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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Direito do Trabalho I

⭐ Objeto do Direito do trabalho


Todo o trabalho é objeto do direito do trabalho? Não.

Existe o trabalho enquanto tal e a noção de trabalho pode assumir três sentidos:

1. Sentido amplo – qualquer atividade humana;


2. Sentido específico – por exemplo, quando em casa arrumamos a casa estamos a trabalhar;
3. Sentido restrito – existência de um trabalho subordinado, para terceiro. Este é aquele que
é aproveitado por outrem e dirigido por outrem, que dá ordens e caso o trabalhador não
cumpra é sujeito a sanções disciplinares. Este sentido é o que mais nos preocupa.

Embora estejamos preocupados com o trabalho subordinado, esta não é uma preocupação exclusiva,
existem outras disciplinas que o estudam: economia, sociologia, ciência política; o Direito do trabalho
não se confina ao estudo do trabalho subordinado.

⭐ Experiência laboral portuguesa

Podemos distinguir seis fases distintas:

1) Fase do Direito civil (1834 a 1891);


2) Fase das medidas de proteção (1891 a 1926);
3) Fase corporativa (1926 a 1974);
4) Fase revolucionária (1974 a 1976);
5) Fase da constitucionalização (1976 a 2003);
6) Fase da codificação (2003 em diante).

⭐ Conceitos introdutórios

i) Trabalhador (ou operário) – sujeito que se contra numa posição de sujeição;


ii) Empregador/patrão (a legislação foge a este último termo)/entidade empregadora –
quem exerce poderes de direção e paga salários/contribuições/remuneração/retribuição;
iii) Relação de trabalho – trabalho/retribuição; empregador/empregado. De acordo com MC,
o conceito de relação é insuficiente para explicar a realidade jurídica e por isso se defende
uma situação jurídica laboral que acabe por enquadrar estas relações.

⭐ Direito Europeu do Trabalho

O Direito europeu apresenta-se como visando um sistema de princípios e de normas, em crescente


concatenação e que não pode ser isolado por setores. O seu manuseio deve ser feito em conjunto e
não apenas diploma a diploma, enxertado numa OJ que não os produziu.

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⇒ Fontes europeias:

A base é constituída pelo Tratado da União Europeia (TUE) e pelo Tratado de Lisboa (2007). O art.
6º/1 desse Tratado reconhece os direitos, liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia (CDFUE) de 7 de novembro de 2000. O Tratado de Lisboa aprovou
ainda o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

No TFUE relevam:

a) Art. 2º;
b) Arts. 28º a 34º.

Na CDFUE relevam:

a) Art. 8º - proteção dos dados pessoais;


b) Art. 12º - liberdade de reunião e associação;
c) Art. 15º - liberdade de emprego e direito a trabalhar;
d) Art. 16º - liberdade de empresa;
e) Art. 21º - não discriminação;
f) Art. 23º - igualdade entre mulheres e homens;
g) Art. 27º - direito das trabalhadores e dos trabalhadores à informação e a ser consultado;
h) Art. 28º - direito à negociação e à atuação coletiva;
i) Art. 29º - direito ao acesso a serviços de emprego;
j) Art. 30º - proteção no caso de despedimento injustificado;
k) Art. 31º - condições de trabalho justas e equitativas;
l) Art. 32º - proibição de trabalho infantil e proteção dos jovens no trabalho;
m) Art. 33º - vida familiar e profissional;
n) Art. 51º - âmbito de aplicação;
o) Art. 52º - alcance e interpretação dos direitos e dos princípios.

Distinta da CDFUE é a Carta Social Europeia, adotada pelo Conselho da Europa em 18 de outubro
de 1961 e por último modificada em 3 de setembro de 2001.

o Direito derivado:

Em execução dos Tratados básicos ou fontes primárias, foram produzidos múltiplos instrumentos
relevantes: regulamentos e diretrizes. Relevância para o Regulamento 492/2011 de 5 de abril, relativo
à livre circulação dos trabalhadores na União.

As diretivas procuram aproximar e harmonizar. Foi introduzido um elemento de interpretação que é


o elemento de interpretação conforme com norma da diretiva comunitária.

A legislação nacional pode ser interpretada conforme com a norma diretiva comunitária, e a norma
da diretiva comunitária pode, por sua vez, ser interpretada conforme com o Direito primário da UE.

o Evolução substantiva e jurisprudência:

(a) Num primeiro momento, os tratados europeus estavam preocupados apenas com a livre
circulação dos trabalhadores; este ponto, em conjunto com a liberdade de estabelecimento e

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com a livre circulação de capitais, constituía o tríptico básico do “mercado comum das
origens”;
(b) Num segundo período, o legislador europeu assimilou regras básicas de igualdade, de não
discriminação e de reconhecimento das habilitações; estavam em jogo questões de
concorrência;
(c) Seguiu-se um terceiro estádio em que entraram em cena questões sociais; de novo, o problema
da concorrência teve o seu peso: os países ricos do norte ficariam em desvantagem quando,
no sul, mercê de salários baixos, de más condições de trabalho e de escassos apoios sociais,
fosse possível produzir mais e mais barato;
(d) Finalmente, o Direito do trabalho acolheu os valores civis da primazia da pessoa humana:
direitos fundamentais, direitos de personalidade e múltiplos esquemas de proteção, que
passam a valer por si, foram-se radicando.

Na concretização do Direito europeu e na evolução substantiva que se apontou, a jurisprudência


europeia – fundamentalmente do TJUE – tem um papel decisivo. Podem apontar-se duas razões nesse
sentido:

1) Em termos teóricos, os textos europeus, na encruzilhada de negociações entre ordens jurídicas


milenárias, surgem desapoiados e, por vezes, em contradição com os Direitos dadores; faltam
apoios jurídico-científicos que, num primeiro momento, lhes confiram um conteúdo útil: as
decisões concretas permitem um desenvolvimento apoiado que, de outro modo, faltaria;
2) Na prática, os textos em causa, sujeitos a pressões contraditórias dos Direitos territoriais e
oriundos de compromissos linguísticos, podem ser tomados de vários modos; a decisão do
tribunal é clarificadora e chega a assumir uma dimensão constitutiva.

⇒ Princípios laborais europeus:

No Direito europeu do trabalho operam, desde logo, os princípios europeus gerais, presentes no art.
5º TUE:

o Competência limitada – a União só pode intervir nos domínios que o TUE lhe atribui; falta a
Kompetenz-Kompetenz, isto é, o poder para ela própria decidir da sua competência;
o Subsidiariedade – nos domínios de competência repartida, a União só legisla quando os EM
não o tenham eles próprios efetuado, de modo a atingir os escopos europeus;
o Proporcionalidade – a União não deve ir para além do estritamente requerido pelo Tratado;
todavia, o Tribunal Europeu interpretou latamente este princípio, permitindo à União legislar
quando, em face de situações complexas, não seja clara a necessidade de intervenção (TJUE
10-dez-2002, C-491/01);
o Transversalidade – os diversos princípios manifestam-se nas várias disciplinas, não se
acantonando a um núcleo original.

Para além destes princípios gerais, temos princípios laborais específicos:

 Liberdades fundamentais – de trabalho, de associação, de gestão empresarial;


 Política social;
 Igualdade de tratamento;
 Reforço do mercado interno.

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Apesar de ser difícil criar-se, por exemplo, um Código do Trabalho Europeu, a verdade é que há
princípios que são comuns a todos os Estados, como o da liberdade de circulação dos trabalhadores
e o da igualdade.

Na base da Carta de Direitos Fundamentais da UE, podemos reter como princípios laborais:

 Princípio da tutela dos dados pessoais (art. 8º) e da vida familiar e pessoal (art. 33º);
 Princípio da liberdade de associação e de reunião (art. 12º);
 Princípio da liberdade individual e coletiva, no campo laboral (arts. 15º, 16º, 27º e 28º);
 Princípio da não discriminação, em especial perante os géneros (arts. 21º, 23º e 29º);
 Princípio da estabilidade do vínculo laboral (art. 30º);
 Princípio da defesa das condições de trabalho (art. 31º), em especial de crianças e jovens (art.
32º).

O TFUE permite ainda referenciar:

 Princípio da livre circulação (arts. 45º a 48º);


 Princípio da liberdade (art. 56º);
 Princípio da política social efetiva (arts. 151º a 157º).

Na concretização destes princípios, a jurisprudência europeia é decisiva. Ela própria age em termos
que permitem, hoje, elaborar “princípios” de concretização judicial, que importa referir:

 Princípio da maior eficácia possível – tendo em conta os objetivos da UE, há que dar aos
direitos fundamentais um largo âmbito de concretização;
 Princípio da interpretação restritiva das regras de exceção;
 Princípio do entendimento lato de trabalhador – à partida, o TJUE considera trabalhador a
pessoa que, durante um determinado período, preste a sua atividade a outra, sob a direção
desta e a troco de uma retribuição. Não é obstáculo o facto de certas profissões não serem
reconhecidas nalguns EM, por contrariedade aos bons costumes (assim, foi havida como
trabalhadora uma prostituta cujas prestações são remuneradas).
 Princípio do entendimento lato de retribuição – foram consideradas pelo TJUE como
retribuição: pagamentos anuais especiais, subsídios de Natal, viagens, trabalho
extraordinário, subsídios de maternidade, compensações pelo termo do contrato, prestação
de seguros sociais.

FONTES LABORAIS

As fontes laborais podem classificar-se através da conjugação de dois critérios: o critério da origem
do ato normativo no Direito interno ou no Direito internacional; e o critério da natureza comum ou
do carácter especificamente laboral. No âmbito das fontes laborais específicas, deve ainda atender-se
ao critério da sua origem num ato de autorregulação ou de heterorregulação de interesses. Da
conjugação destes critérios, retiramos o seguinte:

 Fontes internacionais – Direito Internacional e Direito Social da União Europeia.

 Fontes internas comuns – Constituição, lei e legislação em particular, costume e usos e, ainda,
como fonte mediata, a jurisprudência e doutrina.

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 Fontes laborais internas específicas (arts. 1º e 2º CT) – enquanto modos específicos de


revelação de normas laborais.

i. Fontes específicas autónomas: englobam instrumentos de regulamentação coletiva do


trabalho de índole convencional.

a) Convenção Coletiva de Trabalho, nas suas várias modalidades – contrato


coletivo de trabalho (CCT), acordo coletivo de trabalho (ACT) e acordo de
empresa (AE).

b) Acordo de adesão (AA), previsto nos arts. 2º/2 e 504º.

c) Deliberação arbitral em processo de arbitragem voluntária, prevista nos arts.


2º/2 e 506º e ss.

ii. Fontes específicas heterónomas: correspondem a instrumentos de regulamentação


coletiva do trabalho de índole não convencional. Têm a natureza de regulamento
administrativo.

a) Portaria de extensão (PE), prevista nos arts. 2º/4 e 514º e ss. CT.

b) Portaria de condições de trabalho (PCT), prevista nos arts. 2º/4 e 517º.

c) Deliberação arbitral em processo de arbitragem obrigatória ou necessária,


prevista nos arts. 2º/4 e 508º e ss. CT.

No contexto das fontes específicas, há uma dupla relação de subsidiariedade entre os diversos
instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho:

i. Só se recorre à regulamentação coletiva por via administrativa na ausência de convenção


coletiva de trabalho (art. 515º CT); e a entrada em vigor de uma convenção coletiva de trabalho
afasta a aplicação, no respetivo âmbito de incidência, de um instrumento de regulamentação
coletiva do trabalho administrativo existente.

ii. No âmbito dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho não convencionais, a


portaria de condições de trabalho é subsidiária em relação à portaria de extensão (art. 517º/1).

⭐ Fontes do Direito do Trabalho


1. Constituição laboral

Os princípios constitucionais mais importantes têm a categoria de direito, liberdade e garantia,


prevista no art. 18º CRP. A tutela dos mesmos desenvolve--se em três vertentes: na aplicação direta e
imediata destas normas; na sua imposição imediata a entes públicos e privados; e na limitação ao
mínimo de restrições que lhes sejam impostas, e sempre com salvaguarda do seu conteúdo essencial.

Para além disto, é de referir que a matéria dos direitos dos trabalhadores, das associações sindicais e
das comissões de trabalhadores constitui limite material de revisão – art. 288º/e) CRP.

Classificação dos princípios constitucionais de incidência laboral:

i. Critério do reporte dos princípios a todos os trabalhadores – normas como a que reconhece
a liberdade de escolha profissional (art. 47º), o direito ao trabalho (art. 58º/1), o direito de

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acesso a cargos públicos (art. 50º/1), a liberdade de circulação de trabalhadores e de


emigração (art. 44º), e alguns direitos reconhecidos no art. 59º, tais como o direito à reparação
de acidentes de trabalho – ou apenas aos trabalhadores subordinados – princípios como o
da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos
político-ideológicos (art. 53º), a maioria dos princípios enunciados no art. 59º, no que se
reporta à retribuição, ao tempo de trabalho ou às férias, e, bem assim, os direitos e princípios
de incidência coletiva, como o direito à constituição de comissões de trabalhadores (art. 54º),
o princípio da liberdade sindical (art. 55º), o direito à negociação coletiva (art. 56º) ou o direito
à greve. Ainda no âmbito de aplicação dos princípios a trabalhadores subordinados, é de
referir que, apesar de, regra geral, estes se aplicarem tanto a trabalhadores do setor público
como privado (já que a CRP os qualifica como trabalhadores – art. 269º), pode surgir a
necessidade de introduzir uma distinção entre estas duas categorias de trabalhadores, na
medida em que a Lei Fundamental admite algumas restrições aos direitos fundamentais
destes últimos (art. 270º).

ii. Critério da incidência dos princípios na área do direito das situações laborais individuais
– como o da segurança no emprego (art. 53º), o da igualdade de tratamento ou do “trabalho
igual, salário igual” (art. 59º/1 a)), direitos relativos ao salário mínimo, à conciliação da vida
privada e profissional, a boas condições de trabalho, ao repouso e ao lazer, às situações de
incapacidade para o trabalho, desemprego, de maternidade e paternidade ou à formação
profissional (art. 59º) – ou na área do direito das situações laborais coletivas – princípios
relativos à liberdade sindical e à contratação coletiva, à greve e ao lock-out ou às comissões de
trabalhadores.

iii. Critério da natureza precetiva ou programática dos próprios princípios – estas


caracterizam-se pelo facto de a sua estatuição ser dirigida ao Estado; e aquelas caracterizam-
se pelo facto de serem de aplicação imediata, isto é, podem ser invocadas pelos particulares.
Por um lado, o incumprimento pelo Estado de normas programáticas pode suscitar uma
questão de inconstitucionalidade (designadamente, uma inconstitucionalidade por omissão).
Por outro lado, associado às normas precetivas que atribuem direitos fundamentais,
encontra-se um problema jurídico geral, o da eficácia civil ou horizontal dos direitos
fundamentais.

⇒ A importância da Constituição na hierarquia das fontes laborais e a eficácia civil dos


direitos laborais fundamentais:

Os princípios que a Constituição consagra revelam importância a três níveis:

i. A nível legislativo, porque condicionam genericamente a produção normativa


infraconstitucional.

ii. A nível de interpretação e aplicação das normas laborais, porque funcionam como critérios
gerais nessa interpretação

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iii. No que toca às normas precetivas, pelo vigor da sua imposição a entes públicos e privados,
suscita-se a vexata quaestio da eficácia horizontal ou privada das normas constitucionais.

⇒ O problema da eficácia civil dos direitos laborais fundamentais:

A questão da eficácia civil ou horizontal dos direitos fundamentais consagrados na Constituição


reside em saber se e até que ponto é que estes direitos, originariamente concebidos como
prerrogativas dos cidadãos perante o Estado, podem também ser invocados no contexto de vínculos
jurídicos de natureza privada e entre sujeitos privados. São de referir as três correntes de pensamento
na doutrina nacional:

 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – defendem que a eficácia dos direitos


fundamentais no âmbito dos vínculos particulares deve ser semelhante à que têm perante
entes públicos, na medida em que o art. 18º estabelece imediata vinculação quer de entes
públicos quer de privados.

 JORGE MIRANDA – admite a eficácia direta/imediata dos direitos fundamentais apenas


naqueles vínculos privados em que uma das partes detenha uma posição de poder ou de
autoridade e com base no argumento de identidade de razão com os vínculos públicos.

 MENEZES CORDEIRO – tem uma posição mais restritiva, considerando que a eficácia civil
dos direitos fundamentais não é direta mas carece necessariamente da mediação de
princípios gerais, como os princípios da boa-fé e do abuso de direito, não só pela natureza
privada dos entes jurídicos em questão e dos interesses em jogo, mas também pelos riscos de
utilização disfuncional que uma posição demasiado aberta sobre esta matéria pode envolver.

Para PALMA RAMALHO, o tema em discussão importa uma análise em dois planos:

i. Em relação dos denominados direitos fundamentais de incidência laboral, coloca-se a


questão de saber se e até que ponto as normas constitucionais que os consagram podem ser
diretamente invocadas nas relações entre particulares e podem ser diretamente aplicadas
pelos tribunais num contexto privado.

A Prof. defende que podem ser invocados no vínculo de trabalho todos os direitos fundamentais dos
trabalhadores que revistam natureza precetiva, quer na área regulativa coletiva quer se reportem ao
contrato de trabalho. Esta invocação reveste especial interesse em relação aos direitos que não tenham
sido objeto de desenvolvimento infraconstitucional, tal como sucede com o “trabalho igual, salário
igual” (art. 59º/1 a)).

ii. Relativamente aos direitos fundamentais que assistem ao trabalhador e ao empregador, não
nessa qualidade mas enquanto pessoa ou cidadãos, coloca-se a questão de saber se e até que
ponto eles se podem impor no âmbito do contrato de trabalho e em que medida pode ser
limitado o respetivo exercício pelo vínculo laboral.

A propósito e para efeitos da celebração de contrato de trabalho, têm sido debatidos os seguintes problemas:

 A questão da admissibilidade de inquirição do trabalhador sobre matérias do seu foro íntimo,


pessoal ou familiar, ou sobre convicções políticas ou religiosas;

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 A admissibilidade de certos métodos de recrutamento;

 Especificamente, em matéria de saúde, a questão da admissibilidade de certos exames, de


despistagem de certas doenças, e da formulação de questões ou da realização de testes de
gravidez no processo de recrutamento;

 A questão das discriminações na contratação em razão do sexo, da origem, raça ou outro


fundamento;

 Problemas conexos com o tratamento de dados pessoais dos trabalhadores.

A propósito da execução dos contratos de trabalho, são colocados as seguintes questões, de âmbito geral e
especial:

 Em geral, o problema da possibilidade de imposição ao trabalhador de condutas que possam ir


contra os seus direitos fundamentais (como obrigador médico católico a fazer aborto ou obrigar
judeu a trabalhar no dia de descanso semanal). Correlativamente, a admissibilidade desses
direitos pelo trabalhador perante o empregador como causa de justificação para o não
cumprimento dos deveres contratuais;

 Em especial, a questão da extensão da tutela do direito do trabalhador à manutenção da reserva


da sua vida privada e da sua intimidade, mesmo no seio da empresa. Correlativamente, a
admissibilidade (ou não) de restrições a esses direitos no contrato de trabalho;

 Em especial, o problema da admissibilidade de controlo do trabalhador por meios de vigilância


à distância, como telemóveis ou câmaras de filmar, especialmente se escondidas ou quando
colocadas em certos locais, como casas de banho;

 Questão geral da possibilidade de impor ao trabalhador quaisquer condutas na sua vida


privada ou que decorram do exercício dos seus direitos pessoais, com fundamento no contrato
(vestir-se de determinada forma, cortar cabelo etc.).

Para efeitos disciplinares e, sobretudo no contexto da cessação do contrato de trabalho, tem sido debatido
pela jurisprudência o problema do relevo de condutas extralaborais do trabalhador para efeitos de
infrações disciplinares e para efeitos de constituição de justa causa para despedimento.

A jurisprudência e doutrina têm afirmado, como princípio geral, a irrelevância das condutas
extralaborais do trabalhador no contrato de trabalho e têm adotado uma posição muito restritiva
relativamente às intromissões do empregador na esfera pessoal do trabalhador. Nesse sentido,
exigem uma conexão objetiva entre as referidas condutas e um dever especificamente laboral ou a
existência de um interesse relevante da empresa que possa ser colocado em perigo por aquelas
condutas.

Dito isto, de acordo com PALMA RAMALHO, a eficácia civil dos direitos fundamentais no domínio
laboral e, designadamente, no contrato de trabalho deve ser reconhecida por uma razão estrutural,
decorrente de dois dos elementos que compõe o vínculo laboral (seja ele público ao privado):

1) Componente de poder (ou subordinação, do ponto de vista do trabalhador). Sendo ele que
justifica, genericamente, a imposição de direitos fundamentais no âmbito de vínculos de
natureza pública, justificar-se-á idêntica aplicação noutros vínculos que contenham idêntica
componente de autoridade. Este argumento vale para o plano i), enunciado acima.

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2) A eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho justifica-se também em função


de uma característica do contrato: o grau de envolvimento da personalidade do trabalhador
no vínculo labora, que decorre da inseparabilidade entre a prestação laboral e a sua pessoa. É,
por força desta componente da pessoalidade, que se impõe assegurar, como princípio geral, a
regra da preservação dos direitos fundamentais que assistem ao trabalhador, enquanto pessoa
e cidadão, no contexto do seu contrato. Este argumento vale para o ponto ii) referido acima.

Fixado o princípio geral, há que refletir sobre a admissibilidade de restrições a estes direitos, no
contexto do contrato de trabalho. Os limites aos direitos fundamentais dos trabalhadores podem ser:

1) Limites imanentes – limites inerentes a qualquer direito, já que nenhum direito é absoluto.
Uma vez ultrapassados, os limites imanentes reconduzem a situações de abuso de direito (art.
334º CC). Não pode um trabalhador invocar o direito à vida privada quando teve relações
sexuais num local de trabalho e foi descoberto por alguém que espreitou pela fechadura (neste
sentido, Palma Ramalho; contra, Menezes Cordeiro que defende os atos sexuais merecem
sempre tutela, pelo direito à intimidade da vida privada).

2) Limites extrínsecos – decorrem do relevo de outros interesses ou direitos que entram em


colisão com os direitos dos trabalhadores. Esta colisão deve ser tratada nos termos gerais –
art. 335º CC: com a cedência recíproca e equilibrada dos direitos em confronto ou através da
prevalência recíproca e equilibrada dos direitos em confronto ou através da prevalência do
direito correspondente ao interesse que, no caso concreto, seja superior. Aqui falamos em
direitos fundamentais do empregador, tais como o direito de propriedade sobre a empresa
(art. 62º CRP) e o direito de livre iniciativa económica (arts. 80º/c) e 86º CRP) ou mesmo
direitos de personalidade do empregador, se este não for uma empresa. Ex: a liberdade de
imagem do trabalhador tem, em alguns casos, de se conjugar com o direito à imagem da
empresa – ex: o caixa de um banco não pode usar o pin de um banco concorrente, o jogador
de futebol não pode receber cotas dos sócios ostentando uma t-shirt de outro clube. Na mesma
linha, se a conduta fora do local de trabalho não tem relevo, pode exigir-se, em nome dos
interesses da organização, a realização de um teste de gravidez a uma trabalhadora técnica de
radiologia. Também se pode despedir um professor condenado por pedofilia ou um caixa de
supermercado por ter furtado noutro estabelecimento e condenado por isso. Da mesma forma,
será legítimo a um médico recusar-se a realizar um aborto, por ser católico; mas não poderá
invocar essas razões se tiver concorrido a uma clínica vocacionada para esse fim. Noutra
perspetiva, alguns destes direitos deverão ceder em “organizações de tendência”: 1. O
sacristão de uma paróquia católica que professa outra religião; 2. O partido político de
determinada linha ideológica pode cessar o contrato de trabalho de um funcionário porque
este é militante de um partido de ideologia oposta.

3) Limites voluntários – limites que decorrem da vontade do próprio trabalhador ou do acordo


entre o trabalhador e o empregador, exarado no contrato de trabalho. Para resolução de
problemas colocados por este tipo de restrições, conjugar o art. 18º CRP e 81º CC: uma vez
admitida a eficácia privada dos direitos fundamentais, qualquer pacto ou declaração do
trabalhador no sentido de restrição destes direitos fundamentais tem de reduzir-se ao mínimo
e deve deixar intocado o núcleo essencial daqueles direitos, sob pena de invalidade; por outro
lado, quando estejam em causa direitos de personalidade, poderá aplicar-se o art. 81º CC,
admitindo-se a revogação da declaração de renúncia ou de limitação destes direitos a todo o
tempo e unilateralmente pelo trabalhador, sem prejuízo de um eventual dever de indemnizar.

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NOTA: ler acórdão TC 306/2003, nomeadamente, declarações de voto quanto aos art. 17º (não
confundir art. 19º).

2. Fontes Internacionais e Comunitárias

O Direito Internacional e as organizações laborais internacionais

De acordo com o art. 8º CRP, as fontes externas do Direito do Trabalho têm origem no Direito
internacional geral, no Direito internacional convencional e no Direito comunitário. Podemos referir
inúmeros instrumentos convencionais:

 A Declaração Universal dos Direitos do Homem;

 O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos;

 O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais;

 A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (ex: arts. 4º e 11º). Opõe os indivíduos ao
Estado, pelo que não há a possibilidade de julgar comportamentos horizontais, i.e., entre
particulares.

 A Carta social Europeia – consagra um conjunto amplo de princípios e direitos de incidência


laboral nas seguintes matérias: direito ao trabalho, direito a boas condições de trabalho e à
dignidade no trabalho, direito à segurança e higiene no trabalho; direito a uma remuneração
justa, direitos sindicais, direito à negociação coletiva, direito à proteção na maternidade,
direito à orientação profissional e à formação profissional; direito à segurança social; direito à
proteção social dos trabalhadores migrantes; direito à igualdade de oportunidades e de
tratamento no emprego e na profissão e proibição das discriminações de género e das
discriminações por razões ligadas às responsabilidades familiares, direito à proteção no
despedimento, direito à proteção dos créditos dos trabalhadores em caso de insolvência,
direito à proteção dos trabalhadores representantes de outros trabalhadores.

