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Sociais.
- Aulas G7 Jurídico (professor Marcelo Novelino) + questões de concurso + Informativos Dizer o Direito
- Leitura Lei Seca: art. 5º a 6º da CF/88.
- Atualização em 31/08/2023: questões de concurso + distinção entre Direitos e Garantias (Rui
Barbosa) + Info 893 STF sobre a liberdade de expressão (itens 2.4.1.1. e 2.4.1.2) + Info 899 STF
(item 2.3.1.3) + julgado Info 921 STF (item 2.4.1.1.) + Info 935 STF sobre liberdade religiosa (item
2.4.2.1.1.) + classificação dos direitos humanos, segundo André Carvalho Ramos (item 1.6.); Info
962 (item 2.3.1.3)
1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
1.1. Aplicabilidade
Nos termos da Constituição, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata, vejamos:
CF, art. 5º, § 1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata.
O dispositivo, embora localizado no art. 5º da CF/88, não se refere apenas aos direitos individuais e
coletivos, mas a todos os direitos e garantias fundamentais, ou seja, incluem-se os direitos individuais e
coletivos, os sociais, de nacionalidade e os políticos.
Aplicação imediata significa que os direitos fundamentais se aplicam imediatamente e independem
de outra vontade (não precisam de uma intermediação do legislador). No entanto, ao analisar os direitos em
espécie, percebe-se que alguns dispositivos preveem a necessidade de lei para serem exercidos (normas
constitucionais de eficácia limitada).
Ex.1: Ao tratar dos inventos industriais e da proteção assegurada a ele, a própria CF/88 diz que ela
depende de lei.
CF, art. 5º, XXIX: A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário
para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de
empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do País.
Ex.2: Ao tratar dos atos necessários ao exercício da cidadania, que devem ser gratuitos, a própria CF
determina que a lei os especifique.
CF, art. 5º, LXXVII: São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os
atos necessários ao exercício da cidadania.
O paradoxo entre o art. 5º, § 1º e alguns dispositivos da Constituição que exigem expressamente lei
regulamentadora fica ainda mais evidente com a existência de um instrumento voltado exatamente para
assegurar o exercício de direitos fundamentais carentes de regulamentação legal: O MANDADO DE
INJUNÇÃO.
Nesses casos, questiona-se como os direitos serão imediatamente aplicados se não existir a lei
regulamentadora. Nesse passo, há duas interpretações do art. 5º, § 1º, CF:
1ª Corrente (Marcelo Novelino – minoritária): O art. 5º, §1º da CF/88 consagra uma regra
(mandamento definitivo, que deve ser aplicado na exata medida de suas prescrições), que é excepcionada
expressamente em alguns casos pela própria Constituição. Em outras palavras, as normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais, em regra, aplicam-se imediatamente. Entretanto, há exceções que ocorrem
apenas quando o próprio dispositivo exigir uma lei regulamentadora para a sua aplicabilidade.
##Questiona-se: Isso significa que todos os direitos e garantias fundamentais estão no título II e não
existem outros localizados fora dela?
Se dissermos que não existem outros direitos e garantias fundamentais fora do Título II da CF/88,
adotaremos a teoria formal dos direitos fundamentais. Ou seja, a teoria formal dos direitos e garantias
fundamentais postula que são desta espécie apenas os direitos previstos nos artigos 5º ao 17 da CF/88.
Uma outra forma de identificar os direitos e garantias fundamentais é de acordo com o seu conteúdo,
ou seja, de acordo com a relação de proximidade dos direitos e garantias com a dignidade da pessoa
humana. A identificação de um direito fundamental pelo seu conteúdo, na qual não importa a sua
localização topográfica, baseia-se em uma teoria material.
##Obs.: Veremos que os direitos existem justamente para promover e proteger a dignidade da pessoa
humana.
Como a Constituição adota a teoria material, outros direitos com o mesmo conteúdo também devem
ser considerados direitos fundamentais, embora localizados noutra parte ou até mesmo fora do texto
constitucional. Ou seja, os direitos e garantias fundamentais não se restringem ao Título II da
Constituição.2
Tal característica não impede que seja reconhecido a tais direitos fora do Título II o caráter de
fundamentalidade, dependendo, portanto, do conteúdo que eles possuem (proximidade com a dignidade da
pessoa humana).
1
(MPGO-2019): Assinale a alternativa correta: O sistema constitucional brasileiro alberga direitos fundamentais não
expressos no texto constitucional, mas que sejam decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição
Federal. BL: art. 5º, §2º, CF.
(MPAM-2007-CESPE): Embora o art. 5.º da CF disponha de forma minuciosa sobre os direitos e as garantias
fundamentais, ele não é exaustivo e não exclui outros direitos. BL: art. 5º, §2º, CF.
2
(Anal. Legisl./Câm. de Deputados-2014-CESPE): Conforme já manifestou o STF e a doutrina dominante, os direitos
individuais e coletivos não se restringem aos elencados no artigo quinto da CF, podendo ser encontrados ao longo do
texto constitucional.
3
##Atenção: Caiu na prova TJSP-2018, banca VUNESP.
4
(PGEMT-2016-FCC): No que concerne aos Tratados Internacionais de proteção dos direitos humanos e sua evolução
constitucional no direito brasileiro à luz da Constituição Federal, eles são caracterizados como sendo de
hierarquia constitucional, dependendo de aprovação pelas duas casas do Congresso Nacional, pelo quorum mínimo de
3/5, em dois turnos, em cada casa. BL: art. 5º, §3º, CF/88.
Demais tratados, inclusive de direitos humanos não aprovados pela sistemática do art. 5º, § 3º, da
CRFB/88: STATUS DE LEI ORDINÁRIA.
Ao chegar a matéria no STF, no ano de 2008, a Suprema Corte adotou novo entendimento. No
julgamento do RE n. 466.343 prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes no sentido de que os tratados e
convenções internacionais de direitos humanos não aprovados pelo rito da CF, art. 5º, § 3º estariam
situados abaixo da Constituição, mas acima da lei e, portanto, teriam STATUS SUPRALEGAL.
Ex.: tratados internacionais sobre direitos humanos anteriores à EC n. 45/04.
Com a adoção do entendimento acima, verifica-se passou a entender-se pela existência de tripla
hierarquia dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos:
TRATADOS INTERNACIONAIS E HIERARQUIA
EQUIVALÊNCIA ESPÉCIE
Tratados e Convenções internacionais de direitos
Equivalem às emendas constitucionais5 humanos, desde que aprovados por 3/5 e em dois
turnos de votação, em cada Casa.
Tratados e Convenções internacionais de direitos
Possuem status supralegal humanos, mas não aprovados de acordo com o rito
(abaixo da CF, mas acima das leis comuns) do art. 5º, § 3º, CF (v.g. Pacto de São José da Costa
Rica)6.
Tratados e Convenções internacionais que não sejam
Equivalem à leis ordinárias
de direitos humanos.
Vejamos trecho do voto vencedor sobre o tema, que não foi uma criação do Min. Gilmar Mendes, pois
já havia sido defendida pelo Min. Sepúlveda Pertence em 2000, que não foi a posição vencedora à época:
RE 466.343/SP – 2008 (voto Min. Gilmar Mendes): […] parece mais consistente a interpretação
que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese
pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém,
diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam
dotados de um atributo de supralegalidade.
(TJSP-2009-VUNESP): Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos celebrados pelo Brasil
equivalerão às emendas constitucionais quando forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros. BL: art. 5º, §3º, CF/88.
5
(TJPR-2012-PUCPR): Os tratados que versem sobre direitos humanos e que forem aprovados, em nosso poder
legislativo, pelo mesmo rito previsto para emendas constitucionais, terão status de norma constitucional. BL: art. 5º, §3º,
CF/88.
6
(DPEPR-2017-FCC): De acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a hierarquia dos tratados
internacionais de direitos humanos, consideram-se como tratados de hierarquia constitucional: 1) Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu respectivo Protocolo Facultativo − Convenção de Nova
Iorque e; 2) Tratado de Marraqueche para facilitar o acesso a obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual
ou com outras dificuldades para aceder ao texto impresso.
OBS: O Tratado de Marraqueche foi aprovado pelo Congresso Nacional com status de emenda pelo Decreto
Legislativo 261/2015, em setembro de 2015, sendo ratificado em 11 de dezembro de o 2015. Agora, em 2018, o referido
Tratado foi promulgado pelo Dec. 9.522/2018. Sendo assim, o Brasil aprovou o Tratado de Marraqueche na forma
qualificada prevista no § 3º do artigo 5º da CF/88, conforme o Projeto de Decreto Legislativo 347/2015 do Senado
Federal (57/2015, na Câmara dos Deputados). Com o vigor internacional do Tratado, o Brasil passa a ter mais um
instrumento com equivalência de emenda constitucional — o terceiro tratado com nível hierárquico formalmente
constitucional no Brasil, que vem somar-se à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e
pelo seu Protocolo Facultativo, ambos aprovados por maioria congressual qualificada em 2009 (promulgados pelo
Decreto 6.949/2009).
