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Curso Técnico em Serviços Jurídicos

Introdução ao Estudo do Direito

Prof. Me. Pablo Cavalcante Costa

DIREITO E MORAL: AS PRINCIPAIS DISTINÇÕES

Resumo: O presente artigo tem como finalidade, demonstrar alguns aspectos e


distinções entre o Direito e a Moral, uma das discussões doutrinarias mais
complexa, mas não menos debatida. Tal problemática se estende desde os
primórdios até os dias atuais, nunca tendo sido deixada de lado por parte da
Doutrina e dos próprios operários do Direito. A discussão sobre este tema se
estende até então pela dificuldade de se distinguir Direito e Moral, pois em muitos
pontos eles se convergem. Mas apesar de pontos convergentes, num estudo
breve e sistemático, vão ser oferecidos elementos necessários para que não os
confundamos, sendo este o objetivo desse artigo.

Sumário: Introdução. 1. Breve Histórico; 2. a Teoria do Mínimo Ético; 3. Do


cumprimento das regras sociais: Direito e Moral; 4. Direito e heteronomia x Moral
e autonomia; 5. Bilateralidade atributiva; Conclusão; Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O Direito e a Moral são regras sociais que regulam o comportamento do


Homem em sociedade, definindo um conceito de comportamento que é certo e
o que não se enquadra neste comportamento é tido como errado. Se
observarmos os fatos que acontecem na sociedade, desde os primórdios, é
possível enxergarmos que existem regras sociais que se cumprem de maneira
espontânea, como por exemplo, ser bom e honesto. Tais comportamentos são
cumpridos sem a necessidade de ninguém nos forçar para agir dessa maneira,
é o mundo de conduta espontânea, onde estas regras sociais são cumpridas,
muitas das vezes, sem nem percebermos, este é o campo de atribuição da
moral. Já por outro lado existem regras sociais que o homem em sociedade só
cumpre de forma obrigatória ou forçada, este é o campo de atribuição do Direito,
regra social que tem como sua essência a coercibilidade, visando regular o
homem em sociedade de forma jurídica tendo a figura do Estado como regulador
dessas regras de organização, onde não sendo cumpridas tais regras, o homem
será forçado a cumpri-las e se enquadrar nesses ditames. Essa é só uma das
diferenças entre o Direito e a Moral, no qual, algumas das outras serão
abordadas neste artigo.