A carta social europeia não foi integrada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, porque
tem caráter político e porque a adoção de uma política com caráter social poderia criar resistência por
parte dos países do bloco ocidental.

O valor/eficácia da carta tem sido reafirmada pelo próprio Direito interno que acaba por ceder. Aliás,
há normas programáticas e vinculativas; estas são suficiente por si, daí que se possam aplicar e façam
o Direito interno ceder.

OIT – organismo de competência especializada junto da ONU; funciona em moldes tripartidos, já


que conta com a participação das estruturas de representação dos trabalhadores e dos empregadores,
a par da representação do Governo de cada país membro. A OIT tem aprovado instrumentos
normativos, essencialmente, de dois tipos:

a) Recomendações dirigidas aos Estados-membros e sem caráter vinculativo;


b) Convenções abertas à ratificação dos Estados membros e com caráter vinculativo.

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O Direito Social da União Europeia

O DUE releva como fonte laboral tanto ao nível de:

 Direito primário – são fontes de Direito do trabalho, desde que observados os requisitos do art.
8º/2 CRP: Tratado da Comunidade Europeia (tratado de Roma); TUE e TFUE; Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia, que tem valor idêntico aos tratados, por força do art. 6º TUE.

 Direito secundário/derivado – regulamentos e diretivas, bem como ainda resoluções,


recomendações e decisões. O Direito secundário é apurando na OJ interna nos termos do art. 8º/3,
situando-se estas normas imediatamente abaixo da CRP e acima da lei ordinária. É ainda de
relembrar que as diretivas carecem de transposição enquanto os regulamentos são de aplicação
direta.

Ideias de força do Direito Social da União Europeia:

 Princípio da livre circulação de trabalhadores – arts. 45º e ss. TFUE

Este princípio tem como escopo os trabalhadores subordinados com exclusão da Administração
Pública; a circulação de trabalhadores independentes é baseada nas normas comunitárias sobre o
direito de estabelecimento e a livre prestação de serviços.

O princípio da livre concorrência desenvolve-se em dois aspetos essenciais: numa regra geral de não
discriminação entre trabalhadores em função da nacionalidade, no que se refere ao acesso ao
emprego, ao tratamento remuneratório e às condições de trabalho; e em direitos atinentes ao acesso
ao emprego noutro Estado membro, e de deslocação e permanência, para esse efeito, nesse Estado.

 Direito à formação profissional – art. 162º TFUE

Com o objetivo de promoção de emprego e aumento de produtividade nos EM, foi criado o fundo
social europeu. Disciplinado por diversas decisões e regulamentos comunitários, o Fundo dá apoio
financeiro a iniciativas de formação de emprego e de reinserção profissional, com o objetivo de criar
a estabilidade do emprego, criação de postos de trabalho e adaptação dos trabalhadores às
tecnologias.

 Direito a boas condições de vida e de trabalho dos trabalhadores – arts. 151º e ss. TFUE e art.
31º CDFUE. Entre os instrumentos normativos mais significativos nesta área temos:

 Diretiva 89/39, relativa à proteção da saúde dos trabalhadores em geral.

 Diretiva 92/85/CEE, relativa à proteção da saúde e de condições de trabalho das


trabalhadoras grávidas puérperas e lactantes dependentes e independentes.

 Princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens e a


proibição da discriminação em geral – arts. 119º TCEE e 57º TFUE.

i. Igualdade entre mulheres e homens – a base primária deste princípio foi o art. 119º que
estabeleceu o princípio de igualdade de remuneração entre trabalhadores e trabalhadoras
por trabalho igual ou de valor igual. Hoje, o Direito europeu cobre um conjunto de áreas,
objeto de desenvolvimento.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

A nível de fontes primárias:

 No TUE, normas sobre o princípio geral da igualdade entre homens e mulheres – art. 2º e
3º/3 consagram princípio enquanto objetivo fundamental.

 TFUE, no que diz respeito a normas com incidência direta no plano social, prevê o
princípio de igualdade de oportunidades e de condições de trabalho entre homens e
mulheres (art. 153º/1 i)), que estabelece a subsidiariedade dos regimes comunitários em
relação a regimes nacionais mais favoráveis (nº 4) e que admite a aprovação de atos
normativos comunitários; e o princípio da proibição das discriminações remuneratórias
entre homens e mulheres (art. 157º, ex art. 119º).

 CDFUE, o art. 23º e o art. 33º/2 que consagra o direito à conciliação entre a vida
profissional e familiar.

A nível de fontes secundárias: atualmente, podemos dizer que estas matérias foram quase todas
transpostas para o CT (arts. 23º e ss. e 30º e ss., respetivamente para as regras gerais em matéria de
igualdade e para a disciplina da igualdade de género, e arts. 33º e ss., quanto às regras de tutela da
maternidade e da paternidade). O art. 2º alíneas b), d) e o) do diploma preambular ao CT dá nota da
transposição das diretivas.

Apenas a Diretiva sobre igualdade de género no acesso e no fornecimento de bens e serviços foi
transposta por diploma avulso (L nº14/2008 de 12 de Março), bem como a Diretiva sobre igualdade
de género nos regimes profissionais de segurança social (DL nº307/797 de 11 de Novembro).

ii. Princípio geral da não discriminação – art. 19º/1 TFUE estabelece o princípio geral da
não discriminação em razão do sexo, da raça ou origem étnica, do credo ou das convicções,
da deficiência, e da idade. É considerado um princípio transversal, por força do art. 10º do
mesmo tratado e reforçado pelo art. 21º/1 da CDFUE.

Verificou-se um desenvolvimento deste princípio no plano do Direito secundário. A transposição


destas Diretivas foi também assegurada pelo CT (art. 2º alíneas i) e j) do Diploma preambular), que
regula atualmente estas matérias nos art. 23º e ss. Já em relação à matéria da discriminação no acesso
e no exercício do trabalho independente, tratada nas Diretivas 2000/43, 2000/78 e 2006/54, a
transposição para o direito interno foi efetuada pela L. nº3/2011, de junho.

 Os contratos de trabalho especiais e outras situações laborais especiais – nesta área, destacam-
se diretivas sobre o trabalho a termo, trabalho a tempo, trabalho dos jovens e trabalho de
deficientes. Portugal procedeu à transposição das diretivas sobre o contrato de trabalho a termo,
a tempo parcial, bem como sobre o trabalho dos jovens, diretamente no CT (art. 2º c), f) e h do
diploma preambular ao CT.

 Tutela dos trabalhadores perante vicissitudes do empregador ou da empresa – estão em causa


diretivas relativas a insolvência, despedimento coletivo e transmissão do estabelecimento da
empresa. Todas estas diretivas foram transpostas e, atualmente, constam do CT (art. 2º g) e l) do
diploma preambular ao CT).

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

 Promoção da negociação coletiva e do diálogo social ao nível europeu – arts. 154º e 155º TFUE –
foram aprovadas inúmeras diretivas com o objetivo de assegurar a informação e a consulta dos
trabalhadores, bem como a sua representação nas empresas de dimensão europeia. As mesmas
foram transpostas para o Direito interno por leis avulsas e em momentos diversos. Atualmente, a
Diretiva sobre os Conselhos de Empresa Europeus, por remissão do CT (art. 12º/6 do diploma
preambular), está prevista num diploma especial, opção que se coaduna melhor com a
especificidade da matéria e escassíssima aplicação prática da figura no contexto nacional. No que
toca às diretivas sobre representação dos trabalhadores nas sociedades anónimas ou cooperativas
europeias, a sua transposição foi feita pelo DL nº215/2005 de 13 de Dezembro e pela L. nº8/2008
de 18 de Fevereiro, respetivamente.

RESUMINDO: As bases jurídicas da UE foram aprovadas pelo Tratado de Lisboa e constam de dois
instrumentos: o Tratado da União Europeia (TUE) e o Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia (TFUE). No TUE, encontramos o artigo 6º/1 que reconhece a Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia.

3. Fontes internas comuns: em especial o CT e demais legislação laboral

As especificidades da produção normativa no domínio laboral

⇒ O direito de consulta e de participação dos trabalhadores e dos empregadores na elaboração


de leis laborais; a legislação laboral negociada:

Para efeitos de delimitação deste direito, o CT define legislação laboral como a que “regula direitos e
obrigações dos trabalhadores e empregadores, enquanto tais, e as suas organizações” – art. 469º/1
CT. O art. 469º/2 concretiza o conceito em moldes exemplificativos.

É de referir que, de acordo com PR, o conceito de legislação laboral constante desta norma se afigura
limitativo, pelo que se justifica uma interpretação ampla do conceito, nos seguintes termos:

o A noção de legislação do trabalho constante do art. 469º/1 tem um alcance limitado por duas
razões:

i) Nem todas as normas laborais configuram direitos e obrigações dos trabalhadores e


empregadores, mas não faz sentido isentar as normas procedimentais nem as
disposições técnicas do direito de participação dos trabalhadores e empregadores na
respetiva elaboração;

ii) O recurso aos conceitos de trabalhador e empregador parece reduzir o reconhecimento


do direito de participação apenas aos sujeitos laborais em sentido próprio, deixando
de fora trabalhadores para-subordinados ou trabalhadores públicos, não sujeitos ao
CT. Ora, a leitura literal parece não ser conforme com a CRP, uma vez que o direito de
participação é reconhecido em termos amplos e, ainda por cima, no âmbito da
categoria de direito, liberdade e garantia. Para além de que a questão é uma “não
questão” hoje em dia, visto que a LGTFP consagra expressamente tal direito de
participação – arts. 15º e ss.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

o Em segundo lugar, deve salientar-se o caráter exemplificativo do art. 469º/2 CT. São
abrangidas outras matérias não referidas, tais como matérias de segurança social, quando se
reportem ao sistema contributivo ou a regimes profissionais de segurança.

o Por último, o próprio termo “legislação” não deve aqui ser reconduzido ao conceito de lei
formal, mas deve ser interpretado em moldes amplos, de forma a abranger não só atos
legislativos da AR, como também atos normativos das AR dos Açores e Madeira, projetos de
Decreto-Lei do Governo da República e dos Governos regionais. Para este sentido amplo
aponta o art. 470º CT.

O direito de participação na elaboração de leis foi reconhecido aos trabalhadores, através das
comissões de trabalhadores e das associações sindicais, na qualidade de representantes – arts. 54º/5
d) e 56º/2 a) CRP.

O direito de participação é reconhecido às comissões de trabalhadores – art. 423º/1 d) CT – e às


associações sindicais e às associações de empregadores – art. 443º/1 c).

Quanto à natureza da participação no processo de elaboração de legislação laboral, esta tem caráter
meramente consultivo – o art. 475º vai nesse mesmo sentido. Contudo, a participação não deixa de
constituir um mecanismo dotado de vigor: por um lado, pelas consequências que decorrem do seu
desrespeito, no que toca a trabalhadores; por outro, pela generalização da denominada “legislação
laboral negociada”.

O modo de exercício deste direito encontra-se regulado nos art. 470º ss CT. É de salientar:

1) A participação dos representantes no processo de elaboração da legislação laboral deve ter


lugar durante o prazo de apreciação pública dos projetos normativos, que tem a duração
mínima de 30 dias, ou de 20 dias em caso de urgência – art. 473º CT.

2) Para efeitos do exercício de apreciação pública, o CT estabelece um conjunto de regras


relativas ao anúncio e à publicação oficial dos projetos de diploma – art. 472º CT.

O anúncio e a publicação correspondem a momentos procedimentais distintos:

 Quanto à publicação do projeto, o que está em causa é o dever de informar (e não uma mera
faculdade) as entidades dos trabalhadores e empregadores para que estes possam exercer
efetivamente o seu direito de participação. O dever de informação condiciona o direito de
participação: é um dever instrumental para a existência de um material e real direito de
participação. Cabe então perguntar qual o grau de informação: bastarão as grandes linhas do
diploma ou deve ser publicado o próprio articulado? Considera Luís Gonçalves da Silva que só
existe um respeito pelo direito de participação se for dado a conhecer um projeto concreto. A
violação deste dever, por impedir o direito de participação, atinge valores inconstitucionais,
pelo que deverá gerar inconstitucionalidade das normas que advenham desse projeto.

 Quanto ao anúncio da referida publicação, a sua finalidade é clara: a de permitir que os


interessados tenham conhecimento que existe uma apreciação pública sobre certa matéria e
que possam encontrar os projetos numa determinada publicação. Também esta norma será
instrumental face à participação, na medida em que permite conhecer a possibilidade de
exercer o direito (de participação). O que equivale a dizer que ela tem o efeito de melhorar o
mecanismo da participação ao avisar que existe um projeto que carece de apreciação.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Será que a violação desta regra (de anúncio) poderá gerar inconstitucionalidade? Não; se é
verdade que estamos perante uma regra instrumental para um melhor exercício da participação,
é igualmente verdade que não é essencial, porque não coloca em causa a efetividade do direito de
participação. Ou seja, não impossibilita a participação, porque os textos são na mesma publicados
nos jornais dos respetivos órgãos emissores. Estará em causa apenas a violação de uma regra legal,
pelo que o seu desrespeito deve ser qualificado como uma ilegalidade.

3) A participação dos trabalhadores e empregadores neste processo pode revestir duas formas:
audição pública solicitada pelos representantes dos trabalhadores ou dos empregadores junto
da Assembleia da República ou dos Governos regionais; ou emissão de parecer escrito sobre
os projetos de diploma em apreciação – art. 474º CT.

No que diz respeito às consequências da violação do direito de participação na elaboração da


legislação laboral, cabe distinguir a situação dos trabalhadores e empregadores.

 Desrespeito pelo direito de participação dos representantes dos trabalhadores gera


inconstitucionalidade do ato normativo em questão, no seu todo, ou com referência às normas
que não tenham sido objeto de apreciação pública (art. 277º/1 CRP).

 Desrespeito pelo direito de participação dos representantes dos empregadores gera


ilegalidade e não inconstitucionalidade, uma vez que este direito não foi objeto de
consagração constitucional.

⇒ Legislação laboral negociada – art. 471º CT

O costume (“prática social reiterada com convicção generalizada de obrigatoriedade”) tem hoje em
dia escassa importância como fonte do Direito do trabalho, uma vez que a lei tende a regular com
extensão e minúcia os mais diversos aspetos. Pode, eventualmente, falar-se em costume contra legem,
mas a generalidade dos direitos que advinham do costume estão hoje regulados, pelo que não se
contrariam.

Os usos laborais – art. 1º CT (“práticas reiteradas não acompanhadas de convicção de


obrigatoriedade”1) – são relevantes quando a lei assim o determine e desde que não contrariem a boa-
fé. Em termos gerais, os usos são reconduzidos à categoria de fonte mediata de normas jurídicas, por
não terem relevância autónoma: a sua atendibilidade depende da mediação da lei e esta mediação
não é genérica mas concreta.

 Conceito de usos laborais: práticas reiteradas das empresas, desde que relacionadas com as
situações laborais existentes no seu seio, e as práticas profissionais, mas também apenas na
medida em que estas práticas se devam considerar extensíveis ao desempenho daquela
profissão no regime laboral.

 Por força desta norma, a atendibilidade aos usos é genérica, uma vez que o seu relevo
decorre desta norma geral, não carecendo de norma legal específica. Mas nada obsta a que

1MENEZES CORDEIRO: o uso traduz-se numa prática social reiterada: (i) a atuação deve ter uma extensão mínima, sendo
adotada por diversos membros da comunidade; (ii) deve ter certa antiguidade, i.e., não basta que haja repetição da conduta,
mas esta repetição tem de ser estável no tempo. Distinção prática: quando se lida com costume, lida-se com uma norma
imperativa; o recurso ao uso traduz-se numa norma supletiva, i.e., quando as partes remetam para ela ou quando não a
afastem.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

outras normas laborais reiterem a relevância dos usos para determinados efeitos em concreto
(é o que sucede, por exemplo, com o regime jurídico da retribuição – arts. 258º/1, 260º/3 a) e
272º/1 CT).

 Quanto aos critérios de atendibilidade dos usos laborais, basta que estes não contrariem a
boa-fé. Esta formulação coloca o problema de inserção dos usos na hierarquia das fontes e o
problema da sua relação com os contratos de trabalho. De acordo com PR, os usos não devem
prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário e, na mesma linha, também não
prevalecem sobre disposição do regulamento interno com conteúdo negocial, porque esta
pressupõe que os trabalhadores sobre ela se tenham podido pronunciar, podendo tê-la
afastado2. Por fim, podem os usos ser afastados pelos instrumentos convencionais de
regulamentação coletiva de trabalho (já que estes correspondem a autorregulação laboral). No
que respeito à relação dos usos com a lei, parece decorrer da formulação da norma que o uso
pode afastar normas legais supletivas, mas nunca uma norma imperativa.

 Quanto ao critério para a sedimentação dos usos laborais ao nível do período temporal, a
jurisprudência tem adotado o critério da frequência da reiteração do comportamento –
comportamentos reiterados suscetíveis de justificar a confiança adquirida pelos
trabalhadores.

4. Fontes internas específicas

Autónomas | Instrumentos de regulamentação coletiva convencionais

♢ Convenção coletiva de trabalho – “acordo entre um empregador ou uma associação de empregadores


e uma ou mais associações sindicais, em representação dos trabalhadores membros, com vista à regulação
das situações juslaborais individuais e coletivas, numa determinada profissão ou setor de atividade e
numa certa área geográfica ou empresa”.

As convenções coletivas de trabalho podem agrupar-se em duas grandes categorias. E, dentro de cada
uma dessas categorias, há diversas modalidades de CCT que são determinadas com recurso a dois
critérios: (i) critério dos entes laborais outorgantes da convenção coletiva de trabalho; (ii) critério da
área de incidência da própria convenção coletiva. Assim:

1. Categoria geral, aplicável aos entes laborais comuns e regulada pelo CT, cujas modalidades são,
de acordo com o critério (i) e com base no art. 2º/3 CT:

 Contratos coletivos de trabalho (CCT) – convenções coletivas de trabalho celebradas


entre associações sindicais e associações de empregadores.

 Acordos coletivos de trabalho (ACT) – convenções coletivas de trabalho celebradas


entre associações sindicais e uma pluralidade de empregadores, para um conjunto de

2 Ainda no que toca à relação entre usos e contrato de trabalho: importa ter em conta a natureza e os efeitos dos próprios
usos, porque deles podem surgir direitos ou expectativas legítimas. Assim, p.e., se a retribuição de uma determinada
empresa é calculada com base em certos critérios habituais na empresa, e a alteração posterior determinar uma diminuição
da retribuição, estaremos perante um direito dos trabalhadores com origem nos usos, que deve ser tutelado nos termos
gerais da tutela da retribuição. Mas se estivermos perante uma prática reiterada da empresa em dar bónus aos trabalhadores
(liberalidade), estamos perante um uso, mas dele não se retiram direitos para os trabalhadores porque esta prática reiterada
não deixa de corresponder a uma liberalidade (que pressupõe sempre vontade). No geral, é difícil distinguir os usos das
liberalidades concedidas aos trabalhadores. De acordo com RM, a diferença poderá, eventualmente, residir no animus que
preside a tal concessão.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

empresas. Distinguem-se dos CCT pela natureza dos outorgantes patronais, que são
os empregadores e não as respetivas associações.

 Acordos de empresa (AE) – convenções coletivas de trabalho celebradas por


associações sindicais e um empregador, para uma empresa ou estabelecimento.
Modalidade mais especializado e que se destina à regulação das situações juslaborais
no âmbito de uma única empresa ou estabelecimento.

Por outro lado, se tivermos em conta o critério do âmbito substancial de aplicação das convenções
coletivas de trabalho (ii), distinguem-se as convenções coletivas horizontais – aplicáveis a uma
determinada profissão ou categoria profissional – e as convenções coletivas verticais – aplicáveis num
determinado setor de atividade económica (art. 481º CT).

2. Categoria especial, destinada a operacionalizar o processo de negociação coletiva articulada,


estabelecido no diploma que regula os vínculos de trabalho em funções públicas (LGTFP, arts.
13º e 137º e ss.).

 Acordos coletivos de carreira – aplicáveis a uma carreira ou conjunto de carreiras,


independentemente dos órgãos ou serviços onde os trabalhadores exerçam funções.

 Acordos coletivos de empregador público – aplicáveis no âmbito de um único


empregador público.

A previsão destas modalidades especiais de convenção coletiva de trabalho pretendeu conjugar a


existência de um verdadeiro sistema de contratação coletiva para os trabalhadores da Administração
Pública que exerçam as suas funções em regime de contrato de trabalho com as especificidades
inerentes à qualidade pública do respetivo empregador e aos interesses públicos prosseguidos. Para
esse efeito, foi criado um sistema de negociação coletiva especial, denominado negociação coletiva
articulada, que passa por uma repartição das matérias entre as convenções dos diferentes níveis e por
um relacionamento diferente entre estes instrumentos – art. 14º LGTFP.

♢ Acordo de Adesão (AA) – arts. 2º/2 e 504º CT – contrato celebrado por uma entidade
(associação sindical, associação de empregadores ou empregador) que não foi outorgante na
convenção coletiva e que pretende que esta se lhe aplique. A entidade interessada celebra o
acordo de adesão para obter a extensão do âmbito de aplicação da convenção coletiva.

A função do AA é assim a de permitir o alargamento do âmbito de incidência das convenções


coletivas de trabalho para lá da esfera dos outorgantes originários. Embora seja um instrumento de
regulamentação coletiva convencional, a liberdade negocial que nele se manifesta não é total, porque
deste acordo não pode resultar modificação do conteúdo da convenção coletiva de trabalho (art.
504º/3). Há liberdade de celebração, mas não de estipulação.

Tendo em conta o disposto no art. 504º/3, coloca-se a dúvida de saber se pode haver uma adesão
parcial: do preceito resulta que, por via da adesão, não pode haver modificação do conteúdo da
convenção coletiva, mas nada impede que, existindo partes autonomizáveis, a adesão seja parcial,
sem abranger situações que não se adaptem ao aderente, não alterando o respetivo conteúdo.

♢ Decisão Arbitral

Focar-nos-emos na deliberação de arbitragem voluntária – arts. 2º/2 e 505º e ss. CT. O objeto da
arbitragem laboral (definido em termos exemplificativos e bastante amplos no art. 506º CT) é
qualquer diferendo sobre a interpretação ou a aplicação de uma convenção coletiva de trabalho, que

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

os respetivos outorgantes tenham acordado em submeter a este processo de jurisdição voluntária,


comprometendo-se ainda a aceitar a deliberação final que os árbitros sobre ele venham a tomar. A
decisão de arbitragem em si é, na verdade, uma deliberação, porque é tomada por um colégio arbitral
(arts. 505º/2 e 507º/2).

NOTA: à partida, parece correto afirmar que a deliberação arbitral não constitui um instrumento de
regulamentação coletiva do trabalho convencional em sentido próprio, na medida em que não é uma
autorregulamentação direta mas antes o resultado de um mecanismo de resolução pacífica de um
conflito laboral (neste caso, atinente à interpretação e aplicação de uma convecção coletiva de
trabalho). Contudo, podemos afirmar que a DA é uma fonte de DT em sentido próprio, por motivos
de:

i. Ordem formal – é qualificada pela lei como tal (art. 2º/2 CT);

ii. Ordem material – cria regras dotadas de generalidade e abstração, nos mesmo termos em que
o são as cláusulas das convenções coletivas de trabalho (art. 505º/1,2 e 3).

Deliberação de arbitragem obrigatória e necessária – arts. 2º/4 e 508º e ss. CT.

A grande diferença entre deliberação de arbitragem obrigatória e a deliberação de arbitragem


voluntária não reside nas deliberações em si mesmas, mas nas motivações do recurso a esta forma de
arbitragem e na natureza do processo de arbitragem.

i. Enquanto a instauração do processo de arbitragem voluntária depende do acordo das partes


(art. 506º), o processo de arbitragem obrigatória é da iniciativa do Ministro responsável pela
área laboral, a requerimento de qualquer das partes envolvidas no conflito ou na sequência
de recomendação da Comissão Permanente da Concertação social (art. 508º/1).

ii. Do ponto de vista da motivação, a arbitragem obrigatória tem lugar nas condições definidas
pelos art. 508º e 509º, i.e., verificando-se uma situação de impasse negocial na celebração ou
revisão de uma convenção coletiva de trabalho, tendo-se esgotado outros mecanismos de
resolução desse conflito (conciliação e a mediação) e na falta de acordo das partes em submeter
o conflito a arbitragem voluntária (art. 508º/1 a)).

A deliberação de arbitragem necessária destina-se especificamente a ultrapassar impasses na


contratação coletiva determinados pela caducidade de uma convenção coletiva de trabalho, não
adequadamente substituída pelas partes durante o lapso de tempo de 12 meses, não havendo também
outra convenção coletiva aplicável a, pelo menos, 50% dos trabalhadores do universo laboral em
questão (art. 510º).

Heterónomas | Instrumentos de regulamentação coletiva não convencionais (não negociais)

♢ Portaria de extensão (PE) – trata-se de um instrumento de regulamentação coletiva através


do qual o Governo (por intermédio do ministro responsável pela área do emprego e trabalho
e, em alguns casos, com o Ministro da tutela do setor de atividade – art. 514º/1 e 2 CT)
determina o alargamento do âmbito de aplicação de uma convenção coletiva de trabalho ou
de uma deliberação arbitral a empregadores que não subscreveram inicialmente a convenção,

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

assim como a empregadores não filiados na associação de empregadores vinculadas pelo


IRCT e a trabalhadores não sindicalizados nas associações sindicais outorgantes.

Note-se que a extensão só vale no que respeita à parte regulativa da CCT ou da decisão arbitral e não
em relação à parte obrigacional (neste sentido, RM; em sentido contrário, LGS).

Condições cumulativas de emissão de portarias de extensão:

 Art. 514º/1 e 2 – os empregadores e trabalhadores estarem integrados, respetivamente, no


mesmo setor de atividade e profissional ao qual é aplicável a convenção coletiva de trabalho
a estender.

 Art. 515º CT – não pode haver uma convenção coletiva aplicável naquele setor de atividade e
profissional.

