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Eduardo - 06632128394

SUMÁRIO

DIREITOS HUMANOS 1 - 70

- TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS

- OPINIOES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

- JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

- O BRASIL NA JURISDICAO CONTENCIOSA DA CORTE IDH

- O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISORIAS DA CORTE IDH

- O BRASIL NA COMISSAO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

OPINIOES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 71 - 107

JURISPRUDENCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 108 - 141

O BRASIL NA JURISDICAO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 142 - 160

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISORIAS DA CORTE IDH 161 - 169

O BRASIL NA COMISSAO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 170 - 178


DIREITOS HUMANOS 1
DIREITOS HUMANOS MECANISMOS GLOBAIS NÃO CONVENCIONAIS DE
PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 25
1a Edição/2022
8.1. A Resolução 1.235 do ECOSOC (apartheid e
NOÇÕES GERAIS 4 demais temas) 25

1.1 Conceito 4 8.2. A Resolução 1.503 do ECOSOC (procedimento


confidencial) 26
1.2 Terminologia 4
8.3. Revisão Periódica Universal 26
1.3 Fundamento e Conteúdo 5
1.4 Características 5 DIREITO INTERNACIONAL PENAL 28
1.5 Interpretação Conforme 7 9.1. Os Tribunais Precursores 28
9.2. O Estatuto de Roma e O Tribunal Penal
A TEORIA DOS STATUS DE JELLINEK 8
Internacional 29
GERAÇÕES OU DIMENSÕES DE DIREITOS HUMANOS 9 9.3. Estrutura e Funcionamento do TPI 30
9.4. Reservas ao Estatuto de Roma 32
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
9.5. Competência Material do TPI 32
11
9.6. A Responsabilidade Penal Individual 39
4.1 Estrutura Normativa do Sistema Internacional
de Proteção 12 9.7. Penas e Ordens de Prisão Processual no TPI 40
4.2 Complementaridade dos Sistemas 13 INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS
4.3 Corte Internacional de Justiça 13 HUMANOS NO BRASIL 41
10.1. Introdução 41
AS NAÇÕES UNIDAS E A PROMOÇÃO UNIVERSAL
DOS DIREITOS HUMANOS 14 10.2. Terminologia 41
10.3. A Teoria da Junção de Vontades 41
5.1 A Carta da ONU 14
10.4. As Quatro Fases: da Formação da Vontade à
5.2 Reserva de Jurisdição Interna 15
Incorporação 42
5.3. Importância da Carta da ONU Para Declaração
10.5. Hierarquia Constitucional dos Tratados em
Universal de 1948 16
Geral 43
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS 10.6. Hierarquia Constitucional dos Tratados Sobre
17 Direitos Humanos 43
6.1. Noções Gerais 17 10.7. Teoria do Duplo Estatuto 45
6.2. Estrutura 17 10.8. Aplicação Imediata dos Tratados de Direitos
Humanos 45
6.3. Natureza Jurídica 17
10.9. Interpretação dos Tratados de Direitos
6.4. Influência da DUDH 18
Humanos e o Princípio Pro Homine 46
PACTOS INTERNACIONAIS DA ONU E MECANISMOS
BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE 47
CONVENCIONAIS DE MONITORAMENTO 19
11.1. Bloco de Constitucionalidade Amplo 47
7.1. Noções Gerais 19
11.2. Bloco de Constitucionalidade Restrito 47
7.2. Mecanismos de Monitoramento 19
7.3. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE 49
Políticos 20
12.1. Noções Gerais 49
7.4. Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional
12.2. Controle de Convencionalidade no Sistema
sobre Direitos Civis e Políticos 21
Interamericano 49
7.5. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
12.3. Controle de Convencionalidade no Direito
Sociais e Culturais 22
Brasileiro 51
7.6. Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional
12.4. Devido Processo Convencional 51
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 23

DIREITOS HUMANOS - 1

DIREITOS HUMANOS 2
DIREITOS HUMANOS DAS MINORIAS E GRUPOS
VULNERÁVEIS 53
13.1. Noções Iniciais 53
13.2. Direitos Humanos das Mulheres 53
13.3. Direitos Humanos dos Idosos 55
13.4. Direitos Humanos das Crianças e
Adolescentes 57
13.5. Direitos Humanos dos Povos Indígenas e
Comunidades Tradicionais 58
13.6. Direitos Humanos das Pessoas com
Deficiência 62
13.7. Direitos Humanos das Pessoas Pertencentes
à Comunidade LGBTQIA+ 64
13.8. Direitos Humanos dos Refugiados 67
13.9. Direitos Humanos dos Consumidores 69

DIREITOS HUMANOS - 2

DIREITOS HUMANOS 3
jurisdição. São direitos indispensáveis a uma vida
NOÇÕES GERAIS
digna e que, por isso, estabelecem um nível protetivo

(standard) mínimo que todos os Estados devem

1.1 Conceito respeitar, sob pena de responsabilidade internacional.

Os direitos humanos consistem em um

conjunto de direitos considerado indispensável para


1.2 Terminologia
uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e

dignidade. Os direitos humanos são os direitos Na linguagem comum, emprega-se

essenciais e indispensáveis à vida digna. frequentemente a expressão “direitos humanos” para

referir-se também à proteção que a ordem jurídica


Não há um rol predeterminado desse
interna (especialmente a Constituição) atribui àqueles
conjunto mínimo de direitos essenciais a uma vida
que se sujeitam à jurisdição de um determinado
digna. As necessidades humanas variam e, de acordo
Estado. Em termos técnicos, contudo, tal referência
com o contexto histórico de uma época, novas
não é correta, devendo-se empregar a expressão
demandas sociais são traduzidas juridicamente e
“direitos humanos” apenas quando se está diante da
inseridas na lista dos direitos humanos.1
proteção de índole internacional a tais direitos. De

Para Mazzuoli2, a expressão Direitos fato, sabe-se que a proteção jurídica dos direitos das

humanos é intrinsecamente ligada ao direito pessoas pode provir ou vir a provir da ordem interna

internacional público. Assim, quando se fala em (estatal) ou da ordem internacional (sociedade

“direitos humanos”, o que tecnicamente se está a dizer internacional). Quando é a primeira que protege os

é que há direitos que são garantidos por normas de direitos de um cidadão, está-se diante da proteção de

índole internacional, isto é, por declarações ou um direito fundamental da pessoa; quando é a

tratados celebrados entre Estados com o propósito segunda que protege esse mesmo direito, está-se

específico de proteger os direitos (civis e políticos; perante a proteção de um direito humano dela.3

econômicos, sociais e culturais etc.) das pessoas


Há uma certa confusão entre os autores ao
sujeitas à sua jurisdição.
utilizar as nomenclaturas “direitos do homem” e

Os direitos humanos são, portanto, direitos “direitos fundamentais” e “direitos humanos”. Por isso,

protegidos pela ordem internacional (especialmente vamos sistematizar4:

por meio de tratados multilaterais, globais ou


● Direitos do Homem: Trata-se de expressão
regionais) contra as violações e arbitrariedades que
de cunho jusnaturalista que conota a série de
um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua

3
1
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 45. São Paulo: 2021, p. 22.
2 4
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p.22. São Paulo: 2021, p. 24-25.

DIREITOS HUMANOS - 3

DIREITOS HUMANOS 4
direitos naturais (ou seja, ainda não tais sacrifícios resultarão em benefícios a

positivados) aptos à proteção global do outras pessoas.

homem e válidos em todos os tempos. São


● Autonomia da pessoa: Toda pessoa é livre
direitos que, em tese, ainda não se
para a realização de qualquer conduta, desde
encontram nos textos constitucionais ou nos
que seus atos não prejudiquem terceiros.
tratados internacionais de proteção.

● Dignidade da pessoa: Verdadeiro


● Direitos Fundamentais: Trata-se de
núcleo-fonte de todos os demais direitos
expressão afeta à proteção interna dos
fundamentais do cidadão, por meio do qual
direitos dos cidadãos, ligada aos aspectos ou
todas as pessoas devem ser tratadas e
matizes constitucionais de proteção, no
julgadas de acordo com os seus atos, e não
sentido de já se encontram positivados nas
em relação a outras propriedades suas não
Cartas Constitucionais contemporâneas.
alcançáveis por eles.

● Direitos humanos: Refere-se aos direitos


No que diz respeito ao conteúdo, os direitos
inscritos (positivados) em tratados e
humanos representam valores essenciais, explícita ou
declarações ou previstos em costumes
implicitamente retratados nas Constituições ou
internacionais. Trata-se, em suma, daqueles
tratados internacionais. Ademais, tais direitos têm em
direitos que já ultrapassaram as fronteiras
comum quatro ideias-chaves ou marcas distintivas:
estatais de proteção e ascenderam ao plano
universalidade (direitos de todos), essencialidade
da proteção internacional.
(direitos de todos), superioridade normativa

(superioridade com relação às demais normas) e

reciprocidade (são direitos de todos e não sujeitam


1.3 Fundamento e Conteúdo
apenas o Estado e os agentes públicos, mas toda a

Os direitos humanos têm o seu fundamento coletividade).6

na dignidade da qual toda e qualquer pessoa é titular.

À luz da Declaração Universal de 1948, pode-se dizer

que os direitos humanos se fundam em três princípios 1.4 Características

basilares, bem como em suas combinações e


Os direitos humanos possuem características
5
influências recíprocas, quais sejam :
que os distinguem dos demais direitos, trazendo

● Inviolabilidade da pessoa: O significado consigo caracteres únicos. São elas:

traduz a ideia de que não se podem impor


● Historicidade: Os direitos humanos são
sacrifícios a um indivíduo em razão de que
históricos, isto é, são direitos que se vão

5 6
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: 2021, p. 27. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 48-49.

DIREITOS HUMANOS - 4

DIREITOS HUMANOS 5
construindo com o decorrer do tempo7, conteúdo. Isto é, não há liberdade que

através de um processo paulatino de justifique a renúncia a um direito humano ou

conquistas. Em outras palavras, não surgem em nome da qual se possa autorizar

todos em um mesmo momento ou de forma qualquer violação sua.10

imediata, mas são conquistados ao longo da


● Inalienabilidade: Os direitos humanos não
história da humanidade.
podem ser transferidos ou cedidos a outrem,

● Universalidade: Significa que são titulares seja de forma onerosa ou gratuita, ou seja,

dos direitos humanos todas as pessoas, são inegociáveis. Ou seja, pugna pela

bastando a condição de ser pessoa humana impossibilidade de se atribuir uma dimensão

para se poder invocar a proteção desses pecuniária dos direitos humanos para fins de

direitos, tanto no plano interno como no venda.11

plano internacional, independentemente de


● Inexaurabilidade: O rol de direitos humanos
sexo, raça, credo religioso, afinidade política,
é exemplificativo, podendo ser expandidos a
status social, econômico, cultural etc.8
qualquer tempo. Ou seja, não há uma lista

● Essencialidade: Quer dizer que sem os fixa de direitos humanos, estando em

direitos humanos não há como ter uma vida constante renovação e incorporação de

digna, sendo essenciais à humanidade. Nas novos direitos.

palavras de Mazzuoli9 “Os direitos humanos


● Imprescritibilidade: Os direitos humanos
são essenciais por natureza, tendo por
não se esgotam com o passar do tempo e
conteúdo os valores supremos do ser
podem ser a qualquer tempo vindicados12,
humano e a prevalência da dignidade
não se justificando a perda do seu exercício
humana (conteúdo material), revelando-se
pelo advento da prescrição. Dessa forma,
essenciais, também, pela sua especial
ainda que o seu titular não o exerça por livre
posição normativa (conteúdo formal),
vontade, não perderá o direito com o
permitindo-se a revelação de outros direitos
decurso do tempo.
fundamentais fora do rol de direitos

expresso nos textos constitucionais.”. ● Vedação do retrocesso: Por esse princípio,

também é chamado de “efeito cliquet”, uma


● Irrenunciabilidade: Traduz-se na ideia de
vez conquistado um direito humano, este
que a autorização de seu titular não justifica
não poderia ser mais perdido ou “revogado”,
ou convalida qualquer violação do seu
10
7
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 28. São Paulo: 2021, p. 29.
11
8
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: 2021, p. 28. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 154.
12
9
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 28. São Paulo: 2021, p. 29.

DIREITOS HUMANOS - 5

DIREITOS HUMANOS 6
pois isso constituiria um verdadeiro concreto, deve sempre aplicar a norma mais favorável

retrocesso, não podendo o Estado proteger à pessoa.


13
menos do que já protegia anteriormente.

Outra expressão utilizada pela doutrina é o

entrenchment ou entrincheiramento, que

consiste na preservação do mínimo já

concretizado dos direitos fundamentais,

impedindo o retrocesso, que poderia ser

realizado pela supressão normativa ou ainda

pelo amesquinhamento ou diminuição de

suas prestações à coletividade.14 Ou seja, os

Estados estão proibidos de retroceder em

matéria de proteção dos direitos humanos.15

1.5 Interpretação Conforme

Levando em consideração que os direitos

humanos se tornaram o núcleo-chave do direito

pós-moderno, todas as normas em vigor no Estado,

sejam internas ou internacionais, devem ser

interpretadas “conforme” os direitos humanos, sem

qualquer exceção.

A interpretação conforme os direitos

humanos impede, por igual, que seja aplicada norma

menos benéfica ao ser humano em detrimento de

norma a ele mais favorável, eis que o princípio básico

presente em todos os tratados de direitos humanos

bem assim no costume internacional relativo a esses

direitos, é o princípio pro homine ou pro persona,

por meio do qual o intérprete, num dado caso

13
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 29.
14
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 155.
15
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 155.

DIREITOS HUMANOS - 6

DIREITOS HUMANOS 7
espaço de liberdade individual ao qual o
A TEORIA DOS STATUS DE
Estado deve respeito, abstendo-se de

JELLINEK qualquer interferência. 18


Trata-se de uma

visão liberalista, de abstenção do estado em

face do indivíduo.
A teoria dos status de Georg Jellinek busca
● Status Positivo ou Status Civitatis: Consiste
explicar a relação do indivíduo com o Estado, sob a
no conjunto de pretensões do indivíduo
ótica dos direitos. Na sua visão, em oposição ao
para invocar a atuação do Estado em prol
jusnaturalismo, os direitos humanos devem ser
dos seus direitos. O indivíduo tem o poder
traduzidos em normas jurídicas estatais para que
de provocar o Estado para que interfira e
possam ser garantidos e concretizados. Por isso, sua
atenda seus pleitos. A liberdade do indivíduo
teoria relaciona-se com a posição do direito do
adquire agora uma faceta positiva, apta a
indivíduo em face do Estado, com previsão de
exigir mais do que a simples abstenção do
mecanismos de garantia a serem invocados no
Estado (que era a característica do “status”
ordenamento estatal.16
negativo), levando a proibição da omissão
Segundo a teoria, quatro são as posições estatal.19
que o indivíduo pode se encontrar diante do Estado,
● Status Ativo ou Status Activus: Consiste no
sendo as seguintes:
conjunto de prerrogativas e faculdades que o
● Status Subjectionis ou Status Passivo: O indivíduo possui para participar da formação
indivíduo se encontra em uma posição de da vontade do Estado, refletindo no exercício
subordinação em face do Estado, que detém de direitos políticos e no direito de aceder
atribuições e prerrogativas, aptas a vincular o aos cargos em órgãos públicos. Em outros
indivíduo e exigir determinadas condutas ou termos, é possibilidade de participação do
ainda impor limitações (proibições) a suas indivíduo na vida pública.20
ações.17

● Status Libertatis ou Status Negativo: É o

conjunto de limitações à ação do Estado

voltado ao respeito dos direitos do indivíduo.

O indivíduo exige respeito e contenção do

Estado, a fim de assegurar o pleno exercício

de seus direitos na vida privada. Nasce um


18
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 86.
16 19
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 85. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 86.
17 20
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 86. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 87.

DIREITOS HUMANOS - 7

DIREITOS HUMANOS 8
exemplo o direito à propriedade, à igualdade
GERAÇÕES OU DIMENSÕES DE
formal, ao nome etc.

DIREITOS HUMANOS ● Segunda Geração ou Dimensão

(igualdade): os direitos humanos de

segunda dimensão nasceram a partir do


Trata-se de teoria desenvolvida pelo jurista
início do século XX e compõem-se dos
Karel Vasak, tendo classificado os direitos humanos
direitos da igualdade lato sensu, a saber, os
em três gerações. Em momento posterior, outros
direitos econômicos, sociais e culturais.23
autores ampliaram a classificação das dimensões para
São direitos típicos de um estado social, e se
até cinco dimensões.
consubstanciam com uma prestação
Cada geração foi associada, na Conferência positiva do Estado, uma obrigação de
proferida por Vasak, a um dos componentes do dístico fazer. São exemplos: direito à educação, à
da Revolução Francesa: “liberté, egalité et fraternité” saúde e ao trabalho.
(liberdade, igualdade e fraternidade).21 O termo
● Terceira Geração ou Dimensão
“geração” é muito criticado pela doutrina por passar a
(fraternidade): são os que se assentam no
ideia de que cada geração substitui o outro, quando,
princípio da fraternidade, deles fazendo
em verdade, elas se complementam. Por isso, muitos
parte, entre outros, o direito ao
preferem utilizar o termo “dimensão”.
desenvolvimento, ao meio ambiente, à
● Primeira Geração ou Dimensão comunicação e ao patrimônio comum da
(liberdade): são os direitos de liberdade lato humanidade.24 São aqueles de titularidade da
sensu, sendo os primeiros a constarem dos comunidade.25
textos normativos constitucionais, a saber, os
● Quarta Geração (solidariedade): resulta da
direitos civis e políticos. Trata-se dos
globalização dos direitos fundamentais, de
direitos que têm por titular o indivíduo,
sua expansão e de sua abertura
sendo, portanto, oponíveis ao Estado (são
além-fronteiras, seriam exemplos dos
direitos de resistência ou de oposição
direitos de quarta geração o direito à
perante o Estado).22 Tais direitos garantem
democracia (no caso, a democracia direta), o
uma atividade não arbitrária do Estado, um
direito à informação e o direito do
não fazer, um absenteísmo estatal, por isso,
pluralismo, deles depende da concretização
relaciona-se à liberdade. Pode-se citar como

23
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 45.
21 24
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 88. São Paulo: 2021, p. 45.
22 25
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: 2021, p. 44. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 90.

DIREITOS HUMANOS - 8

DIREITOS HUMANOS 9
da sociedade aberta do futuro, em sua

dimensão de máxima universalidade, para a

qual parece o mundo inclinar-se no plano de

todas as relações de convivência.26

● Quinta Geração (esperança): a quinta

geração é capitaneada por Paulo Bonavides

e se pauta na concepção da paz no âmbito

da normatividade jurídica. Para Bonavides, o

direito à paz representa a nova geração

(dimensão) dos direitos humanos, a envolver

todas as dimensões anteriores, coroando o

espírito de concórdia necessário ao porvir da

humanidade e ao futuro do planeta.27

26
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 45.
27
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 46.

DIREITOS HUMANOS - 9

DIREITOS HUMANOS 10
Westfália de 1648, que colocaram fim à Guerra dos
DIREITO INTERNACIONAL DOS
Trinta Anos e fomentaram o nascimento do

DIREITOS HUMANOS contemporâneo direito internacional público.

A doutrina, no entanto, aponta precedentes

históricos mais concretos acerca do atual sistema


Desde a Segunda Guerra Mundial, em
internacional de direitos humanos, sendo eles: o
decorrência dos horrores cometidos durante todo esse
Direito Humanitário; a Liga das Nações; e a
período, os direitos humanos têm constituído um dos
Organização Internacional do Trabalho.
temas centrais da agenda internacional

contemporânea. Sem dúvida, os direitos humanos, tais ● O Direito Humanitário: Trata-se do direito
como hoje concebidos, são uma reação da sociedade aplicável na proteção do ser humano na
internacional às barbáries perpetradas desde esse situação específica dos conflitos armados
28
período. (internacionais e não internacionais)31,

cuja função é estabelecer limites à atuação


O Direito Internacional dos Direitos Humanos
do Estado, com intuito de assegurar a
é aquele que visa proteger todos os indivíduos,
observância e o cumprimento dos direitos
qualquer que seja a sua nacionalidade e
humanos.
independentemente do lugar onde se encontrem.

Trata-se da disciplina encarregada de estudar o O surgimento do Direito Humanitário


conjunto de normas internacionais, convencionais ou remonta a uma organização internacional
consuetudinárias, onde são estipulados o não estatal: o Comitê Internacional da Cruz
comportamento e os benefícios que as pessoas ou Vermelha. Além da criação da Cruz
grupos de pessoas podem esperar ou exigir dos Vermelha, quatro momentos distintos
29
governos. marcaram o direito humanitário até os dias

atuais: a fase das Convenções da Haia (1899


Entretanto, antes mesmo dos horrores
e 1907); a fase das Convenções de Genebra;
cometidos na Segunda Guerra, já existia um lento e
a fase dos dois Protocolos Adicionais às
gradual processo de internacionalização dos direitos
Convenções de Genebra (1977); e a fase da
humanos. Para Mazuolli30, o chamado “Direito
Resolução 2444 (XIII) da Assembleia Geral
Internacional dos Direitos Humanos” (International
da ONU (1968) relativa ao respeito aos
Human Rights Law) tem como primeiros e mais
direitos humanos em período de conflito
remotos antecedentes os tratados de paz de
armado.32
28
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 50.
29 31
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: 2021, p. 53. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 231.
32
30
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 50. São Paulo: 2021, p. 51.

DIREITOS HUMANOS - 10

DIREITOS HUMANOS 11
● A Liga das Nações: A Liga das Nações foi Quanto aos instrumentos de caráter global,

criada após a Primeira Guerra Mundial pertencem ao sistema de proteção das Nações

com finalidade de promover a cooperação, a Unidas (ou sistema “onusiano”). Por sua vez, os de

paz e a segurança internacional, condenando caráter regional pertencem a um dos três sistemas

agressões externas contra a integridade regionais hoje existentes: europeu, interamericano

territorial e a independência política dos seus ou africano.34

membros. A Convenção da Liga das Nações


● Sistema Global: O sistema global de
representava um limite à concepção de
proteção dos direitos humanos surgiu no
soberania estatal absoluta, na medida em
âmbito da ONU. Também é chamado de
que a Convenção da Liga estabelecia sanções
sistema “onusiano”. Com o sistema global,
econômicas e militares a serem impostas
os Estados passaram a se obrigar por meio
pela comunidade internacional contra os
de tratados, aceitando restrições ao próprio
Estados que violassem suas obrigações.
poder estatal para garantir a proteção dos

● A Organização Internacional do Trabalho: direitos humanos. Com isso, o ser humano

Entende-se que o antecedente que mais passou a ser considerado sujeito do direito

contribuiu para a formação do Direito internacional público. A partir do sistema

Internacional dos Direitos Humanos foi a global, a ONU passou a ser o grande foro

Organização Internacional do Trabalho, mundial de debates sobre temas envolvendo

criada, finda a Primeira Guerra Mundial, com direitos humanos e sua proteção.35 São

o objetivo de estabelecer critérios básicos de exemplos de instrumentos oriundos do

proteção ao trabalhador, regulando sua sistema global: Declaração Universal dos

condição no plano internacional.33 Direitos Humanos; Pacto Internacional Sobre

Direitos Civis e Políticos; e as Convenções

Internacionais de Combate à Tortura, à

4.1 Estrutura Normativa do Sistema Internacional Discriminação Racial, à Discriminação Contra

de Proteção as Mulheres, à Violação dos Direitos das

Crianças etc.
A estrutura normativa do sistema
● Sistemas Regionais: Além dos instrumentos
internacional de proteção dos direitos humanos
de proteção global, existem instrumentos de
conforma-se em instrumentos de caráter global e
proteção regional, pertencentes aos
regional.
sistemas europeu, americano e africano.

34
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 55.
33 35
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 54. São Paulo: 2021, p. 55.

DIREITOS HUMANOS - 11

DIREITOS HUMANOS 12
Na atualidade, o sistema mais desenvolvido é solução no sistema regional em que a violação de

o europeu, levando em consideração que direitos humanos ocorreu37

esse sistema teve seu surgimento antes dos

demais. Por sua vez, o sistema cujo

desenvolvimento pode ser considerado 4.3 Corte Internacional de Justiça


“intermediário” é o interamericano (do qual
A Corte Internacional de Justiça integra o
faz parte o Brasil). Por fim, o sistema mais
sistema onusiano e, nos últimos tempos, tem ganhado
incipiente é o africano de direitos humanos,
grande relevância na proteção dos direitos humanos. A
cuja Corte respectiva poucos casos julgou até
CIJ é o principal órgão judicial da ONU, sua atuação,
o momento.36
porém, atinge somente Estados, não indivíduos

(apenas o Tribunal Penal Internacional julga pessoas

físicas) ou organizações internacionais


4.2 Complementaridade dos Sistemas
intergovernamentais.

Todos esses sistemas de proteção (o global e


Nesse sentido, tanto os indivíduos quanto as
os regionais) devem ser entendidos como
organizações intergovernamentais não podem ser
coexistentes e complementares uns dos outros, uma
autores ou rés de qualquer ação contra um Estado
vez que direitos idênticos são protegidos por vários
perante a CIJ. Em que pese tal regramento, percebe-se
desses sistemas ao mesmo tempo, cabendo ao
que, atualmente, a CIJ tem cada vez mais se
indivíduo escolher qual o aparato mais favorável que
aproximado da proteção da pessoa em suas decisões,
deseja utilizar para vindicar, no plano internacional,
ainda que de forma indireta, reconhecendo que os
seus direitos violados. Ou seja, os sistemas de
indivíduos têm direitos imediatos garantidos por
proteção não devem ser vistos como algo fechado ou
tratados internacionais e que os Estados devem levar
que não se comunicam com os demais.
em conta esses direitos quando aplicam ou

A título de exemplo, a não resolução de um interpretam quaisquer normas internacionais de que

caso concreto em um dos sistemas regionais (europeu, são partes.38

africano ou interamericano) não impossibilita que a


Assim, há um movimento em que a CIJ vai
vítima se dirija às Nações Unidas para vindicar o
gradativamente deixando de ser um tribunal centrado
mesmo direito, previsto em tratado pertencente ao
em Estados, para se tornar um tribunal também
sistema global. Essa lógica também aplicável
pautado na proteção dos seres humanos.
inversamente, isto é, não encontrada a solução no

sistema global, a vítima em causa pode buscar a

37
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 56.
36 38
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 55. São Paulo: 2021, p. 57.

DIREITOS HUMANOS - 12

DIREITOS HUMANOS 13
internacional e no desenvolvimento das relações
AS NAÇÕES UNIDAS E A
pacíficas entre as Nações.40

PROMOÇÃO UNIVERSAL DOS Diversos dispositivos da Carta da ONU fazem

referência expressa à proteção dos direitos humanos,


DIREITOS HUMANOS
vejamos alguns:

“Art. 1.º Os propósitos das Nações Unidas

5.1 A Carta da ONU são: (...) 3. Conseguir uma cooperação

internacional para resolver os problemas


Foi a partir de 1945, quando da adoção da
internacionais de caráter econômico, social,
Carta das Nações Unidas, no segundo pós-Guerra, que cultural ou humanitário, e para promover e
o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou estimular o respeito aos direitos humanos e
a verdadeiramente se desenvolver e a se efetivar como às liberdades fundamentais para todos, sem
ramo autônomo do direito internacional público. distinção de raça, sexo, língua ou religião”;

Foi com o nascimento das Nações Unidas “Art. 13. 1. A Assembleia Geral iniciará

que teve início uma nova ordem internacional que estudos e fará recomendações, destinados

instaura um novo modelo de conduta nas relações a: (...) b) promover cooperação internacional

internacionais, com preocupações que incluem a nos terrenos econômico, social, cultural,

manutenção da paz e a segurança internacional, o educacional e sanitário, e favorecer o pleno

gozo dos direitos humanos e das liberdades


desenvolvimento de relações amistosas entre os
fundamentais, por parte de todos os povos,
Estados, o alcance da cooperação internacional no
sem distinção de raça, língua ou religião”;
plano econômico, social e cultural, o alcance de um

padrão internacional de saúde, a proteção ao meio “Art. 55. Com o fim de criar condições de
ambiente, a criação de uma nova ordem econômica estabilidade e bem-estar, necessárias às

internacional e a proteção internacional dos direitos relações pacíficas e amistosas entre as

humanos. 39
Nações, baseadas no respeito ao princípio

da igualdade de direitos e da
Com a consolidação da Carta da ONU, o
autodeterminação dos povos, as Nações
respeito às liberdades fundamentais e aos direitos
Unidas favorecerão: (...) c) o respeito
humanos passou a ser preocupação internacional e universal e efetivo dos direitos humanos e
propósito básico das Nações Unidas. Nesse cenário, os das liberdades fundamentais para todos, sem
problemas internos dos Estados e suas relações com distinção de raça, sexo, língua ou religião”;
os seus cidadãos passam a fazer parte de um contexto

global de proteção, baseado na cooperação


40
39
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 60. São Paulo: 2021, p. 60.

DIREITOS HUMANOS - 13

DIREITOS HUMANOS 14
“Art. 56. Para a realização dos propósitos princípio, porém, não

enumerados no art. 55, todos os membros prejudicará a aplicação das

da Organização se comprometem a agir em medidas coercitivas constantes

cooperação com esta, em conjunto ou do Capítulo VII.”

separadamente”.
A partir de tal disposição, muitos Estados

buscam utilizá-lo como fundamento para impedir a

intervenção da ONU em conflitos, ainda que buscando


5.2 Reserva de Jurisdição Interna
o restabelecimento da paz. Ocorre que, o princípio
Tem sido comum a utilização pelos Estados deve ser interpretado no sentido de que o
da previsão contida no art. 2º, §7º, da Carta das impedimento (ou proibição de ingerência) ali previsto
Nações Unidas que estabelece o impedimento de deve estar relacionado a assuntos que dependam
intromissão da ONU em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer
essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado. Isto é, em situações em que os problemas não
Estado. O princípio da não ingerência (ou não dependam essencialmente da jurisdição interna de
intervenção) nasceu com a finalidade de impedir que qualquer Estado podem perfeitamente ser resolvidos
Estados com maior poderio (militar, político, na ordem internacional, por meio da Assembleia Geral
econômico etc.) subjulguem Estados mais fracos e a ou do Conselho de Segurança da ONU.42
eles imponham sua autoridade a qualquer custo. Daí a
Embora a Carta da ONU não defina o que se
necessidade de impedir, inclusive às Nações Unidas,
entende por assunto essencialmente interno, a
de intervirem nos assuntos domésticos de outros
doutrina, em geral, têm aceitado a orientação de
Estados quando tais assuntos dependam
serem essencialmente internas questões como a
essencialmente de sua jurisdição interna.41
definição do sistema político (e, consequentemente,
Vejamos o dispositivo citado: das instituições pelas quais o Estado se organiza) ou

do sistema de governo adotado (v.g., se


“Nenhum dispositivo da presente Carta
presidencialista ou parlamentarista) e, bem assim, a
autorizará as Nações Unidas a
determinação da ordem econômica, social ou cultural
intervirem em assuntos que
do Estado.43
dependam essencialmente da

jurisdição interna de qualquer


Outro ponto destacado por Mazuolli44 é que
Estado ou obrigará os
a solução de um litígio interno, sobretudo quando
membros a submeterem tais

assuntos a uma solução, nos 42


MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
termos da presente Carta; este São Paulo: 2021, p. 62.
43
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 62-63.
41 44
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 62. São Paulo: 2021, p. 63.

DIREITOS HUMANOS - 14

DIREITOS HUMANOS 15
relacionado à proteção dos direitos humanos, pode ser necessária a criação de dois pactos (hard law) com a

assunto cuja competência está mais ligada à ordem finalidade de dar operatividade técnica aos direitos

internacional que à ordem jurídica interna. Os direitos nela previstos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis

humanos e liberdades fundamentais e, ainda, outros e Políticos (Pacto Civil) e o Pacto Internacional sobre

assuntos tipicamente nacionais, como os relativos à Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pacto Social),

imigração, nacionalidade, trabalho e armamentos, não ambos concluídos em Nova York em 1966.45

são mais (como já o foram um dia) assuntos


Esses três instrumentos, em conjunto,
essencialmente internos dos Estados, ou que
constituem o que se convencionou chamar de “Carta
dependam essencialmente de sua jurisdição interna,
Internacional dos Direitos Humanos” (International
mas assuntos de legítimo interesse internacional.
Bill of Human Rights) e compõem o mosaico protetivo

Assim, em uma perspectiva mais atual, os


mínimo dos direitos humanos contemporâneos.
direitos humanos não fazem parte dos assuntos

internos dos Estados (muito menos dos

essencialmente internos) e que o princípio da não

intervenção não pode impedir a proteção desses

direitos nos planos interno e internacional.

5.3. Importância da Carta da ONU Para Declaração

Universal de 1948

Embora a Carta da ONU não defina o que

seriam os “direitos humanos e liberdades

fundamentais”, foi com ela que surgiu na sociedade

internacional a intenção verdadeira de definir de

forma clara tais expressões.

Somente com a Declaração Universal de

Direitos Humanos (1948), que é primeiro

instrumento internacional a estabelecer os direitos

inerentes a todos os homens e mulheres,

independentemente de quaisquer condições, como

raça, sexo, língua, religião, é que tais expressões foram

definidas de forma clara e precisa. Além da

proclamação da Declaração Universal fez-se também 45


MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 64.

DIREITOS HUMANOS - 15

DIREITOS HUMANOS 16
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
6.2. Estrutura
DIREITOS HUMANOS
A estrutura da DUDOH é bipartite, ao passo

que traz em seu bojo tanto direitos civis e políticos (1ª


6.1. Noções Gerais dimensão) quanto direitos sociais, econômicos e

culturais (2ª dimensão). Ademais, é composta de um


A Declaração que foi adotada e proclamada
preâmbulo e de trinta artigos.
em Paris, em 10 de dezembro de 1948, pela Resolução

217 A-III, da Assembleia Geral da ONU, tem como um A estrutura dual ou bipartite revela um
dos principais objetivos a positivação internacional dos caráter compromissório da Declaração, uma vez que
direitos mínimos dos seres humanos, conjuga ideais liberais com ideais sociais. Assim,
complementando, de certa maneira, aquelas preocupa-se tanto com a liberdade do indivíduo frente
proposições previstas da Carta da ONU. ao autoritarismo estatal quanto com a igualdade

material desses seres humanos, evitando distorções


Trata-se do instrumento considerado o
sociais gritantes.
“marco normativo fundamental” do sistema

protetivo das Nações Unidas, a partir do qual se A partir do seu art. 1º, a Declaração
fomentou a multiplicação dos tratados relativos a contempla uma série de direitos que são reproduzidos
46
direitos humanos em escala global. A DUDOH foi em diversas Constituições até os dias de hoje, tais
concebida para ser um verdadeiro “código de conduta como direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal
mundial”, no sentido de que todas as pessoas devem (art. 3.º); vedação de tortura ou a castigo cruel,
ser consideradas sujeito dos direitos humanos, sendo desumano ou degradante (art. 5.º); direito a ser julgado
estes universais e transponíveis de quaisquer por um tribunal justo e imparcial (art. 10); direito à
barreiras, sejam culturais, econômicas ou sociais. Em presunção de inocência (art. 11, §1º); liberdade de
suma, a dignidade da pessoa humana é intrínseca à locomoção (art. 13, §1º); direito de propriedade (art.
toda pessoa do planeta. 17, §1º e 2º); direito à justa remuneração pelo trabalho

prestado (art. 23, §2º); direito à educação básica (art.


Portanto, em linhas gerais, a Declaração
25, §1º); dentre outros.
Universal visa estabelecer um padrão mínimo para a

proteção dos direitos humanos em âmbito mundial,

servindo como paradigma ético e suporte axiológico


6.3. Natureza Jurídica
desses mesmos direitos.47

Prevalece na doutrina que a DUDH tem


46
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. natureza jurídica de “recomendação”, levando em
São Paulo: 2021, p. 67.
47 consideração que, por não ter passado pelos
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 68.

DIREITOS HUMANOS - 16

DIREITOS HUMANOS 17
procedimentos tanto internacionais como internos que

os tratados internacionais têm que passar desde a sua


6.4. Influência da DUDH
celebração até a sua entrada em vigor, não pode ser

considerada um tratado. A influência da Declaração Universal não se

restringe ao âmbito do direito internacional, atingindo


Em que pese não seja considerado um
também a ordem interna dos Estados e gerando
tratado stricto sensu, deve ser entendida,
diversas consequências práticas nos mais diversos
primeiramente, como a interpretação mais autêntica
ordenamentos.
da expressão “direitos humanos e liberdades

fundamentais''. Em segundo lugar, é possível qualificar No âmbito internacional, pode-se afirmar


a Declaração Universal como norma de jus cogens que a grande influência da DUDH se dá na qualidade
internacional.48 de fonte jurídica para os tratados internacionais de

proteção dos direitos humanos. Nesse sentido, ela tem


Mauzolli49 ressalta que a Corte
servido de paradigma e de referencial ético para a
Internacional de Justiça, no Caso do Pessoal
conclusão de inúmeros tratados internacionais de
Diplomático e Consular dos EUA em Teerã, na decisão
direitos humanos, quer do sistema global como dos
de 24 de maio de 1980, considerou a Declaração
contextos regionais.50
Universal como um costume que se encontra em pé

de igualdade com a Carta das Nações Unidas. A isso se Já no que diz respeito ao ordenamento
pode acrescentar que a Declaração Universal, por ser a interno brasileiro, a Declaração Universal serviu de
manifestação das regras costumeiras universalmente paradigma para a Constituição da República de 1988,
reconhecidas em relação aos direitos humanos, trazendo uma alta carga de proteção aos direitos
integra as normas do jus cogens internacional, em humanos em seu texto. É possível notar que muitos
relação às quais nenhuma derrogação é permitida, a dispositivos da Constituição são praticamente
não ser por norma de jus cogens posterior da mesma idênticos a alguns artigos da DUDH, não havendo
natureza, por deterem uma força anterior a todo o como negar a sua influência no constitucionalismo
direito positivo. brasileiro.

Dessa maneira, em que pese a natureza

jurídica da DUDH não seja de tratado internacional, é

evidente a sua grande influência nas relações

internacionais Pós Segunda Guerra, pois, como

explicado, é norma jus cogens internacional.

48
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 70.
49 50
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 71. São Paulo: 2021, p. 74.

DIREITOS HUMANOS - 17

DIREITOS HUMANOS 18
regulamento a parte liberal da DUDH (art. 1º ao 21),
PACTOS INTERNACIONAIS DA
que trata, sobretudo, de direitos humanos de 1ª

ONU E MECANISMOS Dimensão. Por sua vez, o Pacto Internacional dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais veio


CONVENCIONAIS DE regulamentar a parte social da Declaração Universal e

seus típicos direitos humanos de 2ª dimensão (arts. 22


MONITORAMENTO
a 28).53

Os dois tratados, em conjunto, constituem o


7.1. Noções Gerais
núcleo-base da estrutura normativa do sistema global

de proteção dos direitos humanos. Com o surgimento


Embora a Declaração Universal de Direitos
desses instrumentos, formou-se a chamada “Carta
Humanos seja norma jus cogens internacional, ela não
Internacional dos Direitos Humanos” (International
previu meios técnicos para que alguém (que teve seus
Bill of Human Rights).
direitos violados) possa aplicá-la na prática. Ou seja,

não houve a previsão de meios para se vindicar os

direitos previstos naquele diploma.51


7.2. Mecanismos de Monitoramento
A partir dessa ausência de mecanismos

práticos para efetivação dos direitos previstos na Com o advento dos Pactos de 1966 foram

DUDH, tem-se procurado firmar vários pactos e criados mecanismos convencionais de monitoramento

convenções internacionais a fim de assegurar a dos direitos humanos, por meio da Organização das

proteção dos direitos humanos nela consagrados. Nações Unidas, a exemplo dos relatórios temáticos

Dentre os instrumentos, podemos citar dois como os (ou reports), em que cada Estado relata à ONU o modo

mais importantes: o Pacto Internacional sobre pelo qual está implementando os direitos humanos no

Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos país, e das comunicações interestatais, em que um dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos Estados-partes no acordo alega que outro

aprovados pela Assembleia Geral da ONU, em Nova Estado-parte incorreu ou está incorrendo

York, em 16 de dezembro de 1966.52 internamente em violação de direitos humanos em

flagrante descumprimento do tratado.54 Os


Nesse contexto, os Pactos de 1966 surgiram
mecanismos são chamados de convencionais porque
com a finalidade de conferir dimensão técnico-jurídica
foram criados por convenções internacionais
à Declaração Universal de 1948, tendo o Pacto
específicas.
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

51
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. 53
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 78.
52 São Paulo: 2021, p. 79.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. 54
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 78. São Paulo: 2021, p. 78.

DIREITOS HUMANOS - 18

DIREITOS HUMANOS 19
Existe, ainda, o mecanismo das petições não fazer estatal em face do indivíduo, vendando

individuais, previsto no Protocolo Facultativo Relativo intromissões arbitrárias.

ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,


O rol de direitos civis e políticos previsto no
segundo o qual é possível somente quando esgotados
Pacto é mais amplo que o da Declaração Universal,
os recursos internos quanto à reclamação dos direitos
além de mais rigoroso na afirmação da obrigação dos
humanos violados.
Estados em respeitar os direitos nele consagrados.
55
Mazuolli identifica duas características dos Logo de início (art. 2.º) já se exige o compromisso dos

mecanismos convencionais: Estados-partes em garantir a todos os indivíduos que

se encontrem em seu território e que estejam sujeitos


● destinam-se a proteger os direitos
à sua jurisdição (sejam eles nacionais ou não) os
consagrados nos tratados que os instituíram;
direitos reconhecidos no tratado, sem discriminação
e
alguma.56

● autorizam o exame dos relatórios estatais e


É importante ressaltar que o Pacto dos
das petições individuais apenas
Direitos Civis e Políticos não versa os direitos
relativamente aos Estados que ratificaram a
econômicos, sociais e culturais incorporados na
convenção que os estabeleceu.
Declaração Universal nos seus arts. 22 a 27, uma vez

que esses direitos foram objeto do Pacto Internacional

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.57


7.3. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos O Pacto prevê, em seus arts. 28 a 45,

mecanismos de supervisão e monitoramento dos


O Pacto foi aprovado pela Assembleia Geral
direitos que ele elenca, tendo instituído também um
da ONU em 16 de dezembro de 1966, porém, somente
Comitê de Direitos Humanos que visa supervisionar o
foi promulgado no ordenamento brasileiro pelo
cumprimento dos direitos nele garantidos.
Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992.
O Comitê de Direitos Humanos tem, então,
O instrumento em estudo deu efetividade e
um papel de monitoramento relativamente à
obrigatoriedade aos direitos civis e políticos previstos
implementação pelos Estados dos direitos previstos no
na Declaração Universal de Direitos Humanos. Como
Pacto. Entretanto, para além dessa função de
sabido, os direitos civis e políticos são tipicamente
supervisão, o Comitê também tem duas outras
classificados como direitos humanos de 1ª
atribuições fundamentais58:
dimensão, sendo típicos de um estado liberal, que

exigem uma abstenção do estado, uma obrigação de 56


MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 81
57
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 81
55 58
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 80. São Paulo: 2021, p. 82.

DIREITOS HUMANOS - 19

DIREITOS HUMANOS 20
● A primeira, com previsão no art. 41 do ser vítimas de violação, por um Estado-parte, de

Pacto, é de natureza conciliatória e faculta qualquer dos direitos enunciados no Pacto. Com isso,

ao Comitê receber as comunicações de um permitiu-se a capacidade processual internacional dos

Estado contra outro, quando se alega que indivíduos, abrindo a possibilidade de utilização direta

um deles não cumpriu as suas obrigações do direito de petição individual.

decorrentes do tratado.
O mecanismo de petições individuais

● A segunda é de natureza investigatória encontra alguns requisitos previstos no art. 5.º, § 2.º,

(também chamada de quase judicial) e não do Protocolo Facultativo, constituindo verdadeiras

decorre do Pacto Internacional sobre condições de admissibilidade, vejamos:

Direitos Civis e Políticos, mas do seu


“ARTIGO 5º (...)
Protocolo Facultativo, também adotado

pela Assembleia Geral da ONU em 1966. 2. O Comitê não examinará nenhuma

comunicação de um indivíduo sem se

assegurar de que:

7.4. Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional


a) A mesma questão não esteja sendo
sobre Direitos Civis e Políticos examinada por outra instância internacional

de inquérito ou de decisão;
O protocolo facultativo, que entrou em vigor

23 de março de 1976 e foi aprovado foi aprovado no b) O indivíduo esgotou os recursos internos
Brasil apenas em 16 de junho de 2009, pelo Decreto disponíveis. Esta regra não se aplica se a

Legislativo n. 311/2009, tem como finalidade assegurar aplicação desses recursos é

o melhor resultado dos objetivos do Pacto, para o qual injustificadamente prolongada.”

faculta ao Comitê de Direitos Humanos (criado pelo


O requisito previsto na alínea “a” é a
Pacto) receber e considerar petições individuais em
verificação de ausência de litispendência
caso de violações dos direitos humanos ali
internacional. Quanto ao requisito da alínea “b”,
consagrados (international accountability),
exige-se que sejam esgotados os recursos internos
sistemática que não foi versada pelo Pacto.59
antes da petição individual, essa regra é denominada

Um dos pontos de maior destaque do pela doutrina como “local remedies rule”. Porém,

Protocolo é o mecanismo de petições individuais, por ainda na alínea “b” há uma exceção a essa regra,

meios dos quais se abre a possibilidade, caso haja dispensando a exigência de prévio esgotamento dos

consentimento dos Estados, de atribuem ao Comitê a recursos internos quando a aplicação de tais recursos

competência para receber e examinar queixas de prolongar-se injustificadamente.

indivíduos que se achem sob sua jurisdição e alegam


É importante lembrarmos que o Protocolo
59
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
Facultativo ora estudado é juridicamente idêntico a
São Paulo: 2021, p. 83.

DIREITOS HUMANOS - 20

DIREITOS HUMANOS 21
qualquer outro tratado internacional, tendo as dar juridicidade aos preceitos da Declaração Universal

mesmas características destes e devendo passar pelos de 1948, sobretudo à sua segunda parte, que abrange

mesmos trâmites internos. Contudo, eventual falta de os arts. 22 a 27. Além disso, contém um elenco de

promulgação executiva não retira a sua eficácia, por direitos muito mais amplo e mais bem elaborado que

terem os tratados de direitos humanos aplicabilidade o da Declaração Universal, sendo o primeiro

imediata na ordem interna.60 instrumento jurídico do âmbito das Nações Unidas a

detalhar esses direitos chamados de “segunda geração


Por fim, não podemos deixar de lembrar que
ou dimensão”.63
houve um Segundo Protocolo Facultativo (também

chamado de Protocolo Adicional) ao Pacto As disposições constantes do Pacto dos

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são exemplo

à abolição da pena de morte, tendo sido adotado e daquilo que se convencionou chamar de normas de

proclamado pela Resolução n. 44/128 da Assembleia caráter programático64. Nesse sentido, estabelece a

Geral da ONU, de 15 de dezembro de 1989. No Brasil, obrigação de o Estado adotar medidas, inclusive pela

foi aprovado junto do Protocolo Facultativo ao Pacto assistência e cooperação internacionais, para

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos61 assegurar, progressivamente, o pleno exercício

daqueles direitos.65

Para Mazuolli, a grande diferença entre o


7.5. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Sociais e Culturais
(PIDESC) para o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos

O Pacto em análise foi aprovado pela (PIDCP) diz respeito às distintas obrigações jurídicas

Assembleia Geral da ONU em 16 de dezembro de que ambos impõem. Enquanto no PIDESC o Estado

1966, mas somente entrou em vigor em 1976, sendo precisa dispor de recursos financeiros (que são finitos)

considerado um marco por ter assegurado destaque para consecução dos direitos econômicos, sociais e

aos direitos econômicos, sociais e culturais, vencendo culturais, exigindo uma progressiva implementação

a resistência de vários Estados e mesmo da doutrina, dos mesmos ante a escassez de recursos, no âmbito

que viam os direitos sociais em sentido amplo como do PIDCP os direitos civis e políticos são uma obrigação

sendo meras recomendações ou exortações.62 imediata, sem condicionantes, para os Estados-partes,

em favor de todos os indivíduos que se encontrem em


Na esteira do Pacto Internacional sobre
sua jurisdição.66
Direitos Civis e Políticos, a finalidade do principal do

Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é 63


MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 85.
60
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. 64
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 84. São Paulo: 2021, p. 85.
61
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. 65
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 243. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 247.
62 66
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 246. São Paulo: 2021, p. 85.

DIREITOS HUMANOS - 21

DIREITOS HUMANOS 22
Muitos direitos foram previstos no Pacto Até o ano de 2008 era desconhecido o

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e mecanismo das petições individuais no âmbito do

Culturais, dentre os quais, destacam-se: PIDESC, entretanto, com o advento do Protocolo

autodeterminação dos povos (art. 1.º, § 1.º); liberdade Facultativo, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e

de escolha do trabalho (art. 6.º, § 1.º); filiação sindical Culturais fica habilitado a apreciar as petições

(art. 8º); direito à previdência social (art. 9.º); e o direito individuais (de pessoas ou grupos de pessoas) em que

de cada indivíduo de participar da vida cultural, se alega violação de um dos direitos econômicos,

desfrutar do progresso científico (art. 15, §1º). sociais e culturais enunciados no Pacto.70 Reafirma-se,

assim, a exigibilidade e a justiciabilidade de tais


O PIDESC também possui um sistema de
direitos e os equiparando, finalmente, ao regime
monitoramento que possui como principal mecanismo
jurídico internacional dos direitos civis e políticos.71
os relatórios que os Estados devem apresentar sobre

as medidas que tenham adotado e sobre o progresso Aqui, também há requisitos de

realizado, com o objetivo de assegurar a observância admissibilidade das petições individuais, com

dos direitos reconhecidos no Pacto.67 Os relatórios previsão no art. 3.º, §§ 1.º e 2.º, do Protocolo, vejamos:

devem ser encaminhados ao Secretário-Geral da ONU,


“ARTIGO 3
que enviará cópias ao Conselho Econômico e Social

para exame, bem como às agências especializadas, se Admissibilidade

os relatórios ou as partes a ele pertinentes tenham


1. O Comitê não deve considerar uma
relação com matérias da competência desses
comunicação a não ser que ele tenha se
organismos.68
certificado que todos os recursos internos

disponíveis tenham sido esgotados. Essa

não será a regra quando a aplicação de tais


7.6. Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional recursos seja injustificadamente
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prolongada.

O Protocolo Facultativo ao Pacto sobre 2. O Comitê deve declarar uma

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi aprovado comunicação inadmissível quando:

em 10 de dezembro de 2008 pela Assembleia Geral da


a) Ela não for submetida dentro de um ano
ONU, entrando em vigor em 2013. Vale ressaltar que,
após exauridos os recursos internos, exceto
até os dias atuais, o Brasil ainda não o ratificou.69
em casos em que o autor possa demonstrar

que não havia possibilidade de submeter a

comunicação dentro da data limite;


67
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 86.
68 70
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 251. São Paulo: 2021, p. 88.
69 71
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 252. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 252.

DIREITOS HUMANOS - 22

DIREITOS HUMANOS 23
b) Os fatos que são o objeto da com a finalidade de evitar possíveis danos irreparáveis,
comunicação ocorreram anteriormente à em circunstâncias excepcionais, a qualquer tempo
entrada em vigor do presente Protocolo depois do reconhecimento da comunicação e antes da
para o Estado Parte interessado, a não ser decisão de mérito (art. 5). Ademais, o Comitê pode
que tais fatos tenham continuado a ocorrer
disponibilizar os seus bons préstimos para a finalidade
após tal data;
de se alcançar um acordo amigável entre as partes

c) A mesma matéria já tenha sido interessadas, o qual encerrará a consideração da

examinada pelo Comitê, ou tenha sido ou comunicação (art. 6).73

está sendo examinada por outro


Por fim, outro mecanismo estabelecido no
procedimento de investigação ou acordo
Protocolo com a finalidade de fornecer meios para
internacional; d) Ela é incompatível com as
fazer cessar violações a direitos econômicos, sociais e
disposições do Pacto;
culturais é o procedimento de investigação (arts. 11 e
e) Ela é manifestamente mal fundamentada, 12), por meio do qual o Comitê convida o Estado Parte
não suficientemente comprovada ou a cooperar no exame de informações caso receba
exclusivamente baseada em relatos
informação confiável que indique graves ou
disseminados pela mídia;
sistemáticas violações pelo Estado de qualquer um dos

f) Ela é um abuso do direito de submeter direitos arrolados no Pacto.74

uma comunicação; ou

g) É anônima ou não é apresentada por

escrito.”

São também admitidas, na sistemática do

Protocolo, as comunicações interestatais ao Comitê,

pelas quais um Estado-parte alega que outro

Estado-parte não está a cumprir as suas obrigações

decorrentes do Pacto. Nesse caso, o recebimento e a

apreciação das comunicações só serão viáveis se o

Estado em causa declarar a competência do Comitê

para tal (art. 10).72

O Protocolo possibilita ainda que o Comitê

transmita ao Estado Parte interessado pedido de

medidas provisórias, para sua urgente consideração,


73
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 254.
72 74
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: 2021, p. 89. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 255.

DIREITOS HUMANOS - 23

DIREITOS HUMANOS 24
Esses mecanismos não convencionais criados
MECANISMOS GLOBAIS NÃO
pela Comissão funcionam até os dias atuais e vêm

CONVENCIONAIS DE PROTEÇÃO sendo aprimorados, bem como passaram a tratar

sobre os mais diversos temas, desde torturas até


DOS DIREITOS HUMANOS violência contra a mulher.

Vale ressaltar que esses mecanismos

Os mecanismos não convencionais são utilizados pelo Conselho são considerados não

aqueles não previstos originariamente em tratados convencionais porque a autorização que o Conselho

internacionais a que os Estados formalmente tem para investigar a situação dos direitos humanos

aderem. Assim, o fundamento desses mecanismos não nos países não provém de tratados, mas de

convencionais se encontra fora de qualquer tratado “resoluções” da Assembleia Geral ou do Conselho

internacional específico, tendo como supedâneo a Econômico e Social da ONU. Tais resoluções autorizam

própria Carta das Nações Unidas.75 o monitoramento dos direitos humanos em quaisquer

países, sejam ou não partes em tratados de direitos


A antiga Comissão (hoje Conselho) de
humanos, sejam ou não membros das Nações
Direitos Humanos da ONU sempre baseou sua
Unidas.77
atividade nos seus órgãos de cúpula para estabelecer

mecanismos capazes de monitorar os mesmos direitos

monitorados pelos referidos Comitês. Sob a forma de


8.1. A Resolução 1.235 do ECOSOC (apartheid e
Grupos de Trabalho (Working Groups) ou de
demais temas)
Relatores Temáticos (Thematic Rapporteurs), a

antiga Comissão logrou acompanhar a situação dos No ano de 1967, a partir das vindicações dos

direitos humanos em diversos países, agindo por países afro-asiáticos relativamente às violações de

iniciativa e vontade próprias. direitos humanos pelo regime do apartheid na África

Austral, a Comissão de Direitos Humanos colocou em


Dessa maneira, a Comissão, diferentemente
sua agenda a Resolução 1.235 (XLII) do ECOSOC,
do que se dá na sistemática dos mecanismos
visando verificar as violações aos direitos humanos
convencionais, não recebia para exame os relatórios
consagrados na DUDH (1948), bem como na
governamentais, mas investigava sozinha a situação
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas
dos direitos humanos em causa, baseada em
as Formas de Discriminação Racial (1965) e no Pacto
informações idôneas recebidas de governos, de
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966).
organizações não governamentais ou da sociedade

civil.76 Inicialmente, com base na Resolução em

75
comento, a Comissão de Direitos Humanos passou a
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 92.
76 77
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 93. São Paulo: 2021, p. 93.

DIREITOS HUMANOS - 24

DIREITOS HUMANOS 25
investigar as mais diversas violações de direitos

humanos e a política separatista do apartheid em


8.3. Revisão Periódica Universal
todos os países, porém, com o passar dos anos a

Resolução 1235 do ECOSOC passou a ter um objeto Trata-se de mais um mecanismo não
bem mais amplo, autorizando a investigação de convencional de monitoramento, instituído por meio
quaisquer questões relativas a direitos humanos em da Resolução 60/251 da Assembleia Geral da ONU. A
todo o mundo, e não somente relacionadas à finalidade do mecanismo é a implementação da
preconceito.78 chamada revisão por pares (peer review) em matéria

de direitos humanos.

Por meio desse mecanismo, todos os


8.2. A Resolução 1.503 do ECOSOC (procedimento
Estados-membros da ONU devem submeter
confidencial)
periodicamente à Organização relatórios sobre a

A resolução em análise veio para situação dos direitos humanos em seus respectivos

operacionalizar os trabalhos da a Comissão de Direitos territórios, sob o escrutínio dos demais países (ao que

Humanos da ONU, mormente quanto à investigação se denomina “escrutínio universal”). Dessa maneira, há

autorizada pela Resolução 1.235 do ECOSOC uma avaliação recíproca dos Estados no que concerne

(apartheid). Como forma de criar um procedimento à proteção dos direitos humanos no território de cada

para realização dos trabalhos desenvolvidos, fora qual, permitindo uma visualização ampla do cenário

previsto o chamado “procedimento confidencial”.79 mundial.81

Na sistemática da Resolução 1.503, a Também há a possibilidade de organizações

Subcomissão para Prevenção da Discriminação e não governamentais apresentarem relatórios sobre a

Proteção às Minorias, por meio da atuação de um situação dos direitos humanos em um dado Estado, é

grupo de trabalho, tem competência para analisar as o que se chama de relatório-sombra (shadow

comunicações sobre violação de direitos humanos report). Esses relatórios devem ser públicos e são

recebidas e decidir quais se submetem à Comissão de levados em consideração quando do escrutínio dos

Direitos Humanos, tudo de forma confidencial.80 Esse Estados.

mecanismo visa realizar uma filtragem das


A revisão por pares (peer review) também
“denúncias” recebidas e evitar interferências
existe no sistema regional africano desde 2003.
daqueles Estados que possivelmente estejam violando
Naquele contexto, por meio do African Peer Review
direitos humanos.
Mechanism (APRM), os países mutuamente se

78
supervisionam em relação às políticas que cada um
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 95.
79
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 95.
80 81
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 96. São Paulo: 2021, p. 99.

DIREITOS HUMANOS - 25

DIREITOS HUMANOS 26
vem adotando em matéria de democracia,

transparência e direitos humanos.82

82
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 100.

DIREITOS HUMANOS - 26

DIREITOS HUMANOS 27
Como reação a todas as barbáries cometidas
DIREITO INTERNACIONAL
no Holocausto, criou-se (por meio do Acordo de

PENAL Londres de 1945/46) o Tribunal de Nuremberg.

Instituído pelos governos da França, Estados Unidos,

Grã-Bretanha e da antiga União Soviética, o Tribunal


9.1. Os Tribunais Precursores representou a reação imediata da sociedade

internacional às violências e atrocidades cometidas


A criação do TPI decorreu, historicamente, da
durante o Holocausto, pois uniu forças para processar
necessidade de se efetivar a proteção internacional
e julgar os “grandes criminosos de guerra” que teriam
dos direitos humanos quando em jogo a ocorrência de
colaborado para o regime nazista e sua política
crimes bárbaros e ultrajantes à dignidade de toda a
discriminatória e violadora de direitos humanos.86
humanidade, tais como o genocídio, os crimes contra a

paz, os crimes de guerra e o crime de agressão.83 A partir de Nuremberg, vem à luz a

concepção contemporânea de Direito Internacional


A implementação direta do Direito
Penal, que pela primeira vez considerou aqueles
Internacional Penal por tribunais internacionais
indivíduos que agem em nome do Estado como
remonta ao artigo 227 do Tratado de Versailles, que
sujeitos ativos de condutas criminosas no plano
previa um “tribunal especial” com juízes das potências
internacional.
vencedoras para julgar o Kaiser Guilherme da

Alemanha vencida. A Holanda jamais extraditou o Em 1946, surgiu o segundo Tribunal


Kaiser, que lá obteve asilo após a Guerra e tal internacional da história do século XX, foi o Tribunal
84
julgamento nunca ocorreu. Em que pese a não Militar Internacional para o Extremo Oriente, com
efetivação do julgamento, surgiu um novo paradigma sede em Tóquio, criado por ato unilateral dos Estados
no âmbito do Direito Internacional: A responsabilidade Unidos e instituído para julgar os crimes de guerra e
internacional penal do indivíduo. crimes contra a humanidade perpetrados pelas antigas

autoridades políticas e militares do Japão imperial.87


Assim, podemos dizer que a partir das

atrocidades cometidas na Alemanha Nazista na Já no início da década de 1990, por


Segunda Guerra Mundial surgiu a necessidade de deliberação do Conselho de Segurança da ONU, foram
criação de uma instância penal internacional de também criados outros dois tribunais internacionais
caráter permanente e com capacidade para processar de caráter temporário: o Tribunal Penal Internacional
e punir aqueles criminosos que violam barbaramente para os crimes contra o Direito Humanitário cometidos
85
os direitos de toda a humanidade. na ex-Iugoslávia, desde 1991; e outro para julgar as

83
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 148.
84 86
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 787. São Paulo: 2021, p. 149.
85 87
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: 2021, p. 149. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 789.

DIREITOS HUMANOS - 27

DIREITOS HUMANOS 28
violações de direitos de idêntica gravidade perpetrados 9.2. O Estatuto de Roma e O Tribunal Penal

em Ruanda. Internacional

Esses tribunais são importantes porque Após anos de negociação no seio das Nações

codificaram os elementos de crimes internacionais Unidas, em 1998, durante Conferência

(como genocídio, crime contra a humanidade e crimes Intergovernamental em Roma (Itália), foi adotado o

de guerra) associados ao devido processo legal, com texto do tratado internacional que cria o Tribunal

direitos da defesa. Também adotaram o princípio da Penal Internacional (TPI), também chamado de

primazia da jurisdição internacional em “Estatuto de Roma”.91 A finalidade do referido estatuto

detrimento da jurisdição nacional, dado o momento foi a de constituir um tribunal internacional com

de desconfiança contra as instituições locais.88 jurisdição criminal permanente, dotado de

personalidade jurídica própria, com sede na Haia, na


Em que pese a importância histórica desses
Holanda92
Tribunais, muitas críticas recaem sobre o fato de que

eles violaram a regra basilar do direito penal segundo O TPI é dotado de características próprias e

a qual o juiz, assim como a lei, deve ser pré-constituído peculiares que o diferenciam dos demais tribunais

ao cometimento do crime e não ex post facto.89 Em internacionais, quais sejam:

termos mais simples, violavam o princípio do juiz


● Natureza supraconstitucional
natural, como se os fins (punição daqueles que
(centrífuga): Trata-se um tratado especial de
cometeram crimes gravíssimos) justificassem os meios
natureza centrífuga, cujas normas derrogam
(instituição de um tribunal de exceção).
(superaram) todo tipo de norma do Direito

Foi nesse contexto de críticas que interno. Os tratados ou normas de direitos

aceleraram-se os esforços das Nações Unidas para a humanos centrífugos são os que regem as

constituição de um Tribunal Internacional Penal relações jurídicas dos Estados ou dos

permanente, para julgar os indivíduos acusados de indivíduos com a chamada jurisdição global

cometer crimes de jus cogens posteriores à data de (ou universal). Denominam-se centrífugos

instalação do tribunal (evitando-se o estigma do exatamente porque são tratados que saem

tribunal ad hoc e as críticas aos “tribunais de exceção”), do centro, ou seja, da jurisdição comum,
90
sob o pálio do devido processo legal. normal ou ordinária, retirando o sujeito ou o

Estado do seu centro para levá-los à

autoridade da justiça universal.93

88
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. 91
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 791. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 792.
89
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. 92
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 150. São Paulo: 2021, p. 151.
90 93
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 791. São Paulo: 2021, p. 152.

DIREITOS HUMANOS - 28

DIREITOS HUMANOS 29
● Tribunal Independente: Diferente dos 9.3. Estrutura e Funcionamento do TPI

tribunais ad hoc da ex--Iugoslávia e Ruanda,


O Estatuto do TPI é composto por 128 artigos
criados pelo Conselho de Segurança da ONU,
com um preâmbulo e dividido em treze partes. Os
o TPI tem personalidade jurídica própria94,
crimes referidos no preâmbulo do Estatuto são
não depende de qualquer tipo de ingerência
imprescritíveis e podem ser catalogados em quatro
externa ou do Direito interno de qualquer
categorias (competência ratione materiae):
Estado, podendo, inclusive, demandar

nacionais de Estados não partes no ● crime de genocídio;


Estatuto.95
● crimes contra a humanidade;
● Órgão Subsidiário: O TPI possui um caráter
● crimes de guerra; e
subsidiário (princípio da

complementaridade) em relação às ● crime de agressão.


jurisdições penais internas. Isto é, a
Porém, há a possibilidade de os Estados
jurisdição do TPI só intervirá quando o direito
emendarem o Estatuto e ampliarem o rol desses
interno for omisso, insuficiente ou incapaz de
crimes (hoje restritos às quatro espécies), permitindo
solucionar a questão. Logo, funciona como
que o TPI seja instrumento do incremento do número
ultima ratio, cabendo aos Estados a
de crimes internacionais em sentido estrito98.
responsabilidade primária de investigar e

processar os crimes cometidos pelos seus No que tange à competência temporal


96
nacionais. (ratione temporis) do Tribunal, a Corte somente pode

operar relativamente aos crimes cometidos após a sua


● Justiça Automática: O TPI não depende,
instituição, ou seja, depois de 1.º de julho de 2002,
para o seu pleno funcionamento, de
data em que o seu Estatuto entrou em vigor
qualquer aceite do Estado da sua
internacional.
competência jurisdicional, operando

automaticamente desde a data de sua Quanto à competência ratione personae, a


97
entrada em vigor. regra é que o Tribunal só exerce sua jurisdição para

pessoas físicas maiores de 18 anos. Logo, podemos

concluir que não se inserem na competência do TPI os

Estados, as organizações internacionais e as pessoas

jurídicas de direito privado.99


94
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 793.
95
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 152.
96 98
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: 2021, p. 153. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 795.
97 99
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 153. São Paulo: 2021, p. 154.

DIREITOS HUMANOS - 29

DIREITOS HUMANOS 30
Já em relação ao âmbito espacial, a jurisdição ● Uma Seção de Recursos, uma Seção de

do TPI só pode ser exercida em quatro hipóteses, ou Julgamento em Primeira Instância e uma

seja, quando o crime de jus cogens sujeito à jurisdição Seção de Instrução;

do Tribunal for:
● Gabinete do Promotor (chamado pelo

● cometido no território de um Estado Parte; Estatuto de Procurador); e

● ou por um nacional do Estado Parte; ● Secretaria (competente para assuntos não

judiciais da administração do Tribunal).


● ou por meio de declaração específica do

Estado não contratante (caso o crime tiver Devemos ter atenção, também, às questões

ocorrido em seu território ou for cometido relativas à admissibilidade de um caso perante o

por seu nacional); Tribunal, nos termos do art. 17 do Estatuto, vejamos:

● ou, na ausência de quaisquer hipóteses “Artigo 17

anteriores, ter o Conselho de Segurança


Questões Relativas à Admissibilidade
adotado resolução vinculante adjudicando o

caso ao Tribunal Penal Internacional. 1. Tendo em consideração o décimo

parágrafo do preâmbulo e o artigo 1o, o


A composição do Tribunal é de 18 juízes,
Tribunal decidirá sobre a não
número que poderá ser aumentado por proposta de admissibilidade de um caso se:
sua Presidência. Os juízes são eleitos por um mandato
a) O caso for objeto de inquérito ou de
máximo de nove anos, sem a possibilidade de
procedimento criminal por parte de um
reeleição. Na primeira eleição, um terço dos juízes
Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo,
eleitos será selecionado por sorteio para exercer um
salvo se este não tiver vontade de levar a
mandato de três anos; outro terço será selecionado,
cabo o inquérito ou o procedimento ou, não
também por sorteio, para exercer um mandato de seis
tenha capacidade para o fazer;
anos; e os restantes exercerão o mandato de nove

anos.100 b) O caso tiver sido objeto de inquérito por

um Estado com jurisdição sobre ele e tal


O Tribunal é composto pelos seguintes
Estado tenha decidido não dar seguimento ao
órgãos, nos termos do art. 34 do Estatuto: procedimento criminal contra a pessoa em

causa, a menos que esta decisão resulte do


● Presidência (responsável pela administração
fato de esse Estado não ter vontade de
da Corte);
proceder criminalmente ou da sua

incapacidade real para o fazer;

100
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 154.

DIREITOS HUMANOS - 30

DIREITOS HUMANOS 31
c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela (assassinato).102 O art. 6º do Estatuto de
conduta a que se refere a denúncia, e não Roma define o genocídio como sendo o ato
puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do ou atos cometidos com a intenção de
disposto no parágrafo 3o do artigo 20; destruir, no todo ou em parte, um grupo

nacional, étnico, racial ou religioso. Assim,


d) O caso não for suficientemente grave para

justificar a ulterior intervenção do Tribunal.” exige-se dolo específico de “destruir, no todo

ou em parte”. Esses atos de destruição

podem ser praticados de diversas formas,

9.4. Reservas ao Estatuto de Roma havendo um rol exemplificativo no art. 6º,

vejamos:
Há vedação expressa no art. 120 do Estatuto

que impede sua ratificação ou adesão com reservas, “Artigo 6º

ou seja, não é possível reservas ao conteúdo do


Para os efeitos do presente Estatuto,
Estatuto. Essa vedação tem por finalidade evitar os entende-se por "genocídio", qualquer um
eventuais conflitos de interpretação existentes sobre dos atos que a seguir se enumeram,
quais reservas são e quais não são admitidas pelo praticado com intenção de destruir, no todo
direito internacional, retirando dos países cépticos a ou em parte, um grupo nacional, étnico,

possibilidade de escusa para o cumprimento de suas racial ou religioso, enquanto tal:

obrigações.101
a) Homicídio de membros do grupo;

b) Ofensas graves à integridade física ou

9.5. Competência Material do TPI mental de membros do grupo;

O TPI é competente para julgar, com caráter c) Sujeição intencional do grupo a condições

de vida com vista a provocar a sua


permanente e independente, os crimes mais graves
destruição física, total ou parcial;
que afetam todo o conjunto da sociedade

internacional dos Estados e que ultrajam a consciência d) Imposição de medidas destinadas a


da humanidade. Como já visto, a competência do impedir nascimentos no seio do grupo;
Tribunal abrange quatro espécies de crimes.
e) Transferência, à força, de crianças do

a) Crime de Genocídio: O genocídio é termo grupo para outro grupo.”

que foi cunhado por Lemkin em livro de 1944

ao se referir às técnicas nazistas de ocupação

de território na Europa, tendo se inspirado b) Crimes Contra a Humanidade: Os crimes

nas partículas genos (raça, tribo) e cídio contra a humanidade foram introduzidos no

101 102
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
ed. São Paulo: 2021, p. 156. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 800.

DIREITOS HUMANOS - 31

DIREITOS HUMANOS 32
Direito Internacional pelo Estatuto de d) Deportação ou transferência forçada de

Londres de 1945 (que criou o conhecido uma população;

“Tribunal de Nuremberg”).103 O Estatuto de


e) Prisão ou outra forma de privação da
Roma confirmou essa autonomia do crime
liberdade física grave, em violação das
contra a humanidade em seu art. 7º, que
normas fundamentais de direito
define ser o crime contra a humanidade um internacional;
determinado ato de violação grave de
f) Tortura;
direitos humanos, realizado em um quadro

de ataque generalizado ou sistemático g) Agressão sexual, escravatura sexual,


contra a população civil, havendo prostituição forçada, gravidez forçada,
conhecimento desse ataque. O objetivo, pois, esterilização forçada ou qualquer outra

é punir aqueles indivíduos que se utilizam do forma de violência no campo sexual de

aparato estatal para realizar graves violações gravidade comparável;

de direitos humanos, atacando de maneira


h) Perseguição de um grupo ou coletividade
generalizada a população civil.
que possa ser identificado, por motivos

O art. 7º do Estatuto traz um rol políticos, raciais, nacionais, étnicos,

culturais, religiosos ou de gênero, tal como


exemplificativo de crimes contra a
definido no parágrafo 3o, ou em função de
humanidade:
outros critérios universalmente
“Artigo 7º reconhecidos como inaceitáveis no direito

internacional, relacionados com qualquer


1. Para os efeitos do presente Estatuto,
ato referido neste parágrafo ou com
entende-se por "crime contra a
qualquer crime da competência do Tribunal;
humanidade", qualquer um dos atos

seguintes, quando cometido no quadro de i) Desaparecimento forçado de pessoas;


um ataque, generalizado ou sistemático,
j) Crime de apartheid;
contra qualquer população civil, havendo

conhecimento desse ataque: k) Outros atos desumanos de caráter

semelhante, que causem intencionalmente


a) Homicídio;
grande sofrimento, ou afetem gravemente a
b) Extermínio; integridade física ou a saúde física ou

mental.”
c) Escravidão;

c) Crimes de Guerra: Os crimes de guerra


103
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. consistem em violações graves do Direito
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 801-802.

DIREITOS HUMANOS - 32

DIREITOS HUMANOS 33
Internacional Humanitário, que compreende a) As violações graves às Convenções de

os tratados e os costumes sobre os meios ou Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber,

condutas na guerra.104 Tais crimes são fruto qualquer um dos seguintes atos, dirigidos

de uma longa evolução do direito contra pessoas ou bens protegidos nos

termos da Convenção de Genebra que for


internacional humanitário, desde o século
pertinente:
passado, tendo sido impulsionado pelo

Comitê Internacional da Cruz Vermelha,


i) Homicídio doloso;
ganhando foros de juridicidade com as

quatro Convenções de Genebra (1949).105 Em ii) Tortura ou outros tratamentos

síntese, podemos dizer que se tratam de atos desumanos, incluindo as experiências

biológicas;
praticados durante conflitos armados com

meios ou instrumentos de guerra que não


iii) O ato de causar intencionalmente grande
sejam estritamente necessários para superar
sofrimento ou ofensas graves à integridade
o oponente, ou seja, não justificáveis por física ou à saúde;
necessidades militares.
iv) Destruição ou a apropriação de bens em
O art. 8º do Estatuto de Roma traz um rol larga escala, quando não justificadas por
exemplificativo muito extenso dos quaisquer necessidades militares e
crimes de guerra. executadas de forma ilegal e arbitrária;

Artigo 8o v) O ato de compelir um prisioneiro de

guerra ou outra pessoa sob proteção a


Crimes de Guerra
servir nas forças armadas de uma potência

1. O Tribunal terá competência para julgar inimiga;

os crimes de guerra, em particular quando


vi) Privação intencional de um prisioneiro de
cometidos como parte integrante de um
guerra ou de outra pessoa sob proteção do
plano ou de uma política ou como parte de
seu direito a um julgamento justo e
uma prática em larga escala desse tipo de
imparcial;
crimes.

vii) Deportação ou transferência ilegais, ou a


2. Para os efeitos do presente Estatuto,
privação ilegal de liberdade;
entende-se por "crimes de guerra":

viii) Tomada de reféns;

b) Outras violações graves das leis e


104
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. costumes aplicáveis em conflitos armados
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 803.
internacionais no âmbito do direito
105
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 157.

DIREITOS HUMANOS - 33

DIREITOS HUMANOS 34
internacional, a saber, qualquer um dos meios para se defender, se tenha

seguintes atos: incondicionalmente rendido;

i) Dirigir intencionalmente ataques à vii) Utilizar indevidamente uma bandeira de

população civil em geral ou civis que não trégua, a bandeira nacional, as insígnias

participem diretamente nas hostilidades; militares ou o uniforme do inimigo ou das

Nações Unidas, assim como os emblemas


ii) Dirigir intencionalmente ataques a bens
distintivos das Convenções de Genebra,
civis, ou seja bens que não sejam objetivos
causando deste modo a morte ou
militares;
ferimentos graves;

iii) Dirigir intencionalmente ataques ao


viii) A transferência, direta ou indireta, por
pessoal, instalações, material, unidades ou
uma potência ocupante de parte da sua
veículos que participem numa missão de
população civil para o território que ocupa
manutenção da paz ou de assistência
ou a deportação ou transferência da
humanitária, de acordo com a Carta das
totalidade ou de parte da população do
Nações Unidas, sempre que estes tenham
território ocupado, dentro ou para fora
direito à proteção conferida aos civis ou aos
desse território;
bens civis pelo direito internacional aplicável

aos conflitos armados; ix) Dirigir intencionalmente ataques a

edifícios consagrados ao culto religioso, à


iv) Lançar intencionalmente um ataque,
educação, às artes, às ciências ou à
sabendo que o mesmo causará perdas
beneficência, monumentos históricos,
acidentais de vidas humanas ou ferimentos
hospitais e lugares onde se agrupem
na população civil, danos em bens de
doentes e feridos, sempre que não se trate
caráter civil ou prejuízos extensos,
de objetivos militares;
duradouros e graves no meio ambiente que

se revelem claramente excessivos em x) Submeter pessoas que se encontrem sob

relação à vantagem militar global concreta e o domínio de uma parte beligerante a

direta que se previa; mutilações físicas ou a qualquer tipo de

experiências médicas ou científicas que não


v) Atacar ou bombardear, por qualquer
sejam motivadas por um tratamento
meio, cidades, vilarejos, habitações ou
médico, dentário ou hospitalar, nem sejam
edifícios que não estejam defendidos e que
efetuadas no interesse dessas pessoas, e
não sejam objetivos militares;
que causem a morte ou coloquem

seriamente em perigo a sua saúde;


vi) Matar ou ferir um combatente que tenha

deposto armas ou que, não tendo mais

DIREITOS HUMANOS - 34

DIREITOS HUMANOS 35
xi) Matar ou ferir à traição pessoas efeitos indiscriminados, em violação do

pertencentes à nação ou ao exército direito internacional aplicável aos conflitos

inimigo; armados, na medida em que tais armas,

projéteis, materiais e métodos de combate


xii) Declarar que não será dado quartel;
sejam objeto de uma proibição geral e

estejam incluídos em um anexo ao presente


xiii) Destruir ou apreender bens do inimigo,
Estatuto, em virtude de uma alteração
a menos que tais destruições ou apreensões
aprovada em conformidade com o disposto
sejam imperativamente determinadas pelas
nos artigos 121 e 123;
necessidades da guerra;

xxi) Ultrajar a dignidade da pessoa, em


xiv) Declarar abolidos, suspensos ou não
particular por meio de tratamentos
admissíveis em tribunal os direitos e ações
humilhantes e degradantes;
dos nacionais da parte inimiga;

xxii) Cometer atos de violação, escravidão


xv) Obrigar os nacionais da parte inimiga a
sexual, prostituição forçada, gravidez à
participar em operações bélicas dirigidas
força, tal como definida na alínea f) do
contra o seu próprio país, ainda que eles
parágrafo 2o do artigo 7o, esterilização à
tenham estado ao serviço daquela parte
força e qualquer outra forma de violência
beligerante antes do início da guerra;
sexual que constitua também um
xvi) Saquear uma cidade ou uma localidade, desrespeito grave às Convenções de
mesmo quando tomada de assalto; Genebra;

xvii) Utilizar veneno ou armas envenenadas; xxiii) Utilizar a presença de civis ou de outras

pessoas protegidas para evitar que


xviii) Utilizar gases asfixiantes, tóxicos ou
determinados pontos, zonas ou forças
outros gases ou qualquer líquido, material
militares sejam alvo de operações militares;
ou dispositivo análogo;

xxiv) Dirigir intencionalmente ataques a


xix) Utilizar balas que se expandem ou
edifícios, material, unidades e veículos
achatam facilmente no interior do corpo
sanitários, assim como o pessoal que esteja
humano, tais como balas de revestimento
usando os emblemas distintivos das
duro que não cobre totalmente o interior ou
Convenções de Genebra, em conformidade
possui incisões;
com o direito internacional;

xx) Utilizar armas, projéteis; materiais e


xxv) Provocar deliberadamente a inanição
métodos de combate que, pela sua própria
da população civil como método de guerra,
natureza, causem ferimentos supérfluos ou
privando-a dos bens indispensáveis à sua
sofrimentos desnecessários ou que surtam
sobrevivência, impedindo, inclusive, o envio

DIREITOS HUMANOS - 35

DIREITOS HUMANOS 36
de socorros, tal como previsto nas d) A alínea c) do parágrafo 2o do presente

Convenções de Genebra; artigo aplica-se aos conflitos armados que

não tenham caráter internacional e, por


xxvi) Recrutar ou alistar menores de 15 anos
conseguinte, não se aplica a situações de
nas forças armadas nacionais ou utilizá-los
distúrbio e de tensão internas, tais como
para participar ativamente nas hostilidades;
motins, atos de violência esporádicos ou

isolados ou outros de caráter semelhante;


c) Em caso de conflito armado que não seja

de índole internacional, as violações graves


e) As outras violações graves das leis e
do artigo 3o comum às quatro Convenções
costumes aplicáveis aos conflitos armados
de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a
que não têm caráter internacional, no
saber, qualquer um dos atos que a seguir se
quadro do direito internacional, a saber
indicam, cometidos contra pessoas que não
qualquer um dos seguintes atos:
participem diretamente nas hostilidades,

incluindo os membros das forças armadas i) Dirigir intencionalmente ataques à

que tenham deposto armas e os que população civil em geral ou civis que não

tenham ficado impedidos de continuar a participem diretamente nas hostilidades;

combater devido a doença, lesões, prisão ou


ii) Dirigir intencionalmente ataques a
qualquer outro motivo:
edifícios, material, unidades e veículos

i) Atos de violência contra a vida e contra a sanitários, bem como ao pessoal que esteja

pessoa, em particular o homicídio sob todas usando os emblemas distintivos das

as suas formas, as mutilações, os Convenções de Genebra, em conformidade

tratamentos cruéis e a tortura; com o direito internacional;

ii) Ultrajes à dignidade da pessoa, em iii) Dirigir intencionalmente ataques ao

particular por meio de tratamentos pessoal, instalações, material, unidades ou

humilhantes e degradantes; veículos que participem numa missão de

manutenção da paz ou de assistência


iii) A tomada de reféns;
humanitária, de acordo com a Carta das

Nações Unidas, sempre que estes tenham


iv) As condenações proferidas e as
direito à proteção conferida pelo direito
execuções efetuadas sem julgamento prévio
internacional dos conflitos armados aos civis
por um tribunal regularmente constituído e
e aos bens civis;
que ofereça todas as garantias judiciais

geralmente reconhecidas como


iv) Atacar intencionalmente edifícios
indispensáveis.
consagrados ao culto religioso, à educação,

às artes, às ciências ou à beneficência,

monumentos históricos, hospitais e lugares

DIREITOS HUMANOS - 36

DIREITOS HUMANOS 37
onde se agrupem doentes e feridos, sempre causem a morte ou ponham seriamente a

que não se trate de objetivos militares; sua saúde em perigo;

v) Saquear um aglomerado populacional ou xii) Destruir ou apreender bens do inimigo, a

um local, mesmo quando tomado de menos que as necessidades da guerra assim

assalto; o exijam;

vi) Cometer atos de agressão sexual, f) A alínea e) do parágrafo 2o do presente

escravidão sexual, prostituição forçada, artigo aplicar-se-á aos conflitos armados

gravidez à força, tal como definida na alínea que não tenham caráter internacional e, por
o o
f do parágrafo 2 do artigo 7 ; esterilização à conseguinte, não se aplicará a situações de

força ou qualquer outra forma de violência distúrbio e de tensão internas, tais como

sexual que constitua uma violação grave do motins, atos de violência esporádicos ou
o
artigo 3 comum às quatro Convenções de isolados ou outros de caráter semelhante;

Genebra; aplicar-se-á, ainda, a conflitos armados que

tenham lugar no território de um Estado,


vii) Recrutar ou alistar menores de 15 anos
quando exista um conflito armado
nas forças armadas nacionais ou em grupos,
prolongado entre as autoridades
ou utilizá-los para participar ativamente nas
governamentais e grupos armados
hostilidades;
organizados ou entre estes grupos.

viii) Ordenar a deslocação da população civil


3. O disposto nas alíneas c) e e) do parágrafo
por razões relacionadas com o conflito,
2o, em nada afetará a responsabilidade que
salvo se assim o exigirem a segurança dos
incumbe a todo o Governo de manter e de
civis em questão ou razões militares
restabelecer a ordem pública no Estado, e
imperiosas;
de defender a unidade e a integridade

territorial do Estado por qualquer meio


ix) Matar ou ferir à traição um combatente
legítimo.
de uma parte beligerante;

x) Declarar que não será dado quartel;

d) Crime de Agressão: O crime de agressão


xi) Submeter pessoas que se encontrem sob
não estava previsto originalmente no
o domínio de outra parte beligerante a

mutilações físicas ou a qualquer tipo de Estatuto de Roma, tendo decorrido da

experiências médicas ou científicas que não Resolução n. 6, de 11 de junho de 2010,

sejam motivadas por um tratamento aprovada na Primeira Conferência de Revisão

médico, dentário ou hospitalar nem sejam do Estatuto de Roma do Tribunal Penal

efetuadas no interesse dessa pessoa, e que Internacional. Na citada conferência, definiu

DIREITOS HUMANOS - 37

DIREITOS HUMANOS 38
o crime de agressão como sendo “o 3. Nos termos do presente Estatuto, será

planejamento, início ou execução, por uma considerado criminalmente responsável e

pessoa em posição de efetivo controle ou poderá ser punido pela prática de um crime

direção da ação política ou militar de um da competência do Tribunal quem:

Estado, de um ato de agressão que, por suas


a) Cometer esse crime individualmente ou
características, gravidade e escala, constitua em conjunto ou por intermédio de outrem,
uma violação manifesta da Carta das Nações quer essa pessoa seja, ou não,
106
Unidas”. criminalmente responsável;

Entretanto, somente em 2017 a Assembleia b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática

dos Estados-partes ativou a jurisdição do TPI desse crime, sob forma consumada ou sob a

para o crime de agressão. Por fim, forma de tentativa;

destaque-se terem os arts. 15 bis e 15 ter do


c) Com o propósito de facilitar a prática
Estatuto (também incluídos pelo acordo de
desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou
emenda) estabelecido, respectivamente, as
colaborar de algum modo na prática ou na
condições de exercício da jurisdição do
tentativa de prática do crime,
Tribunal para o crime de agressão em casos nomeadamente pelo fornecimento dos
de remessa por um Estado ou iniciativa meios para a sua prática;
própria e de remessa pelo Conselho de
d) Contribuir de alguma outra forma para a
Segurança.107
prática ou tentativa de prática do crime por

um grupo de pessoas que tenha um objetivo

comum. Esta contribuição deverá ser


9.6. A Responsabilidade Penal Individual
intencional e ocorrer, conforme o caso:

A responsabilidade penal internacional dos


i) Com o propósito de levar a cabo a
indivíduos confere ao Tribunal a competência para
atividade ou o objetivo criminal do grupo,
julgar e punir pessoas físicas. O art. 25, §3º, quando um ou outro impliquem a prática de
estabelece quem será considerado criminalmente um crime da competência do Tribunal; ou
responsável e poderá ser punido, vejamos:
ii) Com o conhecimento da intenção do
“Artigo 25 grupo de cometer o crime;

Responsabilidade Criminal Individual e) No caso de crime de genocídio, incitar,

direta e publicamente, à sua prática;


(...)

106
f) Tentar cometer o crime mediante atos
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 804. que contribuam substancialmente para a
107
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 159.

DIREITOS HUMANOS - 38

DIREITOS HUMANOS 39
sua execução, ainda que não se venha a público, em caso algum eximirá a pessoa em

consumar devido a circunstâncias alheias à causa de responsabilidade criminal nos

sua vontade. Porém, quem desistir da termos do presente Estatuto, nem

prática do crime, ou impedir de outra forma constituirá de per se motivo de redução da

que este se consuma, não poderá ser pena.

punido em conformidade com o presente


2. As imunidades ou normas de
Estatuto pela tentativa, se renunciar total e
procedimento especiais decorrentes da
voluntariamente ao propósito delituoso.
qualidade oficial de uma pessoa; nos termos

4. O disposto no presente Estatuto sobre a do direito interno ou do direito

responsabilidade criminal das pessoas internacional, não deverão obstar a que o

físicas em nada afetará a responsabilidade Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa

do Estado, de acordo com o direito pessoa.”

internacional.”

Como visto acima (art. 25, §4º), a


9.7. Penas e Ordens de Prisão Processual no TPI
responsabilidade da pessoa física não prejudica a

responsabilidade do Estado. Outro ponto a se destacar Para os crimes punidos pelos TPI não há
é que as imunidades ou os privilégios especiais que uma pena em abstrato prevista, ou seja, não há
possam ser concedidos aos indivíduos em função de previsão de intervalo específico de pena por tipo de
sua condição como ocupantes de cargos ou funções crime. Dessa maneira, o Tribunal pode impor à pessoa
estatais, segundo o seu direito interno ou o próprio condenada pena de prisão por um número
direito internacional, não constituem impedimento a determinado de anos, até o limite máximo de 30 anos;
que o Tribunal exerça a sua jurisdição relativamente a ou ainda a pena de prisão perpétua, se o elevado grau
essas pessoas108, é o que estabelece o art. 27. de ilicitude do fato e as condições pessoais do

condenado o justificarem.109 Também é possível a


“Artigo 27
aplicação de penas de multa e da perda de bens ou
Irrelevância da Qualidade Oficial produtos do crime.

1. O presente Estatuto será aplicável de Ademais, existe a possibilidade de o Tribunal


forma igual a todas as pessoas sem impor medidas de detenção preventiva, solicitando
distinção alguma baseada na qualidade
que os Estados cumpram o pedido de entrega
oficial. Em particular, a qualidade oficial de
(surrender).
Chefe de Estado ou de Governo, de membro

de Governo ou do Parlamento, de

representante eleito ou de funcionário

108 109
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
ed. São Paulo: 2021, p. 160. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 813.

DIREITOS HUMANOS - 39

DIREITOS HUMANOS 40
catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu bloco
INCORPORAÇÃO DOS
de constitucionalidade.111

TRATADOS DE DIREITOS
HUMANOS NO BRASIL 10.2. Terminologia

A Constituição Federal de 1988 utiliza os


10.1. Introdução termos “tratados internacionais”, “convenção

internacional”, “atos internacionais”, “acordos


A Constituição brasileira de 1988 deu um
internacionais” e “compromissos internacionais” como
importante passo rumo à abertura do nosso sistema
sinônimos.
jurídico ao sistema internacional de proteção dos

direitos humanos, quando, no § 2.º do seu art. 5.º, Portanto, a Constituição de 1988, seguindo a
estabeleceu: tradição constitucional brasileira, adota essa

multiplicidade de termos da prática internacional,


“Art. 5º (...)
considerando-os equivalentes.112
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta

Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por


10.3. A Teoria da Junção de Vontades
ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República A Constituição exigiu um procedimento


Federativa do Brasil seja parte.” complexo que une a vontade concordante dos

Poderes Executivo e do Legislativo no plano federal


A partir desse dispositivo, podemos concluir
no que tange à formação e incorporação de tratados
que os tratados internacionais de direitos humanos
ao ordenamento interno.
ratificados pelo Brasil têm índole e nível

constitucionais, além de aplicação imediata, não A participação dos dois Poderes na


110
podendo ser revogados por lei ordinária posterior. formação da vontade brasileira em celebrar

definitivamente um tratado internacional consagrou a


Partindo de uma interpretação que os
chamada “teoria da junção de vontades ou teoria dos
direitos e garantias expressos no texto constitucional
atos complexos”: para que um tratado internacional
não excluem outros provenientes dos tratados
seja formado é necessária a conjunção de vontades do
internacionais em que o Brasil seja parte, é possível
Poder Executivo e do Poder Legislativo.113
inferir, pela lógica, que a Constituição “os inclui” no seu

111
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed.
São Paulo: 2021, p. 164.
112
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 846.
110 113
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: 2021, p. 163. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 847.

DIREITOS HUMANOS - 40

DIREITOS HUMANOS 41
Os arts. 84, VIII, e 49, I, da Constituição Após a fase de ratificação, há ainda uma

cuidam desse processo de celebração de tratados: quarta e última fase, que é a incorporação do

tratado já celebrado pelo Brasil ao ordenamento


“Art. 84. Compete privativamente ao
interno, que se consubstancia com o Decreto
Presidente da República: (...)
Presidencial.115
VIII – celebrar tratados, convenções e atos
A primeira fase, que é a assinatura, é
internacionais, sujeitos a referendo do
iniciada com as negociações do teor do futuro tratado,
Congresso Nacional;” (...)
sendo atribuição do Chefe de Estado, por decorrência
“Art. 49. É da competência exclusiva do
implícita do disposto no art. 84, VIII, da Constituição
Congresso Nacional:
Federal. Após uma negociação bem-sucedida, o Estado

I – resolver definitivamente sobre tratados, realiza a assinatura do texto negociado, pela qual

acordos ou atos internacionais que manifesta sua predisposição em celebrar, no futuro, o

acarretem encargos ou compromissos texto do tratado. Após a assinatura, cabe ao Poder

gravosos ao patrimônio nacional;” Executivo encaminhar o texto assinado do futuro

tratado ao Congresso, quando julgar oportuno, pois a


Esse procedimento estabelecido pela
Constituição não estabeleceu nenhum prazo.
Constituição vale para todos os tratados e convenções

internacionais de que o Brasil pretende ser parte, Por sua vez, na segunda fase, que é a
sejam eles tratados comuns ou de direitos humanos.114 aprovação congressual, o Presidente da República

encaminha mensagem presidencial ao Congresso

Nacional, fundamentada (a exposição de motivos é

10.4. As Quatro Fases: da Formação da Vontade à feita pelo Ministro das Relações Exteriores), solicitando

Incorporação a aprovação congressual ao texto do futuro tratado.

Como é iniciativa presidencial, o trâmite é iniciado pela


Existem três fases que devem ser seguidas
Câmara dos Deputados, no rito de aprovação de
para a formação da vontade do Brasil em celebrar um
decreto legislativo. Após a aprovação no plenário da
tratado, assumindo obrigações perante o Direito
Câmara, o projeto é apreciado no Senado. Aprovado, o
Internacional. São elas:
Presidente do Senado Federal promulga e publica o

I. Fase da assinatura; Decreto Legislativo.116

II. Fase da aprovação congressual; e Caso o projeto de decreto legislativo seja

rejeitado na Câmara dos Deputados ou no Senado


III. Fase da ratificação.

115
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 848.
114 116
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: 2021, p. 166. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 852.

DIREITOS HUMANOS - 41

DIREITOS HUMANOS 42
Federal, há o envio de mensagem ao Presidente da está vinculado internacionalmente, mas não

República, informando-o do ocorrido. internamente.

Quanto à terceira fase, que é a ratificação, o

Presidente da República, querendo (trata-se de uma


10.5. Hierarquia Constitucional dos Tratados em
faculdade), pode, em nome do Estado, celebrar em
Geral
definitivo o tratado. Também é possível que o

Presidente da República formule reservas ao ratificar o Para o Supremo Tribunal Federal, os


tratado internacional, além daquelas que, tratados que versarem sobre Direitos Humanos e
obrigatoriamente, lhe foram impostas pelas ressalvas que forem incorporados ao ordenamento interno
ao texto aprovado pelo Congresso. possuem equivalência hierárquica com uma lei

ordinária federal. Essa é a hierarquia ordinária ou


Importante destacar que não há no texto
comum dos tratados em geral.
constitucional um prazo no qual o Presidente da

República deve celebrar em definitivo o tratado, Na esteira dessa linha de pensamento, para
ficando a critério do Presidente da República o o STF, fundado na supremacia da Constituição da
momento mais oportuno. É uma discricionariedade República, o conflito entre qualquer norma
do Presidente. constitucional e um tratado em geral a Constituição

sempre prevalecerá, uma vez que possui


Com o fim da terceira fase, isto é, com a
superioridade hierárquica em relação ao tratado
ratificação, opera-se o fim do ciclo de formação de um
equiparado à lei ordinária federal.
tratado no Brasil, passando a produzir efeitos no

âmbito internacional. Porém, a norma, válida Já se o conflito for entre norma legal e o
internacionalmente, não será válida internamente até tratado, deve-se utilizar o critério cronológico ou da
que seja editado o Decreto de Promulgação (também especialidade na avaliação do conflito, não havendo
chamado de Decreto Executivo ou Decreto que falar em hierarquia.
Presidencial) pelo Presidente da República e

referendado pelo Ministro das Relações Exteriores (art.

87, I, da Constituição), que incorpora ou recepciona 10.6. Hierarquia Constitucional dos Tratados Sobre
117
internamente o tratado. Esse Decreto inova a Direitos Humanos
ordem jurídica brasileira, tornando válido o tratado
Mesmo os tratados que versam sobre
no plano interno.
direitos humanos podem possuir hierarquia diversa, a
Assim como na ratificação, não há prazo para depender da sua forma de incorporação ao
edição do Decreto de Promulgação, e até lá o Brasil ordenamento jurídico.

117
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 853.

DIREITOS HUMANOS - 42

DIREITOS HUMANOS 43
Podemos tratar desse tema sob a ótica de O “status” normativo supralegal dos tratados

dois marcos temporais distintos: antes e depois da internacionais de direitos humanos

Emenda Constitucional nº 45/2004. A referida EC subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna

inseriu o §3º ao art. 5º da Constituição, que assim inaplicável a legislação infraconstitucional

dispõe: com ele conflitante, seja ela anterior ou

posterior ao ato de adesão.119 Isso é o que a


“§ 3º Os tratados e convenções
doutrina chama de “efeito paralisante”.
internacionais sobre direitos humanos que

forem aprovados, em cada Casa do Por sua vez, os tratados aprovados no rito
Congresso Nacional, em dois turnos, por especial do § 3º do art. 5º, possuem status
três quintos dos votos dos respectivos
constitucional, sendo equivalentes às
membros, serão equivalentes às emendas
Emendas à Constituição.
constitucionais.”

● ANTES DA EC 45/2004: Embora houvesse ANTES DA EC 45/2004 DEPOIS DA EC 45/2004

intenso debate doutrinário, o STF entendia

que todos os tratados internacionais, ● Todos os tratados ● Tratados sobre

fossem sobre direitos humanos ou sobre incorporados ao direitos humanos

temas diversos, teriam hierarquia de Lei ordenamento aprovados sem a

Ordinária Federal. brasileiro, fossem observância do rito

sobre direitos especial do §3º, art.


● APÓS A EC 45/2004: O art. 5º, § 3º, da CF/88
humanos ou não, 5º, possuem status
motivou revisão do posicionamento do STF
teriam status de Lei Supralegal.
sobre a hierarquia dos tratados de direitos
Ordinária Federal.
humanos no Brasil. No julgamento do RE ● Tratados sobre

466.343, que tratava da prisão civil do direitos humanos

depositário infiel, prevaleceu o aprovados na forma

posicionamento capitaneado pelo Min. do rito especial do

Gilmar Mendes sustentava que os tratados §3º, art. 5º, são

internacionais de direitos humanos, que não equiparados à

forem aprovados na forma do art. 5º, § 3º, Emendas

da CF/88, têm natureza Supralegal: abaixo Constitucionais.

da Constituição, mas acima de toda e

qualquer lei.118

118 119
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 871. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 871.

DIREITOS HUMANOS - 43

DIREITOS HUMANOS 44
humanos como parâmetro supralegal ou

mesmo equivalente à emenda constitucional;


ATENÇÃO: TEORIA DO TRAPÉZIO - para

Flávia Piovesan, a teoria relaciona-se com o status III. Os tratados incorporados pelo rito especial

normativo dos Tratados Internacionais de Direitos previsto no art. 5º, § 3º, da CF/88 passam a

Humanos na ordem jurídica interna. Para ela, estariam integrar o bloco de constitucionalidade

no ápice do ordenamento jurídico interno tanto a restrito, podendo servir de parâmetro para

Constituição Federal, quanto os Tratados avaliar a constitucionalidade de uma norma

Internacionais de Direitos Humanos. Percebe-se, com infraconstitucional qualquer.

isso, que a teoria contrapõe-se à Teoria da Pirâmide de

Kelsen, para a qual apenas a Constituição Federal

ocuparia o ápice do ordenamento jurídico. 10.8. Aplicação Imediata dos Tratados de Direitos

Humanos

10.7. Teoria do Duplo Estatuto


O art. 5º, § 1º, da Constituição determina que

Com base nesse tratamento diferenciado “as normas definidoras dos direitos e garantias

dos tratados de direitos humanos a depender da fundamentais têm aplicação imediata”. Essa “aplicação

forma de incorporação, consagrou-se a Teoria do imediata” deve ser estendida aos direitos previstos nos

Duplo Estatuto dos tratados de direitos humanos: tratados de direitos humanos121, como fruto lógico da

natureza constitucional, para os aprovados pelo rito do aplicação desse § 1º combinado com o § 2º do art. 5º,

art. 5º, § 3º; natureza supralegal, para todos os demais, vejamos:

quer sejam anteriores ou posteriores à Emenda


“Art. 5º (...)
Constitucional n. 45 e que tenham sido aprovados pelo
§ 1º As normas definidoras dos direitos e
rito comum.
garantias fundamentais têm aplicação

A Teoria em análise traz algumas imediata.

consequências120:
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta

I. As leis e atos normativos são válidos se Constituição não excluem outros decorrentes

do regime e dos princípios por ela adotados,


forem compatíveis, simultaneamente, com a
ou dos tratados internacionais em que a
Constituição e com os tratados internacionais
República Federativa do Brasil seja parte.”
de direitos humanos incorporados;
Para Mazuolli122, os tratados internacionais
II. Cabe ao Poder Judiciário realizar o chamado
de direitos humanos ratificados pelo Brasil podem ser
controle de convencionalidade nacional

das leis, utilizando os tratados de direitos 121


RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 882.
120 122
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 872. ed. São Paulo: 2021, p. 180.

DIREITOS HUMANOS - 44

DIREITOS HUMANOS 45
imediatamente aplicados pelo nosso Poder Judiciário, interpretação da norma que, no caso concreto, mas

com status de norma constitucional, proteja e projete o ser humano como sujeito de

independentemente de promulgação e publicação no direitos. Tal é assim pelo fato de o indivíduo ser

Diário Oficial da União e de serem aprovados de sempre a parte mais vulnerável na relação com o

acordo com a regra do § 3.º do art. 5.º. Se a Estado.124

promulgação e publicação de tratados têm sido


Em decorrência de tal princípio, os tratados mais
exigidas para os tratados comuns, tais atos são
atuais sobre direitos humanos já contêm as chamadas
dispensáveis quando em jogo um tratado de direitos
“cláusulas de diálogo” ou “cláusulas dialógicas”,
humanos.
responsáveis por proporcionar um diálogo entre a

Em outros termos, os direitos contidos nos ordem internacional e interna, buscando uma

tratados internacionais são tendencialmente proteção cada vez maior do ser humano. A doutrina

completos , ou seja, aptos a serem invocados desde cita como exemplo desta cláusula o disposto no art.
123
logo pelo jurisdicionado . 29, b, da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos:

“ARTIGO 29
10.9. Interpretação dos Tratados de Direitos

Humanos e o Princípio Pro Homine Normas de Interpretação

Nenhuma disposição desta Convenção pode


Os tratados de direitos humanos não são
ser interpretada no sentido de: (...)
tratados comuns; são tratados que têm primazia na

ordem doméstica, podendo até mesmo equivaler a b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito

uma emenda constitucional formal no Brasil (pela ou liberdade que possam ser reconhecidos de

sistemática do art. 5.º, § 3.º, da Constituição). acordo com as leis de qualquer dos

Estados-Partes ou de acordo com outra


À medida que os tratados de direitos humanos convenção em que seja parte um dos referidos

não são normas de direito internacional tradicionais, Estados;”

sua interpretação também há que ser realizada

levando em consideração a sua lógica e principiologia.

Dessa maneira, os tratados de direitos humanos

devem ser interpretados de forma que a norma seja

mais favorável ao ser humano.

Por meio do paradigma do princípio pro

homine, o intérprete deve optar pela norma ou

123 124
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 882. ed. São Paulo: 2021, p. 183.

DIREITOS HUMANOS - 45

DIREITOS HUMANOS 46
regime, princípios e tratados de direitos humanos, o
BLOCO DE
reconhecimento de um bloco de constitucionalidade

CONSTITUCIONALIDADE amplo, que alberga os direitos previstos nos tratados

internacionais de direitos humanos.

Entretanto, a doutrina e jurisprudência


O bloco de constitucionalidade consiste no
amplamente dominantes convergem para a adoção de
reconhecimento da existência de outros diplomas
um bloco de constitucionalidade restrito, onde nem
normativos de hierarquia constitucional, além da
todos os tratados de direitos humanos serão
própria Constituição.125 Com isso, há uma ampliação
equivalentes às emendas constitucionais, status este
da parametricidade constitucional, permitindo que
que dependerá da forma de incorporação do tratado
outras normas, ainda que não inseridas no texto
ao sistema interno.
formal da constituição, sirvam de parâmetro de

controle de validade das demais normas (controle de

constitucionalidade.
11.2. Bloco de Constitucionalidade Restrito
A respeito dessa temática, o Supremo

Tribunal Federal, em 2002, por meio do Min. Celso de Com a introdução do § 3º ao art. 5º da

Mello, levantou debate sobre o bloco de Constituição, o STF modificou sua posição anterior que

constitucionalidade, uma vez que os dispositivos considerava todos os tratados, fossem sobre direitos

normativos pertencentes ao bloco poderiam ser humanos ou não, como equivalentes às leis ordinárias

utilizados como paradigma de confronto das leis e atos federais.

normativos infraconstitucionais no âmbito do controle


Entretanto, nem todos os tratados sobre
de constitucionalidade.
direitos humanos passaram a ser considerados

equivalentes às emendas à constituição, mas somente

aqueles que forem aprovados no rito especial do §3º.


11.1. Bloco de Constitucionalidade Amplo
Assim, os tratados sobre direitos humanos aprovados

sem o rito especial do citado parágrafo se situam no


O bloco de constitucionalidade amplo seria
patamar da supralegalidade.
aquele que adotaria todos os tratados internacionais

de direitos humanos como equivalentes às emendas


Atualmente, temos quatro tratados
126
constitucionais. Ramos defende tese (minoritária)
internacionais de direitos humanos com status
no sentido de que o art. 5º, §2º da Constituição Federal
equivalente ao de emenda constitucional. São eles127:
permite, ao dispor sobre os “direitos decorrentes” do
● Convenção da ONU sobre o Direito das

125
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. Pessoa com Deficiência.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 883.
126
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. 127
Disponível em: Atualização legislativa – Instituto Professora Carla
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 883. Patrícia (professoracarlapatricia.com.br)

DIREITOS HUMANOS - 46

DIREITOS HUMANOS 47
● Protocolo adicional à Convenção da ONU

sobre o Direito das Pessoa com Deficiência.

● Tratado de Marraqueche (tem por objetivo

facilitar o acesso a obras publicadas às

pessoas cegas, com deficiência visual ou com

outras dificuldades para ter acesso ao texto

impresso).

● Convenção Interamericana contra o Racismo,

a Discriminação Racial e Formas Correlatas

de Intolerância (ratificada em 2021 pelo

Presidente da República).

Portanto, somente os tratados aprovados

pelo rito especial do art. 5º, § 3º, podem ser

considerados como parte integrante de um bloco de

constitucionalidade restrito. Com isso, podemos

chegar a algumas conclusões:

I. A filtragem constitucional do ordenamento

aos valores da Constituição passa a contar

também com o filtro internacionalista

oriundo dos valores existentes nesses

tratados aprovados pelo rito especial;

II. As normas paramétricas de confronto no

controle de constitucionalidade devem levar

em consideração não só a Constituição, mas

também os tratados celebrados pelo rito

especial (§3º, art. 5º).

DIREITOS HUMANOS - 47

DIREITOS HUMANOS 48
Ademais, o controle de convencionalidade
CONTROLE DE
pode ser classificado em Internacional e Interno (ou

CONVENCIONALIDADE Nacional). O controle interno, realizado pelos juízes e

tribunais locais, da convencionalidade das normas

domésticas é o que primeiro deve ser levado a cabo,


12.1. Noções Gerais antes de qualquer manifestação de um tribunal

internacional a respeito.130 As cortes internacionais


O controle de convencionalidade consiste na
somente controlarão a convencionalidade de uma
análise da compatibilidade dos atos internos
norma interna caso o Poder Judiciário de origem não
(comissivos ou omissivos) em face das normas
tenha controlado essa mesma convencionalidade, ou a
internacionais (tratados, costumes internacionais,
tenha realizado de maneira insuficiente
princípios gerais de direito, atos unilaterais, resoluções

vinculantes de organizações internacionais). Já o controle internacional é, em geral,

atribuído a órgãos internacionais compostos por


Esse controle pode ter efeito negativo ou
julgadores independentes, criados por tratados
positivo: o efeito negativo consiste na invalidação das
internacionais, e funcionam apenas de forma
normas e decisões nacionais contrárias às normas
complementar ao controle (primário) exercido no
internacionais, resultando no chamado controle
plano interno. Nesse trilhar, o controle de
destrutivo ou saneador de convencionalidade; o
convencionalidade de índole internacional é apenas
efeito positivo consiste na interpretação adequada
coadjuvante do controle oferecido pelo direito interno,
das normas nacionais para que estas sejam conformes
jamais principal, como é destacado pelo segundo
às normas, resultando em um controle construtivo
considerando da Convenção Americana, que dispõe
de convencionalidade.128
ser a proteção internacional convencional
129
Mazuolli faz uma distinção entre o “coadjuvante ou complementar da que oferece o
controle de constitucionalidade e o controle de direito interno dos Estados americanos”.131
convencionalidade: “deve-se chamar de controle de
12.2. Controle de Convencionalidade no Sistema
constitucionalidade apenas o estrito caso de
Interamericano
(in)compatibilidade vertical das leis com a Constituição,

e de controle de convencionalidade os casos de O surgimento do controle de


(in)compatibilidade legislativa com os tratados de convencionalidade no âmbito do sistema
direitos humanos (formalmente constitucionais ou interamericano se deu, de maneira formal, no ano de
não) em vigor no país”. 2006, com o julgamento do caso Almonacid Arellano

e outros Vs. Chile.

128 130
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 888. ed. São Paulo: 2021, p. 190.
129 131
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 189. ed. São Paulo: 2021, p. 190.

DIREITOS HUMANOS - 48

DIREITOS HUMANOS 49
Deve-se ressaltar que, desde o início de suas No julgamento do Caso Cabrera García e

atividades (em 18 de julho de 1978), a Corte Montiel Flores Vs. México a Corte Interamericana

Interamericana tem controlado a convencionalidade ampliou a competência de controle para todos os

das leis dos Estados-partes à Convenção Americana, órgãos do Estado vinculados à administração da

mas somente em 2006 é que se utilizou, formalmente, Justiça, no âmbito de suas respectivas competências e

a nomenclatura “controle de convencionalidade”. das regras processuais pertinentes, como, por

exemplo, os Ministérios Públicos e o Conselho


Também a partir do julgado acima citado, a
Nacional de Justiça – CNJ.
Corte Interamericana transportou essa

obrigatoriedade de controle, de forma prioritária, para Em 2016, avançando ainda mais na proteção

o Judiciário interno dos Estados-partes, fazendo com do ser humano, a Corte Interamericana, no Caso

que, em regra, o controle de convencionalidade seja Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs. Brasil,

realizado internamente. estabeleceu a obrigatoriedade de controle de

convencionalidade para além dos órgãos relacionados


Embora a Convenção Americana tenha
ao Judiciário doméstico dos Estados, exigindo que
grande importância para os países latino-americanos,
todos os poderes e órgãos estatais em seu conjunto
todo e qualquer tratado de direitos humanos é
o realizem.
paradigma para o controle de convencionalidade, e

não somente aquela. Logo, não há uma limitação do Por fim, o controle de convencionalidade a

controle de convencionalidade à Convenção ser realizado pelos órgãos internos dos Estados não é

Americana, pois todos os direitos previstos nos mais absolutamente livre para decidir e interpretar como

diversos tratados sobre direitos humanos formam um quiser, pois, como bem delineado pela Corte

“bloco de convencionalidade” (semelhante ao bloco Interamericana no Caso Comunidade Garífuna de

de constitucionalidade), ou seja, formam um corpus Punta Piedra e seus Membros Vs. Honduras, julgado

juris de direitos humanos de observância obrigatória em 2015, o Estado deve controlar a convencionalidade

aos Estados-partes.132 das leis à luz da jurisprudência interamericana e dos

padrões internacionais aplicáveis à matéria


Outrossim, o Poder Judiciário interno tem o
respectiva. Ou seja, o controle de convencionalidade a
dever de controlar a convencionalidade pela via difusa
ser efetivado pelo juiz doméstico tem como paradigma
(quando não solicitado pelas partes ou ex officio), sob
todo o corpus juris internacional de proteção, isto
pena do Estado ser responsabilizado
é, todo o mosaico protetivo dos sistemas global
internacionalmente por violação de direitos humanos,
(onusiano) e regional (interamericano).133
além de atribuir à Corte Interamericana a competência

última (complementar) para o exercício desse controle.

132 133
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 192. ed. São Paulo: 2021, p. 193.

DIREITOS HUMANOS - 49

DIREITOS HUMANOS 50
12.3. Controle de Convencionalidade no Direito Tratado incorporado nos moldes do §3º, art.

Brasileiro 5º, da CF/88.

Basicamente, existem dois tipos de controle ● Controle difuso de convencionalidade: O

de convencionalidade no direito brasileiro: controle difuso de convencionalidade é

Concentrado e Difuso. Vamos estudá-los. aquele a ser exercido por todos os juízes e

tribunais do País, a requerimento das partes


● Controle concentrado de
ou ex officio, uma vez que todos os tratados
convencionalidade: Parte da Doutrina
de direitos humanos em vigor no Brasil
defende que se a Constituição possibilita
guardam nível materialmente constitucional,
sejam os tratados de direitos humanos
constitui obrigação dos juízes e tribunais
alçados ao patamar constitucional, com
locais (inclusive do STF, v.g., quando decide
equivalência de emenda, deve-se também
um Recurso Extraordinário, um Habeas
garantir-lhes os meios que prevê a qualquer
Corpus etc.) invalidar as leis internas –
norma constitucional ou emenda de se
sempre quando menos benéficas que o
protegerem contra investidas não
tratado de direitos humanos em causa, em
autorizadas do direito infraconstitucional.
atenção ao princípio pro homine.
Nessa linha de raciocínio, seria possível a

utilização das ações de controle concentrado Como já analisado anteriormente, a Corte

(ADIN, ADPF, ADC etc.) não mais fundadas Interamericana tem entendido, desde 2006,

apenas no texto constitucional, senão que o controle de convencionalidade por

também nos tratados de direitos humanos parte dos juízes e tribunais locais é um dever,

aprovados pela sistemática do art. 5.º, § 3.º, sob pena de responsabilização internacional

da Constituição.134 do Estado.

Nesse trilhar, a título de exemplo, a Ação Aqui, assim como ocorre no controle difuso

Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) de constitucionalidade, a decisão judicial que

transformar-se-ia em verdadeira Ação Direta invalida uma lei interna em razão do

de Inconvencionalidade, pois o parâmetro de comando de um tratado só produz efeitos

controle não seria uma Tratado inter partes.

Internacional.

Por óbvio, essas ações de controle


12.4. Devido Processo Convencional
concentrado seriam julgadas pelo STF, que

usaria como parâmetro de controle o Nada mais é do que a conformação do

procedimento internacional e interno de aplicação das


134
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
normas jurídicas aos comandos (igualmente
ed. São Paulo: 2021, p. 195.

DIREITOS HUMANOS - 50

DIREITOS HUMANOS 51
procedimentais) dos tratados de direitos humanos também aquelas previstas nos tratados

ratificados e em vigor no Estado.135 internacionais.

O devido processo convencional deve ser

aplicado tanto em âmbito interno quanto

internacional.

● Devido processo convencional

internacional: Tanto a Comissão quanto a

Corte Interamericana de Direitos Humanos

devem observar, no âmbito de qualquer

procedimento, o que dispõem as normas da

Convenção Americana sobre Direitos

Humanos sobre a apuração de

responsabilidade do Estado por violação de

direitos humanos. A mesma lógica se aplica

no plano europeu ou africano.

Assim, o devido processo convencional há de

ser respeitado pelas instâncias internacionais

de proteção como garantia de um processo

internacional hígido e convencionalizado.136

● Devido processo convencional interno:

Trata-se da observância, pelos órgãos do

Estado, das normas convencionais

procedimentais presentes nos tratados de

direitos humanos ratificados e em vigor no

Estado, quer no âmbito de processos

judiciais ou administrativos.137 Em resumo, os

Estados precisam observar as regras

procedimentais não só internas, mas

135
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 201.
136
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 201.
137
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 203.

DIREITOS HUMANOS - 51

DIREITOS HUMANOS 52
Os direitos humanos das minorias e grupos
DIREITOS HUMANOS DAS
vulneráveis coloca em segundo plano a ideia de

MINORIAS E GRUPOS igualdade formal, típica de um Estado Liberal, e busca

consagrar o conceito de igualdade material ou


VULNERÁVEIS substancial (chamada por alguns de isonomia),

segundo o qual deve-se tratar os iguais de forma igual

e os desiguais de forma desigual, na medida de suas


13.1. Noções Iniciais
desigualdades. Dessa forma, todos os que detêm

Minorias e grupos vulneráveis, de modo características singulares ou que necessitam de

geral, são aquelas categorias de pessoas social e proteção especial em razão de sua fragilidade ou

historicamente menos protegidas pelas ordens indefensabilidade, passam a merecer o devido amparo

domésticas, e por essa razão exigem uma proteção no (também singular e especial) da ordem jurídica estatal.

âmbito interno e internacional.


Vamos analisar os principais grupos

Melhor conceituando cada expressão, vulneráveis e minorias e suas respectivas esferas de

Mazuolli138 explica que Minorias são grupos de proteção.

pessoas que não têm a mesma representação política

que os demais cidadãos de um Estado ou, ainda, que

sofrem histórica e crônica discriminação por 13.2. Direitos Humanos das Mulheres

guardarem entre si características essenciais à sua


Os direitos humanos das mulheres só
personalidade que demarcam a sua singularidade no
começaram a ser reivindicados com maior eficácia em
meio social, tais como etnia, nacionalidade, língua,
todo o mundo a partir da década de 70 do século
religião ou condição pessoal, como, por exemplo, os
passado, com a eclosão do movimento feminista por
povos indígenas e comunidade LGBTQIA+.
direitos iguais. Isso, em termos de história, é como se

Por sua vez, continua explicando o autor, que fosse ontem, algo muito recente.

Grupos Vulneráveis são coletividades mais amplas de


As reivindicações feministas, que levaram à
pessoas que, apesar de não pertencerem
adoção de uma arquitetura internacional de proteção
propriamente às “minorias”, eis que não possuidoras
às mulheres, ligam-se especialmente ao direito à
de uma identidade coletiva específica, necessitam de
igualdade formal, à liberdade sexual e reprodutiva, ao
proteção especial em razão de sua fragilidade ou
impulso da igualdade econômica, à redefinição dos
indefensabilidade. Aqui, podemos citar como exemplo
papéis sociais, ao direito à diversidade de raça e etnia,
as mulheres, os idosos, as crianças, os consumidores
ao acesso à justiça integral e irrestrita, entre outros.139
etc.

138 139
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 208. ed. São Paulo: 2021, p. 209.

DIREITOS HUMANOS - 52

DIREITOS HUMANOS 53
Instrumento normativo de grande destaque diversos direitos às mulheres, destacando-se o direito

na proteção internacional da mulher foi Convenção a que se respeite sua integridade física, mental e

sobre a Eliminação de todas as Formas de moral, o direito a que se respeite a dignidade inerente

Discriminação contra a Mulher, também chamada à sua pessoa e a que se proteja sua família, o direito a

de “Carta Internacional dos Direitos da Mulher”, de ser livre de violência, tanto na esfera pública como na

1979, que consagrou, em âmbito global, a dupla esfera privada, dentre outros.

obrigação dos Estados de eliminar a discriminação


Esse sistema de proteção internacional das
contra a mulher e zelar pela sua igualdade
mulheres, já tem surtido efeito nas mais diversas
relativamente aos homens.
ordens internas. O caso internacional mais

A Convenção traz em seu bojo o conceito de emblemático envolvendo o Brasil sobre o tema da

discriminação contra a mulher: violência contra a mulher foi o relativo à Sra. Maria da

Penha Maia Fernandes, vítima quase fatal de violência


“Art. 1.º Para fins da presente Convenção, a
doméstica praticada pelo ex-marido na década de
expressão “discriminação contra a mulher”
1980. Neste caso, e pela primeira vez, a Comissão
significará toda distinção, exclusão ou
Interamericana aplicou a Convenção de Belém do Pará
restrição baseada no sexo e que tenha por
para sustentar a responsabilidade do Estado no que
objeto ou resultado prejudicar ou anular o

reconhecimento, gozo ou exercício pela tange ao dever de prevenir, sancionar e erradicar a

mulher, independentemente de seu estado violência doméstica contra a mulher, notadamente em

civil, com base na igualdade do homem e da razão da ineficiência judicial perante casos de violência

mulher, dos direitos humanos e liberdades doméstica.140

fundamentais nos campos político,


Algumas recomendações foram emanadas
econômico, social, cultural e civil ou em
pela Comissão, como, por exemplo, a adequação da
qualquer outro campo.”
legislação brasileira aos termos da Convenção
Embora a Convenção tenha grande Americana. Foi a partir dessas recomendações que o
importância para concretização da proteção dos Estado brasileiro editou a Lei nº 11.340/2006, mais
direitos das mulheres, muitos países fizeram reservas conhecida como “Lei Maria da Penha”, sendo um
ao seu texto, sobretudo quanto à igualdade entre significativo avanço na proteção e defesa das mulheres
homens e mulheres na família. em âmbito interno.

No sistema interamericano de direitos Outro grande avanço recente no direito


humanos merece destaque a Convenção brasileiro foi a instituição, através da Lei 13.104/2015,
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a do crime de feminicídio ao Código Penal. A conduta
Violência contra a Mulher, de 1994, conhecida como criminalizada consiste no homicídio de mulher por
“Convenção de Belém do Pará”. Tal convenção prevê
140
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 213.

DIREITOS HUMANOS - 53

DIREITOS HUMANOS 54
razões de gênero em situações de violência doméstica jurídica a esse grupo de pessoas não se faz totalmente

e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de presente no sistema global (onusiano) de direitos

mulher. Além do mais, tal figura passou a constar no humanos. No âmbito da ONU, o documento de

rol de crimes hediondos da Lei 8.072/90. destaque sobre o assunto são os Princípios das

Nações Unidas para as Pessoas Idosas, que,


Para além do direito brasileiro, a
entretanto, por se tratar de norma de soft law, não
Jurisprudência da Corte Interamericana tem cada vez
comporta valor propriamente cogente para os Estados.
mais sedimentado os direitos das mulheres, visando o

estabelecimento de um estatuto jurídico dos direitos Ainda no sistema global (onusiano), há a

humanos das mulheres no sistema interamericano.141 Carta de San José sobre os Direitos dos Idosos de

Nesse contexto, o tema que tem sido mais debatido, é América Latina e Caribe, de 2012, que busca

a violência sexual contra as mulheres. identificar as principais ações em matéria de direitos

humanos e proteção social das pessoas idosas na


Podem ser citados como exemplo da
América Latina e Caribe, partindo do pressuposto que
jurisprudência internacional o caso González e outras
essas pessoas são mais vulneráveis e merecem
(“Campo Algodoeiro”) Vs. México, que tratou os
especial proteção.142
direitos humanos das mulheres de forma global, ao

reconhecer a responsabilidade do Estado por Todos os instrumentos descritos são normas

irregularidades e atrasos nas investigações dos de soft law, logo, não são cogentes para os Estados que

desaparecimentos (e posteriores mortes) de algumas os concluem, ou seja, seu cumprimento é facultativo e

mulheres; o caso Penal Miguel Castro Castro Vs. destituídos de sanção propriamente jurídica. Assim,

Peru, relativo à violência sexual sofrida por mulheres podemos afirmar que a proteção internacional no

(inclusive gestantes) recolhidas num complexo sistema global é deficitária quanto à proteção dos

penitenciário no Peru; e o caso Massacre de Las Dos idosos.

Erres Vs. Guatemala, relativo à responsabilidade


Porém, no âmbito dos sistemas regionais há
internacional do Estado pela falta da devida diligência
uma maior proteção do idoso, com normas de hard
na investigação e julgamento dos responsáveis pelo
law que, sem dúvidas, possuem uma eficácia de
assassinato, tortura e violação sexual de 251 pessoas
cumprimento muito maior. No sistema africano,
na aldeia de Las Erres, por militares.
embora não haja um documento para tratar

especificamente da proteção das pessoas idosas,

existe a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos


13.3. Direitos Humanos dos Idosos
Povos, que prevê em seu bojo o direito do idoso à

Em que pese a relevância da tutela proteção condizente com suas necessidades físicas e

humanitária destinada aos idosos, o foco da proteção morais.

141 142
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 215. ed. São Paulo: 2021, p. 221.

DIREITOS HUMANOS - 54

DIREITOS HUMANOS 55
Quanto ao sistema interamericano, houve Conferência de Estados-partes e um Comitê

uma grande preocupação com a proteção do idoso, o de Peritos. Ademais, no art. 36 da

que se fez, inicialmente, no art. 17 do Protocolo de Convenção, ficou estabelecido o mecanismo

San Salvador (1988), segundo o qual os idosos têm de petições individuais, por meio do qual

direito à proteção especial, tais como direito à qualquer pessoa ou entidade, governamental

alimentação e assistência médica especializada; e o ou não, pode apresentar à Comissão

direito de trabalho condizente com suas capacidades, Interamericana de Direitos Humanos

respeitando suas vocações e desejos. petições que contenham denúncias ou

queixas de violação de algum dos artigos da


Somente no ano de 2015 surgiu, no âmbito
Convenção.144
do sistema interamericano, um tratado internacional

específico de proteção dos direitos dos idosos, qual Embora a gigantesca relevância da comissão

seja a Convenção Interamericana sobre a Proteção para o avanço da proteção internacional dos
143
dos Direitos Humanos dos Idosos. Por ser o direitos dos idosos, a Convenção ainda não

principal instrumento internacional de proteção dos foi ratificada pelo Brasil, razão pela qual não

idosos, vamos melhor detalhá-lo. está em vigor internamente.

● Convenção Interamericana sobre a Superada a proteção internacional da pessoa

Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos idosa, vamos trabalhar a proteção interna, no Brasil.

(2015): Trata-se da primeira convenção Inicialmente, a própria Constituição traz, em seu art.

internacional no mundo a proteger de forma 230, o dever do Estado e da sociedade em proteção às

específica os direitos humanos das pessoas pessoas idosas, vejamos:

idosas. A grande finalidade do instrumento é


“Art. 230. A família, a sociedade e o Estado
exigir dos Estados que promovam e protejam
têm o dever de amparar as pessoas idosas,
os direitos humanos das pessoas idosas, as
assegurando sua participação na
quais devem ter assegurados idênticos
comunidade, defendendo sua dignidade e
direitos que as demais pessoas, inclusive o
bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
de não ser submetido à discriminação
§ 1º Os programas de amparo aos idosos
baseada na idade nem a qualquer tipo de
serão executados preferencialmente em
violência.
seus lares.
Para efetivação da proteção dos direitos
§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é
humanos dos idosos previstos na Convenção,
garantida a gratuidade dos transportes
estabeleceu-se um Mecanismo de
coletivos urbanos.”
Acompanhamento constituído por uma

143 144
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 222. ed. São Paulo: 2021, p. 223.

DIREITOS HUMANOS - 55

DIREITOS HUMANOS 56
Para além do texto constitucional, no ano de depois surgiu o principal documento internacional

2003 surgiu um marco regulatório dos direitos dos sobre o tema: a Declaração Universal dos Direitos

idosos no país, o chamado Estatuto do Idoso (Lei n.º das Crianças (DUDC), de 1959.

10.741/2003), significando um importante passo na


Embora a DUDC seja uma norma de soft law,
consolidação dos direitos fundamentais da pessoa
isto é, de cumprimento facultativo pelos Estados,
idosa, internamente. Também no Poder Executivo
possui um notável conteúdo ético, moral e humanista,
tivemos algumas importantes evoluções, como, por
pois reforça que as crianças e os adolescentes são
exemplo, a criação, no ano de 2009, da Coordenação
sujeitos de direitos em todas as esferas jurídicas, e
Geral dos Direitos do Idoso (CGDI), ligada à
que, pela sua condição de imaturidade física e mental,
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
necessitam de cuidados especiais e proteção
República.145
jurídica.147

Importante lembrar, também, que o Pacto

13.4. Direitos Humanos das Crianças e Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e

Adolescentes Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais trazem disposições em seu bojo de


Com a finalidade de tratar dos mais diversos
proteção aos direitos humanos das crianças e
assuntos e problemáticas que envolvem as crianças e
adolescentes. Nesse mesmo espírito, a Convenção
adolescentes, criou-se, em 1946, por decisão da ONU,
Americana sobre Direitos Humanos (1969) prevê o
o Fundo das Nações Unidas para a Infância –
direito que toda criança tem às medidas de proteção
UNICEF, cuja função primordial é apoiar
que sua condição de menor requer. Esses três
transformações importantes para a infância e a
instrumentos internacionais têm em comum a
juventude nos Estados, como a redução da
característica de serem de hard law, ou seja,
mortalidade infantil, melhoria nas condições de
obrigatórios para os Estados que os ratificaram.
ensino, higiene e saúde, fomento da prática de

esportes e, bem assim, cooperar na prevenção da Embora houvesse todo esse arcabouço de

violência e da gravidez na adolescência.146 proteção à criança e ao adolescente desde a década de

20 do século passado, o tema ganhou maior relevo


Quando falamos de normas internacionais
somente a partir de 1989, quando finalmente foi
de proteção das crianças e adolescentes, a Declaração
adotada uma Convenção Internacional sobre os
de Genebra sobre os Direitos da Criança, de 1924,
Direitos da Criança, trazendo, inclusive, o conceito de
foi a primeira, reconhecendo a necessidade de
criança, vejamos:
proteção especial às crianças. Mas somente 35 anos
“Artigo 1
145
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 226.
146 147
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 227. ed. São Paulo: 2021, p. 227 – 228.

DIREITOS HUMANOS - 56

DIREITOS HUMANOS 57
Para efeito da presente Convenção, inseridos. O ECA concretizou a doutrina da “proteção
considera-se como criança todo ser humano integral”, pela qual se reconhece a qualidade de sujeito
com menos de 18 anos de idade, salvo de direitos a ambas as categorias e a necessidade de
quando, em conformidade com a lei sua proteção especial, em razão de sua particular
aplicável à criança, a maioridade seja
condição de ser humano em desenvolvimento.148
alcançada antes.”
No ano de 2014 tivemos importante
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi
alteração legislativa no ECA, promovida pela Lei n.º
complementada por dois protocolos, ambos já
13.010/2014 (Lei Menino Bernardo), que veio a
ratificados pelo Brasil: o Protocolo Facultativo à
estabelecer o direito da criança e do adolescente de
Convenção sobre os Direitos da Criança Referente à
serem educados e cuidados sem o uso de castigos
Venda de Crianças, à Prostituição Infantil e à
físicos ou de tratamento cruel ou degradante, trazendo
Pornografia Infantil e o Protocolo Facultativo à
uma série de mecanismos para efetivação desse
Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo ao
direito.
Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados.

Ultrapassado o panorama internacional de

proteção dos direitos humanos das crianças e 13.5. Direitos Humanos dos Povos Indígenas e

adolescentes, no direito interno, a Constituição Comunidades Tradicionais

Federal de 1988 impõe uma série de direitos sociais e


Os povos indígenas e das comunidades
culturais às crianças e aos adolescentes e deveres da
tradicionais são historicamente relegados ao
família, da sociedade e do Estado na salvaguarda dos
esquecimento e considerados por muitas legislações
mesmos. Podemos citar como exemplo de tais direitos:
nacionais, até bem pouco tempo, como relativamente
proibição do trabalho em determinadas situações
incapazes, ferindo sua própria dignidade e
perigosas ou insalubres ou abaixo de determinada
autodeterminação. Por essa motivação histórica, tais
idade; obediência ao princípio da brevidade da
povos merecem uma especial proteção no âmbito dos
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
direitos humanos.
pessoa em desenvolvimento, quando relacionado à

prática de atos infracionais. Aqui, diferentemente do que ocorre com as

minorias em geral, não podem tais povos e


Além do texto constitucional, o Estatuto da
comunidades ingressar no âmbito de proteção restrito
Criança e do Adolescente – ECA (Lei n.º 8.069/1990)
dos direitos individuais, eis que se trata da segurança
surgiu como um marco no direito brasileiro no que
de direitos coletivos, que também podem ser
concerne à proteção dos direitos das crianças e
denominados de direitos de grupo149.
adolescentes, garantindo proteção integral em virtude
148
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais a ed. São Paulo: 2021, p. 231.
149
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
que essas crianças e adolescentes podem estar ed. São Paulo: 2021, p. 235.

DIREITOS HUMANOS - 57

DIREITOS HUMANOS 58
Para fins de melhor compreensão, faz-se o critério da autoidentificação deve ser considerado

necessário esclarecer os seguintes conceitos150: dominante uma vez que previsto na Convenção da OIT

n. 169, já ratificada e incorporada internamente pelo


● Povos Indígenas: os vários grupos étnicos
Brasil.
que habitam um determinado território

desde tempos imemoriais, ali se encontrando Adentrando, de fato, aos instrumentos de

milênios antes das invasões ou colonizações, proteção dos direitos humanos dos povos indígenas e

e que continuaram a se desenvolver da comunidades quilombolas, a Convenção

maneira tradicionalmente por eles Internacional sobre a Eliminação de todas as

conhecida, com suas manifestações culturais formas de Discriminação Racial (1965) foi o primeiro

e hábitos, mantendo-se distintos dos outros mecanismo ainda vigente relativo à sua proteção, uma

setores da sociedade que atualmente vive vez que rechaça qualquer forma de discriminação

em tal território. racial, de forma genérica, sendo possível aplicá-la, pois,

aos povos indígenas.152


● Comunidades Tradicionais: são grupos

culturalmente diferenciados e que se Quanto ao respeito à cultura e ao trato das

reconhecem como tais, que possuem formas questões indígenas no plano global, merecem

próprias de organização social, que ocupam destaque as Convenções Internacionais do Trabalho

e usam, de maneira permanente ou nº 107 e nº 169, que buscaram estabelecer padrões

temporária, territórios e recursos naturais mínimos de trabalho, visando uma diminuição da

como condição para sua reprodução cultural, forma degradante com que os indígenas eram

social, religiosa, ancestral e econômica, forçados a trabalhar.

utilizando conhecimentos, inovações e


A Convenção nº 107 foi elaborada em um
práticas gerados e transmitidos pela
momento histórico em que se acreditava que os povos
tradição.
indígenas estavam em um estado civilizatório inferior,

Ramos151 indica que são possíveis dois por essa razão, o instrumento internacional

critérios para identificação do indivíduo como assegurava a proteção dos grupos aborígenes até o

indígena. O primeiro, é o do autorreconhecimento ou momento em que estes estivessem plenamente

autoidentificação, segundo o qual índio é qualquer integrados à comunidade nacional, negando-lhes suas

indivíduo que se identifica como tal. A outra forma é o manifestações culturais e, portanto, sua própria

heterorreconhecimento, por meio do qual se identidade. O próprio art. 1º da Convenção retrata essa

identifica alguém como índio pela própria comunidade visão:

indígena a que aquele afirma pertencer. Para o autor,


“Artigo 1.º
150
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 236.
151 152
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 1510 - 1511. ed. São Paulo: 2021, p. 237.

DIREITOS HUMANOS - 58

DIREITOS HUMANOS 59
1. A presente Convenção se aplica: a) aos comunidades tradicionais conservarem suas próprias
membros das populações tribais ou instituições sociais, econômicas, culturais e políticas;
semitribais em países independentes, cujas de terem respeitados o seu estilo de vida tradicional e
condições sociais e econômicas organização, diferentemente do restante da população
correspondem a um estágio menos
do país, ou seja, respeitou-se a autodeterminação
adiantado que o atingido pelos outros
desses povos e comunidades. A visão, agora, passou a
setores da comunidade nacional e que
ser garantista.
sejam regidas, total ou parcialmente, por

costumes e tradições que lhes sejam Inclusive, foi também na Convenção

peculiares por uma legislação especial.” Sucessória que se instituiu o critério da


(grifo nosso). autoidentidade indígena ou tribal para fins de

atribuição de direitos, pelo qual cabe à própria


Essa visão integracionista da Convenção n.º
comunidade se autoidentificar como “indígena”, não
107, que coloca o povo indígena em um nível inferior
podendo nenhum Estado ou grupo social negar-se a
de civilidade e evolução, até que se insira ao corpo
esse reconhecimento.154 Vejamos o teor do art. 1º da
social, influenciou, e muito, o Estatuto do Índio (Lei n.º
Convenção:
6.001/73), também elaborado com a finalidade de

integrar progressiva e harmoniosamente os povos “1.º A presente convenção aplica-se:

indígenas à “comunhão nacional”.153


a) aos povos tribais em países

Com uma visão claramente ultrapassada, no independentes, cujas condições sociais,

ano de 1989, a Convenção n.º 107 foi integralmente culturais e econômicas os distingam de

substituída pela Convenção n.º 169 (chamada de outros setores da coletividade nacional, e

“Convenção Sucessória”). A nova Convenção trouxe que estejam regidos, total ou parcialmente,

por seus próprios costumes ou tradições ou


uma nova visão sobre a questão indígena,
por legislação especial;
consagrando a ideia de que os Estados devem ser

pluriétnicos e multiculturais. A Constituição Federal b) aos povos em países independentes,


de 1988, embora tenha sido promulgada um ano antes considerados indígenas pelo fato de
da Convenção Sucessória, foi intensamente descenderem de populações que habitavam

influenciada por essas ideias mais modernas e o país ou uma região geográfica pertencente

respeitadoras dos direitos humanos dos povos ao país na época da conquista ou da

indígenas. colonização ou do estabelecimento das

atuais fronteiras estatais e que, seja qual for


A grande importância da Convenção n.º 169
sua situação jurídica, conservam todas as
foi a concretização do direito dos povos indígenas e

154
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
153
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 ed. São Paulo: 2021, p. 239.
ed. São Paulo: 2021, p. 239.

DIREITOS HUMANOS - 59

DIREITOS HUMANOS 60
suas próprias instituições sociais, Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que
econômicas, culturais e políticas, ou parte afirma em seu art. 1º o seguinte:
delas.”
“Artigo 1
Há outro ponto de grande destaque na
Os indígenas têm direito, a título coletivo ou
Convenção n.º 169, trata-se do reconhecimento aos
individual, ao pleno desfrute de todos os
povos indígenas dos direitos de propriedade e de
direitos humanos e liberdades fundamentais
posse sobre as terras que tradicionalmente
reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a
ocupam, devendo os governos adotar as medidas
Declaração Universal dos Direitos Humanos e
necessárias para salvaguardar tal direito. Essa temática
o direito internacional dos direitos humanos.”
gera uma certa discussão no direito brasileiro, uma vez

que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 20, XI, A Declaração compõe a soft law, ou seja, suas

insere entre os bens da União as terras normas não são vinculantes aos Estados, mas podem

tradicionalmente ocupadas pelos índios. Assim, servir como base de um futuro costume internacional

sustenta a doutrina que haveria uma antinomia entre de proteção dos direitos indígenas. Serve, também,

tratado internacional de direitos humanos e a para auxiliar a interpretação das normas

Constituição, que deve ser resolvida pelos critérios internacionais vinculantes eventualmente aplicáveis à

contemporâneos de solução de antinomias, em matéria indígena, como, por exemplo, a Convenção

especial pela aplicação do princípio pro homine.155 Americana de Direitos Humanos.156

Desde a Convenção n.º 169, muitos outros Quanto à proteção em âmbito regional, no

direitos indígenas e de comunidades tradicionais vêm sistema interamericano, há uma ampla jurisprudência

sendo perfilhados pelo direito internacional. Fruto da Corte Interamericana, como, por exemplo, nos

dessa evolução dos direitos indígenas e de casos Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua,

comunidades tradicionais, o principal instrumento, no de 2001, Comunidade Indígena Yakye Axa Vs.

plano onusiano, é a Convenção sobre a Proteção e a Paraguai, de 2005, Comunidade Indígena Xákmok

Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, Kásek Vs. Paraguai, de 2010. Embora cada um desses

adotada pela Unesco (Paris), no ano de 2005, que, casos tenha sua particularidade, em geral, reconhecem

dentre outras previsões, considera a importância dos a necessidade de proteção da cultura, religiosidade e

povos indígenas e a necessidade de preservação de direito à identidade cultural dos povos indígenas.

sua cultura e conhecimentos tradicionais. Ademais, também se destaca nas decisões a

necessidade do Estado fornecer o suporte básico à


Mais recentemente, em 2007, surgiu no
saúde, educação, direito à água limpa, e outros
âmbito do sistema global a Declaração das Nações

155
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 156
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
ed. São Paulo: 2021, p. 241. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 463.

DIREITOS HUMANOS - 60

DIREITOS HUMANOS 61
aspectos que se relacionam a uma vida digna desses autodeterminação desses povos, o respeito à

povos e comunidades.157 identidade cultural, às terras, ao meio ambiente e aos

recursos especialmente destinados a esses povos, bem


Outro ponto de especial relevância para
como a utilização do critério da autoidentificação para
jurisprudência da Corte Interamericana é a proteção
determinar quem são os indígenas.
dos direitos dos povos indígenas no que concerne à

garantia de uso e gozo das terras que tradicionalmente

ocupam, preservando o que (ainda) resta de sua


13.6. Direitos Humanos das Pessoas com
dignidade, de seus usos e de suas tradições.
Deficiência

Como visto a jurisprudência tem grande


Dentre as chamadas minorias, o grupo das
importância na proteção dos povos indígenas,
pessoas com deficiência se destaca por ser
sobretudo no sistema interamericano. Porém, ainda há
considerado 159“a maior minoria do mundo”.
outro importante instrumento que garante a proteção

desses povos no sistema interamericano, trata-se da Inicialmente, deve-se entender que os


Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos termos “pessoas com deficiência” e “pessoas com
Indígenas, de 2016. necessidades especiais” não são sinônimos. Se é certo

que toda pessoa com deficiência têm necessidades


A Declaração sobredita é o primeiro
especiais, não é menos verdade que nem todas as
instrumento, no âmbito da OEA, a reconhecer os
pessoas com necessidades especiais têm
direitos dos povos indígenas, oferecendo proteção
obrigatoriamente uma deficiência.
específica para esse grupo de pessoas na América do

Norte, América Central, América do Sul e no Caribe.158 No Brasil, após pesquisa realizada pelo
Sem dúvidas, o instrumento significou um novo marco Senado Federal, conclui-se que a melhor expressão a
à proteção dos direitos dos povos indígenas no ser empregada é “pessoas com deficiência”, tal qual
Continente Americano, levando em consideração que como veiculada nas normas internacionais de
passa a orientar as atividades dos Estados e dos proteção, em especial na Convenção da ONU sobre os
órgãos de monitoramento do sistema interamericano Direitos das Pessoas com Deficiência de 2007.
de direitos humanos no que concerne aos direitos
Embora saibamos a correta nomenclatura,
desse grupo de pessoas.
falta-nos conceituar o que se entende por pessoas
Temas de grande relevância foram tratados com deficiência, ao menos sob a ótica do direito
por meio da Declaração, tais como a participação dos internacional. Sendo o seguinte, conforme art. 1º da
povos indígenas nas tomadas de decisão do Estado, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência:
157
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 243.
158 159
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 246. ed. São Paulo: 2021, p. 265.

DIREITOS HUMANOS - 61

DIREITOS HUMANOS 62
“Pessoas com deficiência são aquelas que discriminação contra as pessoas com deficiência e
têm impedimentos de longo prazo de proporcionar a sua plena integração à sociedade.161
natureza física, mental, intelectual ou
Como visto, muitos foram os documentos
sensorial, os quais, em interação com
que buscaram ao longo dos anos ampliar a proteção
diversas barreiras, podem obstruir sua

participação plena e efetiva na sociedade das pessoas com deficiências. Porém, o mais

em igualdades de condições com as demais importante instrumento de proteção só surgiu no de

pessoas” 2007, trata-se da Convenção sobre os Direitos das

Pessoas com Deficiência (CDPD). Foi um instrumento


Por se tratar de tema de grande relevância
inovador, tanto por que se trata de um documento
no mundo inteiro, muitos são os instrumentos
vinculante (de hard law) aos Estados, obrigando-os ao
internacionais de proteção das pessoas com
seu cumprimento, quanto pelo fato de redimensionar
deficiência. Inicialmente, em 1971, a ONU proclamou a
o desenvolvimento social e de inclusão de maneira
Declaração sobre os Direitos das Pessoas com
objetiva.
Deficiências Mentais, sendo específica para um tipo

de deficiência, a mental. Já no ano de 1975 surgiu a Antes da CDPD o que havia eram normas de

Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, soft law, sem qualquer cunho jurídico-obrigacional,

que nada mais é do que uma resolução que orienta os sendo de cumprimento meramente facultativo por

Estados a utilizá-la como substrato na elaboração de parte dos Estados, logo, desvinculado de grandes

leis para a proteção das pessoas com deficiência.160 efeitos práticos e efetividade. Por essa razão, a

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com


Posteriormente, em 1993, foram adotadas as
Deficiência veio a ser o marco mais significativo, no
Normas Uniformes sobre Igualdade de
âmbito das Nações Unidas, de proteção dos direitos
Oportunidades para Pessoas com Deficiência e a
dessa classe de pessoas, especialmente por
Declaração e Programa de Ação de Viena, aprovadas
reconhecer que a deficiência é um conceito em
pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos.
evolução.

Inaugurando o século XXI, foi aprovada em


Flávia Piovesan afirma que um dos principais
2001 a Convenção Interamericana para a
aspectos inovadores da Convenção consiste no que se
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
chama de “reasonable accommodation”, indicando
contra as Pessoas Portadoras de Deficiência,
um dever do Estado em adotar ajustes, adaptações, ou
tratado por meio do qual os Estados-partes se obrigam
modificações razoáveis e apropriadas para assegurar
a tomar as medidas de caráter legislativo, social,
às pessoas com deficiência o exercício dos direitos
educacional, trabalhista, ou de qualquer outra
humanos em igualdade de condições com as demais.
natureza, que sejam necessárias para eliminar a
Daí entender que a violação desse dever representa

160 161
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 267. ed. São Paulo: 2021, p. 267.

DIREITOS HUMANOS - 62

DIREITOS HUMANOS 63
violação de direitos humanos dessas pessoas, tanto na considerado um marco legal para as pessoas com

esfera pública como na privada.162 deficiência no Brasil.164

Tamanha é a importância na Convenção, que Por fim, mas não menos importante,

o Brasil a aprovou com status de emenda à devemos lembrar do Tratado de Marraqueche,

constituição, nos moldes do art. 5º, §3º, da celebrado em 2013, que tem por finalidade superar a

Constituição Federal de 1988. A incorporação do histórica discriminação às pessoas cegas, com

tratado significou uma importante mudança de deficiência visual ou com dificuldade de acesso ao

paradigma na ordem interna, fazendo com que todo o texto impresso no que tange ao seu direito à leitura, à

ordenamento passasse a ter uma visão mais protetiva cultura e, consequentemente, ao pleno

a essas pessoas163. Ademais, passa-se a admitir o desenvolvimento pessoal.

controle de convencionalidade das demais normas


Foi o primeiro tratado do mundo a limitar os
domésticas, utilizando-se como paradigma de controle
direitos de propriedade intelectual de autores e
aos termos da Convenção.
editores, excepcionando o regime geral dos direitos

Influenciado pela Convenção sobre os autorais (regime de copyright) em prol da facilitação do

Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), surgiu no acesso à leitura de obras impressas às pessoas cegas,

Brasil, em 2015, o Estatuto da Pessoa com com deficiência visual ou outras dificuldades

Deficiência (Lei n.º 13.146/2015), a lei tem sua congêneres. Além disso, também foi incorporado ao

finalidade muito bem definida no art. 1º: direito brasileiro nos termos do art. 5º, §3º, da

Constituição Federal, possuindo status de emenda à


“Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de
constituição.165
Inclusão da Pessoa com Deficiência

(Estatuto da Pessoa com Deficiência),

destinada a assegurar e a promover, em


13.7. Direitos Humanos das Pessoas Pertencentes à
condições de igualdade, o exercício dos

direitos e das liberdades fundamentais por Comunidade LGBTQIA+

pessoa com deficiência, visando à sua


A discriminação e a violência perpetrada
inclusão social e cidadania.”
contra a comunidade lésbica, gay, bissexual,

A promulgação do Estatuto foi consequência transexual, de travestis, transgêneros, queer,

direta das obrigações impostas ao Brasil pela intersexuais, assexuais e + (comunidade LGBTQIA+) é

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com motivo de preocupação constante dos organismos

Deficiência e seu Protocolo Facultativo, passando a ser internacionais de proteção aos direitos humanos.

162 164
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 269. ed. São Paulo: 2021, p. 271.
163 165
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 271. ed. São Paulo: 2021, p. 274.

DIREITOS HUMANOS - 63

DIREITOS HUMANOS 64
Exemplo muito marcante da discriminação encontro dos tratados de direitos humanos ratificados

que as pessoas pertencentes a essa comunidade pelo Brasil, de outros direitos já reconhecidos à

sofrem são as chamadas “leis de sodomia”, utilizadas comunidade LGBTQIA+ na ordem interna, e ao próprio

por mais de 75 países no mundo todo, que espírito da Constituição.

criminalizam os indivíduos em razão de sua orientação


Um pouco antes, em 2011, o Supremo
sexual ou identidade de gênero.
Tribunal Federal, ao julgar a ADIn n.º 4277/DF e a

Já no Continente Americano, embora não ADPF n.º 132/RJ, em um dos casos mais emblemáticos

haja leis que criminalizem a conduta homossexual, de sua história, decidiu pelo reconhecimento da união

existem diversos instrumentos legais que discriminam, contínua, pública e duradoura entre pessoas do

como, por exemplo, em Trinidad e Tobago, que proíbe mesmo sexo, a partir de uma interpretação do art.

a entrada de homossexuais em seu território. 226, § 3.º, da Constituição Federal. Para o Tribunal, a

Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão


Como fruto de um movimento global de
família, não limita sua formação a casais
expansão e maior efetividade na proteção dos direitos
heteroafetivos nem a formalidade cartorária,
humanos da comunidade LGBTQIA+, a África do Sul
celebração civil ou liturgia religiosa. Logo, é
despontou como o primeiro país do mundo a incluir o
perfeitamente possível a formação de famílias com
direito à “orientação sexual” em sua Constituição. No
casais do mesmo sexo.167
Brasil, no entanto, não há qualquer norma expressa na

Constituição de 1988 sobre o direito à orientação A decisão do STF significou um verdadeiro

sexual, mas veda qualquer tipo de discriminação.166 reconhecimento do status de direito fundamental da

orientação e da liberdade sexual, reprimindo, ao


Embora a Constituição brasileira não tenha
mesmo tempo, quaisquer discriminações baseadas
previsão expressa ao direito à orientação sexual, os
nesses critérios. Com o advento da decisão histórica, o
seus valores, e, sobretudo, seu paradigma central, a
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano de 2013,
Dignidade da Pessoa Humana, irradiam efeitos
baixou a Resolução n.º 175, segundo a qual os
implícitos e uma valorosa carga axiológica que impõe a
Cartórios de todo o Brasil não poderão recusar a
proteção e o respeito aos direitos humanos da
celebração de casamentos civis de casais do mesmo
comunidade LGBTQIA+.
sexo ou deixar de converter em casamento união

Como decorrência desses valores, em 2020, estável homoafetiva.

o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, estabeleceu


Mais recentemente, em 2019, seguindo um
que as pessoas condenadas devem ser direcionadas a
posicionamento cada vez mais protetivo dos direitos
presídios ou cadeias conforme a sua
humanos e respeitador das diferenças, o STF
autoidentificação de gênero, medida que vai ao
reconheceu, no julgamento conjunto da Ação Direta de

166 167
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 279. ed. São Paulo: 2021, p. 288 – 289.

DIREITOS HUMANOS - 64

DIREITOS HUMANOS 65
Inconstitucionalidade por Omissão n.º 26 e do devem perseguir para proteger os direitos das pessoas

Mandado de Injunção n.º 4733, que houve omissão pertencentes à comunidade LGBTQIA+, indicando o

inconstitucional do Congresso Nacional por não melhor caminho de aplicabilidade das normas

editar lei que criminaliza as condutas de homofobia e internacionais pelo direito interno, sempre em busca

transfobia. Para a Suprema Corte, enquanto não de uma aplicação que valorize as questões atinentes à

sobrevier lei federal a criminalizar tais atos, todas as orientação sexual e identidade de gênero,

ações dessa natureza deverão ser enquadradas no compreendendo que ambas são essenciais à dignidade

tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei n.º de cada ser humano.169

7.716/1989. Ou seja, as condutas homofóbicas ou


Além dos documentos internacionais de
transfóbicas passaram a se enquadrar, a partir dessa
proteção, é muito farta a jurisprudência internacional
decisão, como espécies do gênero racismo.168
envolvendo a comunidade LGBTQIA+. Vejamos

No âmbito internacional, diversos algumas:

instrumentos preveem a proteção à igualdade e à não


● Caso “Atala Riffo e Filhas Vs. Chile” (Corte
discriminação de qualquer natureza, abrangendo o
Interamericana de Direitos Humanos):
respeito à igualdade sexual. O Pacto Internacional de
Nesse caso, julgado no ano de 2012, o Chile
Direitos Civis e Políticos, em seu art. 2.º, prevê o
foi condenado por ter discriminado e
dever de o Estado respeitar tais direitos, consagrando
interferido arbitrariamente na vida privada e
uma “cláusula geral de não discriminação”. Já em
familiar da Sra. Karen Atala Riffo, ao
2016, o Comitê de Direitos Humanos da ONU,
considerar a sua orientação sexual e a
responsável por implementar a aplicação do Pacto
convivência com sua companheira para
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, criou a
decidir o direito de guarda de suas três filhas,
figura do Especialista Independente (Independent
pleiteado pelo seu ex-marido ao argumento
Expert), visando a proteção contra a violência e a
de que o ambiente residencial familiar
discriminação motivadas por questões de orientação
materno seria prejudicial para o crescimento
sexual e identidade de gênero, tendo como
e desenvolvimento emocional das crianças.170
incumbência de investigar os casos de lesão a direitos

humanos de pessoas pertencente à comunidade Esse foi o primeiro caso julgado pela Corte
LGBTQIA+ em todo o planeta. Interamericana.

Outro instrumento internacional de grande ● Caso “Duque Vs. Colômbia” (Corte


relevância citado pela doutrina são os Princípios de Interamericana de Direitos Humanos):
Yogyakarta, elaborado em 2007, na Indonésia. Os Aqui, tratou-se da pretensão do Sr. Ángel
princípios sistematizam os objetivos que os Estados
169
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 281.
168 170
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 295. ed. São Paulo: 2021, p. 282.

DIREITOS HUMANOS - 65

DIREITOS HUMANOS 66
Duque de fazer jus à pensão por morte de violando suas obrigações internacionais

seu ex-companheiro, o que havia sido assumidas quando ratificou o Pacto

negado pela Colômbia, sob o argumento de Internacional dos Direitos Civis e Políticos e

que a seguridade social daquele país não reconheceu a violação dos direitos humanos,

contemplava a pensão por morte a casais do recomendando a revogação da

mesmo sexo. A Corte declarou ter o Estado criminalização de tais condutas.

colombiano violado o direito à igualdade

perante a lei e à não discriminação ao não

garantir ao Sr. Duque a pensão por morte do 13.8. Direitos Humanos dos Refugiados
ex-companheiro pelo simples fato de se
Os refugiados ganharam especial atenção a
tratar de união homoafetiva.171
partir do término da Primeira e Segunda Guerras
● Caso “Oliari e outros Vs. Itália” (Corte Mundiais. Embora esses momentos históricos tenham
Europeia de Direitos Humanos): No caso ocorrido no início e meados do século passado,
em análise a Corte Europeia declarou que a respectivamente, até os dias de hoje existem milhões
Itália tem o dever reconhecer a união de pessoas refugiadas no mundo, por diversas razões
duradoura entre pessoas do mesmo sexo, existentes, desde guerras locais, desastres naturais, e
tendo em vista que o país não oferecia perseguições políticas, até crises econômicas e sociais
qualquer proteção jurídica para as relações nos mais diversos países.
homoafetivas, violando o direito ao respeito
Os direitos dos refugiados, no direito
pela vida privada e familiar. Após essa
internacional, vêm consagrados na Convenção
condenação, o Parlamento italiano, em 11 de
Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951, e no
maio de 2016, aprovou a Lei que legaliza a
seu Protocolo de 1967, que são os textos magnos dos
união civil de pessoas do mesmo sexo.172
refugiados em plano global. Quando da sua redação
● Caso “Nicholas Toonen Vs. Austrália” original, a Convenção possuía uma limitação temporal,
(Comitê de Direitos Humanos da ONU): abarcando somente acontecimentos ocorridos antes
Trata-se de caso, apresentado em 1991, que de 1º de janeiro de 1951, e geográfica da definição de
versa acerca da criminalização das relações refugiado, aplicando-se somente para os eventos
homossexuais consentidas entre homens ocorridos na Europa. Em 1967, com o advento do
adultos, inclusive em ambientes privados. O Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, houve a
Comitê de Direitos Humanos das Nações retirada de tais limitações.173
Unidas entendeu que a Austrália estava

171
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 283.
172
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 285. 173
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 272.

