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A POSIÇÃO HIERÁRQUICA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO1

Janaína Freiberger Benkendorf Peixer2

Introdução. I. Breve Panorama sobre Tratados


Internacionais no Direito Brasileiro. II. A Hierarquia dos
Tratados Internacionais de Proteção de Direitos Humanos
à luz da Constituição Federal de 1988 e a Jurisprudência
do STF. a) Paridade hierárquica entre Tratados e Leis
Ordinárias b) Hierarquia Constitucional c) Hierarquia
Supraconstitucional d) Hierarquia Supralegal. Conclusões.
Referências

Introdução

Tendo em vista recentes decisões dos Tribunais Superiores sobre hierarquia das leis,
especialmente sobre a inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel, faz-se relevante
levantar os motivos, pressupostos e fundamentação de tais decisões à luz da Constituição
Federal Brasileira.
O conflito reside na análise da hierarquia das normas envolvidas: a Constituição
Federal, especialmente após a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004 e os Tratados
e Convenções Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos.
Pretende-se analisar a celeuma que se instaurou entre juristas pátrios com relação à
recepção e hierarquia dos Tratados e Convenções Internacionais que versem sobre Direitos
Humanos.
Recentemente, em 08 de dezembro de 2008, decisão emblemática foi proferida pelo
Pleno do Supremo Tribunal Federal, mudando entendimento, consolidado desde a década de
70, sobre o não cabimento de prisão civil do depositário infiel. A Corte Constitucional
entendeu que, desde que o Brasil ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
(art. 11) e o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos
1
Este artigo foi publicado na forma de capítulo, integrando a obra "O Brasil e o Sistema Interamericamo de
Proteção dos Direitos Humanos". São Paulo: Iglu, 2011.
2
Mestre em Direito Econômico e Sócio-Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, linha de
pesquisa "Sociedade e Direito"; advogada e professora de Direito Processual CIvil, Direitos Humanos e
Metodologia da Pesquisa no Centro Universitário Católica de Santa Catarina. Curriculum Lattes disponível em
http://lattes.cnpq.br/5634319110845316
aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27/92, e promulgada pelo Decreto 678/92),
deixou de existir base legal para a prisão do depositário infiel, prevista no artigo 5º, inciso
LXVII, da Constituição Federal, sendo mantida apenas a prisão civil oriunda de dívida de
alimentos.
Apesar da importante e histórica decisão do STF, que atribuiu status supralegal para
os tratados de direitos humanos não aprovados com o quórum qualificado previsto no art. 5º,
§ 3º, da CF, não se pode (ainda) afirmar que está totalmente superada a discussão a respeito
do grau hierárquico dos tratados internacionais no nosso direito interno.
No caso concreto, perante uma antinomia de leis, especialmente entre norma
constitucional e outra, prevista em tratado internacional que verse sobre Direitos Humanos,
qual deverá prevalecer? Qual seria esse valor hierárquico? Apesar de existir norma
constitucional integrativa, com a edição da EC 45/04, como fica a posição hierárquica dos
tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados antes da promulgação da Emenda?
Por não terem sido submetidos a esse quórum especial de votação, continuarão valendo
apenas com status de lei ordinária, logo, sem possibilidade de alterar a Constituição Federal?
Com relação à posição hierárquica que os Tratados Internacionais de Direitos
Humanos (TIDH) ocupam no ordenamento jurídico brasileiro atualmente, quatro respostas
possíveis se apresentam: (a) valor legal; (b) supralegal, (c) constitucional e (d)
supraconstitucional, que serão melhor exploradas na sequência.

I. Breve Panorama sobre Tratados Internacionais no Direito Brasileiro

Embora a idéia de que os seres humanos têm direitos e liberdades fundamentais que
lhe são inerentes, tenha, há muito tempo, surgido no pensamento humano, a concepção de que
os direitos humanos são objeto próprio de uma regulação internacional, por sua vez, é
bastante recente.
Afirma Richard B. Bilder (1992, p. 3-5 apud PIOVESAN, 2008) que:
O movimento do direito internacional dos direitos humanos é baseado na concepção
de que toda nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãos
e de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e a
responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações. O Direito
Internacional dos Direitos Humanos consiste em um sistema de normas
internacionais, procedimentos e instituições desenvolvidas para implementar esta
concepção e promover o respeito dos direitos humanos em todos os países, no
âmbito mundial. (...) Muitos dos direitos que hoje constam do ―Direito Internacional
dos Direitos Humanos‖ surgiram apenas em 1945, quando, com as implicações do
holocausto e de outras violações de direitos humanos cometidas pelo nazismo, as
nações do mundo decidiram que a promoção de direitos humanos e liberdades
fundamentais deve ser um dos principais propósitos da Organizações das Nações

2
Unidas.

Flavia Piovesan (2003) explica que, neste cenário, prenuncia-se o fim da era em
que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de
jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania, pois, fortalece-se a idéia de que a proteção
dos direitos humanos não deve se restringir à competência nacional exclusiva ou à jurisdição
doméstica exclusiva, porque revela tema de legítimo interesse internacional.
Nesse sentido, os instrumentos internacionais de proteção refletem, sobretudo, a
consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam o
consenso internacional acerca de temas centrais aos direitos humanos.
Para Celso Lafer (1999, p. 145) transita-se de uma visão ex parte príncipe,
fundada nos deveres dos súditos com relação ao Estado, para uma visão ex parte populi,
fundada na promoção da noção de direitos do cidadão.
Um tratado internacional nada mais é do que um acordo formal concluído entre
pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos
(REZEK, 2008, p.14).
O processo de aceitação do acordo entre as partes se firma, em primeiro momento,
no ato da assinatura. Em seguida, como definitiva aceitação, a ratificação, a qual passa pela
aprovação parlamentar e pressupõe uma deliberação favorável do legislativo.
No Brasil, observa-se que somente após o processo de redemocratização ocorrido
em 1985 é que o País começou a se comprometer na ordem internacional em matéria de
Direitos Humanos3.
O grande marco jurídico da transição democrática no Brasil – a Constituição de
1988, introduziu inegável avanço para a consolidação das garantias e direitos fundamentais.
Saímos de um modelo autoritário, no qual havia uma sobressalente atuação do Poder
Executivo, conseqüência de mais de vinte anos de ditadura militar, para um modelo
democrático que culminou na atual Carta Magna, resultado de intensa participação popular,
que exigiu o rompimento com o regime autoritário. Daí a Constituição de 1988, fruto da

3
Para J. A. Lindgren Alves: ―Com a adesão aos dois Pactos Internacionais da ONU, assim como ao Pacto de São
José, no âmbito da OEA, em 1992, e havendo anteriormente ratificado todos os instrumentos jurídicos
internacionais significativos sobre a matéria, o Brasil já cumpriu praticamente todas as formalidades externas
necessárias à sua integração ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Internamente, por outro
lado, as garantias aos amplos direitos entronizados na Constituição de 1988, não passíveis de emendas e, ainda,
extensivas a outros decorrentes de tratados de que o país seja parte, asseguram a disposição do Estado
democrático brasileiro de conformar-se plenamente às obrigações internacionais por ele contraídas‖. Os direitos
humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva/Fundação Alexandre de Gusmão, 1994. p.108. In Piovesan,
Flavia. Idem.
3
atuação dos representantes do povo que primaram pela plena realização da cidadania, ter sido
alcunhada ―Constituição Cidadã‖.
No Brasil, a formação do Estado Democrático de Direito culminou na plena
proteção dos direitos fundamentais, dispostos em um rol analítico, mas não taxativo, de
direitos incorporados ao Texto Constitucional.
Ingo W. Sarlet (2005, p.90-91) ressalta que outros direitos, ainda que não
expressamente previstos no rol constitucional, também merecem guarida. Essa conclusão
advém da abertura proporcionada pela inserção do § 2° do art. 5° da Constituição Federal, que
reza: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”.
Nesse sentido, Menelick de Carvalho Netto (2003 p. 154) explica que o referido
artigo traz ―a moldura de um processo de permanente aquisição de novos direitos
fundamentais‖. Isso se deve ao fato de que ―não existe um numerus clausus de dimensões de
tutela, do mesmo modo que não existe um numerus clausus dos perigos‖ que possam ameaçar
esses direitos (QUEIROZ, C. M. M. 2002, p. 49). Vale lembrar que a Constituição tem que ter
a capacidade de assimilar as mudanças da realidade social; caso contrário, não refletirá a
realidade existente.
Seguindo essa toada, vale mencionar que esta matéria já foi levada a apreciação
pelo Supremo Tribunal Federal4 que reconheceu a existência de direitos fundamentais que são
incorporados ao rol do art. 5° da Constituição pela abertura material da Constituição
conveniada pela regra do art. 5°, § 2º.
Somente assim, pode-se falar em um sistema de direitos fundamentais no direito
brasileiro, a partir da compreensão de que o nosso sistema consagra apenas uma unidade
relativa, no qual buscam o valor maior do princípio da dignidade da pessoa humana que
emana conteúdo axiológico a todas as reivindicações, refletindo, em maior ou menor grau,
nos outros direitos.
Trata-se de entender, como faz Jorge Miranda (2000, p. 180) que a dignidade da
pessoa humana é o elemento que imprime unidade aos direitos fundamentais, pois ―faz a

4
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 939-7 relatada pelo Ministro Sydney Sanches sobre
a constitucionalidade da Emenda Constitucional n.° 3-93 e da Lei Complementar n. ° 77-93, decidiu-se que o
princípio da anterioridade seria, de fato, um direito fundamental, incidindo sobre ele, conseqüentemente, os
consectários decorrentes. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2005, p. 135.
4
pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado‖, podendo-se afirmar que é o objetivo
maior do Estado Democrático de Direito.
Utilizando-se dos ensinamentos de Flavia Piovesan (2003) conclui-se que o valor
da dignidade humana — ineditamente elevado a princípio fundamental da Carta, nos termos
do art. 1º, III — impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico
brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do
sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais
vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos
valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. Na ordem de
1988, esses valores passam a ser dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por
todo universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do
ordenamento jurídico nacional.
É nesse contexto que há de se interpretar o disposto no art. 5º, § 2º do texto, que
tece a interação entre o Direito brasileiro e os tratados internacionais de direitos humanos.
Essas são premissas que devem ficar claras quando se está a enfrentar discussões
atinentes a interpretação e aplicação de tratados internacionais no contexto brasileiro. O
espírito finalístico do legislador deixa claro que o hermeneuta deve se guiar pelos princípios
que regem nosso ordenamento, visando a consecução do bem comum. Assim, resta evidente
que a legislação brasileira comunica-se e interage no plano interno e internacional visando
sempre proteger e valorizar os direitos fundamentais. E é bem por isso que ao fim da extensa
Declaração de Direitos enunciada pelo art. 5º, a Carta de 1988 o próprio legislador
constituinte já prevendo situações em que não houvesse lei a regular a matéria, estabeleceu
que os direitos e garantias expressos na Constituição ―não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte‖.
Ademais, essa conclusão advém de interpretação sistemática e teleológica do
texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos
direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno
constitucional.
Conforme ensina Canotilho (1993. p.74), a esse raciocínio se acrescentam o
princípio da máxima efetividade das normas constitucionais referentes a direitos e garantias
fundamentais e a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais, o que

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justifica estender aos direitos enunciados em tratados o regime constitucional conferido aos
demais direitos e garantias fundamentais 5.

II. A Hierarquia dos Tratados Internacionais de Proteção de Direitos Humanos à


luz da Constituição Federal de 1988 e a Jurisprudência do STF

A partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal passou a enfrentar a


matéria, passou-se a ampliar os debates em torno da relação entre o direito interno e o direito
externo, e a exegese do dispositivo que implicam reflexos diretos em sua aplicação e eficácia.
Fomentado o debate, surgiram diversas posições a respeito da hierarquia das
normas provenientes de tratados internacionais, em especial os que versam sobre direitos
humanos.
A questão do posicionamento hierárquico das normas abarcadas por esse
dispositivo (do § 2° do art. 5°, CF) – em especial as oriundas de tratados internacionais sobre
direitos humanos – era e, talvez ainda seja, muito controversa, pelo menos até a promulgação
da Emenda Constitucional nº 45, que aparentemente dirimiu a questão.
Em relação à posição hierárquica do direito internacional com relação ao direito
infraconstitucional interno, a doutrina encontra-se dividida. É o que nos diz Ingo Sarlet (2005,
p. 142):
Ao passo que uma corrente sustenta a supremacia do direito internacional (que, a
exemplo do constitucionalismo português, se encontraria somente sujeito à
Constituição), outros consagram a teoria da paridade entre as normas internacionais
e a legislação interna, sob o argumento de que, em face da ausência de uma
disposição constitucional expressa que consagre a supremacia do direito
internacional, deve prevalecer, no caso de conflito entre tratados internacionais e leis
internas, o princípio do lex posterior derrogat priori, ressalvada a possibilidade de
responsabilização do Estado no plano internacional, o que, inclusive, vem sendo
consagrado pelo Supremo Tribunal Federal desde o julgamento do RE n 80.004, em
1977, apesar da opinião divergente de alguns de seus mais ilustres integrantes.

Contudo, a discussão apenas ampliou-se com a edição da Emenda Constitucional


45/2004, que visou dar um norte interpretativo às relações entre direito interno e internacional
no campo dos direitos humano, onde, em seu parágrafo 3º, se constata que: “Os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do

5
Para José Joaquim Gomes Canotilho: ―A legitimidade material da Constituição não se basta com um ―dar
forma‖ ou ―constituir‖ de órgãos; exige uma fundamentação substantiva para os actos dos poderes públicos e daí
que ela tenha de ser um parâmetro material, directivo e inspirador desses actos. A fundamentação material é hoje
essencialmente fornecida pelo catálogo de direitos fundamentais (direitos, liberdades e garantias e direitos
econômicos, sociais e culturais)‖.
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Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais”.
No entanto, as discussões acaloraram-se porque vários tratados que versam sobre
direitos humanos já haviam sido incorporados ao ordenamento pátrio muito antes da
promulgação deste dispositivo Constitucional, e, apesar de terem obtido votação maior do que
a exigida pelo texto atual não observaram o processo legislativo de Emenda (3/5 em dois
Turnos de votação em cada casa).
Ora, isso significa que os tratados incorporados antes da referida Emenda, ainda
que tenham obtido a unanimidade de votos, não merecem ser erigidos a status constitucional?
Este problema foi enfrentado quando do julgamento paradigmático do RE
466.434 pelo STF em Dezembro de 2008.
O problema instalou-se porque o Pacto de San Jose da Costa Rica (Convenção
Internacional), em seu artigo 7º, n.7, veda a prisão civil do depositário infiel. Porém, apesar de
ter sido recepcionado em 1992 pelo ordenamento pátrio, não foi submetido a apreciação
parlamentar nos termos exigidos pela Emenda Constitucional 45/2004. Ou seja, votação por
cada casa do Congresso em dois turnos de votação com aprovação por 3/5 dos membros de
cada casa.
Assim, surgiu discussão sobre se a prisão do depositário seria ou não aplicável,
após a adesão do Brasil ao pacto de San Jose da Costa Rica que não prevê este tipo de prisão
civil.
Através da análise dos votos proferidos pelos Ministros do STF no histórico
julgamento duas foram as soluções apresentadas, ambas afastando a aplicação da norma mais
gravosa ao depositário infiel, fazendo prevalecer o disposto no tratado internacional.
Para a corrente vencedora, encabeçada pelo Ministro Gilmar Mendes, os tratados
de direitos humanos, precedentes ou posteriores à EC n. 45/2004, possuem valor supralegal (e
infraconstitucional). Ou seja, situam-se abaixo da Constituição, mas acima das leis ordinárias.
Para a corrente minoritária liderada pelo Ministro Celso de Mello, a nova
pirâmide jurídica seria bidimensional, porque os tratados de direitos humanos vigentes no
Brasil antes da EC 45/2004 teriam valor constitucional (por força do art. 5º, §2º da CF).
Entendem que todos os tratados de direitos humanos de que o Brasil é signatário, foram
recepcionados ou amparados pelo §2º do art. 5º - já que entendem ser uma ―verdadeira
cláusula geral de recepção”.
Logo, não há dúvidas de que estes tratados mereçam tratamento diferenciado,
porém, ainda não existe previsão normativa ou jurisprudencial pacífica sobre o tema.
7
Não obstante os posicionamentos acima, ainda há muita polêmica sobre o status
normativo dos tratados e convenções sobre direito internacional no ordenamento jurídico
brasileiro e, até o presente momento, quatro são as soluções apresentadas pela doutrina:

a) Paridade hierárquica entre Tratados e Leis Ordinárias

A construção de tal raciocínio foi erigida ao argumento de que não há na


Constituição qualquer norma que indique a primazia dos tratados internacionais sobre as
normas internas.
Assim, para esta corrente, eventual conflito com a legislação interna deverá ser
resolvido como qualquer outro conflito entre normas de mesma hierarquia, qual seja: à luz dos
princípios da especialidade e cronologia.
Para os defensores desse posicionamento, ainda que a Constituição contemple
direitos constantes de forma não explícita no Texto Constitucional, este fato não lhes garante
o status de norma constitucional.
Argumentam que, se fosse conferido a esses tratados grau constitucional estar-se-
ia admitindo a hipótese de emenda à Constituição. E como para emendá-la faz-se necessário
quórum qualificado, não poderiam os tratados internacionais gozar de tais prerrogativas, eis
que não observaram tais regras.
Afirmam ainda que o artigo 102, III, ―b‖, admite o controle de constitucionalidade
de tratado internacional. Dessa forma, infere-se que a Constituição goza de soberania frente
aos tratados internacionais.
Nesse mesmo sentido, utilizam o art. 105, III, ―a‖, onde se infere que compete ao
STJ julgar em Recurso Especial as causas decididas quando a decisão recorrida contrariar
tratado internacional; logo, em se admitindo a constitucionalidade dos tratados internacionais
caberia o manejo de Recurso Extraordinário.
Tem-se então, que o legislador quis equiparar o tratado à lei ordinária, cabendo ao
STF somente se manifestar quando discutida a constitucionalidade do tratado internacional. E,
para que seja questionada sua constitucionalidade, é pressuposto sua infraconstitucionalidade,
ou que esta constitucionalidade seja obra do legislador constituinte derivado.
Com base nesses argumentos desde 1977 a jurisprudência do STF firmou
entendimento de que os tratados e as leis ordinárias estariam em nível hierárquico
equivalente. Por conseqüência, concluiu ser aplicável o princípio segundo o qual a norma
posterior revoga a norma anterior com ela incompatível.
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Nesse sentido, pronuncia-se o Ministro Francisco Rezek (2005, p. 106):
De setembro de 1975 a junho de 1977 estendeu-se, no plenário do Supremo Tribunal
Federal, o julgamento do RE 80.004, em que ficou assentada, por maioria, a tese de
que, ante a realidade do conflito entre tratado e lei posterior, esta, porque expressão
última da vontade do legislador republicano deve ter sua prevalência garantida pela
Justiça — sem embargo das conseqüências do descumprimento do tratado, no plano
internacional. Admitiram as vozes majoritárias que, faltante na Constituição do
Brasil garantia de privilégio hierárquico do tratado internacional sobre as leis do
Congresso, era inevitável que a Justiça devesse garantir a autoridade da mais recente
das normas, porque paritária sua estatura no ordenamento jurídico.

Para ilustrar, vale reproduzir parte do conteúdo do voto do Ministro Celso de


Mello ao julgar o HC 72.131-RJ (22.11.1995), que ao enfrentar a questão concernente ao
impacto do Pacto de São José da Costa Rica (particularmente do art. 7, VII, que proíbe a
prisão civil por dívida, salvo no caso de alimentos) no Direito brasileiro, em votação não
unânime (vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence),
afirmou que inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer
precedência ou primazia hierárquico-normativa dos tratados ou convenções internacionais
sobre o direito positivo interno, sobretudo em face das cláusulas inscritas no texto da
Constituição da República, eis que a ordem normativa externa não se superpõe, em hipótese
alguma, ao que prescreve a Lei Fundamental da República. In verbis:

A circunstância do Brasil haver aderido ao Pacto de São José da Costa Rica — cuja
posição, no plano da hierarquia das fontes jurídicas, situa-se no mesmo nível de
eficácia e autoridade das leis ordinárias internas — não impede que o Congresso
Nacional, em tema de prisão civil por dívida, aprove legislação comum instituidora
desse meio excepcional de coerção processual (...). Os tratados internacionais não
podem transgredir a normatividade emergente da Constituição, pois, além de não
disporem de autoridade para restringir a eficácia jurídica das cláusulas
constitucionais, não possuem força para conter ou para delimitar a esfera de
abrangência normativa dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental. (...)
Diversa seria a situação, se a Constituição do Brasil — à semelhança do que hoje
estabelece a Constituição argentina, no texto emendado pela Reforma Constitucional
de 1994 (art. 75, n. 22) — houvesse outorgado hierarquia constitucional aos tratados
celebrados em matéria de direitos humanos. (...) Parece-me irrecusável, no exame da
questão concernente à primazia das normas de direito internacional público sobre a
legislação interna ou doméstica do Estado brasileiro, que não cabe atribuir, por
efeito do que prescreve o art. 5º, parágrafo 2º, da Carta Política, um inexistente grau
hierárquico das convenções internacionais sobre o direito positivo interno vigente no
Brasil, especialmente sobre as prescrições fundadas em texto constitucional, sob
pena de essa interpretação inviabilizar, com manifesta ofensa à supremacia da