 Art. 514º/2 CT – ocorrerem circunstâncias económicas e sociais que justifiquem a extensão,


nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações a que se venha
a aplicar a convenção, por via da PE. É de referir a ampla margem de discricionariedade que
este tipo de juízo envolve, pelo que há que pôr em causa este requisito (PR).

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2012 vem definir os critérios mínimos, necessários e
cumulativos a observar no procedimento para a emissão de PE, tendo em conta o disposto no art.
514º/2 e 515º CT:

a) A extensão deve ser requerida por, pelo menos, uma associação sindical e uma associação de
empregadores outorgantes;

b) O pedido de extensão deve indicar, designadamente:

i. O âmbito geográfico, de acordo com a Nomenclatura Comum das Unidades


Territoriais Estatísticas (NUTS);

ii. O âmbito profissional, de acordo com a Classificação Portuguesa de Profissões


(CPP/2010);

iii. O setor de atividade ou subsetores de atividade abrangidos pela extensão, nos termos
da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE);

iv. O âmbito pessoal, nomeadamente, o tipo de empresas a abranger, de acordo com a


classificação prevista no art. 100º CT;

v. Caso seja pretendida, a limitação do âmbito de aplicação apenas às relações de


trabalho existentes entre empregadores outorgantes ou empregadores filiados na
parte empregadora subscritora da CCT e trabalhadores ao seu serviço não filiados em
associação sindical.

c) Nos casos previstos nas subalíneas i) a iv) da alínea anterior, a parte empregadora subscritora
da CCT deve ter ao seu serviço, pelo menos 50% dos trabalhadores do setor de atividade, no
âmbito geográfico, pessoal e profissional de aplicação pretendido;

d) O disposto na alínea anterior não é aplicável quando o pedido de extensão exclua as micro,
pequenas e médias empresas.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Para além disto, a Resolução determina que os projetos de PE são publicados no Boletim do Trabalho
e Emprego, para efeitos de dedução de oposição, no prazo máximo de 30 dias a contar da receção dos
respetivos requerimentos.

Determina ainda que a eficácia retroativa da extensão das cláusulas de natureza pecuniária constantes
da CCT não pode exceder o 1.º dia do mês da publicação da PE no DR.

Competência para emissão de PE: em regra, a competência é do Ministro com a tutela da área laboral
(516º/1), sujeita embora a requerimento. Contudo, se qualquer interessado manifestar oposição
fundamentada em relação à extensão (que se deve manifestar no prazo de 15 dias sobre a publicação
do projeto de PE), a competência para a emissão da PE passa a ser conjunta do Ministro com a área
do trabalho e do Ministro da tutela da área de atividade (art. 516º/1 e 3).

ROMANO MARTINEZ entende ainda que a PE não poderá determinar a extensão a trabalhadores
ou empregadores filiados noutro sindicato ou associação de empregadores; é necessário que sejam
não sindicalizados (neste sentido, RM e MC e ainda Ac. RLx de 21/04/1999; em sentido contrário,
LGS). Admitindo-se que a extensão do IRCT pode abranger trabalhadores filiados em outra
associação sindical, estar-se-ia a pôr em causa a autonomia contratual desse sindicato, cuja liberdade
negocial ficaria coartada: se um determinado sindicato não quis negociar e celebrar aquela CCT, ou
não pretendeu, depois de esta estar celebrada, aderir a esse instrumento, quer isso dizer que ele tinha
alguma objeção relativa a essa CCT.

Já LUÍS GONÇALVES DA SILVA defende que a PE, no que à sua eficácia pessoal diz respeito, tanto
pode abranger os trabalhadores e empregadores não filiados em qualquer associação, como pode
abranger trabalhadores e empregadores filiados em associação não outorgante do instrumento
aplicável. Não lhe parece que este entendimento afete a liberdade sindical ou ponha em causa outros
valores, pois, desde logo, é preciso recordar que os sujeitos que queiram celebrar uma CCT o podem
fazer, tendo como efeito a sua celebração a cessação imediata da aplicação da PE aos destinatários do
IRCT (art. 484º).

♢ Portaria de condições de trabalho – 2º/4, 517º e 518º CT – através desta portaria, o Ministro
responsável pela área laboral e o Ministro que tutela o setor de atividade em causa
estabelecem a regulamentação coletiva para um determinado setor de atividade e profissional
no qual não haja regulamentação coletiva de origem convencional, quando não seja viável o recurso
à extensão administrativa de convenções coletivas de trabalho em vigor, e não exista
associação sindical ou de empregadores. Tem um caráter excecional.

A questão do regulamento da empresa

De acordo com PALMA RAMALHO, o regulamento da empresa deve ser considerado uma fonte de
Direito do Trabalho em sentido técnico e material (embora não em sentido formal, na medida em que
a lei não a integra no elenco das fontes laborais), por força do caráter geral e abstrato das suas
disposições.

Como observa MENEZES CORDEIRO, o facto de o regulamento interno ser referido na lei a propósito
da formação do contrato de trabalho e dos poderes laborais, apenas significa que este instrumento

20
Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

normativo retira a sua força jurídica de outras fontes e, nessa medida, é de reconduzir à categoria de
fonte mediata de regras laborais.

Quanto ao lugar do regulamento de empresa na hierarquia das fontes laborais, este não poderá
contrariar normas legais nem dispor contra as convenções coletivas de trabalho; mas, como norma
escrita, ele prevalece sobre os usos.

o Artigo 99º CT (Regulamento Interno de Empresa)

Parte da doutrina entende que os regulamentos internos não são fonte de direito e, como tal, não pode
constituir uma forma de formação e revelação de normas jurídicas (nomeadamente, RM).

O poder de emitir regulamentos no âmbito da empresa é, na sistematização das posições ativas do


empregador, conhecido pelo poder regulamentar do empregador. A questão que se coloca a
propósito deste poder é o de saber se o mesmo tem autonomia em relação ao poder de direção e ao
poder disciplinar. O poder regulamentar existe na justa medida em que o contrato de trabalho e as
normas que o regem o permitem e tem fundamento na existência de uma relação laboral e versa sobre
a organização e disciplina do trabalho. Tratam-se fundamentalmente de disposições que emanam do
poder de organizar a empresa e, portanto, correspondem a regras de natureza organizatória, bem
como a regras de disciplina. PALMA RAMALHO entende que o poder regulamentar é reconduzido
a uma manifestação do poder diretivo, mas igualmente do poder disciplinar.

O exercício do poder de emitir regulamentos previstos no art. 99º CT deve respeitar as regras
contratuais, bem como outras disposições imperativas que enformam o conteúdo do contrato de
trabalho. Sempre que constem do regulamento interno da empresa normas que extravasem os
limites do contratualmente admitido ao empregador podemos ter uma proposta negocial,
formulada pelo empregador, para efeitos do disposto no art. 104º CT.

Os regulamentos internos de empresa podem implicar deveres de conduta por parte dos
trabalhadores, pelo que o seu conhecimento através da publicitação é essencial à sua eficácia. Esta
publicitação é condição de eficácia não só no momento da emissão do regulamento, mas igualmente
a todo o tempo, ou seja, se um regulamento interna de empresa deixa de estar afixado e, em
consequência, deixa de ser suscetível de conhecimento por parte dos trabalhadores, o mesmo deixa
de ser eficaz e, portanto, insuscetível de vincular os trabalhadores.

Para PALMA RAMALHO, o regulamento de empresa revela duas facetas previstas no CT de 2009:

i. A primeira delas é a faceta negocial, a qual possui a função de integrar o conteúdo do


contrato laboral no contexto da sua formação, conforme se extrai do n.º 1 do art. 104º.

ii. A segunda é a faceta normativa, disposta no art. 99º, a qual, no contexto da posição
jurídica do empregador, autoriza este a elaborar regulamentos internos contendo regras a
respeito da organização e disciplina do trabalho.

Nessa segunda faceta, o regulamento de empresa é uma manifestação dos poderes diretivo e
disciplinar do empregador, o qual vincula este às disposições que aprovou.

Em virtude dessa função normativa do regulamento da empresa, o empregador irá efetuar de modo
geral e abstrato determinações de caráter heterónomo à coletividade dos trabalhadores,
determinações estas que poderia fazer em concreto para cada trabalhador.

21
Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

É justamente nessas determinações que reside o ponto de encontro entre a temática do poder
regulamentar do empregador e a questão da desobediência do trabalhador: as regras constantes no
regulamento de empresa podem assumir o caráter de ordens ou instruções a respeito da organização
e disciplina do trabalho. E, conforme dispõe a alínea “e” do nº 1 do art. 128º do CT, cumpre ao
trabalhador obedecer-lhes.

Analogicamente, de acordo com a exceção constante no referido dispositivo legal, pode-se afirmar
que o trabalhador deve obediência a tais determinações gerais constantes no regulamento da empresa
desde que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias.

Consequentemente, caso alguma determinação prevista no regulamento de empresa ofenda algum


direito ou garantia do prestador da atividade laboral, essa será ilegítima, sendo legítima a recusa do
trabalhador a cumpri-la.

Visando a evitar essa ofensa de direitos e garantias do trabalhador é que a lei estabelece formalidades
para a elaboração do regulamento interno, as quais estão disciplinadas nos números 2 e 3 do artigo
99º.

o Artigo 104º CT (Contrato de Trabalho de Adesão):

Do art. 99º CT resulta que do regulamento interno podem constar dois tipos de regras:

i. As que correspondem à concretização da atividade laboral, no exercício do poder de


direção do empregador;

ii. As disposições que interferem no conteúdo do contrato de trabalho. Estas respeitam à


formação do contrato de trabalho e têm relevância para efeitos do art. 104º.

Assim, no regulamento interno podem incluir-se regras funcionais, que respeitam à organização do
trabalho e ao modo funcional da sua realização, que não integram o conteúdo do contrato de trabalho
mas têm de ser respeitadas. Se, por exemplo, do regulamento de um restaurante constar que o acesso
da sala para a cozinha se faz pela porta 1, para evitar que os empregados esbarrem uns nos outros,
esta regra tem de ser cumprida pelos trabalhadores, mas não integra o conteúdo do contrato de
trabalho. De modo diverso, do regulamento interno da empresa, com relevância para o conteúdo do
contrato de trabalho, podem constar regras que determinam o período normal de trabalho e o horário
de trabalho, a categoria e a promoção dos trabalhadores ou que respeitam à retribuição e ao
pagamento de complementos salariais, como os prémios de produtividade.

O empregador pode manifestar a sua vontade negocial mediante a emissão de um regulamento


interno de empresa e o trabalhador manifesta a sua vontade aderindo ao referido regulamento (art.
104º/1).

Quanto à formação do contrato de trabalho com base no regulamento interno de empresa, cabe ainda
distinguir:

i. Se este estava em vigor no momento em que o contrato de trabalho foi celebrado,


passando a integrá-lo. Neste caso, segundo o art. 104º/2, presume-se que o trabalhador
aderiu ao regulamento interno de empresa, pela omissão do trabalhador. Esta presunção
é ilidível, nos termos dos arts. 349º e ss. CC, em especial do art. 350º/2 CC. O silêncio vale
aqui como declaração negocial (art. 218º CC).

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Na medida em que as regras do regulamento interno de empresa integrem o contrato celebrado


mediante adesão, é necessário distinguir entre:

a) Adesão convencional – ocorre quando o trabalhador, ao celebrar o contrato de trabalho,


sendo-lhe dado a conhecer o regulamento interno daquela empresa, através de uma
manifestação de vontade, declara aceitá-lo.

b) Adesão legal (art. 104º/2) – o trabalhador celebra o contrato de trabalho e, perante a sua
omissão relativamente ao regulamento interno de empresa, pressupõe-se que aderiu. O prazo
de 21 dias começa a correr desde o início da execução do contrato, ou seja, a partir do momento
em que o trabalhador começa a trabalhar. Partiu-se do princípio que só a partir dessa altura o
trabalhador estaria em condições de conhecer o regulamento interno de empresa.

Na maioria das situações, os trabalhadores não se pronunciam contra o regulamento interno de


empresa. Mas se o trabalhador se manifestar, por escrito, no prazo de 21 dias, contra o regulamento
interno de empresa, nos termos do art. 104º/2, as suas regras não podem integrar o contrato de
trabalho, porque a ninguém pode ser imposta uma cláusula contratual sem o seu consentimento.

Em tal caso, cabe analisar três soluções:

1) Havendo oposição, o empregador pode aceitar que, àquele trabalhador, não se aplique o
regulamento interno de empresa; não será plausível que o empregador anua, relativamente a
um determinado trabalhador, em não aplicar o regulamento interno de empresa, valendo para
os demais.

2) Perante a recusa do trabalhador, podem as partes renegociar o contrato. Ao renegociar o


contrato de trabalho, nele se incluirão novas regras de forma a que aquele trabalhador, apesar
de não se lhe aplicar o regulamento interno de empresa, fique em situação equiparada à dos
demais, verificando-se uma adaptação do seu contrato à situação concreta.

3) O empregador, perante a recusa do trabalhador em aceitar o regulamento interno de empresa,


denuncia o contrato. Como o trabalhador terá de se opor ao regulamento interno de empresa
nos 21 dias imediatos ao início do trabalho, quer dizer que, em princípio, se encontra no
período experimental. No período experimental, nos termos do art. 114º CT, o empregador
pode pôr termo ao contrato sem aviso prévio e sem invocar justa causa e sem indemnização.
Isto não se verifica no caso de se tratar de um contrato de trabalho a termo certo, por prazo
inferior a 6 meses, em que o período experimental é de 15 dias (art. 112º/2 b)), mas não sendo
viável resolver o contrato, pode o empregador, no fim do termo, opor-se à sua renovação (art.
344º).

ii. Se o regulamento foi aprovado depois de concluído o contrato de trabalho. Neste caso,
o regulamento interno de empresa corresponderá a uma proposta de modificação do
contrato de trabalho, que carece de aceitação. No art. 104º/2 admite-se que a aceitação
possa produzir efeito por via do silêncio, pois presume-se a aceitação.

Se o trabalhador, no prazo de 21 dias, se pronunciar por escrito contra o regulamento interno de


empresa, este não o vincula. Como, por princípio, a ninguém podem ser impostas regras no domínio
contratual sem o seu consentimento, se o trabalhador recusar o novo regulamento interno de

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

empresa, o contrato de trabalho mantém-se inalterado, ao valendo o referido regulamento com


respeito àquele trabalhador.

Neste caso não haverá fundamento para resolução do contrato de trabalho.

Aplica-se à formação do contrato de trabalho por adesão a regulamento interno de empresa o diploma relativo às
cláusulas contratuais gerais?

A resposta encontra-se no art. 105º CT.

⭐ Interpretação e Aplicação das Normas Laborais

Questão prévia: Princípio do favor laboratoris:

Prof. PALMA RAMALHO: as primeiras normas de Direito do Trabalho decorreram da insuficiência


das normas civis para responder às questões particulares colocadas pela prestação de um trabalho
em situação de subordinação, já que, apesar da posição formal de igualdade das partes no contrato
de trabalho, aquelas normas civis não tinham impedido a degradação das condições de trabalho e de
vida dos trabalhadores, em resultado da sua real inferioridade económica perante o empregador.

Ora, o reconhecimento desta situação esteve na origem da convicção de que os sistemas laborais estão
vocacionados para a tutela dos trabalhadores. Este quadro permitiu o desenvolvimento do princípio
do tratamento mais favorável ao trabalhador que vem responder à tal exigência de uma igualdade
efetiva e não meramente formal dos particulares e, consequentemente, para a necessidade de proteger
a parte mais fraca nos negócios jurídicos privados, sempre que se imponha tal proteção para atingir
ou repor aquela igualdade substancial.

Do ponto de vista de incidência, este princípio manifestou-se tradicionalmente:

 Na interpretação das fontes laborais e do contrato de trabalho, em que é ponderado o valor


da proteção do trabalhador na fixação do sentido das normas e cláusulas do contrato, em caso
de dúvida;

 Na conjugação das fontes laborais, onde se manifesta em regras de favorecimento dos


trabalhadores, como a regra da irredutibilidade dos direitos adquiridos em caso de sucessão
de fontes, a regra da escolha do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho mais
favorável em situações de concurso e na escolha do regime aplicável em caso de conflito de
normas laborais no espaço;

 Na relação entre as fontes laborais e o contrato de trabalho, onde são propostas soluções de
limitação da liberdade negocial que garantem a tutela dos trabalhadores.

O recurso a este princípio pressupõe duas operações prévias destinadas a balizar a intervenção do
mesmo:

1ª condição prévia ao exercício do princípio do favor laboratoris – este só pode atuar se e na medida
em que a norma o permita, o que depende da natureza da mesma:

a. Normas laborais supletivas – admitem afastamento em qualquer sentido;

b. Normas laborais imperativas – não admitem afastamento nenhum;

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

c. Normas laborais imperativas mínimas – estabelecem um nível mínimo de tutela, na medida


em que admitem um afastamento por fonte inferir bem como por contrato de trabalho, mas
apenas no sentido que mais favoreça o trabalhador.

Esta classificação das normas laborais permite fixar o âmbito de incidência do princípio do favor
laboratoris: ele apenas atua relativamente à categoria das normas imperativas mínimas, já que as
normas supletivas permitem o afastamento em qualquer sentido e as normas imperativas absolutas
não podem ser afastadas em sentido algum. Dito isto, as normas imperativas mínimas constituem a
categoria normativa mais abrangente no seio das normas laborais.

2ª condição prévia à atuação do princípio favor laboratoris tem incidência na matéria de conflitos de
fontes e consiste na comparação das fontes em presença para efeitos da verificação da mais favorável.
Em especial, quando estão em causa instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho em
situação de concorrência ou de sucessão.

a. Teoria do cúmulo (Raúl Ventura): comparação dos instrumentos regulamentação coletiva do


trabalho norma a norma, a fim de determinar a norma mais favorável em cada caso. O
resultado desta operação permite “reconstruir” o regime aplicável ao trabalhador a partir do
somatório das disposições mais vantajosas de cada uma das fontes em presença.

b. Teoria da conglobação simples: comparação dos instrumentos de regulamentação coletiva do


trabalho em bloco; feita a comparação, optar-se-á pelo instrumento normativo considerado
globalmente mais favorável.

c. Teoria da conglobação limitada (Menezes Cordeiro): comparação dos instrumentos de


regulamentação por grupos de normas incindíveis e a respetiva concatenação (assim, p.e.,
podem comparar-se as normas relativas à retribuição mas devem associar-se a esta
comparação outros efeitos patrimoniais do contrato).

Posição de Palma Ramalho: por um lado, a teoria do cúmulo contraria a lógica do sistema de
negociação coletiva que é, por definição, um sistema global de cedências mútuas (para além de que
quebra a unidade normativa das fontes analisadas). Por outro, a teoria da conglobação simples peca
pelo excesso de abstração do critério de comparação e pelo subjetivismo de resultados a que conduz.
Será a última a teoria preferível, sendo que a operação de comparação deve ter em conta os interesses
em jogo, ou seja, tanto os interesses dos trabalhadores destinatários dos regulamentos, como os
interesses laborais coletivos relevantes (admite-se uma diminuição da retribuição se tal impedir a
redução de postos de trabalho na empresa).

Ou seja, para MENEZES CORDEIRO e PALMA RAMALHO, não temos um princípio do tratamento
mais favorável ao trabalhador enquanto regra geral interpretativa, mas existem normas no nosso
ordenamento que se destinam a tutelar o trabalhador. Assim, primeiro temos de verificar qual seria
o escopo da norma e, nos casos em que a norma/instituto jurídico em causa tem subjacente a proteção
do trabalhador, faríamos uma interpretação de acordo com o tratamento mais favorável ao
trabalhador; se essa lógica não estiver subjacente, deve recorrer-se à regra geral do art. 9º CC.

Posição de Romano Martinez: o favor laboratoris deve ser hoje entendido numa perspetiva histórica,
sem uma aplicação prática; o Direito do trabalho não foi estabelecido para defender os trabalhadores
contra os empregadores, ele existe em defesa de um interesse geral, onde se inclui toda a
comunidade. Assim, as normas de Direito do trabalho – nas quais se inclui a parte regulativa dos

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

instrumentos coletivos – quanto à interpretação, regem-se pelas regras gerais do art. 9º CC, e não há
que recorrer, nem sequer em situações de dúvida, a uma interpretação mais favorável ao
trabalhador, pois nada na lei permite tal conclusão.

O favor laboratoris no Código do Trabalho: apreciação geral

o Relação entre normas legais e contrato de trabalho – art. 3º/4 CT

Os contratos de trabalho só podem afastar as normas legais para estabelecer um regime mais
favorável para o trabalhador e desde que das referidas normas legais não resulte a impossibilidade
de afastamento (normas imperativas absolutas).

o Relação entre os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e o contrato de trabalho


– art. 476º CT

Nesta matéria, a lei permite que o contrato de trabalho se afaste do regime disposto pela convenção,
mas apenas para estabelecer um regime mais favorável para o trabalhador.

o Relação entre fontes de diferente valor hierárquico. No que toca à relação entre as normas legais
e os instrumentos de regulamentação coletiva, temos três regras que constam do art. 3º:

 nº1  a regra geral continua a ser a da supletividade das normas legais em relação aos
instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, que podem assim afastar a lei para
dispor tanto em sentido mais favorável como em sentido imenso favorável, exceto no caso
de a norma ser absolutamente impossível.

 nº2  desta regra geral continua excetuada a portaria de condições de trabalho, que não
pode afastar o regime legal.

 nº3  nas matérias enunciadas neste número, as convenções coletivas apenas podem
afastar as normas legais se estiverem reunidas duas condições: i) que as normas legais não
sejam absolutamente imperativas; ii) e que o regime a estabelecer seja mais favorável aos
trabalhadores.

o Sucessão de convenções coletivas de trabalho – art. 503º/3 CT

A nova convenção coletiva apenas pode reduzir os direitos adquiridos ao abrigo da anterior
convenção se tiver um caráter globalmente mais favorável. Mantém-se a regra da irredutibilidade das
posições adquiridas na contratação coletiva.

o Conflitos de normas laborais no espaço – arts. 7º/1 e 8º/1 CT

Ambos os artigos referem expressamente o princípio como critério a ter em conta na escolha do
regime laboral aplicável a estes trabalhadores, que prevalece sobre as normas nacionais.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

MENEZES CORDEIRO faz contraposição entre favor laboratoris (favor do trabalhador) – que exprime
um princípio do tratamento mais favorável do trabalhador – e o favor laboris (favor do trabalho) – que
preconiza a valoração da situação laboral como um todo. Dito isto, há que discernir, num eventual
princípio do favor laboratoris, quatro níveis diferentes:

 Um princípio de política legislativa – apenas exprime a necessidade de respeitar, na


legislação infraconstitucional, as regras contidas nas leis fundamentais, quando estas visem a
tutela dos trabalhadores.

 Como ditame de interpretação – das duas uma: i) em caso de dúvida na interpretação da


fonte, a escolha da solução mais favorável ao trabalhador é uma projeção interpretativa da
própria fonte, uma vez que esta, sendo laboral, teria já ínsita a mensagem protetora; ii) ou o
favor é verdadeiramente uma regra geral, ou seja, independentemente do sentido concreto de
cada fonte, haveria sempre que ponderar a via mais favorável para o trabalhador, em
derrogação ao art. 9º CC. O prof. MC concorda com a primeira hipótese: “quando uma fonte
vise a prossecução de um objetivo, há que lhe subordinar todas as hipóteses interpretativas”. Mas não
é uma regra geral: só caso a caso e fonte a fonte se poderá dizer qual o seu objetivo e,
consequentemente, quais as suas projeções interpretativas. Apenas quando tais objetivos
compreendessem a tutela do trabalhador se poderia falar em favor laboratoris. Concordar com
o primeiro ponto seria fazer vigorar a interpretação subjetiva e, consequentemente, um
subjetivismo de decisões, logo insegurança jurídica.

 Uma máxima probatória – aqui o princípio do favor laboratoris teria o seguinte significado: “na
dúvida, ter-se-iam por não verificados factos desfavoráveis ao trabalhador”. O prof. regente que as
presunções devem ser retiradas de disposições concretas. Está em causa uma técnica
legislativa que deve ser usada pelo legislador caso a caso, pelo que não faz qualquer sentido
estabelecer como regra geral.

 Uma norma de conflitos – aqui, o princípio favor laboratoris consubstanciar-se-ia no facto de,
numa situação de concurso de fontes laborais, prevalecer a mais favorável aos trabalhadores.

⭐ Conflitos hierárquicos de fontes laborais e relação entre as fontes laborais e o contrato de


trabalho.

⇒ Conflitos hierárquicos de fontes: em especial, a relação entre as normas legais e os


instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho:

Rege esta matéria o art. 3º/1, 2 e 3, estabelecendo a regra da supletividade geral das normas legais
em relação a instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho (exceto no caso da portaria de
condições de trabalho – n.º 2), temperada com os limites do n.º 3.

Foi, assim, afastada a presunção de imperatividade mínima das normas legais perante os
instrumentos de regulamentação coletiva que vigorava no CT anterior. De facto, se faz sentido limitar
a liberdade negocial ao nível do contrato de trabalho pelo requisito da maior favorabilidade, em razão
da natural debilidade negocial do trabalhador subordinado relativamente ao empregador, já não faz
sentido transpor este tipo de raciocínio para o domínio da negociação coletiva, porque as associações
sindicais não estão em posição de inferioridade perante os empregadores. Daí que se faça uma
interpretação restritiva do n.º 3 deste artigo.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Repita-se que as novas regras sobre a relação entre instrumentos de regulamentação coletiva do
trabalho e a lei, são aplicáveis às portarias de extensão, mas não às portarias de condições de trabalho
(n.º 2). Quanto a estas, mantém-se a regra da imperatividade mínima das normas laborais.

Porquê esta distinção?

 A portaria de condições de trabalho corresponde a uma regulamentação administrativa dos


vínculos laborais, pelo que mal se entenderia se este instrumento pudesse afastar a lei,
designadamente para diminuir a tutela que a mesma atribui aos trabalhadores. Tal
possibilidade iria contra as regras da hierarquia normativa, uma vez que, enquanto ato
regulamentar, este instrumento se deve subordinar às fontes de valor superior, como é o caso
da lei.

