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11/03/2024

2. As fontes do Direito do Trabalho As primeiras resultam do estabelecimento de relações


internacionais, no âmbito de organizações existentes
2. 1. Noções gerais ou fora delas (i.e., através de negociação directa,
bilateral ou plurilateral, entre Estados), ao passo que
Usa-se a expressão “fontes de direito” em vários as segundas são o produto de mecanismos
sentidos. Nesta unidade curricular utilizaremos a inteiramente regulados pelo ordenamento jurídico
acepção ou o sentido técnico-jurídico. Assim, “fontes de interno de cada país.
direito” refere-se aos modos de produção e revelação de
normas jurídicas, “ou seja, dos instrumentos pelos quais 2. 2. A Constituição da República Portuguesa (CRP)
essas normas são estabelecidas e, do mesmo passo,
expostas ao conhecimento público”. A lei fundamental (CRP) é, de acordo com António
Monteiro Fernandes, a cúpula do sistema das fontes
As fontes do DT podem repartir-se em duas categorias: a de Direito do Trabalho.
das fontes internacionais e a das fontes internas.

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Os preceitos constitucionais com directa incidência no A CRP regulamenta com grande pormenor a dimensão
âmbito do DT encontram-se quase todos nos Títulos II colectiva do trabalho, nomeadamente através da
(direitos, liberdades e garantias) e III (direitos e regulamentação das organizações de trabalhadores
deveres económicos, sociais e culturais) da CRP. (i.e., as comissões de trabalhadores e as associações
sindicais) e o dos conflitos colectivos (i.e., o direito ao
Este conjunto de direitos é abrangido pelo regime dos exercício da contratação colectiva).
direitos liberdades e garantias (artigo 17º da CRP) que
determina que são diretamente aplicáveis e vinculam A CRP regula ainda a dimensão individual de trabalho.
as entidades publicas e privadas (artigo 18º, nº1, da Por exemplo: a liberdade de escolha de profissão (artigo
CRP). 47º da CRP); a segurança no emprego (artigo 53º da
CRP); o direito ao trabalho e o dever de trabalhar (nºs 1
e 2 do artigo 58º da CRP); bem como os direitos dos
trabalhadores (artigo 59º da CRP).

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2. 3. As fontes internacionais - Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos,


Sociais e Culturais de 1976;
2. 3. 1. Convenções internacionais gerais
b) No quadro do Conselho da Europa
As convenções internacionais gerais tem uma natureza
equivalente a dos tratados internacionais. O conteúdo - A Convenção Europeia dos Direitos do Homem de
das mesmas visa definir uma ordem social 1950;
internacional. - Carta Social Europeia de 1961;

a) No quadro da Organização das Nações Unidas 2. 3. 2. As convenções da OIT

- A Declaração Universal dos Direitos do Homem de As principais fontes internacionais do DT português são
1948; as convenções celebradas no quadro da Organização
- Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos Internacional de Trabalho (OIT).
de 1976;
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O artigo 8º, nº 2, da CRP estabelece que “as normas


A OIT aprova convenções e recomendações. As primeiras constantes de convenções internacionais regularmente
integram-se na ordem jurídica portuguesa, ao passo que ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem jurídica
as segundas são meras directrizes sem verdadeiro interna após a sua publicação oficial e enquanto
caracter normativo. vincularem internacionalmente o Estado português”.
Assim, as regras constantes das convenções ratificadas
A afirmação anterior convoca a questão da receção das (e ou aprovadas) pelo Estado português e publicadas
convenções na ordem jurídica interna. no Diário da Republica “passam a integrar o direito
interno independentemente da transposição do seu
A propósito desta questão António Monteiro Fernandes conteúdo para alei ordinária interna”.
escreve que “vigora no direito português, relativamente
às normas constantes das convenções internacionais, o A OIT já aprovou quase duas centenas de convenções e
sistema da receção automática na ordem jurídica estas cobrem uma enorme variedade de temáticas.
interna”. Entre elas:

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- A liberdade de trabalho;
- A não discriminação; 2. 3. 3. O direito do trabalho europeu
- A liberdade sindical;
- A limitação da duração do trabalho; A União Europeia (UE) dispõe de uma ordem jurídica
- A política de emprego; própria que encerra um conjunto de disposições
- A protecção da higiene, da segurança e da saúde no relativamente ao DT. Estas disposições encontram-se no
trabalho. Tratado de Lisboa (que altera o Tratado da União
Europeia (TUE) e o Tratado sobre o Funcionamento da
Contudo, é possível recortar alguns grandes temas que tem União Europeia (TFUE)).
motivado a intervenção da OIT: a erradicação do trabalho
forçado ou obrigatório (Conv. 29 e 105), a liberdade de Para além das disposições constantes do Tratado de
associação laboral e de negociação coletiva (Conv. 87 e 98), a Lisboa (direito originário), há regulamentos e diretivas
igualdade salarial e não discriminação no acesso ao emprego adotadas pelas instituições da UE (direito derivado)
e no trabalho (Conv. 100 e 111) e a erradicação do trabalho relativamente à livre circulação de trabalhadores e às
infantil (Conv. 138 e 182). relações individuais de trabalho.
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No âmbito da UE há que considerar ainda a Carta Artigo 1.º


Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Fontes específicas
Trabalhadores de 1989. O contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos
instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho,
2. 4. Fontes Internas assim como aos usos laborais que não contrariem o
princípio da boa fé.
2. 4. 1. O elenco legal
2. 4. 2. Leis do trabalho
Para além da CRP e das outras fontes internas do
DT, o artigo 1º do Código do Trabalho (CT) refere- A designação “leis de trabalho” refere-se as fontes
se a duas fontes específicas do DT. Estas são: os estaduais ou internas, i.e., na perspetiva de AMF “todas as
instrumentos de regulamentação coletiva de normas jurídicas criadas e emitidas pelos órgãos do
trabalho e os usos laborais. Estado dotados de competência para o efeito, o que inclui
as leis ordinárias, os decretos-leis, os decreto-
regulamentares”.
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A “lei do trabalho” mais importante é a Lei nº 7/2009, 2. 4. 3. Os “instrumentos de regulamentação coletiva”


de 12 de Fevereiro, que aprovou o atual Código do
Trabalho (que reviu o CT de 2003). a) Noções gerais

O CT compreende dois livros. O Livro I compreende uma Os instrumentos de regulamentação coletiva abrangem
parte geral (Título I) e o regime do contrato de trabalho os instrumentos de natureza convencional (contratos
(Título II) bem como o direito coletivo (Título III). O Livro coletivos, acordos coletivos, acordos de empresa,
II reúne as normas relativas à responsabilidade penal e acordos de adesão) e os de natureza administrativa
contraordenacional. (portarias de condições de trabalho; portarias de
extensão) bem como as decisões arbitrais.
O CT sofreu importantes alterações em 2011/2012 por
causa do “Memorando de Entendimento” com a Contudo, a doutrina chama a atenção para o facto desta
“Troika” e mais recentemente em função da Agenda categoria abranger instrumentos de regulamentação
para o Trabalho Digno. coletiva negociais e não negociais.

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Instrumentos de regulamentação coletiva não negociais Estes instrumentos “não negociais” podem destinar-
se a alargar o âmbito originário de aplicação de
Entre as fontes estaduais do DT incluem-se, no sistema convenções colectivas e decisões arbitrais (portaria
português, as normas (de regulamentação de trabalho) de extensão), ou ter por objecto a definição directa
emitidas pelo Ministro do Trabalho dentro da das condições de trabalho a praticar em certo sector
competência que por lei lhe está atribuída. (portarias de condições de trabalho).
AMF afirma que “trata-se de atos genéricos da b) Portarias de extensão
Administração – e por isso qualificados como
Instrumentos de regulamentação coletiva não negociais As portaria de extensão ( PE) são instrumentos
(artigo 2º/nº 4 do CT – pelas quais são criadas normas administrativo que visam alargar o âmbito originário
jurídico-laborais aplicáveis às relações de trabalho de convenções coletivas e decisões arbitrais. Esse
dentro de certas categorias de empresas e de efeito pode igualmente ser obtido por meio
trabalhadores, e, por vezes também, com um domínio convencional – o acordo de adesão nos termos do
geográfico limitado (o distrito, por exemplo)”. artigo 504º do CT.
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c) Portarias de condições de trabalho


Uma PE pode ser emitida pelo Ministro do Trabalho
quando existem, no âmbito sectorial e profissional de As portarias de condições de trabalho (PCT) são atos
aplicação de uma convenção coletiva ou decisão administrativo de conteúdo genérico (normativo)
arbitral, empregadores e trabalhadores não emanados pelo Ministro de Trabalho e do ministro da
abrangidos por essa nem por outra convenção ( art. tutela ou responsável pelo sector de atividade (artigo
515º)”. 518º/1 do CT).

A função da PE prende-se com a necessidade de Estamos perante um instrumento de regulamentação


“suprir a inexistência de cobertura convencional de coletiva não negocial que define as condições de
certo universo laboral mediante o aproveitamento de trabalho a aplicar num determinado sector quando não
uma regulamentação pactícia pré-existente” e a seja possível recorrer à portaria de extensão.
efetivação da igualdade de tratamento no domínio
objetivo e ou subjetivo de aplicação da convenção ou A PCT é um “verdadeiro instrumento de intervenção
decisão existente. Ver o artigo 514º/2 do CT. regulamentar administrativa”.

