obrigações de Prestações Infungíveis

O devedor não pode ser substituído por outrem na realização da conduta, porque isso
afetará o interesse do credor.
Exemplo: Gilberto, pintor famoso, obrigou-se a pintar o retrato de Hernâni.

CC: 767º/1 Em regra, as prestações são fungíveis.


• Quanto às prestações de coisa, em que se trata de entregar algo, a entrega tanto
pode ser feita pelo devedor como por outrem.

• Em relação às prestações de facto, muitas serão fungíveis, nomeadamente,


quando não estejam em causa especiais qualidades do devedor.
Exemplo: Pintar os muros de uma casa, em princípio, tanto poderá ser feito pelo devedor,
pintor de construção civil, como por qualquer outro pintor de construção civil habilitado.

CC: 767º/2 Infungibilidade da prestação.

• Infungibilidade funcional ou natural: quando a substituição prejudique o credor


Exemplo: Um pintor famoso obrigar-se a pintar um retrato.

• Infungibilidade convencional: as partes acordam expressamente que a prestação


deve ser cumprida pelo devedor.
Exemplo: O credor acorda com o devedor, que é médico, que só ele tratará de um dado
doente, não podendo fazer-se substituir por outrem.

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Efeitos da fungibilidade da prestação

Execução específica
No caso de incumprimento do devedor, há uma atuação judicial conducente a permitir
ao credor obter a execução coerciva da prestação e, assim, a realização do mesmo
interesse que ele veria realizado se o devedor cumprisse voluntariamente

Entrega de coisa determinada


CC: 827º
Se o devedor não cumpre, o tribunal, sabendo onde a coisa se encontra, apreende a mesma
e entrega-a ao credor.

Prestação de facto material fungível


CC: 828º
O credor pode requerer em execução que o facto seja realizado por outrem à custa do
devedor.
Exemplo: António vinculou-se a pintar uma moradia e não cumpriu. O credor, em
execução, poderá́ obter do tribunal a realização da prestação por um outro pintor, sendo
os respetivos custos suportados pelo património do devedor.

Prestação de facto negativo


CC: 829º
Exemplo: António vinculou-se a não realizar uma obra e realizou-a. O credor poderá́
requerer ao tribunal que a mesma seja demolida, à custa do devedor.

Prestação de facto jurídico e consista na celebração de um contrato


CC: 830º
Há um contrato-promessa do qual resulta a obrigação de celebrar o contrato prometido.
De princípio, a obrigação seria infungível, visto que se António promete vender o seu
carro, só ele o pode vender, porque só ele é proprietário do carro e não pode ser
substituindo por outrem na realização da prestação.

Contudo, a lei admite ou confere fungibilidade à prestação, para o efeito de o tribunal,


através de sentença, se substituir à declaração negocial do faltoso, fazendo com que a
sentença tenha o mesmo efeito que teria a declaração que o faltoso não fez.

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Não haverá a possibilidade de execução especifica em 2 situações

Quando a natureza da obrigação assumida contrarie a possibilidade de execução


específica
CC: 830º/1, última parte

Exemplos:

Contratos reais quoad constitutionem


Exemplo: no contrato-promessa de constituição de penhor sobre uma coisa não basta uma
mera declaração negocial, é exigida a entrega da coisa, pelo que a mera sentença
declarativa do tribunal não seria suficiente para o efeito pretendido.

Contrato prometido gerar obrigações de carácter pessoal


Exemplo: o contrato-promessa de trabalho não é suscetível de execução específica,
porque a obrigação de prestar trabalho é pessoal e em si é incoercível.

Quando as próprias partes houverem validamente excluído a execução específica.


Caso não se estipule isto expressamente, também se pode presumir quando é constituído
sinal ou quando se estabelece uma cláusula penal.
CC: 830º/2

Se a prestação for infungível, não poderá ocorrer a execução específica, uma vez que
o devedor não pode ser substituído na realização da prestação: só ele pode e deve realizar
a conduta devida.

Contudo, em certos casos de prestação infungível, a lei admite um mecanismo de pressão


meio compulsório sobre o devedor, para tentar que o mesmo cumpra, ainda que
tardiamente, ou deixe de incumprir uma prestação continuada CC: 829º-A

Exemplo: Bruno, arquiteto, obrigou-se a fazer e entregar em certa data um projeto de uma
dada obra relativa à casa do Carlos, mas não o faz. Em tribunal, o credor poderá requerer
que o mesmo estabeleça a condenação do arquiteto, devedor, no pagamento de uma
determinada quantia, por exemplo, por cada mês de atraso na realização e entrega do
projeto.

Quando está em causa uma prestação infungível, que só o devedor pode realizar, e se
verifica a impossibilidade de ele a realizar, essa impossibilidade acarreta a extinção da
obrigação e libera-o perante o credor – impossibilidade subjetiva CC: 791º
Exemplo: Cristiano, considerado o melhor futebolista do mundo, obriga-se a atuar por
dado clube. Mais tarde, vem a sofrer um acidente automóvel, ficando com graves lesões
nas pernas o resto da vida.

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Obrigações de Prestações Divisíveis e Indivisíveis

Há divisibilidade sempre que a prestação possa ser fracionada, sem prejuízo para o credor.

CC: 763o/1

A regra geral é a da integralidade do cumprimento. A prestação não pode ser fracionada pelo
devedor. Se isto não for cumprido, podem-se verificar duas situações:

• O credor recusa licitamente o cumprimento parcial CC: 804o mora do devedor


• Impossibilidade parcial CC: 793o

A lei parte do princípio de que o interesse do credor é sempre afetado com a divisão da
prestação, então, deixa nas mãos dele uma opção diversa – CC: 763o/2

Podemos ainda distinguir:


Divisibilidade natural ou objetiva: deriva da consideração naturalística ou

económica das prestações em causa;


Divisibilidade convencional ou subjetiva: terá na origem o que tiver sido

acordado entre as partes.

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Prestações Instantâneas
Integrais
Execução ocorre num momento
Realizadas de uma só vez
único, pelo que o conteúdo e
Exemplo: CC: 882º Entrega
extensão não são delimitados em
da coisa pelo vendedor
função do tempo.

Fracionadas
Montante global é dividido em várias frações, a
realizar sucessivamente
Exemplo: CC: 934º Pagamento a prestações na venda

Continuidade
Prestações Duradouras Não sofre qualquer interrupção
Execução prolonga-se no tempo, Exemplo: CC: 1031º Prestação do locador
pelo que realização dependa sempre
do decurso de um período temporal,
durante o qual a prestação deve ser Periódica
continuada ou repetida. É repetida em certos períodos de tempo
Exemplo: CC: 1038º Pagamento da renda

Obrigações de Prestações Instantâneas

Obrigações cuja execução corre num único momento ou em que o decurso do tempo ao
longo do qual sejam executadas, em partes, não tem influência sobre o conteúdo da
prestação.

Instantâneas
Esgotam-se num único ato.
Exemplo: Afonso entrega a Bela a joia que lhe vendeu e Bela paga o preço devido.

Fracionadas
A execução da mesma prestação ocorre por partes, no tempo, estando essas partes já
previamente definidas.
Exemplo: a venda a prestações.

Obrigações de Prestações Duradouras

Obrigações cuja execução se prolonga no tempo e em que o tempo influi no conteúdo da


prestação.

Periódicas
Devem ser cumpridas repetidas vezes ou sucessivamente ao longo do tempo, influindo
no conteúdo das prestações.
Exemplo: obrigação do locatário pagar mensalmente a renda.

Continuadas
Devem ser cumpridas ininterruptamente.
Exemplo: obrigação do locador de proporcionar o gozo da coisa locada ao seu locatário.

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Quando se constitui uma obrigação duradoura, o Direito estabelece um regime especial


para a extinção desses contratos, com o objetivo de evitar que as partes se vinculem ad
aeternum ou perpetuamente, pois entende-se que uma tal vinculação contenderia por
demais com a liberdade das pessoas.

O facto de estes contratos se poderem prolongar no tempo implica que a lei deva
assegurar também alguma delimitação à sua duração, sob pena de a liberdade
económica das partes poder ficar seriamente comprometida

A lei tem de assegurar uma delimitação temporal aos contratos de execução


duradoura, o que é realizado através do:
• Acordo prévio das partes fixando um limite temporal ao contrato
• Denúncia do contrato

Os contratos de execução duradoura celebrados sem prazo determinado são


denunciáveis, isto é, qualquer das partes pode por termo ao contrato, notificando a outra
de que o mesmo cessará em data determinada, que deve ser indicada com a antecedência
considerada razoável, em face da natureza e características do contrato.
Exemplo: CC: 1002º/1 A lei admite o instituto da exoneração do sócio no caso de não
haver sido estabelecido um prazo de duração da sociedade.

A resolução nos contratos de prestações duradouras só opera normalmente para o


futuro, não tendo efeito retroativo, a menos que a causa da resolução seja reportada às
prestações já realizadas.

Devido ao decurso do tempo determinar o conteúdo da obrigação e não apenas o momento


em que deve ser realizada, o tempo em que o contrato vigorou constituiu nas partes o
direito às prestações recebidas, que não é afetado pela resolução do contrato.

Se a resolução do contrato tem normalmente efeito retractivo (434º/1), nos contratos


de execução continuada ou periódica, pelo contrário, ela não abrange as prestações
já executadas, a não ser que entre elas e a causa de resolução exista um vínculo que
legitime a resolução de todas elas (434º/2)

A lei admite um desvio à regra geral da retroatividade da resolução.


CC: 434º/1 Regra Geral
A resolução do contrato tem efeito retroativo, pelo que deve ser restituído aquilo que tiver
sido prestado.