 Esta argumentação já não valerá para as portarias de extensão, apesar destas também serem
fontes heterónomas e de natureza regulamentar. Deve ser tido em conta o objetivo que
prossegue este instrumento – a uniformização da disciplina dos vínculos laborais num
determinado setor da área de atividade – e, sobretudo, forma como prossegue esse objetivo –
i.e., não através da criação ex novo de uma regulamentação administrativa, mas através da
extensão do âmbito de incidência de um regime convencional coletivo já existente.

A relação entre as fontes laborais e o contrato de trabalho – art. 3º/4 CT

Esta norma estabelece a regra da imperatividade mínima das normas legais perante o contrato de
trabalho, mas esta presunção pode ser afastada pela natureza da norma.

i. A regra geral é a de que a norma legal só pode ser afastada pelo contrato de trabalho para
dispor em sentido mais favorável ao trabalhador

ii. A norma legal pode ser afastada pelo contrato de trabalho em qualquer sentido, se dela
resultar expressamente a sua natureza supletiva (ex: art. 120º/2, 194º/2).

iii. A norma não poderá ser afastada pelo contrato de trabalho em nenhum sentido se dela
resultar a sua imperatividade absoluta (ex: o regime da cessação do contrato de trabalho, nos
termos do art. 339º/1 CT).

No que toca à relação entre os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho e o contrato de trabalho,
rege o art. 476º CT: as disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho só podem
ser afastadas pelo contrato de trabalho num sentido mais favorável ao trabalhador.

⭐ Os Conflitos de Normas Laborais

⇒ Conflitos de leis no tempo:

Quando uma situação jurídica se prolongue no tempo e entre em contacto com, pelo menos, uma lei
velha e uma lei nova, qual delas aplicar?

Em abstrato, são possíveis duas vias de solução:

i. Surgem regras especiais para as situações em causa, dispensando-lhes, diretamente,


um tratamento “misto” adequado à sua materialidade – Direito transitório material;

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

ii. Ocorrem regras de conflitos, as quais, ponderando a situação atingida, determinam a


aplicação ou da lei nova ou da lei velha – Direito transitório de conflitos.

A evolução histórica levou à formulação de princípios gerais de Direito temporal, de cuja conjugação
resulta o regime do Direito temporal:

a) Princípio da não retroatividade (art. 12º CC) – a lei dispõe para o futuro (nº 1). A eficácia
retroativa da lei resulta do facto de esta reger o presente em função de factos passados. Esta
lógica abdica de reger comportamentos humanos, atirando-se um pouco à arbitrariedade.
Existe:
i. Retroatividade forte – não respeita sequer o caso julgado. MC considera esta
retroatividade inconstitucional, com base no art. 282º/3 CRP: se mesmo perante o vício
máximo de inconstitucionalidade o caso julgado é intocável, por maioria de razão
assim será perante uma lei nova.
ii. Retroatividade média – vem reger em matérias de factos passados mas que não
estejam cobertos por uma decisão transitada em julgado. MC considera esta
retroatividade tendencialmente inconstitucional porque corresponde a um confisco;
ela poderá ser admitida quando as posições atingidas forem compensadas nos termos
aplicáveis à “justa indemnização” (art. 62º/2 CRP).
iii. Retroatividade fraca – rege factos presentes mas constituídos ao abrigo da lei velha.
MC entende que esta retroatividade já é admissível, mas com algumas precauções.

b) Princípio do respeito pelos direitos adquiridos (art. 12º/2 1ª parte CC) – importa desde logo
esclarecer que “na dúvida” significa “sempre que não resulte da própria lei que ela visa
mesmo os factos antigos (ou os seus efeitos), assumindo eficácia retroativa, com as
consequências já apontadas”. Este preceito manda atender, na fixação das dimensões
temporais das leis, ao seu objetivo. Quando se trate de regular factos (portanto, as suas
“condições de validade substancial ou formal” ou os “seus efeitos”), ela visa apenas os factos
novos. Este é um preceito que se dirige, basicamente, aos contratos ou fontes de obrigações.

c) Princípio da aplicação imediata da lei (art. 12º/2 2ª parte CC) – este preceito ocupa-se da lei
que venha dispor diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos
factos que lhes deram origem. Ela aplica-se assim às relações já constituídas, que subsistem
à data da sua entrada em vigor. A aplicação deste preceito conduz a manifestações de
retroatividade: a lei rege ignorando os factos passados que justificam a diferenciação que ela
vai suprimir. Em regra, será retroatividade fraca, mas o ponto deve ser verificado, em cada
caso, com apelo aos valores mais avançados permitidos pela CRP.

DIREITOS DE PERSONALIDADE

⭐ Doutrina Geral do Direito de Personalidade

⇒ Os bens de personalidade:

Diz-se “bem” toda a realidade capaz de satisfazer necessidades (sentido objetivo) ou apetências
(sentido subjetivo) da pessoa. Nesse sentido, a própria pessoa representa um “bem”, para si ou para
outros.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Podemos distinguir diversas áreas de bens de personalidade:

i) Ao ser humano biológico – vida, integridade física, saúde, necessidades vitais (sono,
repouso, alimentação, vestuário), etc.;
ii) Ao ser humano moral – integridade moral, identidade, nome, imagem, intimidade,
etc.;
iii) Ao ser humano social – família, bom nome e reputação, respeito, etc.

Como discernir “bens” de personalidade?

Teoricamente, poderíamos ir até ao infinito: direito à vida, direito a respirar, direito a não tapar o
nariz, etc., etc.

A determinação dos bens de personalidade pode operar mercê de diversos fatores: de ordem
histórico-cultural, pragmática ou técnico-jurídica:

 Assim, certos bens de personalidade ocorrem por traduzirem aspetos que, historicamente, já
foram questionados: é o caso típico do direito à vida.
 Outros impõem-se por implicarem domínios concetualizáveis através de expressões
sugestivas: direito ao sono.
 Finalmente, outros marcam presença por envolverem regras jurídicas especializadas no seu
tratamento: direito ao nome.

Releva, depois, a ideia de direito subjetivo: permissão normativa específica de aproveitamento de


um bem. O direito de personalidade é um espaço de liberdade concedido ao sujeito; caso contrário
não seria direito. Assim, por exemplo, o “direito” de educar os filhos, embora eminentemente
pessoal, não é um direito de personalidade, na medida em que traduz um dever.

Tecnicamente – ou não teríamos um direito subjetivo – o direito de personalidade implica uma norma
permissiva. A permissão facultada pelo direito de personalidade é específica e não genérica:

 Assim, excluímos do âmbito aqui em estudo as liberdades, ainda que fundamentais: a


liberdade de expressão não é um direito de personalidade, por envolver uma (mera)
permissão genérica; já o direito a uma determinada carta (à sua confidencialidade) é um
direito de personalidade, pois é uma permissão específica.

⇒ O “direito geral” de personalidade:

Trata-se de uma criação alemã. Destinava-se, no especial ambiente do segundo pós-guerra, a suprir
as limitações da tutela aquiliana dos direitos, apertada entre cláusulas restritivas.

Este “direito geral” parece definido como “o direito subjetivo absoluto à manutenção, inviolabilidade,
dignidade, reconhecimento e livre desenvolvimento da individualidade das pessoas”. Permitindo uma
responsabilização alargada no caso de violação, o “direito geral” de personalidade seria um verdadeiro
direito subjetivo, e funcionaria como um complemento dos direitos fundamentais inseridos na
Constituição.

Atualmente, este “direito geral” está em regressão na Alemanha, desempenhando apenas uma função
de sistematização no âmbito do Direito (objetivo) de personalidade.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

A pressão doutrinária alemã levou a maioria da doutrina portuguesa a acolher o “direito geral”: VAZ
SERRA, ANTUNES VARELA, PAIS DE VASCONCELOS, COSTA GOMES, entre outros. Contra, no
entanto, pronunciaram-se nomes como OLIVEIRA ASCENSÃO, CARVALHO FERNANDES,
GUILHERME DRAY, entre outros.

Realidade portuguesa:

O art. 70º CC reconhece uma proteção geral à personalidade, i.e., ao conjunto dos bens de
personalidade. Na opinião de MENEZES CORDEIRO, tecnicamente não podemos extrair daí um
“direito geral”: teria um objeto indefinido, não se enquadrando na natureza específica que sempre
acompanha qualquer direito subjetivo. Além disso, e sobretudo, é evidente que, perante esse teor
geral e indefinido, não há lugar para uma aplicação pura e simples e comum do regime próprio dos
direitos subjetivos.

Assim, o art. 70º CC, enquanto regra geral de proteção, dá azo aos direitos de personalidade que
correspondem aos bens necessariamente existentes: direito à vida, direito à honra, etc. Trata-se de
figuras subsequentes ao artigo.

Os direitos “especiais” dependem da existência dos bens a que se reportem. Por exemplo, o direito
à confidencialidade de cartas-missivas só surge quando uma carta missiva confidencial seja,
efetivamente, escrita e remetida.

MENEZES CORDEIRO entende que não existe razão para fechar a série dos direitos de
personalidade, não existindo tipicidade; eles dependem da existência de bens de personalidade. Por
exemplo, o direito à confidencialidade de “diários”: teríamos o direito de personalidade “atípico”,
juridificado pelo art. 70º.

Do ponto de vista dos Tribunais, o art. 70º CC assume dois propósitos:

i. Permite uma contextualização e sistematização da matéria;


ii. Surge como fundamento jurídico-positivo do reconhecimento de direitos de
personalidade atípicos.

⇒ Características:

1. Os direitos de personalidade são uniformemente apresentados como direitos absolutos.

Esta expressão tem três sentidos:

i. Eficácia erga omnes – significa que seria o direito oponível a todos. O direito de
personalidade, a ser absoluto, nesta aceção, permitiria ao seu titular exigir a qualquer
pessoa o acatamento de condutas necessárias à sua efetivação. Neste sentido, os direitos
de personalidade não são sempre “absolutos”.

MENEZES CORDEIRO concorda, nesta sede, com KAYSER, que propôs uma distinção, nos direitos
de personalidade, entre os comparáveis a direitos reais (como o direito ao corpo ou ao nome) e os
comparáveis a direitos de crédito (como o direito de respeito pela vida privada ou o direito de
resposta). De facto, os direitos de personalidade distinguem-se pela especificidade do seu objeto e
não pela forma de efetivação.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

ii. Ausência de relação jurídica – esta é a aceção estrutural. Na verdade, o direito de


personalidade típico analisa-se numa permissão de aproveitamento de um bem de
personalidade: não há aqui nenhuma relação configurável entre dois sujeitos.

Todavia, como alerta MENEZES CORDEIRO, existem direitos de personalidade estruturalmente


relativos: embora reportados a bens de personalidade, concretizam-se em situações
pedido/cumprimento, com sujeitos ativo e passivo; é o caso da confidencialidade.

iii. Defesa alargada – resta esta aceção. Independentemente do modo de efetivação ou da


estrutura que apresentem, os direitos de personalidade deveriam sempre ser respeitados
por todos. Disfrutariam, em qualquer caso, de uma tutela aquiliana, caindo na alçada do
art. 483º/1 CC, sendo absolutos a este nível. Os direitos de personalidade, mesmo quando
consubstanciados apenas inter partes, apresentam um objeto estranho ao “devedor”.
Qualquer pessoa os pode violar, incorrendo no dever de não o fazer.

Neste sentido de vocação para uma total cobertura aquiliana, os direitos de personalidade serão
absolutos.

2. Os direitos de personalidade são normalmente apresentados como não patrimoniais.

Neste sentido, não teriam alcance económico, de modo a serem avaliáveis em dinheiro. No entanto,
a afirmação feita, sem mais, não é correta.

A própria lei, a propósito do direito à imagem (art. 79º/1 CC) admite que a mesma seja “lançada no
mercado”. Também o direito ao nome pode ter componentes comerciais: pense-se no nome comercial
ou firma.

Em suma, há já uma disciplina jurídico-científica relativa à comercialização de bens de


personalidade. Podemos assim distinguir:

i. Direitos de personalidade não patrimoniais em sentido forte: o Direito não admite que
os correspondentes bens sejam permutados por dinheiro. É o caso do direito à vida, o
direito à saúde e o direito à integridade corporal.
ii. Direitos de personalidade não patrimoniais em sentido fraco: não podem ser abdicados
por dinheiro embora, dentro de certas regras, se admita que surjam como objeto de
negócios patrimoniais ou com algum alcance patrimonial. É o caso do direito à saúde ou
à integridade física, desde que não sejam irreversivelmente atingidos, nos termos que
regem a experimentação humana.
iii. Direitos de personalidade patrimoniais: representam um valor económico, são avaliáveis
em dinheiro e podem ser negociados em mercado. É o caso do direito ao nome e à imagem,
fruto da atividade intelectual.

3. Uma terceira característica será a dupla inerência.

Desde logo, ele respeita a uma pessoa: não pode, sem quebra de identidade, reportar-se a pessoa
diversa. As hipóteses de “comercialização” de bens de personalidade reportam-se a aspetos
destacáveis do direito mãe: este permanece sempre na esfera da pessoa titular.

32
Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Assim, quando uma pessoa permita que a sua fotografia seja lançada no mercado (art. 79º/1 CC), não
está a alienar, aos possíveis adquirentes de reproduções da mesma, o seu direito à imagem; apenas
permite que, à custa desse direito, se destaquem determinadas parcelas figurativas.

Nos direitos de personalidade, uma primeira vertente de inerência é constituída então pela
intransmissibilidade da sua posição ativa.

O direito de personalidade está ainda indissociavelmente ligado ao seu objeto: ele reporta-se a um
bem de personalidade, atingindo-o onde quer que ele se encontre. O direito atinge o bem, sem
intermediários. Além disso, não é possível alterar o objeto do direito, substituindo-o por outro.
Temos, também por esta via, uma ligação do direito, mas ao objeto.

4. A propósito das (possíveis) características dos direitos de personalidade, segue-se o tema da


prevalência.

Esta coloca-se em dois planos:

i. Os direitos de personalidade prevalecem, havendo conflito, sobre quaisquer outros de natureza


diferente?
ii. Quando concorram entre si, haverá uma hierarquia ou atender-se-á ao mais antigo?

A discussão é lançada pelo problema paralelo que ocorre em direitos reais:

 No tocante ao conflito de direitos de personalidade com quaisquer outros, há uma evidente


apetência de princípio para reconhecer a prevalência aos primeiros. Todavia, nenhuma regra
jurídica a tanto obriga. A jurisprudência apela às regras gerais do art. 335º CC e do conflito
de direitos, ponderando, perante o caso concreto, qual deva levar a melhor.

Podemos, quando muito, adiantar dois vetores:

a) Há direitos de personalidade que nunca podem ser postos em causa: prevalecem, ainda que
em termos funcionais, sobre quaisquer outros. É o caso do direito à vida.
b) A lei não admite certas limitações convencionais aos direitos de personalidade. Os negócios
que a tanto conduzam são nulos, assim se assegurando a prevalência da personalidade.

Estes postulados, na prática, não permitem avançar no sentido de uma apregoada prevalência; caso
a caso, haverá que examinar o regime concretamente aplicável.

⇒ Modalidades:

Os direitos de personalidade assistem aos seres humanos ou pessoas singulares. Mas nem sempre
todos os direitos cabem a cada pessoa. Cumpre assim distinguir entre:

1) Direitos de personalidade necessários – estão presentes desde que exista uma pessoa singular.
Será o caso do direito à vida e à integridade física e do direito à integridade moral3.

3MENEZES CORDEIRO entende que não parece correto reconduzi-los ao nascimento: desde logo, está em aberto a tutela
pré-natal; de seguida, a causa eficiente da sua constituição não é o nascimento, suscetível de ser substituído por qualquer
outro procedimento artificial: ela antes terá de ser procurada na existência de um ser humano, um ser inteligente, capaz de
se autodeterminar em função de uma ideia de dever-ser; daí que considere estes direitos inatos.

33
Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

2) Direitos de personalidade eventuais – dependem da existência dos respetivos bens de


personalidade. É o caso do direito ao nome que deriva de, à pessoa considerada, já ter sido
atribuído um nome.

Esta contraposição tem importância prática, ao nível de ónus da prova: enquanto nos direitos de
personalidade necessários, a sua mera invocação é bastante, restando demonstrar a violação, nos
eventuais há que alegar e provar a existência do bem protegido.

Os direitos de personalidade comportam ainda classificações diversas, em função de critérios


variados.

De acordo com os bens em causa, podemos distinguir três círculos nos bens de personalidade:

i. O círculo biológico, que abrange a vida e a integridade física da pessoa. Aparecem aí os


direitos à vida e à integridade física e ainda o direito à saúde, ao repouso ou ao sono.
ii. O círculo moral, que tem a ver com a intocabilidade espiritual das pessoas. Poderíamos
arrumar aí os direitos à integridade moral e ao bom nome e reputação.
iii. O círculo social, que se prende com as relações entre o sujeito considerado e os seus
semelhantes. Inserem-se aqui o direito à intimidade privada, ao nome e à imagem, como
exemplos.

O regime permite ainda distinguir:

3) Direitos limitáveis – direitos que, em certas situações, admitem limitações. É o caso do direito
à imagem-
4) Direitos não limitáveis – traduzem situações que o titular considerado nunca poderá
validamente restringir ou às quais não pode renunciar. Exemplo, direito à vida.

5) Direitos patrimoniais – os direitos de personalidade do círculo social podem originar


exclusivos de aproveitamento, com vantagens patrimoniais para o próprio. Exemplo do
direito à imagem.
6) Direitos não patrimoniais – de uma forma geral, os direitos de personalidade dos círculos
biológico e moral não podem ter conteúdo patrimonial.

⭐ Direitos em Especial

⇒ Liberdade de expressão e de opinião:

Este direito está previsto no art. 14º CT.

Embora incluído numa subsecção relativa aos direitos de personalidade, a liberdade de expressão e
de opinião não consubstancia, tecnicamente, nenhum direito subjetivo: não se reporta a um bem
concreto. Opera antes como uma liberdade ou permissão genérica. A liberdade de expressão consta
do art. 37º/1 CRP e a de opinião é pressuposta por ela.

A especificidade do art. 14º reside em reconhecer essas liberdades “no âmbito da empresa”. Estão em
jogo três linhas valorativas, quando o preceito seja tomado pelo prisma do trabalhador:

34
Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

i. A dignidade do trabalho – conquanto que inserido na organização do empregador, ele


continua a ser pessoa, dotada de autonomia e de liberdade de espírito, podendo usá-las;
ii. O exercício das liberdades sindicais e coletivas – as opiniões a exprimir permitem o
funcionamento das instituições laborais coletivas;
iii. O progresso da empresa – o trabalhador detém um especial know-how, sobretudo quando
qualificado. As suas opiniões sobre o modo de produção podem ser relevantes, seja para
a segurança de todos, seja para o próprio lucro empresarial.

O art. 14º, contudo, prevê limitações, tal como o faz o art. 37º/3 e 4 CRP, sendo tais limitações
inevitáveis, na medida em que as liberdades se devem conciliar com idênticas prerrogativas que
assistem às outras pessoas e ainda com deveres legais e contratuais específicos.

Essas limitações ocorrem por:

 Idênticas liberdades que assistem a todas as demais pessoas que partilhem o espaço
empresarial ou que, com ele, entrem em contacto;
 Pelos direitos de personalidade do trabalhador – dos demais trabalhadores – e do
empregador: neste ponto estão em especial causa os direitos à integridade moral, ao bom
nome e à reputação;
 Pelo normal funcionamento da empresa: recorde-se que compete ao empregador organizar a
empresa, de modo a maximizar, nos limites legais, a sua capacidade produtiva;
 Por normas legais específicas, em especial o art. 128º CT, relativo aos deveres do trabalhador,
entre os quais o de respeito e urbanidade para com o empregador, os superiores e os
companheiros de trabalho, os de zelo e diligência, o de obediência, o de lealdade e o de
incremento de empresa;
 Por cláusulas convencionais coletivas;
 Por cláusulas contratuais individuais: desde que sejam válidas, MC não vê que alguém possa
assumir voluntariamente uma obrigação e escudar-se, depois, em liberdades fundamentais
para não a cumprir.

⇒ Integridade física:

Encontra-se prevista no art. 15º CT.

Este preceito refere o direito à integridade física, normalmente associado ao direito à vida, e o direito
à integridade moral, ligado aos direitos ao bom nome e à reputação.

A integridade física é tutelada por normas civis e penais. No campo do trabalho, ela pode ser atingida
por ação ou por omissão. Assim, há que aproximar o art. 15º do art. 281º relativo aos princípios gerais
em matéria de segurança e saúde no trabalho.

O art. 59º/1 c) CRP consigna, como direito dos trabalhadores, a prestação de trabalho em condições
de higiene, segurança e saúde. Por seu turno, a Lei n.º 102/2009 de 10 de setembro, relativa à
promoção da segurança e da saúde no trabalho, comporta, em 120 artigos, um regime pormenorizado.

Podemos filiar no direito à integridade física todo o desenvolvimento do Direito das condições de
trabalho.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

⇒ Integridade moral; concurso com a liberdade de expressão:

A integridade moral envolve o direito ao bom nome e à reputação, presentes no art. 26º CRP e, de
certo modo, no art. 484º CC. Na base dos arts. 180º/1 e 181º/1 Código Penal, podemos distinguir dois
tipos de atentados à honra:

i) A difamação, que consiste em imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita,
um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivo da sua honra ou consideração, ou
reproduzir uma tal imputação ou prejuízo;
ii) A injúria, que se traduz em dirigir a outrem palavras que traduzam factos, mesmo sob a
forma de suspeita ou que ofendam a sua honra ou consideração.

Os atentados à integridade moral, normalmente através de ofensas à honra, dão lugar a largas
casuísticas. Perante o Direito civil – e, daí, no Direito do trabalho – não se admite a exceptio veritatis,
isto é: a exceção de que a afirmação difamatória ou injuriosa, afinal, correspondia a factos verdadeiros.
Já no Direito penal esse tipo de exceptio é permitido.

No Direito do trabalho, o direito à integridade moral pode entrar em conflito com a liberdade de
expressão, prevista no art. 14º CT. Que direito deve ceder? A questão ganha contornos acrescidos
perante o uso das chamadas redes sociais, na Internet:

 Autores consideram mesmo que, perante a pujança demonstrada pela liberdade de


informação, a tutela da honra tem-se encontrado, de modo permanente, na defensiva.
Inversamente: uma proteção muito alargada da honra prejudicaria a liberdade de opinião e a
liberdade de a exprimir.
 Embora ambos os vetores sejam considerados necessários para as democracias modernas,
autores criticam a tendência atual para dar mais relevo à liberdade de informação, enquanto
outros discordam dessa asserção.

Na opinião de MENEZES CORDEIRO, temos de ter presente que o direito à honra é um direito de
personalidade: marca um círculo em que o interesse da pessoa beneficiária prevalece sobre quaisquer
pretensos valores superiores. De outro modo, nem a figura dos direitos de personalidade faria
sentido.

Quando se refira a liberdade de expressão, há que reportá-la a algo de socialmente útil ou relevante
(“razoável”, nas palavras de FIGUEIREDO DIAS). Deste modo, faremos a distinção entre:

o Liberdade de expressão
o Livre iniciativa económica

Um órgão de informação que divulgue determinado facto ou desenvolva uma campanha, pretende informar o
seu público ou aumentar tiragens ou audiências?

Esta última finalidade pode ser prosseguida com notícias socialmente insignificantes mas que, pela
forma por que sejam dadas ou pelo ambiente superficial que se venha criando, granjeiem o interesse
do público.

A livre iniciativa económica, mesmo aplicada no campo da comunicação social, é digna e merece
proteção; todavia, é evidente que ela nunca poderá prevalecer sobre o direito à honra, seja de quem
for.

Já a verdadeira liberdade de expressão poderá ir mais longe, mas sempre com limites.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Na determinação da fronteira entre o direito à honra e a liberdade de expressão, há que trabalhar


com dois critérios:

1) O da absoluta veracidade – nenhuma liberdade de comunicação justifica notícias inverídicas,


em qualquer uma das concretizações que a ampla noção possa comportar. Pelo contrário, a
liberdade de informar e de comunicar exige uma verdade pura, sem equívocos e sem sombras.
2) O do interesse político-social – a asserção questionada tem de corresponder a um interesse
político-social e não meramente a um interesse do público. As dívidas de um político para
com uma empresa candidata a um concurso que ele vai decidir são facto relevante, que pode
ser relatado; mas as suas dívidas domésticas, mesmo quando não estejam cobertas do segredo
bancário, não relevam. O interesse político-social permitirá ainda a reposição da verdade em
face de “honras imerecidas”: pense-se na clientela angariada pelo falso médico; este não
poderá invocar a ofensa ao bom nome e à sua reputação perante a reposição da verdade.
Também são legítimas as prevenções contra métodos não-científicos (astrologias, medicinas
paralelas, curandeiros, etc.): o público deve ser informado.

Podemos ainda intercalar o problema das denúncias anónimas, designadamente as feitas por
alegados trabalhadores não identificados à Administração laboral. Nas palavras de MENEZES
CORDEIRO, a denúncia anónima é expressão de cobardia pessoal; à partida não merece qualquer
consideração.

⇒ Em especial: o assédio (mobbing e bullying):

Em certas circunstâncias sociológicas, os atentados à integridade moral e, por vezes, física das pessoas
assumem uma feição organizada, ainda que não oficial.

Num primeiro momento, o assédio foi sentido como uma forma de discriminação contra as
mulheres, que eram as vítimas mais frequentes. Por isso, o tema surgiu na legislação europeia, a
propósito da não discriminação das mulheres: a Diretriz 76/207 de 9 fev veio vedar discriminações
laborais em função do sexo; seguiu-se a Diretriz 2002/73 de 23 set, que, alterando a primeira,
introduziu a noção de assédio, proibindo-o por entendê-lo discriminatório. Apresenta as seguintes
definições (art. 2º):

 Assédio – sempre que ocorrer um comportamento indesejado, relacionado com o sexo de uma
dada pessoa, com o objetivo ou o efeito de violar a dignidade da pessoa e de criar um ambiente
intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo.
 Assédio sexual – sempre que ocorrer um comportamento indesejado de caráter sexual, sob
forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito de violar a dignidade da pessoa,
em particular pela criação de um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou
ofensivo.

