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Direito penal do inimigo


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Alexandre Rocha Almeida de Moraes

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Tomo Direito Penal, Edição 1, Agosto de 2020


Direito Penal do inimigo pode ser interpretado como constatação de um tempo social ou como a concepção
teórica idealizada por Günther Jakobs após os atentados terroristas ocorridos, sobretudo, no Ocidente. A
denominada de “terceira velocidade” do Direito Penal distingue-se, profundamente, do modelo de inspiração
clássico-iluminista, por se tratar de política penal e processual penal mais prospectiva, voltada ao combate
indivíduos perigosos que atuam como se não aceitassem as regras do contrato social. Por tais razões, essa
política demanda, necessariamente, a flexibilização de garantias, novos métodos de investigação e obtenção de
provas, além de novas regras penais, como a criminalização em estágio prévio.


1. Conceito


1.1. Suporte teórico e filosófico


1.2. As diferentes visões de Jakobs


2. Velocidades do direito penal


2.1. Características


2.2. Pessoa versus inimigo


2.3. Críticas

1. Conceito
O “Direito Penal do Inimigo” representa uma guerra cujo caráter limitado ou total depende também de quanto
se tema o inimigo.1 

Trata-se de um modelo de política criminal que, logicamente, inspira uma dogmática penal e processual penal
de combate do ordenamento jurídico contra indivíduos especialmente perigosos, como se o Estado não falasse
com cidadãos que eventualmente violaram a lei, mas ameaçasse seus inimigos.2 
Nas palavras de Jakobs, “sem uma segurança cognitiva, a vigência da norma se esboroa e se converte numa
promessa vazia, na medida em que já não oferece uma configuração social realmente suscetível de ser
vivida”,3 razão pela qual, segundo ele, seria possível conceber um tipo de política criminal diversa do modelo
garantista sob a ótica do réu e que ele denomina de “Direito Penal de cidadãos”.

A projeção dessa assertiva para o século XXI demonstra que discutir a legitimidade de um Direito Penal
preocupado com o combate da criminalidade, agora acentuada pelas organizações criminosas transnacionais,
pelos crimes hediondos ou equiparados, pelas novas espécies de terrorismo, pela necessidade de proteção
jurídico-penal de bens transindividuais e pela criminalidade econômico-financeira têm uma razão de ser: não
se tratava de temas e preocupações do denominado direito penal clássico de inspiração iluminista.

Com um tom inicialmente crítico e posteriormente conciliador (possivelmente diante da inevitabilidade da


expansão legislativa e das novas formas de criminalidade), Jakobs defende que o Estado pode proceder de dois
modos contra os delinquentes: pode vê-los como pessoas que delinquem e devem ser punidas simplesmente
pelos atos pretéritos, ou como indivíduos que apresentam perigo para o próprio Estado e, pois, devem ser
enfrentados como focos futuros de perigo.

Daí surgirem dois modelos diversos de Direito: um, no qual todas as garantias penais e processuais devem ser
respeitadas; outro, no qual se revela o ‘Direito Penal do Inimigo’. 

O Direito penal do cidadão seria um Direito Penal de todos; o Direito Penal do Inimigo é voltado para aqueles
que atentam permanentemente contra o Estado, contra a sociedade e contra o pacto social: “cidadão é quem,
mesmo depois do crime, oferece garantias de que se conduzirá como pessoa que atua com fidelidade ao
Direito. Inimigo é quem não oferece essa garantia”.4 

Na concepção de Jakobs, 

“O não-alinhado é um indivíduo que, não apenas de maneira incidental, em seu comportamento (criminoso
grave) ou em sua ocupação profissional (criminosa e grave) ou, principalmente, por meio de vinculação a uma
organização (criminosa), vale dizer, em qualquer caso de forma presumivelmente permanente, abandonou o
Direito e, por conseguinte, não garante o mínimo de segurança cognitiva do comportamento pessoal e o
manifesta por meio de sua conduta”.5  