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Constituição — que expressamente autoriza a instituição da prisão civil por dívida
em duas hipóteses extraordinárias (CF, art. 5º, LXVII) — o próprio exercício, pelo
Congresso Nacional, de sua típica atividade político-jurídica consistente no
desempenho da função de legislar. (...) A indiscutível supremacia da ordem
constitucional brasileira sobre os tratados internacionais, além de traduzir um
imperativo que decorre de nossa própria Constituição (art. 102, III, b), reflete o
sistema que, com algumas poucas exceções, tem prevalecido no plano do direito
comparado.

Na visão crítica de Flavia Piovesan (2008), este posicionamento do Supremo


Tribunal Federal significou um retrocesso. Eis que a partir do julgamento do Recurso
Extraordinário n. 80.004 ficou demonstrada a indiferença do Estado Brasileiro diante das
conseqüências do descumprimento do tratado no plano internacional, na medida em que
autoriza o Estado-parte a violar dispositivos da ordem internacional — os quais se
comprometeu a cumprir de boa-fé. A jurista lembra, inclusive, que essa posição afronta,
ademais, o disposto pelo art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que
determina não poder o Estado-parte invocar posteriormente disposições de direito interno
como justificativa para o não-cumprimento de tratado. Tal dispositivo reitera a importância,
na esfera internacional, do princípio da boa-fé, pelo qual cabe ao Estado conferir
cumprimento às disposições de tratado, com o qual livremente consentiu.
Não se pode concordar com tal transgressão, visto que se o estado não pretende
cumprir com o disposto em um Tratado Internacional ele poderá se retirar utilizando-se do
mecanismo da denúncia. Nas palavras da constitucionalista:
Ora, se o Estado, no livre e pleno exercício de sua soberania, ratifica um tratado, não
pode posteriormente obstar seu cumprimento. Além disso, o término de um tratado
está submetido à disciplina da denúncia, ato unilateral do Estado pelo qual manifesta
seu desejo de deixar de ser parte de um tratado. Vale dizer, em face do regime de
Direito Internacional, apenas o ato da denúncia implica a retirada do Estado de
determinado tratado internacional. Assim, na hipótese da inexistência do ato da
denúncia, persiste a responsabilidade do Estado na ordem internacional
(PIOVESAN, F., 2008).

Insta mencionar que na época em comento a Constituição que vigia era a de 1969.
Porém, mesmo após a promulgação da democrática e cidadã Constituição de 1988 este
posicionamento foi adotado por inúmeras vezes, até o julgamento do paradigmático RE
466.343 em 2008 que veio a reverter esse quadro.
Cabe ressaltar que, anteriormente a 1977, o Supremo Tribunal Federal entendia
pela primazia do Direito Internacional face às normas internas, quando foi modificado seu
entendimento com o julgamento do RE 80.004.
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b) Hierarquia Constitucional

Os doutrinadores adeptos dessa corrente defendem a equiparação de hierarquia


entre as normas constitucionais e os tratados internacionais de direitos humanos, por força do
disposto no §2º do art. 5º da Constituição, o qual adotou uma concepção material de direitos
fundamentais.
O avanço constitucional com o tratamento dispensado pela Constituição de 1988
foi patente, pois nela, os direitos humanos ganharam relevo extraordinário, consubstanciando,
dessa forma, o Texto Constitucional como o documento mais amplo e detalhado sobre os
direitos humanos já previstos em uma Constituição brasileira (PIOVESAN, F. 2003, p. 218).
Razão disso foi o fato de a Constituição Federal possuir abertura (§ 2° do 5°) para
incorporação de direitos advindos de tratados internacionais como norma constitucional no
mesmo patamar dos direitos e garantias fundamentais expressamente declarados na
Constituição brasileira.
Para Flávia Piovesan (2008), a elevação ao status constitucional destes tratados
reside na importância da matéria que veiculam:
Enquanto os demais tratados internacionais têm força hierárquica
infraconstitucional, nos termos do art. 102, III, ―b‖ do texto (que admite o
cabimento de recurso extraordinário de decisão que declarar a inconstitucionalidade
de tratado), os direitos enunciados em tratados internacionais de proteção dos
direitos humanos detêm natureza de norma constitucional. Esse tratamento jurídico
diferenciado se justifica, na medida em que os tratados internacionais de direitos
humanos apresentam um caráter especial, distinguindo-se dos tratados
internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de
relações entre Estados-partes, aqueles transcendem os meros compromissos
recíprocos entre os Estados pactuantes, tendo em vista que objetivam a salvaguarda
dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados.

Valério Mazzuolli (2000, p. 173-174) destaca que os tratados internacionais de


direitos humanos possuem efeito aditivo ao rol constante dos direitos e garantias
fundamentais, visto que, em decorrências desses tratados, direitos são adicionados e, por
conseguinte, protegidos pela atual Constituição.
O autor explica que se pode chegar a essa conclusão utilizando uma lógica-
dedutiva pela análise semântica do próprio artigo, visto que, se o dispositivo diz ―não
excluem‖, está a entender que se incluem os direitos dos tratados internacionais de direitos
humanos aos direitos fundamentais.
Mazzuoli (2009) defende a ideia de que não há necessidade de maioria qualificada

11
de votos no Congresso para que os direitos veiculados por tratados de direitos humanos
possam valer, na ordem interna, com status de constituição:

Há muitos anos defendemos que os tratados internacionais de direitos humanos


incorporados à ordem jurídica brasileira têm status de norma constitucional,
independentemente de maioria aprobatória no Congresso Nacional, pelo simples
fato de entendermos que tais instrumentos têm um fundamento ético que ultrapassa
qualquer faculdade que queira o Estado ter (em seu domínio reservado) de alocá-los
em "níveis" previamente definidos. Daí termos sempre entendido que o único
"nível" que poderia ter um instrumento internacional dessa natureza (ou seja, que
veicula normas de direitos humanos) era o nível das normas constitucionais,
exatamente por serem estas últimas as que mais altas se encontram dentro da escala
hierárquica da ordem jurídica interna.

Na mesma toada, ensina Antônio Cançado Trindade (2000, p. 192) que


diferentemente do que ocorre para os tratados internacionais, em geral, que exigem a
intermediação do Poder Legislativo de ato com força de lei para outorgar as suas disposições,
vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, no caso dos tratados
de proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte, os direitos
fundamentais neles garantidos passam, consoante o artigo 5°, parágrafos 2° e 1°, da
Constituição Brasileira de 1988, a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente
consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico.
Vale lembrar que a Constituição Federal erigiu expressamente a dignidade da
pessoa humana como fundamento basilar da República em seu art. 1°, III, logo a interpretação
do §2° do 5° deve ser feita em consonância com esse princípio republicano.
Ademais, não somente o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser levado
em consideração, quando da interpretação do §2 do art. 5° da Constituição, pois também é
expresso na Carta Constitucional que o Brasil, no trato de suas relações internacionais, rege-se
pela prevalência dos direitos humanos.
Logo, da conjugação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana com o princípio insculpido no art. 4°, II, que reza que o Brasil rege-se pela
prevalência dos direitos humanos em suas relações internacionais, Valério Mazzuoli (2000, p.
132) explica que a única conclusão que se pode chegar é a da autorização, pela regra
materialmente aberta, para inclusão de novos direitos oriundos de tratados internacionais, com
grau invariavelmente constitucional.
Dessa forma, atuam os tratados internacionais versados sobre direitos humanos
como aditivo de direitos, plasmando a norma aberta do § 2°, do art. 5°, da Constituição
Federal. Essa afirmação coaduna-se, de igual maneira, com o princípio da máxima efetividade

12
das normas constitucionais. 6
Uma das implicações em se admitir a constitucionalidade de tratados
internacionais, resultado da compreensão da Constituição como ordem jurídica aberta, é a de
que os Estados estão a restringir sua soberania, e esta atitude pode ser considerada uma
tendência no constitucionalismo moderno, em razão da natureza dos direitos envolvidos. Bem
afirma Tércio Waldir de Albuquerque (2004, p. 100) que nosso culto à soberania precisa
traduzir-se em benefícios reais ao Estado e ao seu povo e não servir de retórica a interesses
por vezes não muito claros.
É certo que essa tese nunca foi majoritária na nossa Suprema Corte de Justiça.
Somente agora é que ela ganhou reforço com a posição do Min. Celso de Mello ao julgar o
HC 87.585-TO. Vejamos as valiosas argumentações da mudança de posicionamento do
Ministro Celso de Mello que até então posicionava-se pela paridade hierárquica entre tratados
e leis. Ele lembra que uma coisa são os tratados de direitos humanos, outra distinta os demais
tratados internacionais:
As razões invocadas neste julgamento, no entanto, Senhora Presidente, convencem-
me da necessidade de se distinguir, para efeito de definição de sua posição
hierárquica em face do ordenamento positivo interno, entre convenções
internacionais sobre direitos humanos (revestidas de ―supralegalidade‖, como
sustenta o eminente Ministro Gilmar Mendes, ou impregnadas de natureza
constitucional, como me inclino a reconhecer), e tratados internacionais sobre as
demais matérias (compreendidos estes numa estrita perspectiva de paridade
normativa com as leis ordinárias).

Para o Ministro, o correto é reconhecer, mais que a supralegalidade, conforme tese


defendida pelo Ministro Gilmar F. Mendes, mas a constitucionalidade dos tratados de direitos
humanos.
Apoiado na doutrina ele reforça a ideia de que as convenções internacionais em
matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da EC nº 45/2004, como
ocorre com o Pacto de São José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente
constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco de
constitucionalidade.
Registre-se que em voto precedente, o Min. Ilmar Galvão também já havia se
inclinado pela constitucionalidade dos tratados de direitos humanos, entendendo que trata-se o
§ 2º do art. 5º da Constituição de verdadeira cláusula geral de recepção, autorizando o

6
Explica Canotilho (1995, p.227) que ―este princípio, também designado princípio da eficiência ou princípio da
interpretação ou princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma
constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a
todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas
programáticas (THOMA) é hoje, sobretudo, invocado no âmbito dos direitos fundamentais ( no caso de dúvidas
deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)‖.
13
reconhecimento de que os tratados internacionais de direitos humanos possuem hierarquia
constitucional, em face da relevantíssima circunstância de que viabilizam a incorporação, ao
catálogo constitucional de direitos e garantias individuais, de outras prerrogativas e liberdades
fundamentais, que passam a integrar, o conjunto normativo configurador do bloco de
constitucionalidade.
O Min. Celso de Mello confirmou seu novo entendimento aduzindo que:
Como precedentemente salientei neste voto, e após detida reflexão em torno dos
fundamentos e critérios que me orientaram em julgamentos anteriores (RTJ
179/493-496, v.g.), evoluo, Senhora Presidente, no sentido de atribuir, aos tratados
internacionais em matéria de direitos humanos, superioridade jurídica em face da
generalidade das leis internas brasileiras, reconhecendo, a referidas convenções
internacionais, nos termos que venho de expor, qualificação constitucional.‖

Lembrou o Ministro que a única situação em que prepondera a Constituição sobre


os tratados ocorre quando estes restringem direitos previstos na própria Magna Carta, eis que
os direitos e garantias individuais qualificam-se, como sabemos, como limitações materiais ao
poder reformador do Congresso Nacional.
Assim, para esta relevante corrente doutrinária, o advento do § 3º do art. 5º da CF,
com a Emenda Constitucional 45/2004 7, apenas pretendeu pôr termo às discussões relativas à
hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio,
uma vez que a doutrina mais abalizada, antes da reforma, já atribuía aos tratados de direitos
humanos status de norma constitucional, em virtude da interpretação do § 2.º do mesmo art.
5.º da Constituição.
De outra banda, seguindo tendência do voto do Ministro Gilmar Mendes, o
constitucionalista Marcelo Novelino (2008. p.259), através de interpretação positivista,
defende que não há recepção automática com quórum de Emenda Constitucional aos tratados
ratificados antes da EC 45/04:
O argumento de que haveria uma recepção automática desses tratados, com
hierarquia equivalente ao de uma emenda à Constituição é insustentável em razão do
art. 5º, §3º, não ter atribuído status de norma constitucional a todos os tratados
internacionais de direitos humanos, mas tão-somente àqueles aprovados com o
mesmo procedimento de aprovação das emendas. Para terem o status equivalente ao
das emendas constitucionais é imprescindível que sejam submetidos a uma nova
votação no Congresso Nacional e aprovados nos termos do art. 5 º, §3º.

