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RESUMO
Com a forte ascensão tecnológica, ocorrida principalmente nas últimas duas décadas, houve a necessidade
de adaptação do ordenamento jurídico às novas exigências sociais, buscando preencher lacunas criadas
por uma realidade que há pouco inexistia. Com a marcante presença do domínio do software como fator
de desenvolvimento econômico das nações, a formulação de um ordenamento protetivo se faz mister.
Desse modo, muitos são os mecanismos de regulamentação propostos, que vão desde as modalidades de
proteção à propriedade intelectual hoje conhecidas até a formas sui generis de proteção, sendo que cada
país procura a legislação que mais se adeque às suas necessidades e anseios de desenvolvimento, enquanto
que os organismos internacionais procuram a uniformização legislativa mundial.
Entre as formas de proteção sugeridas, podemos identificar os direitos autorais, as patentes e formas sui
generis, como a adotada no direito nacional e pelo direito francês. Cada qual traz diversos benefícios, mas
esbarram em pontos de grandes controvérsias.
Justamente pela ausência de pontos pacíficos sobre o tema é que este estudo se faz necessário. Somente
com uma análise técnica da situação, procurando traçar as principais repercussões jurídicas das
modalidades protetivas é que o direito positivo irá responder aos desejos sociais, cumprindo a sua
finalidade.
1 INTRODUÇÃO
Na maioria das vezes, não é necessário ser um perito para realizar cópias de programas.
Essa atividade nem sempre é legal e, quando realizada ilicitamente denomina-se, no meio
técnico, pirataria. Os agentes do ato ilícito são os piratas. As cópias piratas representam
hoje a maioria do total de cópias circulantes em todo o mundo, o que se dá graças à difícil
fiscalização e do avanço paralelo de modernas técnicas de cópias de programas que visam
burlar toda e qualquer forma de proteção tecnológica contida nos mesmos.
Neste artigo, pretendemos explicar as legislações mais utilizadas, indicando suas principais
características e indicar os pontos que têm gerado controvérsias na adoção dos velhos
sistemas de proteção e as dificuldades para implementação de formas sui generis no
cenário jurídico-normativo internacional.
2 DIREITOS AUTORAIS
A legislação de direitos autorais ou copyright foi a que mais se mostrou eficaz para a
proteção do software. Em quase a totalidade dos países onde se admite a proteção, essa foi
a forma admitida. Contudo, desde o início, com primeiros pedidos, surgiram vários
opositores com fortes argumentos que merecem ser analisados.
Paisant nega que os programas de computador possam ser protegidos por direitos autorais.
Segundo o ilustre jurista, os mesmos não constituem uma expressão que possa ser sentida
pelo homem1. Um texto, por exemplo, é perfeitamente sentido pelo homem na medida em
que pode ser lido e há a transmissão de uma mensagem; uma pintura, da mesma forma,
pode ser percebida, utilizando-se os sentido da visão, isto não aconteceria com os
programas de computador que constituem um conjunto de símbolos inteligíveis e, muitas
vezes não perceptíveis ao olho humano, já que estão em disquetes, fitas etc.
Le Stanc2 utiliza um argumento muito interessante para contrariar tal posição. Lembra que
as músicas, enquanto presentes nas fitas magnéticas ou em discos também têm pouco ou
nenhum significado para o homem, mas quando processados por um mecanismo eletrônico
tornam-se perceptíveis aos nossos sentidos. O mesmo ocorre com as películas
cinematográficas. Da mesma maneira, o software deve passar por uma máquina, o
computador, para que possamos senti-lo e utilizá-lo, com o processamento poderemos ver
ou ouvir os resultados, tornado-o acessível ao sentidos humanos. Essa posição é a
dominante. Neste sentido, manifestaram-se os maiores Tribunais de todo o mundo, como
podemos ver pela decisão do Tribunal de Grande Instance de Paris:
Eugen Ulmer e Gert Kolle4 explicam a questão. Conforme os autores alemães deve-se
lembrar que a palavra "estética" pode ter diversos sentidos. Etmologicamente, vem do
grego aisthetiké, que significa percepção, sensibilidade, apreciação5. Contudo, continuam
os juristas alemães, desde o século XVIII a palavra estética vem sendo relacionada com
beleza, uma vez de sua maior utilidade no ramo das Belas Artes.
Nos Estados Unidos, maior fonte de softwares do mundo, a questão trouxe controvérsias
durante décadas. Na legislação norte-americana, exigem-se dois critérios para a proteção
por direitos autorais: originalidade e estar em um meio de expressão tangível9, o que os
programas de computador satisfazem, mesmo assim, o Congresso norte-americano formou
uma comissão para estudar as questões relativas à proteção intelectual de softwares,
(CONTU)10. A comissão, da mesma forma que na Inglaterra, sugeriu que se tornasse
explícito na lei de direitos autorais a permissibilidade de extensão ao software, o que foi
feito em 12 de dezembro de 1980, limitando-se os direitos concedidos ao titular da
proteção.
