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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

Sumário
1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................... 4
2 – TEORIA DA CONSTITUIÇÃO ................................................................ 5
2.1 – Teoria Constitucional e Teoria do Estado ........................................... 5
2.1.1- A Contribuição de Jellinek.................................................................. 6
2.2 - O Positivismo Clássico de Kelsen ...................................................... 11
3 - PODER CONSTITUINTE ...................................................................... 14
3.1 - Natureza do Poder Constituinte ......................................................... 15
3.2 - Titularidade ........................................................................................ 15
4 - ESPÉCIES DE PODER CONSTITUINTE ............................................. 16
4.1 - Características do Poder Constituinte Originário ............................... 16
5 - CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO ......... 17
6 - PODER CONSTITUINTE DERIVADO DIFUSO .................................... 19
7 - CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES........................................... 20
7.1 - Conteúdo: formal ou material ............................................................. 21
7.2 – Forma ................................................................................................ 22
7.3 – Estabilidade....................................................................................... 22
8 – ORIGEM............................................................................................... 23
9 – EXTENSÃO.......................................................................................... 23
10 - MODO DE ELABORAÇÃO ................................................................. 24
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 39

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FACUMINAS

A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de um grupo


de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, como entidade
oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação
no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de
publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável


e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e
ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país
na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no
atendimento e valor do serviço oferecido.

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1 – INTRODUÇÃO

Estado de direito é aquele que age juridicamente, a partir do momento que surge o
Estado de direito, todo exercício dele é através de leis. O poder político é exercido
através de normas.

Esse é o conceito de legalidade do Estado.

A diferença de um Estado de direito e um Estado constitucional é a supremacia


da Constituição. Essa supremacia surge, pois, apenas a legalidade não é suficiente
para controlar o Estado, pois ele mesmo cria as leis, então há necessidade de ter
uma legislação superior, que controle até mesmo o próprio Estado.

A constituição é um texto que limita o próprio poder político e a democracia é um


exercício do poder político. A própria constituição é um limite à democracia. Há
matérias que envolvem direitos fundamentais que não podem ser “largados” na mão
da maioria, pois pode haver uma “tirania da maioria” limitando a liberdade da
minoria. Por isso, direitos fundamentais devem ser garantidos pela constituição.

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2 – TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

A Teoria da Constituição, segundo José Joaquim Gomes Canotilho: “é uma ciência


que estuda a teoria política e científica da Constituição”.

 É política porque pretende compreender a ordenação constitucional através da


análise, discussão e crítica da força normativa, possibilidades e limites do
Direito Constitucional.
 É científica porque procura descrever, explicar e refutar os fundamentos,
ideias, postulados, construção, estruturas e métodos do Direito Constitucional.

Portanto, situa-se entre o campo da Teoria do Estado, onde tem sua base, e o Direito
Constitucional, que representa a concretização no mundo jurídico de todo o ideário
constitucional alinhavado ao longo dos séculos. Oferece os conceitos básicos sobre
a constituição, que servirá de auxílio para o exame das normas constitucionais
concretas.

2.1 – Teoria Constitucional e Teoria do Estado

“Constituição como um documento essencialmente político, estruturador e


organizador do Estado, com o qual passa a se relacionar de forma estreita e
constituir parcela integrante e indissociável desse organismo.” (Marcelo
Alkmin)

“A Constituição deve ser entendida não apenas como norma, mas também
como estatuto político, para o qual há de se reportar ao Estado, cuja
existência concreta é pressuposto de sua existência.” (Kildare Gonçalves
Carvalho).

A doutrina costuma separar os dois ramos do conhecimento, estabelecendo


premissas e conceitos fundamentais diversos, delimitando o que seria o mundo do
Estado e o mundo do Direito. Em resposta, o presente aqui estudo discute se esta

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opção, ao invés de levar a uma melhor delimitação do objeto de estudo, mas não
estaria tendo produzindo uma teoria divorciada dos aspectos concretos deste objeto,
levando a um isolacionismo que acabaria por prejudicar a compreensão do Estado e
do Direito.

Tendo em vista tal problemática, inicialmente ataca a questão de se devemos de fato


ver o Estado e a Constituição como dois fenômenos interdependentes e de que forma
este tema já foi abordado por dois dos principais autores da Teoria do Estado e Teoria
do Direito Kelsen e Jellinek e de que maneira interpretação alternativa a
indissociabilidade entre as duas teorias foi tratada por parte doutrina contemporânea.

Logo após, se analisa qual a Teoria do Estado possível dentro do quadro


constitucional criado em 1988 e, por fim, se discute algumas políticas públicas
concretas ou reformas legislativas ocorridas nos anos seguintes à Constituinte.

2.1.1- A Contribuição de Jellinek

Em primeiro lugar, Jellinek se preocupou em deixar claro que


as ciências que estudam a sociedade e seus fenômenos não
podem ser entendidas com saberes isolados, pelo contrário,
pois, no mundo fático, as esferas da vida social não podem ser
separados, estando sempre intrinsecamente interligadas. Isto,
porém, não significa, que o estudo da sociedade deva se dar
apenas com uma espécie de ciência total. A separação é
necessária, pois

“todo conocimiento sólo es posible a condición


de aislar el objeto que vaya a ser estudiado, desposeyéndole de los
elementos contingentes de le rodean y de las relaciones bajo las cuales se
nos ofrece su existencia”.

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Nesta linha, poderíamos até cogitar uma Teoria da Sociedade e uma Teoria do
Direito, mas isto não muda o fato de que o segundo fenômeno, o Direito, enquanto
corpo positivo de normas é decorrência sempre de uma associação humana
organizada, seja esta sob a forma de um Estado, seja sob qualquer outra modalidade
de agrupamento social. Aqui, porém, nos limitaremos a estudar a relação existente
ou não entre Teoria do Estado e Teoria do Direito, em especial a Teoria
Constitucional, sempre tendo como ponto de partida uma sociedade sob determinado
poder estatal organizado.

Um possível ponto de partida para o estudo do pensamento de Jellinek é a pretensão


inicial pressuposta de todo o Direito, a pretensão de se fazer valer.

Derecho necesita partir de datos reales, ya que, cualquiera que sea la


manera como se ha creado, tiene un fin, el cual consiste en aplicarse a la
realidad de los hechos; pero los hechos reales no son en sí mismos
conceptos de Derecho; son más bien abstracciones suministradas por las
reglas jurídicas positivas que se proponen ordenar la pluralidad de las
reglas”.