Contudo, grande parte da doutrina entende que os tratados internacionais de


direitos humanos ratificados anteriormente ao mencionado parágrafo, ou seja, anteriormente à

7
Reza o mencionado dispositivo que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais
14
Emenda Constitucional n. 45/2004, têm hierarquia constitucional, situando-se como normas
material e formalmente constitucionais, não necessitando nova apreciação legislativa para tal.
Esse entendimento decorre de quatro argumentos, como elenca Flavia Piovesan
(2008): a) a interpretação sistemática da Constituição, de forma a dialogar os §§ 2º e 3º do art.
5º, já que o último não revogou o primeiro, mas deve, ao revés, ser interpretado à luz do
sistema constitucional; b) a lógica e racionalidade material que devem orientar a hermenêutica
dos direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações que apontem a agudos
anacronismos da ordem jurídica 8; e d) a teoria geral da recepção do Direito brasileiro.
A respeito do impacto art. 5º, § 3º, destaca-se decisão do Superior Tribunal de
Justiça, quando do julgamento do RHC 187999, tendo como relator o Ministro José Delgado,
em maio de 2006:
Ora, apesar de à época o referido Pacto ter sido aprovado com quórum de lei
ordinária, é de se ressaltar que ele nunca foi revogado ou retirado do mundo
jurídico, não obstante a sua rejeição decantada por decisões judiciais. De acordo
com o citado §3º, a Convenção continua em vigor, desta feita com força de emenda
constitucional. A regra emanada pelo dispositivo em apreço é clara no sentido de
que os tratados internacionais concernentes a direitos humanos nos quais o Brasil
seja parte devem ser assimilados pela ordem jurídica do país como normas de
hierarquia constitucional. Não se pode escantear que o §1º supra determina,
peremptoriamente, que ―as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata‖. (...) O Pacto de São José da Costa Rica foi resgatado pela
nova disposição (§3º do art. 5º ), a qual possui eficácia retroativa. A tramitação de
lei ordinária conferida à aprovação da mencionada Convenção (...) não constituirá
óbice formal de relevância superior ao conteúdo material do novo direito aclamado,
não impedindo a sua retroatividade, por se tratar de acordo internacional pertinente a
direitos humanos.

Este julgado revela de que forma a hermenêutica deve ser aplicada aos direitos
humanos, pois inspirada por uma lógica e racionalidade material, ao afirmar o primado da
substância sob a forma10.
Acrescente-se que, além da concepção que confere aos tratados de direitos
humanos natureza constitucional (concepção defendida por este trabalho) e da concepção,
que, ao revés, confere aos tratados status paritário ao da lei federal, destacam-se outras duas
correntes doutrinárias.

8
Flavia Piovesan ilustra a situação mencionando que o Brasil é parte da Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes desde 1989, estando em vias de ratificar seu Protocolo
Facultativo.Não haveria qualquer razoabilidade se a este último — um tratado complementar e subsidiário ao
principal — fosse conferida hierarquia constitucional, e ao instrumento principal fosse conferida hierarquia
meramente legal. Tal situação importaria em agudo anacronismo do sistema jurídico, afrontando, ainda, a teoria
geral da recepção acolhida no direito brasileiro.
9
RHC 18799, Recurso Ordinário em Habeas Corpus, data do julgamento: 09/05/2006, DJ 08.06.2006
10
Nesse sentido vale mencionar que o CTN apesar de ter sido votado como lei ordinária foi recepcionado como
lei complementar, nos termos do artigo 146 da Constituição Federal.
15
c) Hierarquia Supraconstitucional

Para os poucos defensores dessa corrente, a ordem jurídica internacional possui


uma supremacia em face da ordem jurídica interna dos Estados. Essa supremacia advém da
própria vontade do Estado, podendo ser considerada inclusive um limite jurídico ao exercício
da soberania. Afirmam que a própria noção de Estado é condicionada a uma ordem
internacional, de onde validam a noção de soberania (ACCIOLY, H., 1978, p. 5-6).
A respeito, George Galindo assevera (apud SILVA, A. C. M. M., 2009):

(...) poder-se-ia admitir que certos direitos humanos teriam este caráter. Se se parte
da visão de que os tratados de direitos humanos visam a concretizar os princípios da
dignidade humana e da prevalência dos direitos humanos, tais direitos, quando
considerados de natureza jus cogens teriam, conseqüentemente, estatura
supraconstitucional. Porém, nem todos os direitos humanos podem ser considerados
como tendo a natureza jus cogens. No entanto, se se estiver diante de um direito
humano assim considerado pelo Direito Internacional, teria ele uma força normativa
que nem mesmo a Constituição poderia contrariar. Esta posição, contudo, ainda é
extremamente isolada.

Flavia Piovesan (2008) citando Agustín Gordillo explica que para este doutrinador
a supremacia da ordem supranacional sobre a ordem nacional preexistente não pode ser senão
uma supremacia jurídica, normativa, detentora de força coativa e de imperatividade. O que
exisitiria é, em suma, um normativismo supranacional.
No direito comparado Bidart Campos (1991, p.353) defende essa tese utilizando-
se dos seguintes argumentos:
Si para nuestro tema atendemos al derecho internacional de los derechos humanos
(tratados, pactos, convenciones, etc., con un plexo global, o con normativa sobre un
fragmento o parcialidad) decimos que en tal supuesto el derecho internacional
contractual está por encima de la Constitución. Si lo que queremos es optimizar los
derechos humanos, y si conciliarlo con tal propósito interpretamos que lãs vertientes
del constitucionalismo moderno y del social se han enrolado – cada una en su
situación histórica – en líneas de derecho interno inspiradas en un ideal análogo, que
ahora se ve acompañado internacionalmente, nada tenemos que objetar (de lege
ferenda) a la ubicación prioritaria del derecho internacional de los derechos
humanos respecto de La Constitución. Es cosa que cada Estado ha de decir por sí,
pero si esa decisión conduce a erigir a los tratados sobre derechos humanos en
instancia prelatoria respecto de la Constitución, el principio de su supremacía – aun
debilitado – no queda escarnecido en su télesis, porque es sabido que desde que lo
plasmó el constitucionalismo clásico se há enderezado – en común con todo el plexo
de derechos y garantías – a resguardar a la persona humana en su convivencia
política.

Para alguns autores, como André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros (2001,
p. 120), o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, ao dispor que
―uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o

16
inadimplemento de um tratado‖, (convenção esta já aprovada pelo Congresso Nacional
brasileiro, pelo Decreto Legislativo nº 496/09, mas ainda pendente de ratificação), teve a
intenção de subordinar todo o direito interno dos Estados à observância dos tratados
internacionais, inclusive as suas Constituições, dando a todo o Direito Internacional
convencional grau supraconstitucional na ordem interna dos Estados onde ela viesse a vigorar
ou por ratificação ou como costume internacional.
Estes autores são enfáticos ao afirmar que § 2° do art. 5° é o único dispositivo
constitucional que normatiza a vigência do Direito Internacional no Texto Maior brasileiro, e
esta norma deve ser entendida como de grau supraconstitucional.
Em se tratando de tratados de direitos humanos, por sua universalidade e
indivisibilidade, devem sobrepor-se à Constituição, desde que sejam de ordem mais benéfica
para o indivíduo (GALINDO, G. R. B., apud SILVA, A. C. M. M., 2008).
Celso de Albuquerque Mello (1999. p 25-26) vai além. Para o autor, a norma
internacional sobrepõe-se à norma constitucional, ainda que uma norma constitucional
posterior apresente-se para revogar uma norma internacional integrada ao ordenamento
jurídico, devendo-se sempre ser aplicada a norma mais benéfica ao ser humano.
No mesmo sentido Luis Flávio Gomes (2009) defende a tese de que a norma que
sempre deve prevalecer é aquela de conteúdo mais benéfico ao ser humano, independente de
hierarquia legislativa. Para esse autor, isso se dá por força do princípio internacional pro
homine (que manda incidir em matéria de direitos humanos a norma mais favorável ao ser
humano). Ele explica que quando os objetos das normas são idênticos, em matéria de direitos
humanos, os princípios regentes (dos conflitos de normas) não são os tradicionais (hierarquia,
posterioridade e especialidade), sim, os específicos dessa área: (a) vedação de retrocesso e (b)
princípio internacional pro homine. Em sua visão:

Os métodos tradicionais de solução de antinomias encontram-se superados quando


em jogo matéria afeta aos direitos humanos. Se tais critérios (hierárquico, da
especialidade e o cronológico, também conhecido como da posterioridade) ainda
valem para resolver antinomias surgidas nos conflitos de leis comuns ou conflitos
internos, a mesma coisa não se pode dizer quando a antinomia envolve normas de
direitos humanos, uma vez que a lógica do sistema (interno ou internacional) de
proteção desses mesmos direitos não é a mesma que a existente em relação às
questões comerciais, financeiras, técnicas etc.