O mesmo ocorreu na Hungria (1983), Índia (1985), Austrália (1984), Taiwan (1985),
Coréia do Sul (1986), Espanha (1987), Singapura (1987), Malásia (1987), Canadá (1987).
Importante notar que até 1983, apenas dois países, Estados Unidos e Filipinas (cuja a
legislação data de 1972) tinham, em seus ordenamentos, a permissibilidade de proteção de
programas de computador por direitos autorais e, não mais que um ano depois mais de
uma dúzia de países já haviam legislado sobre o assunto11.
Por razões óbvias, as mesmas divergências ocorridas nos diversos países, onde se discutiu
a matéria, também floresceram no Brasil, com resultados idênticos. Não faltaram
opositores à proteção, alegando falta de criatividade, de caráter estético e que o software
não poderia ser considerado uma obra de espírito, o que foi combatido da mesma forma
que no estrangeiro e com igual êxito.
Posteriormente, o legislador brasileiro optou por criar uma modalidade de legislação sui
generis (Lei n. 7.646/87) que tem como ponto de apoio a própria lei de direitos autorais.
Ao contrário dos outros países, que preferiram fazer emendas aos seus ordenamentos de
propriedade intelectual, adaptando os direitos autorais, criou-se uma lei específica para a
matéria que, ao nosso ver, satisfaz de melhor forma os anseios do setor, favorecendo o
desenvolvimento nacional13.
Deve-se observar que se protege o programa de computador como um todo e não as idéias
contidas nele. Ao elaborar o programa, o analista de sistemas depara-se com inúmeros
problemas que devem ser resolvidos, justamente para que seja garantido o caráter
inventivo do software. Caso as dificuldades emergentes já tenham soluções conhecidas ele
não terá problemas para resolvê-las, pois alguém já o fez e, como não se protege idéias, o
novo programador poderá utilizá-las livremente. Percebe-se assim a grande vantagem com
a não proteção de idéias, uma vez que se favorece o progresso científico.
Alguns destaques tiveram que ser expressos para que os direitos autorais sobre
programas de computador não estendessem a proteção à metodologia ou ao processo
adotado pelo programador, que não passam de meras idéias concretizadas. A seção 102
(b) tem a intenção, entre outras coisas, de deixar claro que a expressão adotada pelo
programador é um elemento do programa de computador susceptível de proteção, e o
processo ou métodos contidos no programa não são escopo da lei de direitos autorais.
(Grifo nosso).
Infelizmente, das legislações que tivemos contatos, apenas a japonesa exclui expressamente
a proteção dos algoritmos, as demais não tratam do assunto, deixando-o ser regulamentado
pelos usos e costumes, que como vimos, também consagram a não possibilidade de
proteção. Em sentido contrário, nos anos oitenta, a União Soviética envidou esforços para
a proteção de idéias, o que seria feito por mecanismos próprios, distintos dos direitos
autorais14
II Originalidade
Qualquer fruto do labor humano, seja máquina, obra artística, obra literária ou musical
deve conter um mínimo de criatividade, caso contrário, não merecerá ser protegido pois
não houve o principal requisito de toda e qualquer invenção, qual seja, a inventividade.
Não podemos exigir que todo o programa de computador seja novo, sem utilizar nenhuma
idéia preconcebida. Como dizia Karl Marx, no mínimo, o inventor se utilizou do alfabeto
ou mesmo de uma forma de raciocínio, que lhe foi transmitido por outras gerações.
Necessário é que certos elementos do programa, certos trechos contenham a expressão da
originalidade. Obras realizadas por máquinas, por exemplo, ou ainda resultados de simples
fenômenos naturais, sem a intervenção humana não possuem caráter inventivo. Entre as
obras realizadas por máquinas podemos citar um exemplo onde o programa sorteie
números ou símbolos aleatoriamente, de forma totalmente independente da previsão
humana, logo não há criatividade15.
Existem também obras literárias sem a criatividade exigida como os catálogos telefônicos,
materiais de propaganda, obras que requeiram trabalho meramente rotineiro16. Como já
ressaltamos, não falta inventividade aos programas de computador, ao contrário, há
trabalho inventivo intenso, o que é próprio do setor. Além do mais, o mercado altamente
competitivo catalisa a exigência de criatividade inerente à elaboração do software, gerando
o ramo do conhecimento que mais tem inovado nos últimos tempos.
As linguagens são susceptíveis de proteção? Não, as linguagens não podem ser protegidas.
