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Introdução ao direito 2– 2º Semestre

DOUTOR REGENTE: Ana Gaudêncio


AULAS PRÁTICAS: Pedro Falcão

Exame final – 2ª turma


Vasco Carrola Santos

13º Lição:
1. Determinação do atual princípio normativo do Direito.
Tendo em conta o nosso contexto histórico-geografico, o direito
apresentasse-nos com uma determinada normatividade, que a
distingue de outras ordens da intersubjetividade
Contextualização: sentido fundamentante do direito entretecido pelos últimos
referentes axiológicos, que é o que fundamenta a normatividade do direito. Falar em
principio normativo do direito como referente axiológico implica que se identifique o
contexto da nossa civilização histórica.

a) Sentido geral: é uma dimensão transpositiva que dá sentido ao compromisso


humano do direito vigente e que o jurista tem de assumir se quiser participar
ativamente no processo de construção e aplicação do direito. É um produto
cultural resultante do esforço reflexivo do homem a respeito de sim mesmo. É
a fundamental pressuposição normativa que em cada momento temos da
nossa compreensão do direito.

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-A superação do positivismo jurídico implicou uma nova consideração do
princípio normativo do direito:
A coordenada especificamente jurídica do positivismo jurídico, a identificar o direito
com a lei, entendida como a prescrição normativa do titular do poder, encontra-se
superada pela consideração da dupla transcendência, tanto pelos princípios, como
pelos casos, a que os critérios legais estão sujeitos.
Com efeito, esta superação coloca o jurista perante um problema ineliminável: qual
então o sentido do direito?
Em que consiste a translegalidade que o jurista, qua tale, terá que mobilizar para não
se eximir do seu dever de participar, adequadamente, por mediação dos juízos
decisórios que está institucionalmente vinculado a proferir, na contínua reconstituição
da juridicidade vigente?
De que tipo há-de ser a normatividade predicativa de uma ordem jurídica para que
justificadamente nos disponhamos a qualificá-la como de direito? (problema da
determinação do conjunto de exigências de sentido que o direito convoca e pretende
projetar no horizonte de uma praxis concreta)

Este problema reclama, desde logo, uma resposta histórica.

• Fase Pré-Positivista: O direito encontra o seu sentido decisivo no ius


naturalis, segundo o qual, o último fundamento constitutivo do direito era
humanamente indisponível, pois radicava na própria natureza do homem.
• Positivismo: Absolutiza-se o voluntarismo na constituição e o legalismo na
objetivação do direito que, conjuntamente, modelaram o racionalismo que o
tipificou.
• Superação do Positivismo: Desta superação, resulta a recuperação da
autonomia de cada um dos termos do binómio lei/direito, passando a
compreender-se este último por referência a intenções normativas trans-legais;
e, ainda, a reassunção, por parte do direito, de uma dimensão material, em
detrimento do formalismo proposto pela axiologia positivista.

Além do mais, tenha-se em conta que o homem, quando se decide a compartilhar o


mundo, como um sujeito ético, invoca o direito, recorrendo, hoc sensu, a uma validade
transpessoal para fundamentar qualquer pretensão que formule e dirija ao outro. Ora,
sempre que o homem se preocupe em responder a um apelo deste tipo, não poderá
deixar de o fazer em consonância com a compreensão que tiver de si mesmo.

• Homem Pré-Moderno: Autocompreendia-se por referência às formas


comunitárias que sucessivamente o integraram e via no direito uma estrutura
declarativa da ordem que elas traduziam.

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• Homem Moderno: Afirma a sua autonomia individual contra a comunidade
e empenha-se em criar sistemas de direito pensados a partir da liberdade
racional que se auto-predicava.
• Homem-Pessoa: Reciprocamente, reconhece um valor materialmente
densificado pela dialética da liberdade e da comunidade que o entretece e que,
coerentemente, se empenha em constituir uma ordem de direito em que se
reveja como um sujeito ético.
Neste sentido, questiona-se: qual o conteúdo da validade densificadora da específica
normatividade jurídica? Ora, dir-se-á que o sentido específico do direito é o conteúdo
da sua mencionada validade fundamentante, entretecida pela summa dos últimos
referentes axiológicos em que intencionalmente radica e que CASTANHEIRA NEVES
denomina o seu “princípio normativo”. Institucionaliza-se historicamente um sentido
que não é imposto de fora aos sujeitos de direito, não é algo externo e ontológico
imposto aos sujeitos e a estes impondo um certo sentido. O direito não é
heterodeterminado por um absoluto que lhe é externo. Ainda se pensa que o Direito
é uma concretização histórica de um absoluto ahistorica. Aqui assume-se que o
sentido fundamentante do direito, ou seja, o seu princípio normativo, é construído
intersubjetivamente e dialogicamente na história (a historicidade é lhe constitutiva). O
Direito acaba por se tornar absoluto, pois a sua construção cultural criou tal ideia na
história. A herança histórico-cultural é essencial pois se manifesta como experiência
reflexivamente discutida, os pressupostos querendo ou não estão aí, a sua
manifestação é que vai mudando e reconstruindo. Percebemos que o princípio
normativo é algo constituendo, a normatividade do direito é algo em constante
constituição.
Em suma, note-se que, durante o prático-culturalmente falacioso interregno
positivista, o problema do sentido do direito que agora nos preocupa nem sequer se
tematizava, considerando apenas o quadro de legitimação política da impositiva
posição da lei. Com efeito, o problema do sentido enquadra-se nas novas exigências
históricas de superação do paradigma positivista e na nova compreensão do homem.
O sentido do Direito, ou seja, o seu princípio normativo é uma construção histórica

-Objetivação do princípio normativo na consciência jurídica geral:


A consciência jurídica geral, é a objetivação histórica-cultural da intersubjetividade
jurídica, ou seja, partilhada por todos quanto ao sentido do direito. Haverá um
consenso mais alargado ou mais restrito do que devera ser ou não o direito, algo em
permanente construção (constituenda).
Ela apresentasse-nos no seu primeiro nível, como um consenso em torno de um
conjunto de opções e compromissos juridicamente relevantes, ou seja, o que é que
tem relevância jurídica e precisa de resposta do direito. Isto não surge do nada, é sim
um pressuposto histórico com que nos enfrentamos. Porque passamos para um
segundo nível
O segundo nível, projeta a positivação de princípios e direitos nos Estados
constitucionais (no seu sentido moderno), que se assumem como direitos, deveres e
princípios fundamentais, como o princípio do Estado de Direito ou o principio da

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proteção da confiança, pilares do Estado moderno. Contudo ainda não temos o
referencial último
No terceiro nível há um referente pressuposto que tem a ver com a identificação do
horizonte de validade, o que é que dá validade ao Direito? Já não jusnaturalista ou
positivista, mas sim antropológico, é o reconhecimento recíproco da pessoa como
horizonte último de fundamentação, individuo (pressuposto autónomo que se vincula
ao outro) o sujeito (ator, pois pode não ser livre) e pessoa (com ineliminável dignidade
ética, autonomia e responsabilidade, implicadas pela pessoa jurídica). Esta definição
de pessoa deixa-nos a ideia de que esta é uma aquisição axiológica cultural e não um
pressuposto histórico. Percebemos que a nossa herança greco-romana e medieval não
nos deixou uma ideia de individuo autónomo que se diluía na polis ou nas relações
intersubjetivas societariamente mediatizadas pela communitas em que a hierarquia
era muito patente (nobre-plebeu, senhor-servo).
A pessoalização dá um gigante passo na época moderna, o homem liberta-se das
ordens previamente estabelecidas. Contudo constata-se uma liberdade contra o outro,
marcada por um individualismo radical, ainda assim ele não vive sozinho, é necessário
então, o direito e mais concretamente o contrato social um acordo vinculativo entre
lobos solitários, tentativa de delimitação recíproca dos sujeitos face aos outros sujeitos
e aos objetos da sociedade, há uma partilha do mundo necessária de regular.
A comunidade é condição da pessoa e é desde logo condição de existência e condição
vital, a nossa subsistência implica uma dependência dos outros. É também condição
empírica, é na complementaridade da divisão de tarefas e de trabalho que nos
encontramos como pessoas. É ainda condição ontológica, o nível de ser que atingimos
como pessoas depende dos outros, a ontologia vem antes da metafisica,
compreendemos primeiro o outro antes de olharmos para nos, percebemos que a
nossa construção enquanto pessoa depende do outro.
Ver a pessoa na comunidade no sentido jurídico, leva-nos a grandes questões.
Mobilizar esta ideia de que não vivemos isolados, mas autónomos relativos a tal
comunidade permite-nos perceber que enquanto sujeitos-pessoa, parcialmente
autónomos e parcialmente dependente da comunidade, e no ponto de vista jurídico,
isto manifesta-se na construção dialética entre autonomia e responsabilidade.
O que, e ate que ponto se pode exigir do jurídico quanto à autonomia e à
responsabilidade? O que nos leva, portanto, a distinguir esses dois corolários jurídicos,
que se relacionam juridicamente:

-O seu terceiro género para alem do jusnaturalismo e positivismo: o


princípio normativo colhe no jusnaturalismo a intenção fundamentante e recebe do
positivismo o caracter histórico.
Hodiernamente, reconhece-se que o direito se não reduz à lei e que ele constitui, nas
fragmentadas sociedades dos nossos dias, a única expressão intersubjetivamente vinculante
das validades comunitárias. Tal consideração, impõe que se questione então: qual o translegal
referente fundamentante das últimas validades comunitárias que assim se convocam? Com

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efeito, trata-se de uma questão que nos coloca no terreno dos sentidos humanoculturalmente
predicativos e, portanto, apenas dialógico-argumentativamente discerníveis.
Ora, os referentes intencionalmente constitutivos de todos os problemas práticos são
caracterizados por uma ineliminável historicidade. No entanto, apesar da fundamentação
trans-legal que se convoca, não se trata de uma remissão do direito para uma imutável
essência-fundamento onto-teológica, onto-metafísica ou onto-antropológica, tal como o
pretendia o jusnaturalismo. Diferentemente, o princípio normativo é um produto cultural
resultante do esforço reflexivo do homem a respeito de si mesmo e não qualquer ideal
hipostasiado.
Por outro lado, sendo, deste modo, uma axiologicamente intencionada realidade cultural,
poderemos qualificá-lo como um absoluto do nosso momento histórico: emerge na história
como um regulativo intencional e será como tal que há-de ser historicamente reconstituído e
até, eventualmente, historicamente superado. Assim, não traduz a redutiva precipitação em
termos historicamente contingentes de um absoluto imutável, visto que aquele absoluto está,
originária e continuamente, aberto à história, constituindo-se, reconstituindo-se e esgotando-
se, mesmo, no horizonte que ela vai entretecendo.
Neste sentido, note-se que é esta dialética (a alusão a um absoluto, todavia exposto à erosão
histórica) que nos permite qualificar o princípio normativo como um tertium genus, para além
do jusnaturalismo e do positivismo jurídico, podendo dizer-se que o princípio normativo colhe,
no jusnaturalismo, a intenção fundamentante e recebe, do positivismo, o caráter histórico,
traduzindo assim como que um ponto de interseção entre o que deve ser e aquilo que é.
Por fim, note-se que cada cultura tem o seu núcleo num conjunto de valores que lhe
determina a especificidade e marca o sentido. Assim, os grandes ciclos culturais gravitam em
torno de uma problemático-experiencialmente radicada axiologia que constitui como que a
sua própria auto-transcendência, isto é, os pressupostos fundamentantes de cada uma dessas
grandes eras que transcendem a contingência aleatória e que se nos apresentam como uma
autêntica pressuposição intencional, histórico-praticamente constituenda, podendo, pois,
dizer-se a cultura, simultaneamente, pressuposto e criação. Existe, portanto, em cada cultura
um fundamento invariante que permanece e que identifica a auto-transcendência do
horizonte cultural em causa. Ora, o princípio normativo está para o direito como a mencionada
auto-transcendência para cada ciclo cultural

Análise da consciência jurídica geral:

α) o plano da assimilação sócio-cultural e político-social; o primeiro plano da consciência


jurídica geral é constituído pela projeção dos padrões culturais dominantes numa sociedade
incluindo os objetivos politico-ideológicos que nela se afirmam, na esfera especifica do
jurídico. A assimilação é naturalmente inevitável, recorde-se que o direito não é uma ilha, mas
sim um subsistema no horizonte global de qualquer pratica histórica, razão pela qual há um
continum entre cultura e direito.

O direito assimila as valências que constroem o quadro cultural e consequentemente politico


vigente, tendo tendência a diluir-se nele. Sendo necessário interpor uma reflexiva exigência de
diferenciação, para impedir que o direito seja objetificado pelos diversos fatores socias como o
politico, económico ou filosófico-cultural. O direito é alias chamado a unir os mencionados
fatores, assimilando-os e convertendo-os em referentes jurídicos, algo que não garante a sua
autonomia. É na doença que apreciamos a saúde e com efeito, se o referente ultimo do direito

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fosse o sistema político-económico, em caso de ato histórico de rutura ficaríamos sem direito.
São nestes momentos conturbados que se patenteiam os diferentes planos da prática
histórica, são nestas alturas em que o radicalismo premente reclama novos referentes políticos
e económicos, e aqui, será que o direito se transforma numa mera formalização
regulamentadora da nova ideologia político-económica?

Não, porque o direito tem exigências especificas que estão presentes e orientam a
constituição ou reconstituição de uma nova ordem jurídica, para que possamos
justificadamente qualifica-la como de direito, exigências essas como:

- a valorização da dignidade da pessoa humana;

- O principio do Estado de Direito

- Os princípios de independência judicial ou da não retroatividade da lei penal.

Tais princípios derivam de uma certa cultural é facto, mas uma vez expostos e assumidos não
os poderemos renunciar mais, sob pena de eliminarmos o horizonte cultural do próprio
direito.

Principios como os enunciados integram a auto-transcendencia do direito e não aceitaremos


dizer de direito uma ordem jurídica que não os pressuponha. Principios que podem ser
redensificados, podemos ir com eles para alem deles, mas dentro do mesmo ciclo histórico,
não podem ser pura e simplesmente eliminados.

β) o plano dos “princípios jurídicos fundamentais”; partindo precisamente dos princípios aos
quais chegamos, esses afirmam verdadeiramente a autonomia do direito. Quais são então os
princípios normativos que estão na base da compreensão da juridicidade e que conjuntamente
modelam o conteúdo da consciência jurídica geral?

Em primeiríssimo lugar: a compreensão da personalidade jurídica humana como projeção no


direito da personalidade humana e o principio de que cada pessoa tem direitos na
intersubjetividade, como direito à vida, saúde, integridade física e dignidade pessoal –
Principio de proteção de bens elementares da personalidade.

Seguem-se o principio da liberdade, em que cada um tem o máximo de liberdade, pratico-


circunstancialmente compatível, com a liberdade de todos os outros. O principio da justiça
distributiva que determina que se proceda com equanimidade sempre que se trate de
reconhecer normativamente “bens, encargos, riscos e oportunidades”. O princípio do mínimo
de existência, que se caracteriza por ser a exigência de garantia a cada pessoa a atribuição de
bens e serviços necessários para que possa existir como pessoa.

γ) o plano da dimensão axiológico-normativa última do direito:

αα) a pessoa e a comunidade;

ββ) corolários normativos: princípio da igualdade e princípio da responsabilidade.

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-Princípio da igualdade, afirmação da autonomia, o polo do suum (afirmação do eu
pessoal): Há dimensões que nos não admitimos ao direito interferir nem o direito o
quer, (implicação axiológico-normativo negativa) neminem laedere (coexistência) há
uma zona de descrição que o direito não toca. Por outro lado, temos o aspeto da
convivência (pacta sun servanda) resultante da atuação de cada sujeito, que se
vinculam livremente no exercício da sua auto determinação a nível privado
-Princípio suprapositivo (manifestação do sentido último do direito) da
responsabilidade, resposta perante o outro, o polo de comune (integração
comunitária):
α) Implicação axiológico-normativa negativa: princípio do mínimo e princípio da
formalização: Zona de proteção do sujeito. Na resposta à delimitação do juridicamente
relevante e exigível, vamos encontrar como resposta quanto ao conteúdo, um
principio do mínimo – o conteúdo do juridicamente relevante e exigível terá de ser
aquele que for essencial e só esse, para garantir a realização da autonomia de um
sujeito e dos outros sujeitos. A limitação à autonomia do sujeito terá de ser necessária
para o desenvolvimento da autonomia dos outros sujeitos. Limitação das limitações
que o polo da responsabilidade nos pudesse impor. (exemplo do princípio da
proporcionalidade do DC).
Quanto à forma temos como resposta o princípio da formalização – tradução num
esquema conhecível daquele conteúdo exigível. Por exemplo o princípio da legalidade
criminal é uma manifestação deste princípio, o conteúdo do que e juridicamente
relevante do ponto de vista criminal é o que estiver exposto nas normas penais
criminais e estritamente no modo por que tais normas se dirijam à realidade.
β) Implicação axiológico-normativa positiva: modalidades da responsabilidade
jurídica:
- responsabilidade perante as condições gerais da existência comunitária:
responsabilidade de preservação: princípio da corresponsabilidade (stricto sensu) –
honeste vivere: somos todos corresponsáveis pela realização dos bens jurídicos penais
e portanto somos também corresponsáveis por que os bens jurídico-penais relevantes
sejam protegidos, todos respondemos perante todos se algum violar um desses bens
responsabilidade de contribuição: princípio da solidariedade – suum quique tribuere:
traduz-se por exemplo na obrigação de pagar impostos e na sua respetiva distribuição
- responsabilidade por reciprocidade: comutativa em geral e contratual em
particular – executio iusti
- responsabilidade pelo equilíbrio da integração: hominis ad hominem
proportio
A relação entre estes dois polos é fundamental para perceber o que é juridicamente
relevante e exigível.

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2. O princípio normativo e outras intenções alternativas:
- Valor de segurança no quadro global da axiologia jurídica:
- O desvio do finalismo jurídico:
- A hipótese de “alternativas radicais” ao próprio direito:
α) uma ordem de poder (ordem de necessidade);
β) uma ordem científico-tecnológica (ordem de possibilidade);
γ) uma ordem política (ordem de finalidade).

Capítulo 2 - O modo de ser do Direito


1. Modalidades da existência
- Modo de existência como vigência: O direto de uma sociedade é aquele que for
vigente, aquele que é eficaz junto da comunidade, tem de ser valido e consonante com
a consciência jurídica geral de uma certa comunidade. As duas dimensões que
constituem a vigência são a validade e a eficácia em simultâneo. Base axiológica e base
empírica ou factual (dever-ser que é).
O direito não se caracteriza ou se garante exclusivamente por ser sancionatório, o
objetivo do direito enquanto ordem conformadora da intersubjetividade
societariemente relevante, é que os sujeitos a quem se dirige se conformem e
concordem do ponto de vista substancial com as suas prescrições.
O cumprimento das prescrições normativas, se se traduzir em eficácia que não
depende da convocação continua das sanções, aí teremos o direito na sua eficácia
plena. A sanção é uma característica essencial, mas não define o direito, ela é um meio
ao serviço da efetivação do direito

- As suas relações com a validade e a eficácia: O direito ao perder eficácia perde força,
e perde identidade, a eficácia e efetividade é o que o distingue das outras construções
normativas ético-morais. Uma norma torna-se obsoleta quando os fundamentos em
que essa norma se encosta, se alteram. A consciência jurídica geral quando muda,
alteram-se também as perspetivas que temos sobre as normas. O direito é um acervo
axiológico histórico, a convivência pacifica e o consenso de validade a que todos
queremos chegar, não pode impedir as posições divergentes, até porque aquilo que se
considera lícito ou ilícito resulta da relação entre a evolução anterior e a discussão

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presente, aquilo que é valido hoje, não o foi antes e pode não o ser amanha. A
valoração ética universal que o direito pretende encontrar para se efetivar de forma
constante, implica um diálogo constante com a realidade e com as novas perspetivas,
pois so dessa forma é possível que ele continue eficaz, ou seja capaz de manter na
realidade aquilo que prescreve.
Por exemplo, no direito da família do após 25 de Abril, deixou de se distinguir entre
filhos dentro ou fora do casamento, a validade dessas normas estava do ponto de vista
intersubjetivo, a perder validade, do ponto de vista empírico, a validade estava em
queda apesar de no Estado ainda não se ter confirmado tal queda.
O direito mantem-se vigente com esta dialética entre validade e eficácia. Se nos
recordarmos que o que confere validade as prescrições normativas é a base axiológica
em que se fundamentam, na relação com a realidade, o que comprova a sua validade é
alguma elasticidade quanto ao cumprimento ou incumprimento e a referência à
sanção enquanto meio de efetivação do direito. O direito prevê prescrições para a
nossa conduta, imperativas, mas também dispositivas (os sujeitos podem definir os
seus interesses segundo a sua autodeterminação – a lei não define os objetos de
negócio jurídicos possíveis, podem ser celebrados contratos que não estão tipificados
ou mistos, mas sim os que não são possíveis ou admissíveis. Por exemplo o contrato de
arrendamento é tipificado, mas podem-se juntar clausulas vinculantes que não estão
tipificadas).
O direito só fica a ganhar quando os contraentes e as pessoas se vinculam quando não
há normas imperativas que o façam diretamente. Não há perda de eficácia quando há
esta auto-vinculatividade do direito, ele visa efetivamente estabelecer as condições
para a convivência pacifica, estruturando os valores essenciais e conferindo aos
sujeitos autonomia e responsabilidade, ele não perde eficácia por haver normas
imperativas ou dispositivas.
Percebemos ainda que, a validade do direito não é posto em causa pela factualidade.
O direito à vida não deixa de ser invalido por haver homicídios. O que permite
reafirmar a validade quando a factualidade a viola é precisamente a aplicação (contra
fáctica- contra/oponível ao facto) da sanção.