DIREITOS HUMANOS - 66

DIREITOS HUMANOS 67
A partir desses dois documentos podemos compartilhadas a serem implementadas pelos Estados,

definir refugiado como sendo174: com a finalidade de mitigar as vulnerabilidades dos

refugiados e migrantes em seu deslocamento ao redor


“qualquer pessoa que, temendo ser
do mundo, considerando os impactos sociais, políticos,
perseguida por motivos de raça, religião,
econômicos e humanitários dessa movimentação.
nacionalidade, grupo social ou opiniões

políticas, se encontra fora do país de sua Por sua vez, no Brasil há a Lei 9.474/97, que
nacionalidade e que não pode ou, em
define os mecanismos para a implementação do
virtude desse temor, não quer valer-se da
Estatuto dos Refugiados de 1951 e estabelece critérios
proteção desse país, ou que, se não tem
para a concessão do status de refugiado no país. Tal
nacionalidade e se encontra fora do país no
norma é a primeira lei nacional a implementar um
qual tinha sua residência habitual, não pode
tratado de direitos humanos no Brasil, sendo ainda a
ou, devido ao referido temor, não quer
lei latino-americana mais ampla já existente no
voltar a ele.”
tratamento da questão177. O art. 1º da referida Lei
Dois são, portanto, os elementos essenciais estabelece quem será considerado refugiado:
do conceito de refúgio: temor de perseguição (por
“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo
motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou
indivíduo que:
opiniões políticas) e a extraterritorialidade. Ademais,

uma vez concedido o status de refugiado, por decisão I - devido a fundados temores de perseguição

de natureza declaratória, todos os que deixaram seus por motivos de raça, religião, nacionalidade,

territórios de origem ou de residência em virtude de grupo social ou opiniões políticas encontre-se

perseguição (por qualquer dos motivos acima fora de seu país de nacionalidade e não possa

ou não queira acolher-se à proteção de tal


referidos) passam a ter a proteção humanitária devida
país;
no país de refúgio.175

II - não tendo nacionalidade e estando fora do


Recentemente, em 2016, a Assembleia Geral
país onde antes teve sua residência habitual,
da ONU adotou a Declaração de Nova York para os
não possa ou não queira regressar a ele, em
Refugiados e os Migrantes, que consiste em ato
função das circunstâncias descritas no inciso
político e de natureza de soft law (sem força
anterior;
vinculante) e que visa suprir as lacunas do sistema

internacional de proteção dos refugiados.176 O III - devido a grave e generalizada violação de

documento traz a previsão de responsabilidades direitos humanos, é obrigado a deixar seu

país de nacionalidade para buscar refúgio em


174
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 outro país.”
ed. São Paulo: 2021, p. 296.
175
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 297.
176
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. 177
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
São Paulo: Saraiva, 2021, p. 281. ed. São Paulo: 2021, p. 298.

DIREITOS HUMANOS - 67

DIREITOS HUMANOS 68
Da mesma maneira que a lei estabelece outro (migração internacional), temporária ou

aqueles que são considerados refugiados, traz em seu definitivamente, e aqueles que estão se deslocando

art. 3º os indivíduos que não podem se beneficiar dentro do próprio país de nacionalidade (migração

dessa condição: interna). No Brasil o tema é regulado pela Lei de

Migração (Lei n.º 13.445/2017) que veio substituir o


Art. 3º Não se beneficiarão da condição de
antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei n.º 6.815/80).178
refugiado os indivíduos que:

I - já desfrutem de proteção ou assistência

por parte de organismo ou instituição das 13.9. Direitos Humanos dos Consumidores
Nações Unidas que não o Alto Comissariado

das Nações Unidas para os Refugiados - Não há dúvidas quanto à vulnerabilidade

ACNUR; que o consumidor possui frente aos fornecedores de

produtos e serviços, tanto nas relações internas


II - sejam residentes no território nacional e
quanto internacionalmente.
tenham direitos e obrigações relacionados

com a condição de nacional brasileiro; Com a evolução dos meios de comunicação e

difusão massiva da internet, as relações de consumo


III - tenham cometido crime contra a paz,
se espalham e se multiplicam por todo o mundo,
crime de guerra, crime contra a
sendo mantidas simultaneamente por milhares de
humanidade, crime hediondo, participado
pessoas. Atentos a essa mudança mundial de
de atos terroristas ou tráfico de drogas;
comportamento, os Estados têm se preocupado cada
IV - sejam considerados culpados de atos
vez mais em criar regulamentações aplicáveis a essas
contrários aos fins e princípios das Nações
relações, sobretudo visando a proteção dos direitos
Unidas.”
humanos da parte vulnerável, os consumidores.

Outra regulamentação trazida pela Lei


No Brasil, a principal norma de proteção dos
9.474/97 diz respeito ao Comitê Nacional para os
direitos do consumidor é a Lei n.º 8.078/1990 (Código
Refugiados – CONARE, que é o órgão interministerial
de Defesa do Consumidor), que veio em busca de
presidido pelo Ministério da Justiça e responsável por
consubstanciar a norma constitucional, com previsão
analisar os pedidos de refúgio, bem assim a cessação
no art. art. 5.º, XXXII:
ou perda da condição de refugiado, no Brasil. por

analisar os pedidos de refúgio, bem assim a cessação “Art. 5º (...)

ou perda da condição de refugiado.


XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a

defesa do consumidor;”
Por fim, de maneira semelhante, mas não

igual, tem-se a situação dos migrantes, que são

aquelas pessoas que estão saindo de seu país para 178


MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 300 – 301.

DIREITOS HUMANOS - 68

DIREITOS HUMANOS 69
Embora o Código de Defesa do Consumidor proteger o consumidor contra a publicidade enganosa

signifique um grande mecanismo de proteção aos e abusiva.

direitos dos consumidores, é certo que não é


Quando adentramos ao sistema
suficiente para cobrir situações relacionadas a
interamericano, como um todo, embora tenha havido
consumo ocorridas fora do território nacional, o que
discussões sobre o tema no âmbito da OEA, sobretudo
exige normas internacionais capazes de uniformizar a
reconhecendo que as normas internas se tornaram
proteção.179
insuficientes para proteção integral dos direitos

Quando se fala em normativa internacional, humanos dos consumidores, até os dias de hoje

chama-se atenção a Declaração Presidencial dos nenhuma convenção interamericana versou,

Direitos Fundamentais dos Consumidores do efetivamente, o tema da proteção do consumidor, não

Mercosul, proclamada em 2000, na cidade de tendo os trabalhos da OEA passado ainda do plano

Florianópolis. Pela Declaração, os Estados-partes do propositivo.181

bloco entenderam por bem empreender esforços para


Dessa forma, podemos concluir que a
incentivar as relações transparentes, harmônicas e
proteção internacional dos direitos humanos dos
leais no mercado de consumo, bem como implementar
consumidores ainda é frágil, tendo prevalecido as
mecanismos que atentem e garantam uma proteção
normativas internas de proteção, mas que, por conta
especial ao consumidor. O documento ainda cita uma
do mundo globalizado, têm se tornado cada vez
série de direitos mínimos, que não excluem outros
menos eficientes.
mais amplos ou protetivos, e que devem ser

assegurados por todos os Estados-partes aos

consumidores, buscando uma harmonização

progressiva das diversas legislações.180

Antes do advento da Declaração, houve

outros documentos relacionados ao tema no âmbito

do Mercosul, tais como a Resolução n.º 123/1996, que

aprovou os conceitos das relações de consumo, a

Resolução n.º 124/1996, que definiu os direitos

básicos do consumidor, a Resolução n.º 125/1996, que

dispôs sobre a proteção à saúde e segurança do

consumidor, e a Resolução n.º 126/1996, que visou

179
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 302.
180 181
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 8
ed. São Paulo: 2021, p. 303. ed. São Paulo: 2021, p. 304.

DIREITOS HUMANOS - 69

DIREITOS HUMANOS 70
OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 71
OPINIÕES CONSULTIVAS DA A COMPETÊNCIA DA CORTE IDH PARA EMITIR
OPINIÕES CONSULTIVAS NÃO SE RESTRINGE ÀS
NORMAS DA CADH 11
CORTE INTERAMERICANA DE
OC-11/90 13
1
DIREITOS HUMANOS A CONDIÇÃO DE INDIGÊNCIA E O TEMOR
GENERALIZADO DOS ADVOGADOS AFASTA O
1a EDIÇÃO/2022 REQUISITO DA NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DOS
RECURSOS INTERNOS PARA PETICIONAR PERANTE A
OC-1/82 3 CORTE IDH 13

OUTROS TRATADOS PODEM SER OBJETO DA FUNÇÃO OC-12/91 14


CONSULTIVA DA CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS 3 A CORTE IDH NÃO RESPONDE OPINIÕES
CONSULTIVAS DE ESTADOS QUE TENHAM CASOS
OC-2/82 4 CONTENCIOSOS – SOBRE A MATÉRIA QUESTIONADA –
PENDENTES NA CIDH 14
A CADH ENTRA EM VIGOR PARA O ESTADO QUE A
RATIFIQUE OU QUE A ELA VENHA ADERIR NA DATA DO OC-13/93 14
DEPÓSITO DO INSTRUMENTO DE RATIFICAÇÃO OU
ADESÃO, INDEPENDENTE DE MANIFESTAÇÃO OU ATRIBUIÇÕES DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE
CONCORDÂNCIA DOS OUTROS ESTADOS PARTES. 4 DIREITOS HUMANOS 14

OC-3/83 5 OC-14/94 18

RESTRIÇÕES À PENA DE MORTE 5 LEIS QUE NÃO SÃO DE APLICAÇÃO IMEDIATA NÃO
VIOLAM, POR SI SÓ, DE DIREITOS HUMANOS, AINDA
OC-4/84 6 QUE INCOMPATÍVEIS COM A CADH 18

REQUISITOS PARA AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE E OC-15/97 19


TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO 6
A CIDH NÃO PODE MODIFICAR SUBSTANCIALMENTE O
OC-5/85 7 SEU RELATÓRIO DEFINITIVO, CRIANDO, PORTANTO,
UM TERCEIRO RELATÓRIO 19
O REGISTRO PROFISSIONAL OBRIGATÓRIO PARA
JORNALISTAS É INCOMPATÍVEL COM A CADH 7 OC-16/99 20

OC-6/86 7 A ASSISTÊNCIA CONSULAR DO PRESO ESTRANGEIRO É


DIREITO INDIVIDUAL E DEVE SER GARANTIDO
SOMENTE LEIS EM SENTIDO FORMAL PODEM INDEPENDENTE DE PEDIDO DO ESTADO DE QUE ELE
RESTRINGIR DIREITOS PREVISTOS NA CADH 7 DETÉM NACIONALIDADE 20

OC-7/86 8 OC-17/02 21

O DIREITO DE RESPOSTA É AUTOAPLICÁVEL 8 CONDIÇÃO JURÍDICA E DIREITOS DA CRIANÇA 21

OC-8/87 9 OC-18/03 25

AS GARANTIAS DA PROTEÇÃO JUDICIAL E DO HABEAS A OBRIGAÇÃO GERAL DE RESPEITAR E GARANTIR


CORPUS NÃO PODEM SER SUSPENSAS, AINDA QUE DIREITOS HUMANOS VINCULA DOS ESTADOS,
EM PERÍODOS DE EXCEÇÃO 9 INDEPENDENTE DE QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA OU
CONSIDERAÇÃO, INCLUSIVE O STATUS MIGRATÓRIO
OC-10/89 11
DA PESSOA 25

1
Este material é um resumo da seguinte obra: PAIVA, Caio. OC-19/05 27
HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora EXISTE ALGUM ÓRGÃO QUE FISCALIZE A ATUAÇÃO DA
CEI, 2020. CIDH? 27
1

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 72


OC-20/09 27

A ADMISSIBILIDADE DE JUIZ AD HOC LIMITA-SE AOS


CASOS DE DENÚNCIA INTERESTATAIS? 27

OC-21/14 28

QUAIS SÃO AS OBRIGAÇÕES DOS ESTADOS EM


RELAÇÃO ÀS CRIANÇAS EM CONDIÇÕES
MIGRATÓRIAS? 28

OC-22/16 31

AS PESSOAS JURÍDICAS POSSUEM PROTEÇÃO DA


CADH? 31

OC-23/17 32

OS ESTADOS TÊM OBRIGAÇÃO DE PREVENIR DANOS


AMBIENTAIS SIGNIFICATIVOS, DENTRO OU FORA DO
SEU TERRITÓRIO 32

OC-24/17 33

IDENTIDADE DE GÊNERO E IGUALDADE E NÃO


DISCRIMINAÇÃO A CASAIS DO MESMO SEXO.
OBRIGAÇÕES ESTATAIS EM RELAÇÃO À MUDANÇA DE
NOME, À IDENTIDADE DE GÊNERO E OS DIREITOS
DERIVADOS DE UM VÍNCULO ENTRE CASAIS DO
MESMO SEXO 33

OC-25/18 35

DIREITO DE BUSCAR ASILO 35

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 73


O que o Peru queria saber era se somente os tratados

adotados dentro do sistema interamericano estavam


OPINIÃO
contemplados no dispositivo ou se todos os tratados
CONSULT
ASSUNTO CENTRAL nos quais um ou mais Estados Americanos fossem
IVA
partes estariam aí contidos.
(Nº/ANO)
A resposta da Corte IDH concluiu que a sua
OUTROS TRATADOS PODEM SER
competência consultiva não se limita aos tratados
OBJETO DA FUNÇÃO CONSULTIVA
OC-1/82
elaborados no Sistema Interamericano,
DA CORTE INTERAMERICANA DE
abrangendo, portanto, todo e qualquer tratado
DIREITOS HUMANOS
que possa ser aplicado aos Estados americanos.

Nas palavras da Corte:


A OC nº 1 foi solicitada pelo Peru, a continha a

seguinte indagação: em relação ao art. 64 da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como “(...) a competência consultiva da Corte

deve ser interpretada a frase: “ou de outros tratados pode ser exercida, em geral, sobre toda

concernentes à proteção dos direitos humanos nos disposição, concernente à proteção dos

Estados Americanos”? direitos humanos, de qualquer tratado

internacional aplicável nos Estados


Vejamos o texto da Convenção em questão:
Americanos, independentemente de que

seja bilateral ou multilateral, de qual seja


Artigo 64 seu objeto principal ou de quem sejam
1. Os Estados membros da Organização ou possam ser partes do mesmo Estados
poderão consultar a Corte sobre a alheios ao sistema interamericano.”
interpretação desta Convenção ou de Ainda: “(...) por razões determinantes que
outros tratados concernentes à proteção expressará em decisão motivada, a Corte
dos direitos humanos nos Estados poderá abster-se de responder uma
americanos. Também poderão consulta se entender que, nas
consultá-la, no que lhes compete, os circunstâncias do caso, a petição exceda
órgãos enumerados no capítulo X da Carta dos limites de sua função consultiva, seja
da Organização dos Estados Americanos, porque o assunto apresentado diga
reformada pelo Protocolo de Buenos Aires. respeito principalmente a compromissos
2. A Corte, a pedido de um Estado membro internacionais contraídos por um Estado
da Organização, poderá emitir pareceres não americano ou a estrutura ou
sobre a compatibilidade entre qualquer de funcionamento de órgãos ou organismos
suas leis internas e os mencionados internacionais alheios ao sistema
instrumentos internacionais. interamericano; seja porque o trâmite da

solicitação possa conduzir a alterar ou a

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 74


debilitar, em prejuízo do ser humano, o aderir ulteriormente, a Convenção

regime previsto pela Convenção; seja por entrará em vigor na data do depósito do

outra razão análoga.” seu instrumento de ratificação ou de

adesão.

3. O Secretário-Geral informará todos os


OPINIÃO
Estados membros da Organização sobre
CONSULT
ASSUNTO CENTRAL a entrada em vigor da Convenção.
IVA
Artigo 75
(Nº/ANO)
Esta Convenção só pode ser objeto de
A CADH ENTRA EM VIGOR PARA O
reservas em conformidade com as
ESTADO QUE A RATIFIQUE OU QUE A
disposições da Convenção de Viena
ELA VENHA ADERIR NA DATA DO
sobre o Direito dos Tratados, assinada
DEPÓSITO DO INSTRUMENTO DE
em 23 de maio de 1969.
OC-2/82
RATIFICAÇÃO OU ADESÃO,

INDEPENDENTE DE MANIFESTAÇÃO
Com a finalidade de entender a abrangência do
OU CONCORDÂNCIA DOS OUTROS
dispositivo acima, a Comissão Interamericana de
ESTADOS PARTES.
Direitos Humanos (CIDH) interrogou à Corte:

A partir de quando se entende que um Estado é parte


De acordo com os arts. 74 e 75 da CADH: da Convenção Americana sobre Direitos Humanos:

quando a ratificou ou aderiu à Convenção com uma

Art. 74. ou mais reservas? Desde a data do depósito do

1. Esta Convenção fica aberta à instrumento de ratificação ou adesão ou ao cumprir o

assinatura e à ratificação ou adesão de termo previsto no art. 20 da Convenção de Viena

todos os Estados membros da sobre o Direito dos Tratados?

Organização dos Estados Americanos. A Corte IDH respondeu:


2. A ratificação desta Convenção ou a “A Corte é de opinião que a CADH entra em vigor
adesão a ela efetuar-se-á mediante para um Estado que a ratifique ou que venha
depósito de um instrumento de aderir a ela, com ou sem reservas, na data do
ratificação ou de adesão na depósito do instrumento de ratificação ou adesão,
Secretaria-Geral da Organização dos sem que se exija, portanto, a manifestação ou a
Estados Americanos. Esta Convenção concordância dos demais Estados Partes da CADH
entrará em vigor logo que onze Estados sobre o conteúdo das reservas apresentadas”.
houverem depositado os seus

respectivos instrumentos de ratificação

ou de adesão. Com referência a qualquer

outro Estado que a ratificar ou que a ela

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 75


OPINIÃO 6. Toda pessoa condenada à morte tem

CONSULT direito a solicitar anistia, indulto ou


ASSUNTO CENTRAL
IVA comutação da pena, os quais podem ser

(Nº/ANO) concedidos em todos os casos. Não se

pode executar a pena de morte


OC-3/83 RESTRIÇÕES À PENA DE MORTE
enquanto o pedido estiver pendente de

decisão ante a autoridade competente.

A CADH dispõe:

A opinião consultiva número 3 também foi solicitada

pela CADH, neste caso, para saber se:


Art. 4º.

1. Toda pessoa tem o direito de que se ● Pode um Governo aplicar a pena de morte?

respeite sua vida. Esse direito deve ser ● Pode um Governo que fez reserva ao art. 4.4
protegido pela lei e, em geral, desde o da CADH legislar impondo a pena de morte a
momento da concepção. Ninguém pode delitos que não tinham essa sanção quando
ser privado da vida arbitrariamente. se efetuou a ratificação?
2. Nos países que não houverem abolido

a pena de morte, esta só poderá ser


Segundo a Corte:
imposta pelos delitos mais graves, em

cumprimento de sentença final de

tribunal competente e em conformidade “A Convenção proíbe absolutamente a

com lei que estabeleça tal pena, extensão da pena de morte e que,

promulgada antes de haver o delito sido consequentemente, não pode o

cometido. Tampouco se estenderá sua Governo de um Estado Parte aplicar a

aplicação a delitos aos quais não se pena de morte a delitos para os quais

aplique atualmente. não estava contemplada

3. Não se pode restabelecer a pena de anteriormente em sua legislação

morte nos Estados que a hajam abolido. interna”. Outrossim, “Uma reserva

4. Em nenhum caso pode a pena de limitada por seu próprio texto ao art. 4.4

morte ser aplicada por delitos políticos, da CADH não permite ao Governo de um

nem por delitos comuns conexos com Estado Parte legislar posteriormente

delitos políticos. para estender a aplicação da pena de

5. Não se deve impor a pena de morte a morte a delitos para os quais não estava

pessoa que, no momento da perpetração contemplada anteriormente”.

do delito, for menor de dezoito anos, ou

maior de setenta, nem aplicá-la a mulher

em estado de gravidez.

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 76


OPINIÃO 3. Ninguém será privado arbitrariamente

CONSULT de sua nacionalidade nem do direito a


ASSUNTO CENTRAL
IVA mudá-la.

Artigo 24. Igualdade perante a lei.


(Nº/ANO)
Todas as pessoas são iguais perante a lei.
REQUISITOS PARA AQUISIÇÃO DE
Por conseguinte, têm direito, sem
OC-4/84 NACIONALIDADE E TEORIA DA
discriminação, a igual proteção da lei.
MARGEM DE APRECIAÇÃO

De acordo com a Corte:


A Costa Rica solicitou à Corte IDH sua opinião quanto

à compatibilidade de uma proposta de reforma à


“(...) não constitui discriminação contrária
Constituição interna, cujo projeto era modificar
à Convenção estipular condições
questões relacionadas ao Direito de nacionalidade.
preferenciais para obter a nacionalidade
Os artigos da CADH analisados na consulta foram os
costarriquense por naturalização em
seguintes:
favor de centroamericanos,

ibero-americanos e espanhóis, frente aos


Artigo 17. Proteção da família. demais estrangeiros.”

4. Os Estados Partes devem tomar

medidas apropriadas no sentido de


Ainda, “não constitui discriminação contrária à
assegurar a igualdade de direitos e a
Convenção limitar essa preferência a
adequada equivalência de
centroamericanos, ibero-americanos e espanhóis por
responsabilidades dos cônjuges quanto
nascimento.”
ao casamento, durante o casamento e
Outrossim, “(...) não constitui, por si só,
em caso de dissolução do mesmo. Em
discriminação contrária à Convenção, adicionar os
caso de dissolução, serão adotadas
requisitos do art. 15 do projeto, para a obtenção
disposições que assegurem a proteção
da nacionalidade costarriquense por
necessária aos filhos, com base
naturalização.”
unicamente no interesse e conveniência
Mas, “(...) constitui discriminação incompatível com
dos mesmos.
os artigos 17.4 e 24 da Convenção estipular no art.
Artigo 20. Direito à nacionalidade.
14.4 do projeto condições preferenciais para a
1. Toda pessoa tem direito à uma
naturalização por causa de casamento a favor de
nacionalidade.
um só dos cônjuges.”
2. Toda pessoa tem direito à

nacionalidade do Estado em cujo Importa acrescentar que a expressão “leis internas”

território nasceu se não tem direito a deve ser interpretada de forma ampla. Logo, nela está

outra.

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 77


contida toda a legislação nacional, incluindo Em resposta, a Corte IDH decidiu que a referida

disposições constitucionais. exigência é incompatível com o artigo 13 da CADH,

Quanto à TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO, que portanto, trata-se de prática inconvencional.

tem espaço maior no Sistema Europeu, ela dispõe Após isso, no RE 511.961, de 17 de junho de 2009, o

que os órgãos internacionais devem se abster de STF decidiu que é inconstitucional a exigência de

decidir determinadas temáticas, a fim de que os diploma de curso superior de jornalista para o

Estados tenham uma variedade maior de exercício da profissão, citando, expressamente, a

alternativas; trata-se, pois, de um espaço de opinião consultiva ora em comento.

deferência da Corte às jurisdições nacionais p/ que Tivemos aqui, portanto, o que a doutrina chama de
preencham o conteúdo da violação de Direitos DIÁLOGO DAS CORTES ou, segundo prefere o
Humanos, a fim de que não haja interferência professor André de Carvalho: FERTILIZAÇÃO
excessiva nas jurisdições dos Estados pelos órgãos de CRUZADA ou CROSS-FERTILIZATION.
proteção internacional.
O professor Thimotie Aragon Heemann afirma que a
No caso ora analisado, a Corte IDH fez menção liberdade de expressão possui algumas dimensões,
expressa à teoria da margem de apreciação no que se dentre elas, uma individual e outra coletiva.
refere à fixação dos requisitos para naturalização,
A primeira abrange a possibilidade de o indivíduo
mas acrescentou que eles não podem ser arbitrários
se expressar de maneira individual e, para isso,
ou discriminatórios.
utilizar de todo e qualquer meio de comunicação - no

denominado “livre mercado de ideias”.

OPINIÃO A dimensão coletiva, por sua vez, trata a liberdade


CONSULT de expressão como um meio para “o intercâmbio de
ASSUNTO CENTRAL
IVA ideias e informações na chamada sociedade da
(Nº/ANO) informação (...) A dimensão social é a liberdade de

O REGISTRO PROFISSIONAL expressão como meio de intercambialidade de

OC-5/85 OBRIGATÓRIO PARA JORNALISTAS É ideias e informações e a comunicação massiva dos

INCOMPATÍVEL COM A CADH seres humanos”, afirma o professor.

A opinião consultiva nº 5/85 foi solicitada pela Costa OPINIÃO


Rica à Corte IDH. CONSULT
ASSUNTO CENTRAL
Na ocasião, o Estado perguntou à Corte se a IVA

exigibilidade do diploma de jornalista em curso (Nº/ANO)

superior era compatível com os arts. 13 e 29, da CIDH, SOMENTE LEIS EM SENTIDO FORMAL
que tratam da liberdade de expressão e do princípio OC-6/86 PODEM RESTRINGIR DIREITOS
pro persona, respectivamente. PREVISTOS NA CADH

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 78


Segundo o art. 30, da CADH: Restou consignado, finalmente, que, por uma questão

de legitimidade democrática, não é toda e qualquer

norma jurídica que pode restringir direitos


Art. 30. As restrições permitidas, de
humanos previstos na CADH. Portanto, somente leis
acordo com esta Convenção, ao gozo e
em sentido formal podem restringir os direitos
exercício dos direitos e liberdades nela
previstos na Convenção Americana de Direitos
reconhecidos, não podem ser aplicadas
Humanos, afirmou.
senão de acordo com leis que forem

promulgadas por motivo de interesse

geral e com o propósito para o qual OPINIÃO


houverem sido estabelecidas.
CONSULT
ASSUNTO CENTRAL
IVA
Com o objetivo de entender o referido artigo da (Nº/ANO)
convenção, o Uruguai indagou à Corte IDH: a
O DIREITO DE RESPOSTA É
expressão “leis” utilizada no artigo 30, da CADH, OC-7/86
AUTOAPLICÁVEL
refere-se às leis em sentido formal – editadas pelo

congresso e nos termos da CF – ou em sentido


Segundo a CADH:
material, aqui entendidas como ordenamento

jurídico?

Em resposta, a Corte IDH definiu que “os sentidos Art. 14.

empregados nos tratados internacionais de 1. Toda pessoa atingida por informações

direitos humanos possuem um significado inexatas ou ofensivas emitidas em seu

autônomo e não devem ser interpretados à luz do prejuízo por meios de difusão legalmente

ordenamento jurídico interno de cada país.” regulamentados e que se dirijam ao

público em geral, tem direito a fazer,


Ainda segundo a Corte, “é preciso que se observe,
pelo mesmo órgão de difusão, sua
na interpretação das normas convencionais, o
retificação ou resposta, nas condições
disposto no art. 31.1 da Convenção de Viena sobre
que estabeleça a lei.
os tratados, que assim dispõe:
2. Em nenhum caso a retificação ou a

resposta eximirão das outras


Artigo 31.
responsabilidades legais em que se
1. Um tratado deve ser interpretado de
houver incorrido.
boa fé segundo o sentido comum
3. Para a efetiva proteção da honra e da
atribuível aos termos do tratado em seu
reputação, toda publicação ou empresa
contexto e à luz de seu objetivo e
jornalística, cinematográfica, de rádio ou
finalidade.
televisão, deve ter uma pessoa

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 79


responsável que não seja protegida por 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e

imunidades nem goze de foro especial. à segurança pessoais.

2. Ninguém pode ser privado de sua

Com a finalidade de entender o alcance das liberdade física, salvo pelas causas e nas

disposições acima, o Estado da Costa Rica indagou à condições previamente fixadas pelas

Corte IDH se o artigo 14, da CADH, é autoaplicável e, constituições políticas dos Estados Partes

não sendo, como o Estado deveria tratar a matéria. ou pelas leis de acordo com elas

promulgadas.
Em resposta, a Corte IDH respondeu que se trata de
3. Ninguém pode ser submetido a
matéria autoaplicável e que os Estados têm
detenção ou encarceramento arbitrários.
obrigação de adotar as medidas necessárias para
4. Toda pessoa detida ou retida deve ser
garantir esse direito no âmbito interno, inclusive,
informada das razões da sua detenção e
implementando-o, se ainda não estiver
notificada, sem demora, da acusação ou
implementado.
acusações formuladas contra ela.
Para a Corte, ainda, a palavra “lei”, constante no art.
5. Toda pessoa detida ou retida deve ser
14.1, compreende todas as disposições internas
conduzida, sem demora, à presença de
que sejam adequadas para garantir um livre
um juiz ou outra autoridade autorizada
exercício do direito de resposta, mas, quando se
pela lei a exercer funções judiciais e tem
tratar de medidas restritivas ao direito em
direito a ser julgada dentro de um prazo
questão, faz-se necessária lei em sentido formal.
razoável ou a ser posta em liberdade,

sem prejuízo de que prossiga o processo.

Sua liberdade pode ser condicionada a

garantias que assegurem o seu


OPINIÃO
comparecimento em juízo.
CONSULT
ASSUNTO CENTRAL 6. Toda pessoa privada da liberdade tem
IVA
direito a recorrer a um juiz ou tribunal
(Nº/ANO)
competente, a fim de que este decida,
AS GARANTIAS DA PROTEÇÃO
sem demora, sobre a legalidade de sua
JUDICIAL E DO HABEAS CORPUS NÃO
OC-8/87 prisão ou detenção e ordene sua soltura
PODEM SER SUSPENSAS, AINDA QUE
se a prisão ou a detenção forem ilegais.
EM PERÍODOS DE EXCEÇÃO
Nos Estados Partes cujas leis prevêem

que toda pessoa que se vir ameaçada de

Nos termos da CADH: ser privada de sua liberdade tem direito

a recorrer a um juiz ou tribunal

competente a fim de que este decida


Artigo 7. Direito à liberdade pessoal
sobre a legalidade de tal ameaça, tal

recurso não pode ser restringido nem

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 80


abolido. O recurso pode ser interposto situação, suspendam as obrigações

pela própria pessoa ou por outra pessoa. contraídas em virtude desta Convenção,

7. Ninguém deve ser detido por dívidas. desde que tais disposições não sejam

Este princípio não limita os mandados de incompatíveis com as demais obrigações

autoridade judiciária competente que lhe impõe o Direito Internacional e

expedidos em virtude de não encerrem discriminação alguma

inadimplemento de obrigação alimentar. fundada em motivos de raça, cor, sexo,

Artigo 25. Proteção judicial idioma, religião ou origem social.

1. Toda pessoa tem direito a um recurso 2. A disposição precedente não autoriza

simples e rápido ou a qualquer outro a suspensão dos direitos determinados

recurso efetivo, perante os juízes ou seguintes artigos: 3 (Direito ao

tribunais competentes, que a proteja reconhecimento da personalidade

contra atos que violem seus direitos jurídica); 4 (Direito à vida); 5 (Direito à

fundamentais reconhecidos pela integridade pessoal); 6 (Proibição da

constituição, pela lei ou pela presente escravidão e servidão); 9 (Princípio da

Convenção, mesmo quando tal violação legalidade e da retroatividade); 12

seja cometida por pessoas que estejam (Liberdade de consciência e de religião);

atuando no exercício de suas funções 17 (Proteção da família); 18 (Direito ao

oficiais. nome); 19 (Direitos da criança); 20

2. Os Estados Partes comprometem-se: (Direito à nacionalidade) e 23 (Direitos

a. a assegurar que a autoridade políticos), nem das garantias

competente prevista pelo sistema legal indispensáveis para a proteção de tais

do Estado decida sobre os direitos de direitos.

toda pessoa que interpuser tal recurso; 3. Todo Estado Parte que fizer uso do

b. a desenvolver as possibilidades de direito de suspensão deverá informar

recurso judicial; e imediatamente os outros Estados Partes

c. a assegurar o cumprimento, pelas na presente Convenção, por intermédio

autoridades competentes, de toda do Secretário-Geral da Organização dos

decisão em que se tenha considerado Estados Americanos, das disposições

procedente o recurso. cuja aplicação haja suspendido, dos

Artigo 27. Suspensão de garantias motivos determinantes da suspensão e

1. Em caso de guerra, de perigo público, da data em que haja dado por terminada

ou de outra emergência que ameace a tal suspensão.

independência ou segurança do Estado

Parte, este poderá adotar disposições Perceba que as referidas garantias não se encontram
que, na medida e pelo tempo no rol de ressalvas do art. 27.2. Mas, a Corte IDH, em
estritamente limitados às exigências da resposta às Opiniões Consultivas nº 8 e 9, de 1987,
10

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 81


solicitadas pela CIDH e pelo Estado do Uruguai, referido remédio se presta à verificação da legalidade

respectivamente, disse que: e dos limites da restrição imposta.

No que se refere à parte final do art. 27.2, deve-se

“O habeas corpus, para cumprir com interpretar que a expressão “garantias

seu objetivo de verificação judicial da indispensáveis para a proteção de tais direitos”

legalidade de privação de liberdade, abrange, também, o amparo ou qualquer outro

exige a apresentação pessoal do recurso efetivo destinado a assegurar o respeito

detido ante o juiz ou tribunal aos direitos e às liberdades cuja suspensão não

competente. Neste sentido, é essencial está autorizada. É garantia, igualmente, os

a função que cumpre o habeas corpus procedimentos judiciais de cada Estado inerentes à

como meio para controlar o respeito à forma democrática representativa de governo e as

vida e à integridade da pessoa, para garantias do devido processo, do art. 8º, da CADH,

impedir seu desaparecimento ou a para assegurar a plenitude do exercício dos direitos a

indeterminação do seu lugar de que se refere o art. 27.2, da CADH.

detenção, assim como para protegê-la

contra a tortura e outros tratamentos


OPINIÃO
ou penas cruéis, desumanos ou
CONSULT
degradantes.” ASSUNTO CENTRAL
IVA

(Nº/ANO)
Ainda segundo a Corte:
A COMPETÊNCIA DA CORTE IDH

PARA EMITIR OPINIÕES


OC-10/89
“Dentro de um Estado de Direito, deve CONSULTIVAS NÃO SE RESTRINGE ÀS

haver o exercício do controle de NORMAS DA CADH

legalidade de tais medidas por parte

de um órgão judicial autônomo e


Nos termos do art. 64, da CADH:
independente, que verifique, p. ex., se

adequa aos termos no qual o estado de


1. Os Estados membros da Organização
exceção está autorizado. Aqui o habeas
poderão consultar a Corte sobre a
corpus adquire uma nova dimensão
interpretação desta Convenção ou de
fundamental”.
outros tratados concernentes à proteção

dos direitos humanos nos Estados


Assim, portanto, ainda que o direito à liberdade
americanos. Também poderão
possa ser restrito em momentos de exceção, a
consultá-la, no que lhes compete, os
garantia do HC não pode ser suspensa, pois
órgãos enumerados no capítulo X da

Carta da Organização dos Estados

11

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 82


Americanos, reformada pelo Protocolo humanos sem integrar as normas

de Buenos Aires. pertinentes a ela com as

2. A Corte, a pedido de um Estado correspondentes disposições da

membro da Organização, poderá emitir Declaração, como resulta da prática

pareceres sobre a compatibilidade entre seguida pelos órgãos da OEA.

qualquer de suas leis internas e os Tendo em conta que a Carta da


mencionados instrumentos Organização e a Convenção Americana
internacionais. são tratados a respeito dos quais a Corte

pode exercer sua competência consultiva

Na interpretação do referido artigo, em resposta ao em virtude do artigo 64.1, esta pode

Estado da Colômbia, a Corte IDH concluiu que é interpretar a Declaração Americana e

competente para emitir opiniões consultivas emitir sobre ela uma opinião consultiva

sobre a interpretação da DECLARAÇÃO Americana no marco e dentro dos limites de sua

de Direitos do Homem, desde que esteja dentro do competência, quando isso seja

dos limites de sua competência em relação com a necessário para interpretar tais

Carta e a Convenção ou outros tratados instrumentos.

concernentes à proteção dos direitos humanos Para os Estados Membros da


nos Estados Americanos. Organização, a Declaração é o texto

Em outras palavras: a Corte pode interpretar a que determina quais são os direitos

DADDH e expedir Opinião Consultiva quando isso humanos a que se refere a Carta. De

for necessário para interpretar a CADH ou a Carta outra parte, os artigos 1.2.b) e 20 do

da OEA. Estatuto da Comissão definem,

Isso porque, segundo a Corte: o fato de DADDH não igualmente, a competência da mesma a

seja um tratado não conduz à conclusão de que respeito dos direitos humanos previstos

careça de efeitos jurídicos nem de que a Corte na Declaração. Isto é, para estes Estados

esteja impossibilitada para interpretá-la. a Declaração Americana constitui, no que

diz respeito e em relação com a Carta da


Nas exatas palavras do órgão:
Organização, uma fonte de obrigações

internacionais.
“Pode ser considerar então que, como
Para os Estados Partes na Convenção a
uma interpretação autorizada, os
fonte concreta de suas obrigações, no
Estados Membros têm entendido que a
tocante à proteção dos direitos
Declaração contém e define aqueles
humanos, em princípio, é a própria
direitos humanos essenciais aos quais a
Convenção. Porém, há que se levar em
Carta se refere, de modo que não se
conta que à luz do artigo 29.d), embora o
pode interpretar e aplicar a Carta da
instrumento principal que rege para os
Organização em matéria de direitos
12

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 83


Estados Partes na Convenção seja ela b. que seja apresentada dentro do

mesma, nem por isso se liberam das prazo de seis meses, a partir da data

obrigações que derivam para eles da em que o presumido prejudicado em

Declaração pelo fato de serem membros seus direitos tenha sido notificado da

da OEA. decisão definitiva;

A circunstância de que a Declaração não c. que a matéria da petição ou

seja um tratado não conduz, então, à comunicação não esteja pendente de

conclusão de que careça de efeitos outro processo de solução

jurídicos nem de que a Corte esteja internacional; e

impossibilitada para interpretá-la no d. que, no caso do artigo 44, a petição

marco do que foi exposto.” contenha o nome, a nacionalidade, a

profissão, o domicílio e a assinatura da

pessoa ou pessoas ou do representante

legal da entidade que submeter a

OPINIÃO petição.

CONSULT 2. As disposições das alíneas a e b do


ASSUNTO CENTRAL
IVA inciso 1 deste artigo não se aplicarão

(Nº/ANO) quando:

a. não existir, na legislação interna do


A CONDIÇÃO DE INDIGÊNCIA E O
Estado de que se tratar, o devido
TEMOR GENERALIZADO DOS
processo legal para a proteção do
ADVOGADOS AFASTA O REQUISITO
OC-11/90 direito ou direitos que se alegue
DA NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO
tenham sido violados;
DOS RECURSOS INTERNOS PARA
b. não se houver permitido ao
PETICIONAR PERANTE A CORTE IDH
presumido prejudicado em seus

direitos o acesso aos recursos da


Nos termos do art. 46, da CADH: jurisdição interna, ou houver sido ele

impedido de esgotá-los; e

1. Para que uma petição ou c. houver demora injustificada na

comunicação apresentada de acordo decisão sobre os mencionados

com os artigos 44 ou 45 seja admitida recursos.

pela Comissão, será necessário:

a. que hajam sido interpostos e A Corte IDH, em resposta à CIDH, na OC nº 11/90,


esgotados os recursos da jurisdição posicionou-se no sentido de que é possível afastar o
interna, de acordo com os princípios de requisito do esgotamento dos recursos internos
direito internacional geralmente (art. 48.1, “a”, da CADH) quando as condições
reconhecidos; econômicas do peticionário não for capaz garantir
13

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 84


o uso dos recursos jurídicos do país denunciado – e vítimas tenham oportunidade no

igual entendimento pode ser dado quando houver processo, distorcendo o sistema da

temor generalizado dos advogados em Convenção. O procedimento

representá-lo. contencioso é, por definição, uma

oportunidade na qual os assuntos

são discutidos e confrontados de


OPINIÃO
uma maneira muito mais direta que
CONSULT
ASSUNTO CENTRAL no processo consultivo, do qual não
IVA
se pode privar os indivíduos que não
(Nº/ANO)
participam deste. Os indivíduos são

A CORTE IDH NÃO RESPONDE representados no processo

OPINIÕES CONSULTIVAS DE contencioso perante a Corte pela

ESTADOS QUE TENHAM CASOS Comissão, cujos interesses podem ser


OC-12/91
CONTENCIOSOS – SOBRE A MATÉRIA de outra natureza no processo

QUESTIONADA – PENDENTES NA consultivo.”

CIDH

Concluindo, por isso, que: “decide não responder à

Na OC 12/91, o governo da Costa Rica submeteu à consulta apresentada pelo Governo da Costa Rica.”

Corte uma consulta a respeito da compatibilidade de

um projeto de lei cujo objetivo era a reforma dos


OPINIÃO
artigos do Código de Procedimentos Penais e de
CONSULT
Criação do Tribunal Superior de Cassação Penal. ASSUNTO CENTRAL
IVA
Em resposta aos questionamentos postos pelo Estado (Nº/ANO)
Parte, a Corte pontuou que:
ATRIBUIÇÕES DA COMISSÃO

OC-13/93 INTERAMERICANA DE DIREITOS

“(...) como a Costa Rica, segundo HUMANOS

informado pela Comissão

Interamericana, responde a nove


A OC 13/93 foi solicitada pelos governos da Argentina
casos de violação do art. 8.2.h
e do Uruguai, com a finalidade de interpretação dos
perante a Comissão, uma resposta às
artigos 41, 42, 44, 46, 47, 50 e 51 da Convenção
perguntas apresentadas poderia
Americana sobre Direitos Humanos. De acordo com
trazer como resultado uma solução
os dispositivos:
de maneira encoberta, pela via da

opinião consultiva, de assuntos

litigiosos ainda não submetidos à

consideração da Corte, sem que as


14

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 85


Artigo 41 disposto nos artigos 44 a 51 desta
A Comissão tem a função principal de Convenção; e
promover a observância e a defesa dos g. apresentar um relatório anual à
direitos humanos e, no exercício do seu Assembléia Geral da Organização dos
mandato, tem as seguintes funções e Estados Americanos.
atribuições: Artigo 42
a. estimular a consciência dos direitos Os Estados Partes devem remeter à
humanos nos povos da América; Comissão cópia dos relatórios e estudos
b. formular recomendações aos que, em seus respectivos campos,
governos dos Estados membros, quando submetem anualmente às Comissões
o considerar conveniente, no sentido de Executivas do Conselho Interamericano
que adotem medidas progressivas em Econômico e Social e do Conselho
prol dos direitos humanos no âmbito de Interamericano de Educação, Ciência e
suas leis internas e seus preceitos Cultura, a fim de que aquela vele por que
constitucionais, bem como disposições se promovam os direitos decorrentes das
apropriadas para promover o devido normas econômicas, sociais e sobre
respeito a esses direitos; educação, ciência e cultura, constantes
c. preparar os estudos ou relatórios que da Carta da Organização dos Estados
considerar convenientes para o Americanos, reformada pelo Protocolo
desempenho de suas funções; de Buenos Aires.
d. solicitar aos governos dos Estados Artigo 44
membros que lhe proporcionem Qualquer pessoa ou grupo de pessoas,
informações sobre as medidas que ou entidade não-governamental
adotarem em matéria de direitos legalmente reconhecida em um ou mais
humanos; Estados membros da Organização, pode
e. atender às consultas que, por meio da apresentar à Comissão petições que
Secretaria-Geral da Organização dos contenham denúncias ou queixas de
Estados Americanos, lhe formularem os violação desta Convenção por um Estado
Estados membros sobre questões Parte.
relacionadas com os direitos humanos e, Artigo 46
dentro de suas possibilidades, 1. Para que uma petição ou comunicação
prestar-lhes o assessoramento que eles apresentada de acordo com os artigos 44
lhe solicitarem; ou 45 seja admitida pela Comissão, será
f. atuar com respeito às petições e outras necessário:
comunicações, no exercício de sua a. que hajam sido interpostos e
autoridade, de conformidade com o esgotados os recursos da jurisdição

interna, de acordo com os princípios de

15

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 86


direito internacional geralmente b. não expuser fatos que caracterizem

reconhecidos; violação dos direitos garantidos por esta

b. que seja apresentada dentro do prazo Convenção;

de seis meses, a partir da data em que o c. pela exposição do próprio peticionário

presumido prejudicado em seus direitos ou do Estado, for manifestamente

tenha sido notificado da decisão infundada a petição ou comunicação ou

definitiva; for evidente sua total improcedência; ou

c. que a matéria da petição ou d. for substancialmente reprodução de

comunicação não esteja pendente de petição ou comunicação anterior, já

outro processo de solução internacional; examinada pela Comissão ou por outro

e organismo internacional.

d. que, no caso do artigo 44, a petição Artigo 50

contenha o nome, a nacionalidade, a 1. Se não se chegar a uma solução, e

profissão, o domicílio e a assinatura da dentro do prazo que for fixado pelo

pessoa ou pessoas ou do representante Estatuto da Comissão, esta redigirá um

legal da entidade que submeter a relatório no qual exporá os fatos e suas

petição. conclusões. Se o relatório não

2. As disposições das alíneas a e b do representar, no todo ou em parte, o

inciso 1 deste artigo não se aplicarão acordo unânime dos membros da

quando: Comissão, qualquer deles poderá

a. não existir, na legislação interna do agregar ao referido relatório seu voto em

Estado de que se tratar, o devido separado. Também se agregarão ao

processo legal para a proteção do direito relatório as exposições verbais ou

ou direitos que se alegue tenham sido escritas que houverem sido feitas pelos

violados; interessados em virtude do inciso 1, e, do

b. não se houver permitido ao presumido Artigo 48.

prejudicado em seus direitos o acesso 2. O relatório será encaminhado aos

aos recursos da jurisdição interna, ou Estados interessados, aos quais não será

houver sido ele impedido de esgotá-los; e facultado publicá-lo.

c. houver demora injustificada na decisão 3. Ao encaminhar o relatório, a Comissão

sobre os mencionados recursos. pode formular as proposições e

Artigo 47 recomendações que julgar adequadas.

A Comissão declarará inadmissível toda Artigo 51

petição ou comunicação apresentada de 1. Se no prazo de três meses, a partir da

acordo com os artigos 44 ou 45 quando: remessa aos Estados interessados do

a. não preencher algum dos requisitos relatório da Comissão, o assunto não

estabelecidos no artigo 46; houver sido solucionado ou submetido à

16

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 87


decisão da Corte pela Comissão ou pelo inadmissível a solicitação, se pronuncie, no mesmo

Estado interessado, aceitando sua relatório, sobre o mérito.

competência, a Comissão poderá emitir, 3) Quanto aos artigos 50 e 51 da Convenção, pede-se


pelo voto da maioria absoluta dos seus à Corte que dê a sua opinião quanto à possibilidade
membros, sua opinião e conclusões de subsumir em um relatório os dois determinados
sobre a questão submetida à sua pelos artigos 50 e 51 e se a Comissão pode ordenar a
consideração. publicação do relatório a que se refere o artigo 50
2. A Comissão fará as recomendações antes de passado o prazo indicado no artigo 51.
pertinentes e fixará um prazo dentro do
Em resposta, a comissão respondeu que a Comissão
qual o Estado deve tomar as medidas
é competente para qualificar qualquer norma do
que lhe competirem para remediar a
Estado Parte como violadoras das obrigações
situação examinada.
assumidas quando a CADH foi ratificada por ele,
3. Transcorrido o prazo fixado, a
mas não lhe é permitido apontar a
Comissão decidirá, pelo voto da maioria
incompatibilidade da norma internacional com a
absoluta dos seus membros, se o Estado
norma interna.
tomou ou não medidas adequadas e se
Outrossim, quando inadmissível uma petição de
publica ou não seu relatório.
caráter individual, a comissão não pode se

manifestar sobre o mérito.


Segundo os professores Caio Paiva e Thimotie Aragon,
Ainda, os relatórios preliminares e definitivos não
as questões feitas foram:
podem ser reduzidos a um único relatório e,
1) Quanto aos artigos 41 e 42, pede-se à Corte que dê
quanto a estes, com a finalidade de melhor
a sua opinião quanto à competência da Comissão
entendimento, lembramos que:
para qualificar e dar a sua opinião, como fundamento
1. Há o relatório de mérito preliminar quando a
da sua intervenção, no caso de comunicações que
CIDH entende que houve violação de DH – do
alegam uma violação aos direitos protegidos pelos
contrário, ela arquiva o caso. Aqui, fixa-se, em
artigos 23, 24 e 25 da Convenção, sobre a
regra, o prazo de 3 meses para que o Estado
regularidade jurídica de leis internas, adotadas de
informe a respeito das medidas adotadas a
acordo com o disposto pela Constituição, quanto à
partir das recomendações da CIDH. Este
sua “razoabilidade”, “conveniência” ou “autenticidade”.
relatório não pode ser publicado.
2) Quanto aos artigos 46 e 47 da Convenção, pede-se
2. Esgotado os 3 meses, se o assunto não
à Corte que dê sua opinião acerca do caso de
houver sido solucionado ou submetido à
comunicações apresentadas com amparo ao disposto
Corte pela CIDH – ou pelo próprio Estado: a
no artigo 44 da Convenção que devem tramitar de
Comissão poderá emitir, por maioria absoluta
acordo com o Pacto de San José, é juridicamente
de votos, um relatório definitivo que
aceitável que a Comissão, depois de ter declarado
contenha o seu parecer e suas conclusões

finais e recomendações - art. 47.1 do


17

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 88


Regulamento da CIDH. Este relatório, segundo outorgado ao Estado para tomar as

a Corte, possui natureza vinculante e não medidas adequadas.

pode ser unificado ao primeiro. 4. Os relatórios dos artigos 50 e 51 da

CADH não podem ser publicados num

Veja as exatas palavras da Corte, in verbis: único relatório.”

“1. (...) Comissão é competente, nos OPINIÃO


termos das atribuições conferidas pelos CONSULT
ASSUNTO CENTRAL
artigos 41 e 42 da Convenção, para IVA
qualificar qualquer norma do direito (Nº/ANO)
interno de um Estado-parte como de
LEIS QUE NÃO SÃO DE APLICAÇÃO
violação das obrigações que este
IMEDIATA NÃO VIOLAM, POR SI SÓ,
assumiu ao ratificar ou aderir à mesma, OC-14/94
DE DIREITOS HUMANOS, AINDA QUE
porém não é para opinar se contradiz ou
INCOMPATÍVEIS COM A CADH
não o regulamento jurídico interno do

referido Estado. Quanto à terminologia


A OC 14/94 foi solicitada pela comissão
que a Comissão pode utilizar para
interamericana para saber:
qualificar normas internas, a Corte

remete-se ao mencionado no parágrafo 1) Quando um Estado parte na Convenção Americana

35 desta opinião. sobre Direitos Humanos dita uma lei que viola

manifestamente as obrigações que o Estado tenha


2. Que sem diminuição das outras
contraído ao ratificar a Convenção, quais seriam,
atribuições outorgadas à Comissão pelo
nesse caso, os efeitos jurídicos dessa lei tendo em
artigo 41 da Convenção, declarada
vista as obrigações internacionais desse Estado?
inadmissível uma petição ou

comunicação de caráter individual (art. 2) Quando um Estado parte na Convenção dita uma

41.f em relação aos arts. 44 e 45.1 da lei cujo cumprimento por parte dos agentes ou

Convenção), não cabem funcionários desse Estado se traduz numa violação

pronunciamentos sobre o mérito. manifesta da Convenção, quais são as obrigações e

responsabilidades destes agentes ou funcionários?


3. Que os artigos 50 e 51 da Convenção

contemplam dois relatórios separados, Em resposta, a Corte afirmou que:

cujo conteúdo pode ser similar, o

primeiro dos quais não pode ser


“(...) a expedição de uma lei
publicado. O segundo pode ser
manifestamente contrária às
publicado, após prévia decisão da
obrigações assumidas por um Estado
Comissão, adotada por maioria absoluta
ao ratificar ou aderir à Convenção
de votos, depois de passado o prazo
18

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 89


constitui uma violação desta e, no caso Artigo 51

de essa violação afetar direitos e 1. Se no prazo de três meses, a partir da

liberdades protegidos de indivíduos remessa aos Estados interessados do

determinados, gera a relatório da Comissão, o assunto não

responsabilidade internacional do houver sido solucionado ou submetido à

Estado.” decisão da Corte pela Comissão ou pelo

Estado interessado, aceitando sua

competência, a Comissão poderá emitir,


Ainda segundo a Corte:
pelo voto da maioria absoluta dos seus

membros, sua opinião e conclusões


“(...) o cumprimento por parte de agentes sobre a questão submetida à sua
ou funcionários do Estado de uma lei consideração.
manifestamente violatória da Convenção 2. A Comissão fará as recomendações
gera responsabilidade internacional pertinentes e fixará um prazo dentro do
para o Estado. No caso em que o ato de qual o Estado deve tomar as medidas
cumprimento constitua per se um crime que lhe competirem para remediar a
internacional, geral também a situação examinada.
responsabilidade internacional dos 3. Transcorrido o prazo fixado, a
agentes ou funcionários que executaram Comissão decidirá, pelo voto da maioria
o ato.” absoluta dos seus membros, se o Estado

tomou ou não medidas adequadas e se

publica ou não seu relatório.


OPINIÃO
CAPÍTULO VIII
CONSULT
ASSUNTO CENTRAL CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
IVA
HUMANOS
(Nº/ANO)
Seção 1 — Organização
A CIDH NÃO PODE MODIFICAR
Artigo 52
SUBSTANCIALMENTE O SEU

OC-15/97 RELATÓRIO DEFINITIVO, CRIANDO,

PORTANTO, UM TERCEIRO

RELATÓRIO

Conforme a CADH:

19

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 90


1. A Corte compor-se-á de sete juízes, cumprimento parcial ou total das

nacionais dos Estados membros da recomendações e conclusões contidas

Organização, eleitos a título pessoal nesse relatório, existência de erros

dentre juristas da mais alta autoridade materiais sobre os fatos do caso ou,

moral, de reconhecida competência em também, o descobrimento de fatos que

matéria de direitos humanos, que não foram conhecidos no momento de

reúnam as condições requeridas para o se emitir o relatório e que tivessem

exercício das mais elevadas funções uma influência decisiva no conteúdo

judiciais, de acordo com a lei do Estado dele. A solicitação de modificação

do qual sejam nacionais, ou do Estado somente pode ser promovida pelas

que os propuser como candidatos. partes interessadas, isto é, os

2. Não deve haver dois juízes da mesma peticionários e o Estado, antes da

nacionalidade. publicação do próprio relatório, dentro

de um prazo razoável contado a partir de

A OC 15/97 foi solicitada pelo Estado do Chile, com a sua notificação.”

finalidade de saber se:

a) Pode a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, uma vez que tenha adotado a respeito de


OPINIÃO
um Estado os dois relatórios a que se referem os
CONSULT
artigos 50 e 51 da Convenção e que em relação ao ASSUNTO CENTRAL
IVA
último desses relatórios tenha notificado o Estado de
(Nº/ANO)
que se trata de um relatório definitivo, modificar

substancialmente esses relatórios e emitir um terceiro A ASSISTÊNCIA CONSULAR DO

relatório? PRESO ESTRANGEIRO É DIREITO

INDIVIDUAL E DEVE SER GARANTIDO


b) No caso de a Comissão Interamericana, de acordo OC-16/99
INDEPENDENTE DE PEDIDO DO
com a Convenção, não estar autorizada a mudar seu
ESTADO DE QUE ELE DETÉM
relatório definitivo, qual dos relatórios deverá ser
NACIONALIDADE
considerado como válido pelo Estado?

De acordo com a Corte:


Segundo o art. 36, da Convenção de Viena sobre

Relações Consulares:
“A CIDH, no exercício das atribuições

conferidas pelo art. 51 da CADH, não

está autorizada a modificar as 1. A fim de facilitar o exercício das

opiniões, conclusões e recomendações funções consulares relativas aos

transmitidas a um Estado membro, nacionais do Estado que envia:

salvo em situações excepcionais como


20

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 91


a) os funcionários consulares terão sempre que o interessado a isso se

liberdade de se comunicar com os opuser expressamente.

nacionais do Estado que envia e

visitá-los. Os nacionais do Estado que Segundo a Corte IDH, em resposta ao Estado do


envia terão a mesma liberdade de se México: “o direito a que se refere o art. 36.1. b, acima,
comunicarem com os funcionários deve ser garantido independente de pedido da
consulares e de visitá-los; parte ou do Estado que o estrangeiro é nacional.
b) se o interessado lhes solicitar, as Isso porque, a expressão “sem tardar” deve ser
autoridades competentes do Estado interpretada como “no momento em que o indivíduo
receptor deverão, sem tardar, informar à é privado de liberdade”
repartição consular competente quando,

em sua jurisdição, um nacional do Estado


OPINIÃO
que envia for preso, encarcerado, posto
CONSULT
em prisão preventiva ou detido de ASSUNTO CENTRAL
IVA
qualquer outra maneira. Qualquer
(Nº/ANO)
comunicação endereçada à repartição

consular pela pessoa detida, encarcerada CONDIÇÃO JURÍDICA E DIREITOS DA


OC-17/02
ou presa preventivamente deve CRIANÇA

igualmente ser transmitida sem tardar

pelas referidas autoridades. Estas


A OC 17/02 foi solicitada pela Comissão
deverão imediatamente informar o
Interamericana de Direitos Humanos para questionar,
interessado de seus direitos nos termos
de acordo com Caio e Thimotie, obter “interpretação
do presente subparágrafo;
dos artigos 8º e 25 da Convenção Americana, com o
c) os funcionários consulares terão
propósito de determinar se as medidas especiais
direito de visitar o nacional do Estado
estabelecidas no art. 19 da Convenção constituem
que envia, o qual estiver detido,
limites ao arbítrio ou à discricionariedade dos Estados
encarcerado ou preso preventivamente,
em relação a crianças, assim como solicitou a
conversar e corresponder-se com ele, e
formulação de critérios gerais válidos sobre a matéria
providenciar sua defesa perante os
dentro do marco da Convenção Americana.”
tribunais. Terão igualmente o direito de
De acordo com os dispositivos mencionados:
visitar qualquer nacional do Estado que

envia encarcerado, preso ou detido em

sua jurisdição em virtude de execução de Artigo 8. Garantias judiciais


uma sentença, todavia, os funcionários 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida,
consulares deverão abster-se de intervir com as devidas garantias e dentro de um
em favor de um nacional encarcerado, prazo razoável, por um juiz ou tribunal
preso ou detido preventivamente, competente, independente e imparcial,

21

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 92


estabelecido anteriormente por lei, na f. direito da defesa de inquirir as

apuração de qualquer acusação penal testemunhas presentes no tribunal e de

formulada contra ela, ou para que se obter o comparecimento, como

determinem seus direitos ou obrigações testemunhas ou peritos, de outras

de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de pessoas que possam lançar luz sobre os

qualquer outra natureza. fatos;

2. Toda pessoa acusada de delito tem g. direito de não ser obrigado a depor

direito a que se presuma sua inocência contra si mesma, nem a declarar-se

enquanto não se comprove legalmente culpada; e

sua culpa. Durante o processo, toda h. direito de recorrer da sentença para

pessoa tem direito, em plena igualdade, juiz ou tribunal superior.

às seguintes garantias mínimas: 3. A confissão do acusado só é válida se

a. direito do acusado de ser assistido feita sem coação de nenhuma natureza.

gratuitamente por tradutor ou 4. O acusado absolvido por sentença

intérprete, se não compreender ou não passada em julgado não poderá ser

falar o idioma do juízo ou tribunal; submetido a novo processo pelos

b. comunicação prévia e pormenorizada mesmos fatos.

ao acusado da acusação formulada; 5. O processo penal deve ser público,

c. concessão ao acusado do tempo e dos salvo no que for necessário para

meios adequados para a preparação de preservar os interesses da justiça.

sua defesa;

d. direito do acusado de defender-se Artigo 25. Proteção judicial

pessoalmente ou de ser assistido por um 1. Toda pessoa tem direito a um recurso

defensor de sua escolha e de simples e rápido ou a qualquer outro

comunicar-se, livremente e em recurso efetivo, perante os juízes ou

particular, com seu defensor; tribunais competentes, que a proteja

e. direito irrenunciável de ser assistido contra atos que violem seus direitos

por um defensor proporcionado pelo fundamentais reconhecidos pela

Estado, remunerado ou não, segundo a constituição, pela lei ou pela presente

legislação interna, se o acusado não se Convenção, mesmo quando tal violação

defender ele próprio nem nomear seja cometida por pessoas que estejam

defensor dentro do prazo estabelecido atuando no exercício de suas funções

pela lei; oficiais.

2. Os Estados Partes comprometem-se:

22

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 93


a. a assegurar que a autoridade o art. 19 da Convenção Americana sobre

competente prevista pelo sistema legal Direitos Humanos, as crianças são

do Estado decida sobre os direitos de titulares de direitos e não somente

toda pessoa que interpuser tal recurso; objeto de proteção; (...) a expressão

b. a desenvolver as possibilidades de “interesse superior da criança”,

recurso judicial; e consagrada no art. 3º da Convenção

c. a assegurar o cumprimento, pelas sobre os Direitos da Criança, implica

autoridades competentes, de toda que o desenvolvimento deste e o

decisão em que se tenha considerado exercício pleno de seus direitos devem

procedente o recurso. ser considerados como critérios

Artigo 19. Direitos da criança reitores para a elaboração de normas

Toda criança tem direito às medidas de e para a aplicação destas em todas as

proteção que a sua condição de menor ordens relativas à vida da criança.”

requer por parte da sua família, da

sociedade e do Estado
A Corte ainda é da opinião:

De acordo com a Corte IDH, dentre outras “3. Que o princípio de igualdade

observações: a) as crianças são titulares de direitos e previsto no art. 24 da Convenção

não apenas objeto de proteção; b) o “interesse Americana sobre Direitos Humanos não

superior da criança” implica na consideração de que impede a adoção de regras e medidas

seus direitos são reitores para a elaboração e específicas em relação com as

aplicação de normas jurídicas; c) o princípio da crianças, os quais requerem um

igualdade não impede a adoção de regras e medidas tratamento diferente em função de suas

específicas; d) a família é núcleo primordial para o condições especiais. Este tratamento

desenvolvimento da criança, por isso, deve-se deve ser orientado à proteção dos

preservar a permanência da criança no seu núcleo direitos e interesses das crianças.

familiar; e) o Estado deve se valer de instituições que 4. Que a família constitui o âmbito
disponham de pessoal adequado para atenção às primordial para o desenvolvimento da
crianças; f) o direito à vida compreende a adoção de criança e o exercício de seus direitos.
medidas para que o referido direito se desenvolva em Por isso, o Estado deve apoiar e
condições dignas. Vejamos as exatas palavras da fortalecer a família, através das diversas
Corte: medidas que esta requer para o melhor

cumprimento de sua função natural

nesse campo.
“(...) de conformidade com a normativa

contemporânea do Direito Internacional 5. Que deve ser preservada e

dos Direitos Humanos, no qual se insere favorecida a permanência da criança


23

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 94


em seu núcleo familiar, salvo se da mesma, de tomar todas as medidas

existam razões determinantes para positivas que assegurem a proteção às

separá-lo de sua família, em função do crianças contra maus tratos, seja em sua

interesse superior daquele. A separação relação com as autoridades públicas, ou

deve ser excepcional e, nas relações individuais ou com entes

preferencialmente, temporal. não estatais.

6. Que para a atenção às crianças, o 10. Que nos procedimentos judiciais

Estado deve se valer de instituições que ou administrativos em que se

disponham de pessoal adequado, resolvam direitos das crianças devem

instalações suficientes, meios idôneos e ser observados os princípios e as

experiência provada neste gênero de normas do devido processo legal. Isso

tarefas. abrange as regras correspondentes a

7. Que o respeito do direito à vida, em juiz natural – competente,

relação com as crianças, abrange não independente e imparcial –, dupla

somente as proibições, entre elas, a de instância, presunção de inocência,

privação arbitrária, estabelecidas no contradição e audiência e defesa,

art. 4º da Convenção Americana sobre atendendo as particularidades que

Direitos Humanos, mas também derivam da situação específica em que

compreende a obrigação de adotar as se encontram as crianças e que se

medidas necessárias para que a projetam razoavelmente, entre outras

existência das crianças se desenvolva matérias, sobre a intervenção pessoal de

em condições dignas. ditos procedimentos e as medidas de

proteção que sejam indispensáveis


8. Que a verdadeira e plena proteção
adotar no desenvolvimento destes.
das crianças significa que estas podem

disfrutar amplamente de todos seus 11. Que os menores de 18 anos a quem

direitos, entre eles os econômicos, se atribua a prática de uma conduta

sociais e culturais, que lhes atribuem delituosa devem ser sujeitos a órgãos

diversos instrumentos internacionais. Os jurisdicionais distintos dos

Estados Partes nos tratados correspondentes aos maiores de

internacionais de direitos humanos têm idade. As características da intervenção

a obrigação de adotar medidas positivas que o Estado deve ter no caso dos

para assegurar a proteção de todos os menores infratores devem refletir na

direitos da criança. natureza e no funcionamento desses

tribunais, assim como na natureza das


9. Que os Estados Partes na Convenção
medidas que eles podem adotar.
Americana têm o dever, conforme os

artigos 19 e 17, em relação com o art. 1.1

24

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 95


12. Que a conduta que motive a CONSIDERAÇÃO, INCLUSIVE O
intervenção do Estado nos casos aos STATUS MIGRATÓRIO DA PESSOA
quais se refere o ponto anterior deve

estar descrita na lei penal. Outros casos,


Trata-se de Opinião Consultiva solicitada pelo Estado
como são os de abandono, desamparo,
do México à Corte IDH, cuja principal pergunta foi:
risco ou enfermidade, devem ser
Pode um Estado americano estabelecer um
atendidos de forma diferente a que
tratamento trabalhista prejudicial, diferenciando
corresponde aos procedimentos
nacionais e migrantes indocumentados?
aplicáveis a quem incorre em condutas

típicas. Porém, nesses casos é preciso Em resposta, a Corte IDH respondeu que não. Isso

observar, igualmente, os princípios e as porque, a condição legal do imigrante não é

normas do devido processo legal, tanto requisito para que se respeite seus direitos

no que corresponde aos menores como humanos.

no que diz respeito a quem exerce Assim "o Estado tem a obrigação de respeitar e
direitos em relação a eles, derivados do garantir os direitos humanos trabalhistas de todos
estatuto familiar, atendendo também às os trabalhadores, independentemente de sua
condições específicas nas quais se condição de nacionais ou estrangeiros, e não
encontrem as crianças. tolerar situações de discriminação em detrimento

13. Que é possível empregar vias destes nas relações de trabalho que se estabeleçam

alternativas de solução das entre particulares (empregador-trabalhador)."

controvérsias que afetem as crianças, Nas exatas palavras, a Corte é da opinião de:
mas é preciso regular com especial

cuidado a aplicação destes meios


“1. Que os Estados têm a obrigação geral
alternativos para que não sejam
de respeitar e garantir os direitos
alterados ou diminuídos os direitos
fundamentais. Com este propósito,
daqueles.”
devem adotar medidas positivas, evitar

tomar iniciativas que limitem ou violem


OPINIÃO um direito fundamental, e eliminar as
CONSULT medidas e práticas que restrinjam ou
ASSUNTO CENTRAL
IVA violem um direito fundamental.
(Nº/ANO)
2. Que o descumprimento pelo Estado,
A OBRIGAÇÃO GERAL DE RESPEITAR através de qualquer tratamento
E GARANTIR DIREITOS HUMANOS discriminatório, da obrigação geral de
OC-18/03 VINCULA DOS ESTADOS, respeitar e garantir os direitos humanos,
INDEPENDENTE DE QUALQUER gera sua responsabilidade internacional.
CIRCUNSTÂNCIA OU

25

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 96


3. Que o princípio de igualdade e não compreende todas as matérias e todas

discriminação possui um caráter as pessoas, sem discriminação alguma.

fundamental para a proteção dos 8. Que a qualidade migratória de uma


direitos humanos tanto no Direito pessoa não pode constituir uma
Internacional como no interno. justificativa para privá-la do desfrute

4. Que o princípio fundamental de e do exercício de seus direitos

igualdade e não discriminação faz parte humanos, entre eles os de caráter

do Direito Internacional geral, à medida trabalhista. O imigrante, ao assumir

em que é aplicável a todos os Estados, uma relação de trabalho, adquire direitos

independentemente de que seja parte por ser trabalhador, que devem ser

ou não em determinado tratado reconhecidos e garantidos,

internacional. Na atual etapa da evolução independentemente de sua situação

do Direito Internacional, o princípio regular ou irregular no Estado receptor.

fundamental de igualdade e não Estes direitos são consequência da

discriminação ingressou no domínio do relação trabalhista.

jus cogens. 9. Que o Estado tem a obrigação de

5. Que o princípio fundamental de respeitar e garantir os direitos

igualdade e não discriminação, humanos trabalhistas de todos os

revestido de caráter imperativo, trabalhadores, independentemente de

acarreta obrigações erga omnes de sua condição de nacionais ou

proteção que vinculam todos os estrangeiros, e não tolerar situações de

Estados e geram efeitos com respeito discriminação em detrimento destes nas

a terceiros, inclusive particulares. relações de trabalho que se estabeleçam

6. Que a obrigação geral de respeitar e entre particulares

garantir os direitos humanos vincula os (empregador-trabalhador). O Estado não

Estados, independentemente de deve permitir que os empregadores

qualquer circunstância ou privados violem os direitos dos

consideração, inclusive o status trabalhadores, nem que a relação

migratório das pessoas. contratual viole os padrões mínimos

internacionais.
7. Que o direito ao devido processo legal

deve ser reconhecido no contexto das 10. Que os trabalhadores, ao serem

garantias mínimas que se devem titulares dos direitos trabalhistas, devem

oferecer a todo migrante, contar com todos os meios adequados

independentemente de seu status para exercê-los. Os trabalhadores

migratório. O amplo alcance da migrantes indocumentados possuem os

intangibilidade do devido processo mesmos direitos trabalhistas que

26

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 97


correspondem aos demais trabalhadores observações que estimem pertinentes a respeito da

do Estado receptor, e este último deve atuação da CIDH em matéria de direitos humanos (...)”

tomar todas as medidas necessárias para

que assim se reconheça e se cumpra na

prática.

11. Que os Estados não podem

subordinar ou condicionar a observância

do princípio de igualdade perante a lei e

de não discriminação à consecução dos


OPINIÃO
objetivos de suas políticas públicas,
CONSULT
quaisquer que sejam estas, incluídas as ASSUNTO CENTRAL
IVA
de caráter migratório.”
(Nº/ANO)

A ADMISSIBILIDADE DE JUIZ AD HOC

OPINIÃO OC-20/09 LIMITA-SE AOS CASOS DE DENÚNCIA

CONSULT INTERESTATAIS?
ASSUNTO CENTRAL
IVA

(Nº/ANO)
Trata-se de opinião consultiva solicitada pela

OC-19/05 EXISTE ALGUM ÓRGÃO QUE Argentina.

FISCALIZE A ATUAÇÃO DA CIDH? Sobre o tema, nos termos do art. 55, da CADH:

Trata-se de Opinião Consultiva solicitada pela 1. O juiz que for nacional de algum dos
Venezuela, cujo questionamento veiculado foi: existe Estados Partes no caso submetido à
algum órgão no sistema interamericano que fiscalize a Corte, conservará o seu direito de
atuação da CIDH? conhecer do mesmo.

Em resposta, a Corte IDH concluiu que i) a CIDH, 2. Se um dos juízes chamados a conhecer
atuando no marco legal que a ela é conferido pela do caso for de nacionalidade de um dos
CADH, possui ampla autonomia e independência Estados Partes, outro Estado Parte no
no exercício de suas funções. Outrossim, compete a caso poderá designar uma pessoa de sua
Corte IDH efetuar o controle de legalidade dos escolha para fazer parte da Corte na
atos da Comissão no que diz respeito aos assuntos qualidade de juiz ad hoc.
que estejam sob seu conhecimento. 3. Se, dentre os juízes chamados a
Finalmente, “no contexto de sua relação com a OEA, conhecer do caso, nenhum for da
os Estados têm a faculdade de apresentar perante os nacionalidade dos Estados Partes, cada
órgãos competentes desta organização, um destes poderá designar um juiz ad
particularmente a Assembleia-Geral, todas as hoc.
27

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 98


4. O juiz ad hoc deve reunir os requisitos a maior precisão possível, as obrigações

indicados no artigo 52. estatais a respeito de crianças,

5. Se vários Estados Partes na Convenção associadas à sua condição migratória ou

tiverem o mesmo interesse no caso, a de seus pais e que devem, em

serão considerados como uma só Parte, consequência, os Estados considerar ao

para os fins das disposições anteriores. adotar, implementar e aplicar suas

Em caso de dúvida, a Corte decidirá. políticas migratórias, incluindo nelas,

segundo corresponda, tanto a adoção ou

aplicação das correspondentes normas


Em resposta aos questionamentos acima, segundo a
de direito interno como a assinatura ou
Corte:
aplicação dos pertinentes tratados e/ou
1 – A admissibilidade de juiz ad hoc limita-se aos outros instrumentos internacionais.
casos de denúncia interestatais e visa garantir a
2. Tendo presente, para esses fins, que
paridade de armas.
criança é toda pessoa menor de 18
2 – Nas demandas individuais, o juiz da Corte anos de idade, os Estados devem
originário do Estado Parte denunciado não pode priorizar o enfoque dos direitos
participar do julgamento do caso para garantir humanos desde uma perspectiva que
imparcialidade. tenha em conta de forma transversal

os direitos das crianças e, em

particular, sua proteção e


OPINIÃO
desenvolvimento integral, os quais
CONSULT
ASSUNTO CENTRAL devem prevalecer sobre qualquer
IVA
consideração da nacionalidade ou do
(Nº/ANO)
status migratório, a fim de assegurar a
OC-21/14 QUAIS SÃO AS OBRIGAÇÕES DOS
plena vigência de seus direitos.
ESTADOS EM RELAÇÃO ÀS CRIANÇAS
3. Os Estados se encontram obrigados
EM CONDIÇÕES MIGRATÓRIAS?
a identificar as crianças estrangeiras

que requeiram proteção internacional


Trata-se de Opinião Consultiva feita em conjunto dentro de suas jurisdições, através de
pelos Estados do Brasil, da Argentina, do Paraguai e uma avaliação inicial com garantias de
do Uruguai. segurança e privacidade, com o fim de

Segundo a Corte IDH: lhes proporcionar o tratamento

adequado e individualizado que seja

necessário de acordo com a sua


“1. De acordo com o requerido pelos
condição de criança e, no caso de dúvida
Estados solicitantes, a presente opinião
sobre a idade, analisar e determiná-la;
consultiva determina, na sequência, com

28

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 99


determinar se trata-se de menina ou migratório; o direito a que os processos

menino não acompanhado ou separado, migratórios sejam conduzidos por um

assim como sua nacionalidade ou, se for funcionário ou juiz especializado; o

o caso, sua condição de apátrida; obter direito a ser ouvido e a participar nas

informação sobre os motivos de sua diferentes etapas processuais; o direito a

saída do país de origem, de sua ser assistido gratuitamente por um

separação familiar se for o caso, de suas tradutor e/ou intérprete; o acesso efetivo

vulnerabilidades e qualquer outro à comunicação e assistência consular; o

elemento que evidencie ou negue sua direito a ser assistido por um

necessidade de algum tipo de proteção representante legal e a comunicar-se

internacional; e adotar, caso seja livremente com dito representante; o

necessário e pertinente de acordo com o dever de designar um tutor no caso de

interesse superior da criança, medidas crianças não acompanhadas ou

de proteção especial. separadas; o direito a que a decisão que

4. Com o propósito de assegurar um seja adotada considere o interesse

acesso à justiça em condições de superior da criança e seja devidamente

igualdade, um efetivo devido processo e fundamentada; o direito a recorrer da

velar para que o interesse superior da decisão perante um juiz ou tribunal

criança seja uma consideração superior com efeito suspensivo; e o

primordial em todas as decisões que prazo razoável de duração do processo.

sejam adotadas, os Estados devem 6. Os Estados não podem recorrer à

garantir que os processos privação de liberdade de crianças para

administrativos ou judiciais nos quais cautelar os fins de um processo

se resolva acerca de direitos das migratório nem tampouco podem

crianças migrantes estejam adaptados fundamentar tal medida no

a suas necessidades e sejam acessíveis descumprimento dos requisitos para

para eles. ingressar e permanecer no país no fato

5. As garantias do devido processo de que a criança se encontre só ou

que, conforme o direito internacional separada de sua família, ou na finalidade

dos direitos humanos, devem reger de assegurar a unidade familiar, toda vez

em todo processo migratório, seja que possam e devam dispor de

administrativo ou judicial, que alternativas menos lesivas e, ao mesmo

envolva crianças, são as seguintes: o tempo, proteger de forma prioritária e

direito a ser notificado da existência de integral os direitos da criança.

um procedimento e da decisão que seja 7. Os Estados devem criar e incorporar

adotada no marco do processo em seus respectivos ordenamentos

29

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 100


internos um conjunto de medidas não 10. Os Estados são proibidos de devolver,

privativas de liberdade a serem expulsar, deportar, retornar, rechaçar

aplicadas enquanto se desenvolvem em fronteira ou não admitir, ou de

os processos migratórios, que tenham qualquer maneira transferir ou remover

como prioridade a proteção integral dos uma criança a um Estado quando sua

direitos da criança, com estrito respeito vida, segurança e/ou liberdade estejam

de seus direitos humanos e ao princípio em risco de violação pela persecução ou

de legalidade, e as decisões que sejam ameaça da mesma, violência

ordenadas devem ser adotadas por uma generalizada ou violações massivas aos

autoridade administrativa ou judicial direitos humanos, entre outros, assim

competente em procedimento que como aonde ocorra o risco de ser

respeite determinadas garantias submetido a tortura ou outros

mínimas. tratamentos cruéis, desumanos ou

8. Os espaços de alojamento devem degradantes, ou a um terceiro Estado no

respeitar o princípio de separação e o qual possa ser enviado e nele possa

direito à unidade familiar, de modo tal correr esses riscos.

que as crianças não acompanhadas ou 11. De acordo com o estabelecido na

separadas sejam alojadas em locais Convenção sobre os Direitos da Criança e

distintos ao que correspondem aos outras normas de proteção dos direitos

adultos e, tratando-se de crianças não humanos, qualquer decisão sobre a

acompanhadas, alojar-se com seus devolução da criança ao país de

familiares, salvo se for mais conveniente origem ou a um terceiro país seguro

a separação em aplicação do princípio do somente poderá ser feita segundo o

interesse superior da criança e, ademais, interesse superior da criança, tendo

assegurar condições materiais e um em conta que o risco de violação de

regime adequado para as crianças num seus direitos humanos pode adquiri

ambiente não privativo de liberdade. manifestações particulares e

9. Em situações de restrição de liberdade específicas em razão da idade.

pessoal que possam constituir ou 12. A obrigação estatal de estabelecer e

eventualmente gerar, pelas seguir procedimentos justos e eficientes

circunstâncias do caso concreto, uma para poder identificar os potenciais

medida que materialmente corresponda solicitantes de asilo e determinar a

a uma privação de liberdade, os Estados condição de refugiado através de uma

devem respeitar as garantias que sejam análise adequada e individualizada das

necessárias diante destas situações. petições com as correspondentes

garantias deve incorporar os

30

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 101


componentes específicos

desenvolvidos à luz da proteção


OPINIÃO
integral devida a todas as crianças,
CONSULT
aplicando os princípios reitores e, em ASSUNTO CENTRAL
IVA
especial, o referente ao interesse
(Nº/ANO)
superior da criança e sua participação.
OC-22/16 AS PESSOAS JURÍDICAS POSSUEM
13. Qualquer órgão administrativo ou
PROTEÇÃO DA CADH?
judicial que deva decidir acerca da

separação familiar por expulsão

motivada pela condição migratória de Trata-se de Opinião Consultiva solicitada pelo Estado

um ou ambos os genitores devem do Panamá.

empregar uma análise de ponderação, Sobre o tema, de acordo com o art. 1.2, da CADH:
que contemple as circunstâncias

particulares do caso concreto e


1. Os Estados Partes nesta Convenção
garanta uma decisão individual,
comprometem-se a respeitar os direitos e
priorizando em cada caso o interesse
liberdades nela reconhecidos e a garantir
superior da criança. Naqueles casos em
seu livre e pleno exercício a toda pessoa
que a criança tem direito à nacionalidade
que esteja sujeita à sua jurisdição, sem
do país do qual um ou ambos os
discriminação alguma por motivo de raça,
genitores possam ser expulsos, ou
cor, sexo, idioma, religião, opiniões
cumpre com as condições legais para
políticas ou de qualquer outra natureza,
residir permanentemente ali, os Estados
origem nacional ou social, posição
não podem expulsar um ou ambos os
econômica, nascimento ou qualquer outra
genitores por infrações migratórias de
condição social.
caráter administrativo, pois se sacrifica

de forma irrazoável ou desmedida o 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa

direito à vida familiar da criança. é todo ser humano.

14. Considerando que as obrigações

determinadas anteriormente se referem Em resposta ao questionamento acima, disse a Corte

a um tema tão próprio, complexo e IDH:

instável da época atual, elas devem ser

entendidas como parte do


“1. O art. 1.2 da CADH somente
desenvolvimento progressivo do Direito
consagra direitos a favor de pessoas
Internacional dos Direitos Humanos,
físicas, logo, as pessoas jurídicas não
processo em que, consequentemente,
são titulares dos direitos consagrados
essa opinião consultiva se insere.”
na CADH.

31

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 102


2. As comunidades indígenas e tribais Em resposta, a Corte IDH consignou que:

são titulares dos direitos protegidos na

CADH e, portanto, podem acessar o


“1. Com o propósito de respeitar e
sistema interamericano.
garantir os direitos à vida e à integridade
3. O art. 8.1 do Protocolo de San Salvador das pessoas sob sua jurisdição, os
outorga titularidade de direitos aos Estados têm a obrigação de prevenir
sindicatos, às federações e às danos ambientais significativos,
confederações, o que lhes permite dentro ou fora do seu território,
apresentarem-se perante o sistema devendo regular, supervisionar e
interamericano em defesa de seus fiscalizar as atividades sob sua
próprios direitos no marco do jurisdição que possam produzir um
estabelecido no referido dispositivo. dano significativo ao meio ambiente;

4. As pessoas físicas em alguns casos realizar estudos de impacto ambiental

podem chegar a exercer seus direitos quando exista risco de dano

através de pessoas jurídicas, de modo significativo ao meio ambiente;

que nestas situações poderão acessar o estabelecer um plano de contingência

sistema interamericano para apresentar para o fim de ter medidas de

as presumidas violações a seus direitos. segurança e procedimentos para

5. As pessoas físicas, em algumas minimizar a possibilidade de grandes

situações, podem esgotar os recursos acidades ambientais, e militar o dano

internos mediante recursos interpostos ambiental significativo que tenha

pelas pessoas jurídicas.” produzido.

2. Os Estados devem atuar conforme o

princípio da precaução para o fim de


OPINIÃO
proteger o direito à vida e à integridade
CONSULT
ASSUNTO CENTRAL pessoal frente a possíveis danos graves
IVA
ou irreversíveis ao meio ambiente,
(Nº/ANO)
mesmo na ausência de certeza científica.
OS ESTADOS TÊM OBRIGAÇÃO DE
3. Os Estados têm a obrigação de
PREVENIR DANOS AMBIENTAIS
OC-23/17 cooperar, de boa-fé, para a proteção
SIGNIFICATIVOS, DENTRO OU FORA
contra danos transfronteiriços
DO SEU TERRITÓRIO
significativos ao meio ambiente. Para

isso, devem notificar os Estados

Trata-se de Opinião Consultiva solicitada pela potencialmente afetados quando

Colômbia, cujo debate principal girou em torno das tenham conhecimento que uma

obrigações estatais em relação ao meio ambiente. atividade planejada sob sua jurisdição

32

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 103


possa gerar um risco de danos estatais em relação à mudança de nome, à identidade

significativos transfronteiriços e em de gênero e os direitos derivados de um vínculo entre

casos de emergências ambientais, assim casais do mesmo sexo.

como consultar e negociar, de boa-fé, As seguintes questões foram levadas à Corte IDH:
com os Estados potencialmente afetados
1. Levando em conta que a identidade de gênero é
por danos transfronteiriços significativos.
uma categoria protegida pelos artigos 1º e 24 da
4. Os Estados têm a obrigação de CADH, além do estabelecido nos artigos 11.2 e 18 da
garantir o direito ao acesso à informação Convenção, esta proteção contempla a obrigação de o
relacionada com possíveis afetações ao Estado reconhecer e facilitar a mudança de nome das
meio ambiente; o direito à participação pessoas, de acordo com a identidade de gênero de
pública das pessoas sob sua jurisdição na cada uma?
tomada de decisões e políticas que
2. Se a resposta à consulta anterior for positiva,
possam afetar o meio ambiente, assim
pode-se considerar contrário à CADH que a pessoa
como o direito de acesso à justiça em
interessada em modificar seu nome somente possa
relação com as obrigações ambientais
assim proceder mediante processo jurisdicional, e não
estatais.”
através de um procedimento administrativo?

3. Pode-se entender que o artigo 54 do Código Civil da

OPINIÃO Costa Rica deve ser interpretado de acordo com a

CONSULT CADH no sentido de que as pessoas que desejem


ASSUNTO CENTRAL
IVA mudar seu nome a partir de sua identidade de gênero

(Nº/ANO) não estão obrigadas a submeter-se ao processo

jurisdicional ali contemplado, mas sim que o Estado


IDENTIDADE DE GÊNERO E
deve prover-lhes um trâmite administrativo gratuito,
IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO
rápido e acessível para exercer esse direito humano?
A CASAIS DO MESMO SEXO.

OBRIGAÇÕES ESTATAIS EM RELAÇÃO 4. Levando em conta que a não discriminação por

OC-24/17 À MUDANÇA DE NOME, À motivos de orientação sexual é uma categoria

IDENTIDADE DE GÊNERO E OS protegida pelos artigos 1º e 24 da CADH, além do

DIREITOS DERIVADOS DE UM estabelecido no art. 11.2 da Convenção, essa proteção

VÍNCULO ENTRE CASAIS DO MESMO contempla a obrigação de o Estado reconhecer todos

SEXO os direitos patrimoniais que derivem de um vínculo

entre pessoas do mesmo sexo?

5. Se a resposta anterior for afirmativa, é necessária a


Trata-se de Opinião Consultiva solicitada pela Costa
existência de uma figura jurídica que regule os
Rica, na qual se discutiu os seguintes temas:
vínculos entre pessoas do mesmo sexo para que o
Identidade de gênero e igualdade e não discriminação
Estado reconheça todos os direitos patrimoniais que
a casais do mesmo sexo. Bem como as obrigações
derivam desta relação?
33

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 104


identidade não devem refletir as

Em resposta, consignou a Corte que: mudanças em conformidade com a

identidade de gênero; d) deve ser

rápido e na medida do possível gratuito;


“1. A mudança de nome e em geral a
e e) não deve exigir operações
adequação dos registros públicos e
cirúrgicas e/ou hormonais. O
dos documentos de identidade para
procedimento que melhor se adequa a
que estes sejam conformes à
esses elementos é o procedimento ou
identidade de gênero autopercebida
trâmite materialmente administrativo ou
constitui um direito protegido pelos
notarial. Os Estados podem oferecer
artigos 3º, 7.1, 11.2 e 18 da CADH, em
paralelamente uma via administrativa,
relação aos artigos 1.1 e 24 da
que possibilite a escolha pela pessoa.
Convenção, de modo que os Estados
3. O art. 54 do Código Civil da Costa Rica,
estão na obrigação de reconhecer,
em sua redação atual, seria conforme às
regular e estabelecer os
disposições da CADH unicamente se ele
procedimentos adequados para tais
for interpretado, seja em sede judicial ou
fins.
regulamentado administrativamente, no
2. Os Estados devem garantir que as
sentido de que o procedimento que essa
pessoas interessadas na retificação da
norma estabelece possa garantir que as
anotação do gênero ou no caso as
pessoas que desejam mudam seus
menções do sexo, sem mudar seu nome,
dados de identidade para que sejam
adequar sua imagem nos registros e/ou
conformes à sua identidade de gênero
nos documentos de identidade de
autopercebida seja um trâmite
conformidade com sua identidade de
materialmente administrativo, que
gênero autopercebida, possam acessar
cumpra com os seguintes aspectos: a)
um procedimento ou trâmite: a) focado
deve priorizar a adequação integral da
na adequação integral da identidade de
identidade de gênero autopercebida; b)
gênero autopercebida; b) baseado
deve estar baseado unicamente no
unicamente no consentimento livre e
consentimento livre e informado do
informado do solicitante sem que
solicitante sem que lhe sejam exigidos
sejam exigidos requisitos como
requisitos como certificações médicas
certificações médicas e/ou
e/ou psicológicas ou outros que possam
psicológicas ou outros que possam
resultar irrazoáveis ou patologizantes; c)
resultar irrazoáveis ou patologizantes;
deve ser confidencial. Além das
c) deve ser confidencial. Ademais, as
mudanças, correções ou adequações nos
mudanças, correções ou adequações
registros, os documentos de identidade
nos registros, e os documentos de
não devem mencionar as mudanças em
34

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 105


conformidade com a identidade de estabelecido nos artigos 11.2 e 17.1 da

gênero; d) deve ser rápido e na medida CADH.

do possível gratuito; e e) não deve exigir 7. De acordo com os artigos 1.1, 2, 11.2,
a comprovação de intervenções 17 e 24 da CADH, é necessário que os
cirúrgicas e/ou tratamentos hormonais. Estados garantam o acesso a todas as
Consequentemente, em virtude do figuras já existentes nos ordenamentos
controle de convencionalidade, o art. 54 jurídicos internos, incluindo o direito ao
do Código Civil deve ser interpretado em matrimônio, para assegurar a proteção
conformidade com os parágrafos de todos os direitos das famílias
estabelecidos para que as pessoas que integradas por casas do mesmo sexo,
desejam adequar integralmente os sem discriminação a respeito das
registros e/ou os documentos de constituídas por casais heterossexuais.”
identidade à sua identidade de gênero

autopercebida possam gozar

efetivamente desse direito humano OPINIÃO

reconhecido nos artigos 3, 7, 11.2, 13 e CONSULT


ASSUNTO CENTRAL
18 da CADH. IVA

(Nº/ANO)
4. O Estado da Costa Rica, com o

propósito de garantir de maneira mais OC-25/18 DIREITO DE BUSCAR ASILO

efetiva a proteção dos direitos humanos,

poderá expedir um regulamento


Trata-se de Opinião Consultiva solicitada pelo Estado
mediante o qual incorpore os
do Equador, na qual se questionou sobre a instituição
parâmetros antes mencionados ao
do asilo e seu reconhecimento como direito humano
procedimento de natureza administrativa
no sistema interamericano.
o qual pode oferecer de forma paralela.
A Corte IDH, em resposta, opinou:
5. A CADH, em virtude do direito à

proteção da vida privada e familiar,

assim como do direito à proteção da “1. O direito a buscar e receber asilo no

família, protege o vínculo familiar que marco do sistema interamericano se

possa derivar de uma relação de um encontra configurado como um direito

casal do mesmo sexo. humano a buscar e receber proteção

internacional em território estrangeiro.


6. O Estado deve reconhecer e garantir

todos os direitos que derivem de um 2. O asilo diplomático não se encontra

vínculo familiar entre pessoas do mesmo protegido pelo art. 22.7 da CADH ou pelo

sexo em conformidade com o art. XXVII da Declaração Americana dos

Direitos e Deveres do Homem,

regendo-se pelas próprias convenções


35

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 106


de caráter interestatal que o regulam e tipo de perseguição ou corra risco de

pelo disposto nas legislações internas.” violação em sua vida ou em sua

liberdade.

Por asilo diplomático, deve-se entender a proteção

que um Estado oferece em suas legações, navios de

guerra, aeronaves militares e acampamentos, às

pessoas nacionais ou residentes habituais de outro

Estado no qual são perseguidas por motivos

políticos, por suas crenças, opiniões ou filiação

política ou por atos que possam ser considerados

como delitos políticos ou comuns conexos.

Ainda segundo a Corte:

“3. O PRINCÍPIO DA NÃO DEVOLUÇÃO

(NON REFOULEMENT) é exigível por

qualquer pessoa estrangeira

independentemente de se encontrar em

espaço terrestre, fluvial, marítimo ou

aéreo do Estado.⠀

4. O princípio da não devolução (non

refoulement) não somente exige que a

pessoa não seja devolvida, mas também

impõe obrigações positivas para os

Estados."

Finalmente, vale lembrar que no caso

Família Pacheco Tineo e outros vs. Bolívia

houve debate em torno do princípio do

non refoulement indireto – também

chamado de NON REFOULEMNT POR

RICOCHETE. Tal princípio consiste na

proibição de enviar o refugiado ou o

requerente de asilo para um país a

partir do qual possa ser reenviado para

um terceiro e lá sofrer determinado

36

OPINIÕES CONSULTIVAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 107


JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 108
CASO ARTAVIA MURILLO E OUTROS (FECUNDAÇÃO
JURISPRUDÊNCIA IN VITRO) VS. COSTA RICA 28

INTERNACIONAL DE DIREITOS CASO FAMÍLIA PACHECO TINEO VS. BOLÍVIA 29

HUMANOS (RESUMO DOS CASO BREWER CARIA VS. VENEZUELA 30

PRINCIPAIS CASOS)1 NÓRIN CATRIMÁN E OUTROS (POVO INDÍGENA


MAPUCHE) VS. CHILE 32
1ª EDIÇÃO/2022

CASO LOAYZA TAMAYO VS. PERU 2

CASO VILLAGRÁN MORALES E OUTROS VS.


GUATEMELA - “CASO DOS MENINOS DE RUA” 3

CASO OLMEDO BUSTOS E OUTROS VS. CHILE (“A


ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO”) 4

CASO COMUNIDADE MAYAGNA (SUMO) AWAS


TINGNI VS. NICARÁGUA 5

CASO HILAIRE CONSTANTINE E BENJAMIM E OUTRO


VS TRINIDAD E TOBAGO 6

CASO HERRERA ULLOA VS. COSTA RICA 8

CASO TIBI VS. EQUADOR 9

CASO COMUNIDADE MOIWANA VS. SURINAME 11

CASO FERMIN RAMÍREZ VS. GUATEMALA 13

CASO YATAMA VS. NICARÁGUA 15

CASO PALAMARA IRIBARNE VS. CHILE 17

CASO GONZALEZ E OUTRAS VS. MÉXICO (“CAMPO


ALGODONERO”) 18

CASO BARRETO LEIVA VS. VENEZUELA 19

CASO VÉLEZ LOOR VS. PANAMÁ 20

CASO LÓPEZ MENDOZA VS. VENEZUELA 22

CASO ATALA RIFFO Y NIÑAS VS. CHILE 23

CASO DO POVO INDÍGENA KICHWA SARAYAKU VS.


EQUADOR 25

CASO FURLAN VS. ARGENTINA 26

CASO MOHAMED VS. ARGENTINA 27

1
Este material é um resumo dos capítulos I e II da obra:
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 109


da chamada Lei de Arrependimento. Não havia ordem
CASO LOAYZA TAMAYO VS. PERU
judicial de prisão expedida contra Loayza Tamayo,

que foi detida como presumida colaboradora do

ÓRGÃO JULGADOR grupo subversivo Sendero Luminoso. Loayza

permaneceu presa e incomunicável por dez dias,


Corte Interamericana de Direitos Humanos
tendo sido submetida a torturas e a tratamentos

cruéis, tudo com a finalidade de que se auto


DATA DA SENTENÇA incriminasse e declarasse pertencer ao Partido

17 de setembro de 1997 Comunista do Peru - Sendero Luminoso (PCP-SL).

Loayza se declarou inocente e negou pertencer ao

PCP-SL. A família da vítima somente ficou sabendo da


TEMAS TRATADOS NO CASO
sua prisão por meio de uma ligação anônima. Não foi
● liberdade pessoal e proteção judicial, já que
possível impetrar um habeas corpus em seu favor,
não se pode impetrar HC, direito que não
pois o Decreto-Lei 25.659 proibia essa ação de
pode ser suspenso;
garantia nos casos relacionados com o crime de
● integridade pessoal (exceto violência sexual, terrorismo. Posteriormente, no dia 26.02.1993, Loayza
por não restar provado); foi apresentada à imprensa como suspeita do crime

● bis in idem, já que foi submetida a novo de traição à prática, vestida com traje de

processo pelo mesmo fato. penitenciária. No que diz respeito à persecução penal

desenvolvida contra Loayza, ela foi processada e

absolvida na jurisdição militar pelo crime de traição à


PECULIARIDADES
pátria, tendo atuado no julgamento "juizes militares
Neste caso, a Corte tratou pela primeira vez do “dano sem rosto". A instância recursal da jurisdição militar
ao projeto de vida”. confirmou a absolvição de Loayza, mas remeteu à

Justiça Comum a apreciação do crime de terrorismo.

Loayza continuou presa mesmo após a sua absolvição

RESUMO DO CASO pela Justiça Militar. Na Justiça Comum, Loayza foi

condenada pelo "Tribunal Especial sem rosto" a uma

pena de vinte anos de prisão pelo crime de


“O caso se relaciona com a denúncia apresentada pela
terrorismo. Após o processamento do caso, a Corte
CIDH, em que alega que a senhora Maria Elena
IDH concluiu que o Estado demandado violou,
Loayza Tamayo, peruana, professora, foi presa no
entre outros direitos e garantias, a) o direito à
dia 06/02/1993, junto com um familiar seu, por
liberdade pessoal e à proteção judicial quando
membros da Divisão Nacional contra o Terrorismo
prendeu e manteve a prisão de Loayza, inclusive
(DINCOTE) da Polícia Nacional do Peru. A prisão de
após a absolvição pela Justiça Militar, impedindo-a de
Loayza Tamayo decorreu de delação de Angélica
utilizar qualquer ação de garantia (habeas corpus,
Torres Garcia, que, presa no dia 05.02.1993, fez uso
por exemplo); b) o direito à integridade pessoal

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 110


quando expôs Loayza em público com traje SENTENÇA

penitenciário e também quando lhe cerceou o 19 de novembro de 1999


direito de comunicação, de visitas, assim como

porque a manteve presa em ambiente sem ventilação


TEMAS TRATADOS NO CASO
nem luz natural, impondo-lhe, em resumo, um

tratamento degradante; e c) a garantia do non bis in ● Liberdade pessoal;

idem, ressaltando que a CADH possui um ● Vida;


tratamento mais benéfico para o acusado do que ● Integridade pessoal;
o oferecido por outros tratados internacionais, e
● Direitos da criança;
isso porque utiliza a expressão "os mesmos fatos",
● Proteção judicial e garantias judiciais, da
diferente, por exemplo, do PIDCP, que utiliza o
CADH e da Convenção Interamericana para
termo "o mesmo delito", assentando, então, que a
Prevenir e Punir a Tortura.
referida garantia foi violada, já que os crimes de

traição à prática, pelo qual Loayza foi absolvida na

jurisdição militar, e de terrorismo, pelo qual foi PECULIARIDADES


condenada na Justiça Comum, são estreitamente
Neste caso, discutiu-se o conteúdo do direito à vida,
vinculados. No dispositivo da sua sentença, a Corte
que não deve compreender apenas uma abstenção
IDH também determinou que o Estado do Peru
estatal no sentido de não violação do referido direito,
colocasse Loayza em liberdade dentro de um prazo
mas deve conter uma dimensão positiva (ótica
razoável e também que pagasse uma indenização
social), por meio da qual o Estado deve adotar
justa a ela e aos seus familiares, assim como que
medidas para a sua proteção. Falou-se, também, da
ressarcisse todas as despesas suportadas pela família
vulnerabilidade acentuada das crianças em situação
para acompanhar esse processo perante as
de rua, do dano ao projeto de vida das crianças em
autoridades peruanas.”2
situação de rua, da necessidade de Audiência de

custódia no âmbito da prisão de adolescentes.

CASO VILLAGRÁN MORALES E OUTROS

VS. GUATEMELA - “CASO DOS MENINOS


RESUMO DO CASO
DE RUA”

O caso se relaciona com a denúncia apresentada pela


ÓRGÃO JULGADOR CIDH sobre o sequestro seguido de tortura e

Corte Interamericana de Direitos Humanos assassinato de cinco jovens, dentre os quais

Villagrán Morales. Os fatos não foram investigados

adequadamente pelo Estado demandado, que


2
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência tampouco garantiu o direito de acesso à justiça às
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição.
famílias das vítimas. As vítimas eram "meninos de
Editora CEI, 2020, pág. 61-62

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 111


rua", amigos que viviam no setor conhecido como

"Las Casetas", local que registrava uma taxa alta de ÓRGÃO JULGADOR
delinquência e criminalidade, além de abrigar um
Corte Interamericana de Direitos Humanos
número muito grande de "meninos de rua". Na época

em que ocorreram os fatos, havia na Guatemala um

padrão comum de ações à margem da lei, DATA DA SENTENÇA

perpetradas por agentes de segurança estatais contra 05 de Fevereiro de 2001


os jovens, o que incluía ameaças, detenções,

tratamentos cruéis e homicídios como meio de


TEMAS TRATADOS NO CASO
combater a delinquência e a vadiagem juvenil. Após o
● Direito à liberdade de pensamento e
processamento do caso, a Corte IDH concluiu que o
expressão vs. direito à liberdade religiosa;
Estado violou diversos direitos assegurados pela

CADH, a exemplo do direito à liberdade pessoal em ● Respeito às disposições da Convenção

razão de a detenção dos jovens ter sido arbitrária, Americana e supremacia das normas do

não tendo havido prévia ordem judicial nem direito internacional.

situação de flagrante que ensejasse a apreensão,

censurando, ainda, o fato de os jovens não terem


PECULIARIDADES
sido conduzidos à presença de uma autoridade
Trata-se de caso que consagrou a DUPLA DIMENSÃO
judicial logo após a prisão, o que aumentou os
DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, qual seja:
riscos para a integridade física e a vida das
o direito de se expressar individualmente e o
vítimas. A Corte IDH também decidiu que o Estado
direito de buscar e disseminar informações.
violou, entre outros, o direito à vida das vítimas,

assentando igualmente a violação da Convenção É importante lembrar aqui que há precedente no STF

Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Ao no sentido de considerar a liberdade de expressão

final, estabeleceu a Corte Interamericana que o como um metadireito, entendendo que a CF/88 se

Estado descumpriu com seu dever de investigar e posiciona no sentido do “livre mercado de ideias (free

punir os responsáveis pela violação dos direitos market place of ideas)”.

humanos, determinando, então, que realizasse Vale pontuar, também, que no caso Ellwanger o STF
3
uma investigação real e efetiva.” propôs que a liberdade de expressão não abarca o

discurso de ódio “hate speech”. Ainda, não se pode

esquecer que, também para o STF, a liberdade

CASO OLMEDO BUSTOS E OUTROS VS. religiosa abrange não apenas a possibilidade de

escolher qual religião irá seguir (ou se irá seguir


CHILE (“A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE
alguma), mas também a prática do proselitismo.
CRISTO”)
Portanto, pode-se fazer comparação com outras

religiões, desde que não haja discurso de ódio ou


3
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. dominação, sem que isso represente racismo.
Editora CEI, 2020, pág. 79.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 112


O caso “A última Tentação de Cristo” trabalhou fim, a Corte Interamericana enfatizou a importância

também com a ideia de que uma norma de o Estado chileno reformar a sua Constituição para

constitucional originária pode ser objeto de eliminar a censura cinematográfica..” 4

controle de convencionalidade, isso porque, para o

direito internacional, o direito interno é visto como

mero fato e as normas constitucionais não são vistas CASO COMUNIDADE MAYAGNA (SUMO)
como normas supremas.
AWAS TINGNI VS. NICARÁGUA

ÓRGÃO JULGADOR
RESUMO DO CASO
Corte Interamericana de Direitos Humanos

“Em novembro de 1988, após uma petição proposta


SENTENÇA
por uma junta de sete advogados que alegavam agir

como representantes da Igreja Católica e de Jesus 31 de agosto de 2001

Cristo, o Conselho de Qualificação Cinematográfica do

Estado do Chile proibiu, com fundamento no art. 19,


TEMAS TRATADOS NO CASO
§ 12e, da sua Constituição, a exibição do filme A
● Direito à proteção judicial
Última Tentação de Cristo, dirigido por Martin
● Direito à propriedade da comunidade
Scorsese. Segundo os advogados que interpuseram a
indígena;
petição, o filme atentava contra os princípios cristãos

e contra a honra de Jesus Cristo. Após a censura ● Processo de delimitação, demarcação e

realizada pelo Estado chileno e avalizada pela sua titulação das terras indígenas;

Corte Suprema, o caso chegou à CIDH, que, sem obter ● Interpretação dos Tratados.
uma solução consensual, submeteu a demanda à

Corte Interamericana.
PECULIARIDADES
Após o processamento do caso, a Corte IDH
Primeiro caso julgado pela Corte IDH envolvendo a
responsabilizou o Estado do Chile por ter violado o
relação entre as comunidades tradicionais e a
direito à liberdade de pensamento e expressão,
propriedade de suas terras.
previsto no art. 12 da CADH. Por outro lado, a Corte

IDH concluiu que o Estado chileno não violou o Neste caso, a Corte interpretou extensivamente o art.

direito à liberdade religiosa, pois o conteúdo desse 21 da CADH, para reconhecer que além do direito à

direito estaria relacionado com a permissão para que propriedade privada, a CADH abrange a proteção

as pessoas professem, conversem e divulguem suas da propriedade comunal dos povos indígenas em

crenças religiosas, e, nesse âmbito, a proibição da suas peculiaridades.

exibição do filme A Última Tentação de Cristo em 4


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
nada afetou a referida liberdade fundamental. Por Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 98.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 113


Outrossim, tratou da impossibilidade de se conferir titulação das terras indígenas. Nessa mesma linha, a

interpretação nacionalista dos tratados Corte Interamericana ordenou que fossem

internacionais de direitos humanos. realizadas todas as medidas necessárias para que

as terras pertencentes aos membros da

comunidade indígena Awas Tingni fossem

RESUMO DO CASO demarcadas, não podendo ocorrer qualquer

intervenção prevista pelo regime de concessão - seja

tal intervenção feita por agente estatal ou por


“Em junho de 1995, o Estado da Nicarágua emitiu uma particulares - até que o processo de demarcação de
disposição administrativa reconhecendo um convênio terras fosse finalizado. Reconheceu-se, assim, a
firmado entre a empresa Companhia Sol dei Caribe propriedade comunal das terras da comunidade
S.A. (SOLCARSA) e o Governo Regional, para que fosse indígena. Por fim, a Corte IDH condenou o Estado da
permitida a atividade de exploração de madeira em Nicarágua a realizar investimentos em obras ou
terras que supostamente pertenceriam à comunidade serviços de interesse coletivo que pudessem levar
indígena da Costa Atlântica da Nicarágua, benefícios para os Awas Tingni como forma de
popularmente conhecida como Mayagna (Sumo) Awas reparação pelo dano imaterial causado aos membros
Tingni. Após o reconhecimento do convênio pela da população tradicional envolvida.” 5
Nicarágua, a comunidade Awas Tingni enviou uma

carta para o Ministério do Meio Ambiente e Recursos

Naturais do país demonstrando sua inconformidade


CASO HILAIRE CONSTANTINE E
com a outorga de uma concessão em suas terras, sob
BENJAMIM E OUTRO VS TRINIDAD E
o argumento de que os membros de sua comunidade

sequer foram consultados previamente sobre o tema.