Todo e qualquer programa de computador é desenvolvido em alguma linguagem, esta é o
instrumento para o desenvolvimento daquele, logo não pode ser protegida. Caso contrário,
os custos para a elaboração do programa seriam surpreendentes, pois seriam devidos
royalties pelo simples fato de ter-se desenvolvido o programa em um determinada
linguagem.
e) Direitos do titular
e.1) Reprodução
Como os direitos autorais foram criados para a proteção de obras literárias, musicais e
artísticas e estão sendo adaptados a uma nova forma do conhecimento, tem-se uma série
de dúvidas e questões que vêm afligindo os tribunais. Citamos aqui algumas delas:
Nesse ponto, vemos o quanto o direito autoral é por demais flexível para a proteção do
software. Como imaginar cópias de um livro, sem ser em outro papel? Não seria
impossível, pode-se gravá-lo em fitas cassete, mas certamente seria pouco comum. Com o
avanço do conhecimento científico, em curtos espaços de tempo, inventam-se novas
formas de reprodução e de armazenamento de dados, cada uma mais complexa e funcional
que a anterior. Desse modo, o programa de computador, conforme a interpretação dada à
legislação de direitos autorais, pode estar ou não protegido contra aquela nova forma de
reprodução.
e.2) Prazos
O Projeto de Lei n. 200, altera novamente o termo final da duração dos direitos, fixando-o
em cinqüenta anos, contados de primeiro de janeiro do ano subseqüente ao da publicação,
o que vem a atender às novas regras do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) após
a Rodada Uruguai.
Outra área que as indústrias de software têm conseguido proteção via direitos autorais
refere-se à proteção do que se conhece como look and feel do programa. Seria o como o
programa seduz o usuário, como o conduz por telas, janelas, desenhos, gráficos, sons
através de fases diferentes conforme a utilidade daquele momento. Importante ressaltarmos
que é justamente esta "aparência" que muitas vezes determina a maior ou menor
comerciabilidade do programa em questão. Para o desenvolvimento do Windows 95, da
Microsoft, por exemplo, foram contratados dezenas de especialistas em neurolinguagem,
além de profissionais das áreas de comunicação e psicologia, para aproximar ainda mais os
ícones e o fluxo do programa às rotinas do ser humano. O mesmo podemos constatar o
sistema Machintosh da Apple e o New Wave da Hewlett Packard.
Na verdade, não se deduz o look and feel do direito concedido ao programa em si, são
duas proteções distintas. Um título garante o direito sobre a expressão do programa, outro
sobre o look and feel do mesmo. O primeiro caso de que se tem notícia onde se
reconheceu existir este direito foi disputado entre a Broderbund Software, Inc. v. Unison
Wold, Inc24, onde a Corte estendeu os direitos concedidos à expressão à interface com o
usuário, reconhecendo que ambos os fatores não se confundiam. Contudo, foi com os
casos Digital Communications Assocs. v. Solftklone Distributing Corp. e Lotus
Development Corp. v. Paperback Software International25 que se firmou realmente o
direito, concedendo-o para elementos antes considerados não essenciais ao programa.
3 PATENTES
O sistema de proteção à propriedade intelectual por patentes difere dos direitos autorais,
pois exige que o bem protegido possa ser inserido em um processo industrial e também
porque garante mais direitos aos titulares da proteção.
Quando do início da procura por uma forma de proteção aos programas de computador, o
sistema de patentes foi, sem dúvida, o mais requisitado, embora não se tenha logrado êxito.
Como conseqüência de ser uma matéria totalmente nova para o direito, os ordenamentos
jurídicos nada previam a respeito da patenteabilidade de programas de computador,
deixando a cargo dos doutrinadores e aplicadores da lei a regulamentação da matéria.
Não foi necessário muito tempo para o repúdio a essa forma de proteção. Um dos fortes
argumentos contrários ao patenteamento do software foi que o programa de computador
em si escapa à idéia de industriabilidade, pois a máquina faz o processo produtivo e o
programa somente o conduz26. Se não está inserido em um processo industrial, não pode
ser patenteado. Segundo o entendimento dos tribunais, não se pode proteger com as
patentes o que não está inserido em um processo produtivo. O professor José de Oliveira
Ascensão bem lembra que diversos programas fogem totalmente à idéia de
industriabilidade, como, por exemplo, um banco de dados de decisões jurisprudenciais27,
onde o sistema de patentes não seria, de forma alguma, aplicável.
4 CONCLUSÕES
No entanto, muitos são os pontos controversos, uma vez que se utiliza de uma forma de
proteção incialmente formulada para obras literárias, no intuito de proteger um ramo do
conhecimento, completamente distinto. Desse modo, os intérpretes da lei têm de criar
mecanismos de avaliação, até então inexistentes, visando praticar a eqüidade. Esta varia de
país para país, conforme seu nível de desenvolvimento e os anseios da sociedade.
No direito pátrio, vigora uma legislação sui generis, mas que tem como base de
sustentação os direitos autorais. O patenteamento de programas de computador é
expressamente proibido, nesse sentido cremos que o ordenamento brasileiro está entre as
formas de proteção mais avançadas do mundo.
NOTAS
2. Idem.
4. Idem.
9. Idem. p.34.
25. Idem.
27. Idem.
28. CORREA. The legal protection of software. op. cit. p. 145.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS