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PROPÓSITO
Compreender as características do positivismo e do interpretativismo, suas diferenças e
como
cada um apreende a função dos juízes é fundamental para uma adequada discussão
sobre as
posições existentes a respeito do conceito de Direito.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
INTRODUÇÃO
Uma das perguntas mais desafiadoras dentro do Direito é justamente responder sobre “o que
é
o Direito”. Diversas respostas podem ser dadas: o Direito pode ser o conjunto de
normas
postas pelo legislador, um instrumento de controle social ou uma forma de
garantir a ordem e a
paz social. Vemos, então, que existem diversas maneiras de
responder a essa pergunta –
apenas para listar alguns dos caminhos possíveis.
As diversas respostas possíveis são dadas por certas concepções teóricas acerca do
Direito,
desde concepções clássicas, como a teoria da lei natural (conhecida como
“jusnaturalismo”),
até concepções desenvolvidas nas últimas décadas, como é o caso do
interpretativismo
jurídico. Por isso, o estudo sobre a teoria do Direito é fundamental
para analisarmos
adequadamente as características do fenômeno jurídico.
Cada corrente teórica, a partir da sua resposta sobre o conceito de Direito, argumenta em
uma
ou outra direção acerca do papel dos juízes a respeito da definição desse fenômeno
(especialmente, sobre a interpretação jurídica). Por isso, devemos voltar nossa atenção
para
duas tradições teóricas muito influentes nos últimos anos sobre o Direito e o papel
dos juízes: o
positivismo jurídico e o interpretativismo.
MÓDULO 1
Reconhecer o
positivismo jurídico, suas
características e sua visão sobre o papel
dos juízes
CONTEXTUALIZANDO O POSITIVISMO
JURÍDICO
A expressão “positivismo” não é originária das discussões jurídicas propriamente ditas.
Pelo
contrário, no geral, o positivismo é associado a uma certa concepção sociológica
predominante
no início do século XIX, com Auguste Comte (1798-1857). Essa expressão, no
entanto, em
pouco tempo passou a ser adotada por certa concepção teórica jurídica, que
guardava
algumas características em comum com a defesa do positivismo sociológico.
Embora tenha passado por algumas alterações, o conceito de Direito positivo permanece
associado a essa proposta inicial – especialmente em contraposição a “normas não
positivadas”. Ou seja, o Direito positivo refere-se ao conjunto de normas estabelecidas
por
quem tenha autoridade para tanto com a finalidade de regular nossa vida em
sociedade. Isso
pode se dar tanto de forma escrita (predominante nos sistemas jurídicos
ocidentais modernos,
especialmente por meio da lei) quanto de forma não escrita (como
por meio dos costumes
jurídicos, que foram um Direito consuetudinário).
Fonte: sdecoret/Shutterstock.com
Essas perguntas envolvem que avancemos um pouco mais nas características do positivismo,
e para isso devemos nos dedicar a alguns autores centrais para essa teoria. Embora o
positivismo seja uma tradição rica, com autores iniciais de grande importância, como
Jeremy
Bentham (1748-1832) e John Austin (1790-1859), devemos focar o positivismo
jurídico
concebido pelos três autores mais influentes no positivismo atual: Hans Kelsen
(1881-1973),
Herbert Hart (1907-1992) e Joseph Raz.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO
POSITIVISMO JURÍDICO
O positivismo jurídico é uma concepção que possui diversas correntes dentro de si, de
modo
que não podemos afirmar características pacíficas para todas elas. Apesar disso,
podemos
localizar aspectos gerais que permeiam, em maior ou menor medida, as diversas
vertentes
positivistas.
De acordo com a tese das fontes sociais do Direito, o Direito é fruto de uma série de
arranjos e
decisões oriundos da própria sociedade e que são reconhecidos segundo
critérios socialmente
fixados, especialmente no que tange à definição de quem tem
autoridade para dispor sobre
essas ordens, isto é, definição das instituições
responsáveis pela criação do Direito. Essa tese
se opõe a grande parte do
jusnaturalismo, para o qual o Direito se origina de uma decisão da
sociedade, porém
também da natureza racional humana – não é fruto apenas de
características
socialmente
convencionadas.
CONVENCIONALISMO
Para compreendermos melhor a tese das fontes sociais, devemos analisar o conceito de
convenções sociais. Segundo o positivismo, a partir da tese das fontes sociais, o
Direito é fruto
de convenções sociais – acordos socialmente reconhecidos que servem à
solução de
problemas de coordenação.
Para que isso fique claro, precisamos entender o conceito de problemas de coordenação.
