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A MEDIAÇÃO ON LINE E AS NOVAS TENDÊNCIAS EM TEMPOS DE

VIRTUALIZAÇÃO POR FORÇA DA PANDEMIA DE COVID-19

HUMBERTO DALLA BERNARDINA DE PINHO


Professor Titular de Direito Processual Civil na UERJ, na Estácio e no IBMEC.
Pós-doutor e Professor Visitante na University of Connecticut School of Law.
Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e Assessor
Internacional do Procurador-Geral de Justiça. Professor Emérito e Diretor
Acadêmico da Escola do Ministério Público do Rio de Janeiro. Editor da Revista
Eletrônica de Direito Processual (REDP/UERJ) e Coordenador do Grupo de
Pesquisa Observatório da Mediação (CNPQ).

Resumo: O texto tem o propósito de examinar a mediação dentro do quadro


das ferramentas adequadas de resolução de litígios, a partir de sua natureza
jurisdicional. Nesse contexto é examinada a figura da mediação obrigatória e a
opção legislativa brasileira, adotada no CPC e na Lei n 13.140/2015. Por fim,
diante das circunstâncias excepcionais causadas pela Pandemia Covid-19, o
tema é revisitado, tendo como pano de fundo, ainda, o uso das técnicas de
virtualização aliadas a mediação.

Palavras-chave: mediação; obrigatória; Covid-19; virtual

Sumário: 1. O Acesso à Justiça e o uso das ferramentas


adequadas de solução de conflitos. 2. Contornos fundamentais da
mediação 3. A problemática da obrigatoriedade do uso da
mediação. 4. A contribuição dos meios virtuais na resolução de
conflitos. 5. Perspectivas para a resolução de conflitos durante e
após a pandemia. 6. Bibliografia.

1. O Acesso à Justiça e o uso das ferramentas adequadas de solução de


conflitos.
O Novo Código de Processo Civil, trouxe, em seu art. 3º, o comando que
a “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”,
enquanto que o texto constitucional, em seu art. 5º, XXXV, entende que “a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Embora haja similitude entre as duas redações, uma leitura mais atenta
revela que o comando infraconstitucional busca oferecer uma garantia mais
ampla, extrapolando os limites do Poder Judiciário, a quem incumbe prestar a
jurisdição, mas não como um monopólio1.
A função jurisdicional representa o dever estatal de dirimir conflitos,
abarcando as modalidades chiovendiana, de atividade substitutiva2, e
carneluttiana, de resolução de conflitos3.
Contudo, na construção clássica, o Judiciário apenas atua na forma
negativa, ou seja, dirimindo conflitos com a imposição de vontade do juiz,
determinando um vencedor e um vencido4.
Por isso, o art. 3° do NCPC, ao se referir a apreciação jurisdicional, vai
além do Poder Judiciário e da resolução de controvérsias pela substitutividade.
O dispositivo passa a permitir outras formas positivas de composição, pautadas
no dever de cooperação das partes e envolvendo outros atores 5.
Desse modo, a jurisdição, outrora exclusiva do Poder Judiciário, pode
ser exercida por serventias extrajudiciais ou por câmaras comunitárias, centros
ou mesmo conciliadores e mediadores extrajudiciais.
Dentro do contexto, ganhar força também a jurisdição voluntária
extrajudicial6, que será vista no próximo tópico.
Nesse sentido, destaque-se a posição de Leonardo Greco7 , segundo a
qual a jurisdição é a “função preponderantemente estatal, exercida por um
órgão independente e imparcial, que atua a vontade concreta da lei na justa
composição da lide ou na proteção de interesses particulares”.

1
LIMA. Cláudio Vianna de. A arbitragem no tempo, o tempo na arbitragem, in A Arbitragem na
Era da Globalização, livro coordenado pelo professor José Maria Rossani Garcez, 2ª edição,
Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 5.
2
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 3ª ed. vol. II. Campinas:
Bookseller, 2002. p. 8.
3
CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Lemos e
Cruz, vol. 1, 2004. p. 63.
4
ALCALÁ-ZAMORA, Niceto y Castillo. Estudios de teoría general del proceso. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 1992. Disponível em:
<http://info5.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=1049>. Acesso em: 13 ago. 2015, p.127.
5
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. STANCATI, Maria M. S. Martins. A ressignificação do
princípio do acesso à justiça à luz do art. 3° do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
Revista de Processo, v. 254, Abr/2016, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 20.
6
LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. A Administração Pública e a Ordem Jurídica Privada
(Jurisdição Voluntária). Belo Horizonte: Bernardo Álvares, S. A., 1961. p. 36. Veja-se, também,
PRATA, Edson. Jurisdição Voluntária. São Paulo: Ed. Universitária, 1979, p. 55.
7
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. I, 5 a edição, Rio de Janeiro: Forense,
2015, p. 69.
A jurisdição é essencialmente uma função estatal. Por isso, em
momentos históricos diversos, desde a Antiguidade, passando pelas Idades
Média, Moderna e chegando à Contemporânea, o Estado, invariavelmente,
chamou para si o monopólio da jurisdição, sistematizando-a, a partir de Luís
XIV. A atuação jurisdicional, então, era um poderoso mecanismo para
assegurar o cumprimento das leis.
No entanto, Leonardo Greco8 admite que a jurisdição não precisa ser,
necessariamente, uma função estatal.
É claro que não se pode simplesmente desatrelar a jurisdição do Estado,
até porque, em maior ou menor grau, a dependência do Estado existe,
principalmente para se alcançar o cumprimento da decisão não estatal. Por
outro lado, podemos pensar no exercício dessa função por outros órgãos do
Estado9 ou por agentes privados10.
Nesta ótica, percebe-se o fenômeno da desjudicialização enquanto
ferramenta de racionalização da prestação jurisdicional e ajuste ao cenário
contemporâneo, o que leva, necessariamente, à releitura, à atualização, ou
ainda a um redimensionamento da garantia constitucional à luz dos princípios
da efetividade e da adequação. Já chamamos a atenção para esse fenômeno
em outra oportunidade11.
O próprio Cappelletti12 defendeu o desenvolvimento da justiça
coexistencial, mesmo sem a participação e controle do Estado, de acordo com
o tipo de conflito13.
À luz do conceito moderno de acesso à justiça, o princípio da
inafastabilidade da jurisdição deve passar por uma releitura 14, não ficando
limitado ao acesso ao Judiciário, mas se estende às possibilidades de
solucionar conflitos no âmbito privado. Nessas searas, também devem ser

