Você está na página 1de 4

Direito e Justiça

CONCEITO DE JUSTIÇA A justiça é o magno tema do Direito e, ao mesmo tempo, permanente


desafio aos filósofos do Direito, que pretendem conceituá-la, e ao próprio legislador que,
movido por interesse de ordem prática, pretende consagrá-la nos textos legislativos. A sua
definição clássica foi uma elaboração da cultura greco-romana. Com base nas concepções de
Platão e de Aristóteles, o jurisconsulto Ulpiano assim a formulou: Justitia est constans et
perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi (Justiça é a constante e firme vontade de dar a
cada um o que é seu).1 Inserida no Corpus Juris Civilis, a presente definição, além de retratar a
justiça como virtude humana, apresenta a ideia nuclear desse valor: Dar a cada um o que é
seu. Esta colocação, que enganadamente alguns consideram ultrapassada em face da justiça
social, é verdadeira e definitiva; válida para todas as épocas e lugares, por ser uma definição
apenas de natureza formal, que não define o conteúdo do seu de cada pessoa. O que sofre
variação, de acordo com a evolução cultural e sistemas políticos, é o que deve ser atribuído a
cada um. O capitalismo e o socialismo, por exemplo, não estão de acordo quanto às medidas
de repartição dos bens materiais na sociedade. Dar a cada um o que é seu é esquema lógico
que comporta diferentes conteúdos e não atinge apenas a divisão das riquezas, como
pretendeu Locke, ao declarar que a justiça existe apenas onde há propriedade. O seu
representa algo que deve ser entendido como próprio da pessoa. Configura-se por diferentes
hipóteses: salário equivalente ao trabalho; penalidade proporcional ao crime. A ideia de justiça
não é pertinente apenas ao Direito. A Moral, a Religião e algumas Regras de Trato Social
preocupam-se também com as ações justas. O seu de uma pessoa é também o respeito moral;
um elogio; um perdão. A palavra justo, vinculada à justiça, revela aquilo que está conforme,
que está adequado. A parcela de ações justas que o Direito considera é a que se refere às
riquezas e ao mínimo ético necessário ao bem-estar da coletividade. Justiça é síntese dos
valores éticos. Onde se pratica justiça, respeita-se a vida, a liberdade, a igualdade de
oportunidade. Praticar justiça é praticar o bem nas relações sociais. A justiça é uma das
primeiras verdades que afloram ao espírito. Não é uma ideia inata, mas se manifesta já na
infância, quando o ser humano passa a reconhecer o que é seu. A semente do justo se acha
presente na consciência dos homens. A alteridade é um dos caracteres da justiça, de vez que
esta existe sempre em função de uma relação social, Justitia est ad alterum (a justiça é algo
que se refere ao semelhante). Segundo Aristóteles, a justiça reúne quatro termos: “duas são as
pessoas para quem ele é de fato justo, e duas são as coisas em que se manifesta – os objetos
distribuídos.”

A IMPORTÂNCIA DA JUSTIÇA PARA O DIREITO A ideia de justiça faz parte da essência do


Direito. Para que a ordem jurídica seja legítima, é indispensável que seja a expressão da
justiça. O Direito Positivo deve ser entendido como um instrumento apto a proporcionar o
devido equilíbrio nas relações sociais. A justiça se torna viva no Direito quando deixa de ser
apenas ideia e se incorpora às leis, dando-lhes sentido, e passa a ser efetivamente exercitada
na vida social e praticada pelos tribunais. Ao estabelecer em leis os critérios da justiça, o
legislador deverá basear-se em uma fonte irradiadora de princípios, onde também os críticos
vão buscar fundamentos para a avaliação da qualidade das leis. Essa fonte há de ser,
necessariamente, o Direito Natural. Enquanto as leis se basearem na ordem natural das coisas,
haverá o império da justiça. Se o ordenamento jurídico se afasta dos princípios do Direito
Natural, prevalecem as leis injustas. Da mesma forma que o Direito depende da justiça para
cumprir o seu papel, a justiça necessita também de se corporificar nas leis, para se tornar
prática. A simples ideia de justiça não é capaz de atender os anseios sociais. É necessário que
os seus critérios se fixem em normas jurídicas. Iniludivelmente, nesse processo em que a
justiça deixa o seu caráter apenas ideal e se transfunde em regras práticas, sofre uma
distorção, perdendo um pouco de substância. A abstratividade das regras do Direito, que não
permite uma variação de critério em função de cada caso, a não ser excepcionalmente,
colabora também para o enfraquecimento da eficácia do valor justiça. Enquanto o positivismo
não atribui importância à presença da justiça no Direito, porque este se compõe apenas de
normas que comportam qualquer conteúdo, o eticismo sustenta uma outra colocação radical,
pois pretende reduzir o Direito apenas ao elemento valor.5 A importância de um