(MPSP-2013): O Decreto Legislativo n.º 186, de 09 de julho de 2008, aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. O
Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992, promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.Tais normas ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro com o grau
hierárquico de norma constitucional e norma supralegal, respectivamente.
Explicação: A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em
Nova Iorque, em março de 2007 trata-se de NORMA CONSTITUCIONAL, posto que FOI APROVADA PELO QUORUM
QUALIFICADO DE EMENDA CONSTITUCIONAL, previsto no art. 5º § 3ºda CF/88. Já a Convenção Americana de
Direitos Humanos, como NÃO FORA APROVADA PELO QUORUM QUALIFICADO, trata-se de NORMA
SUPRALEGAL, isto é, acima, da lei, mas abaixo da CF/88, consoante entendimento do STF. Porém, há doutrina que
entende que os tratados internacionais de Direitos Humanos, MESMO QUE NÃO APROVADOS PELO QUORUM
QUALIFICADO DE EMENDA CONSTITUCIONAL, tem status DE NORMA CONSTITUCIONAL, consoante art. 5º, §3º
da CF/88.
RHC 79.785-RJ – 2000 (voto Min. Sepúlveda Pertence, mas não vencedora à época): Certo, com o
alinhar-me ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos
tratados a ela incorporados, não assumo compromisso de logo [...] com o entendimento, então majoritário -
que, também em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais - preserva a
jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis (...). Se assim é, à primeira vista, parificar às
leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5º, § 2º, da Constituição, seria esvaziar de muito do seu
sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado, traduziu uma abertura
significativa ao movimento de internacionalização dos direitos humanos.
7
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. 11 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 74-78.
8
(MPDFT-2009): Sobre direitos fundamentais, julgue o seguinte item: As normas de direitos fundamentais impõem- se a
todos os poderes constituídos, inclusive ao poder de reforma da constituição.
9
(PCRJ-2022-CESPE): Acerca dos direitos fundamentais, assinale a opção correta: A fundamentalidade material dos
direitos fundamentais decorre da circunstância de serem os direitos fundamentais elemento constitutivo da Constituição
material, contendo decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade.
#Atenção: Desse modo, o aspecto material dos diretos fundamentais, ou fundamentalidade material, está atrelado ao
conteúdo substancial normativo, ligado ao conteúdo essencial fundamental - de direitos fundamentais, qual seja, pontos
fundamentais sobre a estrutura básica de um Estado e da sociedade, com assuntos essenciais e pontuais referentes à
estrutura de governo, políticas públicas, governados e direitos fundamentais.
(MPGO-2014): A 9ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América diz textualmente: “A especificação de certos
direitos na Constituição não deve ser entendida como uma negação ou depreciação de outros direitos conservados pelo povo” .
Segundo a visão de alguns autores, e citada Emenda encerra “norma com fattispecie aberta”, segundo a qual certos direitos
não se limitam àqueles descritos na Constituição. Com base nessas premissas, indique a assertiva correta: A
fundamentalidade material fornece suporte para a abertura a novos direitos fundamentais, sendo correto observar que
aos direitos fundamentais só materialmente constitucionais são aplicáveis aspectos típicos do regime jurídico da
fundamentalidade formal. BL: art. 5º, §§1º e 2º, CF.
hierarquia normativa correspondente e do regime jurídico-constitucional assegurado pelo Constituinte às
normas de direitos fundamentais.10
Acrescente-se, ainda, que, com base no art. 5º, §2º da CF, a Constituição brasileira contém cláusula
aberta que permite acolher os chamados direitos materialmente fundamentais ou direitos fundamentais
em sentido material, que são aqueles não previstos expressamente por ela, mas que, por força de sua
essencialidade, são direitos fundamentais, detentor da mesma dignidade dos direitos constitucionalizados.
A essa abertura podemos denominar, com apoio em JORGE MIRANDA, de não tipicidade dos direitos
fundamentais. CANOTILHO sustenta que, “em virtude de as normas que os reconhecem e protegem não terem a
forma constitucional, estes direitos são chamados de direitos materialmente fundamentais. Por outro lado, trata-
se de uma ‘norma de FATTISPECIE ABERTA’, de forma a abranger, para além das positivações concretas, todas as
possibilidades de ‘direitos’ que se propõem no horizonte da acção humana”.