2. Modalidades normativas:
Direito subjetivo (o direito como poder): faculdade de exigir de outrem um
determinado comportamento, um dever geral de abstenção ou um direito de exigir um
comportamento. Individuo autónomo, que é titular de direitos, dos quais podemos
usufruir e impor a outros. Direito visto da nossa perspetiva, como prerrogativa do
sujeito. “o seu direito” de propriedade, personalidade, à imagem. O direito titulado
por cada sujeito, concedido por esse objetivo é o subjetivo. Vai ser um poder ou uma
faculdade titulada pelo sujeito e que lhe compete – Uso e imposição.

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Direito objetivo (o direito como norma): Conjunto de regras que, cria balizas
orientadoras das nossas ações. Individuo inserido na comunidade. Corresponde à
apresentação do direito de que os sujeitos são destinatários, esta fora dos sujeitos e
que se lhes impõe. Enquanto normatividade vigente, é aqui que encontramos a lei, o
direito objetivado na ordem jurídica. Visto da perspetiva da ordem jurídica. Direito
civil, penal, administrativo. O conjunto das normas legais, dos princípios vigentes e das
decisões judiciais.
Divergências entre subjetivo e objetivo:
- Historicamente:
O direito subjetivo começou por não existir, a noção de direito aparece-nos como
direito objetivo, ordem prescritivo-normativo de que o sujeito é destinatário,
conferindo-lhe estatutos apesar dessa subjetividade ainda não se impor ao objetivo.
Emergiu na idade media e afirmou-se comunitariamente na idade moderna.
No pensamento jurídico romano, o direito era uma ordem objetiva que definia o
estatuto das pessoas e a situação das coisas. A titularidade de direitos já existia mas o
que importava era a integração harmoniosa das posições. Na idade media
manifestaram-se ténues sinais de mudança. A ideia de que Deus e homem são
ontologicamente distintos (Criador e criatura) leva à libertação do homem do cosmos
geral e à admissibilidade de este poder discutir com a ordem comunitária, juntando o
facto de que se começa a preferir o bem-estar singular do que o comunitária, criando
desta forma os pressupostos mínimos para os direitos subjetivos.
Só no pensamento moderno-iluminista, com o individualismo e contratualismo
(jusnaturalismo moderno) é que se assume que o sujeito nasce primeiro livre e
desvinculado, e depois vincula-se pela sua vontade e interesses com os outros sujeitos
nascendo aqui o fenómeno direito. Tendo primeiro direito subjetivo e depois objetivo.
Individuo com uma autonoma subjetividade pratica, juridicamente projetada nos
direitos subjetivos.
No seculo 19 surgem duas linhas preponderantes sobre a teorização do direito
subjetivo:
• Teoria da vontade: Será que o direito subjetivo é um poder de vontade
juridicamente reconhecido pelo direito objetivo? Poderia levar à redução de
faculdades jurídicas. Por exemplo um sujeito pode ser titular de direito de
propriedade e pode nem sequer ter vontade de tal.
• Teoria do interesse: Será que o direito subjetivo é um interesse juridicamente
tutelado? Poderia levar a uma redução ao interesse
O direito acaba por ser mais do que a vontade e mais do que o interesse que se
pretende prosseguir.
Noção legada e que domina o pensamento civilista: o direito subjetiva é o poder
jurídico reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa de livremente exigir ou
pretender de outrem um comportamento positivo ou negativo, ou de, por um ato de
livre vontade per si ou integrado por uma autoridade publica, produzir determinados
efeitos jurídicos que se impõe a outra pessoa.

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Relação dialética entre direito subjetivo e objetivo, conferencia aos sujeitos pelo
direito objetivo:
Uma norma consagrada em qualquer diploma legal (1305 do CC) a norma é direito
objetivo, o direito de propriedade titulado por um sujeito é direito subjetivo.
Ambos conceitos são categorias constitutivas e não contingentes da própria
juridicidade, pois remetem para as duas dimensões constitutivas da pessoa e em que
se baseia a normatividade jurídica – autonomia e comunidade. O direito e a pessoa são
a concretização de ambas, não podendo haver nenhuma hipertrofia para que não haja
uma prática desequilibrada.

3. A objetivação da normatividade jurídica – o sistema jurídico:


O direito como “sistema”: Sistema como construção estrutural e
substancialmente unitária e coerente, que expressa o direito vigente. O
Direito tem necessariamente de ser ordem pois so assim é capaz de
resolver o problema que o justifica – o da integração comunitária
Conjunto, estruturado em sistema, de todos os elementos que entram na constituição
de um direito que rege a existência e o funcionamento de uma comunidade humana.
Tem nota de unidade e de coerência. Isto é uma totalidade harmónica de conteúdos
normativos e uma certa compatibilização desses conteúdos. É uma unidade a que se
chega e não de que se parte. Afina-se o sistema no seu conjunto e no seu sentido com
o contacto com a realidade. É a posteriori e regressiva, regressiva porque cada vez que
contacta com a realidade vai repercutir-se com o sistema estabelecido previamente. O
problema supera o primeiro sentido do sistema e exige a reconstrução/elaboração de
um outro sentido sistemático. É um sistema aberto, toma em consideração o
problema, reconstrói-se, fortalecesse-se. O sistema jurídico esta para o direito, como o
nosso sistema esta para a vida, nós temos objetivos, referentes e princípios normativos
que orientam a nossa atuação que se vão alterando consoante o nosso crescimento,
com a nossa vivencia.

- Dialetica:
Sistema como articulador racional entre direito e realidade, entre ordem (que por si só
é uma falacia do positivismo legalista) e problema, entre a segurança e justiça, entre
prescrição para a ação e juízo valorativo da ação. Essa articulação dialética projeta-se
decisivamente no modo como o direito é realizado na resolução dos casos concretos e
nos juízos decisórios. O sistema assume, portanto, uma relevância metodológica ou

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metedonomologica, já que há determinação do sentido do direito juntamente com a
decisão jurídica. (percurso racionalmente feito pelo jurista desde que se confronta
com o caso pratico ate que resolve juridicamente o problema, ou seja é no fundo a
metodologia jurídica sem a palavra jurídica a diante).
O direito é histórico-situacionalmente relevado, e normativo-juridicamente
intencionado

- Tipos de sistema
- Critério do modelo:
• Sistema centrado numa unidade por identidade formal e
conceitualização abstrata: encontramos um sistema em que os elementos
constituintes se articulam logicamente. Este tipo de sistema é globalmente
correspondente àquele que nos apresentou o positivismo do seculo 19.
Inconsidera de todo a prática/problematização. Baseia-se num conjunto
coerente e homogéneo de conceitos, uma sequencia de conceitos que diferem
entre si de forma ligeira e gradual, formando o tal continuum de conceitos. Ou
seja uma linha horizontal de conceitos, polarizada por conceitos últimos ou
fundamentais. Positivismo do seculo 19
• Sistema polarizado numa unidade por redução a um único
fundamento puramente formal: Este é tipicamente o modo constitutivo
do sistema jurídico do normativismo proposto por Hans Kelsen. Aqui temos
uma estruturação hierárquica (linha vertical – decisões judicias em baixo e no
vértice o pressuposto racional à priori). A relação das normas (que é o direito) é
hierárquico. Positivismo do seculo 20, em que permanece a referência ao
direito positivo e normativista (exclusivamente composto por normas). Aqui,
contudo, as normas estão organizadas de forma hierárquica. Normas em
estruturação piramidal, mais perto da base estão normas mais ligadas à
realidade, e à medida em que subimos encontramos normas hierarquicamente
superiores cada vez mais genéricas e abstratas. Chegando ao vértice, chegamos
à única norma que não é criada, é pressuposta (pressuposto racional à priori).
No nível anterior ao vértice, encontramos a constituição. As decisões judiciais
(base) assumem-se como norma também. O positivismo, não nas mesmas
vestes, permanece. (unidade garantida por uma GRUNNORM). A diferença esta
em que se admite aqui uma relação dinamizante e concretizadora mas apenas
de cima para baixo, não admitindo influencia dos estratos inferiores (mais
próximos do problema) aos superiores. Por exemplo, a legislação ordinária vai
dinamizar e concretizar a constituição.
• Sistema funcionalmente esquematizado segundo relações
sociológicas de “input-output”: Isto tem que ver com uma fase do
pensamento de um autor da teoria dos sistemas (Nicholas Luhman), considera
que a sociedade é composta por vários subsistemas, e vai analisar a relação que
o direito enquanto subsistema tem com os outros subsistemas sociais.
Encarado como resposta à funcionalização do Direito. Ele propõe a recuperação
da autonomia do direito, descomprometendo-o do discurso dos outros
sistemas, formalizando-o. De forma que o direito seja uma articulação entre os

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subsistemas não se comprometendo com eles, regressando ao fecho do
sistema jurídico, e que o ruído dos outros subsistemas seja apenas estímulos
destes para o sistema jurídico internamente se reestruturar, adaptar e
responder de forma jurídica exclusivamente. Não há, portanto, input, apenas
output.

Até aqui, estamos a considerar apenas sistemas em que temos


determinações de sentido único, o direito é criado no sistema e
projeta-se na realidade. O direito é sobretudo racional do ponto
de vista formal. Predefine a juridicidade

Agora são sistemas que se legitimam materialmente, e que


pretendem objetivar o conteúdo algo que só pode acontecer pela
mediação da realidade.

• Sistema de Fundamentação: O sistema passa a distinguir critérios e


fundamentos. Já não é um sistema cuja validade resulte da relação formal e
hierárquica ou concatenação logica. Abre-se aqui uma via à problematização
sem referencia à qual não é possível pensar. A unidade do sistema é inucleada
em exigências axiológicas e que à qual so chega pelas diversas correntes
metodonomológicas de orientação pratica, o sistema é apenas dinamizado por
concretização, não sendo densificado por uma autentica constituição
• Sistema polarizado numa unidade normativa de dialética
realização à posteriori e regressiva: É um contraste ao positivismo
O novo repercuta no velho, implica que o sistema seja aberto, a realidade
influi. É material, ou seja, não cinge a um descumprimento, unidade racional
não é hierárquica nem de racionalidade formal. Pluridimensional, há mais
estratos do que normas (costume, doutrina etc). Reconstituição posteriori,
sistema-problema, o sistema é construído na relação com e pela influência da
experiência, não de forma única, o sistema ainda possui autonomia. É um
sistema que não se pauta por prescrever, mas sim por valorar e dialogar com a
pratica à luz dos valores pelos que se regem. Por fim reconstituição regressiva o
sistema desenvolve-se pela realidade que propõe novidades que se confrontam
com o sistema que se reconstrói e que se repensa para responder de modo
jurídico. A construção faz-se do problema para o sistema.

- Critério tipológico:
• Sistema regulamentar vs sistemas axiológicos: o sistema
regulamentar, caracteriza-se na predefinição dos critérios que irão servir uma
certa planificação, a validade assenta na sua forma ou no fim que prossegue.
Regulação previa ao momento da sua mobilização. Contrapõe-se o sistema
axiológico, que assenta em referências a valores, faz assentar a sua validade,
não na forma (positivismos normativistas), não nos fins (funcionalismos
materiais – valoração em função do objetivo) mas sim nos valores que

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fundamentam o conteúdo. Exemplos de sistemas axiológicos serão os sistemas
de fundamentação e o sistema polarizado numa unidade normativa de dialética
realização à posteriori e regressiva, sendo os restantes exemplos de
regulamentação por diversas razões.
• Sistema normativista vs sistema decisionista: O sistema normativista é
aquele que traduz o direito em normas, pre-escritas, reduzindo a analise do
direito à correta compreensão dessas normas, concentram-se na analise e
compreensão de norma. A norma define o direito e como se aplica. Os
decisionitas compreendem.se do lado da decisão, a tónica esta na decisão. No
modelo romano, hermenêutico da idade media ou na common law atual, o
sistema centra-se na decisão.

- Critério Histórico:
• Jusracionalismo: Dedução de sistemas de direito natural de certos axiomas
especulativamente postulados. O sistema eram normas gerais e abstratas que
se manifestavam antes da sua aplicação
• Normativismo: É de tipo normativista a tradição que herdamos. A norma é a
manifestação da juridicidade. Uma certa hipótese abstrata tem uma proposição
que refere uma determinada consequência. Se puder ser verificada esta
hipótese a consequência verificada é estoutra. Algo unidimensional –
proposições abstratas pré-enunciadas pelos legisladores, aplicadas na realidade
logico-dedutivamente, algo alheio ao sentido pratico que hoje se considera
superado

Concluindo que: hoje deveremos compreender o sistema jurídico como topos


(local) de estruturada objetivação da especificamente intencionada e constituenda
normatividade jurídica. Constitui-se e reconstitui-se de acordo com a prática histórica,
não está logico-dedutivamente estruturado, mas sim pratico-prudencial, sem perder
unidade nem coerência e baseado numa racionalidade capaz de julgar o concreto, a
realização judicativo-decisória, não se reduz à mera aplicação, há uma marca inevitável
de subjetividade de quem profere a decisão, sendo necessário haver
fundamentos/referentes jurídicos que justifiquem o arbítrio. O corpus iuris vigente
integra uma normatividade bem mais ampla do que apenas a formalmente vazada em
normas legais. Há um valor axiológico-intencionalmente regulativo, mais ainda um
jurídico materialmente constitutivo que implica por sua vez que seja um sistema
predicado na juridicidade e na decisão (metedonomologia)

A objetivação da normatividade jurídica - O sistema Jurídico na


sua compreensão Pluridimensional e jurisprudencialista
Manifestações do Direito que se relacionam dialéticamente, garantindo
a unidade ao Sistema jurídico (Não encontramos relação hierárquica mas
sim de fundamentação).
Estratos integrantes do Sistema Juridico:

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1º - O Sentido do Direito (a deveniente intenção irredutivelmente especificante da
normatividade jurídica) – remissão para a referência para a validade como dimensão
constitutivo do Direito. Pressuposto axiológico fundamentante que perpassa todos os
outros estratos, não fazia sentido falar dos outros sem este. Esta autonomizado para
frisar a relevância no conjunto dos restantes estratos. Encontra nos fundamentos a
tradução da sua identidade, e nos critérios a expressão da sua operatividade

Exige uma distinção entre Estratos de fundamentos e estratos de


critérios:
• Fundamentos (princípios normativos): horizonte de referência
substancial (de conteúdo), base axiológica de fundamentação, que conferem
sentido aos criterios
• Critérios (Normas jurídicas, precedentes legais): Operador pratico,
diretamente mobilizável para a resolução do problema
2º - Os princípios normativos: Sentido fundamentante dos sentidos práticos. São o
horizonte de fundamentação para o sistema jurídica. Exigencias de sentido axiológica
em que radica a validade do sistema
São a manifestação da fundamentação da juridicidade vigente. Estão substancialmente
ligados ao sentido, sendo a primeira expressão do sentido do Direito. Digamos que
este é a filtragem para o direito das valorações da comunidade. Temos um segundo
nível de direitos e princípios fundamentais, uma segunda filtragem proveniente dos
nossos tempos, institucionalizando esses direitos e princípios nas constituições. E por
fim o terceiro nível que será o horizonte de referência último o reconhecimento
recíproco dos sujeitos de direito como pessoas. As filtragens (determinada valoração
social, ético-moral ou económico, que é apresentada ao direito, refletida
juridicamente e vertida para princípio, passando a ser parte constitutiva dessa ordem
jurídica, como o princípio da igualdade) podem ser feitos pelo legislador ou pela
doutrina, os princípios normativos podem surgir pela doutrina ou pela jurisprudência.
Exemplos concretos disto serão o princípio do Estado de Direito (manifestação crucial
de um princípio normativo), o princípio da boa, do contraditório, ou da culpa. Esta
filtragem constrói os pilares jurídicos fundamentais.
- Caracterização normativa: Princípios normativos (são referentes
axiológicos (fundamentos) sustentadores do direito positivo enquanto critérios, ou
seja as normas aqui são criadas a partir dos princípios normativos, obedecendo-lhe na
criação, interpretação e mobilização. O princípio da dignidade, liberdade ou igualdade,
são como vimos princípios normativos mas que se tornam imediatamente jurídicos, na
perspetiva jurisprudencialista, pois estes são movidos para direito positivo e vigente).
São verdadeiros princípios de justiça, pressupõem uma dialetica entre validade e
eficácia. Princípios de Direito natural (fundamentações jurídicas ou ético-morais que
sendo externas ao direito positivo, impostas de fora, que traduzem um ideal.
Referencias normativas externas). Princípios Gerais de Direto (abstrações
generalizantes retiradas de conjunto de normas. Os princípios gerais de Direito são
criados a partir de um conjunto de normas que visam uma problemática, extraem-se
de tal conjunto de normas. São como normas mas ainda mais gerais e abstratas,
permitindo agrupar as normas e podendo ser convocados em caso de lacuna).

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Juridicidade dos princípios
Principios de direito
Principios do direito – valido e eficaz no horizonte do sistema jurídico.

Justiciabilidade dos princípios: princípios suscetíveis de ser mobilizados para atingir


uma solução judicial. É estruturado pelo processo institucionalizado (forma) e o juízo
metodológico (material)
Os princípios normativo enquanto fundamento são um referente essencial, quer haja
critério, quer não exista critério pré-existente, sendo que uma vez comprovada a
juridicidade do problema, cria-se um critério movendo-se o principio normativo.
Prevalece sobre a norma legal, pois é fundamento e a norma legal será a concretização
pratica. São, portanto, fundamentos da intenção pratica-material, material porque são
indeterminados, são maleáveis: princípio da boa-fé, da culpa, da defesa ou da
confiança. A materialidade aponta o caminho que a prática das soluções jurídicas deve
assumir.
O princípio não intervém somente de forma subsidiária, ou seja quando não há critério
mobilizável, mas sempre, quer o problema da judicativo-decisorio realização do direito
se processe por critérios ou sem a mediação de critérios pré-disponiveis,

-Classificação dos princípios normativos:


• Segundo a posição no sistema jurídico (Princípios positivos e Princípios
Transpositivos e Princípios Suprapositivos):

Suprapositivos - Quando falamos da posição, consideramos princípios que


diretamente manifestam o sentido último do direito, que serão os pilares
fundamentais da ordem, que se iram concretizar para as diferentes ordens
dogmáticas, não necessitando de estar positivados para ser vinculantes. Estes
suprapositivos são de facto manifestações imediatas da afirmação da ideia de
direito globalmente considerada, princípios que determinam o sentido
material e formal da juridicidade. Princípios que se referem automaticamente
a autonomia e responsabilidade. Exigências fundamentais de autonomia dos
sujeitos e exigências fundamentais de responsabilidade enquanto resultado da
integração comunitária como limite da autonomia dos sujeitos. Encontramos
aqui a delimitação de autonomia e de comune. Perpassam todo o
ordenamento jurídico, que irão projetar-se nos diferentes domínios do direito
em diferentes princípios basilares. No âmbito do direito publico temos o
princípio da proporcionalidade (transpositivo), onde exatamente se mostra
que o princípio do mínimo (algo suprapositivo) se manifesta.
Verdadeiramente, princípios últimos fundamentantemente constitutivos do
sentido do direito. (Pense-se na dignidade da pessoa, algo predicativo de
qualquer ordem de direito, decisivamente orientador do direito no geral)

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Transpositivos - Aqueles que sendo sua concretização se apresentam como
pilares fundamentais de cada área. Consagrados em normas legais
(constitucionais e logo fundamentais), mas ao ser transpositivos não
necessitam de ser positivados para serem vigentes, é apenas uma garantia de
efetividade. Conferem sentido constitutivo aos vários domínios jurídicos.
(Principio da legalidade criminal – Direito Penal; ou igualdade dos cônjuges ou
não discriminação entre filhos – Direito da Familia). Podemos dizer que são as
clausulas gerais mais relevantes de cada ramo.
Positivos - Aqueles que não sendo pilares fundamentais de uma especifica
área, são orientações que o legislador vai apontando. São expressamente
consagrados pelo sistema jurídico pré objetivado. Concretização do direito a
nível operativo, e por essa razão os legisladores estabelecem-nos
normativamente, pois haveria possibilidade. O artigo 219 do CC, encontramos
um princípio de consensualidade e liberdade formal, algo fundamental do
direito para garantir a agilidade da vida. Esta consagrado sob forma de norma
para o cristalizar.