TOBAGO

O caso chegou até a CIDH, onde tramitou até maio de

1998. Como não houve eficácia na resolução do


ÓRGÃO JULGADOR
entrave, a CIDH levou o caso à Corte Interamericana.
Corte Interamericana de Direitos Humanos
Diversas instituições que militam na área dos direitos

humanos se habilitaram como amicus curiae na

demanda. Após o processamento do caso, a Corte SENTENÇA

IDH declarou a responsabilidade da Nicarágua por 21 de junho de 2012


violar o direito à proteção judicial (CADH, art. 25),

bem como o direito à propriedade (CADH, art. 21)


TEMAS TRATADOS NO CASO
dos membros da Comunidade Indígena Mayagna
● Direito à vida;
(Sumo) Awas Tingni. Primeiramente, a Corte IDH

determinou ao Estado da Nicarágua que

implementasse medidas legislativas e administrativas


5
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
eficazes no processo de delimitação, demarcação e Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 110-111.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 114


● Pena de morte automática - “a ausência de homicídio intencional (doloso), a elas tendo sido

alternativa à pena de morte a torna imposta, consequentemente, de acordo com a Lei dos

desumana e injusta”; Delitos contra a Pessoa, a pena de morte, cuja

● Direito à integridade pessoal; execução se daria através da forca. A Lei dos Delitos

contra a Pessoa estabelecia a pena de morte como


● Direito à duração razoável do processo.
única sanção aplicável ao autor de homicídio doloso.

Das 32 pessoas peticionárias deste caso, trinta se


PECULIARIDADES encontravam detidas nas prisões de Trinidad e

Segundo os professores Caio Paiva e Thimotie, Tobago à espera de sua execução na forca. As únicas

citando o professor André de Carvalho Ramos, há três exceções são Joey Ramiah, que foi executado, e

fases de regulação jurídica internacional da pena Wayne Matthews, cuja pena foi comutada. Após o

de morte6, a saber: processamento do caso, a Corte IDH concluiu que a

aplicação de pena de morte obrigatória para o


✓ 1ª fase: convivência tutelada – a pena de morte
crime de homicídio doloso, sem qualquer juízo de
era tolerada, mas com regramento próprio;
valor sobre o caso concreto, constitui uma
✓ 2ª fase: banimento com exceções (posição do
privação arbitrária da vida, violando, assim, o art.
Brasil);
4a da CADH. A Corte IDH considerou, ainda, que o
✓ 3ª fase: com regramento jurídico internacional e fato de as vítimas terem sido colocadas em
banimento total. situação de constante ameaça, no denominado

Neste caso, também restou consignado que a pena corredor da morte, consistiu em tratamento

de morte, além de não poder ocorrer de forma desumano, cruel e degradante, em violação,

automática – hipótese que viola a CADH, não deve portanto, do direito à integridade pessoal das

ser aplicada ao menor de 18 anos, ao maior de 70 vítimas (CADH, art. 5a). A Corte IDH também decidiu

anos e à mulher grávida. Outrossim, criticou-se que Trinidad e Tobago violou o dever de adotar as

severamente o “corredor da morte”, já que a disposições de direito interno (CADH, art. 2a), o direito

constante ameaça à vida nesse espaço representa ao prazo razoável (CADH, art. 8.1), o direito a um

pena cruel, inumana e degradante. recurso efetivo (CADH, arts. 8a e 25) e o direito de

todo condenado à morte solicitar anistia, indulto

ou comutação de pena (CADH, art. 4.6). Finalmente,

RESUMO DO CASO a Corte IDH determinou que o Estado demandado se

abstivesse de aplicar a Lei dos Delitos contra a Pessoa

e, dentro de um prazo razoável, que a modificasse


“Hilaire, Constantine, Benjamin e outras trinta para adequá-la às normas internacionais de proteção
pessoas foram processadas e condenadas, em dos direitos humanos.” 7
Trinidad e Tobago, como autoras do crime de

6
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 7
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 114. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 112-113.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 115


Ainda, para além da dupla dimensão que

conversamos acima no caso “A Última Tentação de


CASO HERRERA ULLOA VS. COSTA RICA Cristo”, a Corte assentou que a margem de exercício

do direito à liberdade de expressão no que

concerne a fatos praticados por funcionários


ÓRGÃO JULGADOR
públicos deve ser ampliada, em virtude do
Corte Interamericana de Direitos Humanos
interesse público.

Falou-se, ainda, que o juiz não pode, ao receber a


SENTENÇA denúncia, adentrar no mérito da decisão, sob pena

02 de junho de 2004 de violação de sua imparcialidade.

TEMAS TRATADOS NO CASO


RESUMO DO CASO
● Exceção do não esgotamento dos recursos

internos e o princípio do estoppel;

● Impossibilidade de exigências desarrazoadas “O caso se relaciona com a denúncia apresentada pela

em relação ao duplo grau de jurisdição; CIDH, por meio da qual alega ter o senhor Maurício

Herrera Ulloa sido vítima de violação do direito


● Dupla dimensão do direito à liberdade de
humano à liberdade de expressão em razão da
expressão e a diminuição da utilização do
sentença penal condenatória que recebeu por ter
direito penal para atribuir responsabilidades
publicado no jornal "La Nación", em 1995, diversos
ulteriores às expressões que possam afetar
artigos que reproduziam parcialmente informações
funcionários públicos.
de alguns jornais europeus referentes a atividades

ilícitas praticadas pelo diplomata Félix Przedborski,


PECULIARIDADES
representante da Costa Rica na Organização

Neste caso, restou decidido que o não esgotamento Internacional de Energia Atômica na Áustria. Herrera

dos recursos internos deve ser alegado durante a UUoa foi condenado, então, em 1999, por crime

tramitação do caso perante a CIDH, sob pena de contra a honra daquele diplomata, tendo o seu nome

preclusão. No direito internacional, o princípio do sido inscrito no registro judicial de delinquentes. Na

estoppel substitui o nosso princípio do “venire contra referida sentença condenatória, aplicou-se ao réu

factum proprium” e proíbe o comportamento uma pena de multa, assim como se lhe ordenou que

contraditório. publicasse trecho da decisão no jornal "La Nación",

obrigando, ainda, tanto o senhor Herrera Ulloa


Ficou assentado também que é inconvencional a
quanto o citado jornal a pagarem uma indenização
necessidade de ser recolhido à prisão como
pelos danos morais e materiais causados à vítima.
requisito para exercício do direito ao duplo grau
Constou também daquela sentença a obrigação de o
de jurisdição.
jornal retirar qualquer informação sobre o caso em

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 116


sua página na internet. Em 2001, o representante que julgaram o recurso interposto pela defesa técnica

legal do jornal "La Nación" foi intimado a dar de Herrera Ulloa e do diretor do jornal "La Nación", de

cumprimento às obrigações estabelecidas na modo que estavam, portanto, no entender da Corte,

sentença, sob pena de incorrer no crime de impedidos de julgar, pois já haviam se pronunciado

desobediência à autoridade judicial. Os fatos deste sobre parte do mérito da causa. Finalmente, a Corte

caso alteraram a vida profissional, pessoal e familiar condenou o Estado demandado a adequar seu

de Herrera Ulloa, assim como produziram um efeito ordenamento jurídico interno aos termos da CADH e a

inibidor no exercício da liberdade de expressão por pagar uma indenização por danos morais às vítimas.” 8

meio de sua profissão. Após o processamento do

caso, a Corte IDH considerou que a exigência de

que Herrera Ulloa comprovasse os fatos atribuídos


CASO TIBI VS. EQUADOR
ao diplomata pelos diversos jornais europeus se

revelou uma restrição incompatível com o art. 13

da CADH, pois produziu um efeito dissuasório, ÓRGÃO JULGADOR


atemorizador e inibidor sobre todos os que
Corte Interamericana de Direitos Humanos
exercem a profissão de jornalista, o que, por sua

vez, impediu o debate público sobre temas de

interesse da sociedade. Por isso, a Corte concluiu SENTENÇA

que o Estado violou o direito à liberdade de 07 de setembro de 2004

pensamento e de expressão consagrado no art. 13

da CADH, em relação ao seu art. 1.1 (obrigação de


TEMAS TRATADOS NO CASO
respeitar os direitos). Além disso, a Corte IDH
● Excepcionalidade da prisão preventiva e
assentou que o Estado violou o art. 8.2.h da CADH
princípios limitadores;
porque não assegurou ao senhor Herrera Ulloa e ao

representante legal do jornal um recurso amplo que ● Expedientes comunicativos no momento da

permitisse a revisão integral do julgamento. Na privação de liberdade;

sequência, ressaltando que "(...) o direito a ser julgado ● Proibição absoluta da tortura;
por um juiz ou tribunal imparcial é uma garantia ● Guantamização do processo penal;
fundamental do devido processo" (§ 171), a Corte
● Audiência de Custódia.
Interamericana considerou violada a garantia da

imparcialidade prevista no art. 8.1 da CADH, e isso

porque os juizes integrantes da Terceira Sala da Corte PECULIARIDADES

Suprema de Justiça que julgaram o recurso contra a Neste caso, restou assentado que "(...) a prisão
sentença absolutória, declarando a nulidade do preventiva é a medida mais severa que se pode
provimento decisório na ocasião e remetendo os

autos para o juízo competente a fim de que fosse 8


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
proferida uma nova decisão, foram os mesmos juízes Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 125-126.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 117


aplicar ao acusado de um delito, motivo pelo qual da própria Suprema Corte de Justiça dos Estados

sua aplicação deve ter um caráter excepcional, em Unidos"12.

virtude de que se encontra limitada pelos princípios

da legalidade, da presunção de inocência, da

necessidade e da proporcionalidade, indispensáveis


RESUMO DO CASO
numa sociedade democrática"9. Ainda, "a notificação

a um familiar ou a um amigo tem particular

relevância para que este conheça o paradeiro e as


“O caso se relaciona com a denúncia da CIDH, por
circunstâncias em que se encontra o acusado e
meio da qual alega que o senhor Daniel Tibi, um
possa lhe prover a assistência e a proteção
comerciante francês de pedras preciosas, foi preso
devidas"10. Demais disso, na hipótese de a
pela polícia em setembro de 1995, sem ordem judicial
comunicação ser feita ao advogado “"(...) tem especial
e com base apenas na declaração de um suposto
importância a possibilidade de que o detido se reúna
coautor da infração penal, quando conduzia seu
em privado com aquele, o que é inerente a seu direito
automóvel por uma rua de Quito, no Equador. Tibi foi
a se beneficiar de uma defesa verdadeira"11.
transferido, em seguida, para uma prisão localizada a
No que se refere à GUANTANAMIZAÇÃO DO DIREITO 600 km de Quito, onde ficou recolhido por vinte e oito
PROCESSUAL PENAL, Caio e Thim colocam em seu meses, sendo que, embora se afirmando inocente, foi
livro que, de acordo com a Corte: “a persistência de torturado e obrigado a confessar sua participação
antigas formas de criminalidade, a aparição de num caso de narcotráfico, tendo, ainda, seus bens
novas expressões da delinquência, o assédio do sido apreendidos e não devolvidos quando de sua
crime organizado, a extraordinária virulência de liberação, em janeiro de 1998. Após o processamento
certos delitos de suma gravidade - assim, o do caso, a Corte IDH considerou a prisão de Tibi
terrorismo e o narcotráfico - , têm determinado absolutamente ilegal, pois realizada sem ordem
uma sorte de 'exasperação ou desesperação' que é judicial ou situação de flagrância e baseada
má conselheira: sugere abandonar os progressos e unicamente em declaração isolada de coautor. A
retomar a sistemas ou medidas que já mostraram Corte IDH também censurou o fato de o senhor Tibi
suas enormes deficiências éticas e práticas. Numa não ter sido informado no momento da prisão sobre
de suas versões extremas, este abandono tem gerado as verdadeiras razões desta, ressaltando, ainda, que a
fenômenos como a 'guantanamização' do processo prisão preventiva é a medida mais severa que se pode
penal, ultimamente questionada pela jurisprudência aplicar ao acusado de um crime (Exceções

preliminares, mérito, reparações e custas, § 106). Na

sequência, a Corte IDH reprovou o Estado por não


9
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª propiciar ao senhor Tibi o direito de estabelecer
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 134.
10
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência contato com terceira pessoa, como, por exemplo, um
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 134.
11
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 12
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 134. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 135.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 118


familiar, um advogado ou um funcionário consular. SENTENÇA

Ainda sobre a violação do direito à liberdade pessoal, 15 de junho de 2005


a Corte IDH decidiu que o Equador violou o art. 7.5

da CADH, já que o senhor Tibi não foi conduzido


TEMAS TRATADOS NO CASO
sem demora à presença de uma autoridade

judicial, e sim a um "Agente Fiscal do Ministério ● Direito a um projeto de pós-vida: Dano

Público", quase seis meses após a prisão. espiritual;

Finalmente, a Corte IDH, após considerar que o ● Extensão da jurisprudência da Corte IDH
Estado violou diversos outros dispositivos da CADH e sobre ligação dos povos indígenas com suas
também da Convenção Interamericana para Prevenir terras a outras comunidades étnicas.
e Punir a Tortura, condenou o Estado equatoriano a, ● Greening.
entre outras medidas: a) num prazo razoável,

investigar efetivamente os fatos com o fim de


PECULIARIDADES
identificar, julgar e punir os autores das violações

cometidas em prejuízo do senhor Tibi; b) emitir uma De acordo com a Corte: “(...) os N'djukas têm direito a

declaração pública na qual admita sua apreciar seu projeto de pós-vida, o encontro de

responsabilidade internacional pelos fatos referidos cada um deles com seus antepassados, a relação

neste caso; c) estabelecer um programa de formação harmoniosa entre os vivos e os mortos. Sua visão de

e capacitação para o corpo de funcionários do vida e pós-vida abriga valores fundamentais,

Judiciário, do Ministério Público e da Polícia; e d) pagar largamente olvidados e perdidos pelos filhos e filhas

a quantia fixada na sentença para fins de reparação das 'revoluções' industriais e comunicativas (ou outras
14
dos danos materiais e morais provocados ao senhor involuções, desde a perspectiva espiritual)” .

Tibi e sua família.”13 Falou-se, ainda, em dano espiritual, que representa

“(...) uma forma agravada do dano moral que tem

uma implicação direta na parte mais íntima do

gênero humano, a saber, seu ser interior, suas


CASO COMUNIDADE MOIWANA VS.
crenças no destino da humanidade e suas relações
SURINAME
com os mortos. O dano espiritual não é suscetível,

por óbvio, de indenização material, mas existem

outras formas de compensação. Aqui é onde se


ÓRGÃO JULGADOR
apresenta a ideia, pela primeira vez na história, a meu
Corte Interamericana de Direitos Humanos
entender"15.

14
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 141.
13
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 15
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 133-134. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 141.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 119


Sobre o tema, vale lembrar que o referido dano já foi pela sua competência para analisar o caso.

pago entre nós quando da queda de um Avião da Gol Prosseguindo, após rejeitar outras preliminares, a

na Comunidade Capoto-Jarina16. Corte Interamericana declarou Suriname

É possível afirmar, também, que no caso ora estudado responsável pela violação do direito à integridade

houve um “esverdeamento dos DH”, eis que as física, psíquica e moral dos membros da

normas ambientais foram protegidas, ainda que comunidade Moiwana (CADH, art. 5.1), considerando

de maneira indireta. o sofrimento emocional, psicológico, espiritual e

econômico experimentado pela comunidade em

virtude a) da não obtenção de justiça, b) da

impossibilidade de os membros honrarem


RESUMO DO CASO apropriadamente seus entes queridos falecidos

(restou provado que o povo da comunidade Moiwana

tem rituais específicos e complexos que devem seguir


O caso se relaciona com a alegação de que, em
após a morte de um membro) e c) da separação dos
29.11.1986, membros das forças armadas de
membros da comunidade de suas terras tradicionais.
Suriname teriam atacado a comunidade N'djuka
Da mesma forma, a Corte Interamericana declarou
Maroon de Moiwana, destruindo- a e massacrando
Suriname responsável pela violação do direito de
mais de quarenta homens, mulheres e crianças.
circulação e residência (CADH, art. 22), já que o Estado
Aqueles que conseguiram escapar foram exilados ou
não criou as condições necessárias nem providenciou
internamente deslocados. Até a data da apresentação
os meios que permitissem aos membros da
da demanda na CIDH, não teria havido uma
comunidade regressarem voluntariamente para suas
investigação adequada do massacre e tampouco
terras tradicionais. Mais adiante, a Corte IDH reiterou
julgamento ou punição dos envolvidos. Os
o seu entendimento de que para "(...) comunidades
sobreviventes permaneceram longe de suas terras,
indígenas que tenham ocupado suas terras ancestrais
incapazes de retomar seu estilo de vida tradicional. A
de acordo com suas práticas consuetudinárias - pelo
Corte IDH iniciou o julgamento do caso rejeitando a
que carecem de um título formal de propriedade a
preliminar de incompetência ratione temporis arguida
posse da terra deveria bastar para que obtenham o
pelo Estado, e isso porque, embora o Suriname tenha
reconhecimento oficial da propriedade e o
reconhecido a competência da Corte no ano de 1987
conseguinte registro" (Exceções preliminares, mérito,
e os fatos tenham ocorrido em 1986, dois eventos
reparações e custas, § 131). E prossegue a Corte
subsistiram, mantendo a violação de direitos
Interamericana ressaltando que, para tais povos, o
humanos, quais sejam, o descumprimento do dever
nexo com o território ancestral não é meramente
de investigar o massacre ocorrido na comunidade e,
uma questão de posse e produção, mas sim um
ainda, a impossibilidade de as vítimas retornarem
elemento material e espiritual do qual devem
para suas terras ancestrais. Assim, a Corte IDH decidiu
gozar plenamente, "(...) inclusive para preservar seu

16
Detalhes sobre o caso é possível encontrar aqui:
legado cultural e transmiti-lo às gerações futuras"
https://apublica.org/2017/02/gol-pagara-indenizacao-a-indio (Exceções preliminares, mérito, reparações e custas, §
s-por-dano-espiritual

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 120


131). Finalmente, a Corte IDH condenou o Estado a PECULIARIDADES

proceder com as reparações de cunho material e


Neste caso, ratificou-se o que se encontra previsto no
imaterial, além de ter imposto diversas obrigações,
art. art. 2.3 do Regulamento da Corte IDH, no sentido
tais como a) investigar e punir os responsáveis pelo
de que é possível que amicie curiae seja uma
massacre na aldeia de Moiwana, b) empregar todos
pessoa física.
os meios técnicos e científicos possíveis para
Outrossim, trata-se do primeiro caso no qual a
recuperar com rapidez os restos dos membros da
Corte IDH fala sobre a "congruência ou correlação
comunidade que faleceram durante o ataque de 1986
da acusação e a sentença". Nas palavras da Corte:
e entregar aos membros sobreviventes para que
“A necessária congruência entre a acusação e a
possam ser honrados segundo os rituais da sua
eventual sentença justifica a suspensão do debate
cultura, c) adotar todas as medidas (legislativas ou
e o novo interrogatório do acusado, quando se
administrativas) para outorgar aos membros da
pretende mudar a base fática da acusação. Se isso
comunidade o título de proprietários da terra e d)
ocorre irregularmente, é violado o direito à
construir um monumento e colocá-lo num lugar
defesa, na medida em que o acusado não conseguirá
público apropriado como lembrança dos fatos
exercê-lo sobre todos os fatos que serão matéria da
ocorridos.”17
sentença”.

Quanto ao juízo de periculosidade, assentou a Corte

que: “(...) a introdução no texto penal da


CASO FERMIN RAMÍREZ VS. GUATEMALA
periculosidade do agente como critério para a

qualificação típica dos fatos e para a aplicação de

certas sanções é incompatível com o princípio da


ÓRGÃO JULGADOR
legalidade criminal e, por isso, contrário à
Corte Interamericana de Direitos Humanos
Convenção”.

SENTENÇA

20 de junho de 2005
RESUMO DO CASO

TEMAS TRATADOS NO CASO


“Em maio de 1997, o senhor Fermín Ramírez foi detido
● Dever de respeito ao princípio da congruência
por um grupo de vizinhos em Las Morenas,
entre acusação e defesa;
Guatemala, e entregue à Polícia Nacional sob a
● Censura ao “juízo da periculosidade”.
alegação de que teria violentado sexualmente e

assassinado a menor de idade Grindi Jasmín Franco

Torres. O procedimento penal seguiu-se, primeiro,


17
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência com a determinação da prisão preventiva de Fermín,
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
encerrando-se com a condenação pelos crimes de
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 140-141.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 121


estupro e homicídio, sendo-lhe imposta a pena de a morte violenta de uma jovem, que "a luta dos

morte. Importante observar que o Ministério Público Estados contra o crime deve se desenvolver dentro

denunciou Fermín pelo crime de estupro qualificado dos limites e conforme os procedimentos que

pela morte da vítima, e não, portanto, pelo crime de permitam preservar tanto a segurança pública

homicídio. A sentença penal condenatória foi como o pleno respeito aos direitos humanos

proferida logo após um debate oral e público, quando daqueles que sejam submetidos à sua jurisdição"

se discutiu tão somente a ocorrência do crime de (Mérito, reparações e custas, § 63). Sobre o mérito do

estupro seguido de morte, sancionado com pena caso, a Corte IDH entendeu que o Estado violou o

privativa de liberdade de até 50 anos de prisão. princípio da congruência ou da correlação,

Durante o primeiro dia do debate, porém, o Tribunal considerando uma "garantia fundamental do devido

advertiu às partes sobre a possibilidade de modificar processo em matéria penal, que os Estados devem

a qualificação jurídica do crime, mas sem especificar observar no cumprimento das obrigações previstas na

qual delito poderia surgir desta mudança. Encerrados Convenção" (Mérito, reparações e custas, § 68), já que

os debates, preclusa a oportunidade de o MP não somente mudou a qualificação jurídica dos

guatemalteco requerer a requalificação jurídica da fatos imputados previamente ao senhor Fermín,

conduta, ainda assim o MP pediu a imposição da pena mas, sobretudo, modificou a base fática da

de morte pelo crime de homicídio em sede de imputação, passando da qualificação do crime de

alegações finais, o que foi acolhido pelo Tribunal, não estupro agravado pela morte à qualificação do

tendo havido qualquer informação à defesa de crime de homicídio. Assim, entendeu a Corte IDH

Fermín de que a referida requalificação jurídica da que o Poder Judiciário da Guatemala não poderia, de

conduta podería desencadear na condenação por ofício e sem contraditórios entre as partes, agravar a

crime sancionado com pena de morte. Fermín situação jurídica do senhor Fermín. Na sequência,

esgotou os recursos internos e não conseguiu considerando que Fermín foi condenado à pena de

reverter sua condenação à pena capital, suspensa por morte em razão de o Poder Judiciário guatemalteco

força de medidas provisórias concedidas pela Corte ter invocado o art. 132 daquele país, que justifica a

IDH. Após o processamento do caso, a Corte IDH pena capital quando se verificar, no caso concreto,

inicialmente entendeu por esclarecer que, no marco um "juízo de periculosidade", a Corte IDH apontou,

de um processo penal, "(...) os órgãos do sistema primeiro, que tal previsão normativa "(...) constitui

interamericano de direitos humanos não claramente uma expressão do exercício do ius

funcionam como uma instância de apelação ou puniendi estatal sobre a base das características

revisão de sentenças ditadas em processos pessoais do agente e não do fato cometido",

internos", ressaltando que a sua função é somente substituindo, pois, "o Direito Penal do ato ou do

"(...) determinar a compatibilidade das atuações fato, próprio do sistema penal de uma sociedade

realizadas em ditos processos com a Convenção democrática, pelo Direito Penal do autor", abrindo,

Americana" (Mérito, reparações e custas, § 62). Ainda então, "a porta do autoritarismo precisamente numa

neste momento preambular, a Corte IDH também matéria em que estão em jogo os bens jurídicos da

advertiu, principalmente em razão de o fato envolver maior hierarquia" (Mérito, reparações e custas, § 94).

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 122


Finalmente, a Corte IDH determinou que o Estado PECULIARIDADES

procedesse com um novo julgamento do senhor


Trata-se do primeiro caso por meio do qual a Corte
Fermín, observando o devido processo. A Corte IDH
IDH se deparou com matéria eleitoral. Também, foi
também decidiu que a regulação do crime de
a primeira vez que a Corte IDH falou a respeito do
homicídio, da forma como prevista no art. 132, § 2Q,
sentido e alcance do direito à igualdade e do dever
do Código Penal guatemalteco, viola a CADH, devendo
de não discriminação.
o Estado, consequentemente, abster- se de aplicar a
Sobre a discriminação indireta e teoria do impacto
parte do referido artigo que dispõe sobre a
desproporcional, Caio e Thim pontuam: “A alteração
"periculosidade" do agente e, ainda, modificá-lo
da legislação eleitoral no Estado da Nicarágua exigiu a
dentro de um prazo razoável, suprimindo a referência
mudança de algumas condições de elegibilidade.
à "periculosidade". A Corte IDH ordenou, ainda, que a
Embora tais exigências não sejam ilegais, elas
Guatemala se abstenha de aplicar a pena de morte ao
acabaram afetando as comunidades indígenas da
senhor Fermín, independentemente do resultado do
região da Costa Atlântica da Nicarágua. Assim, as
novo julgamento.” 18
comunidades indígenas, que já estavam acostumadas,

há mais de uma década, a concorrer por meio de

Associação Popular, tiveram seu modelo costumeiro


CASO YATAMA VS. NICARÁGUA de participação política violado em razão das

alterações legislativas.”19

Em razão disso, a Corte pontuou que: “toda e


ÓRGÃO JULGADOR
qualquer prática empresarial, política governamental
Corte Interamericana de Direitos Humanos
ou semigovemamental de cunho legislativo ou

administrativo, ainda que não provida de intenção

SENTENÇA discriminatória no momento de sua concepção, deve

26 de junho de 2005 ser condenada por violação do princípio da igualdade

material se, em consequência de sua aplicação,

resultarem efeitos nocivos de incidência


TEMAS TRATADOS NO CASO
especialmente desproporcional sobre certas
● Direito Eleitoral; categorias de pessoas.”20

● Sentido e alcance do direito à igualdade e

dever de não discriminação;

● Discriminação indireta e teoria do impacto

desproporcional.

19
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 149.
18
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 20
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 145. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 150.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 123


formação dessa aliança, o Conselho Superior Eleitoral
RESUMO DO CASO da Nicarágua expediu uma resolução afirmando que o

partido Los Pueblos Costenos, aliado do agora partido

YATAMA, não havia preenchido os requisitos


“Desde o começo da década de 1990, a organização
necessários para concorrer ao pleito eleitoral. Em
indígena Yapti Tasba Masraka Nanih Asla Takanka -
nenhum momento, na resolução expedida, o
popularmente conhecida como "YATAMA" - , que
Conselho Superior Eleitoral da Nicarágua mencionou
representa diversas comunidades indígenas na região
o partido YATAMA. Tais fatos ocasionaram um
da Costa Atlântica da Nicarágua, participava dos
elevadíssimo nível de abstenção no pleito eleitoral,
pleitos eleitorais regionais sob a forma de "Associação
pois boa parte do eleitorado da Nicarágua, composto
de Subscrição Popular", em conformidade com as leis
por membros de comunidades indígenas, não estava
eleitorais nicaraguenses de 1990 e 1996. Por mais de
adequadamente representada, diante da exclusão do
uma década, as comunidades indígenas foram
partido YATAMA. A controvérsia não foi dirimida na
representadas pela YATAMA por meio desse modelo
CIDH, que submeteu, então, a demanda à Corte
de Associação de Subscrição Popular, de tal forma
IDH. Após o processamento do caso, a Corte
que, para as comunidades indígenas residentes na
Interamericana decidiu que o Conselho Supremo
Costa Atlântica da Nicarágua, já era costumeiro que
Eleitoral da Nicarágua, ao expedir resoluções que
seus representantes concorressem aos pleitos
excluíram o partido YATAMA das eleições de 2000,
eleitorais conforme esse modelo. Ocorre que, em
não observou o dever de motivação e, portanto,
janeiro de 2000, a Nicarágua promulgou uma reforma
violou as garantias judiciais previstas na CADH
de sua legislação eleitoral, extinguindo o modelo de
(art. 8.1 c/c art. 1.1). A Corte IDH também entendeu
Associação de Subscrição Popular. Devido a essa
que houve violação do art. 25.1 c/c o art. 2a, ambos da
mudança, a organização YATAMA se viu obrigada a
CADH, eis que não houve recurso efetivo posto à
converter-se no formato de "Partido Político" previsto
disposição dos prejudicados contra as decisões do
na nova legislação para que pudesse continuar a
Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua. Ainda
concorrer aos pleitos eleitorais no Estado da
segundo a Corte Interamericana, houve violação do
Nicarágua. As comunidades indígenas afetadas pela
princípio da igualdade e da não discriminação,
mudança da legislação eleitoral jamais haviam se
ambos considerados normas de jus cogens pela
organizado daquela forma, dado que já era uma
comunidade internacional.”21
tradição na região da Costa Atlântica a organização

por meio de Associação Popular. Assim, o partido

regional indígena se viu obrigado a realizar uma

aliança com o partido Los Pueblos Costenos para que

pudessem ter chances de lograr algum êxito nas

eleições que estavam por vir, eis que a mudança

legislativa exigia que o partido indígena (ou aliança)


21
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
possuísse candidatos em 80% dos municípios. Após a Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 148.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 124


encaminhada à proteção de interesses jurídicos
CASO PALAMARA IRIBARNE VS. CHILE especiais, vinculados com as funções que a lei atribui

às forças militares. Por isso, somente se deve julgar a

militares pela prática de crimes ou faltas que por sua


ÓRGÃO JULGADOR própria natureza atentem contra bens jurídicos
Corte Interamericana de Direitos Humanos próprios da ordem militar”.

SENTENÇA

22 de novembro de 2005 RESUMO DO CASO

TEMAS TRATADOS NO CASO


“O senhor Palamara Iribarne ingressou nas Forças
● Incompatibilidade do crime de desacato com Armadas do Chile em 1972, lá ficando até 1992,
a liberdade de expressão; período em que desempenhou as funções militares

● Proteção do direito à propriedade intelectual no Departamento de Operações Navais. Aposentado

dos autores; do cargo de militar, porém na condição de empregado

civil contratado para desempenhar a função de


● Incompetência da Justiça Militar para julgar
analista no Departamento de Inteligência Naval, com
civil.
funções administrativas, Palamara escreveu o livro

Ética e Serviços de Inteligência, no qual abordava


PECULIARIDADES
aspectos relacionados à inteligência militar e à

Trata-se de caso importante cuja notoriedade se deve necessidade de adequá-la a certos parâmetros éticos.

ao fato de a Corte ter enfrentado por meio dele as Com base no ordenamento jurídico chileno,

“leis de desacato”. autoridades estatais lhe proibiram de publicar seu

livro, apreendendo exemplares que estavam em


Enquanto a CIDH é da opinião de que não se deve
circulação, os originais do texto e também o
criminalizar o desacato, a Corte IDH não se
maquinário utilizado na impressão. Palamara tentou
manifestou claramente pela inconvencionalidade
resistir à arbitrariedade que estava sofrendo e
do delito. Mas a jurisprudência nacional é no
manifestou-se publicamente, na imprensa, contrário
sentido da constitucionalidade e da
àquele procedimento. Como decorrência desse
convencionalidade do crime de desacato.
procedimento, Palamara foi denunciado e condenado
Ainda segundo a Corte, a proteção da propriedade
pelo crime de desacato, tendo utilizado, na sequência,
privada abrange não somente os bens materiais,
todos os recursos disponíveis para reverter o cenário
mas também a propriedade intelectual.
descrito, sem, contudo, obter êxito. Após o
Outrossim, registrou-se também que “num Estado
processamento do caso, a Corte IDH decidiu que o
Democrático de Direito a jurisdição penal militar há de
Chile violou o direito à liberdade de expressão ao
ter um alcance restrito e excepcional e estar
adotar medidas de controle para impedir a difusão

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 125


do livro escrito pelo senhor Palamara, considerar que a Justiça Militar deva continuar

esclarecendo que o fato de a vítima ter utilizado existindo, sejam reservados a ela somente os crimes

sua formação e sua experiência profissional para funcionais cometidos por militares; e e) proceder com

escrever o livro não configura abuso daquele o pagamento de indenização pelos danos materiais e

direito, pois "Uma interpretação contrária morais sofridos pela vítima, na forma como fixado na

impediria as pessoas de utilizarem sua formação sentença.”22

profissional ou intelectual para enriquecer a

expressão de suas idéias e opiniões" (Mérito,

reparações e custas, § 76). A Corte IDH também


CASO GONZALEZ E OUTRAS VS. MÉXICO
decidiu que o Estado chileno violou o direito à
(“CAMPO ALGODONERO”)
liberdade de expressão ao aplicar ao senhor

Palamara uma legislação sobre desacato que

estabelecia sanções desproporcionais por realizar


ÓRGÃO JULGADOR
críticas sobre o funcionamento das instituições
Corte Interamericana de Direitos Humanos
estatais e seus membros (Mérito, reparações e custas,

§ 88). Considerando que o Estado apreendeu os

exemplares dos livros que estavam em circulação, SENTENÇA

bem como os originais da obra, a Corte IDH decidiu 16 de novembro de 2009


que foi violado o direito à propriedade privada

(CADH, arts. 21.1 e 21.2). Tendo em conta que o


TEMAS TRATADOS NO CASO
senhor Palamara, à época dos fatos, era um

empregado civil contratado pelas Forças Armadas e ● Violência estrutural de gênero;

que os fatos a ele imputados não colocaram em risco ● Feminicídio.


os bens jurídicos militares, a Corte IDH, reiterando sua

jurisprudência sobre a excepcionalidade da


PECULIARIDADES
jurisdição militar na democracia, condenou o Chile

por violação do devido processo legal. Finalmente, a Trata-se da primeira vez que a Corte Interamericana

Corte IDH determinou, entre outros provimentos, que analisou um caso de violência estrutural de gênero.

o Estado deve: a) permitir que o senhor Palamara Também, foi a primeira vez que um tribunal

publique seu livro, assim como lhe restituir todo o internacional reconheceu o feminicídio como crime.

material do qual foi privado; b) deixar sem efeito

todas as sentenças condenatórias proferidas contra o

senhor Palamara; c) adotar as medidas para derrogar

e modificar a legislação interna para deixá-la

compatível com os parâmetros internacionais em

matéria de liberdade de pensamento e de expressão; 22


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
d) adequar a legislação interna para que, se Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 162-163.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 126


que os assassinatos das vítimas decorreram de
RESUMO DO CASO violência estrutural de gênero, tratando-se, pois,

de "feminicídio". Afirmou a Corte que "A

impunidade dos delitos cometidos envia a


“Os fatos do presente caso aconteceram em Ciudad mensagem de que a violência contra a mulher é
Juárez, no México, lugar onde se desenvolveram tolerada, o que favorece sua perpetuação e a
diversas formas de delinquência organizada. Desde aceitação social do fenômeno, o sentimento e a
1993, registrou-se em Ciudad Juárez um aumento de sensação de insegurança nas mulheres, assim
homicídios de mulheres influenciado por uma cultura como uma persistente desconfiança destas no
de discriminação contra a mulher. Laura Berenice sistema de administração de justiça" (Exceção
Ramos, estudante de 17 anos de idade, desapareceu preliminar, mérito, reparações e custas, § 400). E,
em setembro de 2001. Claudia Ivette González, assim, a Corte IDH concluiu que o México foi
trabalhadora de 20 anos de idade, desapareceu em responsável pela violação de diversos preceitos da
outubro de 2001. Esmeralda Herrera Monreal, CADH, tais como: a) o dever de investigar e punir os
empregada doméstica de 15 anos de idade, responsáveis pelas ofensas aos direitos das vítimas à
desapareceu também em outubro de 2001. Seus vida, integridade pessoal e liberdade pessoal; b) o
familiares apresentaram denúncias sobre os dever de não discriminação; c) o dever de proteção de
desaparecimentos. Porém, não se iniciaram maiores crianças; d) o direito à integridade pessoal dos
investigações. Consta da denúncia apresentada pela familiares das vítimas; e e) o direito das vítimas e seus
CIDH, ainda, a informação de que funcionários do familiares à proteção judicial.”23
Estado teriam se comportado de forma indiferente e

até mesmo discriminatória diante do contexto

evidenciado, eis que haviam feito comentários sobre a


CASO BARRETO LEIVA VS. VENEZUELA
vida censurável e o comportamento sexual das

vítimas, deduzindo que poderiam não estar

"desaparecidas", mas sim em companhia de seus


ÓRGÃO JULGADOR
namorados ou outros parceiros. As autoridades se
Corte Interamericana de Direitos Humanos
limitaram a elaborar os registros de desaparecimento,

os cartazes de busca, a tomada de declarações e o

envio de ofício à Polícia. Em novembro de 2001, foram SENTENÇA


encontrados numa plantação de algodão os corpos 17 de novembro de 2009
das vítimas, que apresentavam sinais de violência

sexual. Concluiu-se que as três mulheres estiveram


TEMAS TRATADOS NO CASO
privadas de liberdade antes de morrerem. Apesar dos

recursos interpostos pelos familiares, não se ● Direito ao contraditório e à ampla defesa;

investigou nem se puniu os responsáveis. Após o


23
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
processamento do caso, a Corte IDH reconheceu Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 209.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 127


● Ausência de assistência técnica; foi assistido por um defensor de sua escolha no

● Detenção arbitrária; momento da investigação, não teve a oportunidade

de interrogar as testemunhas nem de conhecer as


● Desconsideração da presunção de inocência;
provas que estavam sendo produzidas. Ainda assim,
● Detenção preventiva por tempo excessivo;
Barreto Leiva foi preso preventivamente, sem a
● Violação do duplo grau de jurisdição. possibilidade de obter liberdade mediante fiança,

ficando no cárcere por mais tempo do que o tempo

PECULIARIDADES de condenação. Após o processamento do caso, a

Corte IDH concluiu que o Estado venezuelano violou


Neste caso, a Corte confirmou que o foro por
os seguintes direitos do senhor Barreto Leiva: a) de
prerrogativa de função é compatível com a CADH,
conhecer formal e previamente os fatos que lhe
assim como o estabelecimento da competência
foram imputados (CADH, art. 8.2); b) à ampla defesa e
por conexão. A Corte estabeleceu, também, que se
ao contraditório (CADH, art. 8.2.c); c) à assistência de
deve garantir o duplo grau inclusive quando o
defesa técnica (CADH, art. 8.2.d); d) à presunção de
processado estiver sendo julgado pelo órgão
inocência; e) à liberdade pessoal; e f) ao duplo grau de
judicial máximo do país. Vale anotar, ademais, que
jurisdição (CADH, art. 8.2.h). Assim, a Corte IDH
para a Corte Europeia de Direitos Humanos, não
condenou a Venezuela a, entre outros comandos,
há que se falar em duplo grau quando se estiver
pagar uma indenização ao senhor Barreto Leiva,
diante de acusados julgados na corte máxima do
possibilitar a ele que interponha recurso para revisar
país.
sua condenação na íntegra e também a adequar seu

ordenamento jurídico interno para garantir o direito

ao duplo grau das decisões condenatórias, inclusive

RESUMO DO CASO para quem possui foro por prerrogativa de função.”24

“Os fatos do presente caso se iniciaram em fevereiro


CASO VÉLEZ LOOR VS. PANAMÁ
de 2009, quando foi aprovada pelo Presidente da

Venezuela uma retificação de orçamento no valor de

duzentos e cinquenta milhões de bolívares. Oscar


ÓRGÃO JULGADOR
Enrique Barreto Leiva exercia naquela época o cargo
Corte Interamericana de Direitos Humanos
de diretor-geral de um departamento vinculado à

Presidência da República. Barreto Leiva foi

processado, juntamente com outras autoridades, e SENTENÇA

condenado pela Corte Suprema de Justiça da 23 de novembro de 2010


Venezuela como autor do crime de malversação,

recebendo a pena de um ano e dois meses de prisão, 24


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
além de outras penas acessórias. Barreto Leiva não Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 211-212.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 128


Finalmente, deve-se separar as pessoas custodiadas

TEMAS TRATADOS NO CASO em razão de situação migratória irregular das pessoas

custodiadas em razão da prática de infrações penais.


● Políticas migratórias;

● Audiência de custódia no caso de prisão

decorrente de situação migratória;


RESUMO DO CASO
● Defesa técnica em procedimentos

administrativos e judiciais;

● Direito à assistência consular.


“No dia 11 de novembro de 2002, o sr. Jesús

Tranquilino Vélez Loor, nacional do Equador, foi

PECULIARIDADES detido no Posto Policial Tupiza, na província de

Darein, no Panamá, em virtude de não portar todos


Políticas migratórias são admitidas pela Corte,
os documentos necessários para permanecer no
mas serão consideradas arbitrárias aquelas cujo
Estado panamenho. Após o ocorrido, o Diretor
eixo represente a detenção obrigatória dos
Nacional do Serviço de Imigração emitiu uma ordem
migrantes irregulares. Segundo a Corte: “(...) no
de detenção, o que ocasionou a transferência do sr.
exercício da sua faculdade de fixar políticas
Vélez Loor para o presídio de La Palma. No dia 6 de
migratórias, os Estados podem estabelecer
dezembro de 2002, após descobrir que o sr. Vélez
mecanismos de controle de entrada em seu
Loor já havia sido deportado do Panamá no ano de
território e saída dele a respeito de pessoas que
1996, o mesmo Diretor Nacional do Serviço de
não sejam seus nacionais, desde que tais políticas
Imigração do Estado do Panamá lhe impôs uma pena
sejam compatíveis com as normas de proteção dos
de dois anos de prisão por haver infringido as
direitos humanos estabelecidos na Convenção
disposições da lei de imigração panamenha. Essa
Americana.”
decisão não foi comunicada ao sr. Vélez Loor. Após 12
Outrossim, restou consignado que as pessoas presas
dias da imposição de sua pena, Vélez Loor foi
no contexto de migração também devem ter
transferido para o Centro Penitenciário La Joyita.
direito à audiência de custódia.
Meses depois, mais precisamente no dia 8 de
Falou-se, também, na necessidade de defesa técnica. setembro de 2003, o Diretor Nacional do Serviço de
Para a Corte, deve-se garantir: “(...) em processos Imigração do Panamá, que havia imposto a pena ao
administrativos ou judiciais nos quais se possa adotar sr. Vélez Loor, revogou a sentença que havia
uma decisão que implique a deportação, expulsão ou proferido. Após dois dias, o sr. Vélez Loor foi
privação de liberdade, a prestação de um serviço deportado para a República do Equador. Durante o
público gratuito de defesa legal”. tempo em que esteve recluso no presídio de La Palma

Ainda de acordo com a Corte, é necessário que se e no Centro Penitenciário La Joyita, o sr. Vélez Loor

garanta ao preso em situação de migração o seu não dispôs de defesa técnica e nem pôde constituir

direito à assistência consular. um advogado de sua confiança. O equatoriano não

contou com qualquer possibilidade de exercer sua

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 129


ampla defesa e contraditório diante das sucessivas Ainda, restou consignado que a restrição a direitos

ordens do Estado panamenho contra sua liberdade políticos decidida em processo de natureza não

de locomoção. Em razão dos fatos narrados, o caso penal viola o art. 23.2 da CADH.

chegou até a CIDH. O Estado do Panamá não Outrossim, a aplicação retroativa de normativas
apresentou informações sobre as recomendações punitivas que restringem direitos políticos viola o
feitas pela CIDH, o que motivou a submissão da art. 9.2 da CADH.
demanda à Corte Interamericana. Após o

processamento do caso, a Corte IDH proferiu sua

decisão responsabilizando o Estado do Panamá em

face do ocorrido com o sr. Vélez Loor.” 25


RESUMO DO CASO

“No ano de 1998, o sr. Leopoldo López Mendoza


CASO LÓPEZ MENDOZA VS. VENEZUELA trabalhou como analista de meio ambiente no

escritório do economista-chefe da companhia estatal

de petróleo da Venezuela. Enquanto exercia o seu


ÓRGÃO JULGADOR
cargo, López Mendoza também fundou uma
Corte Interamericana de Direitos Humanos associação sem fins lucrativos, chamada Civil

Association Primero Justicia. Ainda no ano de 1998,

aquela companhia petroleira assinou um memorando


SENTENÇA
em conjunto com a Fundação Interamericana (IAF),
01 de setembro de 2011
com o intuito de realizar duas doações de quantias

vultosas para o benefício da associação sem fins


TEMAS TRATADOS NO CASO lucrativos fundada pelo Sr. Mendoza. Dois anos se

● Presunção de inocência em processos passaram e, no dia 4 de agosto de 2000, López

administrativos; Mendoza foi eleito para um mandato de quatro anos

como prefeito do Município de Chacó; foi reeleito no


● Restrição a direitos políticos.
dia 31 de outubro de 2004 e permaneceu no cargo até

novembro de 2008, quando pretendia se candidatar a


PECULIARIDADES
Dirigente Metropolitano de Caracas, capital da

A Corte IDH, neste caso, falou que o princípio da Venezuela. No entanto, López Mendoza foi inabilitado

presunção de inocência também deve ser aplicado para o exercício da função pública em dois processos

aos processos administrativos. administrativos sancionadores. O primeiro processo

administrativo se referia a fatos ocorridos quando

López Mendoza exercia o cargo de analista ambiental.

O Estado venezuelano alegou que López Mendoza


25
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
teria atuado em conflito de interesses em virtude das
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 213-214.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 130


doações realizadas pela companhia petroleira para a acusado era culpado, e sim do estado de inocência.

sua associação sem fins lucrativos. Neste primeiro Também não prosperaram as alegações de que o

processo administrativo, López Mendoza foi direito ao duplo grau de jurisdição teria sido violado.

responsabilizado administrativamente com a pena de No entanto, a Corte IDH condenou o Estado da

multa; posteriormente, por meio de resolução, foi Venezuela por violar o art. 8.2 da CADH c/c art. 1.1 da

declarada a sanção de inabilitação para o exercício da mesma Convenção, tendo em vista que o Estado

função pública por três anos. Já no segundo processo Venezuelano apenas declarou a inabilitação de López

administrativo movido pelo Estado da Venezuela Mendoza, sem que fossem expostos os motivos de tal

contra López Mendoza, a acusação versava sobre uma condenação. Caracterizou-se, portanto, no entender

possível malversação de recursos públicos, eis que o da Corte, uma violação do dever de motivar as

governo da Venezuela alegou que ele havia aplicado decisões por parte da Venezuela, bem como um

créditos orçamentários em finalidades diversas das cerceamento ao direito de defesa de López Mendoza.

previstas em lei enquanto foi prefeito do Município de Prosseguindo, a Corte Interamericana reconheceu a

Chacó. Neste segundo processo administrativo, o violação do art. 22.3 da Convenção Americana, eis que

Estado venezuelano reconheceu a responsabilidade a restrição de direitos políticos deveria ter advindo de

administrativa de López Mendoza e lhe condenou ao um processo criminal, processado e julgado diante de

pagamento da pena de multa e, posteriormente, todas as garantias, o que não teria ocorrido.

declarou, por meio de resolução, a sua inabilitação Finalmente, a Corte IDH determinou a anulação das

para o exercício de função pública por mais seis anos. medidas emitidas pela Controladoria-Geral da

Em virtude das condenações proferidas em sede República que decretaram a inabilitação do acusado

administrativa pelo Estado da Venezuela, López para o exercício da função pública.”26

Mendoza não conseguiu registrar sua candidatura na

junta eleitoral distrital, restando prejudicada a sua

possibilidade de concorrer ao cargo de dirigente do


CASO ATALA RIFFO Y NIÑAS VS. CHILE
Distrito Metropolitano de Caracas. Após o

processamento do caso, a Corte IDH entendeu que

não houve violação do princípio da presunção de ÓRGÃO JULGADOR


inocência por parte do Estado venezuelano, pois,
Corte Interamericana de Direitos Humanos
segundo a Corte, em nenhum momento durante a

tramitação dos processos administrativos que deram

ensejo às condenações López Mendoza teria sido SENTENÇA

tratado como culpado. Na sequência, a Corte IDH 24 de fevereiro de 2012

ressaltou que não possui competência para analisar

eventual responsabilidade de López Mendoza, mas


TEMAS TRATADOS NO CASO
apenas para aferir se houve alguma violação à CADH.

Assim, a Corte Interamericana concluiu que a 26


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Venezuela não partiu do pressuposto de que o Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 213-214.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 131


● Não discriminação; filhas, afirmando que a orientação sexual da senhora

● Direitos da criança; Atala poderia expor suas filhas a discriminação e lhes

causar confusão psicológica, já que elas deveríam


● Proteção à família;
viver e se desenvolver “no seio de uma família
● Obrigação de respeito e garantia.
estruturada normalmente e apreciada no meio social,

segundo 0 modelo tradicional que lhe é próprio". A

PECULIARIDADES senhora Karen Atala Riffo, que era juíza no Poder

Judiciário chileno, a primeira, aliás, a se assumir como


Trata-se do primeiro caso julgado pela Corte IDH
lésbica publicamente, denunciou o Estado na CIDH,
sobre proteção do direito à diversidade sexual.
que, por sua vez, levou o caso à Corte IDH. Após o
De acordo com a Corte, a orientação sexual dos pais
processamento do caso, a Corte IDH declarou o Chile
da criança não pode ser invocada para decidir
responsável internacionalmente por ter violado, entre
processo judicial de guarda.
outros: a) o direito à igualdade e à não discriminação
Outrossim, entendeu-se que a CADH não acolheu um em prejuízo da senhora Atala e de suas filhas; b) o
modelo fechado ou tradicional de família. direito à vida privada; c) o direito à honra e à

dignidade; e d) o direito à proteção da família. A Corte

IDH ressaltou que a orientação sexual e a

identidade de gênero são categorias protegidas


RESUMO DO CASO
pela CADH por meio da expressão "outra condição

social" prevista no art. 1.1, que proíbe qualquer

Os fatos do presente caso se iniciaram em 2002, norma, ato ou prática discriminatória baseada na

quando Karen Atala Riffo decidiu encerrar seu orientação sexual pelo Direito interno, seja por

casamento com Ricardo Jaime López Allendes, com parte de autoridades estatais ou por particulares.

quem tinha três filhas. Como parte da separação de A Corte IDH também afirmou que o interesse

fato, estabeleceram por mútuo acordo que as filhas superior da criança não pode ser utilizado para

do casal ficariam aos cuidados da senhora Atala Riffo. amparar discriminação contra os pais em razão da

Em novembro de 2002, a senhora Emma de Ramón, orientação sexual de qualquer deles, não podendo

companheira amorosa da senhora Atala, começou a o julgador levar em consideração essa condição

conviver na mesma casa com ela e suas filhas. Em social para decidir sobre processos de guarda.

janeiro de 2003, o pai das três filhas ajuizou uma ação Finalmente, a Corte IDH esclareceu que a CADH não

de desconstituição da custódia ante o Juizado de acolheu um conceito fechado de família, e

Menores de Villarrica. O senhor Ricardo, pai das tampouco protege somente um modelo

meninas, teve a sua pretensão indeferida pelo Juizado "tradicional" de família, assentando que o conceito

de Menores, cuja sentença foi confirmada pela Corte de vida familiar não pode ser reduzido unicamente ao

de Apelações. Em maio de 2004, porém, a Corte matrimônio, devendo abranger outros laços

Suprema de Justiça do Chile acolheu um recurso do familiares em que as pessoas têm vida em comum.

senhor Ricardo e lhe concedeu a guarda das suas Assim, portanto, a Corte IDH não adentrou no mérito

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 132


sobre com quem deveria ficar a guarda das filhas, Quanto ao dever de consulta para com as

mas somente considerou incompatível com a CADH a comunidades indígenas, ele deve ser prévio, livre e

motivação discriminatória sexual ou de gênero de boa-fé.

utilizada pelo Poder Judiciário chileno para atribuir a

guarda das filhas ao pai.”27

RESUMO DO CASO

CASO DO POVO INDÍGENA KICHWA

SARAYAKU VS. EQUADOR “Em julho de 1996, a Companhia Estatal de Petróleo

do Equador (PETROEQUADOR) firmou um contrato

com a Companhia Geral de Combustíveis (CGC),

ÓRGÃO JULGADOR empresa argentina, para a exploração de petróleo em

uma área popularmente conhecida na região como


Corte Interamericana de Direitos Humanos
"Bloco 23". Essa região tem uma extensão de

aproximadamente 20.000 hectares, 65% dos quais


SENTENÇA
foram reivindicados pela comunidade indígena
27 de junho de 2012 Sarayaku. No ano de 2002, a Companhia Geral de

Combustíveis (CGC) começou a realizar suas

atividades na área. Foram destruídas várias cavernas,


TEMAS TRATADOS NO CASO
cachoeiras e rios subterrâneos que eram utilizados
● Direitos da comunidade indígena à
como fonte de água potável pela comunidade
propriedade comunal e à identidade cultural;
indígena Sarayaku. A Companhia argentina também
● Direito à vida;
implantou 1400 kg de explosivos por boa parte da
● Direito de consulta. terra onde os Sarayaku habitavam. Após o

processamento do caso, a Corte IDH condenou o

Estado do Equador por violar direitos da comunidade


PECULIARIDADES
indígena Sarayaku, tais como a propriedade comunal
De acordo com a Corte, mesmo sem que o Estado
e a identidade cultural. O Equador também foi
tenha ratificado a Convenção 169 da OIT, é
responsabilizado por não respeitar o direito de
possível utilizá-la como vetor hermenêutico para a
consulta à comunidade indígena envolvida, já que em
interpretação das demais obrigações de direitos
nenhum momento durante a exploração de petróleo
humanos.
pela CGC os indígenas prestaram sua aquiescência.