8
GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 70.
9
NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. 2ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2000, p. 100
10
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no
contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 52.
11
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A mediação e o Código de Processo Civil projetado,
in Revista de Processo, ano 37, vol. 207, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 213/238.
12
CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de Reforma do Processo nas Sociedades
Contemporâneas, Revista Forense n 318 p. 123.
13
CAPPELLETTI, Mauro (org.). Accès a la justice et état-providence. Economica, Paris, 1984,
p. 29.
14
SANTANNA, Ana Carolina Squadri. Proposta de releitura do princípio da inafastabilidade da
jurisdição: introdução de métodos autocompositivos e fim do monopólio judicial de solução de
conflitos. 2014. Dissertação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, p. 131.
asseguradas a independência e a imparcialidade do terceiro que irá conduzir o
tratamento do conflito15.
Como já temos falado em diversas oportunidades16, a via judicial deve
estar sempre aberta, mas isso não significa que ela precise ser a primeira ou
única solução. O sistema deve ser usado subsidiariamente, até para evitar sua
sobrecarga, que impede a efetividade e a celeridade da prestação
jurisdicional17.
Não é compatível com as modernas teorias sobre o Estado Democrático
de Direito a ideia de que o processo em juízo seja a forma preferencial de
solução de controvérsias18, nada obstante essa visão, quer seja pela tradição,
ou mesmo pelo receio da perda de uma parcela de poder, mantenha-se em
alguns seguimentos19.
Por vezes, é também trazido o argumento de que, fora do Poder
Judiciário, pode haver perda20 considerável da qualidade das garantias
constitucionais21 ou, o que é pior, da qualidade da prestação jurisdicional22.
Essa é uma questão de suma importância23, complexa24, e que ainda
carece de maior reflexão no Brasil, apesar comprometimento da doutrina pátria
nesse sentido25.

15
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. I, 5a edição, Rio de Janeiro: Forense,
2015, p. 71.
16
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A mediação no direito brasileiro: evolução,
atualidades e possibilidades no projeto do novo Código de Processo Civil. Disponível no
endereço eletrônico: www.ambito-juridico.com.br. Acesso em 11/10/2014
17
SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdição à mediação. Por uma outra cultura no tratamento
de conflitos. Ijuí: Editora Ijuí, 2010, p. 104
18
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. STANCATI, Maria M. S. Martins. A ressignificação do
princípio do acesso à justiça à luz do art. 3° do Código de Processo Civil de 2015. Revista de
Processo, v. 254, Abr/2016, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 27.
19
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. A
institucionalização da mediação é a panacea para a crise do acesso à justiça? Disponível no
endereço eletrônico: www.publicadireito.com.br. Acesso em 08/10/2013
20
DENTI, Vittorio. I Procedimenti non Giudiziali di Conciliazione come Istituzioni Alternative, in
Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 410.
21
FISS, O.M. Against Settlement, 93 Yale Law Journal, May 1984, p. 1075.
22
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. QUEIROZ, Pedro. As Garantias Fundamentais do
Processo e o Instituto da Mediação Judicial: Pontos de Tensão e de Acomodação. RJLB -
Revista Jurídica Luso-Brasileira, v. 05, p. 849 - 914, 2017.
(http://www.cidp.pt/publicacao/revista-juridica-lusobrasileira-ano-3-2017-n-5/172)
23
COMOGLIO, Luigi Paolo. Mezzi Alternativi de Tutela e Garanzie Costituzionali, in Revista de
Processo, vol 99, pp. 249/293
24
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. La Mediación en la Actualidad y en el Futuro del
Proceso Civil Brasileño (Libro: Mediación, Arbitraje y Resolución Extrajudicial de Conflictos
en el Siglo XXI, Tomo I - Mediación, organizado por: Fernández Canales,
Carmen; García Villaluenga, Leticia; Vázquez de Castro, Eduardo; y Tomillo Urbina, Jorge Luis.
Editorial Reus, Madrid, 2010, pp. 351-366.
Nesse contexto, é preciso assentar a ideia de um Estado-juiz minimalista.
Cabe ao juiz assumir seu novo papel de gerenciador do conflito, de modo a
orientar as partes, mostrando-lhes o mecanismo mais adequado para tratar
aquela lide específica.
Por outro lado, Judith Resnik26 destaca a necessidade de que,
paralelamente aos meios adequados de solução do conflito, é preciso que se
continue desenvolvendo o processo judicial, sob pena de causar uma distorção
autoritária, em que não haverá, de fato, opção para o jurisdicionado.
Taruffo27 faz a mesma ressalva ao examinar o ordenamento italiano e as
recentes iniciativas em favor dos meios consensuais.