• Modo de objetivação (Princípios normativos escritos e (ainda) não escritos):


-Escritos: aqueles estão elaborados e tematizados

- Não escritos: Aqueles que se vão propondo consoante a analise reflexiva


da juridicidade. As valências extra-legais (princípios supra e transpositivos)
quando é que se pode classificar sentidos não escritos como princípios de
direito e do sistema jurídico em questão? Muito simples, eles irão reconhecer-
se como princípios de Direito quando estejam em consonância com a ideia de
direito histórico-culturalmente compartilhada, ou seja, temos de ver neles algo
que a sociedade aponte claramente como de direito. Orientam as decisões
para os casos juridicamente relevantes, possuem caracter integrante de
lacunas. Continuam a poder ser chamados como fundamento das perguntas de
direito. Eles mostram-se em qualquer momento constituvo do direito,
construção legislativa ou no momento decisório

• Intencionalidade normativa: (Princípios normativos abertos e em forma de


norma):
-Forma de norma: Se pegarmos em exemplos como o princípio da
consensualidade (219 e 1306 do CC) ou da tipicidade da incriminação (no
âmbito do Código Penal, um facto determinado como socialmente desvalioso,
caso não esteja passível de pena, não poderá haverá punição criminal) são
manifestações paradigmáticas de princípios com a forma de norma, são
passíveis de inequivocamente ser mobilizados com o objetivo de dar uma
resposta às interrogações que se possam colocar naqueles âmbitos.

- Abertos: Podem estar ou não escritos (positivados, mas que não estão em
forma de norma como operador diretamente mobilizáveis). Aberto no
sentido que é um sentido de orientação enquanto densificação axiológica
que constantemente se pode dar. Coloca-se nestes o problema de saber se
está garantida a sua justiciabilidade? Se serão operadores de racional

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utilização num exercício judicativo-decisório, se têm dimensão pragmática que
os distinga dos valores. Sim se o processo institucionalizado (forma) e o juízo
metodológico (material), estruturas da justificabilidade, concorrem para tal o
assegurarem. Pode-se até dizer que quanto mais enquadrado ou disciplinado
for tal processo sistemático-normativo (forma) e mais afinado esteja o
princípio na dogmática jurídica, mais passiveis estarão tais princípios de ser
mobilizados no juízo. O artigo 13 da CRP, é um princípio normativo aberto, mas
escrito, não é diretamente mobilizável para o problema concretamente.
O artigo 29, da legalidade criminal, positivados mas não como resposta
imediata.

• origem normativa (princípios que são imediatas explicitações da


normatividade da ideia de direito; princípios que assimilam juridicamente
valores e padrões ético-sociais; princípios que se revelam originaria e
especificamente jurídicos):
- Princípios de imediata explicitação da normatividade da ideia de Direito:
Seus exemplos, serão os princípios ligados ao reconhecimento da dignidade da
pessoa, ou as diversas manifestações do principio da igualdade
-Princípios que assimilam valores e padrões ético-sociais: Seus exemplos
serão as clausulas gerais, como a exigência da boa-fé e dos bons costumes.
-Princípios que se revelam originaria ou especificamente jurídicos: Seus
exemplos serão, os princípios da não retroatividade, da culpa, ou do caso
julgado. São projeções de argumentação pratica no setor particular do discurso
jurídico. Aqueles que tecnicamente surgem no crivo jurídico sobre a realidade
concreta.

Nota final para a instância com legitimidade para realizar a explicitação, a


assimilação e a autónoma constituição jurídica dos princípios normativos: Falamos
do pensamento jurídico mas mais concretamente da jurisprudência judicial. Esta, em
virtude da autoridade social que tem, enquanto viva voz do direito, e da legitimidade
formal do direito, enquanto fórum de realização do direito; está em condições de
compreender e ir manifestando as exigências de sentido que traduzem os princípios
normativos do constituendo corpus iuris vigente.
Os princípios estão sempre presentes, não apenas de forma subsidiaria quando não há
critérios, tanto na construção como aplicação das normas, os princípios têm sempre de
estar em conta.
O estrato dos princípios normativos goza de uma presunção de validade, os valores
que o direito absorve da realidade social e filtra para o mundo jurídico, são
presumidos como fundamentos validos. Não implica intemporalidade nem
universalidade, os princípios normativos são continuamente constituendos, há
alguns mais mutáveis e outros mais imutáveis, tudo depende do diálogo com a
realidade para definir continuamente os princípios e as suas exceções

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- As normas (legais): critérios fundamentais que não operam isoladamente na
resolução de problemas, mas que para tal são diretamente mobilizáveis. Momento de
objetivação da normatividade jurídica em forma de lei. Construção do direito que
provem do poder legislativo
- A sua estrutura logica (dimensões essenciais para a construção de uma norma:
hipótese e estatuição/consequência): A norma legal na sua estrutura logica tem duas
dimensões substanciais e formais essenciais, hipótese ou previsão, e estatuição ou
consequência. A hipotese será a descrição da realidade a que se dirige, a estatuição
sera a consequencia juridica da verificação em concreto da realidade que descreve em
abstrato
- A sua índole normativa: “posterius” problemático-normativo e não puramente
“prius” prescritivo: A norma com a sua estrutura formal é vista como a premissa
logica, pré-estabelecida para uma eventual posterior aplicação logico-dedutiva. A
norma apresentar-se-ia aqui (tal como no normativismo positivista do seculo 20) como
um prius normativo, a definição do Direito, ex-ante definição abstrata e geral do
direito antes da aplicação e prius metodologico ou metódico, pois trata-se de
elemento cristalizado como mecanismo necessário para a aplicação logico-dedutivo.
Teríamos neste caso, a pre definição da norma e a verificação se a realidade
corresponde ou não a uma espécie que a norma estabelece, sem que a realidade
tivesse influência na decisão judicativo-decisória. O silogismo-subsuntivo do
positivismo implicava que a norma saia do sistema juridico para resolver a situação
logico-dedutivamente, e regresse incólume ao sistema, sendo que a decisão estaria
fora do sistema, apenas uma projeção.
Hoje podemos facilmente perceber que a norma não é um mero prius prescritivo, é
antes um Posterius problematico-normativo, isto porque o ponto de partida para o do
direito, não é a delimitação unilateral pelo sistema jurídico da relevância jurídico, e
pelo contrário encontra-se no caso decidendo. O que nos leva à consideração e à
tomada de consciência da existência de problemas jurídicos, é a própria indole dos
problemas. Num certo enquadramento cultural, há certos problemas que se
apresentam como juridicamente relevantes, é essa a pergunta que se vai apresentar
ao direito, um problema sera ou não do tipo daqueles que tem relevancia jurídica. É
necessário de seguida encontrar no sistema, os fundamentos e critérios que possam
sustentar e orientar a solução jurídica daquele problema concreto.
Em suma, a norma deixa de ser considerada como premissa pré-definida que delimita
vinculativamente a juridicidade, cabendo aos factos caber ou não. Para passarmos a
ter uma relação entre o caso e a norma, em que o caso vai interpelar o direito,
questionando uma ou varias normas, sendo que estas so podem responder à luz do
caso, tendo em conta outros critérios e todos os estratos de fundamentação.
- os elementos normativos constitutivos das normas jurídicas legais – elemento
racional ou fundamento e elemento imperativo ou autoritário: Que elementos se nos
apresentam e a sua demonstração pratica.
A norma é composta por um elemento racional e de fundamentação e por outro
elemento autoritário ou imperativo, a norma como atuação do poder legislativo
apresentasse-nos enquanto critérios com uma determinação prescritiva de autoridade,

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porque provem de um poder legitimado para tal. A norma não é só um imperativo, ela
é em si, judicativa (operador pratico) e um critério de valoração da pratica. Olhamos
para o interior da norma, pressupondo já a sua legalidade, onde encontramos uma
dimensão racional pragmática e outra de fundamentação:
a ratio legis (norma/realidade) – a consideração do seu objetivo, a sua razão de ser, a
norma é relacionada com realidade, porque lhe responde, na sua dimensão pratico-
pragmática;
a ratio iuris (norma/princípios normativos fundamentantes) – Reconhecemos à
norma uma dimensão racional de fundamentação, em que encontramos o confronto
entre o pragmatismo (ratio legis) e o sentido de direito que la reside e que a
fundamenta, encontramos a concretização dos princípios normativos fundamentantes
que lhe dão validade, numa norma.
As normas são sempre condicionadas a montante e jusante, pelos princípios
normativos e pela realidade, respetivamente. A norma só faz sentido relacionando a
riqueza axiológica do princípio normativo com a riqueza formal que à norma já lhe é
intrínseco.
As normas legais, gozam de presunção de validade, mas também de vigência e de
autoridade, em função do conteúdo normativo e da autoridade que a imana, relação
dialética que garante a unidade e coerência do sistema jurídico

Classificações das normas legais:


• Quanto à estrutura ou modulo logico conjugada e à independencia da
solução conteúdo: Relativamente à estrutura, implica que se distinga entre
normas completas e incompletas. As completas compreendem hipótese e
estatuição. As incompletas não contem toda ou parte de cada uma das
dimensões hipótese ou estatuição, por exemplo no código Estrada, a hipótese
está estabelecida em certos artigos e as sanções estão todas agrupadas.
-Proposições não normativas: Normas no seu sentido estrito é uma prescrição
para a ação, contem uma descrição de uma realidade e uma consequência para a
verificação dessa realidade (conjugação de norma completa e autonoma). Já nas
proposições normativas, encontramos definições legais, enunciados definidores em
que o legislador procura tornar menos incerta a atividade interpretativa, dar sentido e
tirar variabilidade. A definição não dá norma para a ação, apenas de define a figura
(dai chamar-se não normativa). O artigo 202 do CC dá nos o exemplo de uma definição
legal.
O 203 dá nos o exemplo de uma classificação legal, da nos uma classificação das
coisas, nos seguintes explica as classificações
Temos por fim normas meramente qualificativas, normas que assentam na
qualificação de certas relações jurídicas, bens ou pessoas. Exemplo do
estabelecimento de bens do casamento do artigo 1722.

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-Normas autónomas: As normas completas por norma serão autónomas. Tem
um conteúdo independente de outras normas que produzem efeitos so por si,
expressam o sentido completo.
-Normas não autónomas: Não tem um sentido completo, necessitam de
outras normas que lhes completem o seu sentido e conteúdo, não produzem
efeitos só por si. Dentro destas é importante distinguir entre normas
remissivas explicitas ou normas remissivas implícitas:
- Remissivas explicitas: A norma remete expressamente para as
normas que completam o seu sentido. quando remetem em bloco para um
instituto ou diploma legal na sua integridade
- Remissivas implícitas: Não remetem expressamente para outra
norma, mas estabelecem que para se compreender o sentido daquela norma
seja necessário recorrer a outras. Remete para uma situação regulada por
outras normas, pois admite a verosimilhança ou vai exigir que uma certa
situação seja tratada como outra, apesar de não o ser: diferença entre ficção e
presunção legal:
-Presunção: Fundadas em probabilidades, podendo ou não
ser refutadas, é uma ilação retirada sobre um facto não conhecido de um facto
conhecido. Do ponto de vista jurídico, as presunções apresentam-se assim,
partindo do artigo 349, 350 e 351 do CC. Estabelecidas pela própria lei (legais)
ou no contexto da decisão do julgador, na ligação entre os estados provados e
devido à experiência a factos não provados (judiciais que podem ser postas em
causa). Provada a existência de um determinado facto, considera-se provada a
existência de outro. Dois factos que se relacionam, pois a experiência mostra,
que quando um acontece o outro também (legais), que podem ser iuris
tantum/simples, admitem prova em contrario ou podem ser iuris et de jure,
que são absolutas ou inilidíveis, não admitem prova em contrario. (Seguir
exemplo do artigo 1260 do CC). Exemplo: a posso adquirida por violência é
sempre de má fé (et de jure). Importante: No caso de presunção o ónus da
prova deixa de impender sobre quem defende o direito, mas sim sobre quem
quiser rebater a presunção. Por razoes de possibilidade de prova e efetivação
das prescrições juridicas

-Ficção: Nas ficções legais não há ligação entre facto


conhecido ou não conhecido, há a certeza de que o que se ficciona ocorreu. O
legislador assume como existente um facto que é desmentido pela realidade,
ele assume que aconteceu algo que não aconteceu, ou não assume algo que
aconteceu, para permitir a efetivação de direitos. Trata-se como certo algo que
não ocorreu. Por exemplo, ficção relativa à citação (805/2/c do CC).

• Quando à articulação ou coerência sistémica (no âmbito de validade espacial


e âmbito pessoal de validade):
-Quando ao critério territorial encontramos normas universais, globais
ou nacionais, normas regionais ou locais: As globais ou nacionais são aquelas
que se aplicam a todo o território em que vigora um determinado sistema

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juridico, como as leis da Assembleia da Republica. As regionais so se aplicam a
determinadas regiões como as regiões autónomas da madeira ou açores, ou
locais no âmbito da jurisdição das autarquias.
- Quanto à especialidade material ou pessoal: normas gerais, normas
especiais ou normas excecionais:
-Gerais: regime regra para uma determinada área do direito
-Especiais: Exemplo do Direito comercial, que é considerado
especial relativamente ao direito privado do Direito Civil
-Excecionais: consagra o aposto ao regime geral. Exemplo: o
artigo 219 do CC estabelece o princípio da liberdade de forma, o regime geral é
a liberdade de forma, mas quando fala de “fora os casos previstos na lei”, por
exemplo, os casos de contratos sobre bens imoveis que carecem de forma, é
algo que é contrário ao regime geral (artigo 875 do CC). O artigo 220 do CC
estabelece a nulidade quando a exceção não se confirma. Sempre que não há
exceção presume-se o regime regra/geral.

• Quanto ao vínculo logico com a ação/relação combinada com a perspetiva da


autonomia privada (relação com a vontade dos destinatários)
- Normas imperativas, injuntivas ou cogenses – preceptivas e proibitivas:
Não esta na disponibilidade dos destinatários dispor entre si aspetos
diferentes do que a norma legal define. A aplicação destas normas não
depende da vontade dos sujeitos seus destinatários, impõe-se, exigem um
comportamento que não pode ser afastado. Normas cruciais no
estabelecimento das exigências que o direito apresenta às relações jurídicas.
Dentro destas vamos encontrar diferentes normas:
-Precetivas (facere): preceitos que os sujeitos estão obrigados a cumprir, no
seu sentido positivo, fazer algo obrigatório. (normas de segurança no código
da estrada)
-Proibitivas (non facere): normas que proíbem uma conduta, por exemplo as
normas que proíbem a ultrapassagem em determinados locais ou no direito
penal, nas normas penais incriminadoras, normas imperativas que
criminalizam uma conduta positiva, ou uma conduta de omissão (obrigação de
auxilio)
- Normas permissivas ou dispositivas – facultativas ou concessivas ou
atributivas; interpretativas, supletivas: normas que permitem
comportamentos e que admitem que os sujeitos no âmbito da sua
disponibilidade e dentro dos limites estabelecidos, definam o conteúdo das
suas relações jurídicas.
-Facultativas/concessivas/atributivas: aquelas permitam ou facultam
determinados comportamentos reconhecendo poderes e faculdades. Por
exemplo a norma estabelecida pelo artigo 1305 do CC, admite ao proprietário
de usar e fruir do objeto de direito de propriedade (direito real mais amplo),
ao conceder dentro dos limites da lei essas faculdades de uso e fruição.
-Interpretativas de outras normas: normas que delimitam o sentido que
outras normas ou declarações negociais possam ter, determinam o alcance e
sentido de expressões e normas legais. Por exemplo o artigo 1022 do CC, dá-

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nos a definição legal de locação, e no artigo 1023 encontramos uma norma
interpretativa do artigo anterior, consagra os dois tipos de locação.
-Supletivas: suprem a falta de manifestação de vontade dos sujeitos
intervenientes sobre determinados aspetos que necessitam, do ponto de vista
do ordenamento jurídico, de regulação e ordenação. Aplicam-se sempre que
os sujeitos nada disponham relativamente à matéria que se referem, quer
porque concordam com a norma supletiva ou por alguma razão de
esquecimento não tenham tratado no negócio jurídico dessa norma especifica.
1717 do CC, norma que se aplica se e quando os sujeitos nada estabeleçam
sobre aquele ponto em concreto

• Quanto ao critério da Sanção


- leges plus quam perfectae: leis cuja violação corresponde mais do que uma
consequência, implicam que o sancionamento da ação ou da omissão implica dois
tipos de sanção. O mesmo comportamento é sancionado de duas formas, implica que
a nulidade do ato se manifesta e que por outro lado se aplique uma pena ao infrator.
Varios exemplos como os negócios contrários à lei (280 do CC) são nulos e consoante
o seu objeto pode ser crime.
- leges perfectae: so determinam a invalidade dos atos que a violam
(artigo 875 do CC)
- leges minus quam perfectae: A sanção é diversa da invalidade do ato
violador da norma, temos, contudo, a determinação que o ato não produz
todos os efeitos que pretendia. Exemplo do casamento de menores sem
autorização dos pais, o casamento é valido mas o menor continua a ser tratado
como tal do ponto de vista patrimonial.
- leges imperfectae: Não impõe ao infrator qualquer tipo de sanção.
Desde logo o exemplo das normas constitucionais programáticas, onde não
são estabelecidas sanções, ou as obrigações ditas naturais, não são
judicialmente exigíveis, mas o seu cumprimento tem relevo jurídico (402 CC)
Presunção de vigência das normas: vigoram no ordenamento porque se presume a
autoridade, gozam de uma conjugação de uma validade jurídica (adequação normativa
aos seus fundamentos e princípios normativos) e de uma legitimação politica que o
poder a autoritas) lhe confere

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-A jurisprudência Judicial: Autênticos critérios com relevância metodológica e
institucional. o momento em que o direito é convocado diretamente para a resolução
de problemas concretos. Do ponto de vista dos sistemas de Common Law,
consideramos a decisão judicial a partir de critérios legislativos prescritos ou por
precedentes judiciais. Nos sistemas de legislação, a jurisprudência judicial não assume
a consideração da relevância vinculativa dos precedentes institucionais. Não significa
que a jurisprudência não tenha um papel constitutivo. O sistema aberto, implica uma
resposta às situações, em bloco, é preciso convocar todo o sistema jurídico: as normas
(que vai ter de ser interpretada à luz do caso concreto).
A jurisprudência enquanto estrato, do ponto de vista positivista, ela estaria fora do
próprio sistema jurídico. O direito era norma pressuposta e pré-constituída, de um
sistema fechado, então de facto as normas como que saiam do sistema isoladamente,
eram mobilizados como premissas e regressariam incólumes. A decisão judicial não dá
nenhum contributo, sendo apenas o campo de aplicação das normas.
É reconhecida hoje à jurisprudência o caracter de constitutivo do direito para o caso
concreto, sendo que as medidas tomadas moldam e vinculam as relações jurídicas a
que dizem respeito., se compulsarmos qualquer acórdão de um tribunal superior, são
usadas normas, referencias dogmáticas, princípios etc.
Vai presumida uma presunção de justeza, que advém do seculo 19, envolve a
adequação normativa da decisão judicial não apenas do sistema jurídico, mas também
do caso sub iudice. A justeza que presume vinculatividade nos sistemas de legislação
leva-nos a dizer que se presume que a decisão tomada é a adequada ao sistema
jurídica, ao caso e à normatividade.
Podemos ver nelas exemplos como mobilizados como critérios (operadores
mobilizáveis), não nos mesmos termos das normas, mas são suscetíveis de ser
considerados como exemplos considerando a situação e o sistema jurídico em bloco.
Se o jurista decidente, decide afastar a decisão de um precedente, do ponto de vista
institucional poe-se em marcha o recurso, o tribunal superior, com o objetivo de
estabelecer um precedente jurisprudencial, vai voltar a analisar o caso.
Nada disto significa que a jurisprudência tenha de ser algo obrigatório, há do ponto de
vista processual operações que permitem o afastamento.
O distinguishing (ausência de relação suficiente entre o precedente e o caso sub
iudice), e o over ruling (superação da decisão anterior por se entender que já não é
adequado aquele sentido normativo para aquele tipo de problemas

-A Dogmática: enquanto tarefa que cabe ao pensamento jurídico sobre as decisões já


adotadas e sobre o direito a constituir para construi novos sentidos de normatividade.
Considera o direito já vigente e constituído, critica e reflete sobre ele, também para
criar soluções novas para construir novo direito. Conjunto de reflexões de
especialistas. É o direito dos juristas.
O pensamento jurídico quis ser ciência, e, portanto, ele teve de adotar um método,
antes no positivismo, cabe conhecer o direito (pré-constituídos), interpretá-lo e criar

24
teorias científicas sobre o direito e definições jurídicas. A Tarefa constitutiva, chega
depois
A dogmática jurídica é próxima da realidade e da prática, ela pensa e antecipa
problemas que podem surgir da relação da realidade com a sistema jurídica. Ela
propõe novos modelos, critérios e até princípios.
Presunção de racionalidade, de convocação material de sentido sustentada pela
argumentação.
Tem função estabilizadora de sentidos que a pratica jurídica vai assimilando, um certo
respaldo da prática. Tem função dinamizadora, propõe soluções novas vindas do
direito já vigente. Tem função desoneradora, as disposições que cria libertam o jurista
de problematizar o direito sem fim. Tem função técnica, pois permite que o jurista
compreenda mais facilmente o complexo acervo de referências de sentido. Função de
controlo, vai formando linhas de pensamento que moldam a prática
-A realidade jurídica: Traduz o momento de “ação histórica” na juridicidade, por
exemplo, os tipos de contratos que vão emergindo, as clausulas contratuais elaboradas
pelas próprias partes, as novas formas de vinculação recíproca ou certas praticas
empresariais ou dos serviços públicos, constituem manifestações da mencionada
circunstância de a realidade jurídica integrar o sistema de direito.
Percebemos atras que os elementos materiais constitutivos da sociedade têm uma
relevância grande no mundo jurídico. Atendendo àquela tripartição anterior,
economia, política e cultura como os elementos constitutivos
• Realidade económica: na modelação do direito privado e na autonomização
de certos institutos específicos, como a responsabilidade civil do produtor e a
proteção do consumidor, os contatos de adesão ou a responsabilidade civil
baseada no risco, as novas formas contratuais (locação financeira, franchising,
sponsoring), bem como na redensificação de outros domínios como no Direito
Penal económico cada vez mais aprofundado ou o principio poluidor pagador
do direito ambiental, no Direito do trabalho também.
• Realidade política: o perfil normativo-jurídico de vários institutos é
condicionado pela política (o Habeas Corpus da CRP de 1933 só pode ser
considerado enquadrando-o na política da época). Advirta-se que a
constituição como ordem ordenante do corpo coletivo e como estatuto
jurídico do político, a jurisdição incumbida nessa instituição de garantia e
controlo, não realiza uma estrita atividade politica mascarando-se de instituto
jurídico mas não deixa de recorrer a valorações politicas.
• Realidade cultural: Conjunto de valências que o progressivo afinamento da
consciência comunitária vai criando. Apresenta-se-nos como um horizonte
axiológico. É reconstituível dialeticamente através de um processo que tem
como polos o problemático, interpelações concretas humanamente
significativas, e os sentidos que por meio dos problemas se vão redensificando.
Dialética entre intersubjetividade e acervos axiológicos em que uma ordem de
direito autenticamente radica.
Ainda dentro da realidade cultural é de referir o caracter técnico-cientifico,
as informações de caracter técnico-cientifico têm função normativa na medida

25
em que são, por vezes, chamadas a densificar materialmente, de um modo
mais ou menos imediato, o conteúdo de verdadeiros critérios jurídicos
-As regras procedimentais: A dimensão procedimental vai apresentar-nos um
conjunto de regras de decisão, o conjunto de critérios técnicos que os juristas
desempenham na sua função e na construção legislativa. Regras e arrimos
considerados como operados práticos e instrumentos práticos para o desempenho.

