Introdução ao Direito por quê? Entender, conhecer, amar o Direito.
Entender o Direito exige a aquisição de ferramentas, o vocabulário e o raciocínio que compõem a essência da ciência jurídica 19 RÉMY CABRILLAC
1. Objeto, Importância e Finalidade de uma Teoria Geral do
Direito Este trabalho, além de representar fruto das pesquisas deste Autor desde os bancos da graduação, mestrado e doutorado em Filosofia do Direito pela PUC/SP, também resulta do magistério das suas aulas de Introdução ao Direito e Teoria Geral de Direito ao longo de quase duas décadas na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP e, bem assim, do exercício ininterrupto da advocacia por mais de vinte e cinco anos. Mas o Direito não faz parte apenas da vida daqueles que se dedicaram integralmente a ele. O Direito é um extraordinário fenômeno que se encontra presente em todas as relações humanas. Bem por isso, essa obra, longe de ser definitiva, procura sintetizar as ideias e preocupações deste Autor de maneira a verbalizar o retrato técnico e elementar do Direito, imprescindível aos alunos ingressantes aos estudos jurídicos. O escopo maior desta obra, pois, é o de antecipar a visão de uma totalidade do conhecimento, examinando-o, investigando-o e confirmando-o por meio de suas estruturas e verdades, de maneira a permitir que o estudante consiga manusear e melhor compreender a essência e significação do fenômeno jurídico. É esse o sentido de uma Teoria Geral do Direito que fala sobre o conhecimento, mas com ele não se confunde, distinguindo-se, pois, da ciência que procura introduzir aos seus leitores. A proposta, aqui, é transcender os limites de uma mera introdução ao direito, para também investigar as lições preliminares sobre a justiça. E assim é que seu conteúdo, que mais se aproxima a uma verdadeira enciclopédia, se movimentará sobretudo pelos eixos da formação fundamental, estabelecendo as relações do direito com outras áreas do saber, como sociologia, ciência política, antropologia, economia, ética, filosofia, história, psicologia e da formação profissional, para ir além da ciência dogmática e compreender o fenômeno da interpretação, integração e aplicação do Direito, observadas as peculiaridades dos seus mais diversos ramos e sem perder de vista a perspectiva de se margear as novas fronteiras da ciência jurídica. A disciplina teoria geral do direito tem vários protagonistas. Mas é exatamente o estudo da dogmática do direito e das teorias da justiça os seus objetivos mais relevantes, aliados aos conceitos fundamentais que o jurista – ao mesmo tempo o titular da investigação, intérprete do sistema normativo e operador da ciência jurídica – deverá absorvê-los, trabalhá-los e aplicá-los. A ciência jurídica – como toda e qualquer ciência – está em constante transformação e, não raras vezes, o fenômeno jurídico poderá representar evolução numa determinada situação e, simultânea ou reflexamente, irradiar absurda e manifesta injustiça, dependendo, especialmente, do prisma interpretativo e do enfoque valorativo e social que serão utilizados para a sua compreensão. O grande desafio que se impõe ao futuro Jurista não é apenas estudar, compreender e viver o Direito à luz dos mais significativos valores e referenciais que projetam a sua formação e transformação, mas o de não se perder de vista que a sua gênese, enquanto consciência, também está entrelaçada às necessidades materiais das pessoas em sociedade e que o escopo maior, ainda que apto aos mais diversos discursos, também se projeta à construção de uma sociedade mais justa. Ademais, não se pode ignorar os signos de nossa modernidade, sobretudo os movimentos sociais e o fenômeno do pensamento coletivo, da chegada da internet e, fundamentalmente, das redes sociais que pressupõem forjar um novo pensamento coletivo. Assim, não se pode deixar de conceber que esses verdadeiros avatares repercutem, sobremaneira, no Direito moderno, influindo decisivamente na construção de paradigmas elementares na ciência jurídica, sobretudo a justiça, a liberdade, a consciência, a democracia, a igualdade e, enfim, a ética em todas as suas possíveis vertentes. E ao estudante de Direito – um jurista em formação – nada disso pode escapar. Afinal, somente o jurista, diante de sua formação propedêutica e humanística, em cotejo com os valores e a realidade social, poderá transformar um conflito, uma dúvida, uma angústia ou qualquer hipótese em uma decisão, quando, por exemplo, promove a aplicação, interpretação ou integração do direito. É exatamente isso que se espera do jurista que, com a peculiaridade de sua decisão, pautada em critérios normativos e éticos, marcada por inequívoca função social, propicia