CC: 434º/2 Exceção


Contudo, no caso dos contratos com prestações duradouras, tal retroatividade não ocorre,
pelo que não cabe restituir as prestações já executadas, operando a resolução apenas para
o futuro.

CC: 434º/2, in fine Exceção da exceção


Estipula uma exceção à não retroatividade dos contratos com prestações duradouras.

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Em relação aos contratos duradouros há uma maior intensidade das exigências da boa fé
e os deveres acessórios dela decorrentes, nomeadamente, de lealdade, proteção e
informação, já que tais contratos, por terem um prazo muitas vezes longo, tendem a
assentar numa base mais alargada de confiança e de colaboração entre as partes.

O instituo da alteração das circunstâncias CC: 437º tem o seu maior campo de aplicação
nos contratos de execução duradoura, já que haverá maior suscetibilidade de, durante a
vigência do contrato, virem a ocorrer alterações anormais das circunstâncias em que as
partes contrataram.

Prestações instantâneas fracionadas Prestações duradouras periódicas

Estamos perante uma única obrigação cujo Neste caso verifica-se uma
objeto é dividido em frações, com vencimentos pluralidade de obrigações
intervalados. Há uma definição prévia do seu distintas, emergentes de um
montante global e o decurso do tempo não vínculo único que as origina
altera o conteúdo ou a extensão, apenas o modo sucessivamente. Não pode
de realização. haver uma fixação inicial do sue
Exemplo: Na compra e venda a prestações o montante global, pois o decurso
preço é previamente fixado, servindo o decurso do tempo irá determinar o
do tempo apenas para dividir as partes. número de prestações a realizar.

O facto de o decurso do tempo determinar o conteúdo da obrigação e não apenas o


momento em que esta deve ser realizada é assim o que distingue as prestações duradouras
das instantâneas.

Mesmos nas fracionadas o decurso do tempo não influi no conteúdo da obrigação mas
apenas determina o seu vencimento (805º/2 a)), o qual pode mesmo em certos casos
ocorrer antecipadamente a esse momento (781º).
Pelo contrário, nas prestações duradouras, contínuas ou periódicas, o decurso do tempo
influi no conteúdo e extensão da obrigação, pelo que a extinção ou alteração do contrato
antes do decurso do prazo implica a não constituição ou a alteração da prestação relativa
ao tempo posterior.

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Obrigações de Meios Obrigações de


Resultados
O devedor não se vincula a um resultado, mas a realizar,
com diligência, uma data conduta em ordem a um Nestas obrigações, o
resultado, ao qual, no entanto, o devedor não se vincula. devedor vincula-se a
um resultado.
Exemplo: um médico vincula-se a tratar o seu paciente
com diligência e de acordo com as boas regras da Exemplo: Pagar o
medicina, mas não garante a cura. preço.

À primeira vista, esta distinção seria relevante para efeitos do ónus da prova:

A não consecução do resultado não Se o resultado não é atingido,


demonstrava incumprimento, pois o haveria logo incumprimento, e
devedor não se tinha vinculado ao resultado. o devedor só não seria
Assim, o resultado seria um indício de que responsável se provasse que
a conduta diligente a que o devedor se não teve culpa na não
vinculou não teria sido adotada. obtenção do resultado.

Nas prestações de meios não Nas prestações de resultado, bastaria ao


é suficiente a não verificação credor demonstrar a não verificação do
do resultado para resultado para estabelecer o
responsabilizar o devedor, incumprimento do devedor, sendo este
havendo que demonstrar que que, para se exonerar da
a sua conduta não responsabilidade, teria que demonstrar
correspondeu à diligência a que a inexecução é devida a uma causa
que se tinha vinculado. que não lhe é imputável.

Contudo, alguma da nossa doutrina põe em causa a relevância da distinção:


Gomes da Silva, Menezes Cordeiro, Menezes Leitão, Eduardo dos Santos Júnior.
Diz-se que o devedor se vincula sempre a uma conduta e o credor quer sempre um
resultado dela, portanto, atingido ou não o resultado, ao devedor cabe provar que cumpriu
ou que o incumprimento não advém de culpa sua CC: 342º/2 e 799º/1

Em ambos os casos aquilo a que o devedor se obriga é sempre a uma conduta (prestação), e
o credor visa um resultado, que corresponde ao seu interesse (398º/2). Por outro lado, ao
devedor cabe sempre o ónus da prova de que realizou a prestação (342º/2) ou de que a falta
de cumprimento não procede de culpa sua (799º), sem o que será sujeito a responsabilidade.

Porém, esta distinção é relevante se considerarmos que há domínios em que vigora uma
responsabilidade objetiva, em que se responde mesmo sem culpa, e que essa só pode
ocorrer em relação a uma obrigação de resultado.
Exemplo: o transportador não conduziu a coisa até ao destino acordado porque a mesma
foi destruída no percurso devido a um acidente do camião de transporte, motivado por
uma falha de travões. Supondo que vigora no âmbito deste contrato de transporte um
regime de responsabilidade objetiva, o transportador será responsável mesmo que, antes
da viagem, tivesse tido o cuidado de levar o camião à oficina e colocar travões novos.

FDUL 2020/2021 13
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Prestações Indeterminadas
Prestações Determinadas
Determinação da prestação ainda
Se encontra completamente
não se encontra realizada, pelo que
determinada no momento da
essa determinação terá de ocorrer até
constituição da obrigação
ao momento do cumprimento.

A prestação pode ser indeterminada, aquando da celebração do negócio de que derive a


respetiva obrigação, mas deve ser determinável, ou seja, deve ser suscetível de vir a ser
determinada.

Uma obrigação indeterminável não chega a nascer por nulidade do negócio respetivo.
Assim, podemos distinguir entre prestações determinadas e indeterminadas, mas sempre
determináveis.

As razões para a indeterminação da prestação no momento da conclusão do negócio são:

• As partes não terem julgado necessário tomar posição sobre o assunto, em


virtude de existir regra supletiva aplicável, ou de pretenderem aplicar ao negócio
as condições usuais no mercado.

Nesse caso a lei remete precisamente para esses critérios, procedendo assim à
determinação da prestação por essa via. Esta solução consta do CC:883º, relativo à
compra e venda, e do CC: 1158º/2, relativo ao mandato, os quais são extensíveis,
respetivamente, a outros contratos onerosos de transmissão de bens ou de prestação de
serviços pelos CC: 939º + 1156º.

• As partes terem pretendido conferir a uma delas a faculdade de efetuar essa


determinação, porque só essa parte tem os conhecimentos necessários para o
poder fazer adequadamente

Exemplo: se alguém pede a um mecânico para lhe arranjar o automóvel. As partes podem
acordar que essa informação seja fornecida à outra antes da celebração do contrato,
através da “solicitação prévia do orçamento”. Nesses casos a prestação vem a ser
determinada nas negociações.

Esta situação vem prevista no


CC: 400º
Prevê que a determinação da prestação pode ser confiada a uma das partes ou terceiro,
mas que, em qualquer caso, deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios
não tiverem sido estipulados.

Pode-se concluir que o poder de determinar não é absoluto, havendo que ocorrer uma
conformidade à equidade, a qual significa uma adequação ao que é comum nesses
contratos e de acordo com as circunstâncias do caso, havendo que se considerar
simultaneamente o interesse do credor em relação à prestação e as suas especiais relações
económicas.

CC: 400º/2 Quando as partes ou o terceiro não puderem determinar a prestação, ou não
o realizarem no tempo devido, ela deve ser efetuada pelo tribunal

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Obrigações Genéricas Obrigação Específica


CC: 539º O objeto da prestação Aquela em que tanto o género
se encontra apenas determinado como os espécimes da prestação se
quanto ao género encontram determinados

Modalidades de obrigações indeterminadas: Genéricas e Alternativas

Obrigações genéricas

CC: 539º O objeto da prestação apenas está determinado quanto ao género (ou quanto
ao género, quantidade e qualidade, não havendo ainda individualização).

Exemplo: António, produtor de maças, vincula-se a entregar a Bento, dono de uma


frutaria, 50 kg de maças “golden” portuguesas.

Menezes Cordeiro: as obrigações genéricas são correntes no comércio, especialmente, no


comércio por grosso.

Para que a obrigação de prestação de coisa genérica possa vir a ser cumprida, terá de
ocorrer uma concretização, através de uma escolha de certos espécimes
(individualização do espécime dentro do género).

• CC: 539º Se as partes não estipularem diferentemente, a escolha cabe ao devedor.

Impõe-se que a escolha seja razoável, em vista do interesse do credor, como decorre do
dispostos no CC: 400º/1, onde a expressão “juízos de equidade” tem esse sentido.

Normalmente, poderá dizer-se que será razoável ou de boa-fé a escolha de espécimes de


classe e qualidade médias entre aquelas que compõem o genro.

• CC: 542º As partes, no uso da sua autonomia privada, podem estipular que a
escolha compita antes ao credor ou a terceiro.

CC: 542º/2 Se o credor não fizer a escolha no prazo devido, o devedor passará a ter a
faculdade de escolha.

CC: 400º/2 + CPC: 1429º Se o terceiro não realizar a escolha no prazo fixado, competirá,
por fim, ao tribunal, a respetiva determinação.

A indeterminação inicial da obrigação genérica coloca o problema da averiguação


do momento em que tem lugar a transferência da propriedade sobre as coisas que vão
servir para o cumprimento da obrigação.

Tem importância para efeitos de risco, uma vez que a regra CC: 796º é a de que o risco
do perecimento de coisa corre por conta do proprietário.

CC: 408º/1 Regra Geral


A transferência da propriedade ocorrer no momento da celebração do contrato,
relativamente às coisas determinadas. Pelo que não se pode aplicar às genéricas.

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Há que determinar a prestação para se obter a transferência da propriedade


CC: 408º/2 Essa transferência opera-se quando a coisa é determinada com conhecimento
de ambas as partes.

As obrigações genéricas são excetuadas desse regime, estando a transferência da


propriedade sobre as coisas que servem para o seu cumprimento sujeita a outras regras.

A transmissão da propriedade ocorre no momento da concentração da obrigação,


quando a obrigação passa de genérica a específica, não se exigindo que essa
concentração seja conhecida de ambas as partes.

CC: 541º por força da remissão do 408º/2, 3ª parte


Nas obrigações genéricas o direito de propriedade transfere-se
quando se dá a concentração da obrigação, que é a conversão de
uma obrigação indeterminada numa obrigação específica.

Quando é que ocorre a transferência da propriedade e assim a transferência do risco


de perecimento da coisa que devesse ser entregue?

Qual é o momento da concentração da obrigação genérica?


CC: 540º (concretização do 790º) + 541º

1. Cumprimento por parte do devedor

Teoria da escolha ou da separação: o momento em que ocorre a escolhe dos espécimes


do género. Aqui há uma obrigação de mera colocação, o devedor deve deixar a obrigação
ao dispor do credor para que ele possa levantá-la.

Teoria do envio: o momento em que os espécimes do género são enviados para o credor.
o devedor não está obrigado a fazer com que a coisa devida chegue ao credor, mas
também não basta que ele a coloque à disposição do credor.
O devedor compromete-se a enviar a coisa, para que um terceiro a leve ao credor. Estamos
perante obrigações de enviar a coisa CC: 797º
O cumprimento dá-se quando a coisa é entregue ao terceiro para envio.

Teoria da entrega: o momento em que os espécimes escolhidos são entregues ao credor.


Aqui a vinculação do devedor é máxima, só́ há́ cumprimento quando a coisa devida
chegar à esfera do credor. O devedor está obrigado a provocar o resultado.
Esta é a regra geral, como se conclui do disposto no CC: 540º
Caso os espécimes sejam danificados, cabe ao devedor substituí-los com coisas do mesmo
género, pois só com a entrega é que se dá o cumprimento e a transferência da propriedade.

2. Acordo das partes

Esse acordo constitui um contrato modificativo da obrigação, através do qual as partes


substituem uma obrigação genérica por uma especifica.

Não é uma situação onde haja concentração, mas deixa de ser indeterminada pelo que não
há a necessidade que haja a concentração.

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3. Quando o género se extinguir a ponto de restar apenas uma das coisas nele
compreendidas

Quando resta apenas um espécime do género ou apenas a quantidade necessária para


haver incumprimento.

A concentração ocorre por mero facto da natureza, mas não se está perante um desvio da
regra do CC: 540º, uma vez que, caso as coisas sobrantes também desaparecessem,
deixaria a prestação de ser possível com coisas do género estipulado, pelo que o devedor
estaria sempre exonerado em virtude da impossibilidade da prestação.

Exemplo: António encomendou a Bento 20 kg de maçãs, sendo que este tinha em


armazém 40 kg de maçãs. Imaginemos que 20 kg apodrecem, nesse caso, só resta
justamente a quantidade devida, não há mais por onde escolher, pelo que se dá a
concentração para efeitos de transferência da propriedade e do risco.

Nota: não ter o produto em stock não vale, pois conta todos os objetos iguais do mundo
ou que possam ser construídos.

4. Quando o credor incorrer em mora

A mora é uma situação de não cumprimento de uma obrigação imputável, podendo ser
do devedor ou do credor. O não cumprimento é por um motivo injustificado,
independentemente de haver ou não culpa.

CC: 813º Se o credor, sem justificação legal, recusar a prestação ou não praticar os atos
de colaboração necessários a recebê-la, incorre em mora.
A obrigação concentra-se a partir da mora do credor.
Exemplo: Caso se tenham combinado que o comprador ia levantar o objeto à loja, contudo
só vai no dia seguinte, nessa noite houve um assalto e levaram todos os computadores,
inclusive o que já estava embalado e etiquetando com o seu nome. O comprador diz que
é alheio e que quer o computador, o vendedor diz que se tivesse vindo no momento
combinado tinha o computador.

Há quem defenda que aqui não há uma verdadeira especificação da obrigação, o que
significa é que o credor suporta o risco, ou seja, há uma transferência do risco nos termos
da mora do credor CC: 815º
Que apesar da obrigação permanecer genérica, o risco do perecimento dessas coisas
correrá por conta do credor.

5. Se tiver havido promessa de envio, nos termos do CC: 797º

Trata-se da chamada situação de dívida de envio ou de remessa, em que as partes acordam


que o devedor se exonera da sua obrigação quando coloca a coisa no meio de transporte
adequado, com destino indicado pelo credor – é uma obrigação de envio.

Esta norma não se refere às dívidas em que o devedor se compromete a levar ou enviar a
coisa até ao local do cumprimento, suportando até então o risco de transporte. Refere-se
apenas às denominadas dívidas de envio ou remessa, em que o devedor não se

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compromete a transportar a coisa para o local do cumprimento, mas apenas a, no local do


cumprimento, colocar a coisa num meio de transporte destinado a outro local.

Assim, estas obrigações cumprem-se no próprio local do envio ou da remessa, ficando a


obrigação extinta nesse momento em virtude do cumprimento.

O facto de o credor ainda não ter recebido a prestação é irrelevante, uma vez que, o
cumprimento pode ser realizado a terceiro se assim tiver sido estipulado ou consentido
pelo credor CC: 770º a)

Nota: Há alguns indícios que sugerem se a obrigação é de entrega ou de envio: o que as


partes convencionaram, quando se estipula o lugar de entrega, quem escolhe o meio de
transporte, quem paga o transporte, quem suporta o custo do seguro, etc.

No caso de compras e vendas de bens de consumo, o risco só se transfere com o


cumprimento e o cumprimento dá-se com a entrega da coisa.

Em suma... A concentração da obrigação genérica (Menezes Leitão):

• Quando a escolha compete ao devedor


Regra geral: Apenas se dá no momento do cumprimento, podendo até lá o devedor
revogar escolhas que anteriormente tenha realizado.
Exceção: Tal só não sucederá se tiver perdido a possibilidade material de o fazer ou se
a escolha tiver sido aceite, o que significa que as partes por acordo modificaram a
obrigação, transformando-a em específica.

• Quando a escolha compete ao credor ou a terceiro


CC: 542º Adota-se a teoria da escolha, assim, uma vez realizada pelo credor ou pelo
terceiro, passa a ser irrevogável.
Regra geral: A escolha pelo credor ou pelo terceiro concentra imediatamente a
obrigação, desde que declarada respetivamente ao devedor ou a ambas as partes.
Exceção: Se a escolha couber ao credor e este não a fizer dentro do prazo estabelecido
ou daquele que para o efeito lhe for fixado pelo devedor, é a este que a escolha passa a
competir.
Nesta situação passam a ser aplicáveis as disposições do CC: 540º e 541º,
como se a escolha coubesse ao devedor desde o início.

Momento da transferência do risco da prestação: se houver alguma perturbação


da obrigação, quem é que suporta o risco da prestação?

Transferência do risco da prestação: é o momento no tempo, em que uma obrigação que


não seja cumprida em virtude de alguma perturbação, passa a ser valorada como se fosse
uma obrigação pontualmente cumprida, salvo se essa imputação for imputável a uma das
partes.

CC: 540º Nas obrigações genéricas, o risco da prestação é suportado pelo devedor.

CC: 790º O credor apenas suporta o risco da extinção do género, o risco da obrigação se
tornar impossível.

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Obrigações Alternativas

Têm por objeto duas ou mais prestações diferentes, mas o devedor cumpre ao prestar
aquela que vier a ser escolhida.
São obrigações indeterminadas porque, aquando da sua constituição, não fica definido
qual a concreta prestação a realizar pelo devedor.

Exemplo: António obriga-se a entregar o seu Ferrari ou o seu barco a Bruno, pelo preço
de 100.000 euros.

A necessária determinação da obrigação alternativa implica uma escolha entre duas


ou mais prestações.
O devedor se exonera com a mera realização de uma delas que, por
escolha, vier a ser designada (543º). Á falta de determinação em
contrário, a escolha pertence ao devedor (543º/2), mas pode
também competir ao credor ou a terceiro (549º).
Assim, apesar de existirem duas ou mais prestações, o devedor tem
apenas uma obrigação, e o credor apenas um direito de crédito.

CC: 543º/2 A regra legal supletiva é que a escolha cabe ao devedor.

CC: 548º Se a escolha couber ao devedor e ele não a realizar em tempo devido, dá-se a
devolução da escolha à outra parte, o credor.

Menezes Cordeiro: reconhece que se o devedor escolher uma prestação, ele poderá́
sempre, em princípio, até ao cumprimento, revogar a sua escolha.

• A determinação eficaz da prestação, quando a escolha caiba ao devedor, ocorre


quando o devedor realiza uma das prestações que podia escolher.
Exemplo: António pode escolher entre entregar o seu Ferrari ou o seu barco, e escolhe
entregar o Ferrari. Contudo, antes de o fazer, arrepende-se e resolve entregar antes o seu
barco e entrega-o efetivamente ao credor. Não há nada a apontar, o credor é satisfeito e o
devedor cumpre.

• Quando a escolha cabe ao devedor, e as partes convencionam que ele deve


comunicá-la em certo prazo, antes do cumprimento, então, uma vez feita essa
comunicação pelo devedor, já não poderá revogá-la.

• Quando o devedor, não tendo de comunicar a sua escolha antes do cumprimento,


decide fazê-lo, parece que poderá revogar a sua escolha, tendo, eventualmente,
que responder pelos danos que cause ao credor, pela confiança que neste haja
incutido sobre a prestação que seria realizada.

CC: 549º remete para 542º As partes podem, no uso da sua autonomia privada, estipular
que a escolha compita ao credor ou a terceiro.

CC: 549º remete para 542º/2 Se o credor não fizer a escolha no prazo devido, o devedor
passará a ter a faculdade de escolha.

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Quando é que ocorre a transferência da propriedade e assim a transferência do


risco de perecimento da coisa que devesse ser entregue?

CC: 408º/2 nas obrigações alternativas indeterminadas, a concentração ocorre quando se


der a determinação com conhecimento de ambas as partes, mas não excetua a solução
para o regime das obrigações alternativas.

CC: 543º + 548º No caso das obrigações alternativas, que também são indeterminadas, a
concentração, para o efeito da transferência da propriedade e do risco, dá-se quando a
escolha feita seja comunicada à contraparte.

Pode coincidir com a oferta real da prestação, mas também pode ocorrer anteriormente,
produzindo efeitos, designadamente para operar a transferência de risco, desde que
declarada ao credor.
Não é, por isso, permitida ao devedor a posterior revogação da escolha efetuada, uma vez
que, após a realização da escolha, ele só se exonera efetuando a prestação escolhida.
A escolha é igualmente irrevogável quando compete ao credor ou a terceiro, por força da
remissão do CC: 549º para o 542º

Se, porém, alguma das partes não realizar a escolha no devido tempo, a lei prevê̂ a
devolução dessa faculdade à outra parte (542º/2 ex vi do 549º e 548º), ainda que sob
critérios diferentes.

Transferência de risco obrigações alternativa


Maioria: Com a escolha da prestação e comunicação há outra parte.
MC: o risco só se considera transferido com o cumprimento.

Exemplo: Ana vendeu a Bento, por determinado preço, um Ferrari ou um barco a motor,
sendo que acordaram que cabia a Bento a escolha da prestação. Bento escolhe o barco e
comunica a Ana a sua escolha, é nesse momento que ele passa a proprietário do barco.
Se depois da escolha declarada, mas antes da entrega da coisa, o barco sofresse algum
dano, por causa não imputável ao devedor, a perda corre por conta do credor, é ele que
assume o risco. Assim, Bento teria que pagar a Ana o preço estipulado e ainda suportava
o perecimento do barco.

Impossibilidade superveniente da prestação alternativa

As obrigações alternativas têm um regime especial em sede de impossibilidade casual,


impossibilidade imputável ao devedor e impossibilidade imputável ao credor.
Quando essa impossibilidade ocorra antes da escolha, ou seja, antes da determinação da
prestação.

CC: 545º Impossibilidade Casual (não imputável às partes)

• Diminuição das prestações alternativas


Exemplo: António obrigou-se a entregar a Bento um automóvel, um barco ou um quadro.
O barco naufraga devido a um temporal, a obrigação continua a ser alternativa, mas
limitada às duas prestações possíveis, automóvel ou quadro.

FDUL 2020/2021 20
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• Cessação da alternatividade, passando a obrigação a ser determinada


Exemplo: António obrigou-se a entregar a Bento um automóvel ou um barco. O barco
naufraga devido a um temporal, a obrigação reduz-se à única prestação possível, o
automóvel, deixando de haver indeterminação da prestação.

O risco de perecimento da coisa corre por conta do devedor.


Não tendo havido ainda escolha, não houve concentração da obrigação, pelo que a
propriedade de qualquer das coisas objeto das prestações alternativas ainda é do devedor
no momento em que uma pereceu, passando a ser impossível prestá-la.

Diferentemente se passam as coisas, no entanto, quando a impossibilidade é imputável a


alguma das partes. Nesse caso, temos que verificar a quem pertence a escolha, já que a
impossibilidade de uma das prestações pode afetar a escolha que a outra parte pretenda
fazer, quando esta lhe compete.

CC: 546º Impossibilidade imputável ao devedor

• Escolha competia ao devedor


O devedor deve realizar uma das prestações ainda possíveis. O devedor suporta a perda
da coisa e o credor não sai prejudicado.

• Escolha competia ao credor


Neste caso, tornou-se impossível uma das prestações por facto imputável ao devedor e
também ficou afetado o direito de escolha do credor.
O credor pode exigir uma das prestações ainda possíveis, pode exigir a reparação dos
danos de não ter sido realizada a prestação que se tornou impossível ou pode resolver o
contrato.

CC: 547º Impossibilidade imputável ao credor

• Escolha competia ao credor


A obrigação considera-se cumprida. Uma vez que a escolha competia ao credor, é como
se ele tivesse escolhido a prestação que ele mesmo tornou impossível e, precisamente por
isso, será transferida para si a suportação da perda da coisa que pertencia ao devedor: o
credor pagará o preço da aquisição e não receberá a coisa, porque a sua perda lhe é
imputável.

• Escolha competia ao devedor


A obrigação também se considera cumprida, mas o devedor pode optar por realizar uma
das prestações ainda possíveis e ser indemnizado pelos danos sofridos com a perda da
coisa objeto da prestação impossível.
O credor, ao tornar impossível uma das prestações alternativas, afetou a respetiva coisa
do devedor e afetou também o seu direito de escolha, por isso, será transferida para o
credor a suportação da perda da coisa do devedor e este último pode dar por cumprido o
seu dever de prestar e receber a respetiva contraprestação ou pode realizar uma das
prestações ainda possíveis, com direito a haver a respetiva contraprestação e uma
indemnização pelos danos sofridos pela perda da sua coisa.

FDUL 2020/2021 21
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A lei não resolve o caso de impossibilidade imputável a uma das partes e a escolha
competir a terceiro.

Menezes Cordeiro e Menezes Leitão entendem que cessará para o terceiro a faculdade de
escolha.
• Se a impossibilidade for imputável ao devedor, passará a ser o credor a poder
escolher entre exigir uma das prestações ainda possíveis, uma indemnização ou a
resolução do contrato CC: 546º, 2ª parte

• Se a impossibilidade for imputável ao credor, passará a ser o devedor a poder


escolher entre considerar cumprida a obrigação ou realizar uma das prestações
ainda possíveis, tendo ainda o direito de indemnização CC: 547º, 2ª parte

Por último, não se pode confundir as obrigações alternativas com as obrigações de


faculdade alternativa.

Em termos práticos, a diferença de situações reside na posição do credor. Enquanto nas


obrigações alternativas, o direito de o credor abrange duas prestações em alternativa, nas
obrigações com faculdade alternativa abrange apenas uma prestação, ainda que a outra
parte tenha a faculdade de a substituir.

Obrigações de Faculdade Alternativa

Aqui não há indeterminação, a prestação a que o credor tem direito está já determinada
no momento de constituição da obrigação respetiva. O devedor apenas tem a faculdade
ou a possibilidade de, ao cumprir, substituir o objeto da prestação por outro.

Aqui temos um direito potestativa à modificação do contrato, modificando a fonte da


obrigação.

CC: 408º/1 Sendo determinada e tendo por objeto uma coisa (prestação de coisa), o
contrato produz logo a transferência da propriedade.

CC: 790º/1 Havendo impossibilidade extingue-se a obrigação

Exemplo: é o que ocorre com as obrigações volutarias ou em moeda estrangeira CC: 558º.
Estipulando as partes que o cumprimento se fará em determinada moeda com curso legal
apenas no estrangeiro, por exemplo, o dólar, o credor só pode exigir o respetivo
pagamento em dólares, mas o devedor – a menos que as partes por acordo afastem essa
faculdade – tem a faculdade de, em vez de pagar em dólares, pagar em moeda com curso
legal no nosso país, o euro, segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este
estabelecido.

FDUL 2020/2021 22
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Obrigações Pecuniárias

Têm por (1) objeto a entrega de dinheiro ou moeda, (2) visando proporcionar ao credor
o valor monetário correspondente.

Duas Requisitos Cumultivos:


Se a obrigação tem dinheiro por objeto, mas não visa proporcionar ao credor o valor dele
não estamos perante uma obrigação pecuniária
Exemplo: Entrega de determinadas moedas e notas, para integrar uma coleção

Se a obrigação visar apenas proporcionar ao credor um valor económico (de um


determinado objeto ou de uma componente do património) não tendo assim por objeto a
entrega de quantias em dinheiro, falar-se-á́ antes em dívida de valor, a qual se caracteriza
por ter objeto um valor fixo, que não sofre alterações em caso de desvalorização da
moeda, não suportando assim o credor o risco correspondente.
A dívida de valor terá em certo momento, que ser liquidada em dinheiro, pelo que nesse
momento se converterá em obrigação pecuniária.

O dinheiro está praticamente presente em todas as transações, consubstanciando-se em


moeda metálica, papel-moeda (notas de banco) e também em moeda bancária que,
segundo Menezes Cordeiro, apesar de não ter uma existência física e material, resulta da
atividade bancária, da inscrição de ativos e de pagamentos em contas, sendo, pois,
escritura ou desmaterializada.

O dinheiro, objeto destas obrigações, assegura na ordem económica simultaneamente as


funções:

1. De meio geral de trocas


Advém do facto de o dinheiro, em função do seu poder de compra, ser utilizado para
efeitos de aquisição e alienação de bens e serviços.

2. De meio legal de pagamento


Resulta de ser atribuída eficácia liberatória à entrega de espécies mo monetárias em
pagamento das obrigações pecuniárias.

3. De unidade de conta
Resulta de, sendo o valor da moeda relativamente estável, pode ser utilizado como medida
do valor dos bens e serviços de qualquer tipo.

O Código Civil trata das obrigações pecuniárias segundo uma tripartição:


• Obrigações pecuniárias de quantidade
• Obrigações pecuniárias em moeda específica
• Obrigações pecuniárias em moeda estrangeira

FDUL 2020/2021 23
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Modalidades de Obrigações Pecuniárias:quantidade, moeda específica e estrangeira

Obrigações de quantidade

CC: 550º
Têm por objeto a entrega de uma quantidade de moeda em curso legal no país – no
caso português, essa moeda é o euro.

Há 2 princípios que regem estas obrigações:


• Princípio do curso legal ou forçado
• Princípio do nominalismo monetário

As obrigações de quantidade consistem em obrigações genéricas, sujeitas ao regime


respetivo, mas o género de referência toma por base todo o universo da moeda com curso
legal no país.
Daí que nas obrigações pecuniárias seja impossível a extinção do
género referida no 541º, não ficando o devedor libertado pelo facto de não
possuir dinheiro para efetuar o pagamento, dado que enquanto houver
moeda com curso legal subsistir o género acordado para o pagamento.

Princípio do curso legal ou forçado


Significa que, salva convenção contrária das partes, o cumprimento das obrigações
pecuniárias se deve efetuar apenas com a moeda a que o Estado reconheça função
liberatória genérica, sendo obrigatória a sua aceitação para os particulares.

Exemplo: Alexandre propõe pagar a Bruno os 5000 euros.


Se Alexandre pagar a Bento esse valor em francos suíços, Bruno pode recusar
justificadamente o pagamento oferecido e, enquanto Antonino não pagar em euros, estará
em incumprimento.
Se Alexandre pagar a Bento esse valor em euros, Bruno não pode recusar licitamente o
recebimento desse dinheiro, alegando que quer o pagamento em dólares, porque, nesse
caso, cairá́ em mora do credor.

Princípio do nominalismo monetário


Significa que o que conta na entrega das espécies monetárias é o valor nominal das
mesmas, ou seja, o valor fixado legalmente em cada ou para cada espécie.

Exemplo: Num ano de deflação, 50 euros permitem adquirir mais bens do que os mesmos
50 euros num ano de inflação.

Entre o momento da constituição da obrigação monetária de quantidade e o momento do


seu cumprimento, o valor de troca da quantidade de moeda estipulada pode variar, mas o
devedor só tem que entregar ao credor a quantidade aferida pelo valor nominal da moeda
e o credor só pode exigir essa mesma quantidade.

A moeda além do valor nominal, facial ou extrínseco, corresponde à quantidade de bens


que pode adquirir (valor de troca interno) ou à quantidade em moeda estrangeira pela qual
pode ser trocada (valor de troca esterno).

FDUL 2020/2021 24
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

A lei resolve este problema, dando preferência ao valor nominal da moeda para efeitos
do cumprimento
CC: 550º ao prever que o cumprimento das obrigações pecuniárias se faz pelo valor
nominal da moeda no momento do cumprimento
É a consagração legal deste princípio.
Como consequência temos que uma obrigação pecuniária de longo prazo acarreta o risco
de desvalorização da moeda, com a inerente perda do seu poder de compra, e que esse
risco é suportado pelo credor, já que o devedor se libera com a simples entrega da quantia
monetária convencionada.

Este princípio comporta algumas exceções:


• As partes podem convencionar a atualização das prestações pecuniárias devidas,
o que se compreende e se pratica mais em contratos de execução duradoura.

Exemplo: Num contrato de empreitada de longo prazo, é frequente estipularem-se


cláusulas de revisão dos preços ou de atualização dos preços.

• A própria lei prevê, para certas situações, a atualização das prestações pecuniárias.

Exemplo: Atualização das rendas nos arrendamentos


Atualização da indemnização em renda vitalícia ou temporária.

CC: 551º
Determina que, «quando a lei permitir a actualização das prestações pecuniárias, por
virtude das flutuações do valor da moeda, atender-se-á, na falta de outro critério legal,
aos índices dos preços, de modo a restabelecer, entre a prestação e a quantidade de
mercadorias a que equivale, a relação existente na data em que a obrigação se constituiu».

Adopta-se preferencialmente o critério do índice de preços, para efeitos de actualização


das obrigações pecuniárias, quando esta é legalmente permitida.
No caso de actualização convencional das obrigações pecuniárias, caberá às partes fixar
o critério de actualização.

FDUL 2020/2021 25
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Obrigações em moeda específica

Situações em que a obrigação pecuniária é convencionalmente limitada a espécies


metálicas ou ao valor delas, afastando-se assim por via contratual a possibilidade do
pagamento em notas.

O legislador, apesar do já referido princípio do curso legal não excluiu a possibilidade de


as partes convencionarem que o cumprimento se fará em moeda específica (552º), o que
permite assegurar a validade destas clausulas, sempre que a lei não as proíba.

CC: 552º
As partes excluem, contratualmente e validamente, o pagamento em notas de banco, e
convencionam que o pagamento é:
• Limitado a espécies metálicas: obrigações pecuniárias especificas efetivas
CC: 553º Se for estipulado um quantitativo expresso em moeda corrente, considera-se
que a obrigação tem que ser efetuada na espécie monetária estipulada, desde que ela
exista, ainda que tenha variado de valor após a data em que a obrigação foi constituída

Exemplo: obrigação de pagamento em 200 moedas de 2 euros em prata.

• Limitado ao valor de espécies metálicas: obrigações pecuniárias específicas-valor


CC: 554º se for estipulado um quantitativo expresso em moeda corrente, a estipulação
do pagamento em moeda específica, é considerada apenas como pretendendo estabelecer
uma vinculação ao valor corrente que a moeda ou moedas do metal escolhido tinham à
data da estipulação.

Exemplo: obrigação de pagamento do valor em euros correspondente a 50 libras de ouro.

Apesar de raras as obrigações em moeda específica podem desempenhar a função de


defesa das partes contra a desvalorização da moeda. As moedas metálicas possuem além
do valor facial ou extrínseco, e do valor de troca, um valor intrínseco, correspondente ao
das ligas metálicas de que são compostas.
Assim, sempre que haja desvalorização do valor facial da moeda, o seu valor intrínseco
tem tendência a não ser modificado, o que permite que nas moedas metálicas o risco da
desvalorização seja menor do que nas notas de banco.

As moedas metálicas têm um valor:


• Extrínseco
Valor nominal respetivo inscrito oficialmente na respetiva espécie e, por isso, também se
chama valor facial.
• Intrínseco
Valor correspondente ao metal em que as moedas respetivas são cunhadas. Se esse metal
for valioso (ouro, prata, cobre) compreende-se que o credor se interesse pelo pagamento
em espécies metálicas.

Contudo, há que reconhecer o desuso das obrigações pecuniárias em moeda específica,


tendo em conta que na maior parte dos países, os metais utilizados para a produção de
moedas metálicas têm um valor mínimo ou insignificante.

FDUL 2020/2021 26
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Obrigações em Moeda Estrangeira ou Valutárias

Aquelas em que a prestação é estipulada em relação a espécies monetárias que têm


curso legal apenas no estrangeiro. Essa estipulação é comum, sempre que as partes
pretendam acautelar-se contra uma eventual desvalorização da moeda europeia ou
especular com a eventual subida de valor da moeda estrangeira.

Puras ou próprias
O pagamento deve ser realizado em certa moeda estrangeira, sem possibilidade de o
pagamento ser feito ou exigido noutra moeda.

Impuras ou impróprias
Quando a moeda estrangeira mais não seja do que a referência e a medida para o
cumprimento obrigatoriamente em moeda nacional.

Obrigações valutárias mistas


CC: 558º/1 As partes convencionam o pagamento em moeda estrangeira, podendo, no
entanto, o devedor pagar em moeda nacional, no valor correspondente, à data considerada
Esta possibilidade é, no entanto, restrita ao devedor, constituindo, por isso, uma obrigação
com faculdade alternativa, já que o credor apenas pode exigir o cumprimento na moeda
estipulada.

CC: 558º/2
Se o credor estiver em mora, porque recusou injustificadamente receber o pagamento ou
não praticou os atos de colaboração necessários ao pagamento pelo devedor, como prevê
o CC: 813º, o devedor pode pagar em moeda nacional, ao câmbio da data em que a mora
se deu.

Naturalmente, que o devedor vai considerar se, nessa data, o câmbio lhe é mais favorável
do que à data em que venha a concretizar-se o pagamento ou a sua liberação da dívida.

A lei não prevê o caso em que é o devedor a estar em mora, em atraso do cumprimento,
mas é claro que o devedor terá de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos, como
prevê o CC: 804º

Nota: faculdade alternativa do lado do devedor: o objeto da prestação é o pagamento de


uma quantia em dólares mas o devedor pode se quiser alterar o dever de prestar e passar
a pagar noutra moeda.

FDUL 2020/2021 27
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

Obrigação de juros

Correspondem a uma modalidade específica de obrigações, as quais se caracterizam


por corresponderem à remuneração da cedência ou do diferimento da entrega de coisas
fungíveis (capital) por um certo lapso de tempo.

Ou seja, obrigação de prestação de coisa fungível, que se considera corresponder ao


rendimento periódico de um dado capital alheio.

A obrigação de juros pressupõe assim uma obrigação de capital, sem a qual


não se pode constituir e tem o seu conteúdo e extensão delimitados em função do
tempo, sendo, por isso, uma prestação duradoura periódica. Por esse motivo, a lei
caracteriza os juros como frutos civis (212º/2) uma vez que são frutos das coisas
fungíveis, produzidos periodicamente em virtude de uma relação jurídica.

Tradicionalmente, o montante dos juros é calculado por aplicação de uma taxa anual ao
capital em dívida, vencendo-se os juros em períodos regulares e sucessivos. Assim, a
obrigação de juros é uma obrigação duradoura periódica e pressupõe sempre uma
obrigação de capital.

Do ponto de vista jurídico, os juros em si são frutos civis (CC: 212º/2) enquanto
produzidos periodicamente em virtude de uma relação jurídica atinente à disponibilidade
de um dado capital alheio.

Essa relação jurídica, neste caso, consiste na cedência das coisas fungíveis com obrigação
de restituição de outro do mesmo género ou no diferimento da sua entrega, sendo o juro
calculado em função do lapso de tempo correspondente à utilização do capital. Os juros
representam assim uma prestação devida como consequência ou indemnização pela
privação temporária de uma quantidade de coisas fungíveis denominada capital e pelo
risco de reembolso desta.

A obrigação de juros aparece como uma obrigação que se constitui tendo como referência
uma outra obrigação e constitui economicamente um rendimento desse mesmo capital.
CC: 561º
A obrigação de juros pressupõe sempre uma obrigação de capital, mas estas
continuam a ser obrigações distintas: desde o momento em que se constitui, o crédito de
juros adquire autonomia em relação ao crédito de capital, pelo que a lei admite que
qualquer deles possa ser cedido ou possa extinguir-se independentemente do outro.
Exemplo: António é credor de Berta por dada quantia que vence juros. Nada impede que
António aceite o pagamento do capital, o que extingue o seu crédito de capital, ainda que
não receba logo o pagamento do seu crédito a juros.

Juros legais
Resultam diretamente da lei, como por exemplo, o CC: 806º

Juros convencionais
São aqueles em que a sua taxa ou quantitativo é estipulado pelas partes.

A lei coloca limites à liberdade de estipulação das partes nesta sede:

FDUL 2020/2021 28
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

CC: 1146º A qualificação como usuários de quaisquer juros anuais que excedam os juros
legais acima de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real, sendo esta regra
estendível a todas as obrigações de juros (CC: 559º-A).
As partes estão impedidas de estipular juros que ultrapassem esses limites e, caso o façam,
a lei determina, em derrogação ao 292º, a fixação dos juros nesses montantes máximos,
ainda que tivesse sido outra a vontade das contraentes.

Em suma...
CC: 559º/1
Pode acontecer que as partes convencionem que uma dada obrigação de capital vença
juros, mas não estipulem a taxa de juros ou o quantitativo devido. Neste caso, a taxa de
juro legal será a fixada por lei – taxa de juro legal – tal como sucede com os juros legais.
A estipulação pelas partes de uma taxa de juro inferior à legal não carece, por si mesma,
de ser reduzida a escrito.

CC: 559º-A remete para 1146º


A estipulação de uma taxa de juros superior à taxa legal ou de um quantitativo superior
ao que resultaria de aplicação da taxa legal, tem limites, previstos no artigo 1146º.

CC: 1146º/1
Se nenhuma garantia real tiver sido constituída, a lei considera que deve haver a
possibilidade de fixar uma taxa de juro um pouco superior, uma vez que o risco que o
credor corre (do devedor não cumprir) é maior.

Outras distinções:

Juros remuneratórios
CC: 1145º/1
Têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao preço do empréstimo do dinheiro.
O credor priva-se do capital por tê-lo cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo
uma remuneração por essa cedência.

Juros compensatórios
CC: 480º + 1167º
Destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária
privação de capital, que ele não deveria ter suportado.

Juros moratórios
CC: 806º
Têm natureza indemnizatória de danos causados pela mora, visando recompensar o
credor pelos prejuízos sofridos em função da mora.

Juros indemnizatórios
Destinam-se a indemnizar os danos sofridos por outro facto praticado pelo devedor
(maxime, o incumprimento da obrigação).

Uma das regras importantes relativas à obrigação de juros é a proibição do anatocismo,


ou seja, da cobrança de juros sobre juros, uma vez que essa cobrança poderia ser forma
de indiretamente violar a proibição da cobrança de juros usuários.

FDUL 2020/2021 29
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

CC: 560º
Trata do chamado vencimento de juros pelos próprios juros. A regra é a de que uma tal
estipulação é proibida e, como tal, se for feita, será́ nula.
Exceções:
• Se houver convenção das partes posterior ao vencimento;
• Se for efetuada uma notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros
vencidos ou proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização.

CC: 560º/1
A lei consagra a regra que o juro não vence o juro, a menos que haja convenção posterior
ao vencimento, ou seja efetuada uma notificação judicial ao devedor para capitalizar os
juros ou proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização.

CC: 560º/2
Só nesses dois casos há lugar à capitalização de juros e só podem ser capitalizados os
juros correspondentes a um período mínimo de um ano.

CC: 560º/3
A lei determina ainda que não são aplicáveis estas restrições, se forem contrárias a regras
ou usos particulares do comércio.

FDUL 2020/2021 30
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Modalidades de Obrigações em Função dos Sujeitos

Obrigações de sujeitos determinados Obrigações de sujeitos indeterminados

Os sujeitos da obrigação não foram


Os sujeitos da obrigação foram
determinados no momento da constituição da
determinados no momento da constituição
obrigação, mas podem vir a ser determinados
da obrigação.
em momento posterior.

A indeterminação do credor na relação obrigacional

Normalmente, quando a obrigação se constitui, os seus sujeitos estão determinados.

CC: 511º Estipula que a pessoa do credor pode não ficar determinada no momento da
constituição da obrigação, mas deve ser determinável em momento posterior, sob pena
de nulidade do negócio jurídico.

Têm sido apontadas duas razões/situações para que o credor não fique logo determinado:

• A identificação do credor estar dependente de um facto futuro e incerto.


Exemplo: Alberto promete pagar 500 euros a quem lhe dar conta do paradeiro do seu cão.
Este é um caso de promessa pública CC: 459º

• O credor ter uma ligação indireta ou mediata com a obrigação, só podendo ser
determinado através da sua qualidade de sujeito de uma relação de outra
natureza.
Exemplo: No caso de um título de crédito ao portador, como um bilhete de cinema, o
devedor está logo determinado, é a entidade que explora o cinema, mas o credor só ficará
determinado pela posse do título. O credor da prestação do espetáculo do cinema será a
pessoa que, na posse do bilhete de cinema, se apresentar no cinema para assistir ao filme.

Em ambos os casos, aquando da constituição da obrigação, não se sabe quem virá a ser o
seu credor da obrigação, embora este seja determinável. Atenta a relevância desta
circunstância no regime da relação obrigacional, justifica-se reconhecer as obrigações de
credor indeterminado como categoria autónoma.

E o sujeito passivo, o devedor, tem de estar logo determinado no momento da


constituição da obrigação?

Há quem defenda que sim, visto que não há nenhuma norma na lei que, à semelhança do
artigo 511º, preveja que o devedor pode não estar determinado nesse momento, ainda que
tenha de ser determinado depois.

Contudo, Menezes Cordeiro discute se a pessoa do devedor não pode estar indeterminada
no momento da constituição da obrigação, baseando-se em disposições legais das quais
decorre essa possibilidade.
Exemplo: CC: 498º/1 prevê a prescrição do direito de indemnização do lesado no prazo
de três anos a contar do conhecimento desse mesmo direito e mesmo que desconheça a
pessoa do responsável, o que pode resultar de este não ser logo conhecido quando o dano
se verificou e, nem mesmo, entretanto, ter sido identificado pelo lesado.

FDUL 2020/2021 31
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Pluralidade das partes

Há um sujeito em cada lado da obrigação, ou seja, um credor


Obrigações singulares
e um devedor, que é o caso mais comum.

Há mais do que um sujeito num lado da obrigação ou nos dois


lados da obrigação.
Podem ser:
• Obrigações conjuntas ou parciárias

Obrigações plurais • Obrigações solidárias


Pressupõe a divisibilidade do objeto, ou seja, ele pode ser
fracionado sem prejuízo do interesse do credor.

• Obrigações plurais indivisíveis


Em que o objeto não é divisível.

Este critério reside no número de sujeitos que participa na relação obrigacional.

CC: 397º A obrigação é o vínculo jurídico pelo qual uma pessoa fica adstrita para com
outra à realização de uma prestação

Obrigação singular C→D


Exemplo: A compromete-se a entregar a B 900$

Mas a obrigação pode constituir-se abrangendo:

Uma vinculação de várias pessoas para com outra


Pluralidade passiva DDD→C
Exemplo: A, B e C obrigam-se perante D a entregar 900$

Uma vinculação de uma pessoa para com outras


Pluralidade ativa D→CCC
Exemplo: A obriga-se simultaneamente perante D, E e F a entregar 900$

Em todas estas situações o objeto da obrigação pode ser o mesmo, mas varia o número
de pessoas que se vincula a esse comportamento ou que tem o direito de o exigir.

FDUL 2020/2021 32
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

Modalidades de obrigações plurais de objeto divisível: conjuntas/parciárias,


solidárias (passivas, ativas)

Obrigações Conjuntas ou Parciárias

Nesta modalidade de obrigações, cada um dos devedores só está vinculado a prestar


ao credor ou credores a sua parte na prestação e cada um dos credores só pode exigir
do devedor ou devedores a parte que lhe cabe. A prestação é assim realizada por partes,
prestando cada um dos devedores a parte a que se vinculou e não recebendo cada um
dos credores mais do que aquilo que lhe compete.

Pluralidade de credores: cabe a cada sujeito uma parte do crédito, nunca um credor
podendo exigir mais do que a sua parte.

Pluralidade de devedores: cabe a cada sujeito uma parte do débito comum, nunca um
devedor tendo que cumprir mais do que a sua parte.

No caso de haver pluralidade só de credores ou só de devedores, a essa pluralidade


corresponde um número de vínculos igual.
2 credores 1 devedor

A pluralidade é de 2, porque há 2 credores, e o


número de vínculos é 2 também.

Se houver pluralidade ativa e passiva (de credores e de devedores), o número de vínculos


é superior a essa pluralidade: haverá tantos vínculos quantos os que resultem da soma dos
que se possam estabelecer entre cada credor e cada devedor.