2. Contornos fundamentais da mediação


Numa definição simples e direta, a mediação é o procedimento por
meio do qual os litigantes buscam o auxílio de um terceiro imparcial que irá
contribuir na busca pela solução do conflito. Esse terceiro não tem a missão de
decidir, nem a ele foi dada autorização para tanto 28. Ele apenas auxilia as
partes na obtenção da solução consensual.
Na maioria dos casos, a mediação denotará certamente uma
combinação desses atributos. 29
Chiara Besso30, uma das grandes estudiosas do tema no direito italiano
descreve a mediação como um procedimento no qual um terceiro facilita a
comuniação e a negociação entre as partes em conflito, auxiliando-as a
alcançar um acordo que seja de sua vontade.

25
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Reflexiones sobre la mediación judicial y las
garantías constitucionales del proceso. Revista Confluencia: Análisis, Experiencias y Gestión
de Conflictos, vol. 2, 2014, pp. 74/88.
26
RESNIK, Judith. For Owen M. Fiss: Some Reflections on the Triumph and the Death of
Adjudication. Yale Law School Legal Scholarship Repository, Disponível no endereço eletrônico
http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/762, Acesso em 11/10/2013
27
TARUFFO, Michele. Cultura e Processo. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
Milano: Dott. A. Guiffrè Editore, 2009, pp. 86-87.
28
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mediação: a redescoberta de um velho aliado na
solução de conflitos, in: Acesso à Justiça: efetividade do processo (org. Geraldo Prado). Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 108.
29
WINKLER, K. Warren. Accès à la Justice: la mediation judiciaire. Canadian Arbitration and
Mediation Journal. n. 16, 2007, pp. 9/12.
30
BESSO, Chiara. La Mediazione Italiana: Definizioni e Tipologie. Revista Eletrônica de Direito
Processual. vol. VI, jul-dez. 2010, p. 33.
Helena Muñoz31, comentando o ordenamento espanhol, traz noção
semelhante.
Entretanto, a qualidade central da mediação é, na verdade, o aspecto
relacional. É caminhar ao desmanche32 do conflito, através de uma prática
discursiva, do diálogo e não da força coercitiva, segundo a ideia reguladora da
possibilidade do consenso, cuja legitimidade do resultado encontra suas bases
no próprio processo comunicativo que lhe originou.
A ideia de Luis Alberto Warat33, para quem o objetivo da mediação não
seria o acordo, mas a mudança das pessoas e seus sentimentos parece
acompanhar a premissa segundo a qual os conflitos nunca desaparecem por
completo. Diversamente, eles apenas se transformam e necessitam de
gerenciamento e monitoramento a fim de que sejam mantidos sob controle.
No entanto, a mediação tem percorrido um caminho desafiador tanto em
sistemas de common law quanto de civil law34.
O crescimento vertiginoso que se nota nos sistemas anglo-saxões35,
como no Canadá, Inglaterra, Reino Unido e Estados Unidos desde a década de
7036, contrasta com a relutância dos países da família romano-germânica em
aceitar a prática da mediação como um meio para resolver conflitos 37.
Independentemente das diferenças nos estágios de desenvolvimento da
mediação em cada um dos sistemas, as preocupações convergem a um ponto
comum: a utilização da mediação como a solução para os problemas
enfrentados pela administração pública, especialmente pelos Tribunais,
respaldando o intento de acesso à justiça.
O que se observa é que, além da difusão da normatização de
procedimentos de ADRs, os programas de mediação vêm sendo sobejamente

31
MUÑOZ, Helena Soleto. La mediación: método de resolución alternativa de conflictos en el
proceso español. Revista Eletrônica de Direito Processual Civil. vol. III, p. 66-88, jan-jun. 2009.
32
RESTA, Eligio. Il Diritto Fraterno. Roma: Laterza, 2010, p. 57.
33
WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador, v. 1. Florianópolis: Habitus, 2001, p. 31.
34
A dicotomia civil – common law sempre inspirou um debate entre a escola histórica alemã e
a sua teoria da codificação num contraponto ao direito judiciário do utilitaristo inglês. Cf:
BOBBIO, Norberto. O Positivimo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone,
2006.
35
ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. O case management inglês: um sistema maduro?
Revista eletrônica de direito processual, vol. VII, p. 318, disponível em http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/redp, acesso em 20 de novembro de 2014.
36
GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação & Judiciário: condições necessárias para a
institucionalização dos meios autocompositivos de solução de conflitos. 2011. Tese doutorado
em Direito – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
37
ALEXANDER, Nadja. Global Trends in Mediation. ADR Bulletin. Vol. 6, n. 3, 2003.
incorporados aos Tribunais38, notadamente em assuntos ou locais nos quais a
mediação não é amplamente utilizada39.

3. A problemática da obrigatoriedade do uso da mediação.


A institucionalização da mediação e a sua realização nas dependências
dos Tribunais é evidente. A integração da mediação aos códigos de processo
civil caminha em direção a uma fusão entre a normatização e a mediação,
tornando-a uma “importante parte de uma nova era do processo civil”.40 À
primeira vista, a institucionalização pode até significar um avanço, mas acaba
por enfraquecer as escolhas das partes envolvidas em conflitos.
A mediação é uma das formas de resolução de conflitos que, via de
regra, acontece no ambiente extrajudicial, quando as partes optam por mediar
por sua própria iniciativa através de serviços privados, mas também não há
impedimento de que aconteça num ambiente intrajudicial.
Nada obsta que a mediação realizada na esfera privada tenha
repercussão no processo judicial, possibilitada por uma suspensão do
processo, por exemplo41.
No entanto, a realização da mediação na esfera intrajudicial vem
deixando de ser uma mera opção oferecida às partes. Não custa lembrar que a
inflacionada demanda por justiça é um fenômeno complexo, que parte
sobretudo de uma dependência social dos Tribunais por uma cultura42
demandista especialmente notada em países do sistema civil law43.
Some-se a isso os reflexos causados pela globalização internacional de

