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FACULDADE DE DIREITO

PROFESSOR: EMANUEL DE MELO FERREIRA


FILOSOFIA DO DIREITO

Aluno: Maria Luíza Bessa Nóbrega Santos Nota:______

1) Considere o seguinte caso, o qual será comparado com o julgamento fictício narrado
por Carlos Santiago Nino na obra estudada na nossa segunda aula.

O Ministério Público Federal (MPF) oferece denúncia contra agente público que,
à época da ditadura militar, promoveu tortura contra pessoas tidas como subversivas a
fim de obter confissão sobre a suposta prática de “atos de terrorismo”. Em tal ação penal,
o procurador da República, membro do MPF, narra que a conduta do denunciado
consistiria em crime contra a humanidade, nos termos do art. 7º. 1, “f”, do Estatuto de
Roma do Tribunal Penal Internacional1.
Ao analisar o pedido, o Juiz Federal do caso rejeita a denúncia, argumentando
acerca da necessidade de se reconhecer a aplicação da Lei de Anistia no caso, com a
consequente extinção da punibilidade, ou seja, com a impossibilidade de se punir
penalmente o acusado, sustentando, dentre outros fundamentos que:

“Primeiramente, sobre o alegado ‘caráter sistemático e generalizado dos ataques cometidos


por agentes da ditadura militar contra a população brasileira’, tal argumento não se sustenta
para o fim pretendido, ou seja, para afastar a extinção da punibilidade dos fatos, ao se
caracterizar o fato como crime de lesa-humanidade. Encontramos, com muito mais
propriedade, um exemplo de ataque generalizado a população, com a certeza de se estar
diante de um autêntico crime de lesa-humanidade, no genocídio ocorrido em Ruanda em
1994, onde as estatísticas apontam o extermínio, em alguns meses, de centenas de milhares
de pessoas, variando os números entre 500 mil e 1 milhão de vítimas. Outro exemplo é o
chamado genocídio armênio, ocorrido no início do século passado, para o qual se aponta a
ocorrência de 600.000 a 1.800.000 vítimas. E se nos restringirmos apenas ao número de
pessoas mortas, o que dizer de um dado estatístico que aponta a morte de mais de 62 mil
pessoas no Brasil durante o ano de 2016? Tal cifra indica a grande violência e medo com
que a população tem de aprender a conviver nos tempos presentes. Estaríamos, então,
diante de uma situação análoga a de uma guerra? E quais as providências que o Estado
brasileiro deve tomar para fazer cessar esse mal? Há risco de o Brasil ser responsabilizado
no âmbito

1
“1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos
atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer
população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d)
Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade
física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; (...)”

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internacional a conta de tal dado estatístico, já que o compromisso assumido é o de proteger
e assegurar a vida do ser humano? Poderia o popular leigo, de mediano conhecimento,
afirmar que é bem mais ‘perigoso’ viver nos dias atuais do que na época do regime de
exceção? Tais provocações têm a mera finalidade de proporcionar uma reflexão mais detida
e contextualmente mais ampla sobre o tema. Existe, portanto, uma distância muito
expressiva entre essa suposta ‘vitória’ do regime de exceção e a afirmação de que havia
‘ataques generalizados contra a população brasileira’ não se pode dizer que a repressão a
opositores do regime de exceção, por mais dura que tenha sido, tenha estendido a grande
massa da população brasileira. O argumento peca pelo caráter hiperbólico e não é
suficiente para os fins pretendidos”2.