1. BREVE HISTÓRICO

Antes de buscar o entendimento sobre o Direito e a Moral, apresentando


suas principais convergências e diferenças, se faz necessário uma pequena
explanação do surgimento desse problema tão discutido pela Doutrina até hoje.
Este problema se apresenta deste a mais remota sociedade, quando deste então
houve a separação entre o Direito e a Moral, não se confundindo um com o outro
apesar de alguns pontos semelhantes. Surgiu desde os pré-socráticos até os
estóicos, sendo também discutido por grandes filósofos como Platão e
Aristóteles, mas tal discussão ganhou caráter de importância na época moderna,
basicamente depois dos conflitos surgidos entre a Igreja Católica e os
protestantes, que eclodiram nesta época.
A Reforma Luterana trouxe consigo o surgimento de lutas violentíssimas
não só na Europa, onde esta teve sua origem, mas também no Continente
Americano, causando mortes e destruição no mundo todo. O problema ganhou
esta proporção, pois os protestantes passaram a conflitar-se não somente com
a Igreja Católica, mas entre eles mesmos, surgindo desta feita, várias correntes
protestantes. E desta maneira, cada Chefe de Estado passou a intervir na vida
das pessoas, interferindo nas convicções religiosas, evidentemente querendo
que estes fossem da religião em que eles defendiam, ou seja, quando o Chefe
de Estado fosse membro da Igreja Católica queria que seus súditos fizessem
parte dessa religião, assim como ocorria nos casos dos Protestantes.
Foi neste momento, em que o problema, ganhou um olhar mais
significativo, pois como os Chefes de Estado passaram a intervir na vida pessoal
dos seus súditos, houve a necessidade de se delimitar até que ponto o poder
público poderia fazer essa intervenção, o que só era possível, voltando ao ponto
de discussão do que era Direito e Moral, distinguindo assim o mundo jurídico e
o mundo religioso/moral.
Grandes nomes dessa problemática foram o Jurista alemão Thomasius e
o Wilhelm Leibniz, que deram atenção especial para tal problema, que
procuraram, desde logo e de forma urgente, fazer uma diferenciação prática do
que seria Direito e o que seria Moral, de maneira a defender a liberdade de
pensamento, consciência e claro religiosa, pois este foi o principal ponto de
eclosão dessa discussão, já que a sociedade nesta época tinha seu
comportamento ditado pela Religião. O doutrinador Thomasius, tratou de forma
prática e delimitou o Direito e a Moral, um denominador de “foro externo” e “foro
íntimo”. É o que observa Miguel Reale (P.54).
“O Direito, dizia ele, só deve cuidar da ação humana depois de
exteriorizada; a Moral, ao contrário, diz respeito àquilo que se processa no plano
da consciência. Enquanto uma ação se desenrola no foro intimo, ninguém pode
interferir e obrigar a fazer ou deixar de fazer. O Direito, por conseguinte, rege as
ações exteriores do homem, ao passo que as ações íntimas pertencem ao
domínio especial da Moral. A moral e o Direito ficavam assim totalmente
separados, sem possibilidade de invasão recíproca nos seus campos, de
maneira que a liberdade de pensamento e de consciência recebia, através de
doutrina engenhosa, uma tutela necessária.”
Desta forma, Thomasius entendia que como o Direito, denominado por
ele como foro externo, só cuidava das ações que o homem em sociedade
exteriorizava o Poder Público só poderia intervir naquilo que se projetava no
mundo exterior. Sendo assim, para ele, o homem não poderia ser obrigado pelo
Chefe de Estado, a ser Católico ou Protestante, já que essa escolha é interna,
pessoal, intima. Mas ressaltou que se essa escolha causar dano a outrem, aí sim
poderia ser coagido, não pelo fato de estar exteriorizando e sim por ter causado
um dano.
A doutrina denominou esse conceito como “exterioridade do Direito”, e
vale ressaltar que este conceito só se aplica ao homem em sociedade, já que o
Direito nunca cuida do homem isolado.
No mundo moderno, outros doutrinadores trataram do assunto, como por
exemplo, o pensador Grócio, grande nome do Direito Internacional. Já no mundo
contemporâneo, basicamente nas ultimas décadas do século XIX, é que o
assunto voltou a adquirir importância, principalmente com o doutrinador Rudolf
Stammler.

2. A TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO

A teoria do mínimo ético tem como grande representante o filósofo inglês


Jeremias Bentham, sendo em sequência desenvolvida e discutida por outros
doutrinadores, no qual destacamos o Alemão Jellink.
Direito e Moral, em alguns pontos se convergem, e a teoria do mínimo
ético explicita tal convergência, também denominada como “teoria dos círculos
concêntricos”, onde o círculo maior seria o da Moral, e o círculo menor o do
Direito. Desta forma, existem pontos iguais entre Direito e Moral, já que esta
seria mais ampla do que aquele. Foi dessa teoria que surgiu a explanação “tudo
o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico”, tão usada pelos
estudantes do Direito, iniciantes da graduação. Ao lermos essa explanação
concluímos que o campo moral é mais amplo que o campo jurídico. Sobre a
teoria do mínimo ético enfatiza Reale (p. 42):
“A teoria do mínimo ético, consiste em dizer que o Direito representa
apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa
sobrevier. Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea,
mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça, com
mais vigor e rigor, a transgressão dos dispositivos que a comunidade considerar
indispensável à paz social.”
Sobre essa teoria, os Doutrinadores destacam que fora do campo da
Moral existe o “imoral” que é o confronto direito a tudo aquilo que é Moral. Mas
fora isso existe o ato que é apenas “amoral”, ou seja, apenas indiferente a Moral,
mas não sendo imoral. Sobre isso observa novamente Reale (p. 42 e 43):
“Uma regra de trânsito, como, por exemplo, aquela que exige que os
veículos obedeçam à mão direita, é uma norma jurídica. Se amanhã, o legislador,
obedecendo a imperativos técnicos, optar pela mão esquerda, poderá essa
decisão influir no campo moral? Evidentemente que não. […] Além disso,
existem atos juridicamente lícitos que não são moral. Lembre-se o exemplo de
uma sociedade comercial de dois sócios, na qual um deles se dedica, de corpo
e alma, aos objetivos da empresa, enquanto que o outro repousa no trabalho
alheio, prestando, de longe em longe, um rala colaboração para fazer jus aos
lucros sociais. Se o contrato estabelecesse para cada sócio uma compensação
igual, ambos receberão o mesmo quinhão. E eu pergunto; é moral?”
Observa-se que existe um campo da moral que não se confunde com o
campo do Direito. Sendo assim, há uma distinção entre o campo jurídico que,
não é imoral e sim amoral. E a teoria do mínimo ético apresenta os círculos
concêntricos , numa visão ideal e também os círculos secantes numa visão real
entre Direito e Moral.