#Em resumo: Um direito não precisa ter fundamentalidade material para ser considerado
fundamental. Fundamentalidade material é entender que aquele direito, no seu conteúdo, na sua
natureza, é direito fundamental. Por outro lado, a fundamentalidade formal é a previsão daquilo no rol
dos direitos fundamentais. O critério da fundamentalidade material é útil em um segundo momento, para
permitir que sejam encontrados outros direitos fundamentais fora do Título II da CF/88.11
Seguindo esta corrente, afirma Ingo Wolfang Sarlet que, “em que pese seja ambos os termos (‘direitos
humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de
passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘DIREITOS FUNDAMENTAIS’ se aplica para aqueles
direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de
determinado Estado, ao passo que a expressão ‘DIREITOS HUMANOS’ guardaria relação com os documentos
de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à
validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco CARÁTER
SUPRANACIONAL (internacional).” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed.,
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 35 e 36).13
2ª Corrente – MINORITÁRIA: não há distinção, ou seja, são expressões sinônimas. Até porque um
direito muitas vezes inicialmente ratificado no plano externo, depois é incorporado ao plano interno.
#Atenção: #DPESP-2015: #FCC: O professor Ingo Wolfang Sarlet defende que os direitos
fundamentais positivados em determinado ordenamento jurídico de um país podem ser mais amplos do que
os direitos humanos entendidos em uma perspectiva de direito internacional. Em artigo publicado em 15 de
10
(MPPR-2019): Sobre direitos fundamentais, é correta a afirmação: A caracterização de um direito como fundamental
não é determinada apenas pela relevância do bem jurídico tutelado por seus predicados intrínsecos, mas também pela
relevância que é dada a esse bem jurídico pelo constituinte, mediante atribuição da hierarquia correspondente (expressa
ou implicitamente) e do regime jurídico-constitucional assegurado às normas de direitos fundamentais. BL: art. 5º, §§1º
e 2º, CF.
#Atenção: A questão está correta porque, primeiramente, as normas constitucionais já se situam, naturalmente, no topo
da hierarquia normativa. Ademais, os Direitos Fundamentais representam normas materialmente constitucionais, com
extrema relevância, sendo dotadas, inclusive, de aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CF/88).
11
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPSC-2021 (CESPE); ii) PCRJ-2022 (CESPE).
12
#Atenção: Tema cobrado na prova do MPGO-2019.
13
(MPSP-2019): Em relação aos direitos humanos, é correto afirmar: São aqueles protegidos pela ordem internacional.
(MPSC-2016): Conceitualmente, os direitos humanos são os direitos protegidos pela ordem internacional contra as
violações e arbitrariedades que um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. Por sua vez, os direitos
fundamentais são afetos à proteção interna dos direitos dos cidadãos, os quais encontram-se positivados nos textos
constitucionais contemporâneos.
fevereiro de 2015, na Revista Consultor Jurídico, o jurista explica: “Com isso já se percebe que os direitos
fundamentais, considerados como tais aqueles consagrados nas ordens jurídicas constitucionais e dotados de um
particular regime jurídico que é constitutivo da própria fundamentalidade, podem ter (e em muitos casos o têm) uma
amplitude muito maior que a do universo dos direitos humanos, seja qual for o critério justificador de tal noção. É por
isso que o FGTS, o “terço sobre as férias”, as ações constitucionais citadas, e muitos outros (poderíamos aqui incluir a
garantia da anualidade eleitoral, consagrada no artigo 16 da CF/88), podem — como é o caso no Brasil — assumir a
condição de direitos fundamentais e ainda assim não serem direitos humanos, o que não restaria alterado quanto à sua
correção mesmo que utilizada outra terminologia, como a de direitos individuais, liberdades públicas, entre outras.”