Em transposição destes normativos comunitários, o Código do Trabalho define e proíbe o assédio, no


art. 29º, ampliando-o para além dos aspetos sexuais. A doutrina (nomeadamente, PR) distingue:

i. Assédio sexual com conotação sexual – há um comportamento indesejado e hostil com


conotação sexual, de modo verbal, gestual ou físico;
ii. Assédio moral discriminatório – o comportamento indesejado assenta em fatores
discriminatórios não sexuais;

37
Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

iii. Assédio moral não discriminatório – o comportamento indesejado não deriva de qualquer
discriminação, mas visa apenas atingir certa pessoa: fala-se em mobbing.

Quanto aos propósitos subjacentes ao assédio (animus), é possível distinguir duas grandes
modalidades:

 Assédio emocional – motivado por simples animosidade ou maldade.


 Assédio estratégico – motivado por razões específicas, como por exemplo levar o trabalhador
a despedir-se, contornando assim o regime do despedimento sem justa causa.

Os sociólogos isolam o mobbing como um conjunto de atos de comunicação negativa, contra uma
pessoa isolada, frequentes (pelo menos uma vez por semana), prolongados (pelo menos seis meses)
danosos para a saúde física e psíquica do atingido e visando o seu isolamento e o seu afastamento.
Os critérios podem, contudo, variar.

A jurisprudência (TRL) caracteriza o mobbing (e assédio moral) em três facetas:

i) Prática de determinados atos hostis, nomeadamente, qualquer conduta abusiva


manifestada por palavras, gestos ou escritos;

ii) A sua duração, no sentido do caráter repetitivo desses comportamentos – não tem de ser
necessariamente reiterada, temos de ter em consideração a gravidade do assédio;

iii) As consequências destes, nomeadamente sobre a saúde física e psíquica da vítima sobre o
seu emprego.

O assédio pode ainda ser caracterizado como:

i. Vertical ascendente – trabalhadores assediam superior hierárquico;


ii. Vertical descendente – superior hierárquico assedia os trabalhadores;
iii. Horizontal – assédio entre trabalhadores.

Quando o assédio toma formas de violência física, fala-se em bullying.

Quanto à possibilidade de aplicação do art. 25º/5 CT aos casos de assédio:

i. Parece estar sistematicamente integrado numa divisão diferente à destinada ao assédio;

ii. Não parece abranger os casos de assédio não discriminatório;

iii. Parece abranger apenas o assédio vertical e não o horizontal.

Há quem entenda que, quando o assédio passou para uma divisão diferente, autónoma, deixou de
estar sob a égide de aplicação do regime do art. 25º (n.º 5 principalmente). Mas há quem entenda que
o facto de ter havido uma autonomização, não pode levar a que, pelo menos quando esteja em causa
um assédio discriminatório, não seja aplicado o regime do art. 25º/5.

Quando estiver em causa um assédio discriminatório pode invocar-se a diretiva 2006/54/CE para
aplicar o regime.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

⇒ A reserva da intimidade da vida privada:

O art. 16º/1 CT começa por, fora do sítio, retomar uma regra geral básica: quer o empregador, quer o
trabalhador, devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte. De seguida, introduz um
direito importante: “cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada”.

Nos preceitos subsequentes (arts. 17º a 21º), o CT desenvolve aspetos sensíveis relacionados com a
intimidade da vida privada.

A intimidade da vida privada é protegida pelo art. 80º CC. Todavia, o CT concede-lhe um relevo e
um cuidado regulativo bastante acrescidos. Com efeito, o trabalhador, quando integrado numa
empresa de certa dimensão, fica totalmente imerso no ambiente laboral durante uma parte
significativa da sua existência.

Deve, contudo, sublinhar-se que o essencial dos arts. 17º a 21º só faz sentido perante grandes
empresas.

O Prof. ROMANO MARTINEZ afirma que está em causa um direito bilateral, no sentido em que não
está em causa apenas a tutela dos direitos de personalidade do trabalhador, mas também (e com
idêntico grau de proteção) a defesa dos direitos de personalidade do empregador.

A privacidade; teoria das esferas

O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada postula uma liberdade fundamental: a que
cada um tem de, sem prejudicar terceiros, orientar a sua vida privada como entender.

Posto isto, queda um bem: a concreta vida privada do sujeito. A vida privada compreende as mais
diversas realidades: a origem e a identidade da pessoa, a sua situação de saúde, a sua situação
patrimonial, a sua imagem, os seus escritos pessoais, etc etc. Em rigor, a vida privada abrangerá tudo
o que não seja público e profissional ou social.

O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada é, antes de mais, um direito contra o Estado:
este só pode investigar nesse campo com cobertura de leis constitucionais e na estrita medida do
necessário. Mas, além disso, temos aqui um direito de personalidade, oponível a todos os
particulares. Nos possíveis conflitos com outros direitos, haverá que proceder a uma ponderação
valorativa.

Na precisa definição da privacidade, cumpre fazer-se apelo à teoria das esferas, que distingue:

i) Esfera pública – própria de figuras públicas, celebridades, que implica uma área de
condutas propositadamente acessível ao público, independentemente de concretas
autorizações;

ii) Esfera individual social – relacionamento social normal que as pessoas estabelecem com
os amigos/colegas e conhecidos. A reprodução de imagens será aí possível, salvo
proibição, mas apenas para circular nesse mesmo meio;

iii) Esfera privada – vida privada comum do trabalhador, apenas acessível à família e amigos
mais chegados;

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

iv) Esfera secreta – abrange o âmbito que o próprio trabalhador tenha decidido não revelar a
ninguém. Desde o momento em que ele observe a discrição compatível com tal decisão,
esta esfera tem absoluta tutela;

v) Esfera íntima – vida sentimental ou familiar no sentido mais estrito (cônjuge e filhos). Tem
sempre tutela absoluta, independentemente de o trabalhador decidir partilhar essa
informação e mesmo que o trabalhador não qualifique a matéria como sendo da esfera
íntima.

As esferas privada, secreta e íntima nunca são acessíveis sem autorização. Nenhuma notoriedade,
cargo, exigências de polícia ou de justiça ou finalidades científicas, didáticas ou culturais permitiriam
tal invasão. Além disso, só são admissíveis autorizações na esfera privada.

As esferas pública e individual social permitem o acesso, sem autorização, consoante as


circunstâncias e os objetivos, mas apenas para documentar o que lá se passa e não, por exemplo, para
obter imagens para uma campanha publicitária. Aí podem operar os fatores de notoriedade, cargo,
polícia ou justiça, ciência, ensino ou cultura, sempre em termos de adequação social.

Regime geral

O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada obteve uma referência sucinta no art. 80º CC.
A referência a uma “vida privada” inculca uma outra, a “vida pública”, em relação à qual não haverá
reserva ou, pelo menos, o mesmo tipo de reserva.

Podemos dizer que o art. 80º/1 CC protege as esferas privada, secreta e íntima; já não, ou não
diretamente, as pública e social individual.

O n.º 2 do preceito delimita a proteção em função de dois elementos:

a) Um dado objetivo – a natureza do caso. Tem a ver com os especiais valores que, em concreto,
possam conduzir à intromissão na esfera privada. Terão de ter uma cobertura legal e
constitucional e deverão revelar-se, no caso a decidir, mais ponderosos do que os valores
subjacentes à privacidade. Será o caso de exigências de polícia ou de justiça que – sempre sob
sigilo e no estrito limite do necessário – poderão conduzir a escutas telefónicas, a microfones
ou câmaras ocultas ou à análise de documentos particulares. Imperiosa será sempre a decisão
do juiz e o controlo por este.

b) Um dado subjetivo – a condição das pessoas. Reporta-se à notoriedade ou ao cargo da pessoa


considerada ou à própria postura que a mesma adote. Perante um político ou uma
celebridade, passarão a ser notícia factos que, noutras condições, se tornariam irrelevantes. Os
visados sabem-no de antemão e tiram partido disso, aproveitando a inerente publicidade. A
esfera privada de tais políticos ou celebridades não desaparece e, sobretudo, nunca ao ponto
de atingir as esferas secreta e íntima; mas pode ser fortemente suprimida, sem que se possa
falar de atentado à privacidade. Em qualquer dos casos, tem aplicação a delimitação negativa
prevista no art. 79º/3 CC: embora dirigida ao direito à imagem, não levantará dúvidas a sua
aplicação extensiva a situações similares.

Infere-se daqui que um mesmo ato poderá ser lícito perante uma pessoa e ilícito perante outra. Por
exemplo, será lícito relatar as férias do primeiro ministro: este tomará as medidas para atuar, em face

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

dos acompanhantes, de modo politicamente correto, aceitando livremente essa sua “condição”. Já
relatar, sem mais, as férias de um cidadão, digno mas anónimo, será atentatório da sua privacidade.

A privacidade tutela ainda diversas informações que apenas ao próprio dizem respeito: o segredo
bancário, o segredo dos seguros, os diversos segredos profissionais, com relevo para o médico e o dos
advogados e a reserva sobre os elementos constantes de bases de dados. Quanto a estas últimas, foi
adotada a Diretriz n.º 95/46/CE do Parlamento e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, transposta
pela Lei n.º 67/98 de 26 set, alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 ago e posteriormente pela Lei n.º
58/2019 de 8 ago: Lei de Proteção de Dados Pessoais. A nível europeu, foi adotado o Regulamento
2016/2015 27 abr, relativo à proteção de pessoas singulares, no que diz respeito ao tratamento de
dados pessoais.

A 13 de maio de 2014, o TJUE, no célebre caso Google Spain v AEPD e Mario Costeja González,
reconheceu a existência de um direito ao esquecimento, sustentado nos arts. 12º/b) e 14º/a) da
Diretriz 95/46 e nos arts. 7º e 8º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

O direito ao apagamento encontra-se hoje previsto no art. 17º do Regulamento 2016/679, sobre a
proteção de dados:
“O titular dos dados tem o direito de obter do responsável pelo tratamento o apagamento de dados pessoais que
lhe digam respeito e a cessação da comunicação ulterior desses dados e de obter de terceiros o apagamento de
quaisquer ligações para esses dados pessoais, cópias ou reproduções dos mesmos”

Não se trata, contudo, de um efetivo direito subjetivo, mas apenas de um novo mecanismo de defesa
que os titulares de direitos de personalidade tem à sua disposição e que lhes permite requerer a
exclusão de informação privilegiada ou de imagens dos resultados decorrentes de uma pesquisa
realizada nos motores de busca da Internet.

Tutela penal e civil

As hipóteses concretas de violação do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada são
inúmeras. As mais graves têm tutela penal. Assim, encontramos no Código Penal o Capítulo VII na
Parte especial, com previsões de crimes contra a reserva da vida privada:

 Art. 190º - violação de domicílio;


 Art. 192º - devassa da vida privada;
 Art. 193º - devassa por meio de informática.

Em todos estes crimes, o bem jurídico protegido é a intimidade. Os crimes de introdução em lugar
vedado ao público (art. 191º), de violação de correspondência ou de telecomunicações (art. 194º), de
violação de segredo (art. 195º) e de aproveitamento indevido de segredo (art. 196º) também podem
tutelar a vida privada, embora se dirijam, em primeira linha, a outros tipos de bens.

Grosso modo, podemos dizer que a lei penal intervém quando a violação da privacidade atinja os
círculos interiores da vida secreta e da vida íntima. A lei civil vai mais longe:

 Protegendo também o círculo privado (não íntimo ou não secreto);


 Tutelando hipóteses de ingerência que não constem dos tipos incriminadores – será o caso das
câmaras de vigilância: estas só podem ser instaladas em espaços públicos, e mesmo assim
deve haver avisos prevenindo as pessoas de que estão a ser filmadas;

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

 Reagindo perante puras violações objetivas, isto é, independentemente da intenção do agente.

As duas consequências civis da violação de direitos de personalidade são sempre (i) a


responsabilidade civil e (ii) as medidas adequadas a fazer cessar a intromissão – art. 70º/2 CC. A
responsabilidade civil exige dolo ou negligência (art. 483º/1 CC), ao passo que as medidas adequadas
já não.

O ónus da prova cabe ao lesado, nos termos gerais; assim, ele deverá demonstrar o ato prevaricador
e, ainda, a especial sensibilidade que determinou o atingimento da sua honra. Neste último ponto, a
prova será dispensada quando, pela natureza da agressão, seja público e notório que qualquer
“honra” seria atingida.

Proteção de dados pessoais

Aquando da contratação e, ainda, no decurso da própria situação laboral, o empregador pode ter
interesse em conhecer aspetos da vida privada ou da saúde do trabalhador. O art. 17º mostra-se
restritivo.

Desde logo, temos um fenómeno de pré-eficácia da situação laboral: antes mesmo de esta se
consubstanciar, o (futuro) empregador já incorre em deveres de conduta. Mas qual é a sanção?

o Se na fase preliminar o empregador perguntar aos candidatos se estão dispostos a responder


a um questionário pessoal, não está propriamente a “exigir”. E se, perguntando, algum
candidato se recusar a responder, nenhuma lei obriga o empregador a contratá-lo.
o Por outro lado, o que seja “estritamente necessário e relevante” (art. 17º/1 a)) para a atividade
profissional é matéria que ao empregador cabe decidir.

Temos de recordar, a propósito desta questão, a teoria das esferas supra referida. Também com
bastante relevância neste âmbito se mostra o art. 9º RGPD, relativamente aos dados sensíveis.

Existe alguma doutrina que admite que, ainda que se trate de matérias da esfera privada, estas
poderão ser estritamente necessárias para avaliar da aptidão para o trabalho em causa. Por exemplo,
pode ser legítimo perguntar a uma potencial trabalhadora de um talho se é vegetariana. Nesses casos,
devemos distinguir:

i. Se a questão é colocada a montante – no exemplo dado, trata-se de uma trabalhadora


vegetariana que vai trabalhar com carne morta; pode ser pertinente saber se ela tem algum
problema com essa circunstância. Pode assim, aqui, tratar-se de uma questão estritamente
necessária para avaliar da aptidão da trabalhadora (art. 17º/1 a)). Note-se que é necessária,
para efeitos de aplicação do art. 17º/1 a), uma conexão direta entre o relevo da informação
e a execução do trabalho.
ii. Imagine-se que a trabalhadora se torna vegetariana supervenientemente – na opinião de
PAULA QUINTAS, a objeção de consciência superveniente do trabalhador em realizar a
prestação (ou parte dela) só pode justificar um despedimento por parte do empregador se
se tratar de uma incompatibilidade absoluta/total da realização da prestação com os ideais
religiosos. Neste caso, por exemplo, poderia tentar-se uma redistribuição de tarefas, uma
realocação da trabalhadora para evitar um despedimento.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

As restrições aos direitos associados à reserva da vida privada apenas podem ser feitas de acordo
com o art. 18º CRP: em caso de dúvida sobre a licitude de uma questão, devemos considerar que o
facto se encontra na esfera privada (neste sentido, PALMA RAMALHO).

Ainda quanto à questão das informações que podem ou não ser perguntadas aos potenciais
trabalhadores, releva a questão das organizações tendência:

De acordo com TERESA MOREIRA, a compressão do exercício dos direitos fundamentais dos
trabalhadores ao serviço das organizações tendência (i.e., organizações que desenvolvam uma
atividade religiosa, política, político-económica, etc.) é mais acentuada, na medida em que, ao
aceitarem celebrar o contrato de trabalho, aceitaram, expressa ou tacitamente, comportar-se
coerentemente com a ideologia da organização da qual fazem parte.

Contudo, esta compressão do exercício de direitos fundamentais e a eventual relevância de certas


condutas da vida extralaboral só poderão ocorrer em relação aos trabalhadores que dentro dessa
organização exerçam funções ideológicas/tendência, ou seja, aqueles cuja prestação do trabalho está
por inerência ligada à ideologia da organização e cujo exercício implique a aceitação e aplicação de
postulados ideológicos que a organização defende (a estes contrapõem-se os trabalhadores neutros,
aqueles que não realizam tarefas de tendência). Por outras palavras, a ideologia tem de se converter
numa condição objetiva exigível para o normal desenvolvimento da tarefa. Nesse caso, não mais se
exige do que a boa execução do contrato de acordo com a boa-fé.

A autora diz ainda que não pode o empregador exigir do trabalhador uma adesão total aos princípios
ideológicos por si defendidos. Para que não exista justa causa de despedimento, basta que o
trabalhador renuncie à manifestação pública de orientações diferentes das defendidas pela sua
entidade empregadora. Isto porque apenas a manifestação pública de orientações contrárias,
enquanto atentatória da imagem ou dos fins defendidos pela organização, pode tornar a continuidade
do vínculo impraticável. O dever de uniformizar a vida privada à ideologia defendida deve estar
sempre relacionado com o cumprimento da prestação laboral. Não podem assim ser considerados
como causa de cessação do contrato de trabalho aqueles factos da vida privada que, embora não
sendo coerentes com a ideologia professada pelo empregador, não colocam em causa o cumprimento
da obrigação de trabalho a que o trabalhador está adstrito, independentemente de disposições
contratuais explicitas em sentido contrário.

A título de exemplo, nos casos de um docente de um instituto de educação que professa uma religião
e que decide casar civilmente após o divórcio, é necessário distinguir duas situações:

i. Se o docente em causa leciona matérias cujo conteúdo objetivo não constitui expressão da
manifestação da ideologia do estabelecimento de ensino (inglês, educação física,
matemática etc.), deverá admitir-se esta conduta extralaboral, na medida em que esta não
está em contradição com a prestação a que está adstrito.
ii. Se, pelo contrário, as matérias lecionadas pelo docente concernem áreas relacionadas com
aspetos ideológicos (como será o caso de ser professor de moral, religião ou teologia) tem
de aceitar-se que esta conduta da vida privada do trabalhador pode justificar o
despedimento na medida em que tal conduta não esteja em consonância com os princípios
morais e religiosos que ensina aos seus discentes e que é objeto de contrato de trabalho.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Diretamente relacionado com a matéria da proteção de dados pessoais, surge o art. 19º, referente a
testes médicos. Estes, à partida, são proibidos, para efeitos de admissão ou de permanência no
emprego, salvo se tiverem por finalidade a proteção do próprio trabalhador ou de terceiros ou
quando particulares exigências relativas à atividade o justifiquem (n.º 1).

Já a proibição de testes de gravidez surge totalmente vedada (n.º 2). O legislador pretende defender
a maternidade e a natalidade. Além disso, o interesse do teste é reduzido: a interessada não grávida
pode engravidar no dia seguinte ao teste.

O médico responsável só pode comunicar ao empregador se o interessado está ou não apto para
desempenhar o cargo (n.º 3): fica assim assegurada a confidencialidade dos testes realizados. A
violação dos n.ºs 1 ou 2 é contraordenação muito grave.

Estas regras, contudo, devem ser compaginadas com as normas próprias do setor; por exemplo, na
alta competição os testes médicos são necessários e habituais.

Temos ainda o problema da dimensão da empresa onde o problema se ponha: à microempresa que
pretendia dispor apenas de uma secretária, terá relevo saber se uma candidata está grávida ou
pretende engravidar nos próximos tempos.

Confrontado com um questionário, o interessado deve preenche-lo com verdade, sujeitando-se, se não o fizer, às
consequências e, no limite, ao despedimento?

Já se defendeu (nomeadamente, PALMA RAMALHO), nessa eventualidade, o “direito à mentira”: o


interessado, para não perder o emprego, responderia ao questionário camuflando ou negando os
pontos que o poderiam prejudicar.

O Direito não pode nunca aceitar tal construção, na opinião de MC: com mentiras não há soluções
justas. A decisão de contratar é inteiramente livre, de lado a lado. Logo, a presença de questionários
insuficientemente justificados não confere, aos interessados, nenhum especial direito.

As regras sobre proteção de dados (Regulamento 2016/679)

As regras sobre proteção de dados constam hoje do Regulamento 2016/679 (adiante, “RGPD”). O
tema dos dados pessoais foi regulado pela Diretriz 95/46 de 24 out, transposta pela Lei n.º 67/98 de
6 out, alterada pela Lei n.º 58/2019: esta lei, no seu art. 62º, dispõe que os arts. 18º/1 e 4, 21º/1 e 20º/1
deixam de estar em vigor.

A derrogação do art. 20º resulta do facto de este diploma ter regulado o regime da videovigilância,
estabelecendo uma restrição quanto às formalidades da videovigilância. Finalmente, há que tomar
em consideração a circunstância de se estabelecer regras quanto à questão dos dados biomédicos na
referida Lei, que se sobrepõem em parte ao art. 18º do CT.

O RGPD, que revogou a Diretriz, fixa, no seu art. 5º, os princípios relativos ao tratamento de dados
pessoais. Estes devem ser:

a) Objeto de um tratamento lícito, leal e transparente em relação ao titular dos dados;


b) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas (limitação das finalidades);

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

c) Adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as


quais são tratados (minimização dos dados);
d) Exatos e atualizados sempre que necessário (exatidão);
e) Conservados apenas durante o período necessário (limitação da conservação);
f) Tratados de forma segura (integridade e confidencialidade).

O tratamento só é lícito se (art. 6º/1):

a) O titular dos dados tiver dado o seu consentimento;


b) O tratamento for necessário para a execução de um contrato no qual o titular dos dados é
parte, ou para diligências pré-contratuais a pedido do titular dos dados;
c) O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o
responsável pelo tratamento esteja sujeito;
d) O tratamento for necessário para a defesa de interesses vitais do titular dos dados ou de outra
pessoa singular;
e) O tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da
autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento;
f) O tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo
responsável pelo tratamento ou por terceiros.

O consentimento do titular para o tratamento deve ser demonstrável pelo responsável (art. 7º/1),
podendo ser retirado a todo o momento (art. 7º/3). As crianças têm especial proteção (art. 8º).

O art. 9º/1 proíbe o tratamento de dados pessoais “sensíveis”: origem racial ou étnica, as opiniões
políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, dados genéticos, dados
biométricos, dados relativos à saúde, à vida sexual ou à orientação sexual. O n.º 2 permite exceções,
em especial havendo consentimento do visado.

Recorde-se que o RGPD tem aplicação direta, prevalecendo sobre as normas internas que com ele
não coincidam.

Dados biométricos

O art. 18º dispõe sobre dados biométricos. Em síntese:

 O empregador só os pode tratar após notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados


(CNPD);
 O seu tratamento só é permitido se os dados a utilizar forem necessários, adequados e
proporcionais aos objetivos;
 Eles apenas são conservados pelo período necessário, devendo ser destruídos se o trabalhador
mudar de local de trabalho ou de cessar a situação laboral;
 A notificação à CNPD deve ser acompanhada de parecer da comissão de trabalhadores ou,
passados 10 dias sobre a consulta, de comprovativo do pedido de parecer.

Dados biométricos são definidos no art. 4º al. (14) RGPD: “dados pessoais resultantes de um tratamento
técnico específico relativo às características físicas, fisiológicas ou comportamentais de uma pessoa singular que
permitam ou confirmem a identificação única dessa pessoa singular, nomeadamente imagens faciais ou dados
dactiloscópicos”.

Como exemplos temos a impressão digital, a retina, a íris, o ADN e a voz.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

A CNPD, no seu Parecer de 26 de fevereiro de 2004, anunciou que, no tocante à apreciação de


tratamentos biométricos para controlo de acessos e assiduidade, ainda ao abrigo da LNPD, iria ter
em conta:

i. A reserva da vida privada;


ii. A adequação, pertinência e não excessividade dos dados;
iii. A legitimidade do responsável;
iv. A notificação à CNPD;
v. A informação relativamente a esse tratamento;
vi. A não utilização dos dados biométricos para finalidade diversa da que determinara a
recolha;
vii. O acesso aos titulares dos dados, a retificação e a oposição.

Em Deliberação n.º 1638/2013 de 16 de julho, a mesma CNPD fixou vetores relativos aos tratamentos
de dados pessoais decorrentes do controlo da utilização para fins privados das tecnologias de
informação e comunicação no contexto laboral.

Meios de vigilância à distância

Os meios de vigilância à distância são objeto dos arts. 20º e 21º CT. São fixados os princípios
seguintes:

 O empregador não os pode utilizar para controlar o desempenho profissional dos


trabalhadores (art. 20º/1);
 Mas apenas para a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando especiais exigências
inerentes à natureza da atividade o justifiquem (art. 20º/2);
 A existência de tais meios deve ser publicitada no local (art. 20º/3);
 A sua utilização está sujeita a autorização da CNPD (art. 21º/1), só sendo concedida se for
necessária, adequada e proporcional aos objetivos;
 O pedido deve ser acompanhado de parecer da comissão de trabalhadores ou, não estando
este disponível 10 dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer (art. 21º/4).

A jurisprudência mais recente admite a videovigilância como meio de prova em processo disciplinar.
Em STJ 5-jul-2007, entendeu-se que não podiam ser usadas como prova em processo disciplinar
mensagens eletrónicas pessoais, ainda que guardadas em servidor do empregador, numa posição
retomada em RLx 7-mar-2012.

É importante ainda ter em conta a doutrina da CNPD, designadamente constante da sua Deliberação
n.º 61/2004, na qual foram enunciados os critérios gerais a adotar na autorização de instalação de
sistemas de videovigilância, assentes no princípio da idoneidade, necessidade e proporcionalidade:
para se poder verificar se uma medida restritiva de um direito fundamental supera o juízo de
proporcionalidade imporá verificar se foram cumpridas três condições:

i. Se a medida adotada é idónea a conseguir o objeto proposto (idoneidade);

ii. Se é necessária, no sentido de que não existia outra medida capaz de assegurar o objetivo
com igual grau de eficácia (necessidade);

iii. Se a medida adotada foi ponderada e é equilibrada ao ponto de através dela serem
atingidos substanciais e superiores benefícios ou vantagens para o interesse geral quando

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

confrontados com outros bens ou valores em conflito (proporcionalidade em sentido


estrito).

Temos ainda de ter em consideração, nesta sede, o art. 19º Lei n.º 58/2019.