Para o autor, então, o fim do Direito é ser aplicado, mas sendo o Direito parte
estruturante do Estado, a aplicação do Direito, será, por conseguinte, a persecução
de certos fins, dos fins do próprio Estado, que constituem a própria justificativa de
existência e manutenção do Estado e do próprio Direito. Assim, da pretensão do
Direito, passamos para a análise do fim do Estado, pois, na prática, uma questão está
sempre intimamente ligada à outra.

Uma noção de fim universal para o Estado, no sentido de abarcar toda a


universalidade temporal e espacial deste fenômeno, tem que se basear em uma
concepção metafísica e filosófica. O fim do Estado depende “de la concepción
filosófica que se tenga de la historia, concepción que siempre aparece como parte
integrante de una visión del mundo, el valor objetivo que se atribuya a la concepción
del Estado”.

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Por isto, estas teorias não serão capazes de convencer, pois partem de concepções
íntimas, pessoas e éticas acerca de valores que devem orientar as condutas. Estes
não entram na discussão, ao menos não diretamente, sobre os fins do Estado.
Portanto, o resultado final não será aceito por aqueles que não compartilham destas
premissas.

Por outro lado, não se pode cair no extremo oposto e afirmar que cada Estado
constituído possuía seus próprios fins historicamente condicionados. Correto é que
há sim fins particulares quem surgem contingencialmente, mas isto não afasta a
presença de fins gerais. Isto pois os limites do Estado só podem ser estabelecidos
tendo em mente seus fins e objetivos, pois estas limitações são materiais, portanto,
depende de carga valorativa, que só pode ser deduzida corretamente exatamente dos
fins superiores do Estado.

São exatamente estes fins do Estado que servem como parâmetro para a análise das
decisões e soluções estatais. Toda nova lei, decisão judicial ou comando estatal em
geral só se legitima na medida em que serve a estes fins, no que já começa a ficar
clara a importância desta Teoria do Estado para uma Teoria Constitucional, pois é o
controle de constitucionalidade que se diz ser o guardião da “vontade constitucional”,
mas este discurso na grande maioria dos casos falha absolutamente em trazer à tona
à questão central da legitimação das decisões estatais, sua conformidade com os fins
do próprio Estado que as emanou.

Para buscar responder a questão do quais seriam estes fins, Jellinek traz uma
compilação de diversas teoria particulares acerca da finalidade do Estado, dentre as
quais podemos destacar, por exemplo, a crítica que faz à posição que identifica o fim
do Estado apenas como sendo a realização do Direito.

Tal teoria possui o mérito de se opor claramente à arbitrariedade estatal, deixando


claro que o Estado é vinculado e condicionado a todo momento em tese ao menos
pela sua ordem jurídica. Porém, nem toda atividade estatal pode ser explicada através
de uma justificação pela realização do Direito, como é o caso da questão da
segurança no plano internacional e defesa sistemática. Estas tarefas de segurança

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não podem ser deduzidas apenas de um comando exclusivamente jurídico.
Independentemente de haver previsão legal da sua necessidade, sua importância é
inegável, caso contrário estaríamos negando o próprio Estado.

Para responder à pergunta dos fins particulares do Estado, Jellinek nos diz ser
necessário o estudo teleológico das diferentes instituições e atividades do mesmo,
mas os fins gerais são decorrência de uma outra análise.

Toda actividad del Estado tiene como fin último, desde este punto de vista,
cooperar a la evolución progresiva; en primer lugar de sus miembros, no sólo
actuales sino futuros, y además, colaborar a la evolución de la especie, esto
es, hacer más y más viva la conciencia de la solidaridad en los pueblos, y
hacer que este realidad supere al Estado y colabore en la evolución de la
especie.

Para o autor, portanto, o Estado possui como fim último ajudar na progresso da
humanidade, criando condições adequadas para que os fenômenos sociais que
diretamente atuando neste sentido (como a Moral, a Arte e a Ciência) possam se
desenvolver.

O Direito pode, portanto, cumprir uma importante função nesta persecução, pois ele
não é somente “un medio para conservar una situación actual, sino, además, para
colaborar en la formación de una situación para el futuro”. A força normativa é sempre
parte da ordem jurídica, mas tal potência será sempre direcionada dentro de
determinado conjunto de parâmetros institucionais e legais e respeitando certos
limites e é exatamente aqui que a Teoria Constitucional e a Teoria do Estado
necessariamente se encontram.

A separação analítica possível entre Teoria do Estado e Teoria do Direito não


significa, portanto, que todo e qualquer ramo do Direito pode ser entendido separado
de uma Teoria do Estado. Jellinek pontua muito claramente que certos ramos do
Direito apresentam uma relação tão estreita com a Teoria do Estado, que não
poderíamos nunca estudá-los prescindindo desta. Nas suas palavras, certos ramos
da Teoria do Estado e do Direito,

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se encuentran en una íntima conexión y hay disciplinas que necesitan
ocuparse de ambas. Son éstas, singularmente, aquellas que se ocupan de
los caracteres o notas jurídicas del Estado y de las relaciones del mismo; en
este caso se hallan dentro del círculo de las doctrinas del Derecho Público,
las de Derecho Constitucional, Administrativo e Internacional. Son tanto
ciencias del Estado cuanto del Derecho.

A Constituição, o Direito Público, Administrativo e outros ramos do saber jurídico são


estruturantes do Estado. Ele não existe e não funciona sem estes e seu atuar deveria,
em tese, estar sempre pautado pela normatividade decorrente dos diplomas legais
que tratam de tais matérias. É evidente, então, que o estudo deste Estado deverá
passar pelo análise de seus institutos jurídicos e, por conseguinte, estes nunca
poderão ser adequadamente entendidos e interpretados se perdermos de vista a que
eles servem e onde eles atuam. Se o Direito conforma o Estado, mas também é
sempre produto dele, haverá sempre uma grande zona cinza que pertence a ambos
e é nesta conexão que Jellinek posiciona, por exemplo, o Direito Constitucional, tanto
um saber pertencente à Ciência do Direito, quanto à do Estado.

Ademais, se os fins do Estado devem condicionar toda a sua atividade, o Direito se


torna um lugar propício para que busquemos quais os fins para determinado Estado,
sendo a Constituição o primeiro lugar para o qual o estudioso deve ser voltar nesta
análise. O preâmbulo da nossa Carta Magna traz um claro elenco de fins, como
assegurar direitos sociais e individuais, assim como o art. 3º, que traz os objetivos
fundamentais do Estado. Entretanto, os fins da República não se esgotam aí e, pois,
apenas através de uma compreensão do ordenamento jurídico como um todo é que
estaremos determinantemente seguros de quais são eles, o que foge do escopo do
presente estudo. Todavia, os apontamentos acima já serviriam como ponto de partida
para tal análise, no sentido de que estaríamos certos de pelo menos parte destes fins
– aqueles positivamente inscritos na Constituição.

