Você está na página 1de 20

DISCIPLINA: Sociologia Jurídica

O Direito como Fato Social


AULAS Nº 1 e 2
PROF.: Salatiel Ferreira Lúcio

Para Refletir!
“Numa palavra, a ciência conduz à previdência, e a previdência permite regular a ação”. Trecho extraído do livro “O que é
Sociologia de Carlos B. Martins

INTRODUÇÃO

Inicialmente podemos dizer que a teoria do direito busca o conhecimento, que no


campo científico-jurídico se dá por intermédio do estudo da dogmática, da sociologia e
da filosofia.

Assim sendo, a realidade jurídica, e, consequentemente, a teoria do direito, pode


ser vislumbrada em três planos: dogmático, sociológico e filosófico.
Esquematicamente, temos:

DOGMÁTICO

TEORIA DO DIREITO SOCIOLÓGICO

FILOSÓFICO
No nosso curso, vamos tratar da Sociologia Jurídica.

Antes de adentrarmos o estudo da Sociologia Jurídica, vamos saber de que direito vamos
tratar, uma vez que a palavra direito pode ser utilizada com significados diferentes.

1- O QUE É O DIREITO

O estudo da teoria do direito requer uma indagação PRILIMINAR:

O que é o direito?

A palavra direito tem vários significados, sendo empregada em vários sentidos e


acepções.
A doutrina distingue dois sentidos fundamentais da palavra direito:

- 1) o direito norma, lei ou regra de ação (norma agendi);


- 2) o direito faculdade, poder de ação, prerrogativa (facultas agendi).

Rudolfo Von Ihering, em sua obra “A Luta pelo Direito”, prescreve que a palavra
direito emprega-se em duplo sentido: no sentido objetivo e no sentido subjetivo. O direito,
no sentido objetivo é o conjunto de princípios jurídicos aplicados pelo Estado à ordem legal
da vida. O direito, no sentido subjetivo, é transfusão da regra abstrata no direito concreto da
pessoa interessada.
Paulo Dourado de Gusmão alude que, de modo muito amplo, pode-se dizer que a
palavra direito tem três sentidos:

- 1. regra de conduta obrigatória (direito objetivo);


- 2. sistemas de conhecimento jurídicos (ciência do direito);
- 3. faculdade ou poderes que tem ou pode ter uma pessoa, ou seja, o que pode uma
pessoa exigir de outra (direito subjetivo).

Miguel Reale, ao tratar das acepções da palavra direito e concluindo pela estrutura
tridimensional do direito, entende que “uma análise em profundidade dos diversos
sentidos da palavra Direito veio demonstrar que a eles correspondem três aspectos
básicos, discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica:
- 1. um aspecto fático (o Direito como fato, ou sua efetividade social e histórica);
- 2. um aspecto axiológico (o Direito como valor de Justiça);
- 3. um aspecto normativo (o Direito como ordenamento da vida jurídica).

Assim, para o citado autor, havendo um fenômeno jurídico, há um fato subjacente


(fato econômico, geográfico, demográfico etc.); um valor, que é conferido ao referido fato,
e uma norma ou regra que integra o fato ao valor. Dessa forma, os três elementos (fato,
valor e norma) coexistem numa unidade concreta.

A palavra direito tem sentido nitidamente diverso em cada uma das seguintes
expressões:

- 1. o direito brasileiro pune o crime de estupro;


- 2. o locador tem o direito de cobrar o aluguel;
- 3. o salário é um direito do trabalhador;
- 4. o estudo do direito requer método próprio;
- 5. o direito é um setor da realidade social.
Ao analisarmos o significado do vocábulo direito no sentido empregado em cada uma
das referidas frases, vamos verificar nítidas diferenças.

1- No primeiro caso, “direito” significa norma jurídica, lei, a regra social obrigatória
(NORMA).

2- No segundo caso, “direito” significa a faculdade, o poder, a prerrogativa que o


locador tem de cobrar o aluguel (FACULDADE).

3- No terceiro caso, “direito” é o que é devido por justiça (JUSTO). O trabalho sem
remuneração é escravidão. A escravidão ofende os anseios da justiça.

4- No quarto caso, “direito” significa ciência ou, mais exatamente, a ciência do direito
(CIÊNCIA).

5- No quinto caso, “direito” é considerado como fenômeno da vida coletiva. Ao lado


de fatos econômicos, artísticos, culturais e esportivos, também o direito é um fato social
(SOCIAL).
2- DIREITO NORMA

O direito norma significa lei, a regra social obrigatória. Vários autores o consideram
como aspecto primordial do direito, em oposição ao direito subjetivo. Assim, o direito norma
é a regra social obrigatória ou a regra social obrigatória garantida pelo Estado.