Imagine que duas pessoas estejam conversando ao telefone:
Caio ligou para Maria a fim de contar sobre o andamento do seu curso de
Direito. Após alguns
minutos, a ligação falhou e foi interrompida. Querendo
continuar a conversa, ambos ficaram
ligando um para o outro, porém, por
causa disso, nenhum dos dois conseguiu completar a
chamada. Após diversas
tentativas, Maria desistiu. Assim, Caio conseguiu completar a ligação
e
continuar a conversa. Após alguns minutos, a ligação foi novamente
interrompida. Mais uma
vez, ambos ficaram tentando retornar à chamada e não
conseguiram. Outra vez, Maria desistiu
e Caio conseguiu completar a ligação.
Dada a baixa qualidade da operadora de Caio, a ligação
foi interrompida mais
três vezes. Em todas elas surgiu o mesmo problema: ambos ficaram
simultaneamente tentando retornar à chamada, o que os impediu de continuar a
conversa.
Nesse exemplo, temos um caso de problema de coordenação. Caio e Maria têm um objetivo
em
comum (fazer a chamada e continuar a conversa). No entanto, dada a falta de um
procedimento que ordene a conduta de ambos, esse objetivo ficou frustrado. É necessário,
portanto, que seja criado um acordo para harmonizar a conduta de Caio e Maria e permitir
que
ambos alcancem seus objetivos.
Após essas diversas tentativas, Maria parou de tentar completar a ligação. A partir da
quinta
vez, Maria já não tentava mais retornar à ligação, o que permitia que Caio
completasse a
chamada na primeira oportunidade. Aqui temos a formação de uma convenção
social: sempre
que a ligação for interrompida acidentalmente, aquele que realizou a
chamada deve realizá-la
novamente e o interlocutor deve aguardar.
De acordo com o positivismo jurídico, as normas jurídicas são convenções sociais que
tornam
previsíveis as condutas, evitando os problemas de coordenação e garantindo um
procedimento
equitativo entre os destinatários das normas. Qual veículo tem preferência
ao cruzar uma
esquina não sinalizada (para evitar uma colisão)? Qual o prazo para o
recurso X (de modo a
evitar dúvida sobre até quando ele deve ser recebido)? Qual a pena
máxima para o crime Z (a
fim de evitar a aplicação desigual entre casos semelhantes)?
COMENTÁRIO
Em outros termos, essa tese pode ser definida como a tese da não necessária
conexão entre
Direito e moral. Em maior ou menor intensidade, essa tese permeia as diversas vertentes
do
positivismo jurídico.
Por exemplo:
Alguns positivistas afirmam que essa conexão pode ocorrer de forma contingente, a partir
de
uma aceitação da moralidade pela própria regra de reconhecimento do Direito. A esta
vertente
denominamos positivismo jurídico inclusivo ou includente, pois admite a
possibilidade dessa
conexão, apesar de não se tratar de uma conexão necessária.
Contudo, outros autores rejeitam essa conexão, sustentando que “a moral não pode ser
utilizada em nenhuma hipótese como critério de identificação do Direito positivo, tanto
no
sentido da constatação de sua validade como no sentido da realização de sua
interpretação”
(DIMOULIS, 2018). A esta vertente denominamos positivismo jurídico
exclusivo ou excludente,
dada sua rejeição à incorporação da moralidade no Direito.
A versão positivista mais forte, sem dúvida, é o positivismo jurídico exclusivo (hard
positivism).
Mesmo se considerarmos a versão mais fraca dele (soft
positivism), ainda
nesse caso teremos
o Direito como não dependente da moralidade. Para o positivismo, o
Direito não se confunde
com a moralidade, e o sistema jurídico independe de
considerações sobre a sua justiça ou
injustiça. Avaliar uma lei positiva como injusta ou
imoral não prejudica sua validade jurídica.
(KELSEN, 2015)
Essa posição de Kelsen foi refinada posteriormente, porém seu núcleo permanece intacto.
Isto
é, o Direito positivo não está condicionado por um critério moral sobre o que é
justo ou injusto.
Nesse sentido, Norberto Bobbio torna essa definição ainda mais clara:
(BOBBIO, 1995b)
Como podemos perceber em Bobbio, essa separação será feita pelo positivismo por meio de
uma ênfase no aspecto positivo (a lei positiva), a qual poderia ser objetivamente
conhecida e
não dependeria de uma avaliação moral ou política do intérprete ou
cientista. A concepção do
intérprete sobre aquilo que é bom ou justo não iria interferir
na definição do Direito – que existe
de forma objetiva, independentemente dessas
posições morais e políticas. Para o positivismo
jurídico, o Direito, em essência, é uma
criação da vontade humana.