A índole estrutural do sistema jurídico: aberto, material e regressivo (histórica


reconstituição regressiva):
O sistema é aberto em todos os seus estratos, todos se relacionam com a realidade a
que o direito se dirige, é material pois temos um sistema que se concentra num
conteúdo que se pretende projetar com a realidade, ver no direito uma regulação
comprometida com os fundamentos e exigências dos seus destinatários. Regressivo,
pois a constituição do direito dá-se por referência à realidade que se vai apresentando,
a legislação é por vezes uma resposta do direito à realidade ao mesmo tempo que
também é prospetivo, constitui-se a partir da realidade (não acriticamente), refletindo-
a para que depois se possa oferecer uma resposta, mudando o sistema estabelecido
para trás. Constitui-se de frente para trás, o que reside perante os problemas jurídicos
novos, criticando-os e analisando-os através dos princípios normativos, enriquecendo
e mudando o sistema que esta para trás, algo muito diferente daquilo que víamos no
positivismo, em que nem a norma nem o sistema era enriquecido apos a relação com a
realidade.

26
As Fontes do Direito (como se constitui a normatividade jurídica vigente
de uma certa comunidade – onde e como se manifesta e vem à nossa
presença o Direito?)
Fontes de conhecimento: Fontes previamente constituídas que não nos
explicam o processo de constituição
Fontes de genética: causas e fatores que estarão na origem do processo
constitutivo (ainda antes do processo constitutivo)
Fontes de validade: remetem para o problema do fundamento (antes do
processo constitutivo)
Fontes de juridicidade: aquilo que confere a um modo específico, o modo
de jurídico
Vamos considerar o caminho percorrido até chegar ao direito constituído.
Como se constitui a normatividade jurídica numa determinada situação
histórico-concreta. Como se constitui e manifesta a normatividade jurídica
vigente numa determinada comunidade?
Isto pressupõe um conjunto de opções

1) O problema e a perspectiva da sua consideração: a superação da


(positivística) perspectiva "político-constitucional" (polarizada no poder) por
uma compreensão "fenomenológico-normativa" (polarizada na vigência):

Na perspetiva politico-constitucional (pendor positivista), pretende-se saber quem é


que tem poder para criar normas jurídicas obrigatórias no âmbito de um determinado
sistema politico-constitucional, e o positivismo respondia a tal, invocando o corpus
iuris reconstituído. Percebemos que o problema das fontes de direito, apresenta-se-
nos como trans-sistematico, porque o qualquer problema encontra-se antes da
solução (o sistema jurídico) - e a perspetiva positivista limita-se a esquecer o problema,
apresentando uma solução. O referido problema (meta positivo) vai alem do direito
positivo pois importa saber as fontes genéticas e de validade (apoiando-me no mestre
Santos Justo) para descortinar a juridicidade de tal sistema. Genéticos (as forças
determinantes do conteúdo do Direito), vigência (modo de existência do direito que
relaciona dialeticamente a validade com a eficácia).

Resumidamente, a teoria tradicional diz-nos que só ao poder legislativo compete criar


normas, e por isso entende que a lei é a fonte decisiva do direito. A perspetiva é
fundada no princípio liberal da separação de poderes e no princípio democrático que
vê na lei a expressão da vontade geral. O direito tem no Estado o seu único titular e
criador, a fonte de direito é puramente formal (prescrição legitimada pelo poder
político, e juridicamente autoritária (à letra), as restantes fontes de direito só o serão
através de lei)). Os 4 primeiros artigos do CC responderia ao problema das fontes, pois
o poder estabeleceu la aquilo que é fonte. Contudo a pergunta esta para trás fontes, a

27
lei reconhece-se a si própria como fonte e define também todas as outras fontes,
mostra-nos o problema acabado, e não nos diz nada sobre o processo de constituição
da normatividade jurídica vigente. Para o positivismo o problema das fontes seria
suscetível de resolução através da consideração do direito já constituído, resolver-se-ia
a questão dos modos admissíveis (fontes) perguntando ao corpus iuris já constituído,
quem teria poder para criar direito vigente, e a resposta será oferecida através das
determinações que o poder legitimado para criar direito estabelecesse sob quais as
fontes de direito admissíveis (normas jurídicas obrigatórias – leis – poder legislativo).

No nosso sistema jurídico, o nosso CC, estabelece nos seus 4 primeiros artigos as
questões referentes às fontes de direito tal como o legislador as propôs (já com
alterações)

1º - Fontes imediatas: leis e normas corporativas. Herdamos o modo constituinte vindo


do direito romano, tem-se vindo a consolidar desde ai.

2º- Assentos: o texto deste artigo (já revogado, entretanto) dizia que os tribunais
podiam fixar por meio de assentos, doutrina.

3º - Valor jurídico dos usos: cumpre analisar comparando com as fontes tradicionais

4º - Valor da equidade

A leitura destes quatro artigos nos concluímos que a lei tem aqui uma prevalência
como fonte imediata e condição de admissibilidade de outras fontes. Um sistema de
legislação como o nosso, a normatividade jurídica se objetiva na legislação, apesar de
não ser exclusiva. Está em causa compreender que estes quatro artigos são eles
próprios resultado do processo constitutivo do direito, apresentam-se já como direito
positivo. Se perguntarmos ao direito positivo (o resultado) como é que se constitui,
isso dá por concluído a problemática da sua constituição. Isto leva a tentar outra
perspetiva, pois queremos perceber como se constitui e manifesta o direito vigente,
não podendo ser respondida pelo poder que o manifesta, mas sim pelo processo
constitutivo.

Esta considera-se superada pela perspetiva fenomenológico-normativa que radica na


vigência, ou seja, tratar o processo circunstancialmente em causa sem pré-juízos.
(fenomenologia – como se manifesta (o fenómeno) a normatividade jurídica vigente).
O problema das fontes não fica fechado na consideração do sistema jurídico vigente, e
então trata-se de saber como é que advém a juridicidade ao sistema. A criação do
direito é um processo e que resultara em várias experiências jurídicas constituintes. A
perspetiva considerada polariza-se na vigência, pois quer apurar como se constitui o
direito, o que implica considerar vários momentos que comprometem todo o
pensamento jurídico.

A atenção deve centrar-se na experiência jurídica fenomenologicmente constitutiva do


direito no horizonte de uma comunidade histórica e concretamente considerada e não
em normas pré-escritas que se limitam a fixar o modo como a questão foi
politicamente encarada pelo legislador. Como é que o direito vem à nossa presença

28
como um processo em continuo desenvolvimento cuja vigência se ira concentrar entre
validade e eficácia, e por via das instituições ganha positividade?

Para responder a tal questão vamos concentrar-nos nas diferentes experiências


jurídicas constituintes

2) Os tipos fundamentais da experiência jurídica constituinte – consuetudinária,


legislativa e jurisdicional. Há três modelos paradigmáticos que concluímos
através da experiência constitutiva da normatividade jurídica vigente, o
consuetudinário, o legislativo e jurisdicional. Não são construções arbitrárias
(pois apenas radicam na realidade experienciada) nem estão oferecidas em
estado puro, pois estão reciprocamente relacionadas embora com prevalência
de uma ou outra de acordo com o momento pratico-histórico. Recordamos que
as sociedades tradicionais pré-modernas tendiam a rever-se no modelo do
costume, e hoje o nosso hemisfério jurídico tende a estar repartido entre o
legislativo (Direito Continental) e o jurisdicional no Sistema de Common Law.

Todos os estes padrões atentam:


• no momento material como fator (genético) determinante do
conteúdo da juridicidade, pois a realidade social impõe certas
condições ao direito.
• No momento de validade: referente de sentido partilhado
intersubjetivamente e constituendo em que radica o juízo do valido ou
invalido, do justo ou do injusto.
• No momento constituinte: Vetor autonomizante de uma instância
dogmática que determina o indeterminado se apenas considerássemos
os dois momentos anteriores, e em radica a distinção das experiências
constitutivas que mencionamos, pois é neste nível que se privilegia
circunstancialmente a pratica costumeira ou a pratica legislativa ou a
prudência do juiz.
• No momento de objetivação: precipitação da efetividade necessária à
normatividade jurídica no corpus iuris, advindo-lhe assim a
positividade.

-A experiência jurídica consuetudinária: resulta na formação do costume como fonte,


é a que é historicamente mais remota e o costume jurídico proveniente do consuetudo
romano, concentra-se na observância reiterada de comportamentos que quer pelo seu
conteúdo e estabilidade se assumem como intersubjetivamente vinculantes. A
instância criadora e destinatária correspondem, o direito é construído pela
comunidade em que se manifesta como vigente. Ele é de índole social.

O costume enquanto fonte, implica a associação de dois elementos: o elemento


objetivo – comportamento reiteradamente objetivo (corpus). E o elemento subjetivo
(animus) enquanto convicção de obrigatoriedade do comportamento. Distingue-se doo
usos pois tem a sua dimensão de animus. O costume enquanto fonte não está

29
autónomo no nosso elenco, mas não significa que esteja completamente afastado.
Exemplo do artigo 348.

A experiência jurídica consuetudinária assenta no tempo, num tempo que necessita de


contextualização geográfica e temporal.

-A experiência jurídica legislativa: assumiu progressivamente um protagonismo a


partir da idade moderna, como fonte primordial de direito. Não se assume com índole
social, ou seja, não há identificação entre a instância criadora e destinatária. Temos,
portanto, uma índole Estatal, uma remissão para o poder politicamente legitimado
para criar direito sobre a forma de leis. Vai-se cumprir na prescrição de normas, com
intenção de regulamentar o futuro, para uma comunidade ou sociedade que assume
como destinatária.

Aqui a construção, apresenta-se como um conjunto pre-determinado para aplicar no


futuro, sendo o futuro a dimensão temporal característica desta experiência. Já do
ponto de vista institucional reconhecesse a existência de um poder legitimado. E
temos ainda a sua intenção prospetiva, a manifestar-se no modo como as prescrições
são estabelecidas, na estrutura que admitem.

Principio da legalidade como pilar fundamental

-A experiência jurídica jurisdicional: esta é suscetível de ser convocada para um


sistema de legislação, porque apesar de se considerar a lei como primaria, a ideia de
que resolver um problema concreto confere uma resposta do direito para a situação
em concreto, já mostra uma ideia de concretização do direito e a decisão judicial é,
portanto, constitutiva do direito. A perspetiva positivista do seculo XIX, dizia que esta
não tinha dimensão constitutiva, sendo apenas uma declaração em concreto do direito
geral e abstrato, a realidade esta fora do sistema tal como a decisão judicial estava
fora do direito.

Este tipo de experiência que considera a concretização em concreto do sentido que o


direito estabelece no diálogo com a prática – relação problema vs sistema jurídico –
assume uma índole prudencial, esta em causa uma ponderação pratica sustentada
numa fundamentação material e por um discurso argumentativo, ou seja, um juízo.
Articula dialeticamente um problema e a relevância normativa que o sistema confere
àquele tipo de manifestação. O direito constitui-se no presente, no momento em que
se realiza e que se move para o caso, não temos aqui o passado como suporte nem o
futuro da prospeção das normas. (completar com o livro)

Como ponte, atenderemos para algumas das projeções capitais da impostação


tradicional da problemática das fontes do direito, no âmbito de um sistema de
legislação, como o nosso.

30
3) A teoria tradicional das fontes do direito.
a) O seu sentido e temática – crítica:
b) Alusão particular ao problema dos “assentos”. Instituto especificamente
português que entronca no direito pré-constitucional. Estão no artigo 2 do CC,
mas revogados. Um assento é um mecanismo que provem dos tribunais e que
permitia fixar doutrina com força obrigatória geral. É um instituto muito antigo
no Direito Português, constitui uma solução encontrada para garantir a unidade
da jurisprudência, ainda no reinado de D.Manuel I (seculo 16). Os assentos da
Casa da suplicação, constituíam interpretação vinculativa mecanismo de
esclarecimento de dúvidas, um meio de interpretação autêntica das leis com
força legislativa. São confirmados pela lei da Boa Razão em 1769. O instituto
permanece no ordenamento jurídico, até 1966 onde teve fixação como lei
geral. Já no contexto do então artigo 768/3 do código processo civil: uma
prescrição do Supremo tribunal de Justiça emitia para resolver conflitos
jurisprudencial, com força obrigatório, e num enunciado normativo que
assumia a forma de preceito geral e abstrato como se de norma se tratasse. Era
o resultado de um recurso específico quando havia contradição de decisões
sobre a mesma legislação e caso concreto.
Revogados em 95, em três casos concretos julgados pelo TC, foram
declarados inconstitucionais, citando várias posições doutrinais,
Voltaram mais tarde já nos nossos dias os recursos, nos artigos 688 e
seguintes do código do processo civil, estabelecidos por uma reforma de 2013,
para uniformizar a jurisprudência, mas não temos os assentos como fonte
formal. Assume-se que a jurisprudência tem uma influência capital, havendo
normas capazes de afastar jurisprudência e também de a unir

Alem dessa construção dos assentos, podemos ainda ver outras fontes
referidas. O artigo 3 fala-nos dos usos – pratica mais ou menos constante e
reiterada (sem o elemento do animus), relevantes para o DIP e para o interno
começando até pelo CC, pois convoca os usos como referentes de orientação,
por exemplo no que diz respeito ao pagamento do aluguer, artigo 1039 do CC,
a possibilidade do pagamento, que admite outros prazos de acordo com os
usos.

Há ainda a considerar o valor jurídico da Equidade, enquanto determinação


reflexiva do problema-sistema e a mobilização do sistema enquanto bloco.
Resolve situações em que a determinação legal, materialmente tidas como
injusta, que não pudessem ser assimiladas do ponto de vista legal. Orlando
Carvalho, “o jurídico é inconcebível sem essa medida das medidas”. Para
Castanheira Neves (…).
Não é exclusiva do sistema de legislação, mas pelas duas vias, pode se opor à
decisão jurídica, o que pode ser vista para compensar o formalismo ou como
oponente do formalismo, tendo de a afastar.
Esta sempre presente como cânone metodológico, não podendo ser afastado
para fonte secundaria.

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Tópicos para uma reconstruída teoria das fontes do
direito (consonante com o pré-determinado sentido do
direito)
A perspetiva: Como se constitui e manifesta o direito numa comunidade
histórico-concreta, assumindo que o problema das fontes implica a analise
dos diferentes processos da construção do direito vigente. Que modos
constitutivos do direito nos apresentam? Quer estejamos perante
costume, lei ou jurisprudência judicial, quer perante a construção
dogmática. É uma questão prepositiva, meta-positiva, pois só na junção de
dois momentos anteriores objetivando-se no momento constituinte

1- A experiência constituinte do direito:


• Momento material: A realidade social tem uma forma, tem a sua estrutura
especifica, instituições como a família têm uma estrutura como que natural. Muitas
outras podiam-se dizer, como a Universidade ou a compra e venda, são instituições
em que o tempo atua, enquanto dimensão radicalmente conformadora da
normatividade jurídica; tornar-se-ia intolerável que do direito regulamentasse tais
instituições. Ou seja, a normatividade jurídica não pode deixar de considerar os
sentidos que as coisas murmuram, o que não implica aderir a uma estrita força
normativa do fático. O corpus iuris constitui-se, não em abstrato, mas para uma
determinada comunidade histórico-concreta, este horizonte é portanto, o primeiro
pressuposto de vigência que o direito possui.
A realidade pratico-cultural que dirige o direito, é co-
determinante ético-social e político-institucional do direito, pois
se esta normatividade não se adequar aos problemas e à
intenção, nunca logrará tornar-se, aí vigente. As relações socias
que para uma certa comunidade devem ser juridicamente
relevantes - a relevância jurídica não depende da positivação,
mais o contrário.
• Momento de validade; Este momento permite os juízos critico e valorativos sobre
a realidade pratico-social de acima, reflexivo daquilo que deve ser direito.
Valores e princípios que traduzem o sentido do direito numa comunidade
concreta. O direito intenciona validade e os problemas juridicamente relevantes
que cumprem aos juristas decidir judicativamente apresentam-se como obstáculos
e resistências às intenções (co-formadoras do sistema jurídico) que
justificadamente pressupõem. Alias se os mencionados juristas nada
pressupuserem, nem conseguiam formular a pergunta tematizante de qualquer
problema. O momento de validade apresenta, portanto, a dimensão
pressuponente do direito, que viabiliza nos identificarmos algo com um problema
de direito.

Estas duas dimensões não constituem direito. Só quando a dialética articulante destes
dois modos se projeta institucionalmente, numa instituição que a comunidade
considera legitimada. O modo como se articulam, gera um certo modo de constituição

32
do direito vigente. Como e que nos sabemos que a conjugação vai dar costume,
jurisprudência ou lei?

O modo como se articulam, no espaço e no tempo, a realidade e os juízos de


juridicidade sobre essa realidade, e decisivamente pela instância que vai gerar direito,
através da institucionalização de sentido, (juízo de valor sobre um momento material
(real)).

Se a institucionalização se der através de uma prática reiterada (definição de costume


acima) é costume, apesar de já não muito comum, através de usos ou de costumes.
Reconhecimento dentro da comunidade sem mediação institucional. Exige tempo e
uma agregação axiológica que já pouco se manifesta nas sociedades modernas, mas
ainda relevante em comunidades pequenas, como a quase eliminação de fronteiras
nas pequenas comunidades da fronteira entre Portugal e Espanha. Aldeias e Vilas que
se vêm como um todo apesar de separadas por lei.

Consideramos o momento constituinte, as instâncias sociais convocadas para


excogitar os fundamentos e enunciar as prescrições e os critérios conformadores. Este
é o momento decisivo porque a institucionalização permite hierarquizar a importância
dos seus vários modos constituintes, e apurar a prevalência de uns.

A institucionalização, hoje e entre nós, privilegia a legislação, pois a considera como a


experiência não totalmente aglutinadora, mas pelo menos como polo constituinte, por
várias razoes positivas, é a mais adequada e porque:

Desde logo a herança histórica do Estado de direito de legalidade formal e ao


entendimento temporal da separação de poderes.

Razoes de ordem política, garantias políticas que apresenta, institucionalização do seu


processo constitutivo, a discussão que lhe subjaz, a legitimidade da sua entrada em
vigor, e como único referente comum, muitas vezes. Recordamos a herdança da
institucionalização do estado moderno, o principio da legitimação democrática, que
confere à lei uma prerrogativa constitucional, ganhando reserva de lei e preferência de
lei. Entre nos, nos termos dos artigos 164 e 165, podemos convocar a reserva
legislativa da Assembleia da República.

Razoes de ordem sociológica, devido ao caracter planificador e programático das


sociedades modernas que reclamam para alem de um sistema regulamentar a
atenuação de desigualdades. No nosso tempo, a velocidade de desenvolvimento dos
acontecimentos e as diferentes perspetivas valorativas sobres esses acontecimentos,
explica uma maior sedimentação rápida capaz de sedimentar a vinculatividade. Com
maior certeza, segurança e celeridade a lei responde à intersubjetividade

E ainda razoes de ordem funcional, pois de facto a lei é a mais adequado para
responder aos problemas dos nossos dias, ela realiza funções planificadoras,
integradoras, reformadoras, orientadoras etc. AS caracteisiticas normativas da lei
permitem-lhe desempenhar funções praticas na sociedade que nenhuma outra fonte
logre cumprir no mesmo grau. A lei tem funções politico-sociais e funções jurídicas.