Na sequência, a Corte Interamericana também

responsabilizou o Equador pela violação do direito

à vida (CADH, art. 4a) dos membros da


27
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência comunidade indígena do Sarayaku, dado que o uso
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 225-226. de explosivos na terra indígena criou uma

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 133


situação permanente de riscos e ameaças às suas A Corte afirmou, ainda, que é obrigação dos Estados

vidas e à sua segurança. Diante dos fatos ocorridos, a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade,

a Corte ainda estipulou uma indenização de um devendo adotar medidas positivas para eliminar as

milhão e trezentos mil dólares em favor da barreiras impostas pela sociedade.

comunidade indígena Sarayaku, determinando

também a remoção dos explosivos implantados na

área, bem como o respeito ao direito de consulta às


RESUMO DO CASO
comunidades indígenas.”28

“No dia 21 de dezembro de 1988, Sebastián Furlan,

CASO FURLAN VS. ARGENTINA criança de apenas 14 anos de idade, adentrou um

prédio próximo a sua residência com o intuito de se

divertir. Ocorre que o prédio era na verdade um


ÓRGÃO JULGADOR circuito de treinamento militar abandonado, de

Corte Interamericana de Direitos Humanos propriedade do Exército argentino. Não havia

qualquer tipo de proteção, cerca ou obstáculo que

impedisse o ingresso das crianças no local, que era


SENTENÇA
considerado o ponto de encontro dos jovens para a
31 de agosto de 2002
prática de esportes e brincadeiras. Naquele dia, o

jovem Furlan se pendurou em uma viga pertencente

TEMAS TRATADOS NO CASO às instalações militares do Exército argentino e a

peça, de cerca de 50 kg, caiu sobre sua cabeça,


● Julgamento por prazo razoável;
deixando-o inconsciente. Após diversas intervenções
● Proteção judicial;
cirúrgicas e longo tempo de internação, o menino
● Propriedade privada;
Furlan saiu do hospital com dificuldades na fala e para
● Acesso à justiça; exercer o movimento dos membros superiores e

● Integridade pessoal; inferiores. Após o processamento do caso, a Corte

IDH condenou o Estado da Argentina pelos seguintes


● Dano ao projeto de vida.
motivos: a) violação do direito do menino Furlan e sua

família ao julgamento do processo em prazo razoável


PECULIARIDADES
(arts. 8.1 c/c 19 e 1.1 da CADH) ante a compreensão

Trata-se do primeiro caso de atuação da Defensoria da Corte Interamericana de que, diante do estado de

Pública Interamericana. vulnerabilidade em que se encontrava a vítima, esta

necessitava que o processo fosse julgado com a maior

celeridade possível; b) violação do direito à proteção


28
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência judicial e ao direito de propriedade privada (arts. 25.1
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 228. c/c 25.2 e 21 da CADH); e c) inefetividade do Estado

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 134


argentino em garantir o acesso à justiça e o direito à

integridade pessoal de Sebastián e de seus familiares RESUMO DO CASO


(arts. 5.1, 8.1, 21, 25.1 e 25.2 da CADH).”29

“Os fatos do presente caso se iniciaram em março de

1992, quando o senhor Oscar Alberto Mohamed, que


CASO MOHAMED VS. ARGENTINA
trabalhava como motorista de ônibus na cidade de

Buenos Aires, atropelou uma senhora e provocou a

sua morte. O senhor Mohamed foi processado pelo


ÓRGÃO JULGADOR
crime de homicídio culposo. Em agosto de 1994, a
Corte Interamericana de Direitos Humanos
primeira instância do Poder Judiciário argentino

absolveu Mohamed. Em fevereiro de 1995, porém, no

SENTENÇA julgamento de recurso de apelação interposto pela

23 de novembro de 2012 acusação, a segunda instância do Poder Judiciário

argentino reformou aquela sentença e resolveu

condenar Mohamed. O ordenamento jurídico nacional


TEMAS TRATADOS NO CASO
não previa nenhum recurso ordinário para recorrer
● Violação ao duplo grau de jurisdição. da condenação proferida no segundo grau. O único

recurso disponível era o recurso extraordinário, que

foi interposto pela defesa de Mohamed, mas


PECULIARIDADES
rechaçado pelo Judiciário argentino sob o argumento
Segundo a Corte, a garantia do duplo grau de
de que o recorrente se referia a questões de fato, de
jurisdição nasce com a prolação de uma sentença
prova e de direito comum, as quais não podem ser
desfavorável ao indivíduo. Assim, se houver
debatidas na instância extraordinária, ou esta se
condenação em segunda instância originária de
transformaria numa "terceira instância ordinária". O
recurso do Ministério Público, ao acusado deve ser
senhor Mohamed foi demitido do seu emprego de
garantido um recurso com ampla possibilidade de
motorista de ônibus em razão da pena acessória de
discutir fatos, provas e matéria jurídica. 30
inabilitação para dirigir. Após o processamento do
Ainda segundo a Corte, o duplo grau destina-se caso, a Corte IDH concluiu que a Argentina violou o
tanto à defesa quanto à acusação. direito ao recurso do senhor Mohamed (CADH, art.

8.2.h). No entanto, a Corte IDH absolveu o Estado da

alegação dos representantes da vítima de violação do

art. 8.4 da CADH (proibição de bis in idem), afirmando

que não há que se falar em novo processo quando a


29
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
acusação interpõe o recurso de apelação dentro do
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 230. prazo legal, eis que o processo penal se desenvolve
30
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª em etapas, sendo a etapa recursal apenas uma delas.
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 774.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 135


Finalmente, a Corte IDH determinou que o Estado: a) Outrossim, o direito à maternidade é parte

adote as medidas necessárias para garantir ao senhor essencial para o livre desenvolvimento da

Mohamed o direito a recorrer da sentença personalidade das mulheres e a proibição da FIV

condenatória, nos termos estabelecidos no art. 8.2. h ocasiona impacto desproporcional para um grupo

da CADH; b) suspenda os efeitos da condenação até o determinado de pessoas (mulheres inférteis) – o

julgamento do recurso a ser interposto pelo senhor que gera discriminação indireta.
31
Mohamed; e (c) pague as indenizações fixadas.” A FIV está inserida no direito a gozar dos benefícios do

progresso científico. Ainda segundo a Corte, a

“concepção” ocorre com a implantação do óvulo

CASO ARTAVIA MURILLO E OUTROS fecundado no útero.

(FECUNDAÇÃO IN VITRO) VS. COSTA

RICA
RESUMO DO CASO

ÓRGÃO JULGADOR
“Os fatos do presente caso se relacionam com a
Corte Interamericana de Direitos Humanos
aprovação de um Decreto Executivo em fevereiro de

1995, emitido pelo Ministério da Saúde, por meio do


SENTENÇA
qual se autorizava a prática da fecundação in vitro
28 de novembro de 2012 (FIV) para casais e regulava sua execução. Em abril de

1995, foi apresentada uma ação de

inconstitucionalidade contra o Decreto Executivo. Em


TEMAS TRATADOS NO CASO
março de 2000, a Corte Suprema da Costa Rica julgou
● O direito de ser pai e mãe é questão privada;
procedente a ação de inconstitucionalidade e anulou
● Direito ao progresso científico;
o Decreto Executivo, afirmando que havia tanto uma
● Início da vida. inconstitucionalidade formal, por violação do princípio

da reserva legal, quanto material, por violação do

direito à vida. Assim, a FIV foi praticada em Costa Rica


PECULIARIDADES
entre os anos de 1995 a 2000. Nove casais
Trata-se do primeiro precedente da Corte IDH em
apresentaram uma petição na CIDH devido a essa
que a fecundação in vitro (FIV) foi falada como
situação, informando sobre: a) as causas da
Direito Humano. Ainda, consignou-se que a decisão
infertilidade dos casais; b) os tratamentos aos quais
de ser pai ou mãe, seja em sentido genético ou
recorreram para combater essa condição; c) as razões
biológico, é protegido pelo direito à vida privada.
pelas quais se valeram da FIV; d) os casos em que se

interrompeu o tratamento para realizar a FIV devido à


31
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
decisão da Corte Suprema; e e) os casos em que
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 233.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 136


viajaram para o exterior para realizar o procedimento. SENTENÇA

Após o processamento do caso, a Corte IDH concluiu 25 de novembro de 2013


que a Costa Rica, ao proibir a prática da FIV, violou os

direitos das vítimas à integridade pessoal (CADH, art.


TEMAS TRATADOS NO CASO
5.1), à liberdade pessoal (CADH, art. 7fi), à vida

privada (CADH, art. 11.2) e à proteção da família ● Princípio do non-refoulement;

(CADH, art. 17.2), afirmando que por concepção, nos ● Atuação da Defensoria Pública
termos da CADH, deve se entender a implantação do Interamericana;
óvulo fecundado no útero materno, e não a própria ● Crianças imigrantes;
fecundação do óvulo. Finalmente, a Corte IDH
● Asilo em sentido amplo;
determinou que o Estado deve adotar, com a maior
● Possibilidade de submeter ao crivo dos
celeridade possível, as medidas apropriadas para que
tribunais internacionais a concessão ou
fique sem efeito a proibição de praticar a fecundação
denegação dos institutos do asilo e refúgio.
in vitro e para que as pessoas que desejam fazer uso

da técnica de reprodução assistida possam fazê-lo

sem enfrentarem obstáculos que ensejaram a PECULIARIDADES


judicialização deste caso no sistema interamericano
Trata-se do primeiro caso em que a Defensoria
de proteção dos direitos humanos. A Corte IDH
Pública Interamericana foi designada para atuar
determinou, ainda, que o Estado disponibilize a FIV
com um Defensor Público brasileiro.
dentro dos seus programas e tratamentos de
Também, é o primeiro caso julgado pela Corte IDH
infertilidade, observando-se, assim, o dever de
envolvendo o princípio do non refoulement.
garantia a respeito do princípio da não discriminação.

A Corte IDH também determinou que o Estado A Corte, também, falou do asilo em sentido amplo,

indenizasse as vítimas e lhes oferecesse tratamento englobando o asilo territorial, diplomático, militar e o

psicológico.”32 próprio refúgio.

Importante pontuar, também, que com a

internacionalização dos direitos humanos, a

concessão ou denegação do asilo são passíveis de


CASO FAMÍLIA PACHECO TINEO VS.
controle internacionalmente, não sendo mais livres os
BOLÍVIA
Estados.

ÓRGÃO JULGADOR

Corte Interamericana de Direitos Humanos RESUMO DO CASO

32
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência “O caso em análise diz respeito à expulsão sumária
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 236-237. dos membros da família peruana Pacheco Tineo de

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 137


terras bolivianas, onde haviam ingressado de forma ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de

irregular, na qualidade de refugiados, em fevereiro de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal

2001, em razão de estarem sendo perseguidos pela esteja em risco de violação em virtude de sua raça,

ditadura do Governo Fujimori no Peru. Após adentrar nacionalidade, religião, condição social ou de suas

no Estado boliviano, a família Pacheco Tineo se opiniões políticas (violação do princípio do

apresentou na imigração para pedir refúgio. Mesmo non-refoulement), consagrado no art. 22.8 da

realizando o pedido de forma amigável e com todos Convenção Americana de Direitos Humanos; c) o

os requisitos supostamente preenchidos para a direito de proteção da família consagrado no art. 17

concessão do status de refugiado aos membros da da Convenção Americana de Direitos Humanos; e d) o

família peruana, eles foram expulsos sumariamente direito à proteção especial das crianças consagrado

do território boliviano através de atos de violência, no art. 19 da Convenção Americana de Direitos

sem qualquer direito de notificação sobre a Humanos, em prejuízo de Frida Edith, Juana

assistência consular, devido processo legal, proteção Guadalupe e Juan Ricardo Pacheco Tineo, todos

especial às crianças (best interest ofchild) e menores de idade.”33

possibilidade de recorrer da decisão que negou o

pleito. Ao regressarem ao território peruano, de onde

haviam saído em 1995, em razão de dura perseguição


CASO BREWER CARIA VS. VENEZUELA
política sofrida, o casal Rumaldo fuan Pacheco Osco e

Fredesvinda Tineo Godos e seus filhos Frida Edith,

Juana Guadalupe e Juan Ricardo Pacheco Tineo, os ÓRGÃO JULGADOR


três menores de idade, acabaram presos. Após ser
Corte Interamericana de Direitos Humanos
processada e absolvida, a família Pacheco Tineo

denunciou o caso na CIDH. A Comissão constatou ter

ocorrido uma série de violações aos direitos da família SENTENÇA

Pacheco, como às garantias judiciais de solicitar e 27 de maio de 2014

receber asilo, à violação do princípio do

non-refoulement, ao direito à integridade física e


PECULIARIDADES
psíquica e moral dos membros da família e também à

proteção especial às crianças. Como não houve Trata-se da primeira vez que a Corte

solução amistosa entre as partes, o caso foi Interamericana não aprecia o mérito de um caso

encaminhado à Corte Interamericana. Após o por acolher uma exceção preliminar de ausência

processamento do caso, a Corte IDH declarou a de esgotamento de recursos internos. 34

Bolívia responsável internacionalmente por ter

violado, principalmente: a) o direito de buscar e 33


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
receber asilo de todos os membros da família Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 247-248.
Pacheco Tineo, consagrado no art. 22.7 da Convenção 34
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Americana de Direitos Humanos; b) o direito de não Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 255.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 138


requerimentos da defesa pela produção de prova e
RESUMO DO CASO adiamento da audiência, o Poder Judiciário

venezuelano decretou a prisão preventiva de Brewer

Carias em junho de 2006, decidindo, ainda, que a


“O caso se relaciona com a mobilização social ocorrida "solicitação de nulidade" apresentada pela defesa
entre os anos de 2001 e 2002 na Venezuela contra somente podería ser apreciada diante da presença do
diversas políticas do então Presidente Hugo Chávez, o acusado em audiência preliminar. No procedimento
que veio a ocasionar uma tentativa frustrada de golpe perante a CIDH, o Estado venezuelano arguiu exceção
militar comandada por Pedro Carmona Estanga, com preliminar de falta de esgotamento dos recursos
o qual o senhor Brewer Carias, jurista especializado internos, ratificando esta objeção perante a Corte
em Direito Constitucional e membro da Assembléia IDH. Para a Venezuela, os recursos internos não
Constituinte de 1999, foi denunciado pelo Ministério foram esgotados, pois o processo penal movido
Público em 2005, após três anos de investigação, sob contra o senhor Brewer Carias ainda não havia sido
a suspeita de ter auxiliado Carmona na redação do concluído, existindo etapas nas quais se poderiam
denominado "Decreto Carmona", cuja finalidade seria discutir as irregularidades alegadas a partir de
convalidar os atos do movimento golpista, conduta recursos específicos previstos no Código de Processo
que estaria tipificada como crime de "conspiração Penal venezuelano. Viu-se a Corte, então, diante de
para mudar violentamente a Constituição", conforme um caso com características peculiares, já que: (I) o
o art. 144.2 do Código Penal venezuelano vigente no processo contra Brewer Carias ainda se encontrava
momento dos fatos. O senhor Brewer Carias negou em "etapa intermediária"; e (II) o principal obstáculo
qualquer participação no auxílio da confecção do para que o processo avance é a ausência do acusado,
"Decreto Carmona". Brewer Carias foi citado em razão pela qual, nos dizeres da Corte IDH, estando
janeiro de 2005, quando a sua defesa passou a pendente a audiência preliminar e pelo menos uma
questionar diversas nulidades no processo. Em decisão de mérito da primeira instância, "(...) não é
setembro de 2005, Brewer Carias viajou para fora do possível passar a pronunciar-se sobre a alegada
país e a sua defesa informou ao Poder Judiciário que o violação das garantias judiciais, devido a que não há
acusado somente retomaria quando se certeza sobre como continuaria o processo e se
apresentassem as condições idôneas para obter um muitos dos fatos alegados poderiam ser analisados e
julgamento imparcial e com respeito de suas resolvidos a nível interno" (Exceções preliminares, §
garantias judiciais. Em outubro de 2005, a defesa de 88). A Corte considera, ainda, que "(...) não é possível
Brewer Carias apresentou em juízo uma "solicitação analisar o impacto negativo que uma decisão passa a
de nulidade" de todo o procedimento adotado pelo ter se ocorre em etapas iniciais, quando estas
Ministério Público, a quem atribuiu parcialidade na decisões podem ser analisadas e corrigidas por meio
condução do caso. No mesmo mês, tal pleito foi dos recursos ou ações que se estipulem no
indeferido, decisão contra a qual a defesa interpôs ordenamento jurídico" (Exceções preliminares, § 96). A
apelação. Para o que interessa a essa ocasião de respeito da necessidade de o acusado estar presente
resumo do caso, importa dizer que, após diversos na audiência para que o seu requerimento de

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 139


nulidade seja apreciado, a Corte considerou que "(...) ● Princípio da igualdade e não discriminação;

em muitos sistemas processuais a presença do ● Direito de a defesa interrogar as


acusado é um requisito essencial para o testemunhas;
desenvolvimento legal e regular do processo. A
● Direito de recorrer a um juiz ou tribunal
própria Convenção acolhe a exigência. A este respeito,
superior.
o art. 7.5 da Convenção estabelece que a 'liberdade

poderá estar condicionada a garantias que assegurem

seu comparecimento ante o juízo', de maneira que os PECULIARIDADES

Estados se encontram facultados a estabelecer leis De acordo com a Corte, o princípio da máxima
internas para garantir o comparecimento do acusado" taxatividade legal tem importância especial na
(Exceções preliminares, § 134). E finaliza a Corte, tipificação do crime de terrorismo.
portanto, acolhendo a exceção preliminar, levando
Ainda, a presunção legal do "dolo terrorista" é
em conta que "(...) no presente caso não foram
incompatível com o princípio da legalidade.
esgotados os recursos idôneos e efetivos, e que não
A testemunha anônima é compatível com a CADH,
procediam as exceções ao requisito do prévio
desde que a sua utilização seja excepcional e que
esgotamento dos recursos internos" (Exceções
sejam adotadas medidas de contrapeso.36
preliminares, § 144), deixando, consequentemente, de

continuar com a análise do mérito.”35

RESUMO DO CASO

NÓRIN CATRIMÁN E OUTROS (POVO

INDÍGENA MAPUCHE) VS. CHILE


“Norín Catrimán e as demais vítimas neste caso são

chilenos, sendo que sete delas são ou eram na época

dos fatos autoridades tradicionais do Povo Indígena


ÓRGÃO JULGADOR
Mapuche e uma outra vítima era ativista pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos
reinvindicação dos direitos do mencionado Povo

Indígena. Todos foram processados e condenados

SENTENÇA criminalmente por fatos ocorridos nos anos de 2001 e

2002, relativos a incêndio de prédio florestal, ameaça


29 de maio de 2014
de incêndio e queima de um caminhão de empresa

privada, sem afetar a integridade física nem a vida de


TEMAS TRATADOS NO CASO
ninguém. A qualificação jurídica atribuída à conduta
● Princípio da legalidade; deles foi a de "atos terroristas", razão pela qual se

● Direito à presunção de inocência; lhes aplicou a Lei chilena 18.314, conhecida como "Lei

35
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 36
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 254-255. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 776-777.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 140


Antiterrorismo". A época dos fatos foi marcada por

existir no Sul do Chile uma situação social de

numerosas manifestações e protestos sociais por

parte dos membros do Povo Indígena Mapuche, que

reivindicavam basicamente a recuperação de seus

territórios ancestrais e o respeito do uso e gozo das

suas terras e seus recursos naturais. Após o

processamento do caso, a Corte IDH concluiu que a

aplicação da presunção de intenção terrorista contra

as vítimas violou o princípio da legalidade e a garantia

da presunção de inocência, previstos,

respectivamente, nos arts. 9a e 8.2 da CADH. A Corte

IDH também concluiu que o Estado chileno violou

outras diversas garantias da CADH, tais como o direito

a recorrer a um tribunal superior, o direito à liberdade

pessoal, o direito à liberdade de expressão e o direito

à proteção da família.” 37

37
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 256-257.

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 141


O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 142
O BRASIL NA JURISDIÇÃO
CONTENCIOSA DA CORTE IDH
1ª EDIÇÃO/2022

CASO XIMENES LOPES VS. BRASIL 2

CASO GILSON NOGUEIRA DE CARVALHO E OUTROS


VS. BRASIL 3

CASO ESCHER E OUTROS VS. BRASIL 5

CASO GARIBALDI VS. BRASIL 7

CASO GOMES LUND E OUTROS VS. BRASIL – “CASO


GUERRILHA DO ARAGUAIA” 8

CASO TRABALHADORES DA FAZENDA BRASIL VERDE


VS. BRASIL 11

CASO COSME ROSA GENOVEVA E OUTROS VS.


BRASIL – “CASO FAVELA NOVA BRASÍLIA” 13

CASO POVO INDÍGENA XUCURU E SEUS MEMBROS


VS. BRASIL 15

CASO HERZOG E OUTROS VS. BRASIL 18

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 143


Indo além, a Corte considerou que a sujeição,
CASO XIMENES LOPES VS. BRASIL
considerada como qualquer ação que interfira na

capacidade de um paciente de tomar decisões, é


ÓRGÃO JULGADOR
uma das medidas mais agressivas a que se pode
Corte Interamericana de Direitos Humanos submeter uma pessoa em tratamento

psiquiátrico.

DATA DA SENTENÇA

04 de julho de 2006
RESUMO DO CASO

TEMAS TRATADOS NO CASO


“Os fatos do presente caso se referem a Damião
● Direito à vida;
Ximenes Lopes, que, durante a sua juventude,
● Direito à integridade pessoal; desenvolveu uma deficiência mental proveniente de

● Direito às garantias judiciais e à proteção alterações no funcionamento do seu cérebro. Na

judicial. época dos fatos, Ximenes Lopes tinha 30 anos de

idade e vivia com sua mãe numa pequena cidade,

situada a aproximadamente uma hora da cidade de


PECULIARIDADES
Sobral, sede da Casa de Repouso Guararapes.
Trata-se do primeiro caso envolvendo violações de Ximenes Lopes foi admitido na Casa de Repouso
direitos humanos de pessoa com deficiência Guararapes, como paciente do Sistema Único de
mental e a primeira condenação do Brasil na Corte Saúde (SUS), em perfeito estado físico, em outubro de
IDH. Mais que isso, neste caso, a Responsabilidade 1999. No momento do seu ingresso não apresentava
do Estado Brasileiro decorreu não de um ato sinais de agressividade nem lesões corporais
próprio, mas de ato de um particular. Isso porque, externas. Após dois dias, Ximenes Lopes teve uma
para a Corte: “As obrigações erga omnes que têm os crise de agressividade, tendo que ser retirado do
Estados de respeitar e garantir as normas de proteção, e banho à força por um auxiliar da enfermaria e por
de assegurar a efetividade dos direitos, projetam seus outros pacientes. Na noite do mesmo dia, Ximenes
efeitos para além da relação entre seus agentes e as Lopes teve outro episódio de agressividade e voltou a
pessoas submetidas à sua jurisdição, pois se manifestam ser submetido a contenção física. No dia seguinte, a
na obrigação positiva do Estado de adotar as medidas mãe de Ximenes Lopes foi visitá-lo na Casa de
necessárias para assegurar a efetiva proteção dos Repouso Guararapes e o encontrou sangrando, com
1
direitos humanos nas relações interindividuais." hematomas, sujo e fedendo excremento, com as

mãos amarradas para trás, com dificuldade para

respirar, num estado agonizante, gritando e pedindo

1
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência auxílio à polícia. Ximenes Lopes faleceu no mesmo
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª dia, aproximadamente duas horas depois de ter sido
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 367.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 144


medicado pelo diretor clínico do hospital, e sem DATA DA SENTENÇA

qualquer assistência médica no momento da sua 28 de novembro de 2006


morte. Seus familiares interpuseram uma série de

recursos judiciais, porém, o Estado não realizou


TEMAS TRATADOS NO CASO
maiores investigações nem puniu os responsáveis.

Após o processamento do caso, a Corte IDH concluiu ● Subsidiariedade da Jurisdição da Corte

que o Estado violou: a) os direitos à vida e à ● Violação de Direitos Humanos contra


integridade pessoal de Ximenes Lopes (CADH, arts. defensores de Direitos Humanos
4.1, 5.1 e 5.2); b) o direito à integridade pessoal de

seus familiares, vitimados por diversos problemas de


PECULIARIDADES
saúde decorrentes do estado de tristeza e angústia

ocasionado no contexto dos fatos narrados; e c) os Trata-se do primeiro caso envolvendo violação de

direitos às garantias judiciais e à proteção judicial direitos humanos de pessoas que defendem

consagrados nos arts. 8.1 e 25.1 da CADH, em razão direitos humanos. Nele, a Corte IDH entendeu que

da ineficiência em investigar e punir os responsáveis ela não pode substituir o Estado no exame dos

pelos maus-tratos e óbito da vítima. Finalmente, a fatos e das provas apresentadas, isso porque, para

Corte IDH determinou que o Estado brasileiro o órgão: “(...) as medidas específicas de investigação e

indenizasse os familiares de Ximenes Lopes pelos julgamento num caso concreto para obter um

danos materiais e imateriais provocados, além de ter resultado melhor ou mais eficaz, mas sim constatar se

ordenado diversas outras obrigações, a exemplo do nos passos efetivamente dados no âmbito interno

dever de garantir, em prazo razoável, que o processo foram ou não violadas obrigações internacionais do

interno destinado a investigar e punir os responsáveis Estado decorrentes dos artigos 8a e 25 da Convenção

pelos fatos deste caso seja regularmente Americana.”3 Mais que isso, o Estado Brasileiro foi

desenvolvido.”2 absolvido da acusação internacional.

RESUMO DO CASO
CASO GILSON NOGUEIRA DE CARVALHO E

OUTROS VS. BRASIL


“Em dezembro de 1997, algumas entidades de

proteção dos direitos humanos apresentaram


ÓRGÃO JULGADOR
denúncia perante a CIDH contra o Brasil, alegando
Corte Interamericana de Direitos Humanos que o país seria responsável pela morte de Gilson

Nogueira de Carvalho, um advogado ativista de

direitos humanos, assassinado em outubro de 1996.

2
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 3
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 366-367. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 369.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 145


Os peticionários alegaram que o direito à vida da determinando, então, por unanimidade, o

vítima não foi garantido e que o Estado brasileiro não arquivamento do expediente.”4

havia realizado uma investigação séria sobre sua

morte. Em 2000, o Estado informou à CIDH que o

processo sobre a morte da vítima já se encontrava em CASO ESCHER E OUTROS VS. BRASIL
fase de pronúncia. Após sucessivas prorrogações de

resolução da demanda, o Estado brasileiro informou à


ÓRGÃO JULGADOR
CIDH, em 2005, que o único acusado pela morte da

vítima havia sido absolvido pelo Tribunal do Júri e que Corte Interamericana de Direitos Humanos

o Ministério Público havia apelado da referida

sentença. No mesmo ano, porém, entendendo que o


DATA DA SENTENÇA
Brasil não teria cumprido com as recomendações
06 de julho de 2009
emitidas, a CIDH apresentou o caso à Corte IDH. Após

o processamento do caso, na fase de apreciação das

exceções preliminares, embora a Corte IDH tenha TEMAS TRATADOS NO CASO

concordado com o Estado no sentido de que a morte ● Inviolabilidade das comunicações telefônicas
da vítima ocorreu dois anos antes do reconhecimento
● Ilegalidades no processo
da competência contenciosa pelo país, considerou- se
○ ausência de motivação
competente para examinar as ações e omissões
○ não apresentação dos meios que
relacionadas com violações contínuas e permanentes,
seriam empregados para realizar a
que têm início antes da data de reconhecimento da
interceptação
competência da Corte e persistem ainda depois dessa

data. Assim, a Corte IDH indeferiu a objeção ○ falta de clareza quanto aos fatos

preliminar arguida pelo Estado, da mesma forma que objeto da investigação

rejeitou a preliminar de não esgotamento dos ○ ausência de demonstração da


recursos internos, eis que o Estado não a arguiu no necessidade da interceptação
procedimento perante a CIDH. No mérito, porém, a
○ ilegitimidade da Polícia Militar para
Corte IDH decidiu que o Estado não falhou na
solicitar a medida
investigação da morte da vítima, tendo havido, no

seu entender, a adoção de diversas medidas


PECULIARIDADES
policiais e judiciais a partir de 1998, ou seja, desde

a data do reconhecimento da competência da De acordo com o art. 11.2 da CADH: “Ninguém pode
Corte, único período considerado neste caso. ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em
Assim, a Corte IDH não reconheceu a violação dos sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou
direitos à proteção e às garantias judiciais
4
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
consagradas nos arts. 8a e 25 da CADH,
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 368.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 146


em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua compartilhando com este o objetivo comum de

honra ou reputação”. Analisando o caso em comento, promover a reforma agrária no Estado do Paraná. O

a Corte IDH afirmou que no direito à privacidade fundamento apresentado pela PM para requerer a

está incluída a proteção das comunicações interceptação telefônica foi justamente a existência de

telefônicas. Os professores Caio e Thim apresentam indícios de que os membros daquelas organizações

a hipótese de a Corte ter dado interpretação evolutiva mantinham algum vínculo com o MST para a prática

ao artigo mencionado. de atividades criminosas. O requerimento foi deferido

Ainda, quanto ao levantamento das interceptações pela juíza da Vara de Loanda/PR por meio de mera

telefônicas, a Corte se manifestou no sentido de elas anotação na folha da petição, em que escreveu

serem ingerência arbitrária e ilegal na vida "Recebido e analisado. Defiro. Oficie-se". O Ministério

privada, na honra e na reputação das pessoas.5 Público não foi intimado da decisão. Fragmentos das

conversas telefônicas foram veiculados no Jornal


A Corte afirmou, também, que possui competência
Nacional (Globo), assim como reproduzidos em
“para ordenar a um Estado que deixe sem efeito uma
coletiva de imprensa convocada pelo Secretário de
lei interna quando seus termos sejam atentatórios
Segurança do Estado do Paraná, ocasião em que
aos direitos previstos na Convenção, e por isso,
foram, ainda, distribuídas cópias de mídias para
contrários ao artigo 29 do mesmo tratado.” Neste
jornalistas com o áudio daqueles fragmentos de
caso, no entanto, não se procedeu dessa maneira,
conversas gravadas. Mais de um ano após o
embora tenha havido pedido de revogação de uma lei
encerramento da monitoração, a juíza remeteu os
que concedeu o título de cidadã honorária do Paraná
autos do processo para o MP, que se manifestou pela
à juíza envolvida no caso.6
ilegalidade do procedimento, requerendo que fosse

decretada a sua nulidade, o que não foi acolhido pelo

RESUMO DO CASO Judiciário. As vítimas esgotaram os recursos internos e

não obtiveram êxito nas pretensões de invalidar o

procedimento e de conseguir a justa reparação pelos


“Entre os meses de abril e junho de 1999, a pedido da danos sofridos. Após o processamento do caso, a
Polícia Militar do Estado do Paraná, o Poder Judiciário partir de uma interpretação conjugada com o
paranaense autorizou a interceptação e o ordenamento jurídico interno a respeito do tema
monitoramento das linhas telefônicas de Arlei José (Constituição Federal e Lei 9.296/1996), a Corte IDH
Escher e outros, todos membros integrantes de reconheceu diversas ilegalidades no procedimento
organizações comunitárias que mantinham relação das interceptações, tais como: a) requeridas e
com o Movimento dos Sem Terra (MST), autorizadas sem a respectiva motivação de subsidiar

investigação criminal; b) ausência de indícios


5
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência razoáveis de autoria ou de participação dos membros
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 371. integrantes das organizações comunitárias nas
6
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
infrações penais supostamente investigadas; c)
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 372.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 147


ausência de declinação dos meios que seriam PECULIARIDADES

empregados para realizar a interceptação, assim


Neste caso, atestou-se a inefetividade do sistema
como a falta de clareza quanto aos fatos objeto da
de investigação brasileiro. Restou consignado neste
investigação; d) ausência de demonstração de que o
caso que o dever de investigar não é uma
meio empregado era o único viável para obter tal
obrigação de resultado, mas é uma obrigação de
prova; e e) ilegitimidade da PM para requerer a
meio.
interceptação telefônica. A Corte IDH afirmou que as
Para a Corte, diante de uma morte violente, o Estado
conversas relacionadas com as vítimas eram de
deve se posicionar adotando os seguintes princípios:
caráter privado e nenhum dos interlocutores
“a) identificar a vítima; b) recuperar e preservar o
consentiu que fossem conhecidas por terceiros, de
material probatório relacionado com a morte, com o fim
modo que "(...) a divulgação de conversas
de ajudar em qualquer potencial investigação penal dos
telefônicas que se encontravam sob segredo de
responsáveis; c) identificar possíveis testemunhas e obter
justiça, por agentes do Estado, implicou em
suas declarações em relação à morte que se investiga; d)
ingerência na vida privada, honra e reputação das
determinar a causa, a forma, o lugar e o momento da
vítimas" (Exceções preliminares, mérito, reparações e
morte, assim como qualquer padrão ou prática que
custas, § 158). A Corte IDH também concluiu que o
possa tê-la causado; e e) distinguir entre morte natural,
Estado brasileiro violou o direito à liberdade de
morte acidental, suicídio e homicídio.”7
associação reconhecido no art. 16 da CADH.”
A Corte IDH reconheceu também o MST como grupo

social vulnerável.

CASO GARIBALDI VS. BRASIL

RESUMO DO CASO

ÓRGÃO JULGADOR

Corte Interamericana de Direitos Humanos


“Os fatos deste caso aconteceram em 27.11.1998, no

contexto de um despejo extrajudicial na Fazenda São

DATA DA SENTENÇA Francisco. Este lugar, situado na cidade de Querência

do Norte, no Estado do Paraná, estava ocupado por


23 de setembro de 2009
cerca de cinquenta famílias. No dia do despejo, um

grupo de aproximadamente vinte homens


TEMAS TRATADOS NO CASO
encapuzados e armados chegou na Fazenda São
● Razoável duração do processo Francisco disparando e ordenando aos trabalhadores
● Dever de investigar como obrigação de meio para que saíssem de suas barracas. Quando Sétimo

Garibaldi, membro do Movimento dos Trabalhadores

7
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 374.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 148


Rurais Sem Terra (MST), saiu de sua barraca, foi ferido
CASO GOMES LUND E OUTROS VS. BRASIL
por um disparo efetuado por um dos homens
– “CASO GUERRILHA DO ARAGUAIA”
encapuzados, vindo a falecer devido a uma

hemorragia. A investigação policial e judicial do caso

foi marcada por uma série de irregularidades por ÓRGÃO JULGADOR


parte das autoridades encarregadas. Ao final,
Corte Interamericana de Direitos Humanos
determinou-se o arquivamento do caso,

permanecendo impunes os autores da violação de

direitos humanos. A Corte IDH iniciou o julgamento DATA DA SENTENÇA

apreciando as preliminares alegadas pelo Estado 24 de novembro de 2010

brasileiro, tendo rejeitado todas, com exceção da

preliminar de incompetência rationi temporis, que foi


TEMAS TRATADOS NO CASO
parcialmente acolhida. Em razão de a morte de
● Reconhecimento da personalidade jurídica
Sétimo Garibaldi ter ocorrido antes do

reconhecimento da jurisdição da Corte, o tribunal ● Direito à vida

interamericano entendeu que poderia julgar apenas ● Direito à integridade pessoal

as violações das garantias judiciais dos familiares da ● Direito à liberdade pessoal


vítima. Assim, no mérito, a Corte Interamericana
● Garantias judiciais
declarou que o Estado brasileiro violou o direito
● Liberdade de pensamento e de expressão
dos familiares do sr. Sétimo Garibaldi de que a

morte deste fosse investigada e que os ● Proteção judicial

responsáveis fossem punidos. Como medida de

reparação, a Corte IDH condenou o Estado brasileiro PECULIARIDADES


por ter propiciado uma situação de violação de
Segundo Caio e Thim9, o caso "Guerrilha do Araguaia"
direitos humanos, recomendou melhorias no sistema
envolve o tema da justiça de transição e suas
de investigação e o cumprimento de prazos para a
quatro dimensões, quais sejam:
conclusão dos inquéritos policiais e, por fim, além da

publicação da sentença no Diário Oficial como forma - direito à memória e à verdade;

de reparação, fixou uma quantia a título de reparação - direito à reparação das vítimas e seus familiares;

pelos danos sofridos pelos familiares da vítima.”8 - adequado tratamento jurídico aos crimes

cometidos; e

- reforma das instituições para a democracia.

8
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 9
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 373. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 378.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 149


Neste caso, quanto à Lei da Anistia brasileira, vale verdadeira separação de atuações, na qual inexistiria

lembrar que o STF e a Corte IDH possuem conflito real entre as decisões porque cada Tribunal

entendimentos diferentes. Para o STF, em decisão age em esferas distintas e com fundamentos diversos.

proferida na ADPF 153, a Lei da Anistia deveria ser De um lado, o STF, que é o guardião da Constituição e
aplicada aos atos criminosos cometidos pelos exerce o controle de constitucionalidade. Por
agentes da ditadura. Para a Corte IDH, no entanto, exemplo, na ADPF 153 (controle abstrato de
com o caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, a Lei constitucionalidade), a maioria dos votos decidiu que
de Anistia é inválida e, a partir disso, condenou o o formato amplo de anistia foi recepcionado pela
Estado brasileiro a investigar e punir os agentes da nova ordem constitucional. Por outro lado, a Corte de
ditadura militar pelas graves violações de direitos San José é guardiã da Convenção Americana de
humanos ocasionadas na região do Araguaia durante Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos
o período ditatorial. Para solucionar a divergência, que possam ser conexos. Exerce, então, o controle de
Caio e Thim apontam a Teoria do duplo controle convencionalidade. Para a Corte IDH, a Lei da Anistia
como alternativa. não é passível de ser invocada pelos agentes da

A teoria do duplo controle foi criada pelo professor ditadura.

André de Carvalho Ramos que assim se coloca quanto (...)


à ela:
A partir da teoria do duplo controle, agora deveremos
“Como cumprir a decisão da Corte IDH? Inicialmente, exigir que todo ato interno se conforme não só ao
parto da seguinte premissa: não há conflito teor da jurisprudência do STF, mas também ao teor
insolúvel entre as decisões do STF e da Corte IDH, da jurisprudência interamericana, cujo conteúdo deve
uma vez que ambos os tribunais têm a grave ser estudado já nas Faculdades de Direito.”10
incumbência de proteger os direitos humanos.
Válido anotar, também, que neste caso a Corte IDH
Adoto assim a teoria do duplo controle ou crivo de
determinou a instituição da Comissão Nacional da
direitos humanos, que reconhece a atuação em
Verdade, criada pela Lei 12.528/2011 e cujo art. 1º
separado do controle de constitucionalidade (STF e
dispõe que é sua atribuição "examinar graves violações
juízos nacionais) e do controle de
de direitos humanos praticadas no período fixado no art.
convencionalidade internacional (Corte de San
8a do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
José e outros órgãos de direitos humanos do plano
(período de 18 de setembro de 1946 até a data da
internacional).
promulgação da Constituição [de 1988]), a fim de
Os direitos humanos, então, no Brasil possuem efetivar o direito à memória e à verdade histórica e
uma dupla garantia: o controle de promover a reconciliação nacional”.
constitucionalidade e o controle de
Não é demais lembrar que é imprescritível a
convencionalidade internacional. Qualquer ato ou
pretensão indenizatória em virtude de danos
norma deve ser aprovado pelos dois controles, para

que sejam respeitados os direitos no Brasil. Esse


10
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos.
duplo controle parte da constatação de uma
São Paulo, 8ª Edição. Editora Saraiva, 2021, pág. 990.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 150


decorrentes da perseguição política na época da brasileiro pela violação dos seguintes dispositivos da

ditadura militar. CADH: art. 3Q (direito ao reconhecimento da

personalidade jurídica), art. 49 (direito à vida), art. 5B

(direito à integridade pessoal), art. 7fi (direito à


RESUMO DO CASO liberdade pessoal), art. 8e (garantias judiciais), art. 13

(liberdade de pensamento e de expressão) e art. 25

(proteção judicial). A Comissão ainda fez referência à


“O Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil,
promulgação da Lei da Anistia no Estado brasileiro,
popularmente conhecido como Caso “Guerrilha do
que ocasionou a não realização da investigação penal
Araguaia", trata da responsabilidade do Estado
e do cumprimento do dever de perseguir e julgar os
brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e
responsáveis pelos massacres. No dia 24 de
desaparecimento forçado de aproximadamente
novembro de 2010, a Corte Interamericana
setenta pessoas, dentre elas integrantes do PCB
sentenciou o Caso Gomes Lund, responsabilizando o
(Partido Comunista Brasileiro) e camponeses da
Estado brasileiro pelas violações ocorridas na região
região do Araguaia, situada no Estado do Tocantins,
do Araguaia, no período em que vigorava no país o
entre 1972 e 1975. A maioria das vítimas
regime militar.”11
desaparecidas integrava (ou pelo menos havia uma

suspeita de que o fizessem) o movimento de

resistência intitulado “Guerrilha do Araguaia",


CASO TRABALHADORES DA FAZENDA
conhecido por realizar atos de resistência e oposição
BRASIL VERDE VS. BRASIL
aos militares. Naquela época, o governo do Estado

brasileiro implementou ações com o objetivo de

exterminar todos os integrantes do movimento


ÓRGÃO JULGADOR
"Guerrilha do Araguaia", no que obteve êxito. Ocorre
Corte Interamericana de Direitos Humanos
que, no dia 28 de agosto de 1979, o Brasil aprovou a

Lei Federal 6.683, popularmente conhecida como "Lei

da Anistia". Esse diploma normativo perdoou todos DATA DA SENTENÇA

aqueles que haviam cometido crimes políticos ou 15 de dezembro de 2016


conexos com eles no período da ditadura militar, o

que acabou gerando a irresponsabilidade de todos os


TEMAS TRATADOS NO CASO
agentes do Estado brasileiro que participaram dos

massacres ocorridos no período da ditadura, inclusive ● Trabalho forçado (neoescravidão)

em relação aos fatos ocorridos na região do Araguaia.

A controvérsia chegou até a CIDH em agosto de 1995.

Após o Brasil não ter se manifestado sobre os

relatórios da CIDH, a demanda foi submetida à Corte 11


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
IDH. A CIDH pugnou pela responsabilização do Estado Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 377-378.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 151


PECULIARIDADES

Trata-se da primeira condenação do Brasil por

trabalho escravo em seu território e, também, a

primeira vez que a Corte fala em discriminação

estrutural histórica, vejamos: “O caso Trabalhadores

da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil constitui a primeira

vez na qual o Tribunal Interamericano reconhece a

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 152


existência de uma discriminação estrutural exercido sobre uma pessoa que lhe restrinja ou prive

histórica, em razão do contexto no qual ocorreram as significativamente de sua liberdade individual, com

violações de direitos humanos das 85 vítimas. Nesse intenção de exploração mediante o uso, a gestão, o

sentido, também constitui o primeiro caso no qual a benefício, a transferência ou o despojamento de uma

Corte IDH expressamente determina a pessoa. Em geral, este exercício se apoiará e será

responsabilidade internacional contra um Estado obtido através de meios tais como a violência, fraude

por perpetuar esta situação estrutural histórica e/ou a coação”.15

de exclusão”.12

Outrossim, para a Corte, a proibição de trabalho


RESUMO DO CASO
escravo é norma de jus cogens, ou seja, dotada de

força normativa e coercitiva superior, e a referida

proibição é uma obrigação imposta a todos os


“Entre o final do ano de 1988 e o início de 1989, a
Estados, sendo a sua violação imprescritível.
Polícia Federal recebeu denúncias de trabalho escravo
Fixou-se, neste caso, os elementos do conceito de em inúmeras fazendas na região do município de
escravidão, a saber: “i) o estado ou condição de um Sapucaia, no estado do Pará, entre as quais estava a
indivíduo e ii) o exercício de algum dos atributos Fazenda Brasil Verde. Após as denúncias, as
do direito de propriedade, isto é, que o autoridades estatais realizaram frequentes visitas e
escravizador exerça poder ou controle sobre a inspeções à Fazenda Brasil Verde com o intuito de
pessoa escravizada ao ponto de anular a verificar as condições lá existentes para o
personalidade da vítima. As características de cada desempenho da atividade laboral. O proprietário da
um destes elementos são entendidas de acordo com Fazenda Brasil Verde formava parte do Grupo Irmãos
13
os critérios ou fatores identificados a seguir” . Quagliato, que possuía inúmeras fazendas na região e
Quanto ao primeiro elemento: “se refere tanto à aproximadamente cento e trinta mil cabeças de gado.
situação de jure como de facto, isto é, não é essencial Após inúmeras visitas, as autoridades estatais, dentre
a existência de um documento formal ou de uma elas a Polícia Federal, verificaram a existência de
norma jurídica para a caracterização desse fenômeno, trabalho escravo na Fazenda, além de irregularidades
como no caso da escravidão chattel ou tradicional”14; nos direitos trabalhistas dos empregados e falhas
já quanto ao segundo elemento, a Corte disse: “O estruturais na área da fazenda. Como se não
chamado 'exercício de atributos da propriedade' deve bastassem tais violações, dois trabalhadores
ser entendido nos dias atuais como o controle adolescentes desapareceram da Fazenda Brasil Verde

e jamais foram encontrados. Foi constatado que a


12
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª maioria dos trabalhadores rurais percorria um longo
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 394.
trajeto para chegar até a Fazenda Brasil Verde e
13
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 394.
14
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 15
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 394. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 395.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 153


recebiam quantias irrisórias como pagamento. O PECULIARIDADES

grupo de trabalhadores era formado


Neste caso, as Defensorias da União e de São Paulo
majoritariamente por homens entre 15 e 40 anos de
funcionaram como amicus curiae. Tendo a última,
idade, afrodescendentes e pardos, oriundos dos
inclusive se manifestado no sentido de que “(...) no
estados mais pobres do país e, portanto, em situações
Brasil, tomou-se uma prática comum que os informes
que lhes proporcionavam exíguas possibilidades de
sobre mortes ocasionadas pela polícia sejam
trabalho. No dia 12 de novembro de 1998, a Comissão
registrados como 'resistência seguida de morte', e que
Pastoral da Terra (CPT) e o Centro pela Justiça e o
no Rio de Janeiro se usa a expressão 'autos de
Direito Internacional (CEJIL/Brasil) apresentaram o
resistência' para se referir ao mesmo fato. De acordo
caso à CIDH. O Estado brasileiro não cumpriu as
com a Defensoria Pública, esse é o cenário ideal para
recomendações expedidas pela Comissão
os agentes que pretendem dar um aspecto de
Interamericana, ensejando, então, a submissão da
legalidade às execuções sumárias que praticam”.
demanda à Corte IDH. Após o processamento do
Neste ponto, houve repúdio da Corte aos
caso, a Corte Interamericana condenou o Estado
denominados “autos de resistência à prisão”, que
brasileiro pela violação dos direitos a não ser
considerou necessária a abolição do termo dos
submetido à escravidão e à proteção judicial.”16
processos.

Outrossim, a Corte IDH entendeu que a Polícia Civil é

incompetente para investigar crimes praticados por


CASO COSME ROSA GENOVEVA E OUTROS
seus agentes, ante a falta de imparcialidade. Ainda
VS. BRASIL – “CASO FAVELA NOVA
segundo a Corte, é necessária a participação da
BRASÍLIA” vítima nos processos, determinando, ainda que

“por tratar-se de prováveis execuções

extrajudiciais e atos de tortura, o Estado deve


ÓRGÃO JULGADOR
abster-se de recorrer a qualquer obstáculo
Corte Interamericana de Direitos Humanos
processual para não cumprir com essa
17
obrigação”.

DATA DA SENTENÇA

15 de maio de 2017
RESUMO DO CASO

TEMAS TRATADOS NO CASO


“O caso se refere às falhas e à demora na investigação
● Execuções durante operação policial
e punição dos responsáveis pelas execuções

extrajudiciais de 26 pessoas no contexto de duas

16
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 17
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 393. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 404.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 154


incursões policiais efetuadas pela Polícia Civil do relação ao art. 1.1 do mesmo instrumento. 2. O

Estado do Rio de Janeiro em 18.10.1994 e 08.05.1995 Estado é responsável pela violação do direito à

na Favela Nova Brasília. As mortes foram justificadas proteção judicial, previsto no art. 25 da CADH em

pelas autoridades policiais mediante a lavratura de relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. 3.