Com isto, passaríamos a poder e dever avaliar qualquer prática estatal, seja ela a
produção de uma nova lei, um ato administrativo em sentido estrito ou qualquer outra

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conduta que parta de um agente estatal. Todas elas deverão sempre estar de acordo
com os fins do Estado e poderão, portanto, ser revertidas ou anuladas caso se
perceba que se distanciaram deles.

Sem dúvida que tal posição torna a tarefa do jurista muito mais árdua, demandando
um conjunto de saberes e modos de análise com os quais não se esta comumente
acostumado, já que este tipo de debate é muito mais afeito às ciências políticas e
econômicas, assim como à política em sentido estrito. Isto, porém, apenas enriquece
o saber jurídico, tornando-o mais completo e mais apto a entender a sociedade, ao
invés de significar perda de foco ou excessiva politização do Direito.

2.2 - O Positivismo Clássico de Kelsen

Ficou claro o quanto o pensamento de Jellinek traz para o


debate jurídico um conjunto de saberes normalmente distante
do ensino jurídico. A compreensão dos fins do Estado e a íntima
relação com uma dimensão mais prática e política da atividade
estatal que o autor entende ser necessária para a adequada
compreensão do Direito deixam claro o quanto o jurista deverá
se aproximar de uma discussão acerca de conceito como justiça
e moral, mesmo que, no fundo, tais concepções não sejam
suas, mas sim extraídas do ordenamento jurídico como
condicionantes da atividade estatal. Kelsen, por outro lado, se posiciona de maneira
bem distinta, o que, entretanto, acabará por nos levar a conclusões muito
semelhantes, conforme se verá.

Para o autor austríaco,

o conceito de Direito [do ponto de vista científico] não tem quaisquer


conotações morais. Ele designa uma técnica específica de organização
social. O problema do Direito (…) é um problema de técnica social, não um
problema moral. (…) Direito e justiça são dois conceitos diferentes. O Direito,

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considerado como distinto da justiça, é o Direito positivo. É o conceito de
Direito positivo que está em questão aqui; e uma ciência do Direito positivo
deve ser claramente distinguida de uma filosofia da justiça.

Partindo, então, para uma análise pura do Direito, Kelsen nos diz que é a Constituição
o diploma estruturante da ordem jurídica. Ela determina quais órgãos legislarão e
através de qual processo, mas pode inclusive determinar o conteúdo de leis futuras:

A constituição pode determinar negativamente que as leis não devem ter


certo conteúdo (…) não apenas o conteúdo de estatutos, mas o de todas as
outras normas da ordem jurídica, bem como o de decisões judiciais e
administrativas, pode ser determinado pela constituição. A constituição,
porém, também tem a atribuição de prescrever positivamente certo conteúdo
dos futuros estatuto.

Em Kelsen, porém, o Direito não possui apenas a função de condicionar a atividade


estatal, ele é o próprio Estado.

O Estado como comunidade em sua relação com o Direito não é uma


realidade natural, ou uma realidade social análoga a uma natural, tal como o
homem é um relação ao Direito. Se existe uma realidade social relacionada
ao fenômeno que chamamos de ‘Estado’ e, portanto, um conceito sociológico
distinto do conceito jurídico de Estado, então a prioridade pertence a este,
não àquele.

Se o Estado é a própria ordem jurídica, ele próprio não pode desrespeitar à lei. Logo,
não faz sentido dizermos que Estado agiu contra os fins estatais em determinada
ocasião. Porém, isto não retira o poder de revisão e anulação do atos estatais, apenas
faz com que tenhamos em mente que quem praticou o ato foi determinada pessoa e
esta pessoa pode, ela sim, agir contra direito e os fins do Estado.

Este ponto nos leva a outra questão importante na obra de questão: o problema
democrático. Se o Estado é a própria ordem jurídica, surge diretamente a questão de
como lidar com o fato de que os agentes do Estado irremediavelmente irão acabar,
em algum momento, desrespeitando os comandos legais que deveriam guiá-los. Esta

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questão se torna ainda mais problemática quando tratamos dos cargos legislativos,
pois serão estes aqueles responsáveis pela manutenção e renovação do
ordenamento jurídico, ou seja, do próprio Estado, logo, ao se afastar das expectativas
de seus eleitores, temos aqui uma completa subversão da lógica da Democracia. Nas
palavras do próprio autor:

Para se estabelecer uma verdadeira relação de representação, não basta


que o representante seja nomeado ou eleito pelos representados. É
necessário que o representante seja juridicamente obrigado a executar a
vontade dos representados, e que o cumprimento dessa obrigação seja
juridicamente garantido. A garantia típica é o poder dos representados de
cassar o mandato do representante caso a atividade deste não se conforme
aos seus desejos. As constituições das democracias modernas, porém,
apenas excepcionalmente conferem ao eleitorado o poder de cassar o
mandato de funcionários eleitos.

Sendo assim, o que temos na prática contemporânea não são democracias


representativas no sentido kelseniano, mas apenas arranjos institucionais que se
auto-intitulam como tal, pois não é a vontade do povo que vemos diretamente sendo
transformada em legislação, mas sim o resultado de conflitos políticos e ideológicos
que por vezes não tem o melhor interesse do povo em consideração. Portanto, o
discurso democrático acaba possuindo muito mais um viés ideológico do que efetivo.

Se os autores políticos insistem em caracterizar o parlamento da democracia


moderna, a despeito da sua independência do eleitorado, como um órgão
‘representativo’’, se alguns autores chegam mesmo a declarar que o mandat
impératif é contrário ao princípio do governo representativo, eles não
apresentam uma teoria científica, mas advogam uma ideologia política. A
função dessa ideologia é dissimular a situação real, é sustentar a ilusão de
que o legislador é o povo, apesar do fato de que, na realidade, a função do
povo – ou, formulando mais corretamente, do eleitorado – limita-se à criação
do órgão legislativo.

Conforme já mencionado, o Estado é a ordem jurídica e, portanto, é vital que seus


agentes respeitem as normas e os comandos que deveriam guiar as suas ações, seja
o comando da norma, seja o comando da vontade do povo que elegeu determinado

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representante. A criação destas normas e comandos, portanto, é central na teoria
kelseniana e já vimos como o processo supostamente democrático por vezes perverte
tal dinâmica.