Por fim, importa observar que os positivistas não negam a possibilidade de crítica às
normas
jurídicas ou às práticas sociais. Um jurista pode (e talvez deva) posicionar-se
moralmente
contra normas injustas (uma norma racista, por exemplo). No entanto, essa
crítica não
prejudicará a validade da norma. Enquanto ela não for revogada, permanecerá
válida.
CARACTERÍSTICAS DO POSITIVISMO
JURÍDICO
No vídeo a seguir, o professor Elden Borges
esclarece alguns pontos sobre o Positivismo
Jurídico – de suas raízes à prática:
AS CONTRIBUIÇÕES DE HERBERT HART
AO POSITIVISMO CONTEMPORÂNEO
No século XX, o positivismo jurídico passou por uma grande reformulação. Com a obra O
conceito de Direito, de Herbert Hart, inaugurou-se a denominada “teoria
analítica do
Direito”. A
grande característica dessa tradição é uma preocupação com a definição do
conceito de Direito
– distinguindo-o de outros conceitos e de outros objetos de estudo.
A Filosofia analítica em geral (na qual está inserida a discussão analítica sobre o
Direito) tem
uma forte preocupação com a análise conceitual. Por isso, caracteriza-se
por uma metodologia
baseada no estudo da linguagem. Em outros termos, dedica-se à
investigação, logicamente
estruturada, sobre certos conceitos de grande relevância
filosófica – no caso da teoria analítica
do Direito, sobre o conceito de Direito.
Hart fundou uma escola tão influente que se tornou mentor de três grandes pensadores
posteriores e um marco para as principais correntes atuais da teoria do Direito: John
Finnis
(referencial do jusnaturalismo contemporâneo), Joseph Raz (defensor do
positivismo jurídico
exclusivo) e Ronald Dworkin (principal nome do interpretativismo
jurídico). O próprio H. L. Hart,
após um longo debate com Dworkin (1931-2013),
reformulou sua teoria e, em resposta às
críticas, elaborou um pós-escrito a O
conceito
de Direito, que definiu o positivismo jurídico
inclusivo atual.
Para afastar-se desse problema, Hart destaca algumas características das normas
jurídicas.
Em primeiro lugar, o Direito define ordens que se aplicam em geral (de forma
indeterminada) e
não apenas a uma pessoa ou a um grupo específico de pessoas. Isto é, o
Direito é
caracterizado por generalidade e não por particularidade (ou individualidade)
em suas ordens.
Além disso, o Direito define ordens que não se extinguem (que não
interrompem seus efeitos)
com o cumprimento. As normas jurídicas possuem como
característica a permanência (o
caráter abstrato) e não a transitoriedade (caráter
concreto) de suas ordens.
As regras em sentido amplo – que não são apenas jurídicas, mas podem ser também regras
morais, religiosas ou de cortesia, por exemplo – assemelham-se aos hábitos, pois em
ambos
há uma convergência de comportamento. No entanto, a convergência de atitude está
presente
apenas nas regras.
Um hábito descumprido não gera uma crítica, enquanto o descumprimento de uma regra gera.
Somente nas regras está presente a crítica, a reprovação da conduta oposta a ela. Essa
crítica
não é acidental, mas vista como necessária. Caso a regra seja descumprida,
entende-se que é
devida uma crítica a essa postura.
Existe um aspecto interno importante a caracterizar as regras: elas são vistas pelo
próprio
agente como algo que deve ser feito. As regras não são simplesmente
coisas que
são feitas. O
agente compreende que tem uma obrigação ao seguir aquela conduta.
Nisso
distinguem-se a
ordem do assaltante e a ordem do Direito. Na ordem do assaltante, o
agente foi obrigado a
praticar uma conduta, mas não tinha uma
obrigação (HART, 2012).
Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Suas regras criam obrigações, pois são acompanhadas de uma pressão social significativa
pelo seu cumprimento (no caso do Direito, uma sanção). Mas, para Hart, o Direito não se
resume às sanções. Afinal, suas regras existem em razão de certos valores promovidos por
meio delas. As regras jurídicas criam obrigações para resolver conflitos potenciais
entre os
nossos interesses.
Por fim, uma pergunta que pode surgir é: toda norma jurídica cria obrigações? Para
responder
a essa questão, Hart diferencia as normas jurídicas em normas
primárias e
normas
secundárias. As normas primárias são aquelas que criam obrigações,
dizendo aos
agentes
como eles devem agir. Já as normas secundárias são “normas sobre normas”, e
regem a
criação e o funcionamento de outras normas jurídicas.