Logo, para mais este doutrinador, deve prevalecer o conteúdo e não a hierarquia
das normas.
17
Contudo a aplicação dessa tese foi afastada pelo STF sob o argumento de que não
seria possível compatibilizar a hierarquia supraconstitucional dos tratados com nosso sistema
legal, haja vista que o sistema jurídico brasileiro é regido pelo princípio da supremacia formal
e material da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico. Sustentou o Ministro Gilmar
Mendes em seu voto (RE 466.343) que ―entendimento diverso anularia a própria
possibilidade do controle da constitucionalidade desses diplomas internacionais‖.
Como deixou enfatizado o Supremo Tribunal Federal ao analisar o problema, ―a
Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em
preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das
convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição (...) e aquele que, em
conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art.
102, III, b)‖.
Mendes lembrou ainda, em seu voto, que os poderes públicos brasileiros não estão
menos submetidos à Constituição quando atuam nas relações internacionais em exercício do
treaty-making power. Os tratados e convenções devem ser celebrados em consonância não só
com o procedimento formal descrito na Constituição, mas com respeito ao seu conteúdo
material, especialmente em tema de direitos e garantias fundamentais.
Ainda, no julgamento do RE 466.343 foi afastada, por apertada maioria de votos,
a aplicação da tese aqui defendida, sob o argumento da insegurança jurídica que tal status
legal poderia ocasionar. O STF, acompanhando o voto do Ministro Gilmar Mendes,
compreendeu que o problema reside ―na ampliação inadequada do sentido do termo ´direitos
humanos`, que poderia abrir uma via perigosa para uma produção normativa alheia ao
controle de sua compatibilidade com a ordem constitucional interna. O risco de normatizações
camufladas seria permanente‖.

d) Hierarquia Supralegal

Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam
infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos
normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade.
Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a
supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico.
Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do
sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.
18
Essa corrente foi levantada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda
Pertence, quando ao proferir seu voto no julgamento do RHC n.° 79.785-RJ, em março de
2000, a respeito de questão que versava, entre outros, sobre o princípio do duplo grau de
jurisdição, constante na Convenção Americana de Direitos Humanos. Da análise do voto
proferido, retiram-se alguns argumentos que defendem este entendimento.
Começa o Ministro por expor que comunga do entendimento que recusa a
prevalência a qualquer convenção internacional. Deixa claro que nega a constitucionalidade
dos tratados internacionais sobre direitos humanos. E o faz em razão de não encontrar
fundamento na Constituição que justifique a constitucionalidade para esses tratados, como
deixa transparecer:
É eloqüente notar que também para o autorizado e insuspeito Cançado Trindade (...)
– que não é juiz do STF, mas Presidente da Corte Interamericana de Direitos
Humanos –‗a posição hierárquica dos tratados no ordenamento jurídico interno
obedece ao critério do direito constitucional de cada país‘.

Todavia, em decorrência da especificidade dos tratados de direitos humanos, o


Ministro reconhece o caráter supralegal, aduzindo em suma:

Na ordem interna, direitos e garantias fundamentais o são, com grande freqüência,


precisamente porque — alçados ao texto constitucional — se erigem em limitações
positivas ou negativas ao conteúdo das leis futuras, assim como à recepção das
anteriores à Constituição (Hans Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, trad.
M. Fontes, UnB, 1990, p. 255). Se assim é, à primeira vista, parificar às leis
ordinárias os tratados a que alude o art. 5º § 2º, da Constituição, seria esvaziar de
muito do seu sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu
enunciado, traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização
de direitos humanos. Ainda sem certezas suficientemente amadurecidas, tendo assim
— aproximando-me, creio, da linha desenvolvida no Brasil por Cançado Trindade e
pela ilustrada Flávia Piovesan — a aceitar a outorga de força supralegal às
convenções de direitos humanos, de modo a dar aplicação direta às suas normas —
até, se necessário, contra a lei ordinária — sempre que, sem ferir a Constituição, a
complementem, especificando ou ampliando os direitos e garantias dela constantes‖.

Esse entendimento consagra a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal, dos


tratados internacionais de direitos humanos, distinguindo-os dos tratados tradicionais, além
dos tratados de direito tributário, que possuem valor supralegal por força do art. 98 do CTN,
ingressariam nessa categoria, em virtude da decisão do STF de 03.12.08 (RE 466.343-SP e
HC 87.585-TO), os tratados de direitos humanos vigentes no Brasil, mas não aprovados pelo
quorum qualificado previsto no art. 5º, § 3º, da CF (quorum de três quintos em dupla votação
nas duas casas legislativas).

19
Quando do julgamento do RE 466.34311, em 22 de novembro de 2006, em
emblemático voto, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, destacou que a jurisprudência da corte
constitucional merecia ser reformada tendo em vista o "caráter especial dos tratados de
direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre Estados pactuantes,
conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico‖, e que tal mudança fazia-se
necessária inclusive ante as realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas
primordialmente à proteção do ser humano. Lembrou que a tese da legalidade ordinária dos
tratados já ratificados pelo Brasil – que vinha sendo preconizada pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal desde o remoto julgamento do RE n. 80.004/SE, (julgado em
1.6.1977; DJ 29.12.1977) mostrava-se insuficiente. Continuou asseverando que
A premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos humanos nos
planos interno e internacional torna imperiosa uma mudança de posição quanto ao
papel dos tratados internacionais sobre direitos na ordem jurídica nacional. (...)
Tenho certeza de que o espírito desta Corte, hoje, mais que nunca, está preparado
para essa atualização jurisprudencial.