Para a definição do autor como “inimigo”, Silva Sánchez enfatiza que  como o inimigo é um indivíduo que,
mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente, mediante sua vinculação a uma
organização, abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental, a
ausência da mínima segurança cognitiva em sua conduta tornaria plausível que o modo de afrontá-lo fosse com
o emprego de meios de asseguramento cognitivo desprovidos da natureza de penas.6 
1.1. Suporte teórico e filosófico
Jakobs constrói a teoria, afirmando que no direito natural de argumentação contratual estrita, na realidade, todo
delinquente é um inimigo, respaldado, filosoficamente nas ideias de Rosseau e Fichte. Para manter um
destinatário das expectativas normativas, entretanto, é preferível manter, por princípio, o status de cidadão para
aqueles que não se desviam, utilizando, como arrimo, as ideias de Hobbes e Kant.7 

O inimigo, ao infringir o contrato social, deixa de ser membro do Estado, está em guerra contra ele (Rousseau),
ou seja, quem abandona o contrato do cidadão perde todos os seus direitos (Fichte). Ademais, em casos de alta
traição contra o Estado, o criminoso não deve ser castigado como súdito, senão como inimigo (Hobbes), ou
ainda, quem ameaça constantemente a sociedade e o Estado, quem não aceita o ‘Estado comunitário-legal’,
deve ser tratado como inimigo (Kant).8  

Jakobs introduz as concepções de Rosseau e Fichte, mas acentua que não as endossa, por entender que a
separação radical entre o cidadão e seu direito, por um lado, e o injusto do inimigo, por outro, é
demasiadamente abstrata: 

“Um ordenamento jurídico deve manter dentro do Direito também o criminoso, e isso por uma dupla razão:
por um lado, o delinquente tem direito a voltar a ajustar-se com a sociedade, e para isso deve manter
seu status de pessoa, de cidadão, em todo caso: sua situação dentro do Direito. Por outro, o delinquente tem o
dever de proceder à reparação e também os deveres têm como pressuposto a existência de personalidade, dito
de outro modo, o delinquente não pode despedir-se arbitrariamente da sociedade através de seu ato”.9 

1.2. As diferentes visões de Jakobs


Em 1985, adotando, intencionalmente, a terminologia que facilmente seria hostilizada pela carga pejorativa
que carrega, Jakobs pretendia demonstrar que a legislação penal alemã já estava contaminada por caracteres
que ele definia como um modelo de Direito Penal completamente diferente dos paradigmas do modelo liberal-
clássico. 

Em 1999, com a institucionalização e aparente legitimação desses novos parâmetros tanto na legislação penal
quanto processual penal de toda a Europa, ao invés de simplesmente legitimá-los e adotá-los, Jakobs parece
concluir que o retrocesso aos paradigmas exclusivamente clássicos seria impossível, razão peal qual, em tom
crítico,  advertiu para a necessidade de se delimitar e diferenciar os diferentes modelos de Direito Penal, de
forma a evitar a completa contaminação do modelo de inspiração iluminista.10 

Em outras palavras, as duas leituras iniciais – a primeira tomada simplesmente de forma crítica e a segunda de
forma inevitável com a sugestão de delimitação dos modelos, representam muito mais constatações dos novos
tempos sociais – pós-modernidade, transformações sociais e novas formas de criminalidade para um modelo de
dogmática que se aparentava anacrônico, do que propriamente uma construção teórica.
A teoria ou construção, a partir de postulados filosóficos, somente ocorreu após os atentados terroristas, em
especial do 11 de setembro em Nova Iorque, eis que a adoção de políticas muito rigoristas para “inimigos”
passou a ganhar respaldo e suporte da população que passou a testemunhar e presenciar os efeitos devastadores
gerados por essas novas formas de criminalidade e, por consequência, uma aguda e incontrolável sensação
subjetiva de insegurança.

2. Velocidades do direito penal


Com base na crítica, constatação e posterior construção teórica de Jakobs, Silva Sánchez apresenta
formalmente uma classificação que passou a ser objeto de grandes debates por parte da doutrina nacional e
internacional: ‘as velocidades do Direito Penal’.