Esta criação deveria ser um produto da vontade da comunidade e esta só pode surgir,
numa democracia, através do debate livre e franco entre os mais diversos grupos
divergentes. Já antecipando a noção de esfera pública tão presente no debate
contemporâneo, Kelsen nos diz que esta discussão entre maioria e minorias não pode
se dar apenas dentro do órgãos supostamente representativos. Pelo contrário, deve
ocorrer

em primeiro lugar, em encontros políticos, jornais, livros e outros veículos de


opinião. Uma democracia sem opinião pública é uma contradição em termos.
Na medida em que a opinião pública só pode surgir onde são garantidas a
liberdade intelectual, a liberdade de expressão, imprensa e religião, a
democracia coincide com o liberalismo político – embora não
necessariamente com o econômico.

Portanto, da noção de que o Estado é a própria ordem jurídica chegamos até uma
prescrição positiva acerca do funcionamento do regime democrático, mostrando
claramente, de novo, a necessária relação entre Teoria Constitucional e Teoria do
Estado.

Conclui-se que de fato Constituição e Teoria do Estado são fenômenos que não
podem ser dissociados totalmente. Tanto Jellinek, quanto Kelsen, nos dão amplo
respaldo para fazer tal afirmativa, negando totalmente qualquer tese que busque
sustentar uma separação total entre o saber da Teoria Constitucional e o da Teoria
do Estado. Direito e Ciência Política estão intimamente relacionadas e não podemos
pensar no Estado – seja para criticá-lo, seja para pensar em alternativas ou quaisquer
outras formulações sem necessariamente passarmos por estes dois saberes.

Vamos lá!

3 - PODER CONSTITUINTE

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É o poder de elaborar a constituição, teoria liberal que surge no movimento
iluminista. O pai do poder constituinte é Abade de Sieyès. Em sua teoria, é o poder
da nação de constituir sua própria Constituição. A Constituição está acima do poder
político, portanto o Poder Constituinte é anterior à própria constituição, um poder
ilimitado. No contexto do movimento revolucionário iluminista, transfere-se a
concepção do plano religioso para o plano humanístico.

Na teoria de Sieyès, adotamos a premissa de que o Poder Constituinte está acima


de tudo, pois é ele que cria a Constituição que é quem dará origem a todo
ordenamento jurídico. Segundo ele, a elaboração de uma Constituição é direito de
todos indivíduos de uma sociedade.

3.1 - Natureza do Poder Constituinte

Possui duas correntes:

 Poder de direito: ideia jus naturalista de que os indivíduos possuem o


direito de elaborar uma Constituição que produzirá e limitará o poder do
Estado.
 Poder de fato: ideia positivista de que antes da formação da própria
sociedade, ou seja, a constituição. Portanto, antes da Constituição não
há nenhum direito, apenas fatos.

3.2 - Titularidade

O povo é o titular do Poder Constituinte. Contudo, o povo poderá exercer esse poder
de duas formas diferentes:

 Revolucionária: costuma-se obter o poder através da força, há uma


ruptura com a ordem constitucional vigente e, normalmente,

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a constituição que será produzida a partir desse momento é
outorga/imposta pelos vencedores.
 Deliberativa: surge a partir de um acordo/consentimento dos agentes
sociais de um Estado. Ao escolherem esse estilo, naturalmente irão
adotar o sistema da Assembleia Nacional Constituinte. Se for
uma Constituição elaborada nesse sentido, ela será
uma Constituição Promulgada. A Constituição brasileira de 1988 tem
uma característica deliberada.

4 - ESPÉCIES DE PODER CONSTITUINTE


São eles:

 Originário: é de fato o Poder Constituinte (elaboração da Constituição),


pois é o poder genuíno.
 Derivado: é o poder de alterar ou reformar uma constituição. Para
alterar alguma coisa, essa coisa precisa ao menos existir. O próprio
poder Constituinte originário é quem delimita as formas de atuação do
poder Constituinte derivado.

4.1 - Características do Poder Constituinte Originário

O surgimento de uma Constituição inaugura-se um novo ordenamento jurídico.


Recepção constitucional: Após a elaboração de uma nova constituição, as leis
anteriores necessitam passar por um tipo de “filtro” para se adaptarem à
nova Constituição.

O poder constituinte originário é ilimitado, o que a nação decidir poderá ser


interposto na Constituição. Contudo há autores como Otto Bachoff, que defendem

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que existem limites jurídicos ao Poder Constituinte, como, por exemplo, os direitos
naturais (liberdade, igualdade, vida etc.)

O poder constituinte é incondicionado, isto é, por quais meios o poder constituinte


será exercido. Ele não precisa observar nenhuma condição, pois não há um
ordenamento jurídico anterior a ele que o defina. Diferentemente do poder
constituinte derivado que, para alterar a constituição, necessita atender diversas
condições.

O poder constituinte é permanente, a qualquer momento ele pode ser exercido


novamente.

5 - CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO

Ele é derivado por retirar sua força do poder Originário:

Decorrente: Poder inerente ao federalismo, modelo federal de Estado. Nada mais


é que o poder dos Estados membros de produzirem sua própria Constituição.

Reformador se desenvolve de duas formas:

 Revisão Constitucional: O Brasil apresentou apenas uma


oportunidade na CF/88. O Congresso Nacional poderia se reunir 5 anos
após a assembleia constituinte e revisar a CF.
 Emenda Constitucional: é um tipo de poder limitado e condicionado,
diferentemente do Poder Constituinte. A Constituição estabelecerá
limites acerca do que pode ser elaborado numa PEC.
 Limitações às Emendas Constitucionais: O poder constituinte
originário é o que estabelecerá os limites para a formação de emendas
constitucionais.

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 Limitações Formais: Dizem respeito ao processo legislativo de uma EC,
como se produz uma emenda no país. A produção de uma emenda é muita
mais complexa do que a criação de uma lei ordinária. Para uma EC ser
aprovada, necessita de aprovação por 3/5 da Câmara e 3/5 do Senado em
dois turnos.

 Limitações circunstanciais: aquelas que ocorrem em um contexto de


instabilidade constitucional. Não pode ocorrer modificações (emendas) nos
seguintes tipos de estado:

 Estado de defesa: estado de alerta em uma guerra.


 Estado de sítio: estado de alerta em uma calamidade pública.
 Intervenção federal: secessão (tentativa de um estado se separar da
República Federativa).

 Limitações temporais: a constituição brasileira não possui esse tipo de


limitação. Um período específico, no qual não poderia modificar
a Constituição.

 Limitações materiais: são princípios dispositivos, normas que não podem


ser alterados (cláusulas pétreas art. 60, parágrafo 4º). Existem limitações
materiais:

 Explícitas: art. 60, parágrafo 4º;


 Implícitas: Algumas questões lógicas. Limitações que não são
constitucionalmente taxativas, porém implicitamente está limitando.

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6 - PODER CONSTITUINTE DERIVADO DIFUSO

Seria o poder relacionado às chamadas mutações constitucionais.

Mutações constitucionais: hipóteses de alteração informal da constituição. Parte


do pressuposto de que a constituição é um documento dinâmico, se adequa à
sociedade em que atua.

Por exemplo:

União estável: a constituição estabelece que apenas homens e mulheres podem se


unir estavelmente. Contudo a partir do momento em que a sociedade muda,
a constituição deve acompanhar essa mudança (mudança fática/social). A partir
desse momento, união estável é possível entre pessoas do mesmo sexo.

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7 - CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

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É a busca da Identificação de características que permitem diferenciar as
constituições dos Estados, conforme diferentes critérios.

7.1 - Conteúdo: formal ou material

 Formal: inserção em um conjunto de normas, a natureza da matéria que está


veiculada na norma. Qualquer norma que estiver inserido nesse conjunto
chamado de Constituição.
 Material: o que importa é o conteúdo. Normas que são decisivas para a
estrutura política e social do Estado.

A grande maioria das Constituições ocidentais são formais. Contudo há algumas


que são materiais. Um exemplo de Estado que há uma Constituição material é a
Inglaterra (Common Law).

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7.2 – Forma

Escritas ou não escritas:

 Escrita: o que está positivado;


 Não escrita: que não está positivado.

7.3 – Estabilidade

Possibilidade de mudança da Constituição:

 Imutáveis: essa ideia seria uma violação ao pacto intergeracional.


Esse pacto diz que uma geração não pode criar obrigações imutáveis
para as gerações futuras, pois elas podem se tornar obsoletas. A

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sociedade varia, é dinâmica e a Constituição deve acompanhar a
sociedade.

 Rígida: observa um processo legislativo mais dificultoso.

 Flexível: altera a Constituição da mesma forma que se altera qualquer


lei.

 Semirrígida: parte das normas são alteradas por um processo árduo


e outra parte por um processo mais fácil.

Controle de Constitucionalidade: é o controle das leis ordinárias que são criadas,


para todas manterem um critério constitucional e não serem inconstitucionais.
Toda Constituição com essa característica necessita ser rígida, para não ter um
processo de fácil alteração.

8 – ORIGEM

 Promulgada: tem como regra ser deliberativa, como origem


uma ANC (Assembleia Nacional Constituinte).

 Outorgada: esse tem como origem uma revolução, onde é imposta à


sociedade pela parte vencedora.

9 – EXTENSÃO

 Analítica: uma Constituição complexa, onde aborda todos os assuntos, até


mesmo alguns não muito relevantes.

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 Sintética: esse tipo de Constituição é mais específico, trata dos assuntos
mais importantes como: políticos, sociais etc.

10 - MODO DE ELABORAÇÃO

 Dogmática: traduz na Constituição quais são os valores, princípios


presentes na sociedade naquele momento. Os dogmas da sociedade daquele
momento;

 Histórica: analisa os textos históricos, a relevância histórica (princípios,


valores etc.).

Em sentido amplo, a constituição é um conjunto de normas fundamentais e


supremas, podem ser escritas ou não, tal estatuto do poder é responsável pela
organização política-jurídica do Estado.

É essencial que todo Estado possua uma constituição. O direito constitucional é um


dos ramos do Direito Público que estuda a matriz de toda ordem jurídica. Em geral
costumam as constituições ter suas disposições agrupadas em três partes:
preâmbulo, disposições permanentes e disposições transitórias.

Nem todas as constituições possuem um preâmbulo posto que não se trata de


elemento obrigatório. Mas o texto preparatório que assume a função de realizar uma
introdução solene ao texto constitucional.

Ao explicitar a legitimação democrática do processo constituinte, também explicita


a modalidade de Estado, o nosso, por exemplo, é o Estado Democrático de
Direito que é fundado principalmente na harmonia social.

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Fechando o preâmbulo da constituição brasileira encontra-se a invocação de
deus in litteris: “sob a proteção de Deus”, e seria possível nesta identificar uma
contradição em relação ao texto constitucional que instituiu um Estado laico, ou
seja, fundado na separação entre Igreja e Estado. Mas, preferimos acreditar que se
trata de um chamamento a um Deus ecumênico e não confessional. É especial
relevante o questionamento sobre a força jurídica das disposições contidas no
preâmbulo.

No direito constitucional comparado é possível analisar os casos da Alemanha e da


França. O preâmbulo da Constituição de Weimar (de 1919) não teve sua relevância
jurídica reconhecida embora haja posicionamento dissidente de Carl Schmitt que
sustentava que o preâmbulo tinha valor jurídico-normativo.

Já no âmbito da Lei Fundamental germânica de 1949 o Tribunal Constitucional e


expressiva parte da doutrina enxergam o preâmbulo como parte integrante
da constituição, dotado de eficácia direta, porém não serviria como fundamento para
dedução de posições jurídicas (deveres concretos ou direitos subjetivos), mas serve
de parâmetro para a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional para o
controle de constitucionalidade.

Em França, o preâmbulo é considerado parte integrante do texto constitucional,


sendo o chamado bloco de constitucionalidade juntamente com os outros
documentos como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e
do Preâmbulo da Constituição de 1946, operando de acordo com a orientação
adotada pelo Conselho Constitucional, como parâmetro para o controle de
constitucionalidade das leis.

Aqui em terra brasilis, a natureza do preâmbulo continua emblematicamente agitar


a doutrina, muito embora tenha o STF negado valor e refutado o valor jurídica
autônoma ao preâmbulo, concluindo que suas disposições não tem caráter

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normativo e força obrigatória (vide a decisão ADIn 2.076/AC julgada me 15/08/2002)
concluiu que o preâmbulo representa apenas os princípios contidos no corpo
permanente da Constituição Federal os quais detém força normativa própria.

Porém, em julgado no ano 2009, o mesmo STF partiu da premissa de que há valor
para a interpretação e aplicação do direito, os valores e objetivos expressos no
preâmbulo podem ser invocados como reforço argumentativo para justificar
determinada decisão mediante leitura articulada e sistemática, mas sempre em
conjunção com os preceitos normativos do texto principal da Constituição
Federal (vide HC 94163, DJ 23/10/2009, rel. Min. Carlos Britto) em que foi invocado
o objetivo da construção de uma sociedade fraterna, tal como enunciado no
preâmbulo.