A Prof. TERESA MOREIRA sustenta que, no fundo, tem de atender-se ao tipo de atividade em causa,
ao local de trabalho e à razão que está na sua base: a vigilância só poderá ser aceite se e quando
sobrelevem verdadeiras razões de segurança de instalações, bens, matérias-primas e controlo do
processo de produção ou proteção de atividades sensíveis da empresa ou do público que frequenta
o seu local. Há ainda que considerar os princípios da adequação e da proporcionalidade. Não se
podem colocar câmaras em determinados locais reservados aos trabalhadores (ex: wc e vestiários).

Confidencialidade de mensagens e de acesso a informação

A matéria encontra-se regulada no art. 22º CT.

O CC ocupa-se das cartas-missivas ou confidenciais nos arts. 75º a 78º. Elas integram-se no âmbito
dos bens protegidos pelo direito à intimidade da vida privada ou aos segredos das pessoas.

Uma carta será confidencial quando contenha matéria que, por razões adiante tratadas, não possa ser
comunicada fora do círculo entre o remetente e o destinatário. Podemos sujeitar às mesmas regras
outras comunicações, que tenham suporte diverso do do papel e, designadamente, o denominado
correio eletrónico e as mensagens telefónicas.

Em termos jurídicos temos que:

i. O direito real de propriedade sobre a carta, que se transmite para o destinatário por
doação, assim que a carta seja fechada e endereçada ou quando, independentemente do
endereço, seja entregue em mão ao destinatário;
ii. Os direitos de autor, patrimonial e moral, sobre o texto da carta pertencem ao autor, se da
própria carta outra solução não resultar. Seguem o regime do Direito de autor;
iii. Os direitos de personalidade que tutelam bens íntimos eventualmente patentes na carta
são do autor e seguem o regime do Direito de personalidade.

O que faz de uma comunicação uma realidade “confidencial”?

À partida, qualquer carta dirigida por uma pessoa a outra, dentro das regras da cortesia e da
educação, não se confunde com uma carta aberta ou com uma notícia em jornal de parede. Quando a
lei fala em “carta-missiva confidencial”, vai mais longe (art. 75º/1 CC):

o O destinatário deve guardar reserva sobre o seu conteúdo;


o O destinatário não pode aproveitar os elementos de informação que ela tenha levado ao seu
conhecimento.

Para uma teoria subjetivista, a natureza confidencial de uma carta resultará da vontade do seu autor,
devidamente declarada; para uma teoria objetivista, a confidencialidade terá de resultar do próprio
teor da carta, independentemente da vontade do remetente; para a teoria do direito de
personalidade, a confidencialidade resultará do teor da carta, embora o seu autor, dentro das regras
do Direito de personalidade, possa “interferir”, em certos limites.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

MENEZES CORDEIRO sustenta a teoria objetivista, entendendo que a proteção da personalidade


aplica-se a bens de personalidade que o sejam efetivamente; não está na disponibilidade das partes
criar bens de personalidade onde, por lei ou pela natureza das coisas, eles não existam. O facto de
alguém carimbar uma carta com “confidencial” poderá, quando muito:

a) Ser um elemento objetivo para, em conjunto com outros, fixar a efetiva confidencialidade;
b) Exprimir uma intenção de não renunciar à tutela de personalidade que, mercê de uma
confidencialidade colhida noutras latitudes, a lei lhe confira.

A teoria objetivista entenderá que a confidencialidade resulta do teor da própria carta. Assim será
por se tratar de carta sobre matéria coberta por segredo profissional, carta sobre assuntos de
intimidade privada ou sobre assunto que já anteriormente emitente e destinatário tivessem
acordado manter apenas entre si e desde que o assunto tenha dignidade.

A confidencialidade cessa quando colida com outros direitos de personalidade que, em concreto,
prevaleçam, segundo o regime do art. 335º CC.

Finalmente, a teoria dos direitos de personalidade propenderá para o seguinte:

 A confidencialidade é objetiva, resultando de lei especial, da boa fé ou de estar em causa um


bem de personalidade;
 Apenas neste último caso estaremos perante o regime dos arts. 75º e ss. CC, regime esse que,
todavia, se poderá aplicar por analogia a outras situações;
 A vontade do remetente releva na decisão de incluir, em carta, matéria de personalidade que
só a ele próprio diga respeito e no não abdicar da tutela da personalidade.

Ac. STJ de 5 de julho de 2007: trabalhadora escreve e-mail pessoal para uma colega e a colega estava
de férias e quem leu foi o chefe da colega. O STJ determinou que tinha natureza pessoal e considerou
existir uma violação da reserva da vida privada da trabalhadora, não podendo este e-mail ser utilizado
contra a trabalhadora.

Quanto às redes sociais, o entendimento que tem sido transmitido é o de que, se o trabalhador utiliza
uma página pública, não haverá problema, mas no âmbito de uma página privada, nada se pode
fazer.

Deliberação da CNPD 1638/2013 de 16 de julho:

 O empregador só pode fazer este controlo se o fizer de forma genérica, não podendo fazer um
controlo individualizado;

 O trabalhador deve criar pastas próprias para conteúdo pessoal/profissional;

 Quando seja necessário aceder ao e-mail, não deverá ser às escondidas nem pelo acesso remoto
ao computador do trabalhador;

 O empregador deve dizer que acessos são proibidos e se nada disser não quer dizer que seja
tudo permitido;

 Controlo anual, aleatório e pontual. Deve ser feito na presença do trabalhador ou


representante do mesmo;

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

 Se quando está a fazer o controlo, o empregador se perceba que se trata de matéria pessoal,
deve abster-se imediatamente de o fazer.

Ou seja, e resumindo:

É relevante ver se o Regulamento Interno da Empresa dispõe sobre a possibilidade de utilização do


e-mail profissional para o envio de e-mails de conteúdo pessoal:

i. Tratando-se de um e-mail profissional para uso exclusivo profissional, pode haver um


controlo, mas que se deve limitar à visualização do endereço do destinatário ou remetente
da mensagem, do assunto, data e hora do envio. O controlo deverá ser esporádico e não
prossecutório e deverá ser acompanhado pelo próprio trabalhador ou por outro indicado
por este.

ii. Tratando-se de um e-mail pode ser utilizado para uso profissional e pessoal, já não será
legítimo esse controlo.

Quanto ao caso concreto de posts no Facebook:

A tutela da confidencialidade vão depender de vários parâmetros:

1. A natureza da página – se a página é pública, não há expectativa de privacidade. Se a


página for privada, prima facie, há uma expectativa de privacidade. Mas a jurisprudência
tem apelado a outros elementos.
2. Número de amigos – se a página é privada mas tenho 3000 amigos, provavelmente a
página abrange não só amigos com os quais existe a expectativa de privacidade, mas
também estranhos, então já não haverá razão para uma grande tutela do trabalhador.
3. Post com apelo à divulgação – é uma situação em que também não há uma expectativa de
privacidade, ainda que a página seja privada.
4. Grupos – coloca-se a questão de saber se a informação que coloco num grupo de facebook
que tem membros trabalhadores da empresa, se a entidade empregadora pode utilizar no
âmbito do procedimento disciplinar. A jurisprudência entende que depende:
(ii) Se as publicações tiverem apenas índole profissional e o trabalhador publica algo
com índole pessoal, não há expectativa de privacidade,
(iii) Se simultaneamente são publicadas na página publicações de índole profissional e
pessoal, já poderá haver essa expectativa.

⇒ Igualdade e não discriminação:

Direito a igual tratamento:

O direito a igual tratamento entre os trabalhadores, no sentido de não deverem ser feitas
discriminações, tem uma consagração genérica no art. 13º CRP e encontra especificação no art.
59º/1 CRP, reiterado no art. 23º/2 DUDH, bem como na Convenção da OIT, n.º 111, de 1958 e
concretizado nos arts. 23º e ss. CT, sem descurar algumas referências específicas, como o art.
540º/1, onde se estabelece o princípio da não discriminação entre trabalhadores grevistas e não
grevistas.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

O art. 13º CRP tem caráter precetivo, na medida em que, não carecendo de mediação normativa,
é diretamente invocável perante o empregador (neste sentido, PALMA RAMALHO, ROMANO
MARTINEZ).

A eventual discriminação entre trabalhadores nacionais e estrangeiros, em especial relacionada


com a formação do contrato de trabalho, não respeita à execução da atividade, em que não há
qualquer diferença.

O princípio de igual tratamento, para além de duas concretizações constitucionais, a nível salarial
e sexual, corresponde a uma proibição genérica de prática discriminatória, não sendo lícito ao
empregador conferir estatutos jurídicos diferenciados ou simplesmente um tratamento laboral
desigual aos vários trabalhadores sem um motivo justificado.

É por este motivo que o CT começa por prescrever um princípio geral de igualdade e não
discriminação, tanto no acesso ao emprego como no trabalho (art. 23º), circunscrevendo, depois,
certos aspetos da igualdade e não discriminação em função do sexo, nos arts. 30º e ss.

A igualdade e a não discriminação relacionam-se não só com na execução do contrato de


trabalho, como na seleção de candidatos à celebração de um contrato de trabalho. A proibição de
discriminação implica a proibição de tratamento diverso entre dois casos idênticos, pressupondo
sempre e necessariamente um juízo de comparação.

A discriminação pressupõe, assim, um tratamento diferenciado entre candidatos a emprego ou


trabalhadores, com base na ascendência, idade, sexo, etc., que não tenha uma justificação
plausível (art. 25º/1):

 Além da idade (art. 25º/3), podem ser justificadas diferenciações decorrentes da


atividade, nomeadamente formação necessária ou destreza para o desempenho da tarefa.
 A diferenciação justificada de trabalhadores encontra diversas previsões legais, por
exemplo em sede de remuneração (a antiguidade: art. 262º/2 b)) ou como critério de
despedimento (art. 368º/2).
 Também não existirá discriminação nas medidas de ação positivas temporariamente
definidas na lei, em que se beneficia certo tipo de trabalhadores (art. 27º).

A discriminação pode ser:

i. Direta (art. 23º/1 a)) sempre que, em razão de um dos fatores indicados no art. 24º e 25º,
uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou
venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
ii. Indireta (art. 23º/1 b)) sempre que uma disposição aparentemente neutra seja suscetível
de colocar pessoas que se incluam num dos fatores característicos indicados nos referidos
preceitos legais numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser
que essa disposição seja objetivamente justificada por um fim legítimo e que os meios
para o alcançar sejam adequados e necessários.

Note-se que, ainda que a discriminação seja abusiva, arbitrária ou perversa, não está previsto no
sistema jurídico português que o empregador seja obrigado a contratar o trabalhador discriminado;
em tal caso, a este caberá tão-só, estando preenchidos os respetivos pressupostos, uma indemnização
com base na culpa in contrahendo (art. 28º CT).

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Como situações de discriminação temos o assédio (supra tratado).

Igualdade retributiva:

Na sequência do disposto no art. 59º/1 a) CRP, a igualdade retributiva, em determinadas situações


em concreto, tem suscitado algumas dúvidas.

Na opinião de ROMANO MARTINEZ, nada obsta a que se estabeleçam diferenças salariais em


função da categoria e, dentro da mesma categoria, podem distinguir-se trabalhadores a quem são
conferidos determinados subsídios, prémios ou outros complementos salariais.

o Assim, não viola o princípio da igualdade a empresa que remunere diferentemente


trabalhadores da mesma categoria, atendendo à antiguidade ou produtividade e mesmo à
habilitação e experiência (art. 31º/3).
o Os trabalhadores da mesma categoria deverão receber idêntica retribuição base, mas poderão
auferir diferentes complementos salariais, entre os quais se destacam os subsídios de
antiguidade e de produtividade (neste sentido, Ac. TRL de 25/3/1992).
o Quanto aos prémios de assiduidade, o Ac. do Pleno do STJ, n.º 16/96, considerou que o não
pagamento do prémio de assiduidade a trabalhador que tivesse dado faltas justificadas
constituía uma violação do princípio da igualdade; solução que, segundo RM, é discutível,
principalmente tendo em conta o disposto no n.º 3 do art. 31º CT.

Problemática tem sido a diferenciação entre trabalhadores atendendo à sua filiação sindical:

(i) Se numa empresa vigoram vários instrumentos de regulação coletiva, tendo por base o
princípio da filiação (art. 496º CT), pode haver diferenças de regime, em especial no
âmbito salarial.
(ii) Pode ser complexa a conciliação de dois princípios na eventualidade de haver
trabalhadores com a mesma categoria e antiguidade e desempenhando a mesma
atividade, diferenciando-se pelo facto de uns estarem filiados num sindicato e outros não:
o Numa perspetiva formal da igualdade, seria dificilmente sustentável que só pelo facto
de um trabalhador se encontrar sindicalizado pudesse auferir retribuição superior à
prestada por outro trabalhador.
o Mas esta via formal tem óbices:
i. Reduz o papel da contratação coletiva, colocando em pé de igualdade os
trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados.
ii. Faz uma aplicação do princípio da igualdade sem o conjugar com outros
princípios laborais, mormente de intervenção coletiva.

Nos termos gerais das regras sobre repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador fazer a prova
dos factos constitutivos da discriminação. Como resulta do art. 25º/5, aquele que alega a
discriminação tem de a fundamentar, cabendo ao empregador provar que a diferenciação não assenta
numa das discriminações indicadas ou que tem uma justificação objetiva.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Igualdade e não discriminação em função do sexo:

Esta matéria está tratada no art. 31º CT.

Para além da consagração constitucional (arts. 13º e 59º/1 a) CRP), a nível internacional é de referir:

a) Art. 4º/3 Carta Social Europeia;


b) Art. 7º/a) e i) Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais;
c) Convenções da OIT, n.º 100 de 1951 (sobre a igualdade de remuneração entre homens e
mulheres) e n.º 156 de 1981 (sobre a igualdade de tratamento entre trabalhadores de ambos os
sexos);
d) Art. 157º TFUE;
e) Diretiva n.º 75/117/CE, de 10 de fevereiro.

No plano interno, nos arts. 30º e ss. CT consagram-se as regras gerais da proibição de discriminação
de trabalhadores no acesso ao emprego ou na execução da relação laboral.

A contratação em direito privado – concretamente no que respeita à celebração de contratos de


trabalho e ao tratamento igualitário entre candidatos a emprego – está sujeita à CRP e, neste caso
particular, ao art. 13º CRP (art. 18º CRP).

Mas este preceito, no domínio do direito privado, tem de ser interpretado de forma criteriosa:

 As limitações que constam deste preceito, quando estão em causa concursos públicos na
formação de contratos de trabalho, não podem ser aplicadas linearmente, porque há
diferenciações que podem ser admitidas:
i. Por exemplo, serão lícitas distinções com base na língua ou instrução: pode abrir-se
um concurso público especificando que só se admitem candidatos com um curso de
Direito de uma determinada Universidade, ou que dominem perfeitamente o
português.
ii. Do mesmo modo, nada obsta a que o concurso para admissão de trabalhadores seja
restringido aos habitantes de uma determinada localidade.
 Mesmo outras discriminações mais difíceis de aceitar, em determinadas situações, podem ser
admissíveis, tais como as baseadas no sexo, na religião ou em convicções políticas:
i. Não será legítimo, por exemplo, uma companhia de bailado abrir um concurso para contratar
uma bailarina? Ou que uma congregação religiosa pretenda contratar um trabalhador, por
exemplo, para ajudar na Igreja, que professe a mesma religião? Da mesma forma, não poderá
um partido político, que pretende preencher um lugar de confiança política, limitar o
concurso aos seus filiados?
ii. Em qualquer caso, só serão ilícitas as discriminações abusivas, perversas, que não
encontrem um motivo justificável, como decorre dos arts. 25º/2 e 31º/3 CT.

As limitações estabelecidas nos concursos de acesso a emprego, que, em termos gerais, não implicam
qualquer ilegalidade, têm de se relacionar com o princípio da igualdade de tratamento. Importa
assim verificar em que medida tais limitações podem colidir com o princípio da não discriminação
(arts. 24º e ss. e 30º e ss. CT):

o Não obstante a celebração de contratos de trabalho se encontrar sujeita ao disposto no art. 13º
CRP, bem como ao princípio da igualdade de tratamento entre trabalhadores de ambos os
sexos (arts. 58º/2 b) e 59º/1 CRP e arts. 30º e ss. CT), certas discriminações baseadas no sexo
podem ser, em determinado contexto, admissíveis:

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

i. Tal como se estabelece com respeito à igualdade de retribuição no art. 31º/3 CT, são
aceitáveis as diferenciações “assentes em critérios objetivos”.
ii. Assim, não constitui discriminação o facto de se condicionar o recrutamento a um ou
outro sexo nas atividades da moda, da arte ou do espetáculo
iii. Conjugando com este regime diferenciador justificado (art. 25º/2), e portanto não
discriminatório, tem de se admitir que há um espaço de autonomia privada assente
em valores sociais que não tem conotação discriminatória.
iv. É também assim justificado que um casal com duas filhas, uma de 16 anos e outra de
meses, pretenda contratar uma babysitter, recusando a contratação de um homem,
pois, independentemente de qualquer juízo prévio de suspeição, não quer que, à
noite, esteja um homem em casa com a filha de 16 anos.

o Há determinadas profissões que, em função do sexo, constituem estereótipos socialmente


implantados, não podendo a mentalidade enraizada numa sociedade ser modificada por
uma norma de um diploma legal (RM). Assim, nomeadamente:
i. As profissões de parteira, secretária, manicura, costureira, engomadeira, lavadeira,
educadora de infância, são quase sempre desempenhadas por trabalhadoras do sexo
feminino;
ii. Atividades relacionadas com a construção civil, designadamente servente de
pedreiro, carpinteiro e pintor, bem como as profissões de estivador, moço de forcados,
jogador de futebol ou mineiro, socialmente, estão associadas a trabalhadores do sexo
masculino.

Assim, desde que a distinção não seja discriminatória, é lícito que o empregador opte; a autonomia
privada, neste ponto, tem como limite a discriminação, isto é, a perversidade na escola. Sendo lícita a
diferenciação baseada na natureza das coisas ou na diversidade das circunstâncias, importa, todavia,
justificar objetivamente a distinção (art. 25º/2).

Sendo injustificada a diferenciação, no anúncio de oferta de emprego ou qualquer publicidade não


se pode restringir a contratação a trabalhadores de um sexo ou sequer dar preferência baseada no
sexo (art. 30º/1).

Porém, deste preceito não se deduz que o concurso público, devidamente publicitado, onde se
estabelece tal discriminação, seja inválido. Mesmo admitindo que o concurso público pudesse ser
invalidado com base em discriminação sexual, tendo o empregador contratado outro trabalhador,
não seria de pôr em causa este contrato de trabalho, principalmente depois de o mesmo já se
encontrar em execução; em tal hipótese, sempre seria de ter em conta o princípio da ponderação da
consequência das decisões.

NOTAS:

1. Não podemos esquecer que esta discussão só tem sentido com respeito a discriminações
abusivas; se, por exemplo, for aberto concurso para uma passagem de modelos, nada impede
que se limite o acesso a interessados de um ou de outro sexo.
2. Na maioria das situações em que estão em causa anúncios, o empregador não se vincula a
contratar. Assim, uma discriminação apenas poderá levar a culpa in contrahendo.
3. Aliás, como referido, mesmo a discriminação abusiva, arbitrária ou perversa apenas constitui
na esfera do empregador uma obrigação de indemnizar (art. 28º).

53
Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

A igualdade de tratamento nunca pode ser total; principalmente no direito privado, deve ser deixada
uma margem para a autonomia contratual. O problema reside na compatibilidade entre os princípios
constitucionais, internacionais e comunitários, que apontam para a igualdade, por um lado, e a
autonomia privada, por outro. ROMANO MARTINEZ aponta a seguinte solução de
compatibilização: as diferenciações determinadas pela liberdade contratual, desde que assentes em
critérios objetivos, não colidem com o princípio da igualdade de tratamento.

Ainda quanto à igualdade de tratamento, cabe aludir às medidas positivas, baseadas num princípio
de proporcionalidade, a favor da mulher no acesso e na promoção do emprego, que podem ser
válidas nos termos limitados previstos no art. 27º CT:

 ROMANO MARTINEZ entende que a discriminação positiva, designadamente por via do


estabelecimento de quotas a favor de trabalhadores do sexo feminino assenta num
pressuposto inaceitável: a incapacidade das mulheres para concorrerem em pé de igualdade
com os homens no acesso aos postos de trabalho, o que é atentatório da sua dignidade.
 O Acórdão Kalanke, do Tribunal Europeu, determinou que “o artigo 2º, parágrafos 1 e 4 da
Diretiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da
igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e
promoção profissionais e às condições de trabalho, opõe-se a uma regulamentação nacional que, em
particular, determine automaticamente que, em igualdade de qualificações entre candidatos de sexos
diferentes em vista de uma promoção, seja dada prioridade às candidatas femininas”.
 Posteriormente, no Acórdão Marschall, em que estavam em causa medidas positivas,
estabelecidas num estado alemão, que beneficiavam as mulheres no acesso a postos de
trabalho, o tribunal, numa solução de compromisso, mantém a interpretação restritiva do art.
2º/4 da Diretiva, determinando que as medidas positivas que favorecem candidatos femininos
não podem determinar uma prioridade absoluta, mas conclui que se a prioridade concedida
aos trabalhadores do sexo feminino não é absoluta e incondicional, mas um elemento de
preferência, está contida nos limites da disposição.

Por último, cabe fazer referência ao ónus da prova.

Ao regime da igualdade e não discriminação em função do sexo (arts. 30º e ss.) aplicam-se as regras
gerais da igualdade e não discriminação (arts. 23º e ss.), nomeadamente a norma respeitante à
repartição do ónus da prova (art. 25º/5).

Assim sendo, para tais situações vale a repartição do ónus da prova constante do art. 342º CC, nos
termos do qual será o trabalhador que se considera discriminado a quem cabe fazer a prova dos factos
constitutivos do direito alegado: é o trabalhador lesado quem tem de alegar a discriminação em
função do sexo, fundamentá-la e indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se
considera discriminado (art. 25º/5 1ª parte).

Feita esta prova da diferenciação existente na empresa, cabe ao empregador demonstrar que as
diferenças em função do sexo invocadas não assentam num fator discriminatório, pois têm uma
justificação plausível (art. 25º/2 2ª parte).

Nos termos gerais, caberá ainda ao lesado a prova dos prejuízos que invoca.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

DIREITO COLETIVO

⭐ Sujeitos das Relações Coletivas

⇒ Estruturas de representação coletiva dos trabalhadores:

Comissões de trabalhadores:

A intervenção dos trabalhadores na empresa tem consagração constitucional, no art. 54º/1 CRP.

Concebe-se que os interesses do empresário empregador, em certa medida, se devem conciliar com
os interesses daqueles que, com o seu trabalho, mantêm a empresa em laboração. Importa harmonizar
tais interesses, pelo que se permite que haja alguma intervenção dos que laboram na empresa
relativamente ao poder do empresário. É nesta senda que surge o art. 64º CSC e que o art. 54º CRP
mantém a referência às comissões de trabalhadores e ao respetivo poder na empresa.

As comissões de trabalhadores vieram a ser institucionalizadas pela Lei n.º 46/79, de 12 de setembro
(LComT). A institucionalização de um contrapoder no seio da empresa e o facto de as despesas
inerentes ao exercício dos direitos por parte das comissões de trabalhadores serem suportados pela
própria empresa, leva a crer que nesta intervenção dos trabalhadores a original perspetiva
revolucionária, que esteve na base da constituição das comissões de trabalhadores, está ultrapassada
e estas perderam a sua carga ideológica.

O regime das comissões de trabalhadores transitou para os arts. 415º e ss. CT.

A intervenção das comissões de trabalhadores na vida da empresa funciona como partilha do poder
relativamente a aspetos que digam, direta ou indiretamente, respeito às relações laborais, como forma
de se conciliarem interesses, tendencialmente opostos.

No controlo de gestão atribuído às comissões de trabalhadores não se inclui o poder de direção


empresarial, pois estas não foram instituídas para coartar os poderes de direção do empregador (art.
423º) nem mesmo substituí-lo, ainda que de forma parcial, como se deduz do disposto nos arts. 416º
e ss.

Ou seja, verdadeiramente não há um controlo de gestão, mas apenas uma participação dos
trabalhadores sem coartar, nem retirar parcialmente, poderes ao empregador. No nosso sistema
jurídico, o papel das comissões de trabalhadores é relativamente diminuto, talvez por três razões:

1) Da parte dos empregadores há alguma relutância quanto à participação dos trabalhadores na


vida da empresa;
2) Os trabalhadores, por falta de informação, receio de represálias e inércia, acabam por não
tomar qualquer iniciativa;
3) Nota-se uma certa concorrência com os sindicatos e estes gostam de ver minimizado o papel
das comissões de trabalhadores.

No art. 415º/1 vigora um regime de unicidade, na medida em que em cada empresa só pode haver
uma comissão de trabalhadores. Mas no caso de a empresa ter estabelecimentos geograficamente
dispersos, os trabalhadores podem eleger subcomissões, como dispõe o art. 415º/2.

Como dispõe o art. 54º/2 CRP, a comissão de trabalhadores em cada empresa é constituída em
plenário de trabalhadores; este deverá ser convocado com a antecedência mínima de 15 dias por,
pelo menos, 100 ou 20%dos trabalhadores na empresa (art. 430º/3).

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

As comissões de trabalhadores têm uma composição variável, podendo ir de 2 até 11 membros (art.
417º), sendo os membros eleitos por um mandato que não pode exceder os 4 anos (art. 418º).

As atribuições das comissões de trabalhadores foram apelidadas, no art. 54º/5 CRP e no art. 423º CT
por “direitos”, apesar de nem sempre corresponderem a verdadeiros direitos subjetivos, mas antes a
prerrogativas.

Para além do disposto nas als. do n.º 5 do art. 54º CRP, especificado nas várias normas do CT (arts.
423º e ss.), as comissões de trabalhadores têm outras atribuições, como, por exemplo, em caso de
despedimento, individual ou coletivo, no qual os arts. 411º/2, 360º/1 e 361º CT admitem a
intervenção da comissão de trabalhadores em várias fases do procedimento.

