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4.

O Conceito de Direito
IMMANUEL KANT, o principal filósofo da era moderna em sua genial
Crítica da Razão Pura (1781), ironizava a propósito dos juristas que
ainda buscavam uma definição do conceito de direito53. Anos mais
tarde, KANT retorna a essa mesma temática ao escrever Metafísica
dos Costumes (1785), tendo aí confrontado a questão “O que é o
Direito?” com a outra famosa indagação: “O que é a verdade?”54. O
pragmatismo kantiano centrado na ideia de uma justificação do
conhecimento (O que é o Direito) por meio da verdade, é retomado
por HABERMAS, para quem o conceito de conhecimento como
representação é indissociável do conceito de verdade como
correspondência55, de maneira que a função pragmática de
conhecimento se mostra indispensável para o seu aprendizado. Daí,
portanto, que a construção do conceito de direito está ligada
necessariamente à ideia do Direito estabelecida a partir do senso
comum, sem perder de vista a atmosfera da sua
contemporaneidade.
Assim, como visto, a Ideia elementar do Direito passa
necessariamente pela perspectiva de justiça, lei, ordem e sociedade
e, considerando que o seu conceito é essencialmente cultural,
deverá ser completada com outros elementos que se mostram
essenciais e característicos56: Direito é a ordenação cultural das
normas e princípios jurídicos que regulam a vida social no Estado,
com base nos valores fundantes e contemporâneos da sociedade.
À guisa de melhor compreensão, promoveremos uma reflexão
analítica desse conceito:

i) o Direito é a ordenação cultural: As normas jurídicas não


existem de maneira isolada, por mais específico que seja o alvo
de sua abrangência. Há um contexto maior, mais denso e bem
mais complexo enfeixando um conjunto de várias normas
jurídicas, que guardam entre si um determinado referencial de
especificidade57. Destarte, o Direito se afigura como um
sofisticado instrumento da convivência social e compreende um
complexo sistema de normas jurídicas, que foram objeto da
criação humana – e não da natureza ou divindade;
ii) das normas e princípios jurídicos: as normas e os
princípios jurídicos constituem as fontes do Direito e, por meio
delas, revelam a essência e obrigatoriedade do Direito. Têm
como gênese as regras de convivência que nasceram, na sua
tradição cultural, pela convivência humana na sociedade.
Atualmente, a principal diferença entre os princípios e as normas
está atrelada à noção de abstração, sendo que o grau de
abstração do princípio é bem mais amplo e vasto que o das
normas jurídicas. De qualquer forma, ambos os termos irradiam
a tese de que o Direito é composto por normas e princípios
jurídicos que, numa primeira análise, têm natureza de
verdadeiros preceitos e mandamentos obrigatórios, sujeitando o
seu violador, usualmente, a uma consequência direta do
descumprimento, isto é, uma sanção jurídica. É o caso, por
exemplo, da prisão no direito penal ou a reparação de danos no
direito privado;
iii) que regulam a vida social no Estado: como já assinalado, o
Direito se apresenta como um sofisticado instrumento de
controle social, tutelando cada indivíduo em todas as suas
necessidades, seja no âmbito do direito privado comum, no
direito privado empresarial, no direito público, no direito interno e
direito internacional;
iv) com base nos valores fundantes e contemporâneos da
sociedade: atualmente, vivemos a era que deve resgatar o
enfoque valorativo do Direito que havia se esvaziado em meio às
teorias puramente normativas e certamente a justiça se
apresenta como um dos valores genuinamente mais importantes,
fundando-se como verdadeira essência e núcleo do Direito.

Vivemos, pois, em um tempo em que a Ética não pode ser


concebida senão dentro de todas as nossas relações humanas. Não
se trata, portanto, de desconstrução, mas da superação aos limites
objetivos do sistema jurídico para possibilitar a sua interpretação
com a reintrodução da justiça58 e da busca incessante dos valores
éticos para a construção de um ordenamento, por meio da
intersecção das regras jurídicas, sem jamais perder de vista os
valores e princípios que permeiam a nova hermenêutica e a teoria
dos direitos fundamentais, que parte de nossos juristas intitulam de
pós-positivismo. É essa a (nossa) concepção contemporânea do
Direito.

5. A Busca do Valor Ético do Bem


O jurista não é apenas um bacharel em Direito, mas um verdadeiro
operador que manuseia as suas fontes, promove a integração
jurídica, construindo e alicerçando todas as nuances e dificuldades
do sistema normativo.
Ele atua diretamente sobre o Direito, seja sob a perspectiva
teórica como pensador, filósofo ou mesmo professor, seja sob o
manto da experiência prática, como advogado, promotor, juiz,
delegado, procurador, professor, entre tantas outras funções que
dignificam as carreiras jurídicas.
Seja qual for o seu mister profissional, o jurista não é melhor –
nem pior – do que o administrador, o engenheiro, o arquiteto, o
psicólogo, etc.
O jurista é o profissional que, atento à sua formação
propedêutica com forte carga humanista, olha para uma norma de
nosso ordenamento jurídico e consegue dela extrair o seu
verdadeiro e justo alcance, cotejando a realidade cultural e os
valores que lhe dão sentido.
Dentre os valores éticos, lógicos, estéticos, do bem, da verdade e
do belo, certamente o valor ético do bem compreende os demais59 e
se converterá na incessante busca do jurista. Ora, se a cultura é o
genuíno tempero da humanidade, que permeia a solidariedade e
que também flerta com a barbárie, são os valores que fazem toda a
diferença para o jurista. Afinal, o que se espera do jurista, seja qual
for o seu mister profissional, é uma decisão – tal como ocorre em
outras profissões, como o médico, o engenheiro, etc. Mas a decisão
do jurista não está lastreada, apenas, de conteúdo científico.
É ela, antes de mais nada, uma decisão eminentemente
valorativa, cujo conteúdo será a realização do justo, permeada na
incessante busca do valor ético do bem.
À evidência, há quem se desvia desse escopo e, em vez de
perseguir a realização do justo, transforma o Direito em verdadeiro
instrumento de dominação, destoando, sobretudo, da velha e sábia
lição: just est realis et personalis hominis ad hominem proportio:
quae servata, hominum servat societatem, et corrupta corrumpit60. A
síntese foi elaborada por DANTE ALIGHIERI e deve ser objeto de
reflexão para a melhor compreensão do Direito. Em nossa versão: o
Direito é uma proporção real e pessoal, de pessoa para pessoa que,
conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a61. Não
se cuida, pois, de qualquer relação interpessoal, mas daquela que
fomenta uma justa proporcionalidade, mantendo-se
harmoniosamente a vida em sociedade. O Direito conduz a vida
social, atribuindo a todas as pessoas reciprocidade de poderes,
direitos, deveres, obrigações, prerrogativas. Na medida em que a
proporção não for mantida, estaremos diante de uma frustração
quanto à realização do justo, dado que abandonado o valor ético do
bem como busca pelo jurista, alcança-se o estado de corrupção
pessoal e social.
6. Em Síntese
− Etimologicamente, a palavra direito deriva dos vocábulos do
baixo-latim rectum e directum, tendo sua origem na raiz reg, que
traduz a ideia de movimento em linha reta e daí advieram muitas
palavras, tais como rei, reger, regime, régua, relha, dirigir e se
afigura como uma verdadeira metáfora, uma vez que designa
aquilo que é reto, isto é, que se encontra conforme às regras,
exprimindo, assim, uma noção preliminar de dever ser. E rectum,
diferentemente de directum, tinha um sentido mais moral do que
jurídico, tanto que também significava, apropriadamente, o bem
moral, o justo, a razão;
− A Ideia elementar do Direito passa necessariamente pela
perspectiva de justiça, lei, ordem e sociedade e, considerando
que o seu conceito é essencialmente cultural, deverá ser
completada com outros elementos que se mostram essenciais e
característicos;
− Atualmente vivemos a era que deve resgatar o enfoque
valorativo do Direito que havia se esvaziado em meio às teorias
puramente normativas, e certamente a justiça se apresenta
como um dos valores genuinamente mais importantes,
fundando-se como verdadeira essência e núcleo do Direito;
− Direito é a ordenação cultural das normas e princípios jurídicos
que regulam a vida social no Estado com base nos valores
fundantes e contemporâneos da sociedade.
-
23 IMMANUEL KANT, Kritik der reinen Vernunft, p. 116.

24 GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, p. 86.

25 JOSÉ HERMANO SARAIVA, O que é direito? p. 13.

26 FRANCISCO TORRINHA, Dicionário Latino Português, p. 732.

27 A letra j era desconhecida dos latinos, tendo sido utilizada por séculos após a queda do
Império Romano como variante gráfica da letra i. No século XVI, por criação de Pierre de
La Ramée, a letra j – ao lado da v – assumirão valor consonantal autônomo, nos moldes

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