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A Propósito do Interesse Individual e o Modelo do Homo

Oeconomicus

As referências ao comportamento humano orientado pelo interesse individual


são bastantes e notórias nas obras de vários autores da época como por
exemplo Sir James Steuart (1713-1780). Este político e economista, na obra
Inquiry into the Principles of Political Oeconomy, defende que o comportamento
de cada homem, orientado pelo interesse pessoal, era preferível a qualquer
outro. Segundo Hirschman (1997) “a ideia de uma “mão invisível” – uma força
que leva os homens a seguir as suas paixões privadas, conspirando
inadvertidamente em prol do bem público – foi formulada por Montesquieu
associando-a mais à demanda da honra do que ao desejo de riqueza.
Giambattista Vico (século XVIII) afirmou que da violência, da avareza e da
ambição, os três vícios que destroem a Humanidade, (a sociedade) cria a
defesa nacional, o comércio e a política, gerando assim a força, a riqueza e a
sabedoria das repúblicas (Hirschman, p. 43). Smith considerou que os
interesses económicos constituíam a única porção das aspirações globais do
cidadão comum, o motor das motivações, pois que o aumento da fortuna é o
meio pela qual a maioria dos homens se propõe e deseja melhorar a sua
condição.

O que se pretendia era alcançar a maior felicidade possível, tanto ao nível da


vida privada como da pública. Segundo Bentham, tanto para a Moral como
para a Política ou para a Economia, devia-se adoptar uma estratégia orientada
para o prazer e evitamento do sofrimento. Em consequência, esperava-se que
a produtividade, o crescimento e o desenvolvimento, baseados na iniciativa e
na competência, optimizasse a vida em sociedade. No entanto, a escola
sentimental de filósofos moralistas ingleses e escoceses, desde Lord
Shaftesbury (1671-1713) a Francis Hutcheson e a David Hume (que, para além
de terem criticado o pensamento de Hobbes, reabilitaram os “afectos naturais”,
como a benevolência e a generosidade), defenderam a ideia de que os afectos
ou paixões egoístas promoviam o bem estar individual mas não
necessariamente o bem estar público, por causa dos “afectos desnaturados”,
tal como sejam a inveja e a desumanidade (Hirschman, p. 89). No entanto,
Hobbes, que baseou a sua teoria sobre a natureza humana em Galileu,
dedicou os primeiros dez capítulos do seu Leviatã à natureza humana. Por
outro lado, Hume, ao discutir as ideias de Mandeville, argumenta que, embora
a luxúria seja um mal, talvez seja um mal menor do que a preguiça resultante
da erradicação da luxúria. O “paradigma” do interesse como a chave para a
compreensão das acções humanas, chegou assim ao século XVIII através de
Helvétius, quando afirmou que, do mesmo modo que o mundo físico é
governado pelas leis do movimento, assim o universo moral é governado pelas
leis do interesse (o interesse trata-se então de uma paixão particular, o amor
pelo dinheiro, mas dito então de uma forma mais subtil, mais suave, mais
“disciplinada” ou “civilizada”).

O modelo do homo oeconomicus

O conceito de racionalidade deve o seu estatuto actual a disciplinas que se


encontram fortemente intricadas no que respeita ao tema, como sejam a
Filosofia, a Economia e a Psicologia. O significado de racionalidade está
associado à nossa capacidade em estabelecer relações e construir argumentos
para apresentar e defender as nossas crenças, exibindo uma dupla e mútua
dimensão relacionada. Por um lado, é o exercício de uma faculdade cognitiva a
que chamamos razão; de outro, é o resultado da acção dessa mesma razão e
torna-se a propriedade que ultrapassa os produtos dessa faculdade. Assim, a
razão opõe-se aos sentidos, à imaginação.

O conceito de homo oeconomicus é uma abstracção científica que persistiu


durante bastante tempo na literatura científica sob as mais variadas formas.
Trata-se de um postulado da racionalidade que é caracterizado pelo triunfo dos
economistas que encontraram nele, à semelhança dos biólogos no darwinismo,
uma teoria do comportamento coerente.

A origem teórica do homo oeconomicus encontra-se nas conjec¬turas


filosóficas do século XVIII e no interesse dos primeiros economistas face ao
conhecimento da natureza psicológica do ser humano, ignorando ao mesmo
tempo as suas acções. Isto porque, na origem, as primeiras grandes teorias
económicas esqueceram-se dos comportamentos para insistirem numa
na¬tureza humana universal e estável, uma vez que as acções não são mais
do que expressões de certos princípios psicológicos e morais constitutivos da
essência do ser humano. Tratava-se de uma noção excessivamente
generalizada e universal, logo, muito pouco operativa. Dada a necessidade de
se constituir uma entidade estru¬turada e similar às que eram apresentadas
pelos antropólogos – homo sapiens ou homo faber – surgiu, por extrapolação,
o con¬ceito de homo oeconomicus. Segundo Albou (1984), três grandes
correntes filosóficas são responsáveis em larga medida pela criação deste
conceito:

- Hedonismo;
- Utilitarismo;
- Sensualismo.