Por fim, concluiu o Ministro pela supralegalidade dos tratados de direitos


humanos, ressaltando que o legislador constitucional não fica impedido de submeter o Pacto
de San José da Costa Rica, além de outros tratados de direitos humanos, ao procedimento
especial de aprovação previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição, tal como definido pela EC n°
45/2004, conferindo-lhes status de emenda constitucional.
Em suma, após a edição a EC 45/04 para terem status constitucional, o STF, em
sua maioria, entende que os Tratados já incorporados deverão ser submetidos novamente à
apreciação parlamentar.
Em nosso ponto de vista, apoiados pela mais gabaritada doutrina, isso não parece
nada razoável. Isto porque o tratamento a ser dispensado aos direitos humanos independe do
status normativo ou outro artifício que cada ordenamento pretenda conferir às leis, pelo
simples fato de que versam sobre matéria da mais alta relevância.
Vale lembrar ainda que sob o prisma internacional e de cooperação entre os
estados, Häberle (2003. p. 74) ensina que para a coexistência pacífica (ou seja, de mera
delimitação dos âmbitos das soberanias nacionais), no campo do direito constitucional
nacional, há tendências que apontam para um enfraquecimento dos limites entre o interno e o

11
Recurso Extraordinário 466.343-1, São Paulo, relator Ministro Cezar Peluso, recorrente Banco Bradesco S/A e
recorrido Luciano Cardoso Santos. O julgamento envolvia a temática da prisão civil por dívida e a aplicação da
Convenção Americana de Direitos Humanos. Neste julgamento a tese vencedora, encabeçada pelo Ministro
Gilmar Mendes, foi a da supralegalidade dos Tratados Internacional de Direitos Humanos, que devem prevalecer
sobre as leis ordinárias, mas que não se equiparam à Consituição, salvo se tiverem sido recepcionados e
submetidos ä apreciação parlamentar com todos os requisitos de Emenda Constitucional, conforme EC 45/04.
20
externo, gerando uma concepção que faz prevalecer o direito comunitário sobre o direito
interno.
Nesse contexto, mesmo conscientes de que os motivos que conduzem à concepção
de um Estado Constitucional Cooperativo são complexos, não se pode deixar de considerar a
proteção aos direitos humanos como a fórmula mais concreta de que dispõe o sistema
constitucional, a exigir dos atores da vida sócio-política do Estado uma contribuição positiva
para a máxima eficácia das normas das Constituições modernas que protegem a cooperação
internacional amistosa como princípio vetor das relações entre os Estados Nacionais e a
proteção dos direitos humanos como corolário da própria garantia da dignidade da pessoa
humana (HABERLE, 2003. p. 67).

Conclusões

Após o julgamento do paradigmático RE 466.343 pelo STF, doutrina,


jurisprudência e os operadores do direito, debruçaram-se sobre o estudo e interpretação do
status normativo dos tratados internacionais sobre direitos humanos no Brasil.
Quatro possíveis soluções foram apresentadas pelos estudiosos, e o ponto comum
entre todas as posições citadas (ressalvando-se a primeira – paridade legal) reside no caráter
especial dos tratados de direitos humanos que se encontram formal e hierarquicamente acima
do direito ordinário. Essa premissa (no plano formal) nos parece muito acertada.
A tese vencedora no Supremo Tribunal Federal, liderada pelo Ministro Gilmar
Ferreira Mendes, entende que tais tratados (em regra) teriam valor supralegal. Exceção aos
tratados incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro que foram submetidos, votados e
aprovados com todas as exigências da EC 45/04, que passariam a integrar o bloco de
constitucionalidade.
A crítica feita por vários estudiosos do tema, contra o entendimento majoritário do
STF (de que os tratados de direitos humanos não aprovados por quorum qualificado possuem
valor apenas supralegal), é a de que a tese da supralegalidade dos tratados de direitos
humanos não aprovados por maioria qualificada peca por desigualar tais instrumentos em
detrimento daqueles internalizados pela dita maioria, criando, nas palavras de Valério
Mazzuoli, uma ―duplicidade de regimes jurídicos‖, imprópria para o atual sistema (interno e
internacional) de proteção de direitos, uma vez que estabelece categorias de tratados que têm
o mesmo fundamento ético. E este fundamento lhes é atribuído não pelo direito interno ou por

21
qualquer poder, como o Legislativo, mas pela própria ordem internacional de onde tais
tratados provêm.
Ao criarem ―categorias‖ para os tratados, seja de nível constitucional ou
supralegal (caso sejam ou não aprovados pela dita maioria qualificada), a tese da
supralegalidade acabou por regular assuntos iguais de maneira totalmente diferente (ou seja,
desigualou os ―iguais‖). Daí concluir Luiz Flávio Gomes ―ser equivocado alocar certos
tratados de direitos humanos abaixo da Constituição e outros (também de direitos humanos)
no mesmo nível dela, sob pena de se subverter toda a lógica convencional de proteção de tais
direitos‖, a exemplo daquela situação onde um instrumento acessório teria equivalência de
uma emenda constitucional, enquanto que o principal estaria em nível hierárquico inferior,
como lembrou Flávia Piovesan em seu trabalho acima referenciado.
Outra conseqüência é a nova estrutura do ordenamento jurídico brasileiro. Já que
hoje não se pode falar mais em pirâmide, mas sim em trapézio legislativo (ou seja, não apenas
a Constituição aparece no topo, mas também os TIDH, o chamado ―bloco de
constitucionalidade‖). Essas mudanças trouxeram novos contornos com tendência a sepultar a
antiga estrutura piramidal defendida por Kelsen e ensinada nas faculdades de Direito através
dos anos.
Em que pese os valiosos argumentos esposados pela mais conceituada doutrina a
favor da constitucionalidade dos tratados de direitos humanos, não é assim que vem
entendendo a Corte Suprema do Brasil, por entender que com a promulgação da Emenda
Constitucional no 45/2004, a discussão em torno do status constitucional dos tratados de
direitos humanos estaria esvaziada, pela incorporação do § 3º ao art. 5º.
Apesar do avanço conquistado depois de mais de três décadas de entendimento
jurisprudencial que nivelava todos os tratados internacionais, independentemente da matéria
versada, ao das leis ordinária, entendemos que o STF perdeu a oportunidade para erigir ao
status constitucional os Tratados sobre Direitos Humanos já recepcionados, anteriores à
vigência da EC 45/04. A corrente hoje predominante nos Tribunais, inaugurada por Gilmar
Mendes, alega que ―em termos práticos, trata-se de uma declaração eloqüente de que os
tratados já ratificados pelo Brasil, anteriormente à mudança constitucional, e não submetidos
ao processo legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional, não podem ser
comparados às normas Constitucionais‖.
Contudo, o argumento é criticável sob o ponto de vista do princípio da máxima
efetividade dos direitos e garantias individuais e sob a interpretação lógica e racional de que
os Tratados anteriores à EC 45/04 não foram votados com requisitos hoje exigíveis. Em que
22
pese muitos dos Tratados que foram incorporados ao ordenamento jurídico pátrio terem sido
aprovados por unanimidade de votos no Congresso Nacional.
Espera-se que doutrina e jurisprudência não se cansem de reafirmar o tratamento
diferenciado que deve ser dispensado aos direitos humanos e que, então, o STF reveja sua
posição e passe a adotar (como fez o Min. Celso de Mello) a tese do nível constitucional dos
tratados de direitos humanos, independentemente do quorum de aprovação congressual.
Como defende Luís Flavio Gomes (2009), ―será este o momento em que o Brasil
ficará lado a lado com os países que mais valor atribuem às normas internacionais de proteção
e daqueles que sofrem menos condenações (por violações de direitos humanos) por tribunais
internacionais.‖
Portanto, faz-se imperioso uma tomada de consciência em busca de maiores
avanços no campo da efetividade dos direitos humanos no Brasil.

Referências

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