38
PRESS, Sharon. Court-Connected Mediation and Minorities: A Report Card. Capital
University Review. vol. 39, 2011, p. 819.
39
DE PALO, Giuseppe. D’URSO, Leonardo. Achieving a Balanced Relationship between
Mediation and Judicial Proceedings, in The Implementation of the Mediation Directive, texto
disponível em
http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/IDAN/2016/571395/IPOL_IDA(2016)571395_E
N.pdf, acesso em 30 de outubro de 2016.
40
NOLAN-HALEY, Jacqueline M. The Merger of Law and Mediation: Lessons from Equity
Jurisprudence and Roscoe Pound. Cardozo Journal of Dispute Resolution. vol. 6, 2004, p. 57.
41
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Jurisdição e Pacificação, CRV: Curitiba, 2017, p.
123.
42
CHASE, Oscar G. Law, Culture, and Ritual: Disputing Systems in Cultural Context. New York
University Press, 2005.
43
TARUFFO, Michele. Cultura e processo. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile.
Milano: Giuffrè Editore, 2009. p. 63.
conflitos44 e o fato de que as normas ou mesmo o direito consuetudinário não
está apto a trabalhar com o conceito de conflitos insolúveis.
O máximo que se pode fazer é monitorar e empreender um trabalho de
acompanhamento, com o objetivo de manter a disputa em níveis aceitáveis de
convivência e de civilidade. Mas a pretensa solução se resume a resolver
apenas a crise jurídica, deixando em aberto as pressupostas crises de outra
natureza, que, por não terem sido conjuntamente dirimidas, tendem a retornar
num momento futuro, talvez até recrudescidas.
É notório como as estruturas jurídico-políticas foram sempre muito
atentas aos remédios para atacar os efeitos, quase nunca as causas. Dessa
forma, foram deixadas de lado análises atentas sobre a litigiosidade crescente,
constantemente traduzida na linguagem jurídica, e que se dirige à jurisdição
sob a forma irrefreável de procedimentos judiciários.
Essa capacidade da solução adjudicada tem se mostrado limitada e
ineficaz, protraindo o fechamento da demanda a um futuro incerto, muitas
vezes, não resolvendo o problema. Ela apenas agrega estabilidade –
indiscutibilidade – da decisão, ratificando a inaptidão do Judiciário para
recepcionar e para resolver eficazmente as lides.
Assim, surgem as seguintes questões: seria racional forçar45 as partes a
se submeterem à mediação? Supervalorizar a mediação não poderá a longo
prazo transformá-la em mais um método ineficaz à solução de conflitos, tal
como a jurisdição é hoje vista pela sociedade? Obrigar as partes a se
submeterem ao processo de mediação as tornam menos propensas a cumprir
o acordo celebrado? Enfim, a mediação pode valer a pena quando posta de
forma compulsória?
Via de regra, a mediação é um procedimento extrajudicial, ocorre antes
da procura pela adjudicação. Contudo, nada impede que as partes, já tendo
iniciado a etapa jurisdicional, resolvam retroceder em suas posições e tentar,
uma vez mais, a via conciliatória, seja por vontade própria ou por indicação do
órgão jurisdicional.
Não podemos nos esquecer da possibilidade de se fazer a mediação

44
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6 ed, Coimbra: Almedina Editora,
1993, p. 18.
45
MONTELEONE, Girolamo. La mediazione “forzata”. In Judicium, p. 01-02. 2010. Disponível
no endereço eletrônico: < http://www.judicium.it.> Acesso em: 20/10/11.
pré-processual no âmbito dos Tribunais, como, aliás, é expressamente previsto
no § 1° do art. 8° da Resolução n° 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça.
Essa hipótese pode despertar uma rediscussão da obrigatoriedade, sobretudo
se vier materializada sob a forma de uma plataforma virtual de resolução de
conflitos, como será discutido mais adiante.
Chegamos aqui a uma situação delicada. A institucionalização traz
regras a serem seguidas por mediadores, juízes e demais interessados, além
disso, impõe prazo para terminar, pré-determina os casos em que deverá ser
utilizada e obriga os litigantes a se submeterem à prática mediativa.
Contudo, a mediação não é um processo que se presta a todos os
casos, independente das peculiaridades. Na mediação, procura-se fortalecer
aqueles que são menos poderosos através de um balanceamento de poder, de
uma escuta mais ativa, gerando opções e criando consciência sobre a disputa
para negociação de soluções.
Todo esse procedimento tem como essência ser voluntário, respeitando
a autonomia da vontade das partes. Admite-se que seja incentivada a prática
mediativa por um juiz, mas é descabida qualquer pretensão de torná-la
obrigatória à demanda judicial, mesmo para que não se converta em
instrumento para aqueles litigantes que não desejam, verdadeiramente, buscar
uma solução pacífica46.
A campanha que trata a mediação como uma poção mágica 47, cuja
obrigatoriedade solucionaria a crise do acesso à justiça, reflete uma visão
distorcida dessa garantia e totalmente equivocada do instituto, que, repita-se, é
essencialmente voluntário. O princípio da autonomia da vontade é fundamento
primeiro da mediação, englobando a liberdade de poder decidir se e quando
ela será estabelecida, segundo os interesses e acordo de vontades dos
envolvidos48.
Numa perspectiva histórica, sempre despertou interesse na academia o
debate gerado pelas objeções que Owen Fiss lançou às ADRs em Against
46
FENOLL, Jordi Nieva. Mediação: uma “alternativa” razoável ao processo judicial?, in Revista
Eletrônica de Direito Processual, vol. XIV, Ano 8, jul-dez/2014, p. 228.
47
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; PAUMGARTTEN, Michele. L’esperienza italo-
brasiliana nell’uso della mediazione in risposta alla crisi del monopolio statale di soluzione di
conflitti e la garanzia di accesso alla giustizia. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais
FDV, n. 11, ago 2012, pp. 171-201.
48
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Mandatory Mediation: Is It the Best Choice?, in Revista de
Processo, vol. 225, Nov/2013, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 419.
Settlelment49. Seus argumentos centravam-se na qualidade do consentimento
para a celebração de um acordo pautado especialmente num desequilibrio de
forças (econômica, habilidade negocial) entre os participantes do processo.
Para Fiss, o consentimento ao acordo dessa parte, em desvantagem, seria
produto de coação.
Kenneth Feinberg50, em provocativo texto no qual reexamina as
premissas clássicas de Owen Fiss, questiona se, de fato, existe um modelo
melhor do aquele baseado na figura de um juiz ativo, gerenciador e garantista,
apesar da insatisfação generalizada dos jurisdicionados.
Bret Walker e Andrews S. Bell51 reforçam os argumentos negativos à
mediação obrigatória. O que se espera não é mais uma justiça marcada pelo
apagamento das distâncias e das diferenças como se nunca tivessem existido,
mas sim uma que possua o equilíbrio como seu núcleo celular.
Para Nancy Welsh52, quando o tribunal determina que as partes devem
se submeter à mediação, elas perdem a capacidade de autonomia até mesmo
para decidir a não se submeter à mediação.
Dentro dessas premissas e buscando uma solução intermediária, o
direito processual brasileiro adotou um sistema de semi-obrigatoriedade quanto
à realização das mediações. No plano judicial, o art. 334 do NCPC coloca a
audiência de conciliação e de mediação como uma etapa preliminar do
procedimento, mas que pode ser dispensada pela vontade das partes ou por
determinação judicial.
Contudo, há regra específica quanto às ações de família. Nelas, o NCPC
determina que todos os esforços deverão ser empreendidos para a solução
consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de
outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
Além disso, o juiz poderá suspender o processo, a requerimento das
partes, durante o tempo em que estejam participando de sessões de mediação
extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.