Alguns autores dividem o direito norma em direito objetivo e subjetivo. Entretanto,


conforme verificamos, o direito subjetivo diz respeito ao direito faculdade.

Costuma-se dizer que o Direito Objetivo é a norma de agir (norma agendi) e o direito
subjetivo é a faculdade de agir (facultas agendi).

A palavra direito normalmente é escrita com letra maiúscula quando se refere ao


Direito objetivo, e com minúscula quando indica direito subjetivo.
Em nosso estudo vamos tratar do Direito Objetivo, e isso se relaciona às regras que
organizam a sociedade e disciplinam o comportamento social.

3- A PRESENÇA DO DIREITO NA SOCIEDADE

Como bem destaca o eminente professor Sergio Cavaliere Filho, “Nem todos têm a ideia
de quanto o Direito se faz presente no meio social, de como esta entrosado com quase tudo
que se passa na sociedade, participando das mais simples às mais complexas relações sociais.
É difícil praticarmos um ato que não tenha repercussão no mundo do direito.”

Para exemplificar essa presença do Direito no meio social, podemos citar a dona de
casa que, “quando adquire uma simples caixa de fósforo no quiosque ou gêneros alimentícios
no supermercado, realiza um contrato de compra e venda.”
Podemos citar ainda outro exemplo, quando milhões de pessoas tomam o trem, ônibus, o
Metrô, ou qualquer transporte público, realizam, até inconscientemente, um contrato de
transporte, através do qual, mediante o simples pagamento da passagem, a transportadora se
obriga a levá-los incólumes ao ponto de destino.

Como pode ser observado, o Direito está presente na vida das pessoas, “desde as mais
humildes às mais solenes manifestações, quer se trata de relações entre indivíduos, quer
entre indivíduo e o grupo social, como a família e o Estado, quer se trate ainda de
relações entre os próprios grupos.”

Como podemos verificar no estudo que fizemos até aqui, o Direito é fato social que se
manifesta como uma das realidades observáveis na sociedade. Portanto, trata-se de um
fenômeno social, que no entender de Sergio Cavalieri, “É fenômeno social, assim como a
linguagem, a religião, a cultura, que surge das inter-relações sociais e se destinam a satisfazer
necessidades sociais, tais como prevenir e compor conflitos.”
4 - CONCEITOS SOCIOLÓGICOS DO DIREITO

Definir o Direito, todos nós sabemos, não é tarefa simples. Kant teria afirmado, já no
século XVII, que os “Juristas ainda estão à procura de uma definição para o Direito”.

Segundo Sergio Cavalieri Filho, “ Antes de tentar conceituar qualquer coisa, deve o
estudante considerar todos os elementos dessa coisa, seus requisitos, características, finalidade
etc., e então procurar fazer uma descrição de tudo isso. Só assim poderá chegar perto da
realidade na formulação do seu conceito.”

Então vamos à da formulação do conceito com relação ao Direito.


5- NORMAS DE CONDUTA

Segundo Sergio Cavalieri, o “Direito está ligado à ideia de organização e conduta


social, e por essa razão deve ser concebido como um conjunto de normas de conduta que
disciplinam as relações sociais. O mundo do Direito é o mundo das relações entre os homens,
pois na conjugação desses dois elementos – a sociedade e o indivíduo – encontramos a sua
razão de ser.”

É preciso destacar que o Direito cuida da disciplina das relações extrínsecas do homem,
cabendo à moral a disciplina de suas relações intrínsecas.

Por fim frisa-se ainda que “não somente as relações que se travam entre indivíduo e
outro indivíduo são objeto do Direito, também aquelas que se realizam entre o indivíduo e o
grupo, o grupo e o indivíduo, e o grupo versus outro grupo.”
6- CARACTERÍSCAS DAS NORMAS DE CONDUTA

Desde logo é preciso destacar que as normas de conduta são abstratas porque não se
referem a casos concretos quando de sua elaboração, mas sim a casos hipoteticamente
considerados.
Para exemplificar vamos ao exemplo trazido por Sergio Cavalieri, “a norma do
art.121 do Código Penal incrimina a ação de matar, não objetiva concretamente o caso de A
matar B, mas sim qualquer hipótese de homicídio.”

Nesse sentido verifica-se que o Direito não se dirige a pessoas determinadas nem a
relações consideradas individualmente.

Vale ainda destacar que o caráter de generalidade das normas de Direito permite o
prévio conhecimento do critério a ser aplicado na composição dos conflitos e assegura
igualdade de tratamento às partes.
6.1- A obrigatoriedade

De início é importante ressaltar que, em regra, as normas são obrigatórias, e não


poderia ser diferente, pois se assim fosse o Direito não atingiria seus objetivos.

A obrigatoriedade, portanto, é uma caraterística fundamental do Direito. A noção do


Direito está intimamente ligada à noção de obrigação.

Assim sendo, no momento em que transgredimos qualquer dessas normas, entretanto,


tomamos logo consciência da sua obrigatoriedade, temos então que responder pelas
consequências.

Vale por fim destacar que, “Em lugar da obrigatoriedade prefere-se falar em
coercitividade da norma, para indicar que ela envolve a possibilidade jurídica de coação.”
6.2- A sanção

Importante observar que o Direito se destina a estabelecer regras de conduta a seres


dotados de liberdade, os quais agem comandados pela vontade, e, para que as pessoas
observem essas regras, tornou-se necessário estabelecer uma sanção.

Segundo Cavalieri, “A obrigação não pode existir sem sanção. Por isso alguns teóricos
chegam a definir o direito como um sistema de sanções”.

A sanção nada mais é do que a ameaça de punição para o transgressor da norma,


como por exemplo a perda ou restrição de determinado bem, bem como a obrigação de reparar
o dano causado, para todo aquele que descumprir uma norma de Direito. “É a possibilidade
de coação da qual a norma é acompanhada.”
7- ORIGEM DAS NORMAS DE CONDUTA

Para a sociologia jurídica, sem sombra se dúvida as normas de Direito emanam do


grupo social.

Para Cavalieri, “Sobre o grupo social que deve estabelecer as normas de Direito, as
opiniões se dividem em duas escolas.”

7.1-A escola monista

Os adeptos desta escola, que são a maioria, “entendem que apenas um tipo de grupo
social – o grupo político – , o Estado devidamente organizado, está apto a criar normas de
direito.
Cavalieri ensina que essa escola, próxima das teorias de Hegel, Marx e Kelsen,
“pode ter sua razão de ser no que se refere à ciência do Direito, mas não com relação à
sociologia jurídica”.

Sua argumentação nos mostra que “existiram prescrições jurídicas antes da sociedade
organizar-se em Estado, e que ainda existem prescrições, mesmo nas sociedades já políticas e
juridicamente organizadas, além das que foram impostas pela autoridade política.”

7.2-A escola pluralista

Filiam-se à escola pluralista, além de alguns juristas, sociólogos e filósofos. A escola


pluralista “considera que todo agrupamento de certa consistência ou expressão pode
outorgar-se normas de funcionamento que, ultrapassando o caráter de simples regulamentos,
adquirem o alcance de verdadeiras regras jurídicas.”
Segundo Henri Levy Bruhl, o principal adepto da doutrina pluralista, assim como
outros sociólogos, insistiam que “as leis não são regras ou decisões produzidas, interpretadas e
aplicadas apenas pelas agências do Estado. Grupos e comunidades de vários tipos, sejam
formal ou informalmente organizadas, produzem regulamentos para si e para outros. Esse é
um direito social ou direito informal que pode ser fixado em costumes ou totalmente
espontâneo e intuitivo. Mas o importante é que está sempre presente, coexiste com o direito
mais formalizado que o Estado produz.”

Assim sendo, podemos dizer que a escola pluralista defende a ideia de que o Estado não
possui o monopólio na produção de regulamentos, uma vez que “Grupos e comunidades de
vários tipos, sejam formal ou informalmente organizadas, produzem regulamentos para
si e para outros”.
8- PROVISORIEDADE E MUTABILIDADE DAS NORMAS DE DIREITO

Vale recordar, vocês já estudaram sobre isso, que os defensores do direito natural se
dividiam entre aqueles que defendiam que o direito tem origem na Divindade, bem como
aqueles que o entendiam como fruto da razão e consideravam o direito um conjunto de
princípios permanentes e imutáveis.

Nesse sentido, é importante ressaltar que as ideias defendidas acima pelos adeptos do
direito natural, não se ajusta ao ponto de vista sociológico, que o considera produto social
e sofre constantes modificações.

Por derradeiro podemos dizer que do ponto de vista sociológico, não tem o Direito
caráter estável ou perpétuo, mas está sujeito a modificações
9 - CONCEITO SOCIOLÓGICO DO DIREITO

Finalizando esse tópico, apresentamos o conceito sociológico do Direito formulado


por Sergio Cavalieri Filho:

“Conjunto de normas de condutas, universais, abstratas, obrigatórias e mutáveis,


impostas pelo grupo social, destinadas a disciplinar as relações externas do indivíduo,
objetivando prevenir e compor conflitos.”

- Universais, porque se destinam a todos;


- Abstratas, porque são elaboradas para casos hipoteticamente considerados;
- Obrigatórias, porque são de observância necessária, coercitivas;
- Mutáveis, porque sujeitas a constantes transformações impostas pelo grupo e não
apenas pelo Estado

Você também pode gostar