Não concordando com a decisão, o MPF interpõe recurso para o Tribunal


Regional Federal (TRF) da 3ª. Região, a fim de que a referida decisão seja revista.
Na obra de Carlos Santiago Nino estudada, foi possível apreender o didático
exercício em torno da argumentação judicial tendente à absolvição ou à condenação de
crimes praticados por agentes nazistas após a Segunda Guerra Mundial. Relembrando a
leitura efetivada e os respectivos diálogos socráticos desenvolvidos, responda:
a) Há um acordo entre o juiz federal que proferiu a decisão acima e os três juízes
descritos por Carlos Nino acerca da moralidade dos respectivos regimes
autoritários em questão (ditadura militar brasileira e nazismo)? (1 ponto)
R: Não houve um acordo total, pois os três juízes mencionados por Carlos Nino
seguem correntes jurídicas distintas. O primeiro juíz é a favor da condenação dos
processados, partindo do pressuposto de que não seria correto julgar os
responsáveis de acordo com os regimes da época pois ele acredita que, acima de
todas as normas, deve existir o direito natural, baseado na moral e nos princípios.
Assim como o primeiro juíz, o segundo juíz concorda com a ideia de princípios
morais, no entanto, atribui a esses princípios subjetividade e relatividade, pois
eles variam entre os diversos contextos histórico-sociais. Portanto, para ele, as
normas devem sobrepor-se aos princípios morais e os acusados devem ser
absolvidos pela prerrogativa de que o sistema jurídico normativo deve ser
priorizado. Para o último juíz citado, os dois juízes anteriores estão equivocados
quanto à suas interpretações. Ele define como sustentações incompletas, vazias,
em aprofundamento jurídico e filosófico. Ao final, ele infere que os acusados
devem ser condenados. Assim, o juíz citado por Carlos Nino que mais se
aproxima do juíz do caso acima citado é o segundo juíz, enquanto os outros dois
discordam completamente da postura adotada.

b) Desenvolva argumentos fundamentados no jusnaturalismo para justificar a


conduta do MPF. (2 pontos)
R: Para o jusnaturalismo, a norma jurídica não pode ser interpretada exclusivamente
pelo que está posto, positivado em lei, mas precisa estar relacionada a uma série
de critérios morais e religiosos. Portanto, sob uma perspetiva fundamentada pelo
jusnaturalismo, a decisão do juíz seria considerada inconstitucional e a conduta
do Ministério Público Federal seria amplamente apoiada. Além disso, sobre uma
perspectiva jusnaturalista, os juízes não devem aplicar regras que firam os os
princípios morais e de justiça fundamentais.

c) Desenvolva argumentos fundamentados no positivismo para justificar a decisão


do juiz. (2 pontos)
R: Pelo fato de o positivismo jurídico defender como válidas as normas jurídicas
somente a partir daquilo que está posto - ou seja, positivado em forma de lei - a
decisão do juíz seria completamente apoiada, pois fundamentou-se, também, na
Lei de Anistia e, por isso, para um juspositivista seria perfeitamente
compreensível defender que o agente público não deveria sofrer nenhum tipo de
sanção penal. Também é possível mencionar o fato de que, por pior que o regime
ditatorial fosse Além disso, também seria defendido o argumento de que o agente
público, ao cometer os atos citados, estaria em uma situação de subordinação ao
sistema e obrigatoriedade de cumprir sua respectiva função.

d) Quais as cautelas argumentativas que o TRF deveria tomar para, caso reformasse
a decisão, não criasse um precedente perigoso para a segurança jurídica, no
sentido de permitir, indiscriminadamente, a aplicação retroativa de um tipo
penal? (1 ponto)
R: Deveria ser argumentado pelo TRF que há a existência de uma prerrogativa muito
importante para que uma decisão seja emitida: a análise do contexto de
ocorrência dos fatos e de que modo aquela conduta fere os direitos fundamentais
estabelecidos em nossa Constituição Federal.