"autos de resistência à prisão". Alega-se ainda que, no O Estado é responsável pela violação dos direitos à

contexto da incursão policial de 18.10.1994, três proteção judicial e às garantias judiciais, previstos nos

mulheres, sendo duas delas menores de idade, foram artigos 25 e 8.1 da CADH em relação com o art. 1.1 do

vítimas de tortura e atos de violência sexual por parte mesmo instrumento, e artigos 1°, 6° e 8Q, da

de agentes policiais. Finalmente, alega-se que a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a

investigação dos fatos mencionados teria sido Tortura, assim como o art. 7a da Convenção - de

conduzida com o objetivo de estigmatizar e revitimizar Belém do Pará. 4. O Estado é responsável pela

as pessoas falecidas, pois teria sido focada na violação do direito à integridade pessoal, previsto no

culpabilidade delas e não na verificação da art. 5.1 da CADH em relação ao art. 1.1 do mesmo

legitimidade do uso da força. Em audiência pública instrumento. 5. O Estado não violou o direito de

realizada na Corte, o Brasil reconheceu que seus circulação e de residência, previsto no art. 22.1 da

agentes policiais foram responsáveis pelos 26 CADH. Finalmente, a Corte Interamericana fixou as

homicídios e pelos 3 crimes de violência sexual contra seguintes medidas de reparação: 1. O Estado deve

as mulheres vítimas. No entanto, o Estado brasileiro conduzir de forma eficaz a investigação em curso

insistiu na preliminar de incompetência rationi sobre os fatos relacionados com as mortes ocorridas

temporis da Corte Interamericana, pois os fatos na incursão de 1994, com a devida diligência e em

ocorreram entre os anos 1994 e 1995, enquanto que prazo razoável para identificar, processar e, se for o

a aceitação da competência contenciosa se deu em caso, punir os responsáveis. A respeito das mortes

1998. Após o processamento do caso, a Corte ocorridas na incursão de 1995, o Estado deve iniciar

Interamericana reconheceu parcialmente a ou reativar uma investigação eficaz sobre os fatos.

procedência da preliminar de incompetência ratione Além disso, o Estado, através do Procurador-Geral da

temporis, admitindo que não pode apreciar os fatos República, deve analisar se os fatos referentes às

ocorridos antes de 1998, o que não impede, porém, incursões de 1994 e 1995 devem ser objeto de

de conhecer e julgar o caso no que diz respeito às solicitação de incidente de deslocamento de

falhas do Estado para processar e punir as violações competência. 2. O Estado deve iniciar uma

de direitos humanos causadas pelos policiais. E assim, investigação eficaz a respeito dos fatos relacionados à

a Corte entendeu por condenar o Estado brasileiro. violência sexual. 3. O Estado deve oferecer

Dos pontos resolutivos da sentença, ressaltamos os gratuitamente, através de suas instituições de saúde

seguintes: 1. O Estado é responsável pela violação do especializadas e de forma imediata, adequada e

direito às garantias judiciais de independência e efetiva, o tratamento psicológico e psiquiátrico que as

imparcialidade da investigação, devida diligência e vítimas necessitarem e pelo tempo que seja

prazo razoável, estabelecidas no art. 8.1 da CADH em necessário, inclusive o fornecimento gratuito de

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 155


medicamentos. 4. O Estado deve realizar um ato efetiva, na investigação realizada pela polícia ou pelo

público de reconhecimento de responsabilidade Ministério Público. 9. O Estado deve adotar as

internacional em relação aos fatos objeto do presente medidas necessárias para uniformizar a expressão

caso e sua posterior investigação, e durante esse ato "lesão corporal ou homicídio decorrente de

público deverão ser inauguradas duas placas em intervenção policial" nos documentos e investigações

memória das vítimas na praça principal da Favela realizadas pela polícia ou pelo Ministério Público em

Nova Brasília. 5. O Estado, dentro do prazo de um ano casos de mortes ou lesões provocadas pela atuação

contado a partir da notificação da presente sentença, policial. O conceito de "oposição" ou "resistência" à

deve estabelecer os mecanismos normativos atuação policial deve ser abolido.”18

necessários para que em suspeitas de mortes, tortura

ou violência sexual decorrentes de intervenção

policial, em que prima facie apareça como possível CASO POVO INDÍGENA XUCURU E SEUS
imputado um agente policial, desde a notitia criminis MEMBROS VS. BRASIL
se encarregue a investigação a um órgão

independente e diferente da força pública envolvida

no incidente, tais como uma autoridade judicial ou o ÓRGÃO JULGADOR

Ministério Público, assistido por pessoal policial, Corte Interamericana de Direitos Humanos
técnico criminalístico e administrativo alheio ao corpo

de segurança ao qual pertença o possível acusado ou


DATA DA SENTENÇA
acusados. 6. O Estado deve adotar as medidas
05 fevereiro de 2018
necessárias para que o Estado do Rio de Janeiro

estabeleça metas e políticas de redução da letalidade

e da violência policial. 7. O Estado deve implementar, TEMAS TRATADOS NO CASO


em prazo razoável, um programa ou curso
● Comunidades indígenas
permanente e obrigatório sobre atenção a vítimas de
● Esgotamento dos Recursos Internos
violência sexual, dirigido a todos os níveis
● Relação imemorial das comunidades
hierárquicos das Polícias Civil e Militar do Rio de
indígenas e seus territórios
Janeiro e a funcionários de atenção de saúde. Como

parte desta formação, deve-se incluir a presente ● Princípio da Segurança Jurídica

sentença, a jurisprudência da Corte Interamericana ● Greening (esverdeamento)


sobre violência sexual e tortura, assim como os

parâmetros internacionais em matéria de atenção a


PECULIARIDADES
vítimas e investigação desse tipo de casos. 8. O Estado

deve adotar as medidas legislativas ou de outra índole

necessárias para permitir às vítimas de delitos ou


18
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
seus familiares a participarem, de maneira formal e
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 398-400.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 156


Trata-se do primeiro caso brasileiro sobre merecem igual proteção do artigo 21 da Convenção

comunidades indígenas na jurisdição contenciosa Americana. Desconhecer as versões específicas do

da Corte. Neste caso, o Brasil alegou que os recursos direito ao uso e gozo dos bens, dadas pela cultura,

internos ainda não tinham sido esgotados, pelo que a usos, costumes e crenças de cada povo, equivaleria a

Corte se manifestou da seguinte maneira “O Estado afirmar que só existe uma forma de usar os bens, e

deve especificar claramente os recursos que, a seu deles dispor, o que, por sua vez, significaria tomar

critério, ainda não foram esgotados, ante a ilusória a proteção desses coletivos por meio dessa

necessidade de salvaguardar o princípio de igualdade disposição. Ao se desconhecer o direito ancestral

processual entre as partes que deve reger todo dos membros das comunidades indígenas sobre

procedimento no Sistema Interamericano. Como a seus territórios, se poderia afetar outros direitos

Corte estabeleceu, de maneira reiterada, não é tarefa básicos, como o direito à identidade cultural e à

deste Tribunal, nem da Comissão, identificar ex própria sobrevivência das comunidades indígenas

officio os recursos internos pendentes de e seus membros”.20

esgotamento, em razão do que não compete aos Restou assentado, também, que o artigo 21, acima
órgãos internacionais corrigir a falta de precisão referido, deve ser interpretado à luz das normas da
das alegações do Estado. Os argumentos que Convenção 169 da OIT.
conferem conteúdo à exceção preliminar interposta
Quanto ao esverdeamento, Caio e Thim pontuam
pelo Estado perante a Comissão durante a etapa de
que: “o Caso Xucuru acabou por tutelar, ainda que
admissibilidade devem corresponder àqueles
de forma indireta ou "por ricochete", interesses
19
expostos à Corte.”
ambientais”21 e essa proteção internacional a
Outrossim, o conceito de propriedade privada direitos ambientais recebeu o nome de de
possui interpretação especial quando se refere às “Greening”.
terras indígenas. Para a Corte: “o artigo 21 da

Convenção Americana protege o estreito vínculo que

os povos indígenas mantêm com suas terras bem RESUMO DO CASO

como com seus recursos naturais e com os elementos

incorporais que neles se originam. Entre os povos


“Em abril de 2016, a CIDH denunciou à Corte IDH o
indígenas e tribais existe uma tradição comunitária
caso das violações dos direitos dos indígenas
sobre uma forma comunal da propriedade coletiva da
brasileiros Xucuru pela demora na demarcação de
terra, no sentido de que a posse desta não se centra
suas terras. De acordo com a CIDH, o Brasil violou o
em um indivíduo, mas no grupo e sua comunidade.
direito à propriedade das comunidades indígenas,
Essas noções do domínio e da posse sobre as terras

não necessariamente correspondem à concepção


20
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
clássica de propriedade, mas a Corte estabeleceu que Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 407-408.
19
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência 21
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 407. Edição. Editora CEI, 2020, pág. 409.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 157


assim como o direito à integridade pessoal em ÓRGÃO JULGADOR

prejuízo dos membros da comunidade indígena Corte Interamericana de Direitos Humanos


Xucuru e de seus membros. O caso se concentra na

demora de mais de 16 anos, entre 1989 a 2005, para


DATA DA SENTENÇA
finalizar o procedimento de demarcação de terras

indígenas da comunidade Xucuru, incluindo o 15 março de 2018

processo administrativo de reconhecimento, titulação

e delimitação de suas terras e territórios ancestrais. TEMAS TRATADOS NO CASO


Em outubro de 2015, a CIDH concedeu ao Brasil um
● Comunidades indígenas
prazo de dois meses para informar sobre o avanço no
● Esgotamento dos Recursos Internos
cumprimento de recomendações, entre elas adotar as

medidas necessárias para completar o saneamento e ● Relação imemorial das comunidades

colocar um ponto final em processos judiciais contra indígenas e seus territórios

líderes indígenas. O Brasil não ofereceu essas ● Princípio da Segurança Jurídica


informações. O caso chegou até a jurisdição
● Greening (esverdeamento)
contenciosa da Corte IDH. Na jurisdição da Corte, a

CIDH alegou que o Estado brasileiro violou a CADH em


PECULIARIDADES
virtude do não reconhecimento como terra indígena

do local habitado pela comunidade indígena Xucuru, Trata-se da segunda condenação do Brasil em
bem como em razão da demora injustificada no razão de tortura praticada durante a ditadura
processo administrativo e judicial de demarcação de militar. Neste caso, a Corte se posicionou no sentido
terras indígenas. O Estado brasileiro aduziu que não da relativização do princípio do no bis in idem
violou nenhum dispositivo da CADH. Ao analisar a quando se estiver diante de crimes contra a
demanda, a Corte condenou o Estado brasileiro de humanidade. Nas palavras da Corte:
forma unânime por violação aos artigos I a (dever de
"A exceção a esse princípio, assim como no caso da
respeitar), 8a (garantias judiciais), 21 (direito à
prescrição, decorre do caráter absoluto da
propriedade) e 25 (proteção judicial), todos da
proibição dos crimes contra a humanidade e da
Convenção Americana, estabelecendo, assim, a
expectativa de justiça da comunidade
morosidade do Estado brasileiro em reconhecer e
internacional. Isso se explica, como especificou a
22
demarcar as terras indígenas do Povo Xucuru.”
Comissão de Direito Internacional, pelo fato de que

'um indivíduo pode ser julgado por um tribunal penal

internacional por um crime contra a paz e a


CASO HERZOG E OUTROS VS. BRASIL segurança da humanidade resultante da mesma ação

que foi objeto do processo anterior em um tribunal

nacional, caso o indivíduo tenha sido julgado pelo


22
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª tribunal nacional por um crime 'ordinário', em vez de
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 406-407.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 158


sê-lo por um crime mais grave previsto no código'. morte de Vladimir Herzog, mas o Tribunal de Justiça

Nesse caso, o indivíduo não foi julgado ou punido do Estado bandeirante considerou que a Lei de Anistia

pelo mesmo crime, mas por um 'crime mais leve' que era um óbice para a realização das investigações. Em

não compreende em toda a sua dimensão sua 2008, com base em fatos novos, foi feita outra

conduta criminosa. Assim, 'um indivíduo podería ser tentativa para iniciar o processo penal contra os

julgado por um tribunal nacional por homicídio com responsáveis pelas violações cometidas. No entanto, o

agravantes e julgado uma segunda vez por um procedimento foi novamente arquivado, desta vez

tribunal penal internacional pelo crime de genocídio sob o argumento de que os crimes já estariam

baseado no mesmo fato'. Nas situações em que o prescritos. Após o esgotamento dos recursos

indivíduo não foi devidamente julgado ou punido pela internos, o caso chegou até a CIDH. No dia 22 de abril

mesma ação ou pelo mesmo crime, em função do de 2016, após fracassar na tentativa de solucionar o

abuso de poder ou da incorreta administração de caso, a Comissão o submeteu à Corte IDH. Ao

justiça pelas autoridades nacionais na ação do caso processar e julgar a demanda, a Corte IDH condenou,

ou na instrução da causa, a comunidade internacional por unanimidade, o Estado brasileiro pela violação do

não deve ser obrigada a reconhecer uma decisão art. l s (dever de promoção e respeito aos direitos),

decorrente de uma transgressão tão grave do art. 28 (dever de adotar disposições do ordenamento

procedimento de justiça penal.”23 jurídico interno), art. 5B (integridade pessoal), art. 8e

(garantias judiciais) e art. 25 (proteção judicial), todos

da CADH. A Corte ainda condenou o Estado brasileiro


RESUMO DO CASO pela violação dos artigos l s, 6Q e 8Q, todos da

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a

Tortura. Vejamos os seguintes pontos resolutivos da


“No dia 24 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir
sentença: "[A Corte] DECLARA: (...) 3 .0 Estado é
Herzog compareceu ao DOI/ CODI de São Paulo para
responsável pela violação dos direitos às garantias
prestar declarações e, após ter sido arbitrariamente
judiciais e à proteção judicial, previstos nos artigos 8.1
detido, foi executado. A morte de Herzog foi
e 25.1 da Convenção Americana, em relação aos
apresentada à família e à sociedade como um
artigos 1.1 e 22 do mesmo instrumento, e em relação
suicídio. A investigação realizada pelo Estado
aos artigos 1Q, 6e e 8Q da Convenção Interamericana
brasileiro por meio de Inquérito Militar concluiu pela
para Prevenir e Punir a Tortura, em prejuízo de Zora,
ocorrência de suicídio. A família da vítima propôs, em
Clarice, André e Ivo Herzog, pela falta de investigação,
1976, uma ação civil declaratória na Justiça Federal
bem como do julgamento e punição dos responsáveis
que desconstituiu esta versão. Em 1992, o Ministério
pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog,
Público do Estado de São Paulo requisitou a abertura
cometidos em um contexto sistemático e
de inquérito policial para apurar as circunstâncias da
generalizado de ataques à população civil, bem como

pela aplicação da Lei de Anistia n5 6683/79 e de


23
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
outras excludentes de responsabilidade proibidas
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 414-415.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 159


pelo Direito Internacional em casos de crimes contra a

humanidade (...); (...) 4 .0 Estado é responsável pela

violação do direito de conhecer a verdade de Zora

Herzog, Clarice Herzog, Ivo Herzog e André Herzog,

em virtude de não ter esclarecido judicialmente os

fatos violatórios do presente caso e não ter apurado

as responsabilidades individuais respectivas, em

relação à tortura e assassinato de Vladimir Herzog,

por meio da investigação e do julgamento desses

fatos na jurisdição ordinária, em conformidade com

os artigos 8Q e 25 da Convenção Americana, em

relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento (...); (...)

5. O Estado é responsável pela violação do direito à

integridade pessoal, previsto no artigo 5.1 da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em

relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em

prejuízo de Zora Herzog, Clarice Herzog, Ivo Herzog e

André Herzog (...)". Entre as medidas de reparação,

destacamos a seguinte: "O Estado deve iniciar, com a

devida diligência, a investigação e o processo penal

cabíveis, pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de

1975, para identificar, processar e, caso seja

pertinente, punir os responsáveis pela tortura e morte

de VIadimir Herzog, em atenção ao caráter de crime

contra a humanidade desses fatos e às respectivas

consequências jurídicas para o Direito Internacional

(...)".24

24
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 413-414.

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE IDH 160


O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE IDH 161
O BRASIL E AS MEDIDAS
PROVISÓRIAS DA CORTE IDH
1a EDIÇÃO/2022

1. O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE


IDH 3

1.1. CASO DA PENITENCIÁRIA URSO BRANCO, EM


PORTO VELHO, RONDÔNIA 6

1.2. CASO DO COMPLEXO TATUAPÉ, EM SÃO


PAULO 6

1.3. CASO DA PENITENCIÁRIA DR. SEBASTIÃO


MARTINS SILVEIRA, EM ARARAQUARA, SÃO PAULO
7

1.4. CASO DA UNIDADE DE INTERNAÇÃO


SOCIOEDUCATIVA EM CARIACICA, NO ESPÍRITO
SANTO 7

1.5. CASO DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO DE


CURADO, EM PERNAMBUCO 7

1.6. CASO DO COMPLEXO PENITENCIÁRIA DE


PEDRINHAS, EM SÃO LUÍS, MARANHÃO 8

1.7. CASO DO INSTITUTO PENAL PLÁCIDO DE SÁ


CARVALHO, NO RIO DE JANEIRO 8

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE IDH 162


● assegurar o contato com as autoridades e
1. O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS
organizações de defesa dos direitos humanos;
DA CORTE IDH
● investigar e punir as violações de direitos

humanos no estabelecimento;
Todas as medidas provisórias deferidas pela
● possibilitar a visita dos familiares;
Corte Interamericana contra o Brasil dizem respeito a

violações de direitos humanos no interior de ● assegurar as condições adequadas de

estabelecimentos prisionais. De acordo com Caio e aprisionamento;

Thimotie1, os seguintes casos foram objeto de medida ● ajustar a ocupação prisional à capacidade do

provisória: estabelecimento, conforme se percebe na

● Penitenciária Urso Branco (Porto Velho, medida provisória do IPPSC:

Rondônia)

● Complexo do Tatuapé da FEBEM (São Paulo, “Nas condições antes indicadas, a Corte

reconhece que a execução de penas privativas


São Paulo)
de liberdade ou de detenções preventivas no
● Penitenciária Dr. Sebastião Martins Silveira
IPPSC eventualmente violaria o artigo 5.2 da
(Araraquara, São Paulo)
Convenção Americana ["Ninguém deve ser
● Unidade de Internação Socioeducativa submetido a torturas, nem a penas ou

(Cariacica, Espírito Santo) tratamentos cruéis, desumanos ou

● Complexo Penitenciário de Curado (Recife, degradantes. Toda pessoa privada da

liberdade deve ser tratada com o respeito


Pernambuco)
devido à dignidade inerente ao ser humano],
● Complexo Penitenciário de Pedrinhas (São
situação que não foi superada e tampouco
Luís, Maranhão)
atenuada (...). Embora a Corte valore os
● Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (Rio de esforços que o Estado expõe, o certo é que

Janeiro, Rio de Janeiro) este, até o presente, resultam ineficazes para

aliviar a eventual violação à Convenção


Ainda segundo os professores: “de um modo
Americana que se mantém no tempo sem
geral, as medidas provisórias determinadas nestes casos
solução de continuidade. Ademais, condições
referem-se a providências que os Estados devem adotar
de privação de liberdade como as que se
para fazer cessar as violações de direitos humanos no
mantêm no IPPSC eventualmente também
interior de estabelecimentos prisionais”2, tais quais: podem violar o artigo 5.6 da Convenção
● proteger a vida; Americana ["As penas privativas de liberdade

● proteger a integridade pessoal, inclusive das devem ter por finalidade essencial a reforma

e a readaptação social dos condenados"], pois


visitas;
as penas ali executadas nunca poderão
● manter uma lista atualizada de todas as
cumprir com a reforma e a readaptação social
pessoas presas;
do condenado, tal como prescreve o citado

dispositivo convencional como objetivo


1
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.
425. principal destas penas. (...) É impossível que
2
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág. este objetivo seja alcançado quando os presos
426-427.

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE IDH 163


estão imersos numa ordem interna regramentos indispensáveis para a

controlada pelos grupos de força que se sabe conservação da ordem interna do

que, por sua natureza, impõem pautas de estabelecimento. Quando as condições do

conduta violentas que, tanto nos grupos que estabelecimento se deterioram até dar lugar a

exercem o poder como nos que se submetem uma pena degradante como consequência da

a eles, são claramente propensos a superpopulação e de seus efeitos antes

condicionar novos desvios de conduta em sua indicados, o conteúdo aflitivo da pena ou da

futura vida livre. A deterioração das condições privação de liberdade preventiva se

carcerárias até o extremo de resultar numa incrementa numa medida que o torna ilícito

pena pelo menos degradante, afeta a ou antijurídico. As soluções jurídicas que se

autoestima do preso e, consequentemente, o postulam para o caso em que o agravamento

condiciona à introjeção de normas de das condições de privação de liberdade seja

convivência bastante violentas, tão extremo que constitua violação do artigo

completamente inadequadas para o 5.2 da Convenção Americana ou de seus

comportamento pacífico e respeitoso do equivalentes constitucionais nacionais, em

direito na convivência livre. Deste modo, uma virtude de essa pena impor uma dor ou

violação prolongada do artigo 5.6 da aflição que exceda em muito aquilo que é

Convenção Americana põe em sério perigo os inerente a toda pena ou privação de

direitos de todos os habitantes, e isso porque liberdade, foram basicamente duas: i. que se

os presos num estabelecimento regido por proceda, conforme propõem alguns, à direta

grupos violentos sofrerão atos e humilhações liberação dos presos, considerando que é

que em boa parte deles causarão sua saída intolerável que um Estado de Direito execute

com grave deterioração de sua subjetividade penas que são, no mínimo, degradantes; ii.

e autoestima, um alto risco de reprodução de que, de algum modo, como alternativa, se

violência com desvios delitivos inclusive mais provoque uma diminuição da população

graves que aqueles que motivaram a prisão. penal, em geral mediante um cálculo de

Se por um lado uma violação do artigo 5.2 da tempo de pena ou de privação de liberdade,

Convenção Americana viola os direitos das que abrevie o tempo real, atendendo ao

pessoas privadas de liberdade, por tratar-se maior conteúdo aflitivo, decorrente da

de uma pena pelo menos degradante, por superpopulação penal. (...) a eventual situação

outro lado a violação do artigo 5.6 de violação do artigo 5.2 da Convenção

condicionaria futuras reincidências ou Americana não pode ser resolvida, no

recaídas no delito que colocam em perigo os presente assunto, mediante a espera da

direitos de todos os habitantes. (...) Toda pena construção de novos estabelecimentos, uma

privativa de liberdade e qualquer privação de vez que nem sequer foram projetados e, por

liberdade, ainda que a título preventivo ou outro lado, o próprio Estado alega falta de

cautelar, implica necessariamente uma cota recursos (...). Das respostas oferecidas pelo

de dor ou aflição inevitável. Não obstante, Estado acerca da situação prisional geral,

esta se reduz basicamente às inevitáveis depreende- se que tampouco é possível

consequências da limitação ambulatória da apresentar solução para a atual situação por

pessoa, à necessária convivência imposta por meio de traslados a outros estabelecimentos,

uma instituição total e ao respeito aos porque estes não têm capacidade para

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE IDH 164


receber presos, o que, caso se forcem esses privação de liberdade em condições

traslados, geraria maior superpopulação em degradantes. Considera a Corte que a solução

outros centros penitenciários, com o radical, antes mencionada, que se inclina pela

consequente risco de alterações da ordem, imediata liberdade dos presos em razão da

motins e resultados desastrosos para presos inadmissibilidade de penas ilícitas em um

e funcionários. Isso mostra que persiste uma Estado de Direito, embora seja firmemente

situação de risco de dano irreparável aos simplista e quase inobjetável na lógica

direitos à integridade pessoal e à vida dos jurídica, desconhece que seria causa de um

beneficiários destas medidas provisórias, o enorme alarme social que pode ser motivo de

que exige da Corte Interamericana a males ainda maiores. Cabe pressupor, de

disposição de medidas concretas para forma absoluta, que as privações de liberdade

preservar esses direitos fundamentais. Por dispostas pelos juízes do Estado, a título penal

conseguinte, o único meio para fazer cessar a ou cautelar, o foram no prévio entendimento

continuação da eventual situação ilícita frente de sua licitude por parte dos magistrados que

à Convenção Americana consiste em procurar as dispuseram, porque os juízes não

a redução da população do IPPSC. (...) Em costumam dispor de prisões ilícitas. No

princípio, e dado que é inegável que as entanto, são executadas ilicitamente e, por

pessoas privadas de liberdade no IPPSC conseguinte, dada a situação que persiste, e

podem estar sofrendo uma pena que lhes que nunca devia ter existido, mas existe, ante

impõe um sofrimento antijurídico muito a emergência e a situação real, o mais

maior que o inerente à mera privação de prudente é reduzi-las de forma que seja

liberdade, por um lado, é justo reduzir seu computado como pena cumprida o excedente

tempo de encarceramento, para o que se antijurídico de sofrimento não disposto ou

deve ater a um cálculo razoável, e, por outro, autorizado pelos juízes do Estado. (...) Os

essa redução implica compensar, de algum desvios de conduta provocados por condições

modo, a pena até agora sofrida na parte degradantes de execução de privações de

antijurídica de sua execução. As penas ilícitas liberdade põem em risco os direitos e os bens

não deixam de ser penas em razão de sua jurídicos do restante da população, porque

antijuridicidade, e o certo é que vêm sendo gera, em alguma medida, um efeito

executadas e causando sofrimento, reprodutor da criminalidade. A Corte não

circunstâncias que não se pode negar para pode ignorar essa circunstância e, pelo menos

chegar a uma solução o mais racional possível no que se refere aos direitos fundamentais, a

Dado que está fora de dúvida que a ela se impõe formular um tratamento

degradação em curso decorre da diferente para o caso de presos acusados de

superpopulação do IPPSC, cuja densidade é crimes ou supostos crimes contra a vida e a

de 200%, ou seja, duas vezes sua capacidade, integridade física, ou de natureza sexual, ou

disso se deduziria que duplica também a por eles condenados, embora levando em

aflição antijurídica eivada de dor da pena que conta que esses desvios secundários de

se está executando, o que imporia que o conduta não ocorrem de maneira inexorável,

tempo de pena ou de medida preventiva ilícita o que exige uma abordagem particularizada

realmente sofrida fosse computado à razão em cada caso. Por conseguinte, a Corte

de dois dias de pena lícita por dia de efetiva entende que a redução do tempo de prisão

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE IDH 165


compensatória da execução antijurídica,

conforme o cômputo antes mencionado, para


Vejamos, agora, os principais apontamentos
a população penal do IPPSC em geral, no caso
nos casos particularmente considerados.
de acusados de crimes contra a vida e a

integridade física, ou de natureza sexual, ou

por eles condenados, deverá se sujeitar, em 1.1. CASO DA PENITENCIÁRIA URSO


cada caso, a um exame ou perícia técnica
BRANCO, EM PORTO VELHO, RONDÔNIA
criminológica que indique, segundo o

prognóstico de conduta que resulte e, em ÓRGÃO JULGADOR

particular, com base em indicadores de Corte Interamericana de Direitos Humanos


agressividade da pessoa, se cabe a redução

do tempo real de privação de liberdade, na


DATA DA DECISÃO
forma citada de 50%, se isso não é

aconselhável, em virtude de um prognóstico


Medidas provisórias determinadas em 2002 e

de conduta totalmente negativo, ou se deve fiscalizadas até 25 de agosto de 2011

abreviar em medida inferior a 50%.”3

PECULIARIDADES
● abster-se de praticar revistas íntimas ou ● Tratou-se da eficácia dos direitos humanos
vexatórias em visitantes4, conforme se nas relações entre particulares
percebe na Resolução de 22.05.2014 sobre ● Primeiro Pacto para revogação das medidas
medidas provisórias a serem cumpridas pelo provisórias
Brasil no Complexo Penitenciário de Curado,

in verbis:
O Estado de Rondônia assumiu o compromisso de
“(...) garanta que os registros sem roupa e
melhorar o sistema prisional com os representantes
íntimos se ajustem aos critérios de utilização
das vítimas através do “Pacto para Melhoria do
necessária, razoável e proporcional. Se
Sistema Prisional do Estado de Rondônia”. Com isso,
registros corporais são realizados, devem ser

praticados em condições higiênicas, por houve o levantamento das Medidas Provisórias

pessoal qualificado e do mesmo sexo que a Outorgadas pela Corte Interamericana. No entanto, as
pessoa registrada e devem ser compatíveis medidas tomadas não foram suficientes e, por isso, a
com a dignidade humana e o respeito aos Procuradoria Geral da República solicitou intervenção
direitos fundamentais. Estão legalmente
federal no Estado por desrespeito a Direitos Humanos
proibidos os registros vaginais ou anais
no sistema prisional.
invasivos. A emissão de passes para visitantes

deve ser acelerada”.5

1.2. CASO DO COMPLEXO TATUAPÉ, EM


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
SÃO PAULO
3

de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.


430-432.
4
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional ÓRGÃO JULGADOR
de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.
426-427. Corte Interamericana de Direitos Humanos
5
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.
428.

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE IDH 166


DATA DA DECISÃO 1.4. CASO DA UNIDADE DE INTERNAÇÃO
Medidas provisórias determinadas em 2005 e
SOCIOEDUCATIVA EM CARIACICA, NO
fiscalizadas até 25 de novembro de 2008
ESPÍRITO SANTO
ÓRGÃO JULGADOR
PECULIARIDADES
Corte Interamericana de Direitos Humanos
Neste caso, tratou-se do dever de proteger a vida e a

integridade pessoal das crianças e adolescentes

internadas no “Complexo Tatuapé”. Em 25/11/2008, a DATA DA DECISÃO

Corte entendeu que o Estado Brasileiro implementou Medidas provisórias determinadas em 2011 e

avanços no sistema, já que não construiu novas fiscalizadas até 26 de setembro 2014

unidades de internação de adolescentes na região,

além de ter promovido a desabilitação do Complexo PECULIARIDADES


de Tatuapé Neste caso, houve pedido da CIDH para que a Corte

compelisse o Brasil para se mover no sentido da

1.3. CASO DA PENITENCIÁRIA DR. proteção dos direitos humanos de crianças e

adolescentes privados de liberdade no Brasil. A


SEBASTIÃO MARTINS SILVEIRA, EM
fiscalização das medidas provisórias encerrou em
ARARAQUARA, SÃO PAULO
2014, mas, segundo a Corte, não houve erradicação
ÓRGÃO JULGADOR completa da situação de risco.

Corte Interamericana de Direitos Humanos

1.5. CASO DO COMPLEXO


DATA DA DECISÃO
PENITENCIÁRIO DE CURADO, EM
Medidas provisórias determinadas em 2006 e
PERNAMBUCO
fiscalizadas até 25 de novembro de 2008.
ÓRGÃO JULGADOR

Corte Interamericana de Direitos Humanos


PECULIARIDADES

Não há grandes peculiaridades neste caso, já que os

temas gerais tratados foram os indicados no começo DATA DA DECISÃO

deste material, em especial o direito à vida e à Medidas provisórias em 2014 e ainda em

integridade física. No entanto, não é demais pontuar cumprimento

que a Corte se referiu às medidas provisórias como

meio tutelar de direitos humanos. PECULIARIDADES

Neste caso, a Corte IDH determinou ao Brasil:

“a) elaborar e implementar um plano de emergência

em relação à atenção médica, em particular, aos

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE IDH 167


reclusos portadores de doenças contagiosas e tomar 1.7. CASO DO INSTITUTO PENAL
medidas para evitar a propagação destas doenças;
PLÁCIDO DE SÁ CARVALHO, NO RIO DE
b) elaborar e implementar um plano de urgência para
JANEIRO
reduzir a situação de superlotação e superpopulação

no Complexo de Curado; ÓRGÃO JULGADOR

c) eliminar a presença de armas de qualquer tipo Corte Interamericana de Direitos Humanos

dentro do Complexo de Curado;

d) assegurar as condições de segurança e de respeito DATA DA DECISÃO

à vida e à integridade pessoal de todos os internos, Medidas provisórias em 2014 e ainda em

funcionários e visitantes do Complexo de Curado; cumprimento

e) eliminar a prática de revistas humilhantes que

afetem a intimidade e a dignidade dos visitantes" PECULIARIDADES

Conforme adiantamos em momento anterior, na

1.6. CASO DO COMPLEXO resolução de medidas provisórias adotadas contra o

Brasil no Caso do Instituto Penal Plácido de Sá


PENITENCIÁRIA DE PEDRINHAS, EM SÃO
Carvalho, a Corte IDH, resumidamente, estabeleceu
LUÍS, MARANHÃO
que:
ÓRGÃO JULGADOR a) o aprisionamento em contexto de superpopulação
Corte Interamericana de Direitos Humanos carcerária consiste em tratamento cruel, desumano

ou degradante e viola, portanto, o art. 5.2 da CADH;

DATA DA DECISÃO b) o aprisionamento em contexto de superpopulação

Medidas provisórias em 2014 e ainda em carcerária também viola o art. 5.6 da CADH ao

cumprimento inviabilizar a finalidade essencial de reforma e

readaptação social das pessoas presas;

PECULIARIDADES c) embora a privação de liberdade implique

necessariamente uma cota de dor ou aflição


Esta medida provisória foi determinada em razão de
inevitável, quando as condições de aprisionamento se
20 óbitos na penitenciária de Pedrinhas, ocorridos
deterioram até dar lugar a uma pena degradante
entre de 2013 e 2014 em decorrência de agressões.
como consequência da superpopulação o seu
Aqui, a Corte determinou “o reforço de meios que
conteúdo se toma ilícito ou antijurídico;
pudessem viabilizar: respeito dos direitos humanos
d) há basicamente duas soluções para esse problema,
dos detentos, evitar o acesso de armas pelos presos,
sendo que uma propõe a liberação direta dos presos,
condições mais humanas para o cárcere e pessoal
considerando ser intolerável que o Estado de Direito
devidamente capacitado para custódia e vigilância do
execute penas degradantes, e outra propõe que
centro penitenciário.”
sejam trabalhadas medidas de redução da população

carcerária, em geral mediante um cálculo de tempo

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE IDH 168


de privação de liberdade que abrevie o tempo real de

aprisionamento;

e) a forma de calcular a diminuição do tempo real de

aprisionamento depende do contexto da situação

concreta, sendo que no caso do IPPSC, levando-se em

conta que a densidade da superpopulação penal é de

200% - ou seja, duas vezes a sua capacidade - , o

tempo de pena ou de prisão preventiva realmente

sofrido deve ser computado à razão de dois dias de

pena lícita por dia de efetiva privação de liberdade em

condições degradantes;

f) a Corte IDH não adota a solução que classifica como

"radical", consistente na liberação direta das pessoas

presas em condições degradantes;

g) presos acusados de crimes contra a vida e a

integridade física, ou de natureza sexual, ou por eles

condenados, demandam uma abordagem

particularizada, devendo a redução do tempo de

aprisionamento compensatório ser verificada em

cada caso, a partir de um exame ou perícia técnica

criminológica que indique, segundo o prognóstico de

conduta que resulte e, em particular, com base em

indicadores de agressividade da pessoa, se cabe a

redução do tempo real de privação de liberdade, na

forma citada de 50%, se isso é aconselhável, em

virtude de um prognóstico de conduta totalmente

negativo, ou se se deve abreviar em medida inferior a

50%.6

6
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.
785.

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE IDH 169


O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 170
O BRASIL NA COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS
1a EDIÇÃO/2022

1. O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE


DIREITOS HUMANOS 3

1.1. CASO DE JOSÉ PEREIRA VS. BRASIL 3

1.2. CASO DOS MENINOS EMASCULADOS DO


MARANHÃO 3

1.3. CASO DE MARIA DA PENHA FERNANDES VS.


BRASIL 5

1.4. CASO JAILTON NERI DA FONSECA VS. BRASIL 6

1.5. CASO DE SIMONE ANDRÉ DINIZ VS. BRASIL 7

O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 171


Estado, pelo qual este, além de ter reconhecido a sua
1. O BRASIL NA COMISSÃO
responsabilidade internacional, ainda se submeteu a
INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS uma série de compromissos, todos devidamente

elencados na solução amistosa alcançada, dentre os

1.1. CASO DE JOSÉ PEREIRA VS. BRASIL quais destacamos o compromisso de defender a

determinação da competência federal para o


ÓRGÃO JULGADOR
julgamento do crime de redução à condição análoga à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
de escravo.”1

DATA DA DECISÃO
PECULIARIDADES
Data da homologação da solução amistosa: 24 de
A Comissão Interamericana homologou o acordo
outubro de 2013
entre os peticionários e o Estado Brasileiro com as

seguintes deliberações:
RESUMO
■ Reconhecimento pelo Estado Brasileiro de sua
“Entidades não governamentais apresentaram uma responsabilidade ante a ineficácia de prevenção
petição na CIDH, pela qual alegaram que a vítima José do trabalho escravo bem como a não punição dos
Pereira foi gravemente ferida e outro trabalhador autores das condutas criminosas;
rural foi morto quando ambos tentaram escapar, em
■ Criação da Comissão Nacional de Erradicação do
1989, da Fazenda Espírito Santo, para onde tinham
trabalho Escravo (CONATRAE – criada pelo Decreto
sido atraídos com falsas promessas sobre condições
Presidencial de 31 de julho de 2003);
de trabalho, terminando submetidos a trabalhos
■ Brasil assume o compromisso de cumprir
forçados, sem liberdade para sair e sob condições
efetivamente os mandados de prisão dos autores
desumanas e ilegais, situação em que agonizaram
dos crimes ensejadores das violações;
juntamente com sessenta outros trabalhadores dessa
■ Compromisso do Estado Brasileiro em defender a
fazenda. As entidades peticionárias alegaram que os
competência da Justiça Federal no caso dos crimes
fatos denunciados, caracterizadores de situação de
de redução a análoga a condição de escravo;
trabalho escravo na zona sul do Estado do Pará,
■ Fortalecimento do Ministério Público do
constituem um exemplo da falta de proteção e
Trabalho; fortalecimento do grupo móvel do
garantias do Estado brasileiro, cuja conduta se pautou
Ministério do Trabalho e Emprego.
pelo desinteresse e ineficácia nas investigações dos

processos referentes aos assassinatos e à exploração

trabalhista, constituindo, portanto, violação de


1.2. CASO DOS MENINOS EMASCULADOS
diversos preceitos da Declaração Americana sobre
DO MARANHÃO
Direitos e Obrigações do Homem e da CADH. Não se
ÓRGÃO JULGADOR
verifica, neste caso, uma decisão propriamente dita

da CIDH, mas sim a homologação de um acordo de 1


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
solução amistosa entre as entidades peticionárias e o de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.
533-534.

O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 172


Comissão Interamericana de Direitos Humanos (art. 8e), todos da Convenção Americana de Direitos

Humanos. Também houve menção à violação de

DATA DA DECISÃO alguns dos dispositivos da Declaração Americana

sobre os Direitos e Obrigações do Homem, que


Data da homologação da solução amistosa: 15
tutelam os mesmos bens jurídicos: direito à vida,
dezembro de 2005
garantias judiciais, proteção da criança e direito à

justiça. Ao ser notificado das duas petições, o governo


RESUMO
brasileiro propôs uma solução amistosa aos
“Entre os anos de 1991 e 2003, o Estado do Maranhão
peticionários: reconhecer sua responsabilidade na
foi palco de uma série de homicídios perpetrados
morte das vítimas e compactuar em prover uma
contra meninos entre 8 e 15 anos de idade. Ao final
reparação para os familiares dos meninos mortos. O
desse período, foram apurados vinte e oito
acordo de solução amistosa foi assinado entre ambas
homicídios, tendo a maioria dos corpos sido
as partes em 15 de dezembro de 2005.”2
encontrada com os órgãos genitais mutilados. Diante

da ineficácia da Justiça maranhense no tocante à


PECULIARIDADES
prevenção e repressão dos homicídios perpetrados
Trata-se do primeiro caso em que o Brasil celebrou
naquele período, os direitos humanos foram
uma solução amistosa antes da deliberação final
reduzidos à penúria. Inconformados com os
da Comissão.
acontecimentos e com a falta de resposta efetiva da

Justiça do Maranhão, os familiares das vítimas, Neste caso, o Estado do Maranhão reconheceu a

representados pelas organizações não insuficiência de resultados de linhas de

governamentais Centro de Defesa dos Direitos da investigação, admitiu equívocos e dificuldades na

Criança e do Adolescente Padre Marcos Passerini solução imediata alegando a deficiência estrutural do

(CDMP) e Justiça Global, apresentaram duas petições sistema de segurança, a impropriedade técnica e a

à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Na complexidade dos fatos. Além disso,

primeira petição, as duas organizações denunciaram comprometeu-se em apurar, responsabilizar e

o homicídio da criança Raniê Silva Cruz, ocorrido em punir os responsáveis, além de adotar as seguintes

setembro de 1991 no Município de Paço do Lumiar, medidas:

Estado do Maranhão. Em 31 de outubro de 2001, ■ Medida de reparação simbólica: comprometeu-se

apresentaram uma segunda petição, esta a instalar placa em homenagem simbólica às crianças.

denunciando o homicídio das crianças Eduardo Rocha ■ Medidas de reparação material: inclusão das

da Silva e Raimundo Nonato da Conceição Filho, famílias em programas de Habitação de Interesse

ocorrido em junho de 1997 e também em Paço do Social, programas sociais e de transferência de renda.

Lumiar, Maranhão. As organizações peticionantes Além de pensão especial mensal, de cunho

alegaram que o Brasil violou o direito à vida (art. 4Q),

o direito à proteção judicial (art. 25), o direito à

proteção da criança (art. 19) e as garantias judiciais 2


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.
535-536.

O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 173


indenizatório, no valor de R$ 500,00 para cada uma Passados mais de 15 anos desde a data dos fatos, a

das famílias durante 15 anos. Justiça brasileira ainda não havia chegado à

■ Medidas de não repetição: combate à violência condenação definitiva do réu, que se mantivera em

sexual contra crianças e adolescentes, capacitação de liberdade durante todo esse tempo, tudo isso apesar

policiais civis e militares para lidar com tais casos, e da gravidade da acusação e do substancioso conjunto

incremento da assistência jurídica prestada pela probatório contra ele. Em 1998, a CIDH recebeu a

Defensoria Pública. denúncia apresentada pela vítima e por entidades

■ Mecanismo de Seguimento: monitoramento do não governamentais de proteção dos direitos

cumprimento do acordo, relatórios semestrais e humanos das mulheres. Em 2001, a CIDH declarou o

anuais, visitas in situ caso a CIDH avaliasse necessário. Estado brasileiro responsável pela violação do direito

da vítima à proteção judicial, já que a ineficiência e a

tolerância do Brasil com a violência doméstica contra


1.3. CASO DE MARIA DA PENHA
a mulher não se afiguravam um evento episódico
FERNANDES VS. BRASIL deste caso, mas sim uma pauta sistemática,

ÓRGÃO JULGADOR tratando-se "(...) de uma tolerância de todo o sistema,

Comissão Interamericana de Direitos Humanos que não faz senão perpetuar as raízes e fatores

psicológicos, sociais e históricos que mantêm e

alimentam a violência contra a mulher" (§ 55). Assim,


DATA DA DECISÃO
a CIDH assentou que o Estado brasileiro violou não
Data da aprovação do relatório de mérito: 04 de abril
apenas a obrigação de processar e punir o
de 2001
responsável pela violação de direitos humanos das

vítimas, mas também o dever de prevenir a violência


RESUMO
doméstica contra a mulher.”3
“Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima, em 1983,

em seu domicílio na cidade de Fortaleza/CE, de


PECULIARIDADES
tentativa de homicídio por parte de seu então marido,
A CIDH recomendou ao Brasil:
o senhor Marco Antônio Heredia Viveiros, que, além
"1) Completar rápida e efetivamente o processamento
de ter disparado contra ela um revólver enquanto ela
penal do responsável da agressão e tentativa de
dormia, causando-lhe paraplegia irreversível e outros
homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha
traumas físicos e psicológicos, ainda tentou
Fernandes Maia.
eletrocutá-la enquanto se banhava, logo que havia
2) Proceder a uma investigação séria, imparcial e
regressado do hospital. Tais atos simbolizaram o
exaustiva a fim de determinar a responsabilidade
ápice de uma série de agressões sofridas durante
pelas irregularidades e atrasos injustificados que
toda a vida matrimonial do casal. A vítima resolveu se
impediram o processamento rápido e efetivo do
separar judicialmente do agressor e denunciá-lo para

as autoridades competentes. O Ministério Público


3
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
ofereceu denúncia contra Marco Antônio em 1984.
de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.
537.

O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 174


responsável, bem como tomar as medidas prestar apoio ao Ministério Público na preparação

administrativas, legislativas e judiciárias de seus informes judiciais.

correspondentes. e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades

3) Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser curriculares destinadas à compreensão da

instauradas contra o responsável civil da agressão, as importância do respeito à mulher e a seus direitos

medidas necessárias para que o Estado assegure à reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem

vítima adequada reparação simbólica e material como ao manejo dos conflitos intrafamiliares.

pelas violações aqui estabelecidas, 5) Apresentar à Comissão Interamericana de Direitos


particularmente por sua falha em oferecer um Humanos, dentro do prazo de 60 dias a partir da
recurso rápido e efetivo; por manter o caso na transmissão deste relatório ao Estado, um relatório
impunidade por mais de quinze anos; e por sobre o cumprimento destas recomendações para os
impedir com esse atraso a possibilidade oportuna efeitos previstos no artigo 51 da Convenção
de ação de reparação e indenização civil. Americana”.4

4) Prosseguir e intensificar o processo de reforma que O caso Maria da Penha representa a primeira vez
evite a tolerância estatal e o tratamento em que a CIDH aplicou a Convenção de Belém do
discriminatório com respeito à violência doméstica Pará.
contra mulheres no Brasil.

A Comissão recomenda particularmente o seguinte:


1.4. CASO JAILTON NERI DA FONSECA VS.
a) Medidas de capacitação e sensibilização dos
BRASIL
funcionários judiciais e policiais especializados para
ÓRGÃO JULGADOR
que compreendam a importância de não tolerar a

violência doméstica; Comissão Interamericana de Direitos Humanos

b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim

de que possa ser reduzido o tempo processual, sem DATA DA DECISÃO

afetar os direitos e garantias de devido processo; Data da aprovação do relatório de mérito: 11 de

c) O estabelecimento de formas alternativas às março de 2004

judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos

intrafamiliares, bem como de sensibilização com RESUMO


respeito à sua gravidade e às consequências penais
“O caso se relaciona com a ocorrência de execução do
que gera;
menino Jailton Neri da Fonseca, de 13 anos, por
d) Multiplicar o número de delegacias policiais policiais do Estado do Rio de Janeiro em 22.11.1992,
especiais para a defesa dos direitos da mulher e durante uma incursão da polícia na favela Ramos na
dotá-las dos recursos especiais necessários à cidade do Rio de Janeiro. Foi aberto inquérito policial
efetiva tramitação e investigação de todas as para investigar quatro policiais. No entanto, o caso se
denúncias de violência doméstica, bem como
4
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 538.

O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 175


encerrou com a absolvição declarada pelo Conselho expediente que deve ser atribuído à Polícia Civil;

Permanente da Justiça Militar em 1996, quando adotar e instrumentalizar medidas de educação dos

aplicou o princípio in dubio pro reo em favor dos funcionários de justiça e da polícia, a fim de evitar

policiais acusados, tendo em vista a dúvida quanto à ações que impliquem em discriminação racial nas

autoria do crime e a impossibilidade de produção de operações policiais, nas investigações, no processo ou

novas provas. A CIDH considerou que a investigação na sentença penal.”5

efetuada, tanto pela Polícia Militar como pela Polícia

Civil, foi frágil e marcada por atrasos, faltas e PECULIARIDADES


negligências, o que culminou na absolvição dos
Trata-se do primeiro caso brasileiro sobre violação
acusados pelo Tribunal Penal Militar. A Comissão
do direito à “audiência de custódia” na Comissão,
concluiu, ainda, que "Jailton Neri da Fonseca foi
que concluiu no sentido de que: “Jailton Neri da
privado de sua liberdade de forma ilegal, sem que
Fonseca foi privado de sua liberdade de forma ilegal,
houvesse existido alguma causa para sua detenção ou
sem que houvesse existido causa alguma para sua
de qualquer situação flagrante. Não foi apresentado
detenção nem alguma situação de flagrante. Não foi
imediatamente a um juiz. Não teve direito de recorrer
levado sem demora ante um juiz. Não teve direito a
a um tribunal para que este deliberasse sobre a
recorrer a um Tribunal competente a fim de que este
legalidade da sua detenção ou ordenasse sua
determinasse sem demora a legalidade de sua
liberdade, uma vez que foi morto logo após sua
detenção ou ordenasse sua liberdade, dado que foi
prisão. O único propósito da sua detenção arbitrária e
assassinado imediatamente após sua detenção. O
ilegal foi matá-lo" (§ 59). Ao final, após diversas
único propósito de sua detenção arbitrária e ilegal foi
censuras sobre os fatos ocorridos, a Comissão
matá-lo”.6
declarou que o Estado brasileiro violou o direito à

liberdade pessoal, à integridade pessoal, à vida, às

medidas especiais de proteção de crianças, à 1.5. CASO DE SIMONE ANDRÉ DINIZ VS.
proteção judicial e garantias judiciais, consagrados, BRASIL
respectivamente, nos arts. 7, 5, 4, 19, 25 e 8 da
ÓRGÃO JULGADOR
Convenção Americana. Dentre as recomendações
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
emitidas pela Comissão, podem ser destacadas as de

reparar plenamente os familiares da vítima, tanto


DATA DA DECISÃO
pelos danos materiais como pelos danos morais;

realizar uma investigação completa, imparcial e Data da aprovação do relatório de mérito: 21 de

efetiva dos fatos, por órgãos que não sejam militares; outubro de 2006

modificar o art. 9a do Código Penal Militar, o art. 82

do Código de Processo Penal Militar e qualquer outra

norma interna que contemple a possibilidade de a 5


PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.
Polícia Militar investigar violações de direitos 539-540.
6
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional
humanos cometidas por policiais militares, de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª Edição. Editora CEI, 2020, pág.
540.

O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 176


RESUMO atenção do governo brasileiro que a omissão das

O jornal "A Folha de São Paulo", de grande circulação autoridades públicas em efetuar diligente e adequada

no Estado de São Paulo, publicou na parte de persecução criminal de autores de discriminação

Classificados, a pedido de Gisele Mota da Silva, nota racial e racismo cria o risco de produzir não somente

por meio da qual Gisele comunicava o seu interesse um racismo institucional, onde o Poder Judiciário é

em contratar uma empregada doméstica que, entre visto pela comunidade afrodescendente como um

outros requisitos, deveria ter a "cor branca". Simone poder racista, como também resulta grave pelo

André Diniz, tomando conhecimento do anúncio, impacto que tem sobre a sociedade na medida em

entrou em contato e se apresentou como candidata que a impunidade estimula a prática do racismo" (§

ao emprego, sendo prontamente recusada pela 107). A Comissão prossegue, depois, afirmando que

empregadora em razão da sua cor. Inconformada e excluir uma pessoa do acesso ao mercado de trabalho

sentindo-se discriminada, Simone apresentou notitia por sua raça constitui um ato de "discriminação

criminis por meio da Subcomissão do Negro da racial", expressão que, segundo dispõe o art. 1Q da

Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, a partir da Convenção Internacional para a Eliminação de Todas

qual foi instaurado inquérito policial para apurar as Formas de Discriminação Racial, "visa qualquer

eventual ocorrência do crime previsto no art. 20 da distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada

Lei 7.716/1989. Concluída a investigação, porém, o na raça, cor, ascendência na origem nacional ou

Ministério Público manifestou-se pelo arquivamento étnica que tenha como objetivo ou como efeito

por não ter identificado qualquer base para o destruir ou comprometer o reconhecimento, o gozo

oferecimento da denúncia, o que foi acolhido e ou o exercício, em condições de igualdade, dos

homologado pelo Poder Judiciário, arquivando-se, direitos do homem e das liberdades fundamentais

pois, o caso. A Subcomissão do Negro da Comissão de nos domínios político, econômico, social e cultural ou

Direitos Humanos da OAB/SP e o Instituto do Negro em qualquer outro domínio da vida pública". E conclui

Padre Batista denunciaram o Brasil na Comissão a Comissão que, se o Estado permite que a referida

Interamericana de Direitos Humanos, alegando que o conduta racista permaneça impune, convalidando-a

Brasil não garantiu o pleno exercício do direito à implicitamente ou prestando sua aquiescência,

justiça e ao devido processo legal, falhou na condução haverá a violação ao art. 24 da CADH em conjunto

dos recursos internos para apurar a discriminação com o art. 1.1, já que a igual proteção perante a lei

racial sofrida por Simone e, consequentemente, impõe que qualquer manifestação de práticas racistas

descumpriu a obrigação de garantir o exercício de seja diligentemente tratada pelas autoridades. A

direitos previstos na Convenção Americana. A Comissão encerrou sua sentença encaminhando as

Comissão Interamericana anotou, primeiro, que este seguintes recomendações para o Brasil: "1. Reparar

caso infelizmente não é único e isolado no Brasil, plenamente a vítima Simone André Diniz,

tratando-se lamentavelmente de um padrão de considerando tanto o aspecto moral como o material,

comportamento das autoridades brasileiras quando pelas violações de direitos humanos determinadas no

se veem diante de uma denúncia de prática de relatório de mérito e, em especial. 2. Reconhecer

racismo. Por esse motivo, a Comissão "chama a publicamente a responsabilidade internacional por

O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 177


violação dos direitos humanos de Simone André Diniz. publicitárias contra a discriminação racial e o

3. Conceder apoio financeiro à vítima para que esta racismo”.”7

possa iniciar e concluir curso superior. 4. Estabelecer

um valor pecuniário a ser pago à vítima a título de PECULIARIDADES


indenização por danos morais. 5. Realizar as
Trata-se da primeira vez que um país membro da
modificações legislativas e administrativas necessárias
OEA foi responsabilizado na Comissão por racismo.
para que a legislação antirracismo seja efetiva, com o
Além de representar um paradigma do “racismo
fim de sanar os obstáculos demonstrados nos
institucional”.
parágrafos 78 e 94 do presente relatório. 6. Realizar
Outro fato interessante é o de que o caso não foi
uma investigação completa, imparcial e efetiva dos
submetido à Corte porque o Brasil somente
fatos, com o objetivo de estabelecer e sancionar a
reconheceu a competência contenciosa dela em
responsabilidade a respeito dos fatos relacionados
03/12/1998 e o fato ocorreu em 02/03/1997.
com a discriminação racial sofrida por Simone André

Diniz. 7. Adotar e instrumentalizar medidas de

educação dos funcionários de justiça e da polícia a fim

de evitar ações que impliquem discriminação nas

investigações, no processo ou na condenação civil ou

penal das denúncias de discriminação racial e

racismo. 8. Promover um encontro com organismos

representantes da imprensa brasileira, com a

participação dos peticionários, com o fim de elaborar

um compromisso para evitar a publicidade de

denúncias de cunho racista, tudo de acordo com a

Declaração de Princípios sobre Liberdade de

Expressão. 9. Organizar Seminários estaduais com

representantes do Poder Judiciário, Ministério Público

e Secretarias de Segurança Pública locais com o

objetivo de fortalecer a proteção contra a

discriminação racial e o racismo. 10. Solicitar aos

governos estaduais a criação de delegacias

especializadas na investigação de crimes de racismo e

discriminação racial. 11. Solicitar aos Ministérios

Públicos Estaduais a criação de Promotorias Públicas

Estaduais Especializadas no combate ao racismo e à

discriminação racial. 12. Promover campanhas

7
PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. Belo Horizonte, 3ª
Edição. Editora CEI, 2020, pág. 540-542.

O BRASIL NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 178

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