COMENTÁRIO
OS JUÍZES E A INTERPRETAÇÃO DO
DIREITO SEGUNDO O POSITIVISMO
A validade jurídica é bastante explorada ao se tratar sobre o positivismo jurídico. No
entanto,
igualmente importante é a interpretação do Direito. Essa questão envolve, por
um lado, a
compreensão do positivismo sobre o ordenamento jurídico e, por outro lado, a
discussão sobre
como se dá a interpretação – ou como os intérpretes-juízes devem atuar
perante o texto legal.
Fonte: Zolnierek/Shutterstock.com
Isso não significa que o intérprete não terá funções (terá, como veremos a seguir), mas a
origem da discussão parte de três características principais do ordenamento:
completude,
clareza e coerência (sistematicidade). Vejamos cada uma
delas:
COMPLETUDE
Todas as relações sociais juridicamente relevantes possuem
previsão normativa. Essa
característica não significa que todas as relações
sociais estão tratadas pelo Direito. Ao
contrário, presume que existem
inúmeras relações sociais não tratadas juridicamente. No
entanto, é
exatamente essa limitação que caracteriza os fatos jurídicos. Em outros
termos, os
fatos sociais em geral são selecionados pelo legislador
(autoridade competente) que, sobre
eles, faz incidir um conjunto de normas
jurídicas. Dessa maneira, certos fatos sociais
normalmente são convertidos
em fatos jurídicos. Apenas esses fatos sociais (sobre os quais
incide uma
norma jurídica) são juridicamente relevantes. Portanto, não existe relação
social
juridicamente relevante sobre a qual não incidam normas jurídicas.
CLAREZA
O ordenamento jurídico prevê soluções objetivas (claras) para os
casos que regula; não há
grandes problemas interpretativos. É por conta
dessa característica que grande parte das
vertentes positivistas não dedica
muito espaço ou esforço para discussões interpretativas ou
sobre o papel dos
juízes – como veremos na posição de Kelsen a seguir, basta ao intérprete
escolher entre as opções (claramente) disponíveis pela moldura da norma.
Essa característica
é nítida em certas áreas do Direito, em que os limites
são objetivamente fixados, como nas leis
de trânsito (se o limite é de 60
km/h, então não há dúvida de que trafegar acima desse limite é
uma infração
da lei) ou nas normas processuais (se o prazo é de quinze dias úteis, então
não
há dúvida de que protocolar no décimo sexto dia útil implica a perda do
prazo).
COERÊNCIA
As normas jurídicas são harmônicas (compatíveis) entre si. Elas
não se contradizem, pois o
ordenamento jurídico é um conjunto sistematizado
de normas, que se organiza no formato de
“regra × exceção”, “norma geral ×
norma específica”, “norma superior × norma inferior” ou
“norma anterior ×
norma posterior”. Por isso, caso haja uma contradição (antinomia), sempre
haverá uma solução dada a partir de critérios do próprio ordenamento
jurídico (critérios
positivos).
LACUNAS
Em oposição à completude, há situações de lacunas jurídicas.
Existem casos
juridicamente
relevantes (que impactam fortemente a sociedade e, em
consequência, o Direito), porém que
não possuem previsão normativa
positivada.
AMBIGUIDADES
Em contraposição à clareza, há casos de ambiguidade. Existem
normas jurídicas
que trazem
termos vagos ou indeterminados e, por conseguinte, têm diversas
interpretações possíveis –
aquela moldura de interpretações mostra-se
aberta.
ANTINOMIAS
Em contraste à coerência, há antinomias jurídicas. Para uma
mesma situação
existem
normas igualmente válidas, que conduzem a direções opostas e não
podem ser solucionadas
pelos critérios previstos positivamente.
Se esses critérios não são suficientes, é necessário investigar melhor como deve ser o
papel
do intérprete na concretização do Direito positivo segundo o positivismo. Nesse
caso, é
fundamental analisarmos a posição de Kelsen.
(DIMOULIS, 2018)
Haverá uma cadeia de concretizações (desde o legislador até o responsável por editar
normas
infralegais), em que as possibilidades interpretativas serão constantemente
limitadas. Por
exemplo, originalmente a norma tinha cinco interpretações possíveis.
Depois da concretização
legislativa, passou a ter somente três, e assim sucessivamente.
Desse modo, seria possível
chegar à escolha de uma única interpretação.
(DIMOULIS, 2018)
Fonte r.classen/Shutterstock.com
A autoridade competente exerce uma atividade de caráter cognitivo ao interpretar a norma,
pois deve buscar as alternativas existentes dentro da moldura do texto. No entanto, a
interpretação também é um ato de vontade, pois o aplicador precisará escolher entre as
diversas opções existentes dentro dessa moldura normativa. O problema que Kelsen deixa
sem resolução é sobre os métodos para que ocorra essa interpretação – isto é, para que
ocorra a delimitação da moldura. Sem critérios, qualquer interpretação pode ser situada
dentro
dela.
RESUMINDO
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ASSIM AFIRMA KELSEN (2000): “É DE PER SI EVIDENTE QUE UMA
MORAL SIMPLESMENTE RELATIVA NÃO PODE DESEMPENHAR A
FUNÇÃO, QUE CONSCIENTE OU INCONSCIENTEMENTE LHE É EXIGIDA,
DE FORNECER UMA MEDIDA OU UM PADRÃO ABSOLUTO PARA A
VALORAÇÃO DE UMA ORDEM JURÍDICA POSITIVA”. A PARTIR DESSA
AFIRMAÇÃO, PODEMOS CONCLUIR COMO SENDO UMA
CARACTERÍSTICA DO POSITIVISMO JURÍDICO:
A) O intérprete é livre para escolher qualquer interpretação, pois a norma em abstrato não tem
como antever os casos concretos futuros.
C) A norma jurídica possibilita diversas interpretações, entre as quais deve o intérprete fazer
uma delimitação.
D) Haverá uma cadeia de interpretações, partindo de normas inferiores (como decretos) até
chegarmos à Constituição, tendo esta uma única interpretação possível.
GABARITO
1. Assim afirma Kelsen (2000): “É de per si evidente que uma moral simplesmente
relativa não pode desempenhar a função, que consciente ou inconscientemente lhe é
exigida, de fornecer uma medida ou um padrão absoluto para a valoração de uma ordem
jurídica positiva”. A partir dessa afirmação, podemos concluir como sendo uma
característica do positivismo jurídico:
Uma vez que a moralidade é relativa, o Direito positivo deve manter-se separado dela (tese da
separação entre Direito e moral).
2. Embora não tenha dedicado muito espaço em sua teoria à interpretação jurídica, Hans
Kelsen formula um conceito ainda muito influente sobre a “moldura interpretativa”.
Segundo esse conceito:
MÓDULO 2
Reconhecer o
interpretativismo jurídico, suas características e sua visão sobre o
papel dos
juízes
PREMISSA
O interpretativismo é, em sua origem e seu conteúdo, definido pelas contribuições de
Ronald
Dworkin, especialmente em suas críticas ao positivismo jurídico. Geralmente é
inserido em um
conceito amplo (e pouco claro) de “pós-positivismo”. Ronald Dworkin é, ao
lado de Kelsen e
Hart, um dos principais autores do século XX e tem uma das teses mais
comentadas sobre o
Direito.
No século XXI, Dworkin tornou-se grande alvo de contestação, tanto por parte de
positivistas
quanto por parte de jusnaturalistas. Vejamos melhor sua teoria sobre o
Direito – conhecida
como “Direito como integridade” – e sua concepção sobre a
interpretação jurídica – baseada
fundamentalmente na diferença entre regras e
princípios.
CONCEITUANDO O INTERPRETATIVISMO
JURÍDICO
De início, devemos ter em mente que o interpretativismo é um tipo de “não positivismo”,
ou
seja, nega algumas características do positivismo jurídico. Em especial, para o
interpretativismo, o Direito e a moral estão intimamente relacionados, pelo que não é
possível
definir o Direito adequadamente de modo separado da moral – embora faça essa
relação, sua
concepção não está assentada em uma ideia de lei natural.
O século XX foi marcado por uma concentração de definições de Direito com base em seus
meios. É o que se dá com as teorias positivistas de Hart e de Kelsen – que pressupõem os
meios jurídicos como a pedra de toque para caracterizar o Direito. Há uma preocupação
central
com os fatos sociais – em outros termos, com a prática jurídica (por exemplo,
sobre como uma
decisão do parlamento afeta nossa vida). Assim, grande parte da teoria do
Direito no século XX
está preocupada com elementos descritivos (ou empíricos) para
formular seus conceitos de
Direito.
Dworkin vai, contudo, em sentido oposto, preocupando-se com os fins do Direito, isto é,
considerando que o Direito tem fins, propósitos ou valores que afetam seu conteúdo. Em
sua
busca por identificar como o conteúdo do Direito é constituído ou determinado,
Dworkin tenta
se afastar daquelas concepções jurídicas focadas essencialmente em fatos
sociais. Sua
preocupação não está centrada nos meios do Direito, pois inclui fortemente
uma investigação
sobre seus fins (COELHO; MATOS; BUSTAMANTE, 2018).
Isso não significa dizer que Dworkin ignora as práticas sociais na definição do Direito.
Sua
discordância fundamental em relação às demais posições diz respeito à relevância
desse
caráter finalístico para a identificação do conteúdo do Direito. Para ele, essa
definição não diz
respeito somente à identificação de certas práticas sociais, mas
também (e centralmente) à
interpretação de sua finalidade.
A tarefa do intérprete não se confunde com a tarefa do cientista. O cientista não precisa
fazer
um juízo de valor para obter suas conclusões. Por sua vez, o intérprete do Direito
é chamado a
realizar esse juízo por meio de uma prática interpretativa sobre o Direito.
O conteúdo do Direito é formado por um ato de ligação entre dois elementos: as práticas
jurídicas (um grupo de pessoas reunido em um local chamado de “parlamento” aprovou uma
lei
com um novo tributo) e as asserções que afirmam o Direito (João tem o dever de pagar
determinado tributo).
O ato de unir esses dois elementos por meio de valores é o que diferencia o fato
jurídico
do
fato científico. Na interpretação jurídica sempre há um juízo de valor, que não está
presente em
conceitos naturais (lembre-se do exemplo acima). Essa interpretação
pressupõe a
compreensão da finalidade envolvida naquela prática; por isso, esse é um ato
sempre
valorativo.
COMENTÁRIO
Fonte: patpitchaya/Shutterstock.com
ATENÇÃO
Apesar disso, mesmo dentro do “não positivismo”, existe uma grande variedade entre as
compreensões sobre essa conexão entre Direito e moral, indo de posições mais fortes a
concepções mais fracas.
Imagem: Elden Borges Souza, adaptada por Tainara Oliveira e Alan Gadelha.
A diferença entre positivismo e “não positivismo”, em última análise, é que, para o
positivista, o
Direito pode ser explicado fazendo-se referência a práticas jurídicas
(descritivas), sem a
necessidade de uma instância valorativa (axiológica). O Direito
seria definido a partir de fatos
sociais. Ao contrário, para o não positivista, o
Direito somente pode ser compreendido a partir
de uma instância axiológica, que
determina a relevância de determinadas práticas jurídicas em
detrimento de outras.
Positivistas
Não positivistas
Para o “não positivismo”, como o Direito não é um fato natural (não podemos tratar o
Direito
como um biólogo trata uma planta ou como um engenheiro trata uma edificação),
não se pode
justificar a existência de uma proposição jurídica simplesmente recorrendo à
existência de um
fato social. Será necessário um recurso a algo além dos fatos.
INTERPRETATIVISMO JURÍDICO
A seguir, nosso especialista sintetiza o conceito de Interpretativismo Jurídico em contraste ao
Positivismo:
O DIREITO BASEADO EM UM MODELO DE
PRINCÍPIOS
Segundo o interpretativismo, o Direito moderno é caracterizado por duas características:
Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
A grande questão é definir como essas práticas sociais se relacionam com a determinação
das
proposições normativas para o caso. Para isso, será fundamental a diferença entre
regras e
princípios (veremos no próximo item). Conforme a ênfase, teremos um modelo
jurídico de
regras ou um modelo jurídico de princípios.
Dworkin está contrapondo seu modelo ao modelo positivista. Cada modelo apresenta
critérios
de identificação das práticas sociais como práticas jurídicas. Além disso, tem
que explicar
como combinar as práticas entre si para definir o conteúdo do Direito
(COELHO; MATOS;
BUSTAMANTE, 2018).
O modelo jurídico correto varia de sistema para sistema, visto que depende, em grande
medida, das práticas jurídicas aceitas por uma comunidade. Não há um único modelo a
priori
para todos os sistemas jurídicos. Essa determinação dependerá de qual
modelo faz
mais
sentido no contexto das práticas de certa comunidade – qual modelo faz mais sentido
para
aquela forma de vida.
Modelo de regras
corresponde ao modelo de
determinação do conteúdo jurídico sob a premissa de que é
determinado exclusivamente por fatos sociais (práticas jurídicas
descritivas).
Modelo de princípios
corresponde ao modelo de
determinação do conteúdo jurídico sob a premissa de que é
determinado conjuntamente por fatos sociais e por valores,
propósitos e fins.
A preferência por um modelo ou por outro depende do contexto no qual ele está inserido. É
necessário que seja aquele modelo mais plausível no contexto das próprias práticas
jurídicas.
FUNDAMENTOS DA INTERPRETAÇÃO DO
DIREITO EM DWORKIN
No que diz respeito à interpretação do Direito, o interpretativismo se opõe às propostas
comunicacionais sobre o Direito – que destacam o papel da autoridade e o significado
semântico dos textos legais (COELHO; MATOS; BUSTAMANTE, 2018).
Enquanto as teorias predominantes buscam conhecer o conteúdo jurídico por meio da busca
do significado de um texto legal, Dworkin defende que o conteúdo do Direito não é o
mesmo
que o significado do texto. Esse conteúdo não tem como ser identificado a partir
da busca do
sentido dado pela autoridade (o legislador original, por exemplo) ou pelo
uso comum do termo
(por meio de uma investigação semântica). Assim, sua posição
interpretativa afasta-se
significativamente do que defende o positivismo.
Fonte: corgarashu/Shutterstock.com
Para a visão tradicional sobre o Direito, não há justificação moral para a aceitação de
certas
proposições jurídicas como válidas, de modo que a interpretação jurídica envolve
tão somente
questões de fato sobre o conteúdo semântico de dada proposição. Além disso,
essa
interpretação é caracterizada por um atomismo, ou seja, as normas jurídicas
individuais
possuem primazia explicativa sobre o Direito como um todo.
No entanto, para Dworkin, como o conteúdo do Direito não é determinado pelo recurso a
fatos
sociais, não é a autoridade o determinante para a interpretação jurídica, e sim os
valores ou
princípios do Direito. Não se trata, também, de um modelo comunicacional, que
enfatize o
papel do significado do texto legal, pois esses elementos semânticos são
apenas parte da
determinação do Direito. Além disso, para Dworkin, o Direito
como um
todo possui primazia em
relação às normas jurídicas consideradas individual ou
isoladamente – trata-se de um modelo
holístico.
Princípio
Regra
IDEIA DE DIREITO
A principal diferença, à luz da discussão sobre os valores vista aqui, diz respeito à
relação
dessas normas com a ideia de Direito. As normas jurídicas podem
ter um conteúdo
mais
relacionado às exigências de justiça ou podem ser mais indiferentes a isso.
Os princípios são normas com alta carga valorativa, ou seja, o seu conteúdo traz
exigências de
justiça para o ordenamento jurídico. Servem, portanto, para corrigir
eventuais defeitos das
regras jurídicas. O exemplo trazido por Dworkin para sustentar
isso é o caso Riggs vs. Palmer
(também conhecido como caso Elmer):
Fonte: sfam_photo/Shutterstock.com
Elmer Palmer era herdeiro testamentário de seu avô Francis Palmer. Preocupado
com a
possibilidade de que seu avô mudasse os termos do testamento, em 1889
envenenou-o para
garantir a herança.
As regras são normas que resolvem problemas funcionais do sistema normativo. Elas
estipulam como situações concretas serão resolvidas. Seu conteúdo moral é baixo, porém
significativo para a solução de conflitos de interesse que exigem limites mais precisos
– como a
regra processual aqui elencada.
NÍVEL DE ABSTRAÇÃO
Os princípios jurídicos são normas com uma linguagem aberta – com um alto nível de
indeterminação e vagueza. Logo, o conteúdo dos princípios não tem limites muito
precisos.
Obviamente, há situações claramente inseridas em dado princípio e outras
claramente fora
deles. No entanto, também permitem muitos casos cinzentos. Por sua vez,
as regras são
normas com uma linguagem bem definida, sendo possível ao intérprete prever
o seu conteúdo
e definir o que se situa dentro delas ou não.
RESUMINDO
As regras são aplicadas por meio de subsunção. É verificada a presença de sua hipótese de
incidência ou não e, então, a consequência nela prevista é aplicada. Por exemplo, se uma
pessoa mata um animal, então não está presente a hipótese de incidência do “homicídio”,
que
é “matar alguém”. Assim, as regras podem ser totalmente aplicáveis ou totalmente
inaplicáveis
a certo caso. Diz-se que as regras se aplicam no modo “tudo ou nada”.
Considerando essa característica e que as regras são normas cujo conteúdo é bem
delimitado,
sua aplicação ao caso concreto é direta, não exigindo definição de seu
conteúdo por meio de
uma intermediação do intérprete ou por meio de intermediação de
outra norma jurídica.
