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INTRODUÇÃO AO

ESTUDO DO
DIREITO

Cinthia Louzada Ferreira


Giacomelli
Revisão técnica:

Gustavo da Silva Santanna


Bacharel em Direito
Especialista em Direito Ambiental Nacional
e Internacional e em Direito Público
Mestre em Direito
Professor em cursos de graduação
e pós-graduação em Direito

G429i Giacomelli, Cinthia Louzada Ferreira.


Introdução ao estudo do direito [ recurso eletrônico ] /
Cinthia Louzada Ferreira Giacomelli , Magnum Koury de
Figueiredo Eltz ; revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna.
– Porto Alegre: SAGAH, 2017.

ISBN 978-85-9502-219-5

1. Direito – História. I. Eltz, Magnum Koury de


Figueiredo. II.Título.
CDU 340.111

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147


Objetivo e finalidade
da introdução ao
estudo do Direito
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir o objeto e a finalidade da introdução ao estudo do Direito.


„„ Aproximar a disciplina introdução ao estudo do Direito às demais
áreas do Direito.
„„ Reconhecer a importância da linguagem no Direito.

Introdução
A sociedade está em constante transformação, e é fundamental acompa-
nhar as transições sociais sob o prisma jurídico, que pretende promover
a convivência social de forma ordenada e equilibrada.
Entender o Direito como meio de regulação social e compreender
as suas definições basilares contribuem para a assimilação dos diversos
ramos em que se divide e permitem a percepção da abrangência da
sua aplicabilidade na vida social, além de colaborar no entendimento do
quanto a linguagem é importante para a correta incidência das normas.
Neste capítulo, você vai identificar qual é o objeto e a finalidade do
estudo do Direito, bem como reconhecer a importância dos conceitos
introdutórios da área para os diversos ramos do Direito e de que forma
a linguagem jurídica contribui para a aplicação e o desenvolvimento
das leis. 

O que é e por que estudamos Direito?


Aos olhos do homem comum, o Direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de
regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento
2 Objetivo e finalidade da introdução ao estudo do Direito

de limites à ação de cada um dos seus membros. Assim, quem age de con-
formidade com essas regras comporta-se direito; quem não o faz, age torto.
Direção, ligação e obrigatoriedade de um comportamento, para que possa
ser considerado lícito, parece ser a raiz intuitiva do conceito de Direito. A
palavra lei, segundo a sua etimologia mais provável, refere-se a ligação, liame,
laço, relação, o que se completa com o sentido nuclear de jus, que invoca a
ideia de jungir, unir, ordenar, coordenar.
Podemos, pois, dizer, sem maiores indagações, que o Direito corresponde
à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois ne-
nhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e
solidariedade. É a razão pela qual um grande jurista contemporâneo, Santi
Romano, cansado de ver o Direito concebido apenas como regra ou comando,
concebeu-o antes como “realização de convivência ordenada”.
De “experiência jurídica”, só podemos falar onde e quando se formam
relações entre os homens, por isso denominadas relações intersubjetivas, por
envolverem sempre dois ou mais sujeitos. Daí a sempre nova lição de um antigo
brocardo: ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade, está o Direito). A recíproca
também é verdadeira: ubi jus, ibi societas, não se podendo conceber qualquer
atividade social desprovida de forma e garantia jurídicas, nem qualquer regra
jurídica que não se refira à sociedade.
O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão
na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da
realidade jurídica é, como se vê, a sua socialidade, a sua qualidade de ser social.
Considerando que as formas mais antigas de vida social já implicavam um
esboço de ordem jurídica, é necessário desde logo observar que, durante milênios,
o homem viveu ou cumpriu o Direito, sem se propor o problema do seu significado
lógico ou moral. É somente em um estágio bem maduro da civilização que as
regras jurídicas adquirem estrutura e valor próprios, independentemente das
normas religiosas ou costumeiras e, por consequência, é só então que a huma-
nidade passa a considerar o Direito como algo merecedor de estudos autônomos.

Essa tomada de consciência do Direito assinala um momento crucial e decisivo na


história da espécie humana, podendo-se dizer que a conscientização do Direito é a
semente da ciência do Direito.
Objetivo e finalidade da introdução ao estudo do Direito 3

Passou-se a entender o Direito como, de um lado, instrumento para nos


proteger do poder arbitrário, exercido à margem de qualquer regulamentação,
salvando o indivíduo da maioria caótica e da ditadura, dando oportunidades
iguais a todos e, ao mesmo tempo, amparando os desfavorecidos. Por outro
lado, é também um instrumento manipulável que pode frustrar as aspirações
dos menos privilegiados e permitir o uso de técnicas de controle que, devido
à sua complexidade, são acessíveis a apenas alguns especialistas no assunto.
A palavra direito, em português, guardou tanto o sentido daquilo que é
consagrado pelo ideal de justiça (em termos de virtude moral) quanto o que é
o exercício fundamenta do aparelho judicial. Isso pode ser observado pelo fato
de que hoje se utiliza o termo tanto para significar o ordenamento vigente (o
direito brasileiro), como também a possibilidade concedida pelo ordenamento
de agir e fazer valer uma situação (direito de alguém).
Dessa forma, podemos afirmar que o estudo do Direito é fundamental para
que possamos compreender a sociedade em que vivemos e contribuir para o
seu desenvolvimento sadio e organizado. Entender o Direito como parte da
nossa vida — tendo em vista que está presente em todos os atos que praticamos
diariamente — é o primeiro passo para uma conduta que nos protege e torna
dignos da vida em sociedade.