49
FISS, O.M. Against Settlement, 93 Yale Law Journal 1073-90, may 1984.
50
FEINBERG, Kenneth R. Reexaminig the Arguments in Owen M. Fiss, Against Settlement. 78
Fordham Law Review, 2009, p. 1.175.
51
WALKER, Bret; BELL, Andrews S.. Justice according to compulsory mediation. Bar News –
The journal of NSW Bar Association, Spring, 2000, p. 7.
52
WELSH, Nancy. The place of Court-connected mediation in a Democratic Justice System. In:
Cardozo Journal of Conflict Resolution, vol. 5, 2004, p. 132.
Especialmente nesse tipo de procedimento, é ideal que as partes sejam
atendidas por conciliadores e mediadores, ou melhor, equipes
multidisciplinares, conforme a sensibilidade da questão em discussão.
A redação do art. 694 do Código Processual exige que o juiz busque o
apoio de outros profissionais para atuar na conciliação/mediação.
Finalmente, a Lei n° 13.140/2015 traz dois dispositivos que parecem
apontar no mesmo sentido. O primeiro é o art. 2°, segundo o qual ninguém
será obrigado a permanecer em procedimento de mediação. Tal disposição, se
interpretada literalmente, dá a ideia de que o jurisdicionado não pode se
recusar a comparecer à primeira sessão, que seria informativa, chamada por
alguns de pré-mediação (salvo se houver previsão expressa de dispensa no
contrato).
O segundo dispositivo é o art. 23 que estabelece o chamado "Pacto de
Mediação". Assim, firmada essa cláusula, nem o procedimento arbitral nem o
processo judicial podem ser instaurados sem que antes seja tentada a
mediação. O parágrafo único do dispositivo ressalva, contudo, as medidas de
urgência, ou seja, a possibilidade do acesso livre ao Poder Judiciário a fim de
requerer a tutela provisória de urgência, tanto nas modalidades antecipatória
ou cautelar.

4. A contribuição dos meios virtuais na resolução de conflitos.


O avanço da tecnologia alterou completamente os limites e rompeu as
barreiras geográficas. As distâncias foram ressignificadas e os canais de
comunicação, alargados. A velocidade das informações criou novos
paradigmas e transformou a dinâmica das relações, impactando diretamente a
sociedade.
Nesse particular, a internet contribuiu decisivamente para o
desenvolvimento de novas ferramentas e tecnologias, permitindo uma maior
integração entre as necessidades e as exigências da atualidade53.
No plano jurídico, os avanços também foram significativos. A Lei n.
11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico), por exemplo, regula a comunicação
e a prática de inúmeros atos processuais (citações, intimações, notificações

