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FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

APONTAMENTOS DE ÉTICA E DEONTOLOGIA JÚRIDICA

ANO ACADÉMICO 2021/2022

5.ºANO

CAPÍTULO I- CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A ÉTICA E DEONTOLOGIA


JURÍDICA

1. INTRODUÇÃO A ÉTICA E DEONTOLOGIA

Todos conhecemos a velha expressão "o homem é um animal social". Isso


significa simplesmente que os seres humanos vivem em sociedade. Para subsistir,
qualquer sociedade precisa de normas, escritas e ou não, que ligam os indivíduos e
regulam os seus comportamentos quando se relacionam nos seus vários papéis ou
domínios de intervenção (familiar, social, profissional, etc.), de forma a manter a
união e a integração social harmoniosa. Estas regras criadas pelo homem, permitem-
lhe interagir e, servirão de base para identificar o que é certo e o que é errado, o
que é permitido e o que não é permitido, dando previsibilidade à sua conduta.

Os padrões culturais ou de conduta socialmente criados, são vinculativos para


os membros de cada grupo social ou até mesmo familiar. Só assim a sociedade pode
desenvolver-se, num contexto de ordem e estabilidade, que permite aos homens
construir projectos de vida.

Assim, as normas, para além de apresentarem uma função de integração


(assegurar a coordenação entre as diferentes partes do sistema social), têm como
função básica, assegurar a estabilidade, garantindo que os valores implícitos sejam
conhecidos por todos (indivíduos), para que estes se conformem e sejam motivados
por eles. Para além disso, as normas contribuem ainda para oferecer aos indivíduos
uma identidade socialmente reconhecida.

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Na nossa sociedade, os principais modos de regulação do comportamento
humano são: ética, moral, costume, direito e deontologia.

A ética tem sido tradicionalmente analisada por filósofos desde o tempo dos
gregos clássicos. A ética é um modo de regulação do comportamento que provem
do indivíduo e que assenta no estabelecimento, por si próprio, de valores (que
partilha com outros) para dar sentido às suas decisões e acções.

Os princípios éticos, são directrizes pelas quais o homem, enquanto ser


racional e livre, rege o seu comportamento. O que significa que a ética apresenta,
em simultâneo, uma dimensão teórica (estuda o "bem" e o "mal") e uma dimensão
prática (diz respeito ao que se deve fazer).

Na filosofia clássica, a ética não se resumia apenas aos hábitos ou costumes


socialmente definidos, mas buscava a fundamentação teórica para encontrar o
melhor modo de viver e conviver, isto é, a busca do melhor estilo de vida, tanto na
vida privada quanto em público. A ética incluía a maioria dos campos de
conhecimento que não eram abrangidos na física, metafísica, estética, na lógica, na
dialéctica e na retórica.

A ética e a Deontologia é o espaço para se pensar e reflectir acerca da pessoa


humana, seja no seu universo pessoal, seja no espaço relacional ou ainda, na sua
realização profissional.

O estudo da ética teve grandes pensadores, com destaque, Aristóteles, que foi
o primeiro a falar de uma ética como ramo da filosofia, escrevendo um tratado
sobre ela «Ética a Nicómaco». Esta obra foi traduzida para o latim, tendo dado
origem ao termo mos, mores (que português - hábito ou costume.). Em Aristóteles,
toda a racionalidade prática é teleológica, quer dizer, orienta para um fim.

Por outro, destaca-se o alemão, Emmanuel Kant, o qual reflectiu como a


forma de organizar as liberdades humanas e os limites morais - sustentava que a
moral só podia estar regida pela razão. Platão nesta época escreveu o tratado sobre
a política denominada a República.

Assim, a ética abrangia os campos que actualmente são denominados


antropologia, psicologia, sociologia, economia, pedagogia, às vezes política, e até
mesmo educação física e dietética. Em suma, campos directos ou indirectamente
ligados ao que influi na maneira de viver ou estilo de vida. Um exemplo desta visão
clássica da ética pode ser encontrado na obra Ética, de Espinoza1.

A deontologia define modelos de perfeição, que, por serem modelos de


perfeição, não são alcançáveis por todos e não são por isso em geral exigíveis, não
sendo consequentemente a respectiva inobservância passível de sanção; pelo
contrário, a disciplina refere-se à violação de mínimos éticos (deontológicos),

1 Baruch Espinosa, filósofo Holandês que publicou a obra intitulada, Ética de Espinoza.

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necessários à vida em sociedade e que por isso funcionam como instrumento de
controlo social. Por isso, as normas de disciplina, tal como as normas penais, sendo
alcançáveis pelo comum das pessoas, e por isso delas em geral exigíveis, causam
responsabilidade (disciplinar).

Todo o pensamento ético pode dividir-se fundamentalmente, em, Teoria


ética baseada na finalidade, também chamada de teleologia2, e as teorias do dever,
também designadas por deontológicas - utilizadas para os deveres de uma
determinada profissão. Assim, segundo a doutrina ética de cariz deontológico, a
acção humana tem ou não valor moral se estiver, ou não, de acordo com a regra
moral, vinculada a esse comportamento e dependendo exclusivamente da
aceitabilidade moral do princípio que está na base da regra3.

1.1. Características da Pessoa Humana

Toda ética radica na pessoa humana, como fonte de valores e produtoras de


valores. A pessoa não é uma simples entidade psicofísica ou biológica, redutível a
um conjunto de factos explicáveis pela Psicologia, Física, Anatomia, Biologia, etc., na
pessoa humana existe algo que representa uma possibilidade de inovação e de
superação, onde se encontra, por exemplo, o próprio princípio da educabilidade.
Porem, toda educação reside no princípio ético do aperfeiçoamento de si ou na
realização de si mesmo.

A natureza sempre repete, de acordo a fórmula de Lavoisier, segundo a qual,


“nada se cria, nada se perde e tudo se transforma”, mas a pessoa humana representa
algo que se constitui como um acréscimo à natureza: a sua capacidade de síntese, de
liberdade e de criatividade tanto no acto instalador de novos objectos do
conhecimento como no acto constitutivo de novas formas de vida.

A pessoa humana nasce com direitos e deveres, é constituída de inteligência e


consciência moral e livre (faz escolha e tomas decisão), por isso, torna-se responsável
pelo que faz e deixa de fazer.

A noção de pessoa traduz a obrigatoriedade de se concretizar algumas


características, nomeadamente:

Singularidade: cada ser humano é único, irrepetível e insubstituível;

Unidade: cada ser humano é um microcosmo, um centro de decisão, uma


totalidade concreta, uma unidade psico-orgânica, psicológica e moral;

2Que estuda os fins últimos das sociedades, humanidade e natureza, ou ainda, é o estudo
filosófico dos fins, isto é, busca a finalidade do existir humano.
3 NUNES, Cristiano Brandão, A ética Empresarial e os fundos socialmente Responsáveis, Vida

Económica, Porto 2004, pp. 47- 48.

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Autonomia: cada ser humano é agente na organização da sua vida, não se
deve guiar exteriormente pelo medo ou outros interesses, deve guiar-se pela sua
consciência e responsabilidade;

Interioridade: em cada ser humano há um espaço de reserva e intimidade,


inacessível, inviolável, que que pessoa alguma, instituição ou poder podem
violentar, seja qual for o protesto;

Abertura: A relação com os outros, o ser-no-mundo-com-os outros é, tanto


como as anteriores características, uma das notas constitutiva da pessoa;

Projecto: a pessoa realiza-se na sua liberdade, pelas suas aspirações e pelo


modo como as concretiza, aperfeiçoando o seu mundo e o dos outros.

1.2. Estudo etimológico dos termos Ética e Deontologia

1.2.1. Estudo etimológico do Expressão Ética

Ética é uma palavra que vem do grego “ethos”, que significa o modo de ser,
o carácter. Do latim traduziu-se o “ethos” para “mos” (singular) ou “mores”( no
plural), que quer dizer costume (s), hábitos, tradição de onde vem a palavra moral.

Porém, deve-se ter em conta que a palavra ética não é completamente


equivalente a palavra moral, há uma certa distinção entre elas, tendo a primeira um
sentido mais amplo e a segunda um sentido circunscrito.

A ética indica a razão filosófica das decisões da acção. Neste sentido, usa-se o
termo ética para referir-se a reflexão filosófica que tem por objecto a análise e a
fundamentação do comportamento e do agir humano.

Como vimos, o termo Ethos foi introduzido na filosofia Ocidental, por


Aristóteles. A ética seria o conjunto de saberes que se ocupa das ideias morais,
incluindo também o vital, o útil, o lógico, o estético e o religioso. Em Aristóteles
houve desde logo a atribuição de uma grande importância ao pensamento ético, ou
não fosse a ética uma segunda natureza para a pessoa humana.

Assim, tanto “ethos” (carácter) como “mos” (costume) indicam um tipo de


comportamento propriamente humano que não é natural, o homem não nasce com
ele como se fosse um instinto, mas que é “adquirido ou conquistado por hábito”.
Portanto, ética e moral, pela própria etimologia, dizem respeito a uma realidade
humana que é construída histórica e socialmente a partir das relações colectivas dos
seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem.

Segundo Aristóteles, a ética “é a ciência da prática do bem”, sendo o bem,


aquilo “o que todos desejam” já que ninguém actua pretendendo o mal. A virtude,
“é um hábito que torna bom quem a prática” É o termo médio entre dois extremos

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viciosos. Mas em si mesma, a virtude é um cume; é o que há de mais oposto à
mediocridade.

1.2.2. Estudo etimológico da expressão Deontologia

O termo Deontologia surgiu das palavras gregas “deontos” que significa


dever e “logos” – ciência. Sendo assim, a deontologia seria a ciência do dever, ou o
conjunto de deveres, princípios e normas adoptadas por um determinado
profissional.

O termo deontológico foi usado pela primeira vez pelo filósofo inglês
Jeremy Bentham, em Deontology or the Science of Marality, no ano de 1834. E foi
o próprio Jeremy Bentham que explicou o significado do seu neologismo, composto
de duas palavras gregas: “deon”, que significa o que é conveniente, obrigatório, que
deve ser feito, o dever; e “logia”, ou seja, o conhecimento metódico, sistemático e
fundado em argumentos e provas4.

Um outro filósofo que deu sua contribuição para o estudo da deontologia é


Emmanuel Kant, quando fundamentou-a em dois conceitos: “razão prática e
liberdade”. Para Kant, o agir por dever é a maneira de conferir à acção o seu valor
moral, e por sua vez, a perfeição moral só poderá ser alcançada por uma vontade
livre. É a teoria do dever ser. É a vontade submetida à obrigação. Kant defendia que
as regras, as leis, têm um carácter absoluto e devem ser obedecidas por todos,
independente do querer individual ou das circunstâncias subjectivas. Uma acção é
errada se infringir o dever.

Em seguida, anota que: “A tarefa do deontólogo, diz Bentham, é a de ensinar


ao homem como deva dirigir as suas emoções de modo que se subordinem, no que
for possível, ao seu próprio bem-estar.

Actualmente, a deontologia refere-se ao conjunto normativo de imposições


que deve nortear uma actividade profissional, de modo a obter um tratamento
constante e justo a tantos quantos recorrem a esse bem ou serviço.

A deontologia envolve um código de direitos e deveres num âmbito


concreto de acção (compilação metódica e articulada de disposições legais e
preceitos relativos ao seu campo de acção especifico. Ex, o Direito, a Medicina). O
que implica um profundo conhecimento das competências exigidas e as relações
inerentes a cada prática profissional em questão, uma reflexão crítica sobre esse
código (seu sentido) uma reflexão dinâmica (originando atitudes activas quanto aa
transformação da realidade) para aperfeiçoar os comportamentos e as estruturas a

4 .Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo, Fernando Bastos de Ávila, S.J., Ministério da


Educação e Cultura, 1.ed., Rio, 1967, verbete: “Deontologia”, p.145.

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que se refere o código, e o procedimento ético concreto num âmbito delimitado em
que o sujeito, no decorrer da sua vida profissional, tem consciência das opções que
tem a tomar, justificando os seus comportamentos de forma coerente, não tentando
alcançar, de forma imediata, o bem próprio, mas prevendo as potencialidades de
sua acção para o seu próprio desenvolvimento e da comunidade envolvente.

1.3. Conceitos de ética, moral, costume e deontologia jurídica

i. Ética

Corresponde a uma concepção coerente (conexo) e pessoal da vida. E


traduz-se numa exigência de sistematização de grandes princípios, originada
muitas vezes por uma investigação metafísica.

A ética está representada por um conjunto de normas que regulamentam


o comportamento de um grupo particular de pessoas, como, por exemplo,
advogados, médicos, psicólogos, etc. Pois é comum que esses grupos tenham o
seu próprio código de ética, formatizando suas acções específicas.

Assim, podemos conceituar a ética como a ciência que estuda as regras de


comportamento e sua fundamentação. Ou ainda, um conjunto de princípios e
enunciados criados pela razão, e que orientam a conduta humana.

ii. Moral

A Moral designa sobretudo as exigências veiculadas por uma sociedade ou


uma cultura, num determinado momento histórico, mais ou menos interiorizadas
pelos indivíduos que a integram, sendo por isso localizada no tempo e no espaço: a
Moral corresponde aos costumes (“mores”) característicos de urna sociedade, de um
povo, de um indivíduo.

Moral é o conjunto de normas de conduta, quer em geral, quer aquelas


que são reconhecidas por um determinado grupo humano.

iii. Costume

Costume são regras sociais resultantes de uma prática reiterada de forma


generalizada e prolongada, o que resulta numa certa convicção de
obrigatoriedade, de acordo com cada sociedade e cultura específica.

Os costumes variam com o tempo e com os diferentes enquadramentos


sociais. O objectivo da Moral é responder às questões do quotidiano: que
devemos fazer, por que é que um acto é preferível a outro? A distinção entre o
Bem e o Mal está na base da Moral.

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iv. Deontologia Jurídica

A Deontologia corresponde ao “código dos deveres”. Ela consiste na


concretização dos deveres num plano mais específico: a Deontologia é a Ética e a
Moral dos papéis sociais (de pai, de mãe, de filho, de cidadão, de autarca, etc.),
entre eles os papéis profissionais.

É a ciência que trata dos deveres e dos direitos dos profissionais do


direito, bem como de seus fundamentos éticos e legais. Assim a deontologia
jurídica não estuda somente os valores éticos profissionais, mas também os
valores sociais e morais adquiridos com o passar dos tempos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 COMPARATO, Fábio Konder (2006) Ética, Direito, Moral e


Religião no Mundo Moderno, Editora – Companhia das Letras, S.
Paulo;
 FECA, Domingos Fernando e Paulo Tjipilica (2020), Lições de ética
e Deontologia Jurídica para as Profissões Jurídicas, Editora BC
LIVTEC,
 MONTEIRO, Hugo e Ferreira, Pedro Daniel (2015). Ética e
Deontologia, Plural Editores, Porto;
 ARISTÓTELES (2009) Ética a Nicómaco, Tradução do grego de
António de Castro Caeiro. São Paulo, SP: Atlas;
 ROCHA, António da Silva (2010). Ética, Deontologia e
Responsabilidade Social, Vida Económica Editora, Porto;
 VICENTE, José Carlos ( 2016) Valores Éticos e Julgamento Moral.

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