2 credores 2 devedor
A pluralidade é de 2, porque há 2 credores e 2
devedores, e o número de vínculos é de 4. O Prof.
Almeida e Costa diz que o número de vínculos se
obtém pela multiplicação do número de credores
pelo número de devedores (2x2=4).

No caso de haver pluralidade de credores e de devedores, a cada um dos vínculos


corresponde uma fração ou parte de cada credor ou de cada devedor na obrigação e, nesse
caso, em cada um desses vínculos, o credor não pode exigir mais nem o devedor tem de
cumprir mais do que a fração da parte da prestação que globalmente caiba a cada credor
e a cada devedor.

Exemplo: António Bento e Carlos devem 900 euros a David. O credor David só pode
exigir 300 euros a cada um dos devedores e cada um destes só está vinculado a pagar
aquele valor e nada mais.

FDUL 2020/2021 33
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

CC: 534º As partes dos credores no crédito comum ou dos devedores no débito comum
presumem-se iguais, quando outra proporção não resultar especificamente da lei ou do
negócio jurídico.

CC: 513º Em regra, as obrigações plurais divisíveis são conjuntas ou parciárias, visto
que, segundo este preceito, só haverá solidariedade quando a lei especificamente a
estabeleça ou as partes a hajam convencionado.

Exemplos: A cada sujeito cabe uma parte idêntica à dos outros na relação obrigacional:

A, B e C obrigam-se a entregar a D 900$, D apenas pode exigir a A que lhe entregue


300$, e não a totalidade da prestação.

A obrigou-se perante D, E e F a entregar 900$, D poderá exigir de A a sua parte no crédito


300$.

A, B e C comprometem-se a entregar simultaneamente perante D, E e F 900$, D poderá


exigir de A apenas 100$, ou seja, a parte que A lhe deve, já não pode exigir de A, nem o
que os outros devedores lhe devem, nem o que A deve aos outros credores. Explicando
melhor: D, E e F, tem o direito a receber 300$ cada um, sendo que A, B e C estão
obrigados a entregar 100$ em cada série de 300$.

FDUL 2020/2021 34
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

Obrigações solidárias

Qualquer uma das partes, credores e devedores, se obriga a realizar ou a exigir a prestação
integral.

Dividem-se em solidariedade passiva, ativa ou mista, contudo tem característica comuns:


• Identidade da prestação em relação a todos os sujeitos da obrigação.
• Extensão integral do dever de prestar ou do direito à prestação em relação
respetivamente a todos os devedores ou credores.
• Efeito extintivo comum da obrigação caso se verifique a realização do
cumprimento por um ou apenas a um deles.
• CC: 516º presume-se que as partes são iguais na dívida ou no crédito, salvo
quando da relação jurídica existente entre os sujeitos, resulte que são diferentes
as suas partes ou que só um deles está obrigado.

Perante um caso de pluralidade de sujeitos na relação obrigacional, deveremos aplicar o


regime da solidariedade ou o da conjunção?
CC: 513º A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da
vontade das partes. A regra é portanto a da conjunção.

Casos em que a lei manda aplicar o regime da solidariedade passiva:


CC: 467º Haver pluralidade de gestores
CC: 497º + 507º Pluralidade de responsáveis pelo dano
CC: 649º Pluralidade de fiadores
CC: 1139º Pluralidade de comodatários
CC: 1169º Pluralidade demandantes
Quanto à solidariedade ativa são praticamente inexistentes os casos que a lei consagra.

Nestas obrigações podem-se considerar:


• Relações externas: entre os credores e os devedores.
• Relações internas: entre os próprios credores ou os próprios devedores.

Solidariedade passiva

Qualquer um dos devedores está obrigado perante o credor a realizar a prestação


integral. A realização da prestação integral por um dos devedores libera todos os outros
devedores em relação ao credor (512º), adquirindo depois aquele devedor um direito
de regresso sobre os outros devedores para exigir a parte que lhes compete na
obrigação (524º).

Exemplo: A, B e C obrigam-se a entregar a D 900$, D poderá exigir de A não apenas a


sua parte (300$) mas a totalidade, podendo depois A exigir de B e C que lhe entreguem
cada um 300$.

A solidariedade passiva tem diversas consequências em termos de regime, as quais podem


ser separadamente analisadas no âmbito das relações:
• Entre o credor e os diversos devedores (relações externas)
• Diversos devedores entre si (relações internas)

FDUL 2020/2021 35
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

Regime nas relações externas

No âmbito das relações externas, em relação ao credor, a solidariedade caracteriza-se por


uma maior eficácia do seu direito, que se pode exercer integralmente contra qualquer um
dos devedores CC: 512º/ 1 + 519º/1, não podendo estes, uma vez demandados pela
totalidade da dívida, vir invocar o beneficio da divisão CC: 518º, tendo assim que
satisfazer a prestação integral.

CC: 519º/1
Essa maior eficácia não se traduz na possibilidade de o credor repetir sucessivamente a
pretensão perante os vários devedores, uma vez que a exigência da totalidade ou da parte
da prestação a um dos devedores impede o credor de exercer nessa parte o seu direito
contra os restantes, exceto se houver razão atendível, como a insolvência ou o risco de
insolvência do demandado.

CC: 519º/2
Se um dos devedores opõe eficazmente ao credor um meio de defesa pessoal, continua
ele a poder reclamar dos outros a prestação integral.

CC: 517º
O credor pode, no entanto, optar por demandar conjuntamente todos os devedores, caso
em que renuncia à solidariedade.

CC: 527º
É ainda admitida a possibilidade de o credor renunciar à solidariedade apenas a favor de
algum dos devedores, caso em que conserva o direito à prestação por inteiro sobre os
restantes.

CC: 523º
Em relação aos devedores, a solidariedade caracteriza-se pelo facto de a satisfação do
direito do credor, por cumprimento, novação, consignação em depósito ou compensação,
mesmo que desencadeada apenas por um dos devedores, exonerar igualmente os
restantes.

CC: 790º
Outras causas de extinção da obrigação, que incidirem sobre a totalidade da dívida, como
a impossibilidade objctiva da prestação sobre a totalidade da dívida, como a
impossibilidade objectiva da prestação exoneram naturalmente todos os devedores.

Se a dívida se extinguir apenas em relação a um dos devedores, como sucede na remissão


concedida a apenas um dos obrigados CC: 864º/1, ou na confusão com a dívida deste
CC: 869º/1, dá-se uma extinção parcial da obrigação limitada à parte daquele devedor.

CC: 520º
Se a prestação vier a ser não cumprida por facto imputável a um dos devedores, todos
eles são responsáveis pelo seu valor, mas só o devedor ou os devedores a quem o facto é
imputável respondem pelos danos acima desse valor.

Exemplo: Bento, Carlos e Daniela (devedores solidários) obrigam-se a entregar a António


5 mil litros de vinho da Madeira, já pagos, sendo certo que estes eram os últimos litros
que havia. Porém, Bento teve um acidente enquanto realizava o respetivo transporte, por
culpa sua, tornando-se a prestação de entrega daquele vinho objetivamente impossível,

FDUL 2020/2021 36
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

por facto imputável a Bento. Bento, Carlos e Daniela pagam solidariamente o valor da
prestação, mas Bento responde pelos demais danos que António possa ter sofrido e que
excedam o valor da prestação. Também pode acontecer que a dívida se extinga apenas
em relação a um dos devedores. Ou seja, verifica-se uma extinção parcial da obrigação,
visto que os demais devedores solidários ficam exonerados em relação à parte do débito
comum que cabia ao devedor exonerado.

CC: 514º
Em relação aos meios de defesa, o devedor, uma vez demandado pode opor ao credor os
meios de defesa que lhe são próprios e os que são comuns aos outros devedores, mas não
pode utilizar meios de defesa dos outros devedores.

Regime nas relações internas

CC: 516º + 524º


Se o devedor que realizou a prestação integral for aquele que devesse suportar o encargo
da dívida, então, este não terá direito de regresso sobre os demais devedores solidários.
Contudo, se um dos devedores solidários realizou a prestação integral, então, esse só terá
direito de regresso pleno sobre aquele que devia suportar o encargo da dívida.

CC: 524º
Nas relações entre os devedores, a solidariedade caracteriza-se pelo facto de o devedor
que satisfizer a prestação acima da parte que lhe competir adquirir um direito de regresso
sobre os outros devedores, pela parte que a estes compete.
O direito do regresso do devedor que realizou a prestação é limitado à parte de cada um
dos outros devedores na obrigação comum, não se estendendo, o regime da solidariedade
às relações internas.

CC: 526º/1
No entanto, o devedor que pagou não suporta integralmente o risco de insolvência ou de
impossibilidade subjetiva de cumprimento de cada um dos devedores, já que a lei prevê
que nesses casos a quota-parte do devedor que não cumpra é dividida pelos restantes,
incluindo o credor de regresso e os devedores que pelo credor hajam sido exonerados da
obrigação ou do vínculo de solidariedade.

CC: 526º/2
Esse benefício de repartição deixa de aproveitar ao credor de regresso, se foi por
negligência sua que não lhe foi possível cobrar a parte do seu condevedor na obrigação
solidária.

CC: 525º
Nº1 Os meios de defesa que cada um dos condevedores possuía em relação ao
cumprimento da obrigação, quer sejam comuns, quer pessoais do demandado, podem ser
igualmente opostos ao credor de regresso, Nº2 a menos que não tivesse sido
oportunamente utilizado por culpa desse devedor.

CC: 521º
Nº1 Especificamente quanto à prescrição, esta não é oponível ao credor de regresso se,
por não ter ela ainda decorrido em relação a ele, este vier a ser obrigado a cumprir a
obrigação, apesar de prescritas as obrigações dos outros condevedores, Nº2 mas já lhe
será oponível se o cumprimento da obrigação se verificou apenas em virtude de ele não
ter invocado a prescrição.