Atualmente, o entendimento majoritário se inclina no STF em admitir que o


preâmbulo tenha eficácia normativa indireta e não autônoma, servindo de parâmetro
auxiliar para a interpretação e aplicação do direito e argumento adicional para
fundamentação de decisões judiciais.

Ingo Wolfgang Sarlet e Luiz Guilherme Marinoni partilham do entendimento que as


disposições do preâmbulo não podem ser simplesmente enquadradas em único
modelo principalmente devido a sua heterogeneidade de seus enunciados, seja em
razão da maior ou menor densidade normativa ou ainda de sua função.

O caráter relativamente subsidiário desses princípios contidos no preâmbulo é


decorrente especialmente pelo fato topográfico, de estarem sediados na parte inicial
do corpo constitucional, e não propriamente no corpo do texto fundamental, mas tal
geografia não poderia por si só, não pode retirar-lhes a força jurídica, inclusive como
parâmetro do controle de constitucionalidade e mesmo com eficácia derrogatória de
norma anterior e manifestamente incompatível com seu sentido.

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Reforçou a ideia de força jurídica do preâmbulo Agra Walber de Moura,
principalmente ao afirmar que a norma infraconstitucional que contrariar o
preâmbulo é de fato inconstitucional.

Há de diferenciar entre a perspectiva pautada pela teoria da constituição e a do


direito constitucional, pois essa representa uma abordagem centrada no direito
constitucional positivo de determinada ordem jurídico- constitucional. Enquanto que
a teoria da constituição preocupa-se com a lógica sistêmica dos conceitos e
conhecimentos normativos desenhados por todo o corpo constitucional.

O preâmbulo constitucional brasileiro por conter especialmente os valores e


objetivos reproduzidos direta ou indiretamente no corpo da constituição constata-se
que possui um papel menos central, porém não constitui a única alternativa possível.

Podemos estudar o Direito Constitucional tendo por base três perspectivas de


análise: direito constitucional geral, direito constitucional especial e direito
constitucional comparado.

A primeira perspectiva refere-se às normas gerais para o Direito Constitucional,


estabelecendo, por exemplo, conceitos (significado), classificações e métodos de
interpretação das Constituições.

Em face da supremacia da Constituição, alguns métodos próprios de interpretação


foram consagrados. É indispensável à interpretação constitucional principalmente
em face da proteção simultânea de diferentes bens e direitos, sendo previsível a
colisão de diferentes interesses.

É justificável a interpretação que garanta a maior eficácia e aplicabilidade a todas


as normas constitucionais. Portanto, o texto constitucional deverá ser interpretado

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constantemente em busca de sua eficácia e atualização contínua em face da
realidade sociopolítico-econômica.

O princípio da interpretação conforme a Constituição não serve à interpretação das


normas constitucionais propriamente e, sim da legislação infraconstitucional e,
principalmente para as normas polissêmicas ou plurissignificativas. De qualquer
maneira deve-se optar a interpretação que seja mais conforme a Constituição.

Esclarece J. J. Gomes Canotilho que,


a interpretação conforme a Constituição só é legítima quando existe um
espaço de decisão (espaço de interpretação) aberto a várias propostas
interpretativas, devem ser preferidas e outras em desconformidade com
ela.” (In CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra,
Almedina, 1993, p.230).

Existem, contudo, limites a serem observados, se o texto do dispositivo é unívoco,


e a impossibilidade de violação da literalidade do texto, pois o intérprete jamais
poderá atuar como legislador, ou seja, “criando uma norma por meio da tarefa
hermenêutica”.

Outro princípio é o da supremacia constitucional que se justifica pela posição


topográfica da Constituição dentro da hierarquia das leis. Por ocupar justamente o
ápice dentro da estrutura normativa, todas as demais normas e atos de Poder
Público somente serão considerados válidos quando em conformidade com esta.
Tal princípio constitui o alicerce em que se assenta o moderno Direito Público. Por
essa razão pela inexorável supremacia constitucional e pela higidez de seu texto, é
possível questionar a constitucionalidade dos diplomas infraconstitucionais, e até de
emendas constitucionais por meio do controle de constitucionalidade.

O princípio da presunção de constitucionalidade das leis consagra uma presunção


relativa, ou seja, que admite prova em contrário. Caso não existisse essa presunção,

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não se cogitaria em imperatividade das normas, indispensável característica para
impor a obediência destas.

O princípio da unidade da Constituição é considerado um dos mais relevantes


princípios interpretativos, e determina que o texto constitucional não contenha
antinomias entre suas normas e seus princípios, apesar do pluralismo político
quando da elaboração pelo constituinte.

A compreensão do documento constitucional deve ser integrada e sistêmica e


garante uma sociedade democrática, pluralista e resultado de vários pactos que
potencializada a ideologia para composição de interesses.

Em razão desse princípio, é possível entender que não há hierarquia normativa e


nem subordinação, entre as normas constitucionais. Portanto, os eventuais conflitos
entre as normas originárias serão sanados adequadamente por meio da
interpretação.

O princípio do efeito integrador é um reforço ao princípio da unidade


da constituição que tanto prestigia a primazia dos critérios e favoreçam a melhor
integração política e social, ainda traduz um valoroso auxílio para a unidade política.
A interpretação da Constituição deve necessariamente buscar a leitura que reforce
o ideal de que a Lex Magna seja um corpo normativo único, e não composto de
normas fragmentadas e desconectadas.

O princípio da concordância prática ou harmonização também ratifica a unidade


constitucional (que opera em abstrato), sendo mais aplicável aos conflitos
específicos que se revelam no caso concreto.

Por exemplo, os direitos à liberdade de informação e à privacidade, abstratamente


não são conflitantes. Mas, perante casos concretos é possível a colisão haver entre

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o direito à privacidade (de não exibir certa reportagem) entre em rota de colisão com
o direito à informação. Para solucionar o impasse, possui maior importância
constitucional e encontra maior amparo no ordenamento jurídico brasileiro.

O critério de ponderação ou harmonização é o princípio da proporcionalidade que


propõe gradativa redução e adaptada de um princípio em favor de outro, e, não o
sacrifício ou supressão de um princípio em detrimento do outro.

Princípio da força normativa idealizado por Konrad Hesse que aconselha que o
intérprete deve valorizar as soluções que possibilitem a atualização normativa, a
eficácia e a permanência da Constituição. Deve-se priorizar a interpretação que dê
concretude à normatividade constitucional (sem negar-lhe eficácia).