O hedonismo (do grego hēdonē que significa prazer) é uma doutrina filosófico-
moral que afirma que o homem está sujeito, tal como os animais, à lei natural
dos instintos e que, portanto, se encontra implícita a procura do prazer, do
bem-estar e do evitamento da dor como objectivo supremo da vida. A ideia
básica que está por trás do hedonismo é que todas as acções podem ser
medidas em relação ao prazer e à dor que produzem. Em termos actuais, o
hedonismo procura fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer
entendida como felicidade para o maior número de pessoas. O utilitarismo
(uma das formas de hedonismo, pois a terceira é o epicurismo), cujo autor
principal é John Stuart Mill, afirma que o que é útil é valioso e contrapõe o
prazer calculado ao irracional, classificando os prazeres em nobres e pobres.
Finalmente, o sensualismo (Condilac, 1714-1780), que defende serem os
sentidos a fonte primeira do conhecimento.

Tendo em conta o que foi referido até agora, o comportamento económico


chega a ser irrelevante, uma vez que o resultado é sempre previsível. Os
princípios fundamentais deste modelo podem ser resumidos da seguinte forma:
1) A razão psicológica essencial a toda a actividade humana é o interesse
pessoal. Este primeiro princí¬pio é então afectivo, pois define a única razão da
actividade económica;
2) O homem não obedece senão à razão;
3) O sujeito é universal, o que quer dizer que o inte¬resse pessoal e a
racionalidade são válidos em todos os lugares e em todas as épocas;
4) O homem está perfeitamente informado, o que quer dizer que tem
conhecimento da totalidade das consequências de todas as possibilidades das
acções que se lhe oferecem;
5) O homem vive o presente num tempo linear, ou seja, não se lembra nem
tem a capacidade de prever;
6) O homem está só e portanto livre dos outros homens, ou seja, não
existem determinismos que lhe sejam exteriores.

Com base nesta construção abstracta, que os economistas construíram sobre


um corpo teórico unanimemente aceite, ela¬boraram-se leis económicas que
se encontram em todas as obras fundamentais: a lei da maximização da
utilidade e as leis sobre a utilidade marginal, aplicadas ao consumo e à
produção.

Consideramos, no entanto, ser ainda necessário precisar o conceito de


utilidade, em particular para os leitores da área das ciências psicológicas. A
utilidade é a qualidade que um objecto tem ao dar prazer ao seu utilizador. De
acordo com o modelo do homo oeconomicus, o indivíduo procura, como
sabemos, obter a maior satisfação possível das suas necessidades com o
menor sacrifício possível. Para William Stanley Jevons, o objecto da economia
era mesmo o de maximizar a felicidade através da procura do prazer com o
menor custo de sofrimento. De notar que os economistas não definiram as
noções de sa¬tisfação, prazer ou sofrimento. O homem escolhe cada uma das
eventuais acções sobre as quais está perfeitamente infor¬mado e que lhe
apresenta a melhor relação custo-benefício. As leis de Gossen (1854),
enunciam o papel da utilidade no consumo e são as leis do prolongamento, da
repetição, da utili¬dade decrescente e da igualdade das unidades marginais.
As proposições enunciadas por Gossen são as seguintes:
- A utilidade de cada unidade adicional consumida desce à medida que se
consome mais do bem;
- Na obtenção da máxima satisfação, deve consumir-se até que a utilidade
marginal do último euro gasto em cada bem seja igual em todos os bens.

Das ideias do autor pode concluir-se que o valor de um bem é determinado


pela sua utilidade marginal e esta depende da importância e da quantidade de
necessidade a satisfazer. Os axiomas decorrentes destas leis têm
consequências sobre as relações sociais e sobre as condições nas quais o
Estado deve ou não intervir na vida económica de uma nação.

O modelo do homo oeconomicus, como toda e qualquer construção hipotética,


não se adequa à realidade e, esta inadequação, con¬duziu à evolução do
modelo e dos postulados que o suben¬tendem. Após Adam Smith, a lógica do
interesse egoísta dos bens pessoais conduz a uma espécie de contrato
económico e social entre o Estado e os cidadãos, lógica essa em que o Estado
não deveria intervir no domínio da Econo¬mia, devendo esta ser regulada
através de regras de concor¬rência do mercado. Aparece, assim, uma nova
doutrina eco¬nómica: o liberalismo. As regras da concorrência, para este autor,
deveriam ser estabelecidas pelo Estado através da edu¬cação e dos impostos.

Carlos Barracho, 2008

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