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d) Convenções colectivas de trabalho O objetivo principal das convenções é de fixar as condições


de trabalho (salários, carreira profissional, férias, duração
i) Noção de trabalho, regime disciplinar) que hão de vigorar para as
categorias abrangidas.
Uma convenção colectiva de trabalho (CCT) é um
instrumento de regulamentação coletiva convencional Em Portugal, o direito de contratação coletiva encontra
(fruto de uma negociação). A CCT é um “acordo celebrado expressa consagração no texto constitucional – é um direito
entre associações de empregadores e de trabalhadores, ou fundamental dos trabalhadores - competindo o respetivo
entre empresas e organizações representativas de exercício às associações sindicais (nº 3 do Artigo 56º da
trabalhadores”. Ao primeiro a ITCT assumem a designação CRP).
de contrato coletivo e ao segundo caso de acordo coletivo.
A designação acordo de empresa dá-se aos IRCT onde uma ii) A convenção coletiva como acordo normativo
das partes é um só empregador para uma empresa ou
estabelecimento. Ver o disposto no artigo 2º/3 do CT. A CCT tem uma faceta negocial e uma faceta regulamentar.

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Por um lado as CCT resultam de um acordo obtido 2. 4. Os usos laborais


através de negociações entre os interesses coletivos dos
trabalhadores e dos empregadores e geram obrigações A lei inclui no elenco de fontes específicos do DT os
reciprocas patra cada um das partes. “usos laborais que não contrariem os princípios da
boa fé” – ver o artigo 1º do CT.
Por outro lado, a CCT é um ato normativo dado que irá
regular os contratos individuais do trabalho vigentes ou Os usos “são práticas sociais, normais ou tradicionais,
futuros, dentro do seu âmbito de aplicação (artigo 496º definidoras de soluções comuns ou uniformes para
do CT). Consequentemente, tem uma função questões práticas que podem suscitar-se nas relações
regulamentar. de trabalho, e constatáveis pela observação da
realidade do modo por que se desenvolvem essas
relações neste ou naquele sector de actividade e,
sobretudo, nesta ou naquela empresa”.

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2. 5. Hierarquia das fontes Artigo 3.º


Relações entre fontes de regulação
2. 5. 1. A relação entre as fontes internacionais e 1 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho
as fontes internas podem ser afastadas por instrumento de regulamentação
colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o
As fontes internacionais prevalecem sobre as contrário.
fontes internas com a excepção das normas da 2 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho
CRP. não podem ser afastadas por portaria de condições de
trabalho.
2. 5. 2. A hierarquia das fontes internas 3 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho
só podem ser afastadas por instrumento de
As fontes de direito superiores (por exemplo: a lei) regulamentação colectiva de trabalho que, sem oposição
prevalecem sobre as fontes de direito inferiores daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos
(por exemplo: portaria de extensão). Tal deriva do trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias:.
artigo 3º, nº 1, do CT.
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j) Forma de cumprimento e garantias da retribuição, bem como


a) Direitos de personalidade, igualdade e não pagamento de trabalho suplementar;
discriminação; k) Teletrabalho;
b) Protecção na parentalidade; l) Capítulo sobre prevenção e reparação de acidentes de trabalho e
c) Trabalho de menores; doenças profissionais e legislação que o regulamenta;
d) Trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com m) Transmissão de empresa ou estabelecimento;
n) Direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores.
deficiência ou doença crónica; o) Uso de algoritmos, inteligência artificial e matérias conexas,
e) Trabalhador-estudante; nomeadamente no âmbito do trabalho nas plataformas digitais.
f) Dever de informação do empregador;
g) Limites à duração dos períodos normais de trabalho 4 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem
diário e semanal; ser afastadas por contrato individual que estabeleça condições mais
h) Duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o contrário.
5 - Sempre que uma norma legal reguladora de contrato de trabalho
duração mínima do período anual de férias; determine que a mesma pode ser afastada por instrumento de
i) Duração máxima do trabalho dos trabalhadores regulamentação colectiva de trabalho entende-se que o não pode
nocturnos; ser por contrato de trabalho.

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Contudo, o nº 3 do artigo 3º do CT estabelece uma


importante exceção, na medida em que as fontes
de direito inferiores podem ser aplicadas em
detrimento das superiores desde que contenham
um tratamento mais favorável aos trabalhadores
(i.e., apenas em determinadas matérias) e desde
que as fontes de valor superior não se oponham a
tal não aplicação ou afastamento.

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