Princípio da conformidade funcional ou justeza visa impedir que os órgãos


encarregados da interpretação constitucional cheguem ao resultado que subverta
ou perturbe o esquema funcional organizatório estabelecido pela Constituição, sob
pena de usurpação de competência.

Com a evolução do constitucionalismo as funções da Constituição se ampliaram


dentro do contexto da ordem estatal. Assim é possível elencar funções propostas
por Klaus Stern, por Canotilho e Otto Depenheuer, mas submetido a alguns ajustes:

 limitação jurídica e controle do poder;

 ordem e ordenação;

 organização e estruturação do poder;

 legitimidade e legitimação da ordem jurídico-constitucional;

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 estabilidade;

 garantia e afirmação da identidade política;

 reconhecimento e garantia (proteção da liberdade e dos direitos


fundamentais);

 imposição de programas, fins e tarefas estatais (função impositiva ou


dirigente).

Uma das primeiras funções da constituição é operar como instrumento de limitação


e de controle do poder. Vale lembrar que o Estado Constitucional moderno se
formou em virtude da luta contra o absolutismo, sendo que os textos constitucionais
serviriam para exercer efetiva limitação jurídica do poder político. Corporifica desta
forma o ideal da racionalização e limitação do poder e encontra na acepção formal
(normativa) sua possibilidade de realização.

Por força da supremacia hierárquica da constituição e da diferença entre poder


constituinte e poderes constituídos (que são naturalmente limitados e condicionados
pelo primeiro) possível também assegurar de forma relativa a eficácia do
cumprimento da função de limitação de poder. E a referida limitação se dá por meio
pelo menos de duas formas, designadamente mediante uma separação ou divisão
de poderes, e ainda, por meio da garantia dos direitos fundamentais.

A separação dos poderes é essencial à contemporânea noção


de constituição conforme solenemente expresso no art. 16 da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (e, pode ser entendido no sentido
horizontal, sentido vertical e, uma separação temporal do poder).

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Por sentido horizontal de poder dá-se mediante divisão e limitação recíproca e de
equiparação (posto que instituiu igual posição hierárquica das funções do poder
estatal) assim temos as funções (legislativa, executiva e judiciária).

Por sentido vertical de poderes se costuma a designar a distribuição de poder no


plano territorial, típica do modelo federativo. A separação temporal de poder guarda
referência ao princípio democrático e com a forma republicana de governo posto
que baseada na efetiva alternância no exercício do poder, a fim de assegurar a
legitimidade do exercício do poder.

Além de limitar o poder, a constituição cumpre a função de ordem e ordenação,


dando estrutura fundamental do Estado. Mas é preciso enfatizar que a ordem
instaurada e regulada pela constituição mais caracterizada por seu caráter inclusivo
e multicultural.

Na missão de ser estatuto da organização do poder vem criar órgãos constitucionais


bem como fixar suas respectivas competências e, ainda o estabelecimento de
princípios estruturantes de organização de poder.

Nesse sentido Konrad Hesse esclarece que “a constituição organiza e delimita o


processo de formação da unidade política e da atuação do Estado”. Buscando a
coordenação, responsabilidade e controle no âmbito das funções estatais e do seu
exercício.

Cumpre a função de ser símbolo, garantia e instrumento de afirmação de identidade


da ordem jurídica e política instaurada pelo processo constituinte. As constituições
(embora não todas e nem da mesma forma) cumprem a função dirigente ou
impositiva mediante o estabelecimento de programas e metas que vinculam os
poderes constituídos.

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Ainda que se tenha, de certa maneira, decretado o fim do constitucionalismo
dirigente pelo menos o da sua original acepção no constitucionalismo lusitano
Canotilho reconhece que muitas constituições possuem normas impositivas de fins,
tarefas e programas (o que alguns doutrinadores chamam de normas programáticas
ou normas-objetivo) que possuem eficácia e aplicabilidade.

Enfim, a questão não é como pode a constituição exercer suas funções, mas como
estas se concretizam e qual eficácia, aplicabilidade e efetividade torna possível o
Estado idealizado e organizado pelo texto fundamental.

O critério ontológico que mede a correspondência da Constituição com a realidade


fora desenvolvido em meados do século XX por Karl Loewenstein e parte da Teoria
Ontológica das Constituições e leva em consideração um parâmetro externo já se
procura aferir a maior ou menor proximidade com a realidade do processo de poder.
E, então surge a classificação em normativa, nominativa e semântica.

Será normativa a constituição quando expõe perfeita sintonia entre texto e a


conjuntura política e social do Estado, limitando o poder do governantes e
assegurando direitos ao povo.

Será nominalista quando não tiver plena congruência a realidade política e social do
Estado, mas que anseia chegar a este estágio. Apesar de não ter dispositivos
dotados de força normativa capaz de controlar os processos de poder ainda se
almeja a sintonia entre texto e contexto.

A principal qualidade da constituição nominalista é sua função prospectiva e ser


bastante educativa. A Constituição Brasileira de 1988 nasceu com o ideal de ser
normativista (principalmente por termos saído dos pesados anos de chumbo, própria
da órbita ditatorial).

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Pretendeu-se então um texto compatível plenamente com a nova realidade
democrática que se instaurava. Mas, ainda infelizmente, não atingiu plenamente
esse fim, pois em alguns casos, há absoluta ausência de simbiose entre o texto
constitucional e o contexto da realidade brasileira.

A Constituição semântica nunca almejou a sintonia com a realidade, apenas visou


garantir a dominação estável por parte do poder autoritário. Foi bastante utilizada
nos Estados autoritários e ditatoriais, posto que sua única função é legitimar o poder
usurpado. É tida como mero simulacro de Constituição, sendo apenas um
documento legitimador do arbítrio. Exemplos não faltam de cartas semânticas, como
é o caso, da Constituição Brasileira de 1937 e a de 1967 e, ainda a E. C. 1/1969.

Quanto à estabilidade, as constituições poderão ser taxadas de imutável ou granítica


ou permanente. Posto que não admita qualquer alteração em seu texto, e não prevê
procedimento de reforma e baseia-se na crença de que não há órgão com
legitimidade suficiente para proceder à mudança num texto criado por entidade
superior (normalmente considerada como divina). Tal constituição imutável está em
desuso e só a título exemplificação histórica podemos citar o Código de Hamurabi
e a Lei das XII Tábuas.

Há as constituições transitoriamente imutáveis posto que procure preservar nos


primeiros anos de vigência alteração de sua redação original. Foi o caso de
nossa Constituição Imperial de 1824 que determinou que seu texto só pudesse ser
alterado após quatro anos de vigência.