componente do Direito não exige a sua prevalência sobre os demais. A justiça ganha
significado quando se refere ao fato social, por intermédio de normas jurídicas. A justiça é
importante não apenas no campo do Direito, mas em todos os fatos sociais por ela alcançados.
A vida em sociedade, sem ela, seria insuportável. Ao referir-se à justiça, o filósofo Kant
declarou: “Se esta pudesse perecer, não teria sentido e nenhum valor que os homens vivessem
sobre a Terra”.

Controvérsias do direito e a Justiça

LEIS INJUSTAS Conceito. A incompetência ou a desídia do legislador pode levá-lo à criação de


leis irregulares, que vão trair a mais significativa das missões do Direito, que é espargir justiça.
Lei injusta é a que nega ao homem o que lhe é devido, ou lhe confere o indevido, quer pela
simples condição de pessoa humana, por seu mérito, capacidade ou necessidade. No passado,
um complexo de causas, místicas e mistificadoras, permitia que os governantes criassem
normas contrárias aos princípios basilares do Direito Natural. A Religião e a crença, autorizadas
pela tradição, constituíam uma rede protetora dos interesses dos maus dirigentes que, em vez
de se utilizarem dos preceitos jurídicos como um instrumento de benquerença e avanço social,
colocavam-nos a seu próprio serviço, num escárnio ao sentimento e à vida do povo. Forjavam
a crença de que o Direito Positivo e o vitalício mandato de governante eram um produto da
vontade divina, correspondendo aos desígnios dos deuses. Era flagrante o engodo, mas este se
encontrava apoiado em uma tradição milenar, à qual devotavam profundo respeito,
temerosos de provocarem a ira dos deuses. Fustel de Coulanges, historiando a época, relata:
“A lei antiga nunca fazia considerandos. Para que precisava ela de os ter? Não necessitava de
explicar razões: existia, porque os deuses a fizeram. A lei não se discute, impõe-se; representa
ofício de autoridade e, os homens, obedecem-lhe cheios de fé.”22

61.2. Espécies. Distinguimos, nas leis injustas, uma divisão tricotômica: as injustas por
destinação, as casuais e as eventuais. As injustas por destinação são as que vão cumprir uma
finalidade já prevista pelo legislador. São leis que já nascem com o pecado original e levam
consigo o selo da imoralidade. As casuais são as que surgem em decorrência de uma falha de
política jurídica. A regulamentação do fato social é feita de uma forma infeliz, em
consequência de inépcia na apreciação do fenômeno e na consagração dos valores. Não há,
por parte do órgão que as edita, consciência dos efeitos prejudiciais que irão causar. As suas
normas são injustas não apenas em concreto, ou seja, no momento da subsunção, mas
também em abstrato, independentemente das características peculiares do fato real. As leis
injustas eventuais, do mesmo modo que as casuais, não têm por base a má-fé do legislador.
Surgem por incompetência de técnica legislativa. Em abstrato, são justas, podendo, contudo,
tomar feição oposta eventualmente, de acordo com as particularidades do caso em si. Na
dependência, pois, das coordenadas da questão, a lei poderá ser injusta ou não. Sê-lo-á,
portanto, eventualmente.