53
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e
Arbitragem, Saraivajur: São Paulo, 2019, p. 179.
etc.) de forma eletrônica, estimulando a criação de Diários da Justiça
eletrônicos (art. 4º) e também sistemas eletrônicos de processamento de ações
judiciais pelos tribunais (art. 8º).
No plano processual especificamente, o CPC positivou a prática de atos
processuais eletrônicos (arts. 193 a 199), inclusive por meio de
videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real (art. 236, § 3º). Dessa forma, permite-se, por exemplo,
que o depoimento pessoal da parte – ou da testemunha – que residir em
comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o
processo seja colhido por meio de videoconferência ou outro recurso
tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real (arts. 385, § 3º, e
453, § 1º); que a acareação seja realizada por videoconferência ou por outro
recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real (art. 461,
§ 2º); que a sustentação oral de advogado com domicílio profissional em
cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal seja feita por meio de
videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão
(art. 937, § 4º), entre outros.
Importante lembrar que as citações e intimações também devem ser
feitas preferencialmente por meio eletrônico (arts. 232, 246, V e § 1º, 270, 272
e 275). Na mesma linha, o CPC permite que a audiência de conciliação ou de
mediação seja realizada por meio eletrônico (art. 334, § 7º), em consonância
com o art. 46 da Lei de Mediação.
Sem dúvida, ao estabelecer que a mediação pode ser feita pela internet
ou por outro meio de comunicação a distância, a lei especial maximiza as
oportunidades de construção do consenso e otimiza a própria prestação
jurisdicional. Já há, inclusive, iniciativas no sentido de se utilizar as plataformas
de mensagens instantâneas 54 para a prática dos atos de comunicação
processual.
Além disso, o procedimento on-line impulsionou o surgimento de

54
Disponível em http://www.tjrj.jus.br/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/7145989.
Acesso em: 10.05.2020.
plataformas digitais de resolução de conflitos55 e câmaras privadas de
mediação/conciliação, que, há algum tempo, já vêm oferecendo serviços nessa
área e fomentando a mediação digital 56.
Nesse sentido, importante lembrar que o Decreto n° 10.197, de 2 de
janeiro de 2020, alterou o Decreto nº 8.573, de 19 de novembro de 2015, para
estabelecer o Consumidor.gov.br como plataforma oficial da administração
pública federal direta, autárquica e fundacional para a autocomposição nas
controvérsias em relações de consumo. Desse modo, todos os demais órgãos
que possuam plataformas próprias devem migrar para a Consumidor.gov.br até
o dia 31 de dezembro de 2020.
Porém, assim como em qualquer atividade, existem vantagens e
desvantagens.
Se, de um lado, a mediação on-line aproxima virtualmente os mediandos
e o mediador, evitando gastos com deslocamentos e dispêndio de tempo, por
outro, inviabiliza o contato pessoal (cara a cara) e dificulta a ampla percepção e
captação dos sentimentos, das angústias, dos interesses subjacentes ao
conflito, o que pode prejudicar o procedimento de construção do consenso.
Em vista disso, é importante que os mediadores on-line tenham, além da
capacitação técnica, habilidade e familiaridade com as particularidades do
ambiente virtual. Mais do que isso, é imprescindível regular os critérios de
qualidade que garantam o funcionamento do procedimento digital de forma
eficaz, transparente e eficiente.

55
Para maiores informações sobre essas plataformas e seu uso no comércio eletrônico: RULE,
Colin. Online dispute resolution for business: b2b, e-commerce, consumer, employment,
insurance, and other commercial conflicts. Jossey-Bass, São Francisco, 2002. SCHMITZ, Amy
J. RULE, COLIN. The New handshake: online dispute resolution and the future of consumer
protection. Chicago: American Bar Association, 2017. ARBIX, Daniel. Resolução online de
controvérsias. São Paulo: Editora Intelecto, 2017. DEMARS, Jo. “Online Dispute Resolution –
Designing Systems for Effective Dispute Resolution – a US practitioner perspective”. Online
dispute resolution: an international business approach to solving consumer complaints. Net
Neutrals EU, AuthorHouse, p. 18-32, 2015. FALECK, Diego. Manual de design de sistemas de
disputas: criação de estratégias e processos eficazes para tratar conflitos. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2018. CORTÉS, Pablo. “Online Dispute Resolution for Businesses – Embedding
Online Dispute Resolution in the European Civil Justice System”. Online dispute resolution: an
international business approach to solving consumer complaints. Net Neutrals EU,
AuthorHouse.
56
O grande exemplo é o “Modria”, ferramenta desenvolvida dentro do eBay e PayPal e que
viabiliza a resolução de cerca de 60 milhoes de disputas por ano, apenas nos Estados Unidos.
MIRANDA, Danilo. BUTORI, Carlos. REZENDE, Nelson Soares de. Resolução de Conflitos on
line e o case do Modria, texto disponível em https://www.camesbrasil.com.br/resolucao-
conflitos-online-case-modria/, acesso em 20 de maio de 2020.
Em suma, as novas tecnologias estimulam e valorizam a
autocomposição, ampliando o acesso à justiça (arts. 5º, XXXV, da CF e 3º do
CPC) e racionalizando a prestação jurisdicional, apesar de algumas incertezas
e críticas que são ínsitas a qualquer processo de mudança.
Nessa esteira, a Lei n° 13.994/2020 alterou os arts. 22 e 23 da Lei n°
9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Pela nova redação, o
antigo parágrafo único do art. 22 foi convertido em § 1°, tendo sido acrescido o
§ 2°, com a seguinte redação: “é cabível a conciliação não presencial
conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos
disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o
resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos
pertinentes”.
Ademais, o art. 23 teve sua redação ampliada. Na versão original
constava: “não comparecendo o demandado, o juiz togado proferirá sentença.
Agora, a redação passa a ser a seguinte: “Se o demandado não comparecer
ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz
togado proferirá sentença”.
Percebe-se, do exame das duas alterações, que o legislador, de um
lado, flexibilizou o texto para permitir audiências de conciliação em ambiente
virtual e de outro expandiu a sanção, que antes era reservada ao não
comparecimento físico e agora abrange, também, a recusa de interagir no
ambiente virtual.
Em primeiro lugar, importante ressaltar que o cabimento da conciliação
não presencial está vinculado à sincronicidade (troca de informações em tempo
real). Com isso, ao menos em uma interpretação literal, fica vedado o uso de
softwares ou aplicativos assíncronos, nas quais as partes postam mensagens
ou gravam áudios e vídeos, em momentos distintos, como, aliás, funcionam a
maior parte das plataformas de resolução de disputas consumeristas (Mercado
Livre, Amazon Prime, etc).
Parece-nos, com a devida vênia, que essa exigência legal é exagerada.
Talvez fosse razoável exigir-se sincronicidade em sessões de mediação,
quando há questões delicadas e sensíveis envolvidas e o mediador necessita
assegurar, a todo tempo, a qualidade da comunicação. Contudo, para disputas
meramente patrimoniais, nas quais não há uma preocupação com preservação
do vínculo, essa exigência parece ser desnecessária.
Aliás, não custa lembrar que nem o art. 46 da Lei de Mediação ou o art.
334, § 7° do CPC trazem essa determinação.
O segundo ponto a ser examinado é a recusa em participar de tentativa
de conciliação não presencial. Nada obstante a boa intenção do legislador (que
parece trazer um objetivo pedagógico, inclusive), há um óbice operacional:
Como demonstrar essa recusa?
Temos que ter em mente um leque de situações que vão desde as
dificuldades técnicas-operacionais (sistema intermitente, má qualidade de sinal
de telefonia / dados, inconstância de internet por cabo ou satélite) até casos
mais graves como a exclusão digital, que ainda atinge grande parcela da
população brasileira57.
Nesse sentido, só se pode falar em recusa na hipótese em que as
partes solicitarem ou aceitarem expressamente a realização da audiência não
presencial, inclusive com a identificação precisa da data, horário e ferramenta a
ser utilizada para a prática do ato. Nesse sentido, não custa lembrar que, em
grande parte dos feitos que tramitam nos juizados especiais, não há a
assistência jurídica (causas que não ultrapassam o patamar de 20 salários
mínimos). Desse modo, a transmissão da informação e da potencial sanção
deve ser feita da maneira mais clara possível.
Por fim, vale destacar que o mencionado artigo 23 só faz referência ao
não comparecimento ou à recusa do demandado. Nada fala a respeito do
demandante. Parece claro, porém, que, à luz de uma interpretação sistemática
e por simetria (art. 51, inciso I da Lei n° 9.099/95), o não comparecimento do
autor ou sua recusa em participar justifica a extinção do processo sem
resolução de mérito.