A primeira, pautada no modelo liberal-clássico, traduz a ideia de um Direito Penal da prisão por excelência,
com manutenção rígida dos princípios político-criminais iluministas, ou seja, todas as garantias penais e
processuais penais sob a ótica garantista negativa (legalidade estrita, taxatividade, ofensividade, contraditório,
devido processo legal, ampla defesa, favor rei etc).

A segunda velocidade contempla a flexibilização proporcional de algumas garantias penais e processuais,


conjugada com a adoção de penas não privativas de liberdade - pecuniárias ou restritivas de direitos: pautada
pela oralidade, celeridade, informalidade e justiça negociada, adota-se um modelo de processo abreviado e
mais eficiente, mitigando-se rituais e garantias clássicas (transação penal, suspensão condicional do processo,
colaboração premiada, direito de intervenção, mera-ordenação social, não persecução, enfim, a política de
barganha em sentido amplo).

 Já a terceira velocidade, representaria um Direito Penal da pena de prisão concorrendo com uma ampla
relativização de garantias político-criminais, regras de imputação e critérios processuais, que constituem o
modelo de ‘Direito Penal do Inimigo’, constatado e idealizado por Jakobs.11 

Esta classificação de Silva Sánchez, ainda que possa pecar por generalizações ou pela imposição de rótulos a
sistemas não exatamente similares, apresenta, de imediato, uma relevante vantagem: enxergar que diferentes
tipos de criminalidade exigem diferentes soluções em termos de política e dogmática penal e processual penal,
com a cautela de se tomar decisões racionais para a seleção dos bens que merecem determinado tipo de
proteção e consequência.12 

2.1. Características
Para o enfrentamento dos ‘inimigos’, os Estados contemporâneos têm recorrido a regulações jurídicas de
características tais que permitiriam identificá-las facilmente como típicas de um Direito Penal do Inimigo:
antecipação da punibilidade com a tipificação de atos preparatórios, criação de tipos de mera conduta e perigo
abstrato; desproporcionalidade das penas e proteção deficiente de bens jurídicos relevantes; restrição ou
mitigação de garantias penais e processuais; determinadas regulações penitenciárias ou de execução penal,
como o regime disciplinar diferenciado etc.13 

O próprio Jakobs descreve as principais características desse modelo de política criminal como: 

“(a) ampla antecipação da punibilidade, ou seja, mudança de perspectiva do fato típico praticado para o fato
que será produzido, como no caso de terrorismo e de organizações criminosas; (b) falta de uma redução da
pena proporcional ao referido adiantamento (por exemplo, a pena para o mandante/mentor de uma organização
terrorista seria igual àquela do autor de uma tentativa de homicídio, somente incidindo a diminuição referente à
tentativa); e (c) mudança da legislação de Direito Penal para legislação de luta para combate à delinquência e,
em concreto, à delinquência econômica”.14 

Cancio Meliá sintetiza tais pontos cruciais, aduzindo que o Direito Penal do Inimigo se caracteriza por três
elementos básicos: “ordenamento jurídico-penal prospectivo (adiantamento da punibilidade); penas
desproporcionalmente altas, o que equivale à constatação de que a antecipação da barreira da punição não é
considerada para reduzir, de forma correspondente, a pena cominada, e relativização ou supressão de
determinadas garantias processuais”.15 

No mesmo sentido, Gomes apresenta um retrato que expressa a sua leitura da teoria: 

“(a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; (b) não deve ser punido de
acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; (c) as medidas contra o inimigo não olham
prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); (d) não é um
Direito penal retrospectivo, sim, prospectivo; (e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação;
(f) o cidadão, mesmo depois de delinquir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status
(importante só sua periculosidade); (g) o Direito penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito
penal do inimigo combate preponderantemente perigos; (h) o Direito penal do inimigo deve adiantar o âmbito
de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; (i) mesmo que a pena
seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação ocasional), espera-se que ele
exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo
(terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua
periculosidade”.16 

Ocorre que a leitura crítica da concepção teórica de Jakobs parece ignorar que, independentemente do rótulo
ou nome que se dê a essa política criminal, o ordenamento jurídico do mundo inteiro, frente às novas formas de
criminalidade, vem adotando características de uma política de inimigos ou distinta do modelo de inspiração
clássico-iluminista não somente para a criminalidade organizada, violenta e terrorista. 
É possível constatar a flexibilização do princípio da legalidade (descrição vaga dos crimes e das penas); a
inobservância de princípios básicos, como o da ofensividade da exteriorização do fato, da imputação objetiva
etc.; o aumento desproporcional de penas, muitas vezes de forma simbólica; a criação artificial de novos
delitos; o endurecimento da execução penal; a exagerada antecipação da tutela penal em todas as legislações
que tutelam, por exemplo, bens difusos, coletivos e individuais homogêneos.