2) Em que consiste a regra de reconhecimento? (2 pontos)

R: A regra de reconhecimento é um conceito estabelecido pelo filósofo do Direito


Herbert Hart e se trata de uma metaregra, ou seja, a regra sobre todas as outras
regras. Além de ela ser uma prática social inerente somente aos aplicadores do
direito, ela não pode ser considerada uma regra válida ou inválida, pois ela é a regra
a partir da qual as outras regras são ditas como juridicamente válidas ou inválidas. É
importante mencionar o fato de que a existência da regra de reconhecimento diz
respeito a uma questão empírica, de modo que, na maioria das situações a mesma
não pode ser facilmente percebida, pois não está claramente enunciada. Portanto,
esse tipo de regra exige um caráter subjetivo de interpretatividade do Direito e irá se
distinguir de todos os outros tipos de regra, pois para que sua natureza se concretize,
demanda uma análise acerca da ótica (juridicamente conhecida pelo termo “ponto de
vista”) pela qual se é observado o Direito. O ponto de vista supracitado irá se
subdividir em duas categorias, sendo elas a do ponto de vista interno e a do ponto de
vista externo. O ponto de vista interno, é possível definir como a utilização das
normas, pelos indivíduos, como fundamento principal para sua conduta social.
Assim, o indivíduo que utiliza-se do ponto de vista interno busca conhecer o
funcionamento do sistema jurídico, bem como as razões pelas quais as normas são
criadas, estabelecidas e modificadas. Por outro lado, o ponto de vista externo diz
respeito à interpretação exclusivamente objetiva da norma positivada, levando à
mera observância das normas e não significando que haja aceitação por parte de
quem as cumpre e as analisa a partir dessa perspectiva. Em resumo, a regra de
reconhecimento é a regra que define quais os critérios as outras regras devem
obedecer para que elas adquiram seu caráter de juridicidade, exigindo uma análise
acerca do ponto de vista pelo qual o Direito é enxergado.

3) Como a tese da “neutralidade ideológica” do jurista favoreceu o processo de


erosão constitucional no Brasil? (2 pontos)
R: Em primeiro lugar, é importante analisar o que significa “neutralidade
ideológica” e, com mesma importância, analisar o significado do processo de
erosão constitucional no Brasil. A ideia de neutralidade ideológica está
intrinsecamente ligada ao fenômeno político-ideológico do neoliberalismo, uma
vez que o mesmo propaga o ideal da ausência da política na análise do Direito e
nas decisões jurídicas, bem como configura uma “falsa consciência”, ao passo
que nega a possibilidade de ação política desprovida de influência ideológica . Já
a erosão constitucional diz respeito ao fenômeno do ataque à democracia e aos
direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal em um Estado
democrático de direito, de forma sucessiva e gradual, e isenta a necessidade de
um golpe de Estado militar clássico para desbalancear o sistema constitucional e
alcançar os fins por ela almejados. Além disso, é necessário lembrarmos que a
tese da neutralidade ideológica não somente favoreceu os ataques tidos como
erosão constitucional, mas também atuou como responsável no processo de
fomentar os crimes contra o Estado Democrático de Direito, que, em muitos
casos, chegaram a ocorrer. Tendo esses aspectos sido analisados, é possível,
agora, analisar de que modo esses dois conceitos se relacionam e como a tese da
neutralidade ideológica favoreceu o processo de erosão constitucional. A
contribuição pode ser analisada por dois diferentes ângulos. Por um dos ângulos,
a tese da neutralidade ideológica tem a latente aptidão para ameaçar os “juristas
da legitimidade”, quais sejam, aqueles que buscam estudar com aprofundamento
a teoria da legitimidade jurídica e aplicá-la indispensavelmente; e pelo outro,
rescinde a atuação dos mesmos, colocando-os em uma posição de mera
militância. Desse modo, esse favorecimento culmina em uma normalização e
aceitação do autoritarismo e abre brechas para a ocorrência de golpes, os quais
são explicitamente inconstitucionais.

2
BRASIL. Tribunal Regional Federal da Terceira Região. Seção Judiciária de São Paulo. (1a. Vara
Federal). Ação penal 0005946-82.2018.4.03.6181. 2018. p. 54-55.

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