Nos termos dos arts. 408ºe ss. CT, foi conferido aos membros das comissões de trabalhadores uma
proteção legal idêntica à dos restantes representantes dos trabalhadores, como os delegados sindicais:

a. Foi-lhes atribuído o direito à inamovibilidade, de molde a não serem transferidos de local de


trabalho sem o seu consentimento (art. 411º), independentemente de tal mudança não acarretar
prejuízo sério para o trabalhador;
b. Quanto ao despedimento, os membros das comissões de trabalhadores têm uma proteção
especial (art. 410º).

Por fim, as comissões de trabalhadores adquirem personalidade jurídica pelo registo dos seus
estatutos no Ministério do Trabalho (art. 416º). Deste modo, as comissões de trabalhadores são
associações a que, além das regras especiais já referidas, se aplica o regime geral das associações,
constante do CC.

Associações sindicais:

As associações sindicais são pessoas coletivas de tipo associativo e de direito privado (arts. 55º e 56º
CRP e 440º e ss. CT). Como associações de direito privado, estão sujeitas, para além das regras
laborais, aos arts. 167º e ss. CC, remissão que se encontra expressa no art. 441º CT.

 É preciso relembrar, no entanto, que esta remissão está limitada:


i. Por um lado, por exemplo, nos arts. 447º, 449º e 450º CT estabelecem-se regras diversas
daquelas que constam do CC;
j. Por outro lado, porque o TC declarou inconstitucional a remissão do art. 441º para o CC,
no que respeita à aplicação dos arts. 162º/2ª parte e 175º/2, 3 e 4 CC.

Conforme disposto no art. 442º/1 a), uma associação sindical tem quatro elementos identificadores:

1) Associação de pessoas;
2) Com caráter permanente – não podem ser associações de caráter esporádico;
3) As pessoas associadas num sindicato têm necessariamente de ser trabalhadores
subordinados – onde também se incluem os funcionários públicos;
4) A sua finalidade é a promoção e defesa dos interesses socioprofissionais dos associados.

Os sindicatos distinguem-se das ordens profissionais, designadamente, pelo facto de as ordens


profissionais não serem associações privadas, mas sim associações públicas, às quais se aplica o art.
267º/4 CRP.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

 Princípio de liberdade sindical (art. 55º CRP):

A liberdade sindical surge ainda, com respeito à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem,
na designada Lei Sindical, assim como no DL n.º 84/99, de 19 de março, para os trabalhadores da
administração pública.

Na liberdade sindical podem distinguir-se dois aspetos:

o Liberdade de os trabalhadores se associarem para constituir sindicatos e de se inscreverem


nos sindicatos já constituídos (arts. 55º/2 b) CRP e 444º CT), assim como a liberdade de os
inscritos num determinado sindicato se desvincularem do mesmo (art. 444º/6).
o Liberdade de as associações sindicais constituídas estabelecerem as próprias regras no que
respeita à sua organização, à sua regulamentação (estatutos), interesses a defender,
atividades a exercer, etc.

O problema das limitações à constituição de sindicatos prende-se com o debate acerca do pluralismo
e do monopólio sindical, onde se discute se, para uma determinada categoria profissional e num
mesmo âmbito geográfico, deverá existir um único sindicato ou poderão coexistir vários sindicatos:

 As razões invocadas em defesa da unicidade sindical são as seguintes:


i. Dá mais força às reivindicações dos trabalhadores, porque não se encontram
divididos; quando negoceiam com o empregador (ou empregadores) apresenta-se
uma única entidade que os representa, o que aumenta a pressão.
ii. A multiplicidade de sindicatos seria uma forma de colocar trabalhadores contra
trabalhadores, porque cada sindicato tentaria negociar da forma mais vantajosa para
os seus filiados, olvidando os demais e, seguidamente, os trabalhadores filiados no
sindicato que obteve condições mais vantajosas não apoiariam a luta dos restantes
trabalhadores.

Por outro lado, pode criticar-se a defesa da unicidade sindical alegando que, de facto, nos países onde
o pluralismo sindical existe há longos anos não deixaram de existir sindicatos com grande poder de
negociação. Não obstante haver uma pluralidade de associações sindicais representando a mesma
categoria de trabalhadores e atuando no mesmo âmbito geográfico, continuam a existir sindicatos
com grande poder negocial; além de que, em momentos de crise, os vários sindicatos costumam
associar-se na mesma luta. Por conseguinte, o pluralismo sindical não levaria propriamente a uma
total divisão dos trabalhadores e não implicaria também uma perda de poder de negociação coletiva.

Em Portugal, a partir de 1976, passou a haver a possibilidade de os sindicatos aderirem a uma ou


outra Confederação sindical ou, inclusive, de se manterem como independentes.

Atualmente, o princípio da liberdade sindical tem um argumento a seu favor: tal como vem expresso
na CRP (art. 55º) e que não é posto em causa pela referência à unidade dos trabalhadores constante
do n.º 1 do art. 55º CRP, em diplomas internacionais e em convenções da OIT, que Portugal ratificou,
não parece que se possam admitir limitações à constituição de sindicatos paralelos.

O princípio do pluralismo sindical, não obstante a sua consagração constitucional, ainda se encontra
sujeito a algumas limitações.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

 Constituição:

São essencialmente necessários dois atos para a constituição de um sindicato (art. 447º):

1. Ato de constituição da associação – subdivide-se em deliberação de constituição e deliberação


de aprovação dos estatutos;
2. Ato de registo dos estatutos do sindicato – é necessário para conferir ao sindicato
personalidade jurídica.
 Organização sindical:

A expressão “associações sindicais” abrange:

i. Sindicatos propriamente ditos – associação sindical de base, encontrando-se nele filiados


os trabalhadores subordinados.
ii. As federações, confederações e uniões (art. 442º a) a d)) – nestas, diferentemente dos
sindicatos, filiam-se pessoas coletivas (associações sindicais) e não pessoas singulares
(trabalhadores):
a. Quando sindicatos da mesma profissão ou do mesmo setor de atividade se associam,
estar-se-á perante uma federação (art. 442º/b)): exemplo, Federação Nacional dos
Professores.
b. A união corresponde também a uma associação sindical intermédia, mas com base
regional (art. 442º/c)): exemplo, uma união de sindicatos do distrito de Beja.
c. A confederação é uma associação sindical de nível nacional, com vista a representar
todos os trabalhadores do país, correspondendo assim à associação sindical de cúpula:
é o caso da UGT e da CGTP.

Atendendo à representação profissional, os sindicatos podem ser:

i. Horizontais – aqueles que representam trabalhadores da mesma profissão, que exercem a


mesma atividade. Por exemplo, o sindicato dos maquinistas;
ii. Verticais – representa trabalhadores com atividades afins, ou seja, o sindicato é constituído
por pessoas com diversas profissões, as quais têm alguma afinidade entre si. Por exemplo,
o sindicato dos bancários, o sindicato dos empregados de hotelaria. Nestes sindicatos, nem
todos exercem a mesma atividade, mas estão ligados ao mesmo setor.

Os vários aspetos, profissional e geográfico, delimitam o âmbito de representação da associação


sindical. Estes aspetos são identificadores do tipo e, como tal, devem constar da própria denominação
(art. 450º/3).

 Atividade sindical:

A atividade sindical tem, essencialmente, duas vertentes:

1) Tradicional atividade sindical – apresenta-se como reivindicativa relativamente aos


empregadores e, mais recentemente, face ao Estado (ex: reivindicação do aumento do salário
mínimo nacional). A associação sindical exige aos empregadores a melhoria das condições de
trabalhado para os seus associados.

Resume-se, essencialmente:

i. À celebração de convenções coletivas de trabalho (art. 56º/3 CRP e 443º/1 a));

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

ii. À declaração de greve (art. 531º/1).

2) Atividade sindical não tradicional – respeita, por um lado, à promoção sociocultural dos
associados e, por outro, à prestação de serviços a esses mesmos associados (art. 443º/1 b)).
Como exemplos podem apresentar-se os cursos de formação profissional e ainda a prestação
pelas associações sindicais aos associados de serviços médicos, jurídicos, estabelecimento de
cantinas e de supermercados, etc. Mas a prestação de serviços económicos tem de se
circunscrever aos associados, pois de outro modo os sindicatos de associações poder-se-iam
transformar em sociedades com fins lucrativos, especificamente assumida em relação às
associações de empregadores no art. 443º/3.

O princípio do pluralismo sindical, associado com a possibilidade de se constituírem sindicatos de


tipo diverso, leva a que, em determinadas circunstâncias, um mesmo trabalhador possa estar inscrito
em mais de um sindicato; para tal, é necessário que as diferentes atividades do trabalhador estejam
abrangidas no âmbito de vários sindicatos.

 Extinção:

Os sindicatos extinguem-se por:

i. Decisão judicial – em primeiro lugar, se os estatutos não se mostrarem conformes à lei


(art. 447º/8). No CT não se acrescentam outras formas de extinção judicial. Deste modo,
será necessário recorrer às regras gerais do Direito civil para determinação de outros
modos de extinção:
 Ainda que não seja unânime, parte da doutrina (RM) entende que nada obsta à
aplicação do art. 182º CC com respeito à extinção das associações sindicais.

ii. Voluntariamente – pode encontrar previsão nos próprios estatutos (art. 450º/1 c)). A
extinção voluntária pode ser automática ou mediante deliberação.

Existe uma especificidade em caso de extinção dos sindicatos, que se prende com o destino dos bens.
Nos termos do art. 450º/5, “em caso de dissolução de uma associação sindical, os respetivos bens não podem
ser distribuídos pelos associados”. Nos termos do art. 166º CC, admite-se que, em determinados
casos, os bens de uma associação extinta sejam atribuídos a outra pessoa coletiva, sendo essa
atribuição feita judicialmente.

Associações de empregadores:

Estas constituem pessoas coletivas de direito privado e de base associativa, regidas pelos arts. 440º e
ss. CT e pelas regras gerais aplicáveis às associações (arts. 167º e ss. CC).

Com a revisão de 2009 do CT, houve a preocupação de minimizar as diferenças entre os sindicatos e
as associações de empregadores, acabando por se encontrarem reguladas nos mesmos preceitos.

No art. 440º/2 prevê-se a possibilidade de vários empregadores se associarem para a defesa e


promoção de interesses empresariais comuns. MONTEIRO FERNANDES critica a noção legal,

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

considerando que os interesses empresariais transcendem largamente o domínio das relações de


trabalho.

Empregador é aquele que contrate um ou mais trabalhadores, mediante a celebração de contrato de


trabalho e a associação de empregadores corresponde, tendencialmente, a um agrupamento de
empresários que são empregadores. Das associações de empregadores só podem fazer parte
entidades privadas (art. 442º/2 a)).

Uma particularidade é o facto de se permitir a filiação de empresários não empregadores, o que leva
a concluir que as associações de empregadores não têm somente uma função de defesa dos interesses
dos empregadores a nível das relações laborais, permitindo-se que tais empresários se associem em
associações de empregadores para beneficiar de outras vantagens que elas oferecem (todavia, vide
art. 444º/4).

As associações de empregadores enquadram-se no regime comum das associações, previsto nos arts.
167º e ss. CC, porque tanto a sua génese como as respetivas funções não apresentam especificidades
relevantes, daí que ROMANO MARTINEZ diga que as associações de empregadores não
justificavam o estabelecimento de um regime excecional tão pormenorizado.

Também em relação aos empregadores vale um princípio geral de liberdade de associação.

 Constituição:

A lei não estabeleceu limites para a constituição de associações de empregadores. Estas associações
podem constituir-se livremente. Há a ter em conta, em tudo o que não esteja determinado nos arts.
447º e ss. CT, o disposto nos arts. 167º e ss. CC.

Para a constituição de uma associação de empregadores é necessário:

1. A existência de uma assembleia constituinte – onde se delibera e vota quanto à constituição


da associação, tal como em qualquer outra associação;
2. Exigência de um pedido de registo junto do Ministério do Trabalho (art. 447º/1) – o
requerimento tem de ser acompanhado da ata da assembleia constituinte e dos estatutos
aprovados nessa mesma assembleia (art. 447º/2). É com o registo que a associação adquire
personalidade (art. 448º). Depois de registada, procede-se à publicação dos respetivos
estatutos no Boletim do Trabalho e Emprego (art. 447º/4 a)).

Mesmo após a constituição, a associação só pode iniciar a sua atividade após a publicação dos
estatutos ou o decurso de 30 dias desde o registo (art. 447º/4 a)).

 Atribuições:

As atribuições das associações de empregadores dividem-se em dois tipos:

i) Relações laborais – competência tradicional. Destaca-se:


a. Possibilidade de outorgar CCT;
b. Defesa e promoção dos direitos e interesses dos associados ao nível das respetivas
relações laborais, designadamente na concertação social;
c. Direito de participarem na elaboração da legislação de trabalho (arts. 469º e ss.);

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

d. Possibilidade de tentar resolver conflitos laborais por meios pacíficos.

ii) Prestação de serviços aos associados de caráter económico e social – esta função
encontra-se hoje limitada.

O princípio da especialidade (art. 160º CC) determina que as associações de empregadores não
podem extravasar as atribuições legais.

 Extinção:

No CT prevê-se somente a possibilidade de extinção judicial com base em ilegalidade na constituição


dos estatutos ou no registo de uma associação de empregadores (art. 447º/8). As restantes hipóteses
de extinção por via judicial e extrajudicial estabelecem-se em moldes idênticos ao que se verifica em
relação às associações sindicais.

Valem aqui também as causas de extinção das associações em geral no art. 182º CC, em particular no
art. 182º/1 e).

INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO

⭐ Princípios Gerais

Os Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho (IRCT) inserem-se entre as fontes coletivas


de Direito do trabalho, que representam uma especificidade deste Direito, pois surgem como regras
produto da autorregulamentação de interesses (art. 1º CT).

Os IRCT dividem-se em (art. 2º CT):

i. IRCT negociais – onde há uma típica autorregulamentação de interesses;


ii. IRCT não negociais – pressupõem a intervenção governamental.

Como princípios gerais, indicados nos arts. 476º e ss., importa aludir novamente ao princípio do
tratamento mais favorável: do art. 476º CT resulta que as disposições dos IRCT podem ser afastadas
por cláusula de contrato de trabalho, desde que nessa cláusula se estabeleçam condições mais
favoráveis para o trabalhador.

 Parte-se do pressuposto de que, por via de regra, no IRCT se prescrevem condições mínimas,
podendo o contrato estabelecer para além destas, de modo mais favorável ao trabalhador.

Além da necessidade de o IRCT revestir forma escrita (art. 477º CT) e de lhe ser dada publicidade na
empresa (art. 480º CT), cabe atender aos limites constantes do art. 478º CT: neste artigo estabelecem-
se limites à autonomia privada, que também valem para os IRCT não negociais.

Das als. do n.º 1 do art. 478º, depreende-se que há uma distinção a fazer. Os limites resultam
simplesmente da subordinação do IRCT à lei:

i) Da al. a) resultam limitações ao conteúdo do IRCT que são evidentes, mas que a sua falta
pode gerar dúvidas. Por exemplo, prescrever que não podem contrariar normas legais

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

imperativas seria desnecessário, por demasiado óbvio, mas como tal limitação constava
da legislação anterior, a sua exclusão poderia suscitar dúvidas.
ii) Da al. b) depreende-se que no IRCT não devem ser preceituados aspetos relacionados com
as atividades económicas, as quais serão deixadas à autonomia do empresário. Tais
questões, podendo ter repercussões indiretas na relação laboral, são predominantemente
económicas, não devendo o IRCT imiscuir-se, pois tal iria pôr em causa o princípio de
liberdade empresarial. Por outro lado, tal intervenção poderia, eventualmente, acarretar
distorções no plano da concorrência entre empresas e os IRCT não podem contribuir para
colocar entraves à liberdade de concorrência entre empresas.
iii) Na al. c) encontra-se reafirmado o princípio geral da não retroatividade das normas,
válido no âmbito dos IRCT, admitindo-se uma exceção, no que respeita às cláusulas de
natureza pecuniária que constem de instrumento negocial de regulamentação coletiva de
trabalho. Esta exceção justifica-se a fim de evitar que o protelar de negociações contribua
para a perda do valor real do salário durante esse período.

⭐ Instrumentos Negociais de Regulamentação Coletiva de Trabalho

⇒ Convenção coletiva de trabalho (CCT):

A CCT inclui-se entre as fontes coletivas de Direito do trabalho e integra-se num fenómeno de
autorregulamentação de interesses, assimilável a um contrato, tendo, portanto, pontos de contacto
com os negócios jurídicos.

A posição atual relativamente à intromissão do Estado é a de regresso ao sistema inicial da não


intervenção estadual, deixando à autonomia privada dos parceiros sociais a celebração de CCT.

A CCT pode definir-se como o contrato celebrado entre sindicados e associações de empregadores
ou empregadores com vista a estabelecer regras relativas às condições de trabalho de uma
determinada profissão ou conjunto de profissões análogas ou com determinadas interligações.

A CCT é uma fonte convencional de Direito do trabalho, assente no art. 56º/3 CRP. A sua regulação
surge agora nos arts. 485º e ss. CT.

Enquadramento contratual:

As CCT enquadram-se no esquema de Direito privado, com algumas especificidades:

1) Trata-se de um acordo ajustado por sujeitos de direito privado, concretamente associações


sindicais e de empregadores (eventualmente também por empregadores não associados);
2) Existe a especificidade da portaria de extensão, mediante a qual aquele IRCT se passa a aplicar
a entidades que não a celebram, nem estão filiadas nas associações signatárias (arts. 514º e ss.
CT).
3) Mas, a regra geral, e com base no princípio da filiação (art. 496º CT), as CCT só valem em
relação a quem esteja, direta ou indiretamente, representado pelos negociadores.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Tipos:

Nos termos do art. 2º/3, a CCT pode revestir três formas:

i. Contrato coletivo – convenção celebrada entre sindicatos e associações de empregadores,


constituindo uma forma de contratação coletiva generalizada em Portugal em razão da
pulverização das pequenas e médias empresas.
ii. Acordo coletivo – são partes as associações sindicais e vários empregadores
individualmente considerados.
iii. Acordo de empresa – é também uma CCT, mas celebrada entre sindicatos e um
empregador para vigorar numa determinada empresa. É uma forma de contratação
coletiva frequente no domínio das grandes empresas.

Estas distinções são relevantes a dois níveis:

 Determinação do âmbito pessoal (pelo lado do empregador) de aplicação da convenção


coletiva;
 Concurso entre convenções coletivas – tendo em conta o princípio de especialidade,
prevalecerá o acordo de empresa sobre o acordo coletivo e este sobre o contrato coletivo (art.
482º/1 a) e b) CT).

Também no que toca ao âmbito de aplicação, mas atendendo ao tipo de trabalhadores, é possível
distinguir:

a) Convenções horizontais – destinam-se a regular as relações laborais dos trabalhadores que


desempenham a mesma atividade (ex: enfermeiros);
b) Convenções verticais – destinam-se a aplicar-se a trabalhadores de um dado setor que
realizam tarefas afins (ex: setor de hotelaria).

Por último, as CCT podem distinguir-se tendo em conta o seu âmbito geográfico de aplicação:

 Convenções comunitárias;
 Convenções nacionais;
 Convenções regionais;
 Convenções setoriais.

Negociação:

I- Legitimidade

A negociação de uma CCT deverá ser feita por quem tenha capacidade para a celebrar. Têm
capacidade para celebrar CCT:

i. As associações sindicais;
ii. Os empregadores e as associações de empregadores;
iii. Por vezes surgem CCT atípicas, negociadas por representantes de trabalhadores que não
assumem a natureza de sindicato;
iv. Em casos limitados, admite-se a celebração de CCT por comissões de trabalhadores (art.
491º/3 CT). Discute-se, porém, se as comissões de trabalhadores, em tal caso, apesar de
celebrarem a convenção coletiva, são parte nesse instrumento, pois, como dispõe a norma,

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

o sindicato “pode conferir (…) poderes para (…) contratar com a empresa”, indiciando que,
originariamente, os poderes são da associação sindical.

Todavia, a negociação e celebração de CCT não será feita diretamente por estas entidades, pois são
pessoas coletivas, cabendo às pessoas individuais, representantes dessas entidades (sindicatos,
associações de empregadores e empregadores). Os legítimos representantes são os que vêm
indicados nas várias als. do n.º 2 do art. 491º CT. O art. 491º/2 concretiza apenas o princípio geral
de representatividade das pessoas coletivas do Direito civil.

Como se referiu, a negociação de uma convenção coletiva não se encontra na dependência da


representatividade do sindicato, pelo que a associação sindical na qual se encontre filiada uma
minoria de trabalhadores de um setor ou de uma empresa tem a mesma legitimidade jurídica para
negociar uma CCT do que o sindicato que representa a maioria desses trabalhadores.

E ainda que a maioria dos trabalhadores do setor ou da empresa não esteja sindicalizada, a associação
sindical tem legitimidade para celebrar uma convenção coletiva.

II- Processo

O processo de negociação vem regulado nos arts. 486º e ss. CT. Importa, desde logo, fazer uma
distinção entre:

a) Negociação em sentido amplo – qualquer tentativa de aproximação das partes relativamente


a um futuro negócio jurídico. Neste sentido:
i. A negociação inicia-se com uma proposta, normalmente oriunda de um sindicado,
elaborada com vista à celebração de uma CCT;
ii. A proposta deverá revestir forma escrita e importa que estejam justificadas todas as
pretensões nela contidas (art. 486º/2);
iii. Além disso, a proposta terá de ser enviada em duplicado, sendo o original para o
destinatário e a cópia dirigida ao Ministério do Trabalho (art. 490º/2).
iv. No art. 486º tem-se em conta uma proposta com determinados elementos (art. 486º/2),
que, sendo aceite na resposta (art. 487º/3), determina a celebração da CCT.
 Mas nem sempre assim ocorrerá. Apesar de o IRCT se poder formar pelo mero
encontro entre proposta e resposta, por via de regra a proposta prevista no art.
486º, que deve ser respondida (art. 487º/1), dá origem a negociações. Como
resulta do n.º 3 do art. 487º, a entidade destinatária da proposta, na resposta,
pode recusá-la ou apresentar uma contraproposta.

b) Negociação em sentido restrito (art. 490º/1) – relaciona as negociações com os contactos


diretos, ou seja, com as situações em que as partes se sentam à mesma mesa a discutir os
termos da futura convenção coletiva. Os contactos indiretos, verificados através da proposta
e da resposta, para o legislador, não são “negociações”, em sentido estrito, mas “processo de
negociação” (art. 486º/1).

O destinatário da proposta, em princípio uma associação de empregadores ou um empregador, tem


30 dias para responder, contados da data da receção da proposta (art. 487º/1).

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

A resposta tem igualmente de ser feita por escrito, sendo enviada uma cópia para o Ministério do
Trabalho (art. 487º/1). Relativamente aos pontos em que o destinatário esteja em desacordo com a
proposta, deve formular contrapropostas (art. 487º/2). Tanto a resposta como as contrapropostas que
sejam eventualmente apresentadas têm de ser escritas e fundamentadas nos mesmos termos da
proposta (art. 487º/1). A resposta é uma declaração recipienda.

No art. 487º/1 infere-se a existência de uma obrigação de resposta e de formulação de


contrapropostas, contrariamente ao que acontece nos termos gerais do direito civil. Se o destinatário
da proposta não lhe der resposta, há a possibilidade de recurso à conciliação, prevista nos arts. 523º
e ss. CT, com vista a solucionar aquele conflito (art. 487º/4).

Depois da proposta e resposta e antes das negociações diretas, as partes podem ajustar um protocolo
negocial, nos termos do qual aceitam nomeadamente um calendário e determinadas regras
processuais que nortearão as negociações (art. 489º/1 CT). Nas negociações diretas, as partes devem
proceder de boa fé, como dispõe o art. 489º/1, preceito que representa tão só a consagração do
princípio geral de culpa in contrahendo, consagrado no art. 227º CC.

Estando em causa a discussão de vários pontos, o que normalmente acontece, o art. 488º determina
que se deve dar prioridade à negociação de matéria respeitante à retribuição e ao tempo de trabalho.
Não obstante esta prioridade legal, as partes têm total liberdade no que respeita à determinação das
matérias a discutir e à condução das negociações, pois está-se no domínio da autonomia privada.

A negociação, uma vez iniciada, pode ser suspensa por qualquer das partes. A autonomia privada
permite a ambas as partes estabelecer objeções à continuação das negociações e, se assim acontecer,
cabe recurso para a conciliação, a mediação ou a arbitragem, nos termos dos arts. 526º e ss., como
formas específicas de resolução de conflitos.

Celebração e depósito:

Se as negociações chegarem a bom termo, os representantes dos sindicatos, das associações de


empregadores ou dos empregadores, indicados no art. 491º, podem celebrar a CCT.

A CCT tem de ser celebrada por escrito e assinada pelos outorgantes (arts. 477º e 491º/1). Para além
disto, da CCT tem de constar os elementos indicados no art. 492º, ou seja:

i. A indicação de quem foram as entidades celebrantes, para se saber a quem é que se aplica;
ii. A menção da área geográfica da sua aplicação, igualmente para determinar quem são os
destinatários da mesma;
iii. A indicação do âmbito de aplicação, i.e., a que profissão, por exemplo, se destina a CCT;
iv. A indicação da data da sua celebração;
v. A indicação de critérios de preferência entre IRC;
vi. A indicação de previsão relativamente à constituição de comissões paritárias, que têm por
função interpretar a CCT (art. 492º/3).

Depois de celebrada a CCT, dever-se-á proceder ao seu depósito nos serviços competentes do
Ministério do Trabalho (art. 494º/1), concretamente na Direção-Geral do Emprego e das Relações de
Trabalho. Este depósito tem por finalidade uma intervenção pública de controlo administrativo da
legalidade da convenção, podendo o Estado exercer essa verificação por via da recusa do registo (art.
494º/4, 5 e 6). Mas esta apreciação efetuada pelos serviços do MT é meramente formal, pois não pode

65
Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

incidir sobre aspetos substanciais da CCT. Há apenas uma exceção, quanto à matéria da igualdade
e não discriminação, cuja legalidade deve ser averiguada (art. 479º).