3. DO CUMPRIMENTO DAS REGRAS SOCIAIS: DIREITO E MORAL

Já foi mencionado que a Moral é um campo mais amplo do que o campo


do Direito, bem como este se cumpre de forma coercitiva enquanto aquele de
forma espontânea. Desta forma, as regras morais são cumpridas naturalmente
sem a presença de qualquer forma coercitiva para tanto, muitas das vezes
cumpridas inconscientemente pelo homem já que encontram na própria razão
de existir do individuo, é impossível existir ato moral cumprido de força forçada
ou por interferência de um terceiro. Sobre isso aborda Reale (p.44 e 46)
“A Moral, para realizar-se autenticamente, deve contar com a adesão dos
obrigados. Quem pratica um ato, consciente da sua moralidade, já aderiu ao
mandamento a que obedece. Se respeito meu pai, pratico um ato na plena
convicção da sua intrínseca valia, coincidindo o ditame de minha consciência
com o conteúdo da regra moral. […] A moral é incompatível com a violência, com
a força, ou seja, com a coação, mesmo quando a força se manifesta
juridicamente organizada.”
Observa-se que a moral é cumprida de forma incoercível. Diferentemente
com que ocorre com o Direito, este é coercível, o que distingue Direito e Moral,
neste caso é a coercibilidade, ou seja, a relação entre Direito e a força. A doutrina
diverge sobre a relação entre Direito e força, há partes dela que defendem a tese
que Direito e força não tem nada a ver e outra parte defende o contrário, dentre
defensores desse posicionamento podemos citar o Jhering que dizia que o
Direito se resume a “norma mais coação”; Tobias Barreto, que define Direito
como “a organização da força” e também pelo renomado Hans Kelsen, que
defende essa posição. Para essa parte da Doutrina, para o Direito atingir a
finalidade de regular o homem em sociedade, só é possível através da força do
Estado. Sobre a teoria da coação observa Reale (p.48):
“Por outro lado, a coação já é em si mesma, um conceito jurídico, dando-
se a interferência da força em virtude da norma que a prevê, a qual, por sua vez,
pressupõe outra manifestação de força, e, por conseguinte, outra norma
superior, e assim, sucessivamente até se chegar a uma norma pura ou à pura
coação.”
A grande crítica a essa teoria é possível o cumprimento do Direito de
forma espontânea, sem a necessidade da utilização da força. Sendo essa
utilizada somente para a garantia da execução da norma, ou seja, não é efetiva
e sim potencial.