FDUL 2020/2021 37
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

Solidariedade ativa

Qualquer um dos credores poder exigir do devedor a prestação integral.


A realização integral da prestação por dos credores libera o devedor no confronto com
todos os credores (CC: 512º), embora o credor que recebeu mais do que lhe compete
esteja obrigado a satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum (CC: 533º).

Exemplo: A obrigou-se perante D, E e F a entregar 900€, D poderá exigir de A não apenas


a sua parte mas a totalidade, ficando depois obrigado a entregar 300€ a E e 300 a F.

A solidariedade ativa tem diversas consequências em termos de regime, as quais podem


ser separadamente analisadas no âmbito das relações:
• Entre o credor e os diversos devedores (relações externas)
• Diversos devedores entre si (relações internas)

Regime nas relações externas

CC: 512º/1, 2ª parte


Qualquer um dos credores pode exigir do devedor a realização da prestação integral,
liberando-o também perante os restantes credores.

CC: 528º/1
O devedor pode, aliás, escolher o credor solidário a quem realiza a prestação, enquanto
não tiver sido judicialmente citado por um credor cujo crédito se encontre vencido.

CC: 528º/2
Neste último caso, deve realizar a prestação integral a esse credor, excepto se a
solidariedade ativa tiver sido estabelecida em seu favor.

CC: 517º
Os credores solidários podem optar por demandar conjuntamente o devedor, podendo este
igualmente demandar conjuntamente os seus credores.

CC: 532º
Se o devedor a quem um dos credores se dirigiu cumprir a prestação integralmente, a
obrigação extingue-se perante todos os credores e o devedor fica exonerado da dívida.
Além do cumprimento, a extinção da obrigação e a exoneração do devedor também
acontece se ocorrer qualquer uma das causas previstas no CC: 837º

Também pode acontecer que a dívida se extinga apenas em relação a um dos credores.
Ou seja, verifica-se uma extinção parcial da obrigação, visto que os demais devedores
solidários ficam exonerados em relação à parte do débito comum que cabia ao devedor
exonerado.

Exemplos:
CC: 863º/1 caso de remissão (perdão de dívida) concedida por um dos credores ao
devedor.
CC: 864º/3 há uma exceção, neste caso: um dos credores exonera um devedor perante os
restantes credores, mas apenas na parte que respeita ao credor remitente, portanto, os
restantes credores solidários podem exigir a sua parte do crédito.
CC: 868º e 869º/2 caso de confusão atinente a um credor solidário e ao devedor.

FDUL 2020/2021 38
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

CC: 790º
A obrigação também se extingue e o devedor é exonerado perante todos os credores, por
se ter tornado objetivamente impossível o cumprimento, não sendo a impossibilidade
imputável ao devedor.

CC: 529º/1
Se essa impossibilidade for imputável ao devedor, a solidariedade mantém-se quanto ao
crédito de indemnização.

CC: 529º/2
Se essa impossibilidade for imputável a um dos credores solidários, o devedor fica
exonerado, mas aquele credor terá de indemnizar os demais credores.

CC: 514º/1
O devedor, uma vez demandado por um dos credores, poderá opor a este quer os meios
pessoais de defesa, quer os meios de defesa comuns, isto é, que possa invocar contra todos
os credores.

CC: 514º/2
Contudo, não pode invocar meios de defesa que respeitem apenas a algum outro credor.

Regime nas relações internas

CC: 533º
Nas relações entre os credores, a solidariedade ativa caracteriza-se pelo facto de o credor
cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia na relação ter a obrigação de
satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum.
Existe assim como que um direito de regresso activo dos outros credores sobre o credor
que recebeu a prestação.

CC: 516º
Em princípio, a lei presume que são iguais as partes dos credores na obrigação solidária,
pelo que a obrigação de regresso será cumprida em partes iguais. Pode, porém, acontecer
que os credores sejam titulares em termos diferentes, caso em que o regresso tomará em
linha de conta essa diferente repartição, ou que só um dos credores tenha o benefício do
crédito. Neste último caso, apena se esse credor poderá exercer o direito de regresso, o
qual será pela totalidade, se a prestação for realizada a outro credor, ou será excluído, se
a prestação lhe for realizada a ele próprio.

Solidariedade mista

Qualquer um dos credores pode exigir a qualquer um dos devedores a realização da


prestação integral, liberando os demais devedores perante todos os credores.
Contudo, o devedor que cumpriu integralmente a prestação, tem o direito de regresso
sobre os outros devedores, podendo exigir destes a parte que a cada um competia no
débito comum. E o credor que recebeu a prestação integral, obrigado a entregar aos
restantes credores a parte que lhes competia no débito comum.

Exemplo: Ana, Bruna e Carla obrigam-se a pagar 900 euros a Daniela, Ema e Filipa. A
Bruna pagou os 900 euros a Filipa. Agora, a Bruna pode exigir 300 euros à Bruna e 300
euros à Carla, e a Flipa tem de entregar 300 euros à Daniela e 300 euros à Ema.

FDUL 2020/2021 39
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

Obrigações plurais de objeto indivisível

A referência que fizemos às obrigações conjuntas pressupunha a divisibilidade da


prestação, já que, se a prestação fosse indivisível, não seria possível exigir apenas uma
parte a um dos devedores, sem prejuízo para o interesse do credor. Haverá, portanto, que
averiguar o que sucede quando a prestação é indivisível, o que nos remete para o exame
de categoria das obrigações plurais indivisíveis.

Pluralidade de devedores

CC: 535º/1
Sendo vários devedores, o credor só de todos pode exigir a realização da prestação, salvo
se tiver sido estipulada a solidariedade ou esta resultar da lei.

Exemplo: Alda e Bela estão vinculadas a entregar a César um automóvel, tendo este que
fazer a exigência da entrega do automóvel a ambas as devedoras. Porém, se a
solidariedade tiver sido estabelecida por lei ou pelas partes, César pode exigir a entrega
do automóvel a Alda ou a Bela.

CC: 536º
Se a obrigação indivisível se extinguir apenas em relação a algum dos devedores, o credor
pode exigir a prestação dos restantes devedores, desde que lhes entregue o valor da parte
que caberia ao devedor exonerado.

CC: 537º
Se a impossibilidade objetiva for imputável a algum devedor, os outros devedores ficam
exonerados, e a esse cabe-lhe indemnizar o credor.
Se a impossibilidade objetiva não for imputável a nenhum devedor, a obrigação extingue-
se e todos os devedores ficam desonerados.

O regime compreende-se, uma vez que se apenas um dos devedores impossibilita a


prestação (destrói culposamente o automóvel), só ele deverá ser sujeito à indemnização
por impossibilidade culposa CC: 801º/ 1
Em relação aos outros, a impossibilidade deriva de uma causa que lhes não é imputável,
pelo que deverão ver extinta a sua obrigação CC: 790º

Exemplo: Ana, Bela e Carla devem entregar a Dinis um cavalo de raça. Ana, por engano,
ao alimentar o cavalo, confundiu uma caixa de ração com uma caixa de veneno, matando
o cavalo. Ana responderá perante o credor Dinis, enquanto que Bela e Carla ficam
exoneradas, não lhes cabendo nenhuma responsabilidade.

Pluralidade de credores

CC: 538º
Qualquer um dos credores pode exigir a realização da prestação. Contudo, enquanto o
devedor não houver sido judicialmente citado em ação intentada por um dos credores que
lhe exija o cumprimento, o devedor, para se exonerar, terá de cumprir sempre a todos os
credores.

FDUL 2020/2021 40
Sofia Cunha | Direito das Obrigações I

Se tal citação ocorrer, então, o devedor ao realizar a prestação ao credor demandante,


exonera-se.

A extinção da obrigação em relação a algum dos credores também pode ocorrer.

A lei não contempla uma solução legal para estas situações, mas parece que a solução
certa será a que se prevê expressamente para:
• Remissão CC: 865º/2 um dos credores remitiu a dívida ao devedor
• Confusão CC: 870º/2 deu-se a confusão entre o credor e o devedor

Por analogia com o 536º, a solução geral deve ser: os restantes credores só podem exigir
a prestação do devedor se lhe entregarem o valor da parte que cabia ao credor
relativamente ao qual a obrigação se extinguiu.

Outras modalidades de obrigações plurais:

Obrigações correais

Caracterizar-se-iam por, embora havendo uma pluralidade de devedores ou de credores,


quer a obrigação quer o direito de crédito se apresentarem como unos, pelo que, ao
contrário do que sucede nas obrigações plurais acima referidas, o crédito não se pode
extinguir apenas em relação a um dos devedores, ou a um dos credores, extinguindo-se
antes globalmente sempre que corra uma circunstância extintiva que afecte um dos
sujeitos da obrigação.

Obrigações disjuntivas

Correspondem a obrigações de sujeito alternativo, ou seja, em que existe uma pluralidade


devedores ou credores, mas apenas um virá, por escolha, a ser designado sujeito da
relação obrigacional. Ao contrário do que sucede nas obrigações alternativas, a escolha
não se coloca neste caso em relação a várias prestações, mas em relação aos sujeitos da
obrigação, vindo posteriormente um de entre vários, a ser designado como devedor ou
credor.

Obrigações em mão comum

Correspondem a situações, em que apesar de ocorrer uma pluralidade de partes na relação


obrigacional, essa pluralidade resulta da pertença da obrigação a um património de mão
comum, autonomizado do restante património das partes, o que leva a que o vínculo se
estabeleça de uma forma colectiva, onerando o conjunto de devedores com o dever de
prestar ou o conjunto de credores com o direito à prestação. Estará neste caso a situação
da herança indivisa (2097º) e da comunhão conjugal de bens (1695º).

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