De facto, nos termos do art. 494º/4, o depósito da decisão arbitral será recusado desde que não se
encontre preenchida qualquer uma das cinco exigências seguintes:

1) Não obedecer ao disposto no art. 492º/1 (conteúdo);


2) Não ser acompanhada dos títulos de representação exigidos no art. 491º/2 d);
3) Haver falta de capacidade dos outorgantes para a celebração do instrumento;
4) Não ter sido entregue em documento eletrónico;
5) Não ser acompanhada do texto consolidado se tiver havido três alterações ou modificações
em mais de dez cláusulas.

Como resulta da indicada remissão para o art. 492º, na CCT dever-se-á atender obrigatoriamente ao
conteúdo obrigatório indicado no preceito.

A falta de resposta dos serviços do MT durante 15 dias após a receção do IRCT determina a aceitação
tácita do depósito (art. 494º/5). Após o depósito da CCT, ela deve ser publicada no Boletim do
Trabalho e Emprego, e só depois de publicada entra em vigor (art. 519º/1).

Conteúdo:

I- Objeto da regulamentação coletiva:

O legislador, além de aludir ao conteúdo mais programático da convenção coletiva (art. 492º/2), em
que a autonomia privada não é coartada, estabelece aspetos em que se impõem às partes:

i. A existência de comissão paritária (art. 493º);


ii. Elementos de conteúdo obrigatório (art. 492º)

Por outro lado, tendo em conta o art. 492º, é frequente fazer-se uma distinção entre as cláusulas de
conteúdo obrigacional e as de cariz regulativo, podendo estas últimas subdividir-se em cláusulas de
aplicação imediata e cláusulas que carecem de concretização.

II- Cláusulas de conteúdo obrigacional:

O conteúdo obrigacional de CCT respeita às regras que disciplinam as relações entre as partes
signatárias, como vem previsto no art. 492º/2 a). Neste preceito exemplificam-se situações de
conteúdo obrigacional, aludindo às cláusulas que respeitam:

a) À verificação do cumprimento da convenção;


b) À resolução dos conflitos derivados da sua aplicação;
c) À revisão da própria convenção coletiva;
d) Vigência e efeitos da extinção (al. h));
e) Definição de serviços mínimos em caso de greve (al. g)).

É ainda costume fazer-se alusão à chamada cláusula de paz social (art. 542º), que impõe às partes
(concretamente, ao sindicato) a obrigação de não intentar formas de luta coletiva num período

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

determinado, em princípio naquele em que a convenção estiver em vigor. Isto porque, tendo-se
chegado àquele consenso, deve manter-se a paz social nele estabelecida.

III- Cláusulas de conteúdo regulativo:

Correspondem às normas típicas das convenções coletivas (ex: art. 492º/2 b), c) e e)). Numa
convenção coletiva estas são as cláusulas de maior relevância, pois têm em vista regular as relações
individuais de trabalho estabelecidas entre trabalhadores e empregadores filiados nas associações
outorgantes. Estas cláusulas aplicam-se diretamente aos contratos de trabalho em vigor.

Nas normas regulativas são de incluir as regras que disciplinam as condições de trabalho com
aplicação nos contratos individuais, nomeadamente:

i) Tabelas retributivas;
ii) Duração do trabalho;
iii) Descansos semanais;
iv) Férias;
v) Determinação das categorias profissionais;
vi) Promoção dos trabalhadores.

Apesar de terem uma natureza híbrida, também se podem incluir no âmbito do conteúdo normativo
as cláusulas que respeitam à institucionalização dos processos de resolução pacífica de conflitos
emergentes de contratos individuais de trabalho. Frequentemente, em convenções coletivas incluem-
se cláusulas que respeitam a formas de resolução pacífica de conflitos laborais (art. 492º/2 f)). Tais
cláusulas não impõem uma paz social no domínio das relações individuais, pois não impedem
qualquer forma de luta coletiva, sendo, por conseguinte, válidas.

 Cláusulas de aplicação imediata e cláusulas que carecem de concretização futura:

Na maioria das situações, as cláusulas de conteúdo regulativo são de aplicação imediata em relação
aos contratos individuais de trabalho em vigor. Estas são as normas de CCT mais relevantes, e, como
exemplo, temos o estabelecimento de nova tabela salarial, a qual se aplicará a partir do momento em
que a CCT entre em vigor, muitas vezes neste caso com eficácia retroativa.

Mas admite-se uma segunda situação em que as cláusulas constantes de uma CCT não sejam de
exequibilidade imediata, pois necessitam de uma concretização futura, a efetuar, em princípio, pelo
empregador. Enquanto não se verificar a concretização, não pode ser exigido o seu cumprimento.
Aqui incluem-se, por exemplo, regras respeitantes a questões sociais, indiretamente relacionadas
com a prestação de trabalho, tais como:

i. Abertura de uma cantina para os trabalhadores;


ii. Abertura de uma creche para os filhos dos trabalhadores;
iii. Regras respeitantes ao fornecimento de transportes para os trabalhadores.

Estas cláusulas necessitam de concretização; há que fazer obras, comprar autocarros, etc.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Se o empregador não procede à concretização de tais cláusulas, viola a CCT e haverá uma obrigação
de indemnizar os trabalhadores, para além de sujeição às sanções previstas no art. 521º, porque a
violação de normas de IRCT constitui uma contraordenação leve ou grave, consoante as
circunstâncias (art. 521º/1 ou 2). Na opinião de RM, no entanto, o recurso à execução específica dessas
cláusulas não parece viável:

 Por um lado, em Direito do trabalho não é esse o recurso normal perante o incumprimento de
obrigações, como ocorre em sede de contrato-promessa de trabalho (art. 103º/3);
 Por outro lado, a execução específica, em determinados casos, implicaria uma intromissão
inadmissível na atividade empresarial.

Contudo, por vezes, em relação à violação de cláusulas que impõem prestações de coisa ou de facto
fungível, pode eventualmente defender-se o recurso às regras gerais da execução específica, nos
termos do art. 827º e ss. CC.

IV- Limites:

No art. 492º estabelece-se o que pode ser regulado numa CCT, impondo-se aspetos que devem ser
incluídos, mas é necessário atender aos limites aplicáveis a todos os instrumentos, constantes do art.
478º, onde se coarta a autonomia privada.

Interpretação e integração:

Quanto às CCT, na parte obrigacional dever-se-ão aplicar os arts. 236º e ss. CC. Partindo do
pressuposto de que as CCT, na parte regulativa, como produzem efeitos em relação a terceiros, se
aproximam da lei, quanto à sua interpretação deve recorrer-se ao art. 9º CC.

A interpretação e a integração das CCT seguem as regras gerais, não valendo neste ponto qualquer
particularidade digna de menção. Há, todavia, dois regimes especiais:

1) Constante do art. 493º - prevê a criação de comissões paritárias de interpretação, devendo


das CCT constar regras quanto à constituição de tais comissões. Estas comissões têm em vista
interpretar e integrar as disposições da CCT, e têm de ser constituídas por acordo, não
surgindo por mero efeito da lei. As comissões deverão ser compostas por número igual de
representantes das entidades signatárias (art. 493º/1). Se a comissão paritária, por
unanimidade, interpretar ou integrar uma norma da convenção coletiva num determinado
sentido, essa deliberação considera-se como regulamentação do instrumento e deverá ser
depositada e publicada nos mesmos termos prescritos para a convenção coletiva (art. 493º/3).
A norma da convenção coletiva passará, assim, a valer com a interpretação feita pela comissão.

Mas é discutível que esta interpretação tenha o valor de uma interpretação autêntica, nos termos do
art. 13º CC; a interpretação autêntica, em princípio, produz efeitos retroativos. Mas quanto à
interpretação feita pela comissão paritária, é discutível que assim seja:

a. As CCT não se enquadram na noção de lei, pelo que não se justifica a aplicação do art. 13º/1
CC;

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

b. O art. 478º/1 c) restringe a eficácia retroativa das regras constantes de uma convenção, exceção
feita para as questões emergentes da aplicação das cláusulas de natureza pecuniária.

2) A segunda exceção quanto à interpretação respeita ao facto de o Ac. do STJ que interprete
uma convenção coletiva ter o valor ampliado de revista. Trata-se de uma situação especial no
domínio laboral, em que se prevê a possibilidade de existir um acórdão de uniformização de
jurisprudência, ainda que não haja decisões contrárias, no qual o STJ faz uma interpretação de
cláusulas de uma CCT (arts. 183º e 186º CPT).

Aplicação:

I- Início da vigência:

Quanto à aplicação da CCT, é usual distinguir-se:

o Âmbito pessoal (arts. 496º e ss.);


o Âmbito temporal (arts. 499º e ss.);
o Âmbito geográfico (art. 492º/1 c)).

Por via de regra, as CCT entram em vigor decorrido o prazo de vacatio, de 5 dias a partir da data da
sua publicação, valendo o regime geral aplicável aos diplomas legais (art. 519º/1).

A CCT entra em vigor numa determinada data e só produz efeitos para o futuro (art. 478º/1 c)), nos
termos gerais do art. 12º CC. Todo o regime que vigorou até essa data não é afetado, exceto no que
respeita às cláusulas de natureza retributiva, em que a eficácia retroativa se justifica para evitar a
perda do salário real do trabalhador, principalmente em caso de inflação.

Entrando em vigor, a CCT é de eficácia imediata quanto aos contratos de trabalho em vigor e as
normas destes, que eventualmente estejam em contradição com aquela, deixam de valer, não
podendo subsistir na relação inter partes, a menos que disponham em sentido mais favorável para o
trabalhador (art. 476º).

II- Princípio da filiação:

O princípio da filiação reporta-se ao âmbito pessoal da CCT. Nos termos do disposto no art. 496º,
vale o princípio segundo o qual as regras de uma CCT só têm aplicação relativamente aos contratos
de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias. Assim, é necessário (art.
496º/1):

i) Por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgantes


ou tenha sido ele próprio outorgante;
ii) Por outro lado, que o trabalhador esteja filiado na associação sindical signatária.

A jurisprudência tende a entender que caberá ao trabalhador provar a sua filiação sindical para
invocar a aplicação da CCT, mas o facto de o trabalhador não ter dado conhecimento ao empregador
da sua filiação não lhe retira os direitos que decorrem da CCT.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

Admite-se ainda a aplicação deste princípio no caso de uma filiação em cadeia, i.e., se a convenção
coletiva foi negociada por uma confederação, união ou federação, aplica-se às associações nela
filiadas e, por sua vez, aos filiados nestas associações (art. 496º/2).

Para efeitos de aplicação da CCT, consideram-se filiados nas associações outorgantes:

(a) Os trabalhadores e empregadores que tinham o estatuto de membros no início do processo


negocial;
(b) Os trabalhadores que se filiarem durante o período de vigência da CCT (art. 496º/3),
admitindo-se assim que a CCT, em casos pontuais, se aplique a não filiados;
(c) Em algumas circunstâncias admite-se também que a CCT se aplique, durante um período
determinado, àqueles que se desfiliarem das entidades outorgantes (art. 496º/4).

Na prática, ocorre por vezes que as CCT se aplicam também a quem não esteja filiado nas
organizações signatárias: é frequente o empregador aplicar a CCT a todos os trabalhadores, não só
aos filiados no sindicato outorgante, mas também a outros trabalhadores que não estão nele filiados.

 Esta solução justifica-se pelo facto de o empregador ter interesse em que todos os
trabalhadores da empresa tenham um estatuto semelhante; não é prático para um empregador
ter na sua empresa trabalhadores com categorias idênticas e estatutos diferentes.

Para além destas situações, há ainda duas exceções ao princípio da filiação:

1) Como dispõe o art. 497º, permite-se que um trabalhador não filiado possa escolher qual dos
IRCT vigentes na empresa se lhe aplica. Assim, permite-se que possa haver escolha de CCT
por parte de trabalhadores não filiados no sindicato outorgante, mediante um pagamento à
associação signatária (art. 492º/4).
2) O art. 498º preceitua que a CCT se aplica à entidade adquirente de estabelecimento ou
empresa onde vigorava um IRCT até ao termo da respetiva vigência. Além da filiação, a
aplicação da convenção coletiva está na dependência do seu âmbito, e só se aplica aos
trabalhadores cujas profissões ou categorias profissionais esteja nela previstas.

III- Termo da vigência; caducidade:

A CCT destina-se a vigorar durante o período que nela foi estipulado, que é supletivamente de um
ano (art. 499º), renovando-se no fim do prazo, se nenhuma das partes a denunciar (art. 500º). É de
referir ainda que nada impede que a CCT estabeleça expressamente a sua não renovação. A lei é
omissa em relação aos casos em que a CCT prevê o período de vigência e nada diz quanto à renovação
nessa situação. Entende-se que, quando não se verifiquem razões para considerar que a CCT
pretendeu evitar a renovação (períodos curtos de vigência), deve esta considerar-se também como
renovável anualmente4.

A CCT pode vigorar depois de denunciada, verificando-se a sua sobrevigência, se as partes,


entretanto, entabularam negociações ou decorrem processos de conciliação, mediação ou arbitragem
com vista à sua substituição (art. 501º/2 e 3).

4LGS entende que a renovação é sempre pelo prazo de um ano; outra parte da doutrina entende que o período de renovação
deve ser correspondente ao período de vigência da CCT.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

O problema está em saber se se pode protelar a vigência da CCT indefinidamente. Perante um


impasse nas negociações pode recorrer-se à conciliação, mediação e arbitragem, mas não parece
viável manter uma CCT indefinidamente em vigor (neste sentido, ROMANO MARTINEZ).

Para a caducidade e sobrevigência de CCT prescreve-se um regime complexo, em articulação com a


arbitragem (arts. 500º e ss.), que se tem de conjugar com o art. 10º Lei n.º 7/2009.

Celebrada a CCT, em princípio, qualquer das partes pode livremente denunciá-la (art. 500º/1), mas
a denúncia não implica automaticamente a extinção dos efeitos da CCT, pois tem necessariamente de
ser acompanhada de uma proposta (art. 500º/1). A denúncia funciona como meio de se proceder a
novas negociações com vista a substituir a CCT em vigor, mas não implica que, naquele momento,
os seus efeitos se extingam, pois a CCT denunciada mantém-se em vigor durante o período em que
decorrem as negociações com vista à sua substituição.

A sobrevigência, contudo, não pode ser indefinida; só se justificaria durante o período negocial, mas
a questão assume particular complexidade atento o art. 501º/2 e ss. Havendo denúncia e verificados
os pressupostos para a sua caducidade, a CCT mantém-se em regime de sobrevigência, pelo menos
durante 12 meses, tendo em vista a negociação, mediação, conciliação ou arbitragem (art. 501º/3).

A CCT também deixa de vigorar se for substituída por outra (ou por uma decisão arbitral) e ainda
em caso de revogação ou de resolução por alteração das circunstâncias.

Ainda que não surja novo instrumento, se a CCT denunciada fizer depender a sua cessação de
vigência da substituição por outro instrumento, caduca decorridos 3 anos após a verificação de
qualquer das situações indicadas nas als. do n.º 1 do art. 501º.

Caducando a CCT, nos termos do art. 501º/8, mantêm-se os efeitos “até à entrada em vigor de outra
convenção ou decisão arbitral (…) os efeitos acordados pelas partes ou, na sua falta, os já produzidos
pela convenção nos contratos de trabalho no que respeita a retribuição do trabalhador, categoria e
respetiva definição, duração do tempo de trabalho e regimes de proteção social (…)”.

Tendo a CCT caducado em consequência da denúncia, cabe aos serviços do Ministério responsável
pela área laboral proceder à publicação no Boletim do Trabalho e Emprego de avisos sobre a data da
cessação da vigência do IRCT (art. 502º/6). Estes serviços não podem recusar a publicação do anúncio;
aliás, o controlo feito pelos serviços do Ministério do Trabalho é de mera conformidade formal,
estando assim vedada qualquer apreciação respeitante ao fundamento da denúncia ou à validade
da caducidade da CCT.

O controlo material da denúncia e dos respetivos efeitos está a cargo dos tribunais (arts. 183º e ss.
CPT). Assim sendo, a falta de publicação do aviso da cessação não afeta a validade nem a eficácia da
denúncia.

Quanto ao âmbito temporal, é necessário não confundir:

i) Paralelismo – quando na empresa vigorem duas CCT celebrados por sindicatos diferentes.
Um trabalhador não pode estar filiado em dois sindicatos, pelo que nunca haverá um
problema quanto à aplicação de cada CCT.
ii) Concorrência – art. 481º: sobreposição de todos os âmbitos de aplicação da convenção
(material, geográfico e pessoal (o trabalhadores tem de estar sujeito a duas convenções)), o
que significa que há duas convenções potencialmente aplicáveis ao mesmo trabalhador.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

iii) Sucessão – art. 503º: tem de haver uma identidade de partes (CCT tem de ser celebrada pelas
mesmas entidades). Pode haver situações de sucessão tácita, i.e., quando sejam matérias
coincidentes.

Por sua vez, o artigo 503º/2 do CT dispõe que a mera sucessão de convenções coletivas não pode ser
invocada para diminuir o nível de proteção global dos trabalhadores. Tomado à letra, este preceito
significa que a convenção nova não revoga totalmente a antiga; apenas o faria na medida em que
conserve ou amplie a tutela concedida aos trabalhadores – trata-se de uma manifestação do princípio
Favor Laboratoris.

Hoje, como refere MENEZES CORDEIRO, sabe-se que esse princípio apenas poderá ser observado
em cenários de crescimento económico permanente e sustentado.

Na linha de PALMA RAMALHO, proibir o “abaixamento” equivaleria a: a) limitar a autonomia


privada, quando esta procurasse as melhores soluções laborais concretamente exequíveis; b) colocar
os sindicatos num estatuto de menoridade: seriam incapazes de melhores juízos, para defender os
trabalhadores; c) bloquear a evolução da contratação coletiva.

Assim, MENEZES CORDEIRO defende que o art. 503º/2 deve ser aproximado do art. 503º/3 e não
do art. 503º/1 que este contradiz.

A regra do art. 503º/3 dá azo a três precisões:

a. Não está em jogo a mera conglobação limitada, a qual ainda permitida por um certo “fishing”
relativamente à convenção revogada; vale, antes, uma ponderação global de toda a convenção.
b. A favorabilidade pode resultar, simplesmente, de inexequibilidade da convenção anterior, em
face de novas realidades económicas e empresariais.
c. A afirmação da natureza mais favorável, feita na convenção nova é da responsabilidade dos
parceiros coletivos e implica juízos de oportunidade político-laboral: não é sindicável perante o
tribunal.

NOTA: é controversa a questão de saber se, havendo revogação tácita parcial, as cláusulas da
primeira CCT que não foram tacitamente revogadas se mantêm. Ou seja, a CCT 1 mantém-se na parte
em que não foi revogada. À partida, a resposta será positiva, pois se as partes quisessem revogar tê-
lo-iam feito na nova convenção.

Quanto aos direitos adquiridos:

 Em primeiro lugar, é de esclarecer o conceito de direitos adquiridos. Tradicionalmente, o conceito


de direitos adquiridos é concebido em sentido amplo, abrangendo toda e qualquer situação de
vantagem obtida pelos trabalhadores ao abrigo do instrumento de regulamentação coletiva do
trabalho anterior. De acordo com PR, este entendimento não só não é razoável, do ponto de vista
dos interesses em jogo na negociação coletiva (uma vez que esta negociação, pela sua essência
transacional, se dinamiza justamente através da troca de vantagens entre as partes), como não
tem correspondência com a letra da lei. Assim, deve entender-se que a lei pretendeu apenas
salvaguardar direitos subjetivos e não simples expectativas (ex: se a previsão de acréscimo
salarial ao abrigo de uma CCT era de 5% e a nova CCT veio estabelecer um aumento de apenas
3%, verifica-se apenas uma quebra de expectativas).

 503º/3 CT: os direitos decorrentes de convenção anterior só podem ser reduzidos por nova
convenção de cujo texto conste em termos expressos o seu caráter globalmente mais favorável.

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

 Não havendo texto expresso que diga que a convenção é mais favorável, aplica-se o art. 503º/2 CT:
“a mera sucessão de convenções coletivas não pode ser invocada para diminuir o nível de proteção global dos
trabalhadores”. PALMA RAMALHO diz que a lei não esclarece a forma de averiguar o caráter mais
ou menos favorável dos dois instrumentos coletivos em causa; por outras palavras, o problema da
comparação e dos critérios a seguir nessa comparação. De acordo com PR, deve seguir-se a teoria
da conglobação limitada, i.e., deve ser feita por grupos de normas incindíveis.

Natureza jurídica:

Em torno da natureza jurídica das CCT, têm-se debatido fundamentalmente duas posições: as teorias
contratualistas e as teorias publicistas. Além disso, pode ainda aludir-se às teorias ecléticas.

a) Tese contratualista:

A CCT encontra a sua plena justificação nos princípios de direito privado, enquadrando-se nas regras
do negócio jurídico, tendo naturalmente as suas particularidades.

Para explicar a natureza jurídica da convenção coletiva, o regime do negócio jurídico terá de ser
coadjuvado com outros institutos de direito privado, como a representação, gestão de negócios ou o
contrato a favor de terceiro.

Nestes termos, as CCT assentam no princípio da liberdade contratual, são celebradas por entidades
de direito privado com base na sua autonomia privada e as eventuais especificidades enquadram-se
na panóplia de soluções que o direito privado oferece.

ROMANO MARTINEZ adere a esta tese, pelas seguintes razões:

1. Há liberdade de constituição quer de associações sindicais quer de associações de


empregadores, assim como liberdade de filiação em qualquer dessas associações;
2. As associações sindicais e de empregadores, bem como os empregadores, são pessoas
coletivas de direito privado, e é nesta categoria que atuam ao celebrar convenções coletivas;
3. As associações sindicais e de empregadores, bem como os empregadores, ao ajustar as CCT,
têm liberdade de celebração e de estipulação, tal como ocorre com qualquer privado quando
negoceia um contrato;
4. A aplicação das CCT na sua parte regulativa baseia-se no princípio da filiação. De facto, a
aplicação das regras da convenção coletiva aos filiados nas associações signatárias justifica-se
com base no instituto da representação. O facto de, por vezes, os empregadores aplicarem as
regras de CCT a trabalhadores não sindicalizados ou não filiados nos sindicados outorgantes,
justifica-se por motivos de ordem prática, mas essa aplicação só vale na medida em que os
trabalhadores a tenham aceite;
5. Relativamente à intervenção dos poderes públicos, pode dizer-se que, no nosso sistema
jurídico, está circunscrita à recusa de depósito de convenções coletivas com base em falta de
elementos formais. Trata-se de um mero controlo administrativo de aspetos formais,
porventura menos exigente do que aquele que os notários exercem em relação a outros
negócios jurídicos de direito privado.

Na opinião deste Professor, haverá apenas um único aspeto em que a aplicação da CCT extravasa o
domínio do direito privado: quando, mediante uma portaria de extensão, se alarga o âmbito de
aplicação da CCT, passando a valer relativamente a pessoas não filiadas nas entidades outorgantes

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

(art. 514º). Todavia, neste caso, os preceitos da CCT aplicam-se a terceiros com base no poder
regulativo do Estado, ou seja, por força de um regulamento que emana de um órgão público.

Críticas:

1. As regras de direito privado não conseguem explicar a aplicação de cláusulas de uma


convenção coletiva a pessoas (trabalhadores ou empregadores) que não a celebraram.
2. A tese negocial também não explica o papel que os organismos públicos têm no que respeita
à celebração e aplicação das CCT; ou seja, a intervenção e controlo estadual não se justificariam
em moldes de direito privado.

b) Teorias publicistas:

Relacionam a CCT com as normas emanadas do Estado, equiparando-a à lei, com a qual teria alguns
pontos de contacto. Numa perspetiva publicista, o facto de serem entidades privadas que negoceiam
e celebram as convenções coletivas, não afeta a sua natureza de direito público, porque elas fazem-
no na base de uma delegação de poderes efetuada pelo Estado.

Só partindo de uma conceção publicista se poderia justificar a intervenção dos poderes públicos no
controlo da celebração e aplicação da CCT.

Críticas:

1. Não há qualquer similitude entre a produção de normas jurídicas conferida, em particular, ao


Estado e a celebração de CCT. A CCT não tem as características da generalidade e abstração,
próprias da lei.
2. A CCT assenta num princípio de liberdade contratual. As entidades das quais emana têm
liberdade de celebração e de estipulação e a CCT destina-se a resolver problemas nas relações
laborais, que são de direito privado.
3. No Direito português, atualmente, não há qualquer intervenção dos poderes públicos no que
toca à celebração das CCT. O Estado limitou-se a estabelecer, com algum pormenor, as
diretrizes da atuação das entidades privadas, mas não interfere nem nas negociações nem na
celebração. O único controlo que o Estado exerce respeita à recusa de depósito das CCT (art.
494º/4 e ss.), mas tal recusa só se verifica quando faltam elementos formais.

c) Teorias ecléticas:

Pretendem estabelecer um ponto de ligação entre as teses contratualistas e publicistas.

A CCT pode apresentar-se como um híbrido, entre o contrato e a lei, na medida em que tem
simultaneamente aspetos contratuais e publicistas.

Noutros casos, as teorias ecléticas baseiam-se em pressupostos institucionais e corporativistas, pelo


que partem do princípio de que a CCT foi celebrada por corpos intermédios, diferentes dos sujeitos
de direito privado.

Críticas:

1. Tendo em conta a atual realidade política, não se afigura sustentável admitir a existência de
corpos intermédios e não parece haver qualquer dúvida no sentido de as associações de

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Direito do Trabalho I Leonor Branco Jaleco

empregadores e as associações sindicais serem pessoas de direito privado, sem qualquer


particularidade relativamente a outros sujeitos privados.
2. Considerar-se a CCT como um híbrido entre o contrato e a lei implica partir do seguinte
pressuposto: a CCT tem normalmente dois tipos de regras – obrigacionais e regulativas –, na
parte obrigacional a CCT é um puro contrato, mas na parte regulativa entrar-se-ia no campo
do direito público, em razão da similitude com a lei. Todas as críticas feitas às teorias
publicistas valem também, neste ponto, para as conceções híbridas.

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