O Problema da Validade das Leis Injustas. Em torno das leis injustas, o problema de maior
indagação refere-se à sua validade ou não. Entre os jusfilósofos, encontramos quatro posições
diferentes. Os positivistas consideram válidas e obrigatórias as leis injustas, enquanto
permanecem em vigor. Iniciam a sua argumentação em estilo socrático: o que se deve
entender por leis injustas e qual o critério para o seu reconhecimento? Daí passam a analisar
os riscos e a confusão que reinaria, caso fossem passíveis de discussão. Por outro lado, onde a
segurança das pessoas em seus negócios e em outras espécies de interação jurídica? A
previsibilidade, companheira dos homens prudentes, deixaria de existir, do mesmo modo a
segurança jurídica, que representa um dos mais sérios anseios

da sociedade. Os jusnaturalistas, de modo geral, negam validade às leis injustas. Esta corrente
de pensamento considera o Direito como um meio a serviço dos fins procurados pela
sociedade, em determinado momento e ponto do espaço. A sua concepção do Direito é
teleológica, julgando-o bom ou mau, segundo realize bons ou maus valores. O Direito Positivo,
sendo criado pelos homens, deve por estes ser dominado e não erigir-se em dominador do
próprio homem. A lei como súdita e não como suserana!23 Em posição eclética, encontram-se
os pensamentos de Santo Tomás, Gustav Radbruch e John Rawls. O primeiro, apesar de
considerar todas as leis injustas ilegítimas, reconhece validade naquelas cujo mal provocado
não chega a ser insuportável. Pensava que a não observância de uma lei injusta pode, às vezes,
dar origem a um mal maior, daí a necessidade da tolerância nesses casos. Mas, uma vez
incompatível o preceito jurídico com a natureza e dignidade humanas, não deverá ser
cumprido, pois nem Direito será. Para John Rawls, filósofo e cientista político norte-americano,
“há normalmente um dever (e, para alguns, também uma obrigação) de acatar leis injustas
desde que não excedam certos limites de injustiça”. O autor de Uma Teoria da Justiça parte do
princípio de que as “Leis injustas não estão todas no mesmo nível”. A resistência se mostra
razoável quando a lei injusta se distancia de “padrões publicamente reconhecidos... Se,
todavia, a concepção vigente de justiça não for violada, a situação será outra”.24 Finalmente,
há aqueles que, como Kelsen, negam a existência das leis injustas, por considerarem que a
justiça é apenas relativa. Fiel à sua teoria pura, Kelsen só concebe como injustiça a não
aplicação da norma jurídica ao caso concreto. Entendemos que não cabe ao aplicador do
Direito, em princípio, abandonar os esquemas da lei, sob a alegação de seu caráter injusto.
Alguns resultados positivos poderão ser alcançados mediante os trabalhos de interpretação do
Direito objetivo. Uma lei injusta normalmente é um elemento estranho no organismo jurídico,
a estabelecer um conflito com outros princípios inseridos no ordenamento. Ora, como o
aplicador do Direito não opera com leis isoladas, mas as examina e as interpreta à luz do
sistema jurídico a que pertencem, muitas vezes logra constatar uma antinomia de valores,
princípios ou critérios, entre a lei injusta e o ordenamento jurídico. Como este não pode
apresentar contradição interna, há de ser sempre uma única voz de comando, o conflito
deverá ser resolvido e, neste caso, com prevalência da índole geral do sistema.
Ordem do Sumário:

52 – Emil Brunner, La Justicia; Goffredo Telles Júnior, Filosofia do Direito; Aristóteles, Ética a
Nicômaco; 53 – Emil Brunner, op. cit.; Hans Kelsen, Que es la Justicia?; 54 – Texto; 55 – Emil
Brunner, op. cit.; Chaim Perelman, De la Justicia; 56 – Edgar Bodenheimer, Ciência do Direito,
Filosofia e Metodologia Jurídicas; Aristóteles, op. cit.; Del Vecchio, A Justiça; 57 – Goffredo
Telles Júnior, op. cit.; 58 – Emil Brunner, op. cit.; Del Vecchio, op. cit.; Mouchet y Becu,
Introducción al Derecho; 59 – Luño Peña, Derecho Natural; Alípio Silveira, Repertório
Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. V;

60 – Aristóteles, op. cit.; 61 – Paulo Nader, Lvmina Spargere, vol. 5, Revista da Universidade
Federal de Juiz de Fora.

Nader, Paulo - Introdução ao estudo do direito 36º edição Revista e actualizada

Você também pode gostar