Chamamos de Direito Positivo o conjunto de normas instituído pelo Estado: é a lei


escrita, que varia de acordo com cada país. Já o Direito Natural é a ideia universal de
justiça e baseia-se no bom senso: o direito à vida, por exemplo. O Direito Positivo e o
Direito Natural nem sempre convergem, mas ambos são diretrizes fundamentais para
a regulação da vida em sociedade.

O Direito em diversos contextos


Como fato social e histórico, o Direito se apresenta sob múltiplas formas, em
função de múltiplos campos de interesse, o que se reflete em distintas estruturas
normativas. Mas é inegável que, apesar das mudanças que se sucedem em
diferentes contextos sociais, continuamos a referir-nos sempre a uma única
realidade: a sociedade em que vivemos.
4 Objetivo e finalidade da introdução ao estudo do Direito

Antes de se fazer o estudo de determinado campo do Direito, impõe-se


uma visão de conjunto: ver o Direito como um todo, antes de examiná-lo
por meio das suas partes especiais. O Direito se divide, em primeiro lugar,
em duas grandes classes: o Direito Privado e o Direito Público. As relações
que se referem ao Estado e traduzem o predomínio do interesse coletivo são
chamadas relações públicas, ou de Direito Público. Porém, o homem não vive
apenas em relação com o Estado, mas também — e principalmente — em
ligação com os seus semelhantes: a relação que existe entre pai e filho ou
entre quem compra e quem vende determinado bem não é uma relação que
interessa de maneira direta ao Estado, mas ao indivíduo enquanto particular.
Essas são as relações de Direito Privado.
Essas classes, por sua vez, subdividem-se em vários outros ramos, como,
por exemplo, o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, no campo
do Direito Público; o Direito Civil, o Direito Comercial, no campo do Direito
Privado. O Direito é, pois, um conjunto de estudos discriminados; abrange
um tronco com vários ramos, ou seja, um sistema de enlaces, destinados a
balizar o comportamento dos indivíduos de qualquer idade ou classe social,
bem como as atividades dos entes coletivos e do próprio Estado.
Há, em cada comportamento humano, a presença, embora indireta, do
fenômeno jurídico — o Direito está pelo menos pressuposto em cada ação
do homem que se relacione com outro homem. O médico, que receita para um
doente, pratica um ato de ciência, mas exerce também um ato jurídico. Talvez
não o perceba, nem tenha consciência disso, nem ordinariamente é necessário
que haja percepção do Direito que está sendo praticado. Na realidade, porém,
o médico que redige uma receita está no exercício de uma profissão garantida
pelas leis do País e em virtude de um diploma que lhe faculta a possibilidade
de examinar o próximo e de ditar-lhe o caminho para restabelecer a saúde;
outro homem qualquer, que pretenda fazer o mesmo, sem iguais qualidades,
estará exercendo a Medicina ilicitamente. Não haverá para ele o manto protetor
do Direito; ao contrário, O seu ato provocará a repressão jurídica para a tutela
de um bem, que é a saúde pública.
O Direito é, sob certo prisma, um manto protetor de organização e de
direção dos comportamentos sociais. Posso, em virtude do Direito, ficar na
minha casa, quando não estiver disposto a trabalhar, assim como posso dedicar-
-me a qualquer ocupação, sem ser obrigado a estudar Medicina no lugar de
Direito, a ser comerciante, não agricultor. Todas essas infinitas possibilidades
de ação se condicionam à existência primordial do fenômeno jurídico. O Direito,
Objetivo e finalidade da introdução ao estudo do Direito 5

por conseguinte, tutela comportamentos humanos — para que essa garantia


seja possível é que existem as regras, as normas de direito como instrumentos
de salvaguarda e amparo da convivência social.
Existem tantas espécies de normas e regras jurídicas quantos os possíveis
comportamentos e atitudes humanas. Se o comportamento humano é de de-
linquência, tal comportamento sofre a ação de regras penais, mas se a conduta
visa à consecução de um objetivo útil aos indivíduos e à sociedade, as normas
jurídicas cobrem-na com o seu manto protetor.
A interação dos diversos temas e contextos em que se aplica o Direito é a
principal razão para que se estudem os aspectos basilares e introdutórios dessa
ciência: não existe um Direito Comercial que nada tenha a ver com o Direito
Constitucional, por exemplo. Ao contrário, os temas jurídicos representam e
refletem um fenômeno jurídico unitário que precisa ser examinado.

O Direito Ambiental é um recente ramo do Direito, que surgiu em meados do século


XX devido à crise ambiental que o planeta passou a enfrentar, quando então se tornou
necessário regular a ação humana no que se refere aos impactos ambientais. Os ramos
do Direito se desenvolvem, portanto, de acordo com a necessidade social.