4. DIREITO E HETERENOMIA X MORAL E AUTONOMIA

O Direito tem suas normas oriundas do Legislador, pelos juízes, pelos


usos e costumes, sempre impostas por terceiros, ou seja, são normas objetivas
que nos são impostas independentemente de nossa opinião, tendo seu
cumprimento feito de forma coercitiva. Já a moral, é o contrário, são normas
cumpridas de forma voluntária, o que afasta o caráter coercitivel que tem o
Direito. É o que observa Reale (p. 47)
“Essa validade objetiva e transpessoal das normas jurídicas, as quais se
põem, por assim dizer, acima das pretensões dos sujeitos de uma relação,
superando-as na estrutura de um querer irredutível ao querer dos destinatário, e
o que se denomina heteronomia. Foi Kant o primeiro pensador a trazer à luz essa
nota diferenciadora afirmando ser a Moral autônoma e o Direito heterônomo […]
Há no Direito, um caráter de “alheidade” do individuo, com relação a regra.
Dizemos, então, que o Direito é heterônomo, visto ser posto por terceiros aquilo
que juridicamente somos obrigados a cumprir.”
Este é outro ponto de diferença entre Direito e Moral, sendo o primeiro
cumprido, muita das vezes de forma coercitiva e o segundo de forma voluntária.
Há também a diferença entre a heteronomia e a autonomia, pois o as normas do
Direito nos são impostas sem que pudéssemos questioná-las sendo no caso de
não cumprimento de tais regras somos coagidos ao seu cumprimento,
diferentemente da Moral que é cumprida de forma espontânea.

5. BILATERALIDADE ATRIBUTIVA

Como já foi explanada, a teoria da coação sofreu várias críticas por


entender que a força é elemento essencial do Direito, posicionamento este
defendido pelos pensadores influenciados pela Escola Positivista. Só que, com
o passar dos tempos, esse posicionamento defendido pela teoria da coação foi
sendo ultrapassado, pois a Doutrina passou a entender que a força não é
elemento essencial do Direito e sim potencial, ou seja, entenderam que no Direito
há a possibilidade de coação, sendo este apenas um elemento garantidor para
o cumprimento da norma. Nota-se que apesar das divergências, a coercibilidade
ainda estar presente.
Surgiu então a teoria da bilateralidade atributiva, defendida por
jusfilósofos contemporâneos, definida por Reale como: (p.51):
“Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção intersubjetiva em função da qual
os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer,
garantidamente algo. Esse conceito desdobra-se nos seguintes elementos
complementares:
a) Sem relação que uma duas ou mais pessoas não há Direito
(bilateralidade em sentido social, como intersubjetividade)
b) Para que haja Direito é indispensável que a relação entre os sujeitos
seja objetiva, isto é, insuscetível de ser reduzida, unilateralmente, a qualquer dos
sujeitos da relação (bilateralidade em sentido axiológico)
c) Da proporção estabelecida deve resultar a atribuição garantida de uma
pretensão ou ação, que podem se limitar aos sujeitos da relação ou estender-se
a terceiros (atributividade)”
A bilateralidade atributiva é um conceito muito mais utilizado para se
definir o que venha ser o Direito, do que para distingui-lo da Moral. Muito embora
, os elementos apresentados por essa teoria sirvam também para fazer essa
distinção.

CONCLUSÃO

A discussão entre Direito e Moral, é um tema que se estende desde os


primórdios até os dias atuais, embora com o passar do tempo tal tema começou
a ser pacificado, ainda existem ponto de divergências doutrinarias sobre a função
do Direito e da Moral. O que é certo, é que se tanto Direito quanto a Moral,
conseguirem caminhar lado a lado, sendo um auxiliando o outro, quem ganha é
a sociedade que passará ter um mundo mais justo e moral, onde as diferenças
serão menores, e, por conseguinte, a procura pelo Poder Judiciário, visando à
solução de conflitos será menor. Desta forma, o interessante seria buscar um
equilíbrio entre Direito e Moral.

Referências

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 29° edição, ajustada ao novo


Código Civil, 6° Tiragem
CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. 2° impressão, São Paulo,
Editora Lejus. 2000
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 21. Ed. São
Paulo: Editora Atlas, 2012.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. 8. Ed, São
Paulo: Editora Atlas, 2012.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 12 ed. São
Paulo: Rideel, 2009.
VADE MECUM COMPACTO. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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