5. Perspectivas para a resolução de conflitos durante e após a pandemia.


A Lei n° 13.994 é apenas uma das iniciativas surgidas no contexto do
uso potencial das plataformas digitais para realização de audiências de

57
Dados de 2018 mostram cerca de 4,5 milhões de excluídos digitais em nosso país.
https://oglobo.globo.com/economia/brasil-tem-45-milhoes-de-excluidos-digitais-22286508,
acesso em 27 de abril de 2020.
conciliação e sessões de mediação durante o período de confinamento e
redução de mobilidade em razão da pandemia de Covid-19. E provavelmente
será seguida de várias outras.
Tendo em vista impossibilidade do acesso físico aos Tribunais, espera-
se um aumento exponencial no uso dessas plataformas. Mesmo com as
restrições apontadas acima, no sentido de que – sobretudo em questões mais
sensíveis – a ausência do ambiente presencial e do contato físico podem
reduzir as chances do sucesso do procedimento, a tendência, ao menos nesse
momento excepcional, parece irreversível58.
Nesse sentido, o TJRJ, como já mencionado, editou ato normativo59
autorizando a realização de sessões de mediação por meio de sistema de
videoconferência nas varas de família da Comarca da Capital, durante a
vigência do estado de emergência oriundo da pandemia.
Mas com relação às sessões de mediação, objeto específico desse
ensaio, gostaria de chamar a atenção para dois pontos.
O primeiro é a possibilidade do uso das plataformas digitais nas
mediações realizadas no âmbito do Poder Judiciário, tanto as incidentais
(realizadas no curso dos processos, na forma do art. 334 do CPC), como as
pré-processual, realizada nos CEJUSC´s, na forma do art. 8°, § 1° da
Resolução n° 125/2010 do CNJ.
Vale ressaltar que o CNJ já anunciou o lançamento de uma plataforma
60
digital gestada em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.
Nesse sentido, muito provavelmente, teremos, ainda no ano de 2020
essa ferramenta em funcionamento nos Tribunais, dando-se um grande passo
no sentido da implementação dos métodos de ODR (on line dispute resolution)
no sistema judiciário brasileiro.
E aqui, algumas questões terão que ser enfrentadas, como as formas de
comunicação (síncronas e assíncronas), fonte de custeio (a quem caberá o

