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ÉTICA NO DIREITO

ÉTICA NO DIREITO
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 29 | p. 17 | Out / 1999 | DTR\1999\463
Celso Ribeiro Bastos

Área do Direito: Fundamentos do Direito


Sumário: 1.Colocação do tema - 2.Direito e Ética se correlacionam, ainda que parcialmente, ou não?
- 3.A Ética na Constituição Federal de 1988 - 4.Mudança na Ética e permanência do Direito
1. Colocação do tema

A Ética nunca esteve tão reclamada como nos dias de hoje. Este retorno à ética tem se intensificado
ainda mais em razão da virada de século e de milênio, ocasião em que os homens tomam como
momento oportuno para rever suas vidas ideologias, instituições. Afinal, num século em que se
testemunhou duas guerras mundiais, a concentração da riqueza, a fome dos países pobres, a
devastação da natureza, enfim, toda a sorte de menoscabos aos valores mais prezados pelos
homens, diante de tudo isso faz-se necessária uma revisão ética.2

Cresce, pois, o clamor pela ética na política, no direito, na economia, na ecologia, enfim, em todas as
áreas ligadas à atividade humana.3É preocupação nossa relacionar, neste breve estudo, o Direito e a
Ética.
2. Direito e Ética se correlacionam, ainda que parcialmente, ou não?

Distinguir a Ética4do Direito tem sido uma das tarefas mais complexas com que a ciência humana
tem-se defrontado. É que estamos no terreno das ciências que se ocupam do Homem, e é
justamente aí que reside o seu elemento complicador. O que parece é que há uma imbricação muito
grande entre a Moral e o Direito, já que ambos têm objetivos paralelos. Por terem em mira a conduta
humana, fica difícil, à primeira vista, diferenciar a Moral do Direito. Esboçado o caminho tortuoso por
que iremos percorrer, tomaremos, como ponto de partida, a preciosa lição do mestre Reale:

"Encontramo-nos, agora, diante de um dos problemas mais difíceis e também dos mais belos da
Filosofia Jurídica, o da diferença entre a Moral e o Direito (...). Nesta matéria devemos nos lembrar
de que a verdade, muitas vezes, consiste em distinguir as coisas, sem separá-las. Ao homem afoito
e de pouca cultura basta perceber uma diferença entre dois seres para, imediatamente, extremá-los
um do outro, mas os mais experientes sabem a arte de distinguir sem separar, a não ser que haja
razões essenciais que justifiquem a contraposição".5

As ligações entre o Direito e a Moral sempre foram muito próximas, muito íntimas, mas um tanto
difíceis de serem perfeitamente individualizadas. São muitas as teorias que relacionam o Direito à
Moral. Cuidaremos de duas delas.

Na teoria do "Mínimo Ético", há sempre no Direito um substrato de Moral que deve ser afirmado para
que a sociedade tenha condições de subsistir. Este estaria apenas preordenado para a juridicização
de situações morais que o legislador houvesse por bem reforçar, conferindo as sanções próprias do
Direito não alcançáveis pela simples Moral. De outra parte, há os que refutam esta teoria - muito
embora não neguem que a moral exerça uma grande influência no ordenamento jurídico -, afirmando
que há campos no Direito em que a Moral não alcança. De fato, a estipulação dos prazos
processuais, por exemplo, em nada tem a ver com valores éticos. Se o legislador optou pelo prazo
de 15 dias para que o réu, citado para responder a uma ação, possa oferecer a sua defesa, em nada
influiria na Moral se esse prazo fosse de 20 ou 30 dias. Esta parte do Direito é, pois, indiferente à
Moral. Mas isto não significa separar a Moral do Direito. Valemo-nos das sábias palavras do jurista
Reale: "a verdade, muitas vezes, consiste em distinguir as coisas, sem separá-las". Boa e má-fé,
bons costumes, eqüidade são valores morais facilmente encontráveis no Direito. Temos, pois, que
muitas das regras do Direito emergiram da moral comum, como é o caso da Lei de Introdução ao
Código Civil ( LGL 2002\400 ) , que no seu art. 5.º dispõe que, "na aplicação da lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Por serem consentâneas com o
Direito, estas regras morais acabaram por se traduzir em preceitos legais. Há, na verdade, uma parte
do Direito que se fundamenta em valores morais, contudo, há outras que não. O Direito alberga
regras que, moralmente, são insustentáveis. É o caso do Governador nomear o Procurador-Geral de
Justiça, que terá a função de fiscalizá-lo, ou da regra constitucional que permite ao Chefe do Poder

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Executivo nomear os Ministros do Tribunal de Contas, que terão por função a apreciação das contas
de sua gestão.

É de se reconhecer, portanto, aqui a existência de normas que vigoram em uma dada sociedade:
normas éticas e normas jurídicas. A Moral está circunscrita ao íntimo das pessoas ou, se se preferir,
à intenção das pessoas. Já o Direito rege o comportamento exterior. É, pois, uma ordem mais
sofisticada porque dispõe de um instrumental para a sua aplicação, que é a coercibilidade, que a
Moral não tem a sua disposição. Mas isto não significa dizer que a sanção moral seja inócua. Ela se
revela, muitas vezes, na reprovação social. É verdade que esta sanção é menos severa do que a
aplicada pelo Direito. E é este o ponto que distingue basicamente o Direito da Moral: a coercibilidade
presente no primeiro e ausente no segundo.

O que a Ética almeja é procurar normas que tornem mais harmoniosa a convivência entre os
homens. Um homem ético não é apenas aquele que obedece a normas. Vejamos, pois, a questão
em torno do homicídio. Um homem não mata simplesmente porque está proibido pelo Código Penal (
LGL 1940\2 ) . Por detrás disto, há um princípio maior a que todos devem obedecer: o direito à vida,
que é imanente ao homem. Tem-se por ético um homem que tenha um comportamento justo e
correto, mesmo em situações em que ele não esteja tangido pelo Direito. Honestidade, integridade e
justiça são valores que transcendem ao Direito. A sociedade valoriza a honestidade da pessoa
cumpridora da sua palavra. Estas e outras virtudes éticas são altamente enaltecidas pela sociedade.
O importante a notar é que a Moral representa esse mínimo que o homem percebe que ele tem de
cumprir sob pena de estar-se desqualificando perante a si mesmo e à sociedade. O Homem precisa
sacrificar-se para que a espécie humana ascenda, e este papel está mais próximo da Moral do que
do Direito.
3. A Ética na Constituição Federal de 1988

Direito e Ética, como vimos, não se confundem, tendo cada uma dessas ciências um objeto próprio
de estudo, mas isto não significa dizer que não possa existir uma aproximação entre ambos.

As normas jurídicas de um Estado ganham muito de sua eficácia por estarem em conformidade com
a Moral, é dizer, por estarem de acordo com a vontade dos seus concidadãos. Uma crise profunda
de legitimidade em um dado país implica uma perda de eficácia do poder que necessita sempre de
um mínimo de consensualidade. Tal ocorreu com o nazismo, em que houve um conflito insustentável
entre a legalidade e a legitimidade do poder na Alemanha. Sobre este ponto relativo ao hitlerismo,
assim nos manifestamos: "Exemplos gritantes dos descompassos entre a legalidade e a legitimidade
encontramos no caso da ascensão do nazismo ao poder na Alemanha, que se deu pela utilização de
instrumentos inteiramente legais. No entanto, implantou um regime que suscitou uma reação quase
mundial pela violação que provocava de princípios já conquistados no grau de civilização por que
passa a humanidade".6

Portanto, uma Constituição que não disponha de legitimidade acaba por se tornar precária. Esta falta
de correspondência da norma com os anseios do povo cria sérios problemas, prejudicando a sua
eficácia até chegar a um ponto de subtraí-la por completo. Sabe-se que dos atos jurídicos
infraconstitucionais cobra-se a legalidade; devem eles estar de acordo com o preceituado
formalmente e, se for o caso, materialmente em nível hierárquico superior. Das Constituições, por
seu turno, é cobrada legitimidade, que vem a ser a maior ou menor correspondência entre os valores
e as aspirações de um povo e o constante no Texto Constitucional.

Constata-se, assim, que a Constituição não se sujeita propriamente a um exame da sua legalidade
formal - embora seja sempre necessário para a legislação infraconstitucional porque só ele pode
oferecer a segurança e a previsibilidade, sem o que os comportamentos sociais se inviabilizam -,
requerendo uma dimensão mais profunda, a única que a torna intrinsecamente válida. Assim sendo,
uma Constituição não representa uma simples positivação do poder. É também uma positivação dos
valores jurídicos. A legitimidade vem a ser, portanto, a conformação do poder existente aos critérios
da sociedade para considerá-lo justo. Portanto, em toda época, há determinados fatores que devem
informar o poder para que este seja legítimo. No momento atual, um dos critérios fundamentais é o
democrático. Qualquer Estado hoje que repila a democracia acaba por entrar numa certa
marginalidade mundial já que são poucos os países que contam com uma minoria no poder. Nos
dias de hoje, os Estados adotam a democracia para que sejam governados pela maioria dos
membros que compõe a sociedade. Como bem observa Diogo Figueiredo Moreira Neto: "O conceito

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de legalidade, fundado apenas na tradicional dogmática jurídica, se mostrou insuficiente para lastrear
eticamente o Estado Democrático e, por isso, se reestabeleceu o conceito de legitimidade, fundado
na vontade geral da sociedade, democraticamente recolhida. Mas estes avanços não esgotaram a
busca da juridicidade plena da ação do Estado, tendo, este final de século, reentronizado o valor
moral na vida do Direito, ressurgindo o conceito de licitude. Hoje, a Constituição do Brasil conta com
dezenas de princípios e de preceitos que afirmam essa plenitude ética com a absorção da
moralidade pela ordem jurídica - o que se pode denominar de Estado de Justiça que, sem prescindir
do Estado de Direito e do Estado Democrático, completa e transcende a ambos".7

Na Constituição de 1988 há diversos dispositivos que consagram valores morais. Uma forma de
jurisdicizar a Moral levada a efeito pelo nosso Texto Constitucional é a relativa ao princípio da
moralidade como reitor da atuação da Administração Pública. Este princípio está consagrado no
caput do art. 37, CF/1988 ( LGL 1988\3 ) . Por ele, a moralidade passa a ser um requisito
suplementar do ato administrativo. Além da competência, do motivo, do objeto, da finalidade e da
forma, por força de exigência constitucional, os atos administrativos têm que atender
simultaneamente ao princípio da legalidade e ao da moralidade. O que significa que para o Direito
Moderno não basta o mero respeito à legalidade, é necessário também respeitarem-se certos
valores. Embora não contemplados em leis, estes valores estão contidos no campo da moralidade
que é o campo daquelas normas que são insuficientemente dotadas de poder coercitivo. Portanto,
uma vez praticado o ato administrativo, o administrador público terá de atender, além da legalidade,
a essas normas morais. É que constatou-se neste século que, apesar da observância ao comando
legal, pode o ato administrativo conter um desvio de poder que leva o administrador a incluir
sutilmente a imoralidade ao ato praticado. Portanto, tornou-se mais exigente o Direito moderno ao
deixar o campo da moralidade também à apreciação do Poder Judiciário com o que, evidentemente,
se estará sancionando qualquer imoralidade praticada pelo gestor da coisa pública. Não é fácil
dizer-se em que consiste este princípio da moralidade. Não se trata da moral comum ou geral, mas,
sim, daquela que se extrai da própria disciplina interna da Administração Pública. É uma moral que
diz respeito à maneira correta de se praticarem os atos da Administração Pública.

Cumpre falar ainda sobre a sanção aplicável aos agentes públicos nos casos de improbidade
previstos no art. 37, § 4.º, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) . Segundo este dispositivo, a falta de
probidade, a desonestidade desses agentes importará na suspensão dos seus direitos políticos, na
perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo de ação penal cabível. A propósito, a Lei 8.429, de 2 de
junho de 1992, trata das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito
no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração direta e indireta. Probo,
correto, honesto são, antes de tudo, conceitos morais que devem ser observados pelos agentes
públicos na gestão da res publica. O Direito empresta a sua força coercitiva a estes valores, o que é
feito por intermédio da sanção, cujo intuito principal é o de penalizar o agente pela não observância
desses preceitos morais em relação à Administração Pública.
4. Mudança na Ética e permanência do Direito

No correr deste estudo, vimos que a Ética exerce um papel importante no Direito. A Moral é um dado
que não pode ser desprezado pelo intérprete do Direito. É que diante dos choques de posições
jurídicas conflitantes, a tendência é de julgar-se favoravelmente a quem teve um comportamento
ético.

Além do mais, os países que tenham um direito calcado em padrões morais têm uma ordem jurídica
mais eficaz. O Direito que vai ao encontro dos comportamentos que já são praticados pelo código
moral vigente irá encontrar um grau de eficácia muito maior do que se for de encontro aos mesmos.
Mas não é tarefa fácil a de se identificar o conteúdo exato desse código moral. De fato, os valores
são variáveis no tempo e no espaço. E se não bastasse esta dificuldade, acresce-se outra: a de que
nem sempre os padrões de conduta adotados pela maioria seguem os valores ideais. Mas não há
dúvida de que é fácil identificar - pelo menos naquelas situações extremas em que, indubitavelmente,
se pode afirmar que a conduta é moral ou imoral - a Ética de uma dada instituição.

Não se pode deixar de reconhecer, contudo, que muitos dos códigos morais antigos ganham matizes
e colorações pouco condizentes com os dias de hoje. A Moral de Hamurabi - decretando que, se a
filha de um cavalheiro, morresse em conseqüência de pancada enquanto grávida, a filha de quem
batesse deveria ser morta, por exemplo8- parece mais impor a selvageria do que contribuir para a

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dignidade humana. Mas esta aparente contradição é explicável: pelo modo rústico de vida que
levavam, essas sanções talvez fossem necessárias. Em vista desta diversidade de códigos de moral
não podemos dizer que uma conduta seja moral ou imoral, sem se levar em linha de conta as
condições de tempo e lugar que firmaram tal comportamento. Pode-se dizer sim que o caminho do
homem tem sido o da busca da moralidade. É o homem que, por sentir que detém nas suas mãos a
construção do seu futuro, sente a necessidade de ser conduzido para o mundo moral. O homem
precisa emprestar um fim à sua vida e este deve estar coberto por um mínimo de moralidade. O que
é certo é que a vida social depende de um minus ético. Em todo o lugar em que houver um
agrupamento humano, a convivência entre seus integrantes deve estar condicionada á prática da
moral. As próprias quadrilhas têm regras rígidas, norteando o comportamento dos membros entre si.
Se acertada a divisão igualitária da riqueza obtida pela pilhagem, qualquer um que tente ingressar na
parte que pertence ao outro sofrerá o rancor dos demais que não hesitarão, até mesmo, em tirar a
vida daquele "desonesto".

É natural, pois, que neste final de século e de milênio - não que a data apresente qualquer virtude
mística, mas sim por força das idéias e experiências pela qual passamos - surjam novos valores a
serem projetados no curso do século XXI. Vimos que mais do que projetar números que revelem o
fato econômico, a economia tem uma preocupação especial com a Ética; mais do que um mero
repositório de normas, que dão essência ou substância ao Estado, o Direito consagra valores. Estes
valores podem estar explícita ou implicitamente contidos nas suas normas. Mas é preciso atentar-se
para o fato de que eles são a resposta da ordem jurídica aos anseios e às aspirações da
comunidade num dado momento histórico. O Direito não cria esses valores do nada. Vai hauri-los
justamente na formação cultural do povo nas últimas décadas. E a inquietação atual está centrada
no respeito à dignidade da pessoa humana. Este é o sentido pelo qual a Ética deverá caminhar. Este
percurso está apenas se iniciando. Como bem disse Diogo de Figueiredo Moreira Neto: "A sujeição
do Estado à Moral, a mais ambiciosa e demandante das conquistas éticas, está apenas começando,
incorporando-se lentamente à ordem jurídica como um sistema de licitude e possibilitando, onde o
Estado Democrático de Direito já se está sedimentando, o advento do Estado de Justiça".9A Moral é
mais dinâmica do que, de resto, o próprio Direito e a Economia. A Moral é passível, portanto, de
evolução e muito raramente de retrocesso, como se deu nos casos de civilizações em decadência.
Esta parece ser a grande conquista da Moral: o fato de ela estar permeando áreas que outrora
vinham completamente não atingidas pelos seus preceitos. O exemplo mais notório, lembrado pelo
autor recém-citado, é o da tentativa de moralização do próprio Poder Público, levada a efeito
principalmente por leis que passam a encampar valores éticos.

(2) Sobre ética e razão moderna, Henrique Cláudio de Lima Vaz, sacerdote e doutor em Filosofia
pela Universidade Gregoriana de Roma, faz um levantamento histórico que vale a pena ser
transcrito: "Entre 1914 e 1945, durante longos e dramáticos trinta anos, as sociedades ocidentais
viveram o que foi talvez o clímax de uma crise profunda que as acompanhava pelo menos desde o
século XVIII, e que acabou pondo em risco a sua própria sobrevivência. Não sem algum fundamento,
aqueles anos sombrios foram comparados com a Guerra dos Trinta Anos na primeira metade do
século XVII. Na verdade, aqui também estamos diante de uma guerra nunca de todo interrompida e
cujo início e termo foram assinalados pelos dois devastadores episódios de 1914-1918 e 1939-1945.
Por outro lado, essa crise dos anos entre as duas guerras apresentou-se multiforme e universal:
todos os aspectos da vida e da cultura foram por ela atingidos. Sociedade, política, costumes,
crenças, saber, mentalidade, viram-se penetrados e desarticulados por idéias e eventos que
pareciam pôr definitivamente em questão as possibilidades de sobrevivência de uma tradição três
vezes milenar. Compreende-se, assim, que os primeiros anos do segundo pós-guerra tenham sido
um tempo de análises, de diagnósticos, de prognósticos, de iniciativas e projetos, nascidos da
evidência de que a civilização não acabara, e era possível situar o futuro num horizonte remoto de
longa duração. É verdade que o refluxo da grande crise deixara na sua passagem novos riscos,
novos desafios, novas e mais terríveis ameaças, cujo signo antecipador maior era o 'terror nuclear'.
De qualquer maneira, porém, a grande prova tinha sido vencida e um novo ciclo civilizatório se abria:
diante do mundo ocidental os caminhos da história novamente se iluminavam. "A partir de 1950 as
nações do chamado hoje Primeiro Mundo, incluindo o Japão, conhecem um período de
extraordinário crescimento econômico, de progresso científico e tecnológico, de instauração, enfim,
de um way of life que prenuncia o chamado hoje pós-moderno. Em simetria cronológica com os trinta
anos de crise de uma guerra à outra, essa nova belle époque iria durar igualmente trinta anos, vindo

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a terminar em torno de 1980. O economista Jean Fourastié, referindo-se à França, denominou de


'trinta anos gloriosos' esse período extraordinário e, realmente, não há notícia em toda a história de
um tão espetacular e mesmo vertiginoso crescimento econômico em tão pouco tempo, de uma tal
acumulação de conhecimentos, de um tão acelerado processo de inovações tecnológicas, de
mudança tão profunda no ethos das sociedades envolvidas nesse processo ou por ele de alguma
maneira atingidas. "A década de 80 e esse começo dos anos 90 que estamos vivendo assistem ao
aparecimento de um novo perfil de crise bem diferente daquela que abalou as primeiras décadas do
século. A base material das sociedades ditas avançadas parece solidamente assentada. O recurso à
chamada 'guerra nobre', mãe de virtudes segundo os Antigos e ainda celebrada por Hegel, para
decidir sobre os papéis hegemônicos na história, perdeu toda pertinência e aparentemente
desapareceu do horizonte da política internacional. Todos os problemas de sobrevivência e
convivência, incluindo-se os que se situam no terreno das relações ainda conflitivas entre o Primeiro
e o Terceiro Mundos, são perfeitamente equacionáveis, têm suas constantes e variáveis conhecidas
e as soluções estão dentro das possibilidades da humanidade atual. Não é, pois, no terreno da
produção dos bens materiais e da satisfação das necessidades vitais que a crise profunda se
delineia. É no terreno das razões de viver e dos fins capazes de dar sentido à aventura humana
sobre a terra. Em suma, a crise da civilização num futuro que já se anuncia no nosso presente não
será uma crise do ter mas uma crise do ser. Será um conflito dramático não apenas nas
consciências individuais, mas igualmente na consciência social entre sentido e não-sentido. É na
perspectiva desse tipo de crise que podemos situar a extraordinária atualidade que os temas éticos
alcançaram na linguagem e nas preocupações das sociedades ocidentais nos últimos anos" (Ética e
razão moderna, Ética na virada do século "busca do sentido da vida", Coleção Instituto Jacques
Maritain, coord. Maria Luiza Marcilio e Ernesto Lopes Ramos, São Paulo: LTr, 1997, p. 53 e 54.)

(3) Esclarece Jacy de Souza Mendonça: "Uma característica de nossa época é a preocupação com a
correção do comportamento humano. Ela começou com uma tomada de consciência da extensão e
gravidade da corrupção, na área política, nos meios policiais, no mundo dos negócios, nas atividades
escusas com jogo, drogas e prostituição. Esse fenômeno faz renascer o interesse pelas regras
morais de conduta, a ponto de elas serem colocadas acima das regras jurídicas. Os processos
inacabados de impeachment contra Nixon e Collor parece que tramitam num tribunal moral e não
num tribunal jurídico. Tudo leva a crer que a Ética será a disciplina estudada de nossa época" (
Informe Liberal do Instituto Liberal de São Paulo, fev. 1996, p. 1).

(4) Para os fins deste estudo, que pauta-se pela brevidade, tomaremos a Ética e a Moral como
sinônimos, embora haja uma distinção entre ambas, conforme nos ensina Miguel Reale: "Todos os
homens procuram alcançar o que lhes parecer ser o 'bem' ou a felicidade. O fim que se indica com a
palavra 'bem' corresponde a várias formas de conduta que compõem, em conjunto, o domínio da
Ética. Esta, enquanto ordenação teórico-prática dos comportamentos em geral, na medida e
enquanto se destinam à realização de um bem, pode ser vista sob dois prismas fundamentais: a) o
do valor da subjetividade do autor da ação; b) o do valor da coletividade em que o indivíduo atua. No
primeiro caso, o ato é apreciado em função da intencionalidade do agente, o qual visa, antes de mais
nada, à plenitude de sua subjetividade, para que esta se realize com individualidade autônoma, isto
é, como pessoa. A Ética, vista sob esse ângulo, que se verticaliza na consciência individual, toma o
nome de Moral, que, desse modo, pode ser considerada a Ética da subjetividade, ou do bem da
pessoa. Quando, ao contrário, a ação ou conduta é analisada em função de suas relações
intersubjetivas, implicando a existência de um bem social, que supera o valor do bem de cada um,
numa trama de valorações objetivas, a Ética assume duas expressões distintas: a da Moral Social (
Costumes e convenções sociais) e a do Direito" (Lições preliminares de direito. 19. ed. São Paulo :
Saraiva, 1991, p. 39).

(5) Op. cit., p. 41.

(6) Curso de teoria do estado e ciência política. 3. ed. São Paulo : Saraiva, 1995, p. 30 e 31.

(7) MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O estado e o futuro. Reengenharia do estado brasileiro.
São Paulo : RT, 1995, p. 43 e 44.

(8) BERTRAND RUSSELL, Ética e política na sociedade humana. Rio de Janeiro : Zahar, 1977, p. 36
e 37.

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(9) Cf. Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Moralidade administrativa: do conceito à efetivação. RDA,
Rio de Janeiro, 1992, v. 190, p. 17.

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