33
Quanto às primeiras, a lei assume uma ordenação politico-social e reformadora que
traduz a capacidade da definição jurídica do programa social, a função planificadora da
ordem-jurídico social, a lei estabelece também regulamentação instituinte, estabelece
o quadro institucional que a ordem se vai desempenhar.

Desempenha ainda funções especificamente jurídicas, que se apresentam como um


meio de (função de) integração (um meio de construção de uma convivência pacifica)
em que a falta de consenso em torno das determinações material do valido/do
invalido, do justo ou do injusto, a lei é o fator ultimo da agregação, o limite ultimo da
valoração material. A lei tem ainda uma função jurídica de garantia, pois a
objetiviidade e certezad do jurídico relevante, exige um conheciemtno das fronteiras
do conteúdo. Por exemplo, o principio da legalidade

• γγ) Momento constituinte: especial referência à legislação; o reconhecimento,


para além dos limites funcionais, dos limites normativo-jurídicos da lei
(limites objectivos, intencionais, temporais – as normas caducas e obsoletas –
e de validade); a respectiva caracterização; a abertura, por mediação daqueles
limites, de um espaço para a afirmação (nomeadamente) da jurisprudência
judicial como instância de constituição do direito vigente;

É impensável dispensar a legislação, pois já vimos que é um polo fundamental da


construção do direito, traz-nos razoes positivas para ser a fonte mais mobilizada,
mas também razoes ou limites negativos que nos leva a dizer que a lei apesar de ter
uma prerrogativa no direito, tem limites à sua capacidade constitutiva, desde logo
nas suas funções (tem matérias que não toca). Mostra-nos que o direito se pode
construir por outros meios, não pondo em causa o Estado de direito. A lei é
indubitavelmente a construção de dirieto que polariza a experiencia o que não
significa que não hajam outras fontes, ate porque a lei manifesta limites.

- Limites Funcionais*: contrapõem a ideia de que só a lei deve ser chamada a fazer
tudo. Principalmente tendo em conta o nosso Estado de Direito, que decorrente das
razoes apontadas em cima, apresenta “reservas de lei”, “preferências de lei”, razoes
sociológicas ligadas às sociedades modernas, às razoes funcionais que levam a que se
lhe reconheçam todas as funções em cima e por fim a razoes normativas, como a
função jurídica de integração ou função jurídica de garantia. Há uma zona em que
estas razoes determinam que seja a lei a fazer direito, mas fora de elas há temáticas e
sentidos que resta espaço para construir direito por outras experiencias constituintes.

Por exemplo no direito contratual, que constitui direito vigente apesar não constituir
lei, a liberdade contratual

Limites normativos: intrínsecos ao sentido e estrutura que as normas legais


apresentam, a lei por ser lei manifesta estes limites.

- Limites objetivos: Relação entre as normas legais e a realidade a que se dirige. A


extensão dos problemas é sempre bem maior do que as normas legais predisponíveis e
34
suscetíveis de mobilização. A realidade nunca se esgota em termos “pré-vistos”. Os
problemas juridicamente relevantes suscitados pela vida são mais amplos que a
cobertura das normas legais, surgindo, portanto, lacunas que importam integrar,
tomando a sério o caracter aberto do sistema. Os limites normativos objetivos da
legislação aqui (o problema das lacunas), são a impossibilidade de não conseguir
mobilizar uma norma para um problema juridicamente relevante. Resumidamente,
estaremos perante um dos mencionados limites normativos objetivos quando não
dispusermos de uma norma legal, pré-objetivada e suscetível de mobilização e de
parcialmente desonerar a resolução de um caso juridicamente relevante. A temática
das lacunas esta, entre nos, no artigo 10º do CC. Nem todas a situações estão
previstas, o que não significa que não sejam jurídicas relevantes

- Limites intencionais: As normas legais situam-se por norma, no plano geral e


abstrato, mas os casos-problemas decidendos são particulares e concretos. O abstrato
em geral empobrece a realidade complexa, retira-lhe elementos, e a norma acaba por
estar limitada intencionalmente, e a generalidade desconsidera as especificidades dos
sujeitos. A distância entre a realidade concreta e particular, e o abstrato e
generalidade é ineliminável, exigindo, portanto, uma intervenção reflexiva de uma
instancia capacitada por isso, concentrando então no juiz decidente a função de
percorrer a distancia entre o particular-concreto e a generalidade-abstrata.

(a instancia deve pressupor a intenção nuclear do direito, revelar o caracter analógico


(analogia entre o tipo de problema e a intenção que o sistema jurídico dirige a esse
problema) e a dimensão autenticamente constitutiva da tarefa.*)

O direito não é só constituído pelo legislador, participando nessa sua criação mais
instâncias, com diversas legitimidades e outros modos de atuação, dentre as quais se
destaca a jurisprudência judicial, através da decisão judicativo-concreta dos específicos
problemas que é chamada a resolver – o que logo contribui para nos desvelar a
metodologia jurídica como verdadeira fonte do direito.

Ora, o que se disse compreende-se se nos lembrarmos que o discurso especificamente


jurídico é um exercício mimético-poiético (imitação/criação), consistindo, portanto,
numa reflexão – numa analogicamente entretecida (uma analogia entre a letra
concreta da lei e os problemas concretos), repensante especulação judicativo-decisória
– centrada em determinados conteúdos problemático-intencionais.

Resumidamente, os limites intencionais manifestam-se quando, dispomos de norma


legal pré-objetivada, suscetível de ser mobilizada como critério para orientar e
desonerar a resolução de um determinado caso juridicamente relevante, quando estes
dois polos discursivos se distinguem e quando se impõe ao decidente (juiz/jurista) a
pressuposição da intencionalidade fundamentante da normatividade daquela norma

- Limites temporais: Influencia do tempo nas normas legais ao ponto de construi um


limite. As normas ao serem abstratas, tendem a ser intemporais (a não ser que seja
temporária já). Pode suceder que uma norma esteja em vigor, mas que ao relacionar-
se com a realidade e com o seu horizonte de fundamentação, fique limitada. Uma
questão metodológica que tem a ver com a decisão-judicativo (convocação da norma
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para o problema), onde se constata que a norma está temporalmente limitada, mas
em que termos?

Podemos ter situações em que a norma está formalmente em vigor é convocada para
a resolução e no momento da análise comparativa, se vem a concluir que o problema
da realidade não se apresenta no modo por que a norma legal intenciona aquele tipo
de problema. Ou seja, na relação com a realidade, a norma legal esta limitada porque a
realidade já não se apresenta pelo modo que se intencionava ou pode ser que a
realidade a que norma de dirige, desapareça de facto. Situação em que a norma legal,
esta em vigor, possa ser valida do ponto de vista geral e abstrato, mas ao longo do
tempo perde eficácia, pois a realidade deixou de a convocar ou cessou – definição de
norma obsoleta, a norma esta formalmente em vigor, mas não é eficaz.

Uma norma que era perfeitamente valida no momento em que foi constituída, era a
concretização normativa adequada dos princípios normativos em que se
fundamentava, pode ver por força da passagem do tempo e assim da alteração do
sentido dos princípios, posta em causa progressivamente (de modo mais lento ou
abrupto) a sua validade. A norma legal pode perder a validade de modo progressivo
em virtude de que os princípios normativos terem sofrido alteração, evolução de
sentido. A norma mantém a mesma cristalização e assim sendo, se os princípios
sofreram alteração e a norma não, ela pode deixar de ser a concretização
normativamente adequada dos princípios, perdendo assim a validade. A norma torna-
se caduca, perdeu a sua validade, embora possa estar formalmente em vigor.

Quer na obsolescência quer na caducidade a norma não foi revogada. Acontece que no
momento em que ela vai ser convocada para a resolução do caso concreto, o jurista
conclui que a norma é obsoleta ou caduca.

A obsolescência resulta da sua perda progressiva de eficácia, objetivo pragmático,


relação com a realidade. A realidade afasta-se da norma.

Diversamente temos a relação da norma legal com os princípios normativos que a


fundamentava no momento em que entrou em vigor. A validade depende
intrinsecamente da validade dos princípios normativos, quando ela foi criada, a norma
era uma construção normativamente adequada aos princípios normativos, mas com a
passagem do tempo, as referências da norma, sofreram alterações quanto à sua
intenção e conteúdo, a norma perde, portanto, validade. Podemos pensar no princípio
da igualdade, sofreu várias alterações ao longo da história.

As normas ao não se irem modificando vai perdendo validade ao longo do tempo,


resultando então em caducidade. Relação da norma com os princípios normativos –
ratio iuris.

Relembrando Castanheira Neves, a norma é condicionada a montante e a jusante


(princípios normativos/realidade) logo a mudança de um polo muda a norma.

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- Limites de validade: a norma legal que sofrer deste limite, não estará nem estará em
consonância intencional com o sentido normativo dos princípios normativos a que
deveria ir, desde o início do seu vigor. Este limite é intrínseco desde início da vigência
da norma.

Só damos conta destes limites quando mobilizamos as normas para a resolução do


problema concreto.

Se uma norma legal é positivada e entra em vigor, ela não pode impedir que os
princípios normativos evoluam, se ela se vier a apresentar em concreto de forma
falhada, mas ainda não contraria aos princípios, teremos de admitir que ainda é
possível recuperar parte da norma, interpretando de forma aos princípios.
Aproveitamos da normatividade da norma o que ainda sobra de normatividade
comum aos princípios. Se porem a passagem do tempo implica que a norma contrarie
os princípios terá de ser superada (afastar a norma em nome dos princípios). Se a
contrariedade estiver logo no início, falaremos de preterição conforme aos princípios
(a norma deve ser preterida por outra)

2- Momento de objetivação.

É a precipitação do direito constituído, chegados aqui já sabemos pelo que esta escrito
em cima, o que é que chega aqui, sabemos que o direito chegou aqui como lei,
costume ou decisão judicial. Quando entra em vigor, assume-se objetivado no sistema,
precipitação no corpus iuris vigente, só estamos perante direito quando uma
especifica validade se manifestar como eficaz e, portanto, vigente. Ora essa vigência
tem sentidos diversos consoante a fonte jurídica.

O costume não nos permite definir a data e hora da sua data em vigor, mas a
legislação sim, vimos já no CC que uma lei entra em vigor de acordo com o prazo por si
própria estabelecida, ou decorrido o período de vacatio legis.

A decisão judicial isso também é determinável, mas como sabemos, o direito constitui-
se quando a decisão é proferida. Sabemos também que o processo judicial em muitos
casos não termina no momento em que a sentença é proferida em primeira instância.
Apenas quando a decisão percorre todo o transito em julgado, quando já não é
passível de recurso ordinário e mesmo assim há possibilidades de recursos
extraordinários. Mas conhecendo o sistema jurídico, conseguimos saber quando ela
constitui direito para os sujeitos, que é quando é proferida, ela tem efeitos logo ali,
mas pode vir a ter mais ou menos.

Em suma

Momento Material: fator genético predeterminante do conteúdo da juridicidade, pois


a realidade social como que impõe certas condições ao direito.

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Momento de Validade: intersubjetivamente partilhado e constituendo referente de
sentido pressuposto em que radica o juízo discriminador do válido/inválido, do
justo/injusto, ou, quando menos, do lícito/ilícito que se exige do direito.

Momento Constituinte: vetor autonomizante de uma dogmaticamente impositiva


instância de determinação do que permaneceria indeterminado se apenas
considerássemos os dois momentos anteriores e em que radica a distinção das
experiências constitutivas que mencionámos, pois é a este nível que
circunstancialmente se privilegia ora a prática costumeira, ora o poder do legislador,
ora a prudência do juiz. Quando chegamos a conclusão de que a lei tem uma
prerrogativa fundamental na constituição do direito nos nossos dias, mas não tem o
monopólio, chegamos por varias vias, politicas, sociológicas e funcionais e por via
normativa estrita, ou seja a norma por ser norma legal tem limitações, neste sentido
ao reconhecer estes limites normativos elencados, chegamos à constituição das fontes
nos momentos materiais e de validade conjugando ambos, projetando-a
institucionalmente no momento constituinte, na forma de legislação, judicial ou
consuetudinária.

Momento de Objetivação: instante de efetiva precipitação da normatividade jurídica


no corpus iuris, advindo-lhe assim a positividade que como tal a constitui.

3- A relevância prático-normativa (especificamente metodonomológica) da


problemática das fontes do direito.

O problema das fontes é prévio à normatividade vigente e desde logo é um problema


teórico, diz respeito à determinação do direito em vigor e os modos da sua
constituição, é, portanto, relativo problema do processo constitutivo do direito.

No entanto, tem igualmente que se lhe reconhecer uma muito significativa


importância prática, hoje é impensável para o jurista pratico a identificação do direito
com a lei. Ora, a dialética que entrelaça os momentos material (momento do caso) e
de validade (reflexões constituendas sobre o sentido que a normatividade jurídica há-
de assumir, projetando-se numa tarefa normativo-institucionalmente adequada e
muito complexa de constituição do direito e da sua objetivação no corpus iuris, é
perpassada por uma matriz analógica. As prescrições jurídicas e a concretização
judicativa do sistema jurídico relaciona-se dialeticamente com a realidade, relação
sistema problema que vai ser analisada mais à frente.

É o que também resultará patente quando dedicarmos algum tempo ao problema do


desenvolvimento trans-sistemático do direito, isto é, do desenvolvimento do direito
para além do sistema positivado, que veremos não ser mais do que uma expressão do
processo de constituição originária do direito. Ou seja, quer quando atendermos à
realização do direito pela mediação dos critérios dogmáticos positivados no sistema
jurídico, quer quando abordarmos a mais melindrosa tarefa da autónoma constituição
do direito pelo jurista, ou seja, da realização judicativo-decisória da juridicidade sem o

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apoio de soluções sistematicamente pré-disponibilizadas, havemos de corroborar a
necessidade de uma recompreensão da teoria das fontes, segundo as linhas agora
esboçadas. Por outras palavras, a metodonomologia que vamos estudar a seguir
necessita desta compreensão da teoria das fontes.

A metodologia jurídica, a metodologia adequada à normatividade de


uma intencional validade que se realiza judicativo-decisoriamente ou
metodonomologia (e a concorrência de normas no tempo)

1. Preliminares. O objeto fundamental da metodonomologia: a prático-


normativamente racionalização judicativo-decisória do direito:

A metodologia jurídica tem por objeto a pratico-normativamente racionalizada


realização judicativo-decisória do direito, que diz respeito ao caminho percorrido pela
decisão judicativa de forma racional, para que se realiza a intenção pratico-normativa,
ou seja, para que se realize o direito. As diferentes perspetivas e a multiplicidade de
questões que engloba torna esta questão um verdadeiro mundo. Dissecando o
conceito de metodonomologia, esta sintetiza a racionalidade (logos que se usa de
acordo um esquema metódico) que se usa para trilhar um caminho (odos) de
intencional validade e de realização judicativo-decisória (nomos) em direção ao
objetivo (meta). Caminho racionalmente construído para a decisão, é uma
racionalização do juízo decisório.

Este caminho tem para os juristas uma importância decisiva, porque o direito é uma
tarefa problematicamente constituenda, é por mediação dos casos que o direito se vai
constituindo. Estamos a analisar o pensamento que o direito, no momento em que é
mobilizado, faz sobre si próprio.

Para os juristas, portanto, como deverá mobilizar-se um determinado corte do sistema


jurídico para que possa solucionar-se pratico-normativamente um certo problema
jurídico concreto?

Só por si, a metodonomologia não soluciona os casos já compreendidos como


juridicamente relevantes, mas sem ela não se pode discernir de forma racional uma
solução normativamente consonante. Também não se pode considerar a
metodonomologia como um constante “afiar de faca”, ou seja, um discurso jurídico
metodonomologicamente intencionado não pode ser só discussão, mas também de
haver corte, o juízo decisório que fecha o ciclo da discussão. O mencionado juízo acaba
assim por estar composto por duas dimensões complementares e que reciprocamente
se vão ajustando, o judicativo (consideração do problema concreto) e o decisório
(fundamentação discursiva orientada pela normatividade – à qual se chega de forma
racional).

Resumindo, a metodonomologia é o caminho racionalmente percorrido pelos juristas


para alcançarem o seu objetivo – a pratico-normativamente adequada resolução dos

39
problemas concretos, orientada por uma validade. Impõe-se, portanto, desvelar “a
metódica de trabalho dos juristas”.

O que se trata dessa racionalidade jurídica mobilizada para o juízo de decisório? Ao


analisarmos a evolução das escolas, vamos ter em conta o tipo de racionalidade, a
compreensão da interpretação e da decisão judicial correspondente de cada escola

2. As projeções metodológicas do pensamento jurídico até ao fim do século XVIII

O problema metodológico, da racionalização da projeção pratico-judicativo é


contemporâneo de todas as compreensões do direito, tendo de recorrer primeiro à
autonomização do direito em Roma. Com o objetivo de fazer um contraponto entre
o interlocutor histórico e a nossa pratica e decisão judicial

Em Roma considera-se o direito como disciplina autónoma, existência de magistrados


especificamente identificados, o pensamento jurídico é distinto de todos os outros na
intencionalidade, a racionalidade mobilizada pela projeção do direito nas decisões, é
uma racionalidade retorico-prudencial ou casuística, pensa o caso concreta, conjuga
uma dimensão da racionalidade da prudência grega dos juristas, associados à retorica
da persuasão do auditório. O caso é constitutivo do direito e do sistema jurídico

Na idade média, a projeção do direito na realidade, ou seja, a decisão judicial,


encontramos uma racionalidade hermenêutico-dialética: o estudo dos textos de
autoridade jurídicos e do Corpus iuris civilis e Canonici. Desde logo o pensamento
jurídico medieval é muito determinado pela recuperação do CIC para um tempo para o
qual não foi construído. Pensar o direito é conhecer a prescrição dos textos de
autoridade e aplica-la aos casos, ainda não logico-dedutivamente, mas
argumentativamente,

Com a idade moderna, racionalidade moderno-iluminista primeiro e positivista depois,


a racionalidade é cada vez mais que se assume cognitiva e progressivamente teorética,
não já pratico-argumentativa, pensar é conhecer o direito pré-objetivamente dado
aplicando-o depois de forma científica. As novas orientações teoréticas dizem-nos que
se o direito é uma ordem regulativa da prática o sentido do pensamento jurídico que
lhe corresponde foi sempre diverso (tem agora a intenção de criar hipóteses
explicativas a confirmar pela experiência para indutivamente criar leis sobre a
regularidade dos fenómenos, aplicação do método científico, mas antes não era assim)
e havendo assim hoje múltiplas orientações.

As escolas teoréticas que dominaram o seculo 19, são de facto as escolas positivistas.
Antes disso, a construção do positivismo faz-se através de momentos:

-Momento hermenêutico: interpretação

- Momento científico-dogmatico: construção de conceitos

- Momento técnico de aplicação.

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Quanto aos dois primeiros, é possível trocar a ordem dos dois na sequencia.

Cumpre ainda tomar consciência desses momentos e da importância que têm na


construção dos diferentes pensamentos. O direito é constituído antes e
independentemente da realidade, ao criar normas legais a entidade legitimidade
(legislador) nos estamos a verificar uma construção que é logicamente prévia, é
anterior à interpretação, da conceitualização e da aplicação. É criado no sistema,
interpretado, organizado e depois eventualmente, poderá ser aplicado. O movimento
é do sistema para os factos, e os factos não tem qualquer implicância, o direito é no
sistema e eventualmente poderá relacionar-se com os factos empírico com relevância
jurídica, e se tal suceder a norma sai do sistema é aplicada logico-dedutivamente e
regressa incólume, o sistema mantem-se fechado e pleno. A interpretação tem lugar
em abstrato no sistema, é antes e independente da norma, de facto só faz sentido
concluir o único e verdadeiro sentido da norma, aquele sentido que ira vigorar no
sistema. Radbruck diz que a interpretação é o resultado do seu resultado, só se conclui
o sentido normativo da norma, ou seja, o sentido com que ela há-de valer por via da
interpretação depois dessa interpretação ser feita e a luz do caso concreto.

As orientações teoréticas – positivismo exegético e positivismo sistemático-


conceitual

A corrente teorética que surgiu no inicio do seculo XIX. É a escola que resulta da
exegese do código civil francês de 1804, que é a unificação do direito civil em França.
Em frança, no norte permaneceu mais o consuetudo, o direito romano é mais forte no
sul do que no norte, a comissão redatora do Código era predominantemente
nortenha, e portanto, a formação jurídica era de referencia ao costume mais do que a
formação romana, apesar de fortemente influente. Encontramos la um forte legalismo
institucionalizado no pós revolução, e portanto o direito visto como lei politicamente
legitimidade (coordenada politico-institucional – só é direito aquilo que for criado pelo
legitimo). Direito é lei e a lei é a única fonte.

O direito como lei, apresentava-se ao jurista como um heterónomo objeto de


conhecimento. O sistema jurídico (puramente legal) era uma entidade racionalmente
diferenciada, pois era totalmente autónomo do contexto social entretecido por
dimensões ética e culturais que não tinham nada a ver com o direito. Era totalmente
consistente (sem contradições), não tinha lacunas e como já fechado ( a norma
aplicada num caso regressa incólume ao sistema). O jurista apenas procurava uma
validade logica, distante da validade pratica, consonante com uma preocupação
teorético-cognitiva, e não axiológica.

O método jurídico, pretendia transformar o problema pratico do direito num problema


puramente toeretico, num simples “dar à manivela dedutiva” o que elimina por
completo o núcleo axiologicamente densificado e argumentativamente estruturado do
direito. Retira à reflexão jurídico-decisoria o pratico (o caso concreto)-normativo (os
princípios normativos que fundamentam a decisão) e a sua dimensão intersubjetiva.
→Redução a arquétipos à priori fixados – O jurista conhece o direito (a lei dada pelas
instancias legitimadas) e é o “autómato dos artigos do código”. O discurso mobilizado
é teorético, tanto na forma como conhece o direito (ele apreende as leis na sua
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verdade não no seu fundamento) e na forma como o aplica (de forma logico-dedutiva
aplicando o silogismo subsuntivo)

Positivismo exegético francês (escola da exegese francesa): Ganhou corpo


apos a codificação que se deu do direito no pós-revolução, no código de 1804 que em
1807 passa a ser o código de Napoleão, temos aqui a fonte fundamental e única do
direito, na lei, paradigma do direito privado e da codificação. Quere-se atingir uma
construção histórica e praticamente crucial ao sistema jurídico para o código. A isto
associa-se a plenitude logica do sistema jurídico – é ao direito sob forma de norma
legal positivada que se considera a realidade a que se vai dirigir, a realidade não e
juridicamente relevante se o direito não a definir enquanto tal na lei, de forma literal -
A codificação pretendia-se em obras definitivas, condensando tudo de forma racional,
sistemática, auto-subsistente e imutável num código. Todo um pré-determinado
domínio jurídico estava num código.

Impunha-se ao jurista conhecer antes do caso o direito para depois o aplicar logico-
dedutivamente. A tarefa do jurista podia ser denominada como → a exegese, ou seja,
total passividade hermenêutica. O jurista não interpreta a lei, apenas a conhece
filológico (estudo da língua) e gramaticalmente. Qualquer sentido interpretativo a que
o interprete pudesse chegar que não tivesse atinência com a letra da lei, seria só por
isso excluído dos sentidos possíveis da lei. Ao fechar o direito no sistema, o juiz é
obrigado a julgar, mobilizando os mecanismos que o código contem textualmente. A
consideração de que todas as determinações de relevância jurídica estão codificadas,
conduz a que o juiz seja obrigado a julgar com base exclusiva nos textos legais. Como
se chega aqui? Os redatores do código tinham intenção de estabelecer um dogma de
plenitude logica do sistema jurídico? Não, o plano não era fechar o direito num
sistema positivado, mas isso aconteceu por razoes politicas e jurídicas e cientificas. No
titulo preliminar do código civil, permitia o recurso à equidade no sentido de recuperar
o direito natural que desapareceu na versão final do Código. A versão inicial tinha por
outro lado, uma obrigação de julgar, ou seja, proíbe a denegação de justiça sob pena
de perseguição ao juiz, e isto manteve-se. Ora há aqui uma dupla obrigação de julgar e
de seguir obrigatoriamente os textos legais, pois a dimensão de heterointegração foi
excluída. A intenção não era fechar na lei. Contudo os verdadeiros interpretes do
código, os exegetas viram se obrigados a considerar exclusivamente as respostas do
código proibindo a hipótese de denegação de juízo, caso não houvesse lei clara para
o problema concreto. Perante isto várias possibilidades se propuseram porque, os
vários sentidos possíveis das palavras e a incontornável historicidade da vida forçavam
por vezes os juristas a arriscar algo mais, apesar da desconfiança da sociedade da
época em torno dos tribunais, justificada pela cumplicidade dos tribunais com o
absolutismo régio pré-revolução. Recorria-se nestes casos ao “espirito da lei”: O
instituto do refere legislatif: as duvidas sobre interpretação eram remetidas ao
parlamento. (completar com o sublinhado no livro). Não há auto integração de lacunas
e, portanto, resta, a analogia legis e a analogia iuris (recurso a princípios gerais de
direito).

Ainda do ponto de vista da interpretação, por razoes políticas e científicas, o objetivo


da interpretação se concentrasse na determinação da vontade do legislador no

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momento em que a lei é criada. Objetivo político de fazer perdurar no tempo o ideário
que culminou na construção da lei (subjetivismo histórico – o objetivo da interpretação
é subjetivista, determina-se a vontade do legislador que se constata no texto legal,
analisada ao momento em que a lei é criada) e do ponto de vista científico, tinha-se a
ideia de fazer do pensamento jurídico ciência, ou seja, conhecer o objeto, determinar o
seu sentido e lealdade ao seu fundador (o legislador legitimado).

O grande objetivo da escola é fazer perdurar no tempo o sentido político e jurídico


que o código comporta. O grande autor desta escola de pensamento (Demolonbe), vai
propor que se conheça a vontade real e hipotética do legislador.

Quanto à aplicação da lei, temos a recuperação do esquema logico-dedutivo. (Já


analisado no semestre passado com a análise silogística)

Escola histórica do direito alemã - Jurisprudência dos Conceitos:

No lado alemão temos uma análise diversa, quanto às bases e intenções constitutivas
do direito mais até do que do ponto de vista das fontes. Temos semelhança do ponto
de vista científico, mas não no político-institucional.

Recuperação de historicismo e de uma certa proposta kantiana de construção do


direito. Razoes de ordem política e científica que Savigny abraça para justificar a
ausência de codificação. Do ponto de vista político, a Alemanha não é o pais unificado
que era na década de 70 do seculo 19. Não havia coesão suficiente para que houvesse
codificação. Havia, sobretudo, razoes científicas: Se o direito é uma construção
histórica do espírito de um povo, não há uma pré-determinação institucional do
direito, posto de fora pelo legislador, mas sim como uma manifestação do
desenvolvimento interno do espírito do povo. Cumpre, portanto, verificar que a fonte
fundamental do direito não podia ser a lei, seria nesta proposta, de base
consuetudinária. A lei seria fonte secundaria e subsidiária.

Com isto cumpre reconhecer que para Savigny, aquilo que vai se traduzir por
instituto jurídico não é a produção legislativa, mas sim um conjunto de práticas. Para a
exegese, o conjunto dos preceitos jurídicos que regulam uma certa figura jurídica
(institutos como contratos, propriedade, casamento etc.). Para Savigny o instituto não
é um conjunto de preceitos jurídicos (normas legais), é um conjunto de práticas. É uma
construção orgânica de uma figura jurídica pelas práticas que efetivamente a
substancializam (o casamento é o conjunto de relações que se estabelecem entre os
cônjuges, é independente da lei que a define).

Savigny vai propor-nos quanto à interpretação 4 temas.

• Objeto: Savigny entende que, o objeto da interpretação é o texto da lei. So que o


texto não corresponde apenas à letra da lei. Elemento gramatical, mais elemento
histórico e sistemático, que se completam. Ao considerar o texto não
consideramos só a letra. A fonte do direito lei, ainda assim não existe sem o seu

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texto, o que corrobora que para uma realidade seja juridicamente relevante, ela
tem de estar prevista, gramaticalmente
• Objetivo:
• Elementos: O elemento gramatical, histórico e sistemático (intratextual), ao passo
que o elemento teleológico era extra textual e excluído da interpretação
• Resultados:

“intuição” gnoseologica de Herder e Leopold von Ranke um amigo íntimo de Savigny


que esboçou a ideia de um estado como instância portadora da história e da politica,
tendo por seu turno Savigny (símbolo desta escola) sublinhado que na esfera do
direito, o problema não era de dedução ou indução, mas sim da compreensão do
próprio direito como que “apreensão”. O direito é um produto histórico do espírito do
povo e não de um diktat do legislador.

O lugar de destaque na Alemanha para Savigny, em vez do legislador deveria ser da


“ciência do direito”. A normatividade jurídica não estava imersa na vontade do
legislador, mas sim nas instituições culturais do povo, manifestando-se objetivamente,
de tal forma que os juristas deveriam apurá-la cognitivamente de forma parecida com
o escultor que modela a estatua a partir do bloco de pedra.

À ciência do direito que se fez referência, Friedriech Carl von Savigny reconhecia três
dimensões:

- Dimensão histórica: romanticamente voltada para o passado, que contribuiu para


instaurar um método puramente exegético, porque centrado na interpretação,
nomeadamente, dos textos de direito romano.

- Dimensão sistemática: o direito compreendido como unidade orgânica de instituições


com um sentido histórico-social coerente.

- Dimensão Prático-normativa: que traduzia a autonomização do momento da


aplicação concreta.

Com efeito, é certo que as aludidas dimensões históricas e sistemática abriam


potencialmente o direito a uma certa ideia de evolução. No entanto, se
acrescentarmos que elas eram sobretudo entendidas como a base requerida por uma
almejada elaboração dogmática (em consonância com a negligencia do histórico-
concreto em detrimento de invariantes estruturas a-historicamente dogmatizadas),
logo nos damos conta da como que natural degenerescência da Escola Histórica na
Jurisprudência dos Conceitos.

Neste sentido, note-se que foi o idealismo alemão de matriz kantiana o principal
responsável pela redução da juridicidade a um desvitalizado sistema conceitual, que
representa uma abreviação da realidade.

A razão de existência (ratio essenci) do direito é agora identificada com os conceitos e


a sua ratio cognoscendi, o texto legal como mero ponto de partida empírico.

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Savigny entendia o direito como sistema orgânico de instituições, (completar com
livro)

Nas orientações praticas vamos analisar:


(introdução a esta parte no livro) A variação para o pensamento pratico, o direito não
é exclusivamente lei, o sistema jurídico não pode ser fechado (…) e o pensamento
jurídico não pode ser teorético porque a determinação de problemas concretos da
vida intersubjetiva não são suscetíveis de ser determinados como se de fenómenos da
natureza se tratassem.

A “livre investigação científica do Direito” François Geny:

• Critica ao postulado fundamental do positivismo exegético (identificação do


direito com a lei e suficiência do sistema legal).

Critica diretamente a perspetiva da escola da exegese, quando chegamos à década de


oitenta e noventa encontramos a decadência desta escola. Aqui entra Geny que critica
a identificação do direito do lei e a autossuficiencia do sistema legal (o sistema é
completo e fechado) e a afirmação que o direito positivo deve constituir uma
regulação pratica da realidade social, e não uma construção afastada da
intersubjetividade.

• Reconhecimento da material insuficiência do direito legal

Geny admite desde logo a existência de lacunas na construção da escola da exegese,


que não as reconhecia como efetivos problemas pois era possível resolver o problema
de integração fazendo o corresponder a hipótese de outra norma que previsse um
facto análogo ou recorrendo aos princípios gerais de direito, mas de facto o são, são
efetivas ausências de regulamentação legal no sistema. Há desde logo mais fontes que
a lei, a base consuetudinária, recupera-se o direito natural, há princípios que o
legislador não pode concretizar.

• A distinção entre ciência e técnica “le donne” e “le construit”

Geny vai sistematizar esta proposta de insuficiência material do direito legal através da
distinção entre ciência e técnica, o dado e a construção, respetivamente. Na sua
proposta, a ciência ocupa-se com o dado, ou seja, a ciência preocupa-se com os
elementos objetivos constitutivos do direito (prévios à institucionalzaição em lei ou
outra fonte), os dados que estão na origem do direito. Dados que têm 4 tipos: reais
(condições da vida social e comum), históricos (tradições, costumes), racionais
(implicam uma remissão para o direito natural racional jusnaturalismo iluminista), e
ideais (ideais que orientam os homens na vida social).

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Estes dados fornecidos pela ciência vão ser elaborados pela técnica, que elabora as
fontes do direito, das quais a lei mas não de forma exclusiva, relevando o costume.

Concluindo, ele não abandona o positivismo, prefere a lei como fonte mas reconhece
mais fontes, abandona a ideia de auto-integração de lacunas do positivismo e assume
ainda, quanto a interpretação uma posição subjetivista histórica

O movimento do direito livre (a partir daqui pensamento alemão) :

• Natureza radicalmente lacunosa da lei~

Ao contrario do positivismo ate da jurisprudência dos conceitos, o sistema jurídico não


é auto subsistente e sem lacunas, a lei é naturalmente lacunosa. Mesmo nos domínios
em que há lei, na relação com a realidade, pode haver aspetos concretos em que a lei
não tem resposta, projetando tudo para o momento da decisão.

• O direito manifesta-se e cumpre-se na vida jurídica através da decisão de casos


concretos

Esta perspetiva do direito livre diz-nos que é todo o direito livre da lei, que não seja
criado pela lei, ele exprime todo o direito que se constitui e se manifesta para alem da
legislação, e mais especificamente a modalidade de construção judicial do direito
extralegal, centrado no julgador.

• O fundameno (criador) do direito não é a razão, mas a vontade (voluntarismo –


“O primado da vontade” de Kantorowicz)

Para estes autores, a sentença é ato de vontade, do jurista decidente, que deve tomar
sem que em qualquer caso, pudesse vir a aplicar uma norma que fosse contraria ao
seu sentimento de justiça. Racionalismo formal do positivismo pela contrução pratica
que remete a um voluntarismo, não cego, mas projetado no jurista decidente pelo
sentido a tomar, tendo em conta a sua intuição do justo. Sera que o direito livre estaria
a admirtir um irracionalismo voluntarista? Não, na verdade a proposta destes autores,
não é tao radical quanto isso, mas havia admissibilidade das decisões baseadas no
direito livre. Porque a lei é naturalmente lacunosa, mesmo quando prevê não prevê
completamente, e justifica-se a admissibilidade da decisão contra a lei

• A validade da decisão contra legem (Isay, Kantorowicz)

A admissibilidade da decisão contra legem, é apenas consonante com duas condições


cumulativas, por recurso a uma jurisprudência dos sentimentos – A lei não pode
oferecer uma solução indubitável e o jurista decidente concluir livremente que o poder
estatal (legislador) não teria consagrado aquela solução prescrita no momento da
decisão. Este quase cego voluntarismo vai ser criticado por uma nova obediência à lei,
mas desta vez, não completa. Na sua fase derradeira, coincidente com a monografia de
HERMANN ISAY, continuava a apontar a decisão concreta como o centro de gravidade
do discurso metodológico-jurídico, mas admitia a mobilização a posteriori da norma
legal para controlar a referida decisão e até, eventualmente, para a retificar, pelo que
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se pode dizer que a mencionada norma aparecia apenas como o marcador tardio de
uma operação que se lhe antecipava.

De facto, note-se que o Movimento do Direito Livre sustentou, em termos radicais,


que na base da judicativo-decisória realização do direito estava a voluntas e não a
ratio. Ora, pressupondo que a formal racionalidade axiomático-dedutiva era a única
disponível e tendo compreendido a respetiva impertinência metodológico-jurídica, não
hesitou em precipitar-se no abismo irracionalista.

Quer dizer: a metodonomologia tem na racionalidade uma sua ineliminável dimensão


constitutiva e este movimento não nos legou qualquer proposta metodonomológica
lograda.

(a partir daqui ver aulas gravadas ou completar com o livro)

A jurisprudência dos interesses

1) Perspectivação do direito pelos interesses

A Jurisprudência dos Interesses teve o êxito que os dois movimentos precendetemente


considerados nunca alcançaram.

O seu caput scholae, PHILIPP HECK, foi fortemente marcado pelas disputas que, à época,
intranquilizavam o horizonte do direito. Contra o formalismo conceitualista, a Jurisprudência
dos interesses louvou-se no finalismo de matriz sociológica, que HECK colhera em IHERING.

Para IHERING, o direito deve o seu sentido a fins societariamente relevantes, conquanto não
deixe também, em termos circularmente dialéticos, de os codeterminar, e tendencialmente
equivalentes, que o vão adequando às exigências de cada campo e concorrem para assegurar a
subsistência da própria sociedade em conformidade com a comunitariamente radicada ética
pragmática e utilitarista.

2) Concepção da lei como solução valoradora de um conflito de interesses

Esta importante Escola alemã, de clara inspiração sociológico-finalista, feriu de morte o formal
racionalismo idealista da Jurisprudência dos conceitos, sublinhando o imperioso dever de
obediência à norma legal. Assim sendo ,esta escola centrou-se mais na norma-problema do
que na norma-texto, razão por que se pode dizer que ela veio substituir a legislação, de
sentidocomum, por uma genuína legisprudência (hoc sensu: pela formulação ponderada de
normas jurídicas prático-problematicamente fundamentadas).

Deste modo, mais importante do que atender à vontade manifestada pelo legislador, é
considerar os chamados interesses realmente causais da norma e, daí, que em matéria de
interpretação, a Jurisprudência dos interesses legou-nos uma teoria da interpretação jurídica.

Ora, para compreender o sentido normativo da norma, o intérprete deve considerar o conflito
de interesses que a norma interpretanda tivesse dirimido de determinado modo, impondo-se-
lhe depois repensar inteligentemente esse critério, atenta a singularidade do caso
concretamente decidendo. Por conseguinte, note-se a norma já não era a premissa maior de
uma inferência lógica, mas o modelo de uma ponderação prática; e que o próprio caso se não

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reduzia a mera espécie conceitualmente enquadrada e subsumível ao género norma, antes se
perfilava como problema com uma específica relevância normativo-jurídica, que importava
apurar através de um genuíno juízo autónomo de juridicidade sobre o mencionado caso
decidendo.

3) A “ciência do direito” ou o pensamento jurídico não teria uma intenção teorética ou de


puro conhecimento, mas uma intenção eminentemente prática e com uma tarefa
especificamente normativa: a distinção entre “problemas normativos” e “problemas de
formulação” e entre “sistema interno” e “sistema externo”

Em consonância com o que se acaba de dizer, distinguiu HECK os problemas normativos do


problema de formulação. Neste sentido, note-se que os problemas normativos identificavam,
substantivamente, as próprias questões juridicamente relevantes, radicadas em conflitos de
interesses que importava solucionar em termos prático-teleologicamente adequados; os
problemas de formulação traduziam as preocupações associadas à sistematicamente
articulada e pedagogicamente empenhada exposição das soluções acabadas de referir.

Paralelamente, distinguiu ainda entre sistema interno e sistema externo. O sistema interno
dizia respeito à unitariamente estruturada consideração dos problemas normativos e das suas
soluções específicas; e o sistema externo tinha apenas a ver com a expositiva reprodução,
especialmente determinada por objetivos didáticos, dos conteúdos jurídicos.

Em conclusão , Philiph Heck com a sua proposta coloca a tónica no caso concreto, embora
continue a partir da norma legal de forma racional e lógica; o objeto continua a ser a norma,
mas enquanto solução valoradora de conflitos de interesses. O elemento gramatical ( num
primeiro momento cosiderava-se a letra , enquanto elemento gramatical) perde então a
relevância autónoma e prescritiva que lhe permitia executar uma tarefa de exclusão e é
apenas utilizado como auxilio. O elemento teológico passa a ocupar o lugar primordial , antes
ocupado pelo elemento gramatical.

4)Teoria da interpretação: interpretação teleológica; a proposta da interpretação correctiva

Com o objetivo de apurar a “vontade normativa” do preceito interpretando, a que se devia


obediência e que a letra da lei apenas indiciariamente poderia desvelar, era mister identificar,
mediante sucessivos afinamentos, os “interesses causais” da norma, conformadores da
decisivamente vinculante “imagem dos seus interesses objetivos”.

Estamos, assim, perante uma “interpretação histórica”, de caráter assumidamente


subjetivista. Uma vez, porém, que o sentido prático-normativamente relevante do critério
interpretando era o correspondente à sua “vontade normativa” e não à “vontade histórico-
psicológica do legislador”, aquela “interpretação histórica” projetava-se num subjetivismo
teleológico.

Com efeito, aquela “vontade normativa” do critério interpretando nada mais era do que a
preferência do legislador por um dos interesses em conflito.

A fundamental pressuposição da vontade normativa do critério interpretando implicava a


superação do modelo lógico-dedutivo.

A determinação da relevância do critério interpretando não consistia num exercício conceitual,


mas antes impunha uma criteriosa investigação e ponderação de interesses. Por seu turno, o

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caso-problema decidendo era também autonomamente analisado pelo jurista, em ordem ao
esclarecimento do conflito de interesses em que radicava. Por conseguinte, a mobilização
daquele critério-problemático para a resolução deste caso-problema só seria normativo-
juridicamente admissível se e quando o conflito de interesses decidido pelo legislador na
norma fosse semelhante ao conflito de interesses constitutivo da controvérsia concreta. Com
efeito, significa isto que estes dois polos discursivos eram relacionados por mediação de um
juízo analógico.

Em segundo lugar, a referida vontade normativa viabilizou a chamada interpretação corretiva


– a possibilidade de o decidente desrespeitar frontalmente o teor semântico-sintático das
normas, para respeitar o seu sentido prático-normativo, ou, rectius, a possibilidade de
correção das normas numa sua aplicação contra legem, mas para respeitar justamente a
material vontade normativa contra o teor formal da norma.

Noutro plano, note-se que a Jurisprudência dos interesses superou definitiva e


concludentemente as inconcludências do conceitualismo, relativamente à questão da
integração das lacunas:

• as lacunas não eram apenas aparentes, mas reais;


• o sistema jurídico não era fechado, nem logicamente pleno, mas inconcluso e omisso na
consideração de muitos interesses igualmente dignos de proteção;
• a recombinação de conceitos e a produção de normas a partir de conceitos logicamente
inferidos de outras normas não passavam de falácias retórico-argumentativas e o que
importava era ponderar adequadamente os interesses que não tivessem sido, mas
devessem ser, juridicamente protegidos.

Por outro lado, HECK era bem claro em procurar manter-se em consonância com o legislador:
o decidente não estava impedido de sustentar a relevância jurídica de interesses
marginalizados pelas normas legais pré-objetivadas, mas já estava vinculado aos juízos de valor
das normas não imediatamente aplicáveis.

Neste sentido, note-se os operadores mobilizáveis no processo de integração de lacunas:

• O primeiro era a analogia: quando procedesse para o caso omisso a ponderação de


interesses em que radicava a norma diretamente reguladora de um caso prático-
normativamente semelhante, não deveria hesitar-se em lançar mão da mencionada norma
para solucionar o caso não previsto.
• O segundo era constituído pelos juízos de valor dominantes na comunidade
jurídica, ou pelos juízos de valor do legislador que fosse possível conhecer: à ciência
prática do direito cumpriria esclarecer o decidente sobre o modo de os investigar.
Finalmente, em desespero de causa, o decidente era remetido para a sua valoração
própria e também aqui se esperava que a ciência do direito lhe fornecesse as ponderações
determinante para a decisão valorativa a que não poderia então eximir-se.

A superação da jurisprudência dos interesses:

A Jurisprudência dos Interesses apresentou várias insuficiências, desde logo:

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• Insuficiência de base sociológica

A Jurisprudência dos interesses esteve longe de oferecer uma proposta


suficientemente elaborada. Desde logo, por ter considerado apenas osinteresses em
situação de conflito, esquecendo que eles podem apresentar- se também mais ou
menos intensamente em convergência; depois, por não ter cuidado de analisar
devidamente os referentes dos interesses; e, também, por se não ter aberto a outros
fatores igualmente causais do direito, como as situações de poder, a confiança, a
responsabilidade ,etc.

• Insuficiência criteriológica

A jurisprudência dos Interesses ao atender apenas a interesses, nunca logrou distinguir


o objeto da valoração do fundamento da valoração.

• Insuficiência sistemática

A verdade é que a jurisprudêncincia dos interesses não conseguiu compreender


adequadamente a problemática do sistema jurídico. Se é certo que relevou o sistema
interno, neles não se nos manifesta nem a pluralidade de estratos que reconhecemos
no corpus iuris, nem a particular dialética que o anima, nem a específica
intencionalidade que o autonomiza.

• Insuficiência filosófica

Já de uma perspetiva filosófica ,com efeito, o sentido do direito, para a Jurisprudência


dos interesses, não implicava qualquer dimensão de idealidade ou espiritualidade, ou
apenas se dispunha a considerar as mencionadas dimensões quando elas se
manifestassem como factos sociais.

50
A interpretação jurídica

1) O sentido do problema:

Não hermenêutico-cognitivo, mas pratico-normativa – no quadro da judicativo-


decisória “realização do direito por mediação da norma” pré-disponivel no corpus iuris,
não jurídico-positivo, mas problemático-metodológico. Dois sentidos de opção que a
interpretação da ao juiz. A interpretação (a interpretação logica) era no positivismo
uma operação em abstrato, antes e independente da mobilização da norma.

Diferentemente na perspetiva pratico-normativo, o jurista decidente de agora, da um


passo decisivo que tem de levar a cabo para decidir um problema sub iudice, o da
interpretação, que deixa de ser anterior para agora ser um momento decisivo na
decisão, passa a ter lugar apenas em concreto e por referencia ao problema que se
dirige ao sistema jurídico.

Desde já, diga-se que entendemos que a interpretação jurídica: é apenas um dos
momentos da complexa inveniendi da decisão judicativa e que não consiste em atingir
e determinar a significação apenas textual (não é hermenêutico-cognitiva) dos
prescritivos textos jurídicos, antes, em assumir e realizar a tarefa prática que é própria
do direito (intenção pratico-normativo)
Na verdade, constitui hoje um lugar-comum a afirmação de que qualquer proposição
significa sempre mais – assim, se desvelando o excesso de significado em relação ao
significante. Ou ainda: na medida em que não se reduz ao enunciado literal que
comunica, um qualquer critério jurídico traduz sempre uma hesitação prolongada
entre o intersubjetivo-comunitariamente partilhado e problemático-analogicamente
reconstituível sentido da normatividade vigente e a sua histórico-culturalmente
possível objetivação e praxístico-judicativamente fundamentada mobilização.
Note-se: o problema da interpretação jurídica não é hermenêutico-cognitivo, nem
analítico-linguístico, mas antes prático-normativo. Isto por duas ordens de razões: é
que a interpretação, enquanto tarefa hermenêutica, seria, na sua inesgotabilidade,
uma tarefa impossível, dado o caráter constituendo do direito, radicado na
indefinibilidade do seu sentido ; só a impostação das coisas, desta perspetiva, permite
que o jurista se centre – no que lhe importa – no exercício reflexivo de tentar extrair a
decisão concreta do critério interpretando. Assim, entendemos que ao jurista não
compete aceder à compreensão do sentido (cultural, jurídico-cultural) ou da
significação (linguística) dos textos jurídicos, mas atingir a normatividade jurídica das
normas jurídicas.
Para a teoria positivista, a interpretação jurídica consistia na reconstituição do
pensamento contido na lei, isto é, na determinação ou da vontade do legislador-autor
da lei, ou do sentido autonomamente comunicado pela própria lei, com total
menoscabo da respetiva “aplicação”.

51
Ora, da perspetiva prático-normativa, o que importa é esclarecer como devemos por
critérios e fundamentos jurídicos em geral, em conexão com o caso controvertido,
para adequadamente constituirmos este último como problema juridicamente
decidendo, e como devemos utilizá-los, para adequadamente solucionarmos o caso-
problema.
Deste modo acentua-se o caráter analógico da interpretação jurídica e sublinha-se a
ideia de que a analogia se mostra consonante com a tensão que perpassa a
metodonomologia, pois ao aproximar polos distintos (núcleos problemáticos
diferentes, mas justificadamente equiparáveis), do mesmo passo desvela a infinidade
de sentidos que se lhes pode imputar; e, por fim, assume-se a compreensão de que a
tarefa interpretativa não esgota a problemática metodonomológica, consistindo antes
num ato normativo que concorre, como seu elemento, na praxis metodologicamente
específica da judicativa realização concreta do direito, no horizonte do
convencionalmente estruturado quadro institucional do sistema jurídico vigente.

A necessidade da interpretação teve perspetivas históricas, a clareza dos textos


antigos dizia que era desnecessária a interpretação, se o texto fosse inequívoco não
havia lugar para interpretar, principalmente afirmado pelos juristas medievais, mas
hoje há vozes muito contrárias, apesar de hoje ainda se admitir, pela “lei da boa
razão”. Na perspetiva que hoje abraçamos, nos não consideramos a norma enquanto
texto mas sim enquanto problema, enquanto critério ou resolução em abstrato de um
problema que corresponde ou não com o problema que se apresenta em concreto.

Na interpretação jurídica, do ponto de vista técnico, temos de olhar ainda para


algumas especificações:

- Interpretação autentica e interpretação jurisprudencial: o agente interpretativo, na


autentica, pode dizer-se legislativa obrigatória, é a interpretação levada a cabo pela
entidade emitente da própria fonte jurídica a ser interpretada. Uma norma legal é
interpretada pelo legislador. O artigo 13 do CC, determina a admissibilidade da
interpretação autêntica, que visa esclarecer dúvidas quanto ao sentido interpretativo
de uma norma, a interpretação é feita por um órgão com legitimidade e a norma
interpretativa seja de posição hierarquicamente seja superior à norma a ser
interpretada. O artigo 13 número 1 diz-nos que a lei interpretativa vigora, produz
efeitos de desambiguação da norma interpretada. As leis criadas pelo legislador para
esclarecer o sentido de outras. As leis interpretativas não são de inovação normativa,
mas sim de esclarecer a lei interpretada.

Já quanto à interpretação jurisprudencial

52
O critério que as distingue, é o autor e a força vinculativa dessa interpretação que na
autêntica é a força de lei e na jurisprudencial a força é a sustentabilidade dos seus
argumentos e os seus sentidos que se devem ver adequados com o problema concreto

- Interpretação em sentido restrito, amplo e global: a interpretação

- Interpretação dogmática e interpretação teleológica: dogmática visa reconduzir os


sentidos interpretativos com os sentidos já estabelecidos no sistema, reporta o direito
interpretado ao direito já conhecido e aos seus princípios normativos. A teleológica
tem em conta a fonte interpretanda e o problema a que vai dirigida.

(completar com livro e sebenta)

Na teoria tradicional da interpretação jurídica temos:

2) O objeto da interpretação: aquilo que se interpreta - contrapor a norma (critério)


texto com a norma (critério) problema

O legalismo do seculo 19 era apenas o direito positivado sob a forma de lei, o objeto
era, portanto, o texto da lei, pois era o texto que constituía a lei, era muito mais do
que o seu registo

Quanto ao objeto da interpretação diremos, desde já, ser ele não a norma texto, mas a
norma-problema. Ora, da perspetiva tradicional, o direito era entendido como texto (a
textualidade é constitutiva da norma legal), e o texto era entendido na sua
globalidade, sendo composto por dois segmentos: a letra, enquanto imediata
expressão verbal da proposição; e o espírito, isto é, o conjunto das significações
imanentes à norma legal, veiculadas por vários elementos ou fatores de interpretação
(intratextuais). Elencando agora os elementos intratextuais

Assim, e subjacente ao que acaba de acentuar-se, encontra-se um postulado: o de que


a letra afirma, em regra um sentido pré-jurídico, a que, aposterioristicamente, a
consideração do espírito, naquele quadro previamente balizado, aditará um singular
sentido jurídico.

Por seu turno, o aludido postulado radica em três pressupostos: na utilização, pelos
critérios jurídicos, da linguagem comum; na univocidade desta linguagem; e na
inalterabilidade do significado das expressões linguísticas comuns quando utilizadas
em critérios jurídicos.

A verdade é que todos eles, ao atenderem apenas a dimensões semântico sintáticas,


apagam a normativo-juridicamente fundamental dimensão pragmática da linguagem
jurídica.

53
Em suma, ao jurista-decidente não importa a norma enquanto corpus semântico-
prescritivo, que comunica impositivamente um sentido literal, mas a norma enquanto
regula prático-normativa, que se revela apta para orientar, em termos também
prático- normativamente fundamentados, a solução de um problema, ou de uma série
de problemas, a que justificadamente se reconheça uma relevância especificamente
jurídica, pois, de contrário, em vez do significado dominar o termo, é o termo que
domina o significado. Por fim, importa dizer que a posição de princípio que se tome
quanto ao objeto da interpretação, condiciona a perspetiva adotada, não só em
matéria de elementos, como também de objetivos e resultados interpretativos.

3) O objectivo da interpretação:

Aquilo que se pretende obter através da interpretação implica do ponto de vista da evolução
histórica, uma consideração de uma polemica que se desenvolveu no seculo 19 que opôs o
subjetivismo ao objetivismo (interpretação dogmática ambas, de reconduzir o sentido da
interpretação ao sistema)

- α) o subjetivismo e o objetivismo: Primeiro surgido o subjetivismo ao que lhe


sucedeu o objetivismo. Ao desenvolverem-se vão ser fatores de superação da teoria
tradicional pois alargam a distância entre realidade e norma. Para ambos o objeto é o
texto da norma interpretanda. O que difere é o objetivo. No subjetivismo busca-se a
vontade do legislador expressa no texto da lei, é sobretudo histórico, pois visa buscar a
vontade do legislador no momento em que a lei foi criada. O objetivismo fala da
vontade da lei (…)

O subjetivismo tinha como objetivo, a obediência estrita ao poder constituído, fazer


perdurar no tempo o ideário revolucionário (escola da exegese)

O objetivismo que adequar a justeza das decisões à realidade. Adequar à realidade


mais do que ao legislador. Ele critica o subjetivismo apegada ao passado e ao poder, ao
facto de que eles queriam fazer do legislador uma pessoa uma vontade quando na
verdade são várias, etc.

Estas duas orientações radicam em diferentes conceções do direito: o subjetivismo,


inspirado pelo pensamento revolucionário remetia o direito à voluntas do legislador; e
o objetivismo, menos politicamente cunhado e mais culturalmente marcado, referia o
direito a uma logicamente coerente ratioordenadora.

- β) as orientações mistas e gradualistas e a sua refracção no art.º 9.º do Código


Civil;

É verdade que ainda hoje se insiste na disputa entre subjetivismo e objetivismo.


Todavia, no seu artigo 9o, o nosso Código Civil optou, cautelosamente, por uma
transação entre ambas, assumindo uma posição gradualista, ou (rectius) mista.

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Ora , uma vez que a norma era considerada como um texto, a discussão fundamental
no que toca aos fins da interpretação, girava em torno das correntes subjetivistas e
objetivistas, atualistas e historicistas. Tratava-se de saber se a descoberta do
significado do texto se obtinha mediante uma referência ao respetivo autor (o sujeito)
ou emanava do texto enquanto tal, independentemente da vontade do legislador que
o criou, e se o momento preciso para fixar esse sentido deveria ser o da elaboração do
texto ou da sua interpretação. Com o tempo, as duas dicotomias cruzaram-se, gerando
proposta de subjetivismo atualista e de objetivismo historicista.

No fundo, o debate resume-se à contraposição típica dos estudos literários, entre o


relevo da intentio actoris e da intentio operis na determinação do sentido de um texto.
De um lado, visa-se a reconstituição da voluntas ou da mens legislatoris. Neste caso,
interpretar consiste em atingir a vontade histórico-psicológica do legislador real. Por
outra banda, aponta-se à reconstituição da mens legis: o sentido que o texto legal
incorpora e exprime autonomamente.

Na sequência do referido acima, convém não esquecer que o objetivismo e o


subjetivismo se desfiaram em várias correntes mais ou menos radicais, de tonalidade
mais ou menos dogmática, etc., e que, gradualmente, foi a modalidade atualista do
objetivismo a impor-se, abeirando-se mesmo da referência ao elemento teleológico e
projetando-se inclusive na chamada presunção do legislador razoável.

Por fim, note-se que a presunção do legislador razoável conhece três declinações, das
quais apenas as duas primeiras foram expressamente consagradas no nosso Código
Civil (art. 9.o/3): a presunção de razoabilidade material ou no tocante ao conteúdo ou
mérito substantivo (a ideia de que o legislador consagrou as melhores soluções);

a presunção de razoabilidade em termos formais ou quanto à expressão (a ideia de


que o legislador soube exprimir o seu pensamento com a correção bastante); e a
presunção de razoabilidade num sentido temporal ou diacrónico (a ideia de que o
legislador empregou formulações e adotou prescrições flexíveis e como tal suscetíveis
de irem sendo atualizadas em função dos condicionalismos em que forem sendo
chamadas a atuar).

- γ) a interpretação dogmática e a interpretação teleológica

A superação da dicotomia precedentemente analisada abriu espaço a uma outra –


àquela que veio opor a interpretação dogmática à interpretação teleológica.

A primeira procurava determinar um sentido logicamente coerente da norma


interpretanda com o sistema Artigo 9º do Código Civil – Interpretação da lei:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos
o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as
circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que
é aplicada.

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2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo
que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador


consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em
termos adequados, conceitual, de base legal, de que ela fazia parte; a segunda
referia a norma ao fim prático por ela visado.

Assim, diremos ser a interpretação dogmática uma operação sintática e a


interpretação teleológica um manifesto de caráter pragmático. Ora, assim
entendidas e levadas às últimas consequências, a interpretação dogmática
formalizaria o direito, e a interpretação teleológica instrumentalizá-lo-ia ou
funcionalizá-lo-ia.

Ora, quando adequadamente compreendidas, tanto a (mais imediatamente


racionalizante) interpretação dogmática, como a (mais visivelmente dinamizante)
interpretação teleológica são perpassadas pela dialética sistema-problema – um
definiens do discurso jurídico metodologicamente
comprometido – podendo afirmar-se que cada uma daquelas dimensões
encontra na outra a outra face de si própria.

4) Os fatores ou elementos da interpretação: gramatical, sistemático, histórico e


teleológico

Na esteira de SAVIGNY, o pensamento jurídico clássico insiste nos elementos ou


fatores gramatical, histórico, sistemático e lógico ou racional.

Da perspetiva tradicional, como se realiza a interpretação? Ora, como a norma era


encarada enquanto texto e numa perspetiva estritamente hermenêutica, o ponto
de partida não poderia deixar de ser a letra – a dimensão ou segmento visível
desse texto.

O elemento gramatical constituía o fator fundamental e determinante, assumindo


um sentido dúplice: positivo e negativo. Negativo, porque a letra definia o círculo de
sentidos admissíveis, tanto maior, quanto maior a polissemia dos termos empregues;
positivo porque, de entre as possibilidades interpretativas ainda cabíveis no
significado das palavras usadas, se deveria privilegiar aquela que mais próxima
estivesse do significado literal. Assim, os demais elementos interpretativos só
poderiam ser equacionados dentro dos significados admissíveis pela letra da lei, para
ajudar a determinar qual deles deveria prevalecer.

Eram estes elementos: o histórico, isto é, as circunstâncias históricas que rodearam a


emergência do texto e o percurso que culminou especificamente na sua criação; o
lógico/sistemático, que respeita à unidade lógico-estrutural da norma e sobretudo à
sua inserção dogmática no sistema normativo e na pirâmide de conceitos; e o

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teleológico. De todo o modo, o intérprete nunca poderia, com recurso a tais
elementos interpretativos, alcançar um resultado que não tivesse na letra da lei um
mínimo de correspondência verbal. Com efeito, a lei assume uma função autónoma
negativa de exclusão, analítica e cronologicamente prioritária relativamente à
consideração dos demais elementos interpretativos, pois que define, com força
normativo-prescritiva os limites de significação do texto.
Graças a este relevo negativo, a letra da lei ao traçar as fronteiras da interpretação
identifica logo os candidatos negativos à significação do texto, isto é, todos os
significados que inequivocamente exclui. Depois, o elemento gramatical intervém
num sentido positivo, e com valor meramente indicativo, na seleção do significado a
privilegiar em definitivo .

Em suma, por referência ao elemento gramatical, teríamos: sentidos excluídos (casos


de certeza negativa), sentidos incluídos (situações em que se verifica uma certeza
positiva) e sentidos menos imediatos ou comuns (em que subsistem dúvidas quanto à
sua inclusão, embora não possam ser excluídos a partida).

5) Os resultados da interpretação – o que se obtém do exercício interpretativo

Relativamente a este tópico, lembremos a atitude preconizada pelo método jurídico.


Para além da interpretação autêntica (a soberanamente realizada pelo legislador) e da
interpretação revogatória (aquela que o intérprete deve lançar mão para superar uma
contradição insanável entre duas disposições legais), a referida perspetiva centra a
interpretação na norma-texto, tomada na sua autossuficiência significante, e procura
constatar, ou reestabelecer, o equilíbrio das duas grandezas que a conformam: a letra
e o espírito. Ora, se uma e outra coincidirem (se o sentido imputado à letra for
corroborado pelo inferível espírito), nada mais se impõe do que uma mera
interpretação declarativa, como que conformadora da mencionada constatação.

Por seu turno, a interpretação enunciativa decorre da estrutura lógico- apofântica da


orientação tradicional e consiste na explicitação de um critério virtualmente contido
numa norma pré- objetivada no sistema e dele desimplicado por mediação de
inferências lógico-jurídicas, sintetizadas nos clássicos argumentos: a maiori ad minus, a
minori ad maius, e a contrario.
Porém, pode acontecer que as duas mencionadas grandezas não coincidam –
constatando-se um desvio entre ambas. Nesta hipótese, importa distinguir: se o
sentido decorrente do espírito for mais amplo do que o atribuível à letra, impor-se-á
uma interpretação extensiva, isto é, uma ampliação do alcance da letra para a adequar
ao espírito; se ocorrer a situação inversa (espírito menos amplo que a letra) realizar-se-
á uma interpretação restritiva, isto é, uma redução da letra para a adequar ao espírito.

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O SENTIDO TRADICIONAL ALTEROU-SE
Superada esta incompreensão da interpretação jurídica e assumida a perspetiva que
temos vindo a propugnar, tudo se altera também no âmbito problemático dos
respetivos resultados. Do que se trata, então, é de utilizar, de um modo prático-
normativamente adequado, os critérios justificadamente mobilizados para orientar as
concretas decisões judicativas. Ora, neste outro entendimento da questão principal, o
pensamento jurídico acabou por abrir-se à consideração de resultados interpretativos
incompatíveis com a orientação tradicional e inucleados na convocação da relevância,
da teleologia e do fundamento do critério interpretando. Com efeito, uma vez que a
norma é encarada como solução jurídica para um problema, a interpretação consiste
nuclearmente na comparação entre o caso exemplo e o caso concreto, em busca de
semelhanças à luz do sentido do direito.
Desta comparação, podem resultar várias hipóteses de interpretação:

• Atendendo aos respetivos âmbitos de relevância material do caso e da norma


para além dos casos de assimilação total da relevância concreta do caso pode
haver espaço a uma adaptação extensiva ou restritiva da norma ao caso ou a
veras correções da norma, se esta for atípica e se justificar a sua convocação in
casu (o que corresponde às hipóteses de assimilação parcial), quando não ao
seu abandono, porque a norma já não se revela adequada ao caso (sendo
superada por obsoleta, no que é uma manifestação dos limites temporais da
legislação);
• Considerando a teleologia da norma, podem justificar-se correções e,
nomeadamente, a exclusão, do âmbito de aplicação de uma norma, de
casos que literalmente por ela estariam abrangidos (redução teleológica) ou
a inclusão de casos que formalmente não caberiam na norma (extensão
teleológica);
• Tomando em linha de conta os fundamentos da norma (de que depende a
respetiva validade), poderá ser objeto de correções interpretativas (quando,
projetada sobre o caso, manifeste uma incoerência, se bem que ainda sanável
relativamente ao(s) princípio(s) normativo(s) em que se louva) e até
acabar por ser preterida ou superada - caso se conclua que a norma,
mobilizada para resolver o caso concreto adquire um sentido que
irremediavelmente a incompatibiliza com os princípio(s) normativo(s) em que
se baseia, ou porque parece ter já nascido em contradição flagrante com
eles – e aí teremos a preterição – ou porque o sentido destes entretanto
mudou, ou surgiram mesmo princípios novos - e aí estaremos diante de um
caso de superação da norma (porque entretanto caducou, expondo os
limites temporais da norma).

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6) O significado da evolução: o caso decidendo não só como "objecto" da
metodologia jurídica, mas autenticamente como "ponto de partida" e "perspectiva"
do exercício metodonomológico.

Tentemos agora sintetizar os esclarecimentos precedentes. O quadro de


pressuposições em que assentava a orientação tradicional em matéria de
interpretação jurídica foi profundamente reconstruído.

1. Quanto ao objeto:

Alterou-se a compreensão do objeto da interpretação: deixou de pôr-se a tónica nas


palavras que plástico-semanticamente conformam a norma em causa e passou a
atentar-se nos problemas que prático-normativamente a densificam (...da norma-
texto, à norma problema).

2. Quanto ao objetivo

Em lugar da estéril disputa da preferência pelo esclarecimento da intentio auctoris ou


da intentio operis, assumiu-se a responsabilidade da cumulativa determinação do
dogmático- axiologicamente modelado sentido teleológico-jurídico do critério
interpretando – da oposição entre objetivismo e subjetivismo à complementaridade
entre interpretação dogmática e teleológica.

3. Quanto aos elementos

A justificada impostação prático-normativa da interpretação jurídica implicou a aludida


mudança de significado: o elemento gramatical deixou de ser um “em si”
tranquilamente suficiente e volveu-se num “para nós” ebulientemente interpelante,
pois trocou a aderência às palavras pela referência ao direito;

o elemento histórico abdicou de confinar-se à descrição da fenoménica criação da


norma, e abriu-se, logo com a Jurisprudência dos Interesses e na pressuposição da
razoabilidade formal e substancial do legislador, à consideração do seu
hermenêuticamente deveniente e intencionalmente específico sentido problemático;

o elemento sistemático abandonou a pretensão de articular, lógico-conceitualmente


uma norma com as demais, e passou a centrar-se na dilucidação dos liames
dogmáticos e axiológicos que a entretecem com os restantes estratos do
adequadamente perspetivado corpus iuris vigente;

o elemento teleológico rompeu quer com a vinculação à subjetivística ratio


legislatoris, quer com a redução à normativística ratio legis, e, depois de se ter
convertido em elemento indiciador de uma verdadeira alteração de sentido do
problema da interpretação jurídica, como que se fundiu com o também prático-
normativamente compreendido elemento sistemático, polarizou-se na axiológico
normativamente intencionada ratio iuris, enriqueceu-se com a experimentação
jurisprudencial e transmutou-se em elemento teleonomológico.

59
O reconhecimento do mérito autónomo do caso decidendo e a sua compreensão como
efetivo prius discursivo concorreram para que o elemento gramatical perdesse o seu
estatuto de fator autonomamentedeterminante da interpretação.

4. Quanto aos resultados

Tudo quanto se acentuou concorreu para a desvelação de resultados interpretativos


que a retórica discursiva positivística não poderia ter proposto, por não radicarem já
na primazia do elemento gramatical e da tensão letra-espírito, e antes implicarem uma
outra constelação de referentes polarizada nas normativo-juridicamente adequadas
compreensões do caso decidendo, do critério interpretando e da relação que os
articula.

7) As linhas de superação da teoria tradicional da interpretação jurídica:

-α) os elementos normativos extratextuais e transpositivos da interpretação


jurídica;

A recompreensão do problema da interpretação jurídica foi condição da emergência


de fatores interpretativos bem diferentes dos que se estava habituado a convocar, e
que analisámos.

Referimo-nos, aos inucleados em dimensões axiológico-práticas, fundamentantemente


constitutivas da normatividade jurídica – pense-se nos princípios normativos e na
pluralidade de vetores que a sua autonomização permite revelar – e àqueles outros
mais imediatamente associados ao compromisso prático-social da juridicidade –
lembre-se a importância cardeal da realidade na modelação do direito.

-β) o "continuum" da realização judicativo-decisória do direito e a


interpretação jurídica como momento dessa realização;

Ora , o papel tradicionalmente cometido à norma cabe agora ao sistematicamente


enquadrado caso concreto; a pertinente suficiência de qualquer dos estratos do corpus
iuris, atenta a respetiva intencionalidade problemática, permitirá soluciona-lo com
base num mais ou menos denso ou rarefeito critério ou fundamento pré-objetivado na
sua irreprimível deveniência; e, no limite, a novidade de um caso, ainda
justificadamente qualificado como juridicamente relevante, por referência ao
constituendo sistema de direito, e a abertura deste último viabilizam o
desenvolvimento transsistemático da normatividade jurídica vigente.

Deste modo, perfila-se, diante de nós, uma escala gradativa distinta da sublinhada pelo
positivismo, em que as concludentemente reconhecidas centralidade do caso e
sentido do sistema determinam a distinção dos concretos problemas jurídicos que
encontram na pré-disponível e apenas redensificável normatividade jurídica o
critério/fundamento da sua decisão judicativa, daqueles outros que autenticamente
postulam o aludido desenvolvimento trans-sistemático do direito.

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É que o positivismo cindia a interpretação da lei e a integração das lacunas, consoante
ainda se estivesse dentro de uma das aceções possíveis da hipótese textual da norma
diretamente reguladora dos factos controvertidos, ou aquela hipótese normativa
apenas fosse indiretamente convocável em virtude da suficiente semelhança dos
factos previstos e dos factos omissos.

Ora, a referida escala gradativa manifesta-se no acentuado continuum


interpretação/aplicação e interpretação/integração. Com efeito, a importância fulcral,
no horizonte metodonomológico, do caso decidendo e dos princípios normativos
circunstancialmente pertinentes, mostra que o sentido normativo do critério jurídico
hipoteticamente disponível e adequado não pode antecipar-se em abstrato, mas
apenas alcançar-se no termo de uma reflexão como que tripolarizada, atenta quer à
norma- critério, quer aos respetivos princípios-fundamentos.

E, depois de vencida a absolutização da norma-texto, de clarificados os limites da


legislação e de rigorosamente compreendido o sistema jurídico percebeu-se também
que a pré-objetivada juridicidade, quando operativa, se reconstituía no exercício
interpretativo , passando a integrar dimensões que até essa altura não apresentava.

-γ) a mencionada realização do direito e não a interpretação como o problema


metodonomológico;

Foi a bipolarização do exercício metodológico-jurídico, em dialética correlatividade, no


caso concretamente decidendo e na intencional problemática do critério e/ou
fundamento circunstancialmente pertinente que o desvelou inucleado em problemas.

Assim, qualquer impostação, mais ou menos inovadora, no domínio do prático-


normativo, pressupõe sempre referentes intersubjetivamente partilhados, radica
numa inércia inter-disciplinarmente estruturada e projeta- se numa dinâmica inter-
relacionalmente potenciada – tudo o que, por mediação das revisões, das recorrências
e das reposições que assim, sucessiva e respetivamente, se reconhecem, denuncia a
sua ineliminável analogicidade.

Donde, nada mais natural do que assumir a inevitabilidade que deste modo se deteta,
erigindo-a em núcleo da problemática metodonomológica e estruturando em termos
consonantes o modelo da judicativo-decisória realização do direito.

- δ) alusão à específica racionalidade e à estrutura básica do esquema


metódico prático-normativamente consonantes.

A judicativo-decisória realização do direito centra-se, irredutivelmente, na inexistência


de uma correspondência intencional entre o mérito problemático-normativo dos casos
decidendos e a relevância igualmente problemático-normativa dos mais ou menos
amplamente pré-disponíveis ou constituendos critérios/fundamentos suscetíveis de os
virem hipoteticamente a assimilar, para determinar aqueles que, in concreto, se
devem privilegiar – sendo, todavia, certo que as referidas semelhanças são, afinal,
entretecidas por diferenças subtis e que as mesmas não deixam de

61
se encontrar numa semelhança irredutível – a instituída pelo adequadamente
fundamentado mérito jurídico das quaestiones decidendi.

Podemos então dizer que a analogia é a essência do juízo. Ora, a importância prática e
metodonomológica da analogia radica na circunstância de ela sintetizar: uma reflexão
que discorre de particular a particular (de um particular conhecido para um outro
particular desconhecido ou menos conhecido) por cuja mediação se vai arriscando a
(re-)constituição de um pressuposto termo de comparação (o tertium comparationis)
suscetível de fundamentar a eventual afirmação de uma correspondência de sentido,
ou de uma semelhança relevante entre aqueles dois polos, tomados sempre na sua
específica autonomia, o que, conjuntamente, traduz, por outras palavras, a
problematicidade, aberta e racionalizada, nuclearmente predicativa dos dois referidos
horizontes temáticos, e ainda na de o citado operador discursivo se louvar de uma
perspetiva pragmática, no princípio da inércia, de uma perspetiva metódica, no
princípio da abdução e de uma perspetiva axiológica, no princípio da igualdade.

Advirta-se, ainda, ser o círculo de semelhança o pressuposto irredutível da pertinência


prático-normativa do recurso à analogia, ou de uma solução paralela para dois casos
juridicamente equiparáveis.

Se, em vez daquele, nos depararmos com um círculo de diferença (com um conjunto
em que se revelem fundamentadamente incongruentes os dois polos discursivos), se,
em lugar da continuidade que o primeiro identifica, se perfilar ao jurista decidente a
exclusão predicativa do segundo, intervirá a chamada analogia inversa – em que a
experiência feita se não ajusta à especificidade da experiência a fazer, mas não deixa
de funcionar como instância de controle negativo do juízo, neste último horizonte .

Finalmente, sublinharemos que o entendimento do sistema jurídico como uma


unidade de sentido normativo constituída por vários estratos que reciprocamente se
condicionam, nos dispensa de insistir em contraposições categoriais tradicionalmente
acentuadas, mas que com ele não se compaginam. Refira-se, a título exemplificativo,
aquela que distingue a analogia de lei ou analogia ou analogia particular (analogia
legis), da analogia de direito, ou analogia total (analogia iuris) .

Assim adequadamente compreendida, não é um raciocínio apenas operativo no


âmbito da integração das lacunas, revelando-se, antes, um vetor nuclear da própria
realização judicativo-decisória do direito por mediação de redensificantes apoios
(critérios ou fundamentos) pré- disponibilizados pelo sistema jurídico.

62
A integração

1) Referência ao tradicionalmente designado problema das lacunas

Se o pensamento jurídico tradicional compartimentava estritamente a interpretação e a


integração, hoje tende a sustentar-se um continuum entre ambas. Por outro lado, se a
doutrina alemã ainda insiste em autonomizar a interpretação, a analogia e a constituição
inovadora ou de desenvolvimento do direito, nós cremos haver boas razões para sustentar que
o tipo de raciocínio mencionado em segundo lugar perpassa quer o primeiro, quer o terceiro
dos problemas referidos.

A problemática dos limites do jurídico é suscetível de ser analisada de duas perspetivas


distintas: uma – que é a tradicional – sustenta a respetiva definibilidade pelo sistema pré-
objetivado; a outra – consonante com o que temos vindo a sustentar – entende que só
partindo do concreto problema decidendo se logrará uma normativo-juridicamente
esclarecida abordagem da questão.

Por seu turno, em termos histórico-diacrónicos, deve assinalar-se a diferença introduzida pelo
movimento codificatório. Antes desta época, naturalmente, a dificuldade não era sentida,
nem, decorrentemente, tematizada: o sistema manifestava-se aberto e incluía o direito
subsidiário, a que se recorria, quando a legislação se revelasse insuficiente.

Ora, a questão tornou-se aguda com a pretensão, assumida pela codificação, de definir prévia,
racional e esgotantemente o corpus iuris: de modo paradoxal, foi a afirmação do ideal de um
direito (positivo) completo que produziu o conceito de lacuna. Em termos formalmente
lógicos, através da invocação do princípio negativo geral (ZITELMANN), ou do princípio
universal negativo, era a orientação preconizada pelo positivismo exegéticolegalista, que
atirava para o espaço livre de direito tudo o que não estivesse normativisticamente prévisto.

Em termos formalmente dogmáticos era a opção do dogmatismo inspirador do positivismo


científico-conceitual, que considerava abrir-se o espaço livre de direito para lá dos assim
traçados limites da juridicidade.

Deste modo, entende-se o conceito de lacuna: esta verificar-se-á quando o sistema positivo,
imediatamente, ou por interpretação (respetivamente, formal ou intencionalmente) –
atendendo ao seu plano ordenador inferido dos princípios, fins e juízos de valor que lhe vão
implícitos –, permitir qualificar um determinado caso como juridicamente relevante e, todavia,
for omisso, inadequado ou incompleto acerca da respetiva disciplina ou regime. Conceito este
que facilmente se precisará se esclarecermos o critério de delimitação de uma lacuna

O mencionado critério poderá dizer-se o resultado da articulação daquela que designaremos


as fronteiras exterior e interior do sistema de direito positivo. A primeira é traçada pela
própria lei, na sua objetividade, e pelos princípios (gerais) dogmático- conceitualmente
constitutivos do ordenamento.

Por seu turno, a fronteira interior coincide, da perspetiva mais apegada, à melopeia composta
pelo método jurídico, com os sentidos suscetíveis de serem atribuídos à letra da lei, e de uma
outra mais arejada, com a intencionalidade teleológica da norma em causa. Neste sentido, é
possível distinguir vários tipos de lacunas:

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• As lacunas normativas, de previsão ou autênticas, que se verificam quando a mediação
judicativa não é só por si bastante para viabilizar a aplicação a um certo caso de uma dada
norma jurídica, exigindo-se, para o efeito, uma nova disposição que se encontra a menos
na lei e tornandose, assim, necessária, pelo menos às vezes, para colmatar essa falha de
política legislativa, uma nova decisão do legislador;
• As lacunas de regulação, de estatuição ou inautênticas, que não inviabilizam a estrita
aplicação da lei, mas que a afetam, e que se mostram passíveis de ser colmatadas pela
instância de decisão, se esta revelar, como deve, a intenção e a teleologia da lei.

As lacunas de lei

Um conceito de certo modo genérico, englobante dos tipos anteriormente discriminados –


ocorrem sempre que o plano da regulação ou a teleologia própria de uma certa lei,
discretamente considerada, se revelem incompleta ou inadequada, impendendo
especialmente sobre a jurisprudência judicial o dever de as integrar.

As lacunas do direito traduzem omissões censuráveis ao legislador – que ele próprio será
chamado, em primeiro lugar, a colmatar, e que, de um ponto de vista normativo, podem ser
patentes e ocultas (quando a lei disponibiliza a mencionada regulação, só que esta se revela
prático-normativamente inadequada, pelo que deverá ser objeto de uma restrição, v.g., sob a
forma de uma redução teleológica), e, de uma ótica cronológica, iniciais e subsequentes – na
global pressuposição do deveniente sentido de direito vigente.

Por fim, note-se que esta via do pensamento tradicional, é a via em que afinal se inscreve o
artigo 10º do CC – confinava a analogia à integração das lacunas quando nós igualmente a
reconhecemos como a modalidade de raciocínio ajustado ao problema da judicativo-decisória
realização do direito por mediação de critérios jurídicos disponíveis e circunstancialmente
mobilizáveis.

2) Os critérios da integração:

α) a analogia: Até ao momento, vimos a questão da perspetiva do sistema da juridicidade


pré- objetivada; consideremo-la, doravante, a partir do próprio problema jurídico
concretamente decidendo. A primeira questão será, então, a de determinar quando se está
perante um problema jurídico.

Ora, estaremos perante um problema jurídico quando não virmos transparentemente


cumpridas, na experiência que no-lo manifesta, as justificadamente pré-supostas, mas
constituendas, exigências constitutivas da juridicidade. É este o radical do problema
emergente, que, não obstante a respetiva novidade, nos permite qualificá-lo como
juridicamente relevante.

β) a autonomia constitutiva do julgador: Antes de mais, importa atender a certos limites


inultrapassáveis à atuação judicativo-decisória do jurista, de caráter institucional e/ou
normativo, que retiram qualquer legitimidade à mencionada intervenção, ou, quando menos,
a condicionam fortemente.

Neste sentido, aludimos à reserva de lei e à judicial restraint (figura de presença constante na
literatura jurídica estadunidense e segundo o qual o julgador não deve ser chamado a traçar o
programa político estratégico da comunidade). Como exemplos dos segundos, referiremos as
diversas expressões do principio do numerus clausus (que, ao delimitar rigorosamente o

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espaço da juridicidade, impede a respetiva consideração como um relativamente ilimitado
campo aberto, o que não deixa de desonerar o decidente), a regulamentação taxativa de
certas matérias e as controversas normas excecionais (que a orientação clássica – e o artigo
11.o do CC – sustentam não comportarem aplicação analógica, mas que hoje em dia se não
duvida que admitem).

Voltando à questão principal: o prius do exercício metodonomológico é o problema jurídico


concretamente decidendo e o sistema jurídico não pode ser o definiens da autónoma
relevância jurídica do mencionado problema.

Rigorosamente compreendido, o corpus iuris não é só um objeto constituído por uma cópia de
critérios fixos; é também um sentido constituendo, pois vai integrando fundamentos
polarizados numa experiencialmente radicada, intencionalmente específica e historicamente
deveniente axiologia práticocultural, que densificam aqueles critérios e neles se projetam, e
orientam a solução dos problemas emergentes em consonância com o seu apontado modo de
ser.

Recordemos ainda que o sistema não pode bloquear a emergência de problemas


determinantes de uma renovação da normatividade jurídica e, por isso mesmo, constitutivos
do corpus iuris.

Com efeito, não estamos a falar de lacunas, pois estas omissões contra o sistema assentavam
na absolutização da respetiva pré-definibilidade. Do que se trata, é do dever de decidir
judicativamente aqueles problemas que impõem um não meramente reconstrutivo, mas
autenticamente constitutivo, desenvolvimento do sistema da juridicidade, que exigem uma
afoita mutação, em lugar de uma tímida evolução da normatividade jurídica.

3) O sentido geral do problema do "desenvolvimento transsistemático do direito"

Ora, quando uma singular e inovadoramente recortada controvérsia prática só puder ser
qualificada pela pressuposição do sentido do direito - isto é, quando tudo isto se projetar em
uma estrutura polarizada na fundamentante validade, histórico-concretamente realizada por
mediação de um genuíno juízo-julgamento de um legitimado terceiro imparcial – di-la-emos
conformador a de um problema jurídico concreto.

De outra perspetiva, temos, diante de nós, os momentos material (o referido problema) e de


validade (o referente direito) que considerámos no âmbito das fontes do direito e
convocadores de uma instância incumbida de constituir a juridicidade requerida pelas
circunstâncias. Não intervindo qualquer dos limites que se lhe oponha, é manifesto caber
então ao jurista decidente a assunção da tarefa de, com prudência de juízo e responsabilidade
institucional, projetar o mencionado sentido do direito no aludido problema jurídico concreto,
em ordem à judicativa decisão deste último e, decorrentemente, à sua assimilação pelo corpus
iuris. A racionalização de que não pode abdicar-se no exercício e que é pressuposto da
controlabilidade (da intersubjetivamente inucleada objetividade) prosseguida, impõe um
esforço tendente a alcançá-la.

Assim, em primeiro lugar, um problema eventualmente relevante para o direito emerge


sempre num dado quadro sociológico, igualmente densificado por exigências materiais de
caráter jurídico. Depois, o mérito autonomamente reconhecido a esse hipotético problema
jurídico talvez permita referi-lo aos sempre constituendos princípios normativos, positivos e
transpositivos, que mais ou menos se lhe ajustem.

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E, finalmente, o englobante e deveniente ethos comunitário –em que se vai reconstituindo o
sentido último do direito, tanto na linha das suas manifestações precedentes como em
fundamentada rutura com elas, superando-as autenticamente – também concorrerá para
viabilizar a prático-normativamente exigível inter-subjetivização da subjetividade do
decidente.

Se lembrarmos que todos os arrimos assim excogitados relevam metodonomologicamente


atenta a respetiva intencionalidade problemática, logo nos damos conta de que se trata aqui
de trazer à correspondência o problema jurídico concretamente decidendo e o problema
constitutivo do constituendo arrimo normativo circunstancialmente pertinente, que nos
desvela o caráter analógico do exercício.

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A concorrência de normas no tempo

a) Referência ao carácter tendencialmente pré-metodológico e conflitual do


problema

b) Os princípios que nele predominantemente se afirmam

c) As orientações doutrinais que os procuram sintetizar

d) Alusão às coordenadas básicas da respectiva resolução em diversos âmbitos


jurídico-dogmáticos

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