A importância da linguagem para o Direito


Cada ciência se exprime em uma linguagem. Dizer que há uma Ciência Física
é dizer que existe um vocabulário da Física. É por esse motivo que alguns
pensadores modernos ponderam que a ciência é a linguagem mesma, porque
na linguagem se expressam os dados e valores comunicáveis. Assim, onde
quer que exista uma ciência, existe uma linguagem correspondente. Cada
cientista tem a sua maneira própria de expressar-se, e isso também acontece
com a Ciência do Direito.
Os juristas falam uma linguagem própria e devem ter orgulho da sua lin-
guagem multimilenar, dignidade que bem poucas ciências podem invocar. Às
vezes, as expressões correntes, de uso comum do povo, adquirem, no mundo
jurídico, um sentido técnico especial.
6 Objetivo e finalidade da introdução ao estudo do Direito

Vejam, por exemplo, o que ocorre com a palavra “competência” — adjetivo: competente.
Quando dizemos que o juiz dos Feitos da Fazenda Municipal é competente para julgar
as causas em que a Prefeitura é autora ou ré, não estamos absolutamente apreciando
a “competência” ou preparo cultural do magistrado. Competente é o juiz que, por
força de dispositivos legais da organização judiciária, tem poder para examinar e
resolver determinados casos, porque competência, juridicamente, é “a medida ou a
extensão da jurisdição”.

Um uma palavra pode mudar de significado, quando aplicada na Ciência


Jurídica. Dizer que um juiz é incompetente para o homem do povo é algo de
surpreendente. Não se trata do valor, do mérito ou demérito do magistrado, mas
da sua capacidade legal de tomar conhecimento da ação que nos propúnhamos
intentar. É necessário, pois, que se dedique a maior atenção à terminologia
jurídica, sem a qual não se pode frequentar no mundo do Direito.
Assim, podemos afirmar que a língua é vista como um sistema de sím-
bolos que possuem significados de acordo com as atribuições humanas. O
que deve ser levado em conta é o uso desses conceitos, que variam de acordo
com o contexto.

A linguagem no universo jurídico tem por finalidade persuadir e convencer. E, para


fazê-lo, os fatos devem ser expostos de forma clara, demonstrando que a conclusão
do raciocínio é a sentença que se espera. Presume-se que os indivíduos de uma dada
sociedade, ao edificarem o Direito que vai reger as suas relações sociais e limitar a
satisfação das suas necessidades, tanto aceitem como legítimo o poder que cria as
normas quanto válidas (e também aceitáveis) os conteúdos destas.

É importante destacar, também, que a linguagem jurídica é mediadora


entre o poder social e as pessoas. Por isso, deve expressar com fidelidade
os modelos de comportamento a serem seguidos, evitando-se, dessa forma,
distorções na aplicação do Direito. Os vocábulos técnicos e a linguagem
precisa exercem a função de contribuir para a compreensão do Direito e para
a eficácia do ato da comunicação jurídica. O emprego da palavra, portanto,
Objetivo e finalidade da introdução ao estudo do Direito 7

no âmbito jurídico, deve ser exato, claro e conciso a fim de evitar sutilezas
semânticas e dubiedades na interpretação e na aplicação das leis.
Contudo, alguns estudiosos do Direito contestam que a tecnicidade e re-
buscamento da linguagem jurídica sejam prejudiciais em algum aspecto. O
argumento utilizado quase sempre é o de que o Direito é ciência (assim como a
medicina, a matemática e outros ramos do conhecimento) e, por isso, tem as suas
peculiaridades linguísticas que se limitam ao conhecimento dessa “elite jurídica”.
O Direito, entre os diversos campos do conhecimento especializado, é um
dos que mais interessam à sociedade, uma vez que é a ordem jurídica que proíbe,
obriga ou permite certas ações, penalizando aqueles que não se comportam
conforme o estabelecido. Contudo, não se pode confundir a linguagem técnica
do Direito com o chamado “juridiquês”, que é uma das maiores críticas ao
Direito — sendo um ramo do conhecimento que interessa tanto a sociedade,
além de “conduzi-la” à ordem social, alguns autores argumentam sobre a
necessidade de uma democratização do discurso.

O site juridiques.adv.br se propõe a “traduzir” a lin-


guagem jurídica! Nele, qualquer pessoa pode, além de
acessar materiais sobre o Direito, conhecer os termos
jurídicos em linguagem mais acessível. Acesse por meio
do código ao lado.

FERRAZ JR. T. S. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2008.


NADER, P. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Editora Forense, 2010.
REALE, M. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2010.
SANTANA, S. B. P. A linguagem jurídica como obstáculo ao acesso à justiça: uma análise
sobre o que é o Direito engajado na dialética social e a consequente desrazão de utilizar
a linguagem jurídica como barreira entre a sociedade e o Direito/Justiça. Âmbito Jurídico,
Rio Grande, v. 15, n. 105, out. 2012. Disponível em: <http://www.ambito juridico.com.
br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12316>. Acesso em: 18 set. 2017.
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