De outra parte, o tradicional modelo de processo penal pautado, prioritariamente, pela prova pericial e
testemunhal, cada vez dá mais espaço para novos mecanismos de prova e de obtenção de prova: delação e
colaboração premiada, ação controlada, infiltração de agentes, interceptação telefônica, quebra de sigilos
bancário e fiscal, utilização de provas obtidas por meios digitais ou cibernéticos etc.17 

2.2. Pessoa versus inimigo
Compreender o conceito de ‘pessoa’, segundo Jakobs, de modo a propiciar um crítica pertinente e
metodologicamente correta, pressupões compreender parte das considerações teóricas que ele empresta de
Niklas Luhmann.18 

Luhmann e Jakobs consideram que o sujeito livre, sempre será um sujeito que ostenta responsabilidades: “ser
pessoa significa ter de representar um papel. Pessoa é a máscara, vale dizer, precisamente não é a expressão da
subjetividade de seu portador, ao contrário é a representação de uma competência socialmente
compreensível”.19 

Gracia Martín concorda que a privação e a negação da condição de ‘pessoa’ a determinados indivíduos e, por
outro lado a atribuição a eles da condição de ‘inimigos’, constitui o paradigma e a questão central da teoria.20 

A noção de ‘pessoa’ utilizada por Jakobs, com efeito se fundamenta na concepção luhmanniana, ou seja, na
separação jurídica entre o indivíduo, entendido como sistema psíquico que opera com base na consciência, e a
sociedade, entendida como sistema que opera com base na comunicação. Ele próprio afirma que “partindo de
tal compreensão, o direito aparece como estrutura da sociedade, e tanto os deveres como os direitos, utilizando
os termos da Teoria Social dos Sistemas, são expectativas normativas e não estão dirigidas a indivíduos, senão
a destinatários construídos comunicativamente que se denominam pessoas”.21 

Luhmann identifica o sistema social pela comunicação, o que o diferenciaria dos demais sistemas e, portanto, a
comunicação (e aí se incluam cognição e expectativas cognitivas e normativas) representa o ponto de partida
para se entender ‘pessoa’, segundo a concepção jurídica de Günther Jakobs. 

Nesse sentido, Jakobs afirma que “quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de
um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como
inimigo. Esta guerra tem lugar com um legítimo direito dos cidadãos, em seu direito à segurança; mas
diferentemente da pena, não é Direito também a respeito daquele que é apenado; ao contrário, o inimigo é
excluído”.22 

Em outros termos, quem não oferece segurança cognitiva suficiente de comportamento pessoal, não só não
pode esperar ser tratado como pessoa, como também o Estado não deve tratá-lo como pessoa, já que do
contrário vulneraria o direito à segurança dos demais. Portanto, no entender de Jakobs, seria completamente
errôneo demonizar aquilo que aqui se tem denominado ‘Direito Penal do Inimigo’ (Feinde sind aktuell
Unpersonen).23 

Para o jurista alemão, o conceito de ‘pessoa’ diz respeito à forma pela qual se constrói o sistema social,
conforme já mencionado. Assim, ele expressamente assevera que em “nenhum contexto normativo, e também
o é o cidadão, a pessoa  em Direito é tal, – vigora – por si mesma. Ao contrário, também há de determinar, em
linhas gerais, a sociedade. Só então é real”.24 