58
Nesse sentido, veja-se a interessante pesquisa conduzida pelo Prof. Giovanni Matteucci
intitulada “ODR in 30 Countries, 2020 - Mediation in the COVID-19 Era”. O trabalho está
disponível, na íntegra, em https://www.academia.edu/43136391/ODR_in_30_Countries_2020_-
_Mediation_in_the_COVID-19_Era
59
Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ n° 08/20. Disponível em www.tjrj.jus.br, acesso em 15 de
abril de 2020.
60
Informação disponibilizada pelo Jornal “Valor”, disponível em
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/05/11/cnj-lancara-plataforma-on-line-para-
conflitos-relacionados-a-covid-19.ghtml, acesso em 18 de maio de 2020.
pagamento das despesas de implementação, manutenção, suporte e
preservação dos dados) e, sobretudo, obrigatoriedade ou não da utilização
desse mecanismo.
E com isso chegamos ao segundo ponto de reflexão desse breve texto:
seria possível, ao menos em algumas hipóteses, determinar o uso de tal
plataforma (ou mesmo de outra, similar) antes do ajuizamento da demanda,
para os conflitos surgidos no contexto ou em consequência da Pandemia Covid
19?
Em se tratando de uma situação excepcionalíssima e temporária, tal
providência se mostra razoável?
Para que se tenha uma ideia, em evento virtual realizado no dia 24 de
abril de 2020, sob a coordenação do Prof. Carlo Pilia, professores de diversas
61
Universidades brasileira e europeias discutiram essa possibilidade .
Como tivemos oportunidade de expor nesse evento, há tempos temos
sustentado a necessidade de se buscar uma posição intermediária 62, de modo
a caber ao Poder Judiciário o exame e a palavra final quanto à forma e o modo
de utilização dos mecanismos de resolução de conflitos, em regime de
colaboração com todos os operadores do direito, os quais tem o dever de
identificar a ferramenta jurisdicional mais apropriada a viabilizar a real
pacificação do conflito.
Na verdade, trata-se de uma tarefa a ser realizada por todos os sujeitos
do processo, em ambiente colaborativo, resguardadas as garantias
constitucionais, as prerrogativas dos magistrados e os poderes negociais das
partes.
Nesse aspecto, o Poder Judiciário assume papel preponderante, como
agente propagador de uma política nacional de solução adequada de conflitos,
bem como toma a iniciativa de estruturar o sistema multiportas no direito
brasileiro, a partir do advento do CPC/2015, Diploma esse que deve ser
combinado com a Lei n° 13.140/2015, com a Lei nº 9.307/96 (com as
61
As manifestações dos professores foram registradas e podem ser acessadas no seguinte
endereço:
(https://www.unica.it/unica/page/it/le_tutele_stragiudiziali_dei_diritti_durante_la_pandemia_covi
d_soluzioni_emergistici_o_riforme_strutturali?con2Itrutturali?coni (https://www.mediatorimediter
ranei.com/video-convegno-internazionale-a-distanza-del-24-04-2020/). Em breve será
publicado e-book com o resumo dos textos apresentados. Acesso em 30 de abril de 2020.
62
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Jurisdição e Pacificação, CRV: Curitiba, 2017, p.
232.
alterações impostas pela Lei n° 13.129/2015) e com a Resolução n° 125/2010
do CNJ (ressalvada a Resolução n° 225/2016 para a justiça restaurativa em
matéria penal).
Da mesma forma, todos os jurisdicionados passam a ter o dever de
cooperar, dever esse que se concretiza, principalmente, com o uso engajado e
participativo de todos os meios aptos a obter o consenso no caso concreto,
antes, durante e após o ajuizamento da demanda judicial. O mesmo dever se
aplica ao magistrado, a todos os auxiliares da justiça, advogados públicos e
privados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Esse dever de cooperação, especialmente no que toca à utilização das
ferramentas adequadas à busca da solução consensual, é especialmente
relevante no que se refere aos grandes litigantes, que figuram como réus nos
chamados processos repetitivos.
Assim, começa a se consolidar a ideia de que as partes, antes do
ajuizamento da demanda, devem tentar ao menos uma forma de solução
amigável do problema. Minimamente, devem demonstrar ao magistrado, na
inicial, que tentaram um contato no sentido de esclarecer o fato ou mesmo
desenhar possíveis alternativas à satisfação da pretensão.
Essa prática está em perfeita sintonia com a ideia de cooperação,
efetividade e duração razoável do processo, e não deve ser confundida com a
antiga ideia de "esgotamento" das vias administrativas previamente ao
ajuizamento da demanda. Nesse sentido, como apontado ao longo do trabalho,
os Tribunais Superiores já têm redimensionado a figura do interesse em agir.
De outro lado, exsurge a figura do juiz como agente de filtragem dos
conflitos, cabendo a ele identificar, num ambiente cooperativo, a ferramenta
mais adequada e capaz de levar à pacificação do litígio. Em outras palavras, a
jurisdição pacificadora se consolida a partir do binômio acessibilidade plena e
intervenção mínima ou secundária. Esse binômio permite o acesso qualificado
à justiça, ou seja, o uso racional dos instrumentos jurisdicionais.
Nessa linha, e retomando o conceito de instituição de uma política
pública de uso dos meios adequados para a solução dos conflitos, podemos
dizer, também, que cabe ao Poder Judiciário uma função pedagógica,
educativa e aconselhadora, o que, mais uma vez, se afina com o conceito de
jurisdição cooperativa.
Isso justifica a ideia de uma audiência com comparecimento obrigatório
das partes para que sejam esclarecidas acerca das ferramentas utilizáveis para
tentar a composição do seu conflito. Nesse passo, são plenamente justificáveis
o cabimento de sanção para a parte que falta sem justificativa à audiência de
conciliação ou de mediação (art. 334, § 8°), a previsão da audiência de
mediação ou de conciliação como etapa necessária das ações de família (art.
695), a designação de audiência de mediação no litígio coletivo pela posse de
imóvel (art. 565) e mesmo as disposições previstas nos arts. 2°, § 2° (ninguém
será obrigado a permanecer em procedimento de mediação) e 23 (pacto de
mediação), ambos da Lei n° 13.140/2015. Assim sendo, toda a discussão
acerca da "obrigatoriedade" da mediação parece ficar esvaziada.
O legislador brasileiro, com extrema sabedoria e sensibilidade, optou por
um sistema intermediário entre a mediação facultativa e a obrigatória,
acolhendo a ideia de acesso adequado à justiça e a racionalização dos
instrumentos de composição do litígio. E essa tendência deve prevalecer
agora, na arena virtual, com a utilização, em larga escala, das ferramentas de
ODR.

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