CONFLITO DE NORMAS
Por fim, regras e princípios diferenciam-se em situações de conflito
normativo. Em certos
casos, as normas jurídicas apresentam-se opostas, indicando soluções diferentes para a
mesma situação. A questão, então, passa a ser qual delas deve ser aplicada.
Quando regras entram em conflito (ao que se denomina de antinomia), não será possível a
aplicação de duas regras opostas ao mesmo tempo. Afinal, como visto, as regras devem ser
aplicadas totalmente ou não ser aplicadas. Não será possível aplicar o comando das duas
regras ao mesmo tempo e ao mesmo caso. A solução se dará por meio da
invalidação de uma
das regras, e para identificar qual delas será aplicada, utiliza-se o recurso aos modos
de
solução de antinomias: regra posterior, regra superior ou regra especial.
Por outro lado, quando princípios entram em conflito, nenhum deles será invalidado. O
princípio
predominante prevalece conforme as circunstâncias do caso concreto. Em outras
circunstâncias, outro princípio pode prevalecer.
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Os casos jurídicos apresentam, em geral, duas partes: uma dimensão jurídica (ou teórica)
e
uma dimensão fática (ou empírica). Por exemplo, analisemos o que se dá em uma “ação de
investigação de paternidade”.
CONCLUSÃO
A norma se aplica ou não se aplica? Se for identificado faticamente que o réu é o
pai, então ele
tem o dever de proceder ao reconhecimento do filho. Se não houver
essa identificação, então
ele não tem esse dever.
Os casos jurídicos podem apresentar uma controvérsia em sua dimensão jurídica ou em sua
dimensão fática. Conforme o local em que se encontre essa controvérsia, estará presente
um
caso fácil ou um caso difícil. Vejamos o exemplo a seguir.
Caso fácil
2 João
realmente
matou seu vizinho?
Caso difícil
1 Existe o direito a
essa
recusa?
2 Maria
está
realmente precisando fazer a transfusão?
Como podemos perceber nos exemplos, cada um dos casos poderá gerar duas controvérsias:
a
primeira ( 1 ) será a dúvida jurídica e a
segunda ( 2 ), a dúvida fática. Em cada um
dos
casos, somente uma das perguntas realmente é controversa. A outra pode ser facilmente
respondida pelo juiz do caso.
Na primeira situação, temos um caso fácil, pois, sendo produzidas as provas corretas, o
caso
será facilmente resolvido. O juiz não tem dúvidas razoáveis quanto à pergunta
jurídica – é
relativamente fácil saber se é lícito ou não matar alguém. Nos casos
fáceis, a controvérsia
reside sobre a sua dimensão fática (tem-se um desacordo empírico
ou fático). Ou seja, a
discussão está centrada em se certo fato ocorreu ou não e de que
forma ele ocorreu. O Direito
é relativamente incontroverso. A disputa judicial será por
encontrar as melhores provas para
confirmar ou refutar a ocorrência dos fatos alegados.
Nos casos difíceis, a controvérsia reside sobre a sua dimensão jurídica (desacordo
teórico ou
jurídico). Os fatos são relativamente pacíficos, mas há uma discussão sobre
qual direito deve
prevalecer e qual sua interpretação. No exemplo, a família da paciente
e o hospital confirmam
o fato (Maria precisa receber a transfusão de sangue). A disputa
judicial é se o Direito ampara
ou não a recusa à realização do procedimento. Nesse caso,
os fatos estão provados, mas há
uma controvérsia sobre qual direito deve ser protegido,
sobre qual direito deve ser aplicado
para resolver o caso.
ATENÇÃO
Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
RECOMENDAÇÃO
A) I, apenas.
B) II, apenas.
C) III, apenas.
D) I e II, apenas.
E) I, II e III.
GABARITO
As regras são normas que resolvem problemas funcionais, são plenamente aplicadas ou não
aplicadas, e possuem um conteúdo bem determinado.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O positivismo jurídico e o interpretativismo são concepções sobre o Direito bastante
distintas.
Por um lado, o positivismo tem uma pretensão de neutralidade, mas, ao mesmo tempo, não
delimita muito a atividade do intérprete. Por outro lado, o interpretativismo rejeita a
neutralidade
do intérprete, destacando a necessidade de uma interligação entre Direito e
moral. Ao lado
disso, ressalta a importância da interpretação, especialmente em matéria
de princípios e nos
casos difíceis.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BOBBIO, N. O positivismo jurídico: lições de filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone,
1995a.
KELSEN, H. Teoria pura do Direito. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2015.
SELL, C. E. Sociologia clássica: Marx, Durkheim e Weber. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2016.
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