a possibilidade de se reconhecer que o direito é inegavelmente um mecanismo de transformação social. Mas não se engane que o Direito, não raras vezes, pode se revelar, igualmente, como instrumento de dominação e de abuso, em atentado frontal às conquistas sociais e à dignidade da pessoa humana, sobretudo quando ignorar a ética e vulnerar qualquer verdade fundante do sistema jurídico. É preciso frisar, desde já, que a contrariedade aos valores ou aos princípios gerais do direito e, também, da justiça comprometerá todo o ordenamento jurídico. E nem ouse duvidar de que o mesmo Direito que nos aprisiona, é o Direito que nos liberta. O fenômeno jurídico está presente nas sociedades, das épocas mais primitivas às mais avançadas, sobretudo quando se mostra sofisticadamente estruturado a partir de normas positivas e impositivas que pretendem garantir os valores mais significativos da sociedade, sobretudo a liberdade20. As mais diversas ordens emprestaram do Direito o seu signo. Daí fala-se em leis da natureza, leis morais, leis da lógica, leis do universo, leis da gravidade e do espaço.21 O Direito se revela, assim, como fenômeno eminentemente cultural e a sua história, apropriadamente, se confunde com a da humanidade. Isso, aliás, se mostra decisivo para a mais perfeita distinção entre o mundo do ser do mundo do dever ser: enquanto o mundo do ser diz respeito ao dado, à natureza, abrangendo os fatos e a realidade, o mundo do dever ser é um pressuposto da experiência, abarcando o conhecimento, a ação moral e o sentimento estético. É claro que é possível, ainda, reestruturar essa noção de cultura, transcendendo- a, para atingir maior amplitude, de maneira a conceber que a cultura consiste em tudo o que ganha sentido e significado para as pessoas, que reconhecem esses significados como tais22. À evidência, não se pode jamais resumir o direito como um conjunto de leis, tampouco se pode conceber que a justiça é mais ou menos garantida desde que existam leis. Nada disso se mostra real e verdadeiro, pois o jurista, não importando a função que exerça nas mais diversas relações jurídicas – juiz, procurador, promotor, advogado, defensor, delegado, entre tantas outras – exerce um papel singular na construção do sistema jurídico. É exatamente assim que o Direito se apresenta: fruto da atividade intelectual e cultural do jurista que nem de longe está imune a uma série de fenômenos e transformações sociais. E a justiça traduz um verdadeiro sentido e fundamento para o sistema jurídico, de maneira a lhe possibilitar uma concepção que não se encontra, necessariamente, restrita a um modelo concebido no contexto de ordens coercitivas, isto porque, não é um conjunto de leis que assegura a eficácia da Justiça, mas somente as relações humanas que se conformam aos mais singulares valores da sociedade é que estão abertas ao Infinito e à Humanidade e, pois, podem traduzir o verdadeiro sentido do justo. 2. Como Utilizar este Livro Esta obra apresenta os conceitos jurídicos fundamentais para a melhor compreensão das questões mais importantes do Direito. O destinatário deste livro é, por excelência, o estudante ingressante do Curso de Direito ou o estudioso que pretende revisitar a Teoria Geral do Direito. A obra é composta de 14 capítulos que objetivam, a partir dos títulos que compreendem cada um desses capítulos, traçar o panorama do fenômeno jurídico, desde a compreensão de seu conceito, passando por sua função, estrutura, criação, sistematização e fundamentação, o que é temperado por uma linguagem simples e metodologia que privilegiam a abordagem essencialmente didática, sobretudo a partir de variados exemplos, bem como a remissão legislativa pertinente, tudo com o escopo da melhor compreensão de cada um dos tópicos. Os capítulos – que nesta obra são representados pelo símbolo § – são compostos de subcapítulos próprios para o desenvolvimento de todas as temáticas que compreendem a Teoria Geral do Direito. Cada um dos capítulos é iniciado com o pensamento dos grandes juristas, com o escopo de permitir ao estudante – e bem assim ao estudioso – dialogar com as mais importantes teorias do Direito. No final de cada um dos capítulos, apresenta-se o item em síntese (ressalvada nesta parte introdutória e no último dos capítulos), com o propósito de traçar a síntese dos principais tópicos – mas que não dispensa, em hipótese alguma, a leitura e discussão de todos os capítulos na sua íntegra. Sejam muito bem-vindos à Teoria Geral do Direito. - 19 RÉMY CABRILLAC, Qu’est-ce qu’une introduciton au droit?, p. 3.
20 Nesse sentido confira JÜRGEN HABERMAS, Direito e democracia, Vol II, p. 307.
21 GUSTAV RADBRUCH, Introdução à ciência do direito, p. 1.