A Constituição fixa ou silente não prevê em seu bojo procedimento de modificação


e reconhece a possibilidade de reforma, porém apenas feita pelo órgão que a criou,
ou seja, o Poder constituinte originário. São relíquias históricas como o Estatuto do
reino de Sardenha de 1848 e a Constituição espanhola de 1876.

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Já a constituição rígida admite a alteração textual porém exige processo legislativo
solene e complexo. Como exemplo, temos a atual constituição brasileira de 1988
apesar de existir a leve divergência doutrinária.

Alexandre de Moraes, por exemplo, classifica o atual texto constitucional como


super-rígido, pois além de processo legislativo diferenciado, há as normas imutáveis
como as chamadas cláusulas pétreas constantes do art. 60, quarto parágrafo da
CF/1988.

A constituição flexível admite farta alteração textual por meio de processo legislativo
comum, ordinário, não exigindo qualquer processo específico ou rigoroso. A
principal consequência dessa flexibilidade é a inexistência da supremacia formal
da Constituição sobre as demais normas, posto que todas sejam modificáveis pelo
rito comum e idêntico.

Por outro lado, nota-se que a supremacia material do conteúdo é regulamentadora


da estrutura política do Estado, e tradicionalmente cita-se a constituição britânica,
bem como a da Nova Zelândia, Finlândia e África do Sul como exemplos de texto
constitucional flexível.

A constituição transitoriamente flexível permite durante certo tempo modificação


textual através de procedimento simples, passado esse primeiro momento de
notória flexibilidade, passa então a admitir a modificação somente através de
mecanismo diferenciado quando passará a ser considerada como rígida. É forma
constitucional autônoma e foi cunhada para as Constituições de Baden de 1947 e
da Irlanda de 1937.

A semirrígida ou semiflexível é o caso do documento constitucional que pode ser


modificado por meios distintos (umas vezes por meio diferenciado e rigoroso, outras

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vezes por processo menos dificultoso). A nossa constituição imperial de 1824 era
assim.

A Constituição Federal brasileira não poderá ser emendada na vigência de


intervenção federal ou de estado de defesa ou estado de sítio (art. 60, terceiro
parágrafo da CF/1988). Não será objeto de proposta de emenda o que atentar contra
a forma federativa do Estado, o voto secreto, universal e o periódico e os direitos e
garantias individuais.

No conceito jurídico de constituição segundo Carl Schmitt indica que corresponde à


decisão política fundamental do poder constituinte sobre normas referentes às
matérias de grande relevância jurídica à decisão política fundamental.

Na essência, a Constituição preceitua ser o resultado de fatores reais de poder, ou


seja, das forças políticas e presentes na sociedade. E, quanto à sua extensão,
poderá a constituição ser analítica ou concisa. E quanto à finalidade poderá ser:
garantia (visa conferir juridicidade aos preceitos de Estado liberal, criando esferas
de não ingerência do poder público, preservando a vida dos indivíduos, traz
liberdades negativas ou liberdades-impedimentos), balanço (é própria dos regimes
socialistas, tendo como principais exemplos as constituições de 1936 e 1977 da
extinta URSS, procura explicitar o atual desenvolvimento da sociedade, sendo fiel
espelho das instituições) ou dirigente (consagra oposição à Constituição-garantia,
tendo seu foco no futuro, por isso planeja e arquiteta fins e objetivos que serão
perseguidos pelos poderes públicos e pela sociedade, traz em seu bojo a eficácia
programática que irão guiar os poderes públicos na consecução dos planos
traçados).

A constituição compromissória (típica por formatar vários compromissos


constitucionais) que são firmados pelos distintos e por vezes antagônicos
participantes do processo político.

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Quanto ao sistema, poderá a Constituição ser principiológica, onde há relevância
dos princípios que são normas preponderantes de elevado grau de abstração e
necessitam de mediação legislativa ou judicial. A doutrina considera a nossa
atual constituição como principiológica.

Poderá a constituição ser preceitual onde vige a primazia às regras positivadas no


texto contendo alto grau de precisão e especificidade, o que permite a sua imposição
direta e coercitiva. Como exemplo, temos a Constituição mexicana de 1917.

Interessante é se inteirar sobre a classificação das normas constitucionais segundo


José Afonso da Silva, a saber: normas de eficácia plena, normas de eficácia
contida e normas de eficácia limitada.

O art. 5º, inciso LXXIV da CF/1988 estabelece que o Estado prestará a assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Já
decidiu o STF que é norma de aplicabilidade imediata (eficácia plena). Tal pretensão
positiva será realizada através de defensores públicos (art. 134 da CF/1988) que
concretizará essa determinação constitucional.
Uadi Lammêgo Bullos inova ao reconhecer normas com eficácia exaurida ou
esvaziada posto que já extinguiram a produção de seus efeitos. São próprias do
ADCT (ato das disposições constitucionais transitórias).

Enfim, o conteúdo da teoria da constituição transcende a constituição positiva e ao


rol de considerações empreendidas não pode se limitar ao Poder Constituinte, mas
também cogita de sua natureza, espécies e limitações. O estudo do conteúdo
da constituição é também preocupado com o sistema jurídico e a contribuição de
doutrinadores como Lassalle, Schmitt e Kelsen.

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A imperiosa relevância justifica-se principalmente porque as normas constitucionais
são as primeiras dentro do sistema positivo, pois antes destas, só havia o direito
natural, o que acarreta total distinção no seu processo de interpretação.

Uma das mais eloquentes e pertinentes indagações da teoria da constituição é


saber se o texto constitucional é sempre auto-aplicável, e se seus efeitos são
eficazes conforme expressos no comando constitucional.

Nesse sentido, Canotilho expõe que a constituição é o estatuto jurídico do fenômeno


político daí se compreende que não apenas o texto possui feição jurígena, mas
também a vinculação aos fatores sociais, políticos, culturais e econômicos.

Assim a teoria se empenha no papel de oferecer os conceitos básicos


sobre constituição, o que auxiliará no estudo das normas constitucionais concretas.
E, sua tarefa não se limita ao investigativo, e nem a função concretizadora da lei
fundamental, mas propõe a necessária fundamentação sobre a teoria material
da constituição, ou seja, de seu intertexto aberto.

Concluindo, define-se enfim classificar a atual constituição brasileira de 1988 como:


escrita, eclética, compromissária, principiológica, dogmática, analítica, rígida ou
semirrígida, dirigente e garantista e todas essas qualidades são destrinchadas pela
teoria geral da Constituição.

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BIBLIOGRAFIA

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40

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