Com isso pretende frisar que “só é pessoa quem oferece uma garantia cognitiva suficiente de um
comportamento pessoal, e isso como consequência da ideia de que toda normatividade necessita de uma
cimentação cognitiva para poder ser real”, eis que “sem um mínimo de cognição, a sociedade constituída
juridicamente não funciona”; ou mais precisamente, não somente a norma, mas também a pessoa necessita de
um “cimento cognitivo”.25   

Inexistindo essa garantia ou se ela é expressamente negada, o Direito Penal passa, de uma reação da sociedade
ante o crime de um de seus membros, a uma reação contra um inimigo.26  

O próprio Jakobs ressalva que isso não significa que tudo seria permitido ou que se sucederiam ações
desmedidas; antes, seria possível que aos adversários se reconheça uma personalidade potencial, de tal modo
que na disputa contra eles não se possa ultrapassar a medida do necessário. Sem dúvida, isso permitiria “muito
mais do que na legítima defesa, na qual a defesa necessária só pode ser reação perante a uma agressão atual, no
Direito Penal de “oposição”,27 como se verá na sequência, trata-se da defesa também frente a agressões
futuras”.28 

2.3. Críticas
Ao traduzirem a obra Direito Penal do Inimigo, de Günther Jakobs e Manuel Cancio Meliá, Callegari e
Giacomolli ressaltam que o ‘Direito Penal do Inimigo’ “abriga dois fenômenos criminais: o simbolismo do
Direito Penal e o punitivismo expansionista, capaz de agregar, num mesmo ninho, o conservadorismo e o
liberalismo penal”.29 

GOMES, nitidamente inspirado pela análise crítica de Zaffaroni, apresenta sua censura à tese do “Direito Penal
do Inimigo”, aduzindo que: se trata de nova “demonização” de alguns grupos de delinquentes; se Direito Penal
(verdadeiro) só pode ser vinculado com a Constituição Democrática de cada Estado, urge concluir que “Direito
penal do cidadão é um pleonasmo, enquanto Direito penal do inimigo seria uma contradição”; não se
reprovaria (segundo o Direito penal do inimigo) a culpabilidade do agente, sim, sua periculosidade.30 

Com isso pena e medida de segurança deixam de ser realidades distintas (essa postulação conflita
diametralmente com nossas leis vigentes, que só destinam a medida de segurança para agentes inimputáveis
loucos ou semi-imputáveis que necessitam de especial tratamento curativo); por se tratar de um Direito penal
prospectivo, em lugar do retrospectivo Direito penal da culpabilidade, o Direito penal do inimigo não repele a
ideia de que as penas sejam desproporcionais, ao contrário, como se pune a periculosidade, não entra em jogo a
questão da proporcionalidade (em relação aos danos causados); por mitigar ou suprimir garantias penais e
processuais, é fruto, ademais, do Direito penal simbólico somado ao Direito penal punitivista.31 

Para Gomes, as manifestações do Direito penal do inimigo só se tornaram possíveis em razão do consenso que
se obtém, na atualidade, entre a direita e a esquerda punitivas (houve época em que a esquerda aparecia como
progressista e criticava a onda punitivista da direita; hoje a esquerda punitiva se aliou à direita repressiva; fruto
disso seria a política de Direito Penal de inimigos.32 

Como se observa, as críticas ao Direito Penal do Inimigo relacionam-se, necessariamente, à censura que
grande parte da doutrina faz acerca dos novos paradigmas do Direito Penal da modernidade: simbolismo
excessivo, flexibilização de garantias e princípios, retomada de políticas criminais mais preocupadas com o
autor do que com o fato e funcionalização do Direito Penal que, pautada na busca da eficiência preventiva,
desencadeou políticas criminais típicas de um Direito Penal de terceira velocidade, máxime para o combate da
criminalidade organizada, difusa, econômico-financeira e do terrorismo.

A questão principal que se coloca é: independentemente do rótulo que se pretenda dar e não obstante qualquer
concepção teórica ou filosófica, a existência de uma política criminal dessa natureza e com essas
características seria uma construção ideal ou somente um infeliz retrato da necessidade de novos instrumentos,
vacinas e remédios para as novas formas de criminalidade que não eram objeto de tutela e preocupação do
denominado Direito Penal clássico?33 

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