(Fonte: “Pena de morte na Indonésia e FGTS no Brasil. A distinção necessária”,
http://www.conjur.com.br/2015-fev-13/direitos-fundamentais-pena-morte-indonesia-fgts-brasil-distincao-
necessaria). 14
c) direito-poder: Possibilita à pessoa exigir a sujeição do Estado ou de outra pessoa para que esses
direitos sejam observados, isto é, implica uma relação de poder de uma pessoa de exigir
determinada sujeição do Estado ou de outra pessoa. O exemplo aqui é o direito à assistência
jurídica. Desse modo, uma pessoa tem o poder de, ao ser presa, requerer a assistência da família
e de advogado, o que sujeita a autoridade pública a providenciar tais contatos (art. 5º, LXIII, da
CF/88).
d) direito-imunidade: Segundo Carvalho Ramos, tal espécie impede que uma pessoa ou o Estado
hajam no sentido de interferir nesse direito. Consiste, portanto, na autorização dada por uma
norma a uma determinada pessoa, impedindo que outra interfira de qualquer modo. Desse
modo, uma pessoa é considerada imune à prisão, a não ser em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar (art. 5º, LVI, da CF/88), o que impede que outros agentes
públicos (como, por exemplo, agentes policiais) possam alterar a posição da pessoa em relação à
prisão.15
2. CLASSIFICAÇÕES
2.1. Constituição Federal – Título II (artigos 5º ao 17)
A CF/88 trata expressamente dos direitos e garantias fundamentais no seu Título II, dividindo-os
entre os art. 5º a 17. Dentro desses dispositivos, cada capítulo trata de um tipo de direito fundamental:
#Obs.: O art. 60, § 4º, IV, da CF, diz que são cláusulas pétreas os “direitos e garantias individuais” e
não todos direitos e garantias fundamentais. Assim, de acordo com uma interpretação literal, somente os
direitos e garantias individuais (excluído os coletivos) do art. 5º seriam cláusulas pétreas.
No entanto, há alguns aspectos a serem mencionados acerca dos “direitos coletivos”, contidos no art.
5º da CF: (i) De acordo com José Afonso da Silva, a rigor, eles são direitos individuais de expressão
coletiva, ou seja, são direitos relacionados à liberdade, mas seu exercício não é viabilizado individualmente
14
(DPESP-2015-FCC): Analise a seguinte assertiva acerca dos direitos fundamentais: Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, os
direitos fundamentais podem ter uma amplitude muito maior que a do universo dos direitos humanos.
15
(MPSP-2017): Os Direitos Humanos possuem estrutura variada, constituindo um feixe de direitos considerados
fundamentais para a assecuração do vetor da Dignidade da Pessoa Humana. Em tal sentido, a doutrina costuma afirmar
que os Direitos Humanos dividem-se em direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e direito-imunidade.
Constituem exemplos de cada uma dessas espécies, respectivamente: o acesso à saúde, a crença religiosa, a defesa da
propriedade e o direito de não ser preso salvo em flagrante delito ou em virtude de decisão judicial fundamentada.
(v.g. liberdade de reunião ou de associação são individuais, mas não há como serem exercidos por apenas uma pessoa );
(ii) Embora o art. 5º da CF consagre esses direitos individuais de expressão coletiva, boa parte dos direitos
coletivos propriamente ditos encontram-se localizados junto aos direitos sociais (v.g. direito de greve e liberdade
de associação sindical).
Portanto, uma interpretação teleológica e sistemática deixa claro que os direitos coletivos do art. 5º
da CF não podem ser excluídos do conceito de cláusulas pétreas.
2.2. Doutrina
A doutrina tem três principais classificações sobre os direitos fundamentais: (i) unitária; (ii) dualista;
(iii) trialista.
Direitos prestacionais: consagram liberdades positivas, porque exigem do Estado uma atuação
positiva, ou seja, o Estado deve fornecer determinadas prestações (sejam materiais ou jurídicas). 17
Incidência: direitos sociais, basicamente (v.g. saúde, educação, moradia, previdência social).
#Obs.: Há direitos prestacionais no rol do art. 5º (v.g. assistência judiciária gratuita).
Direitos de participação: são os direitos que permitem ao indivíduo participar na política e nos
rumos do Estado.
Incidência: direitos políticos.
#Parêntese: #MPRS-2021: Segundo Ingo Wolfgang Sarlet “(...) não se deve olvidar que também os direitos
sociais prestacionais apresentam uma dimensão negativa, porquanto a prestação que constitui o seu objeto não pode ser
imposta ao titular em potencial do direito, assim como os próprios direitos de defesa podem, consoante já ressaltado,
reclamar uma conduta positiva por parte do Estado, como ocorre com determinados direitos fundamentais de cunho
procedimental, alguns direitos políticos e direitos que dependem de concretização legislativa (...).” (SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma teoria dos Direitos Fundamentais na perspectiva
constitucional. 10ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegra: Editora Livraria do Advogado, 2009, p. 283.). O
mencionado autor explica: “A despeito de os direitos de liberdade (assim como os direitos de defesa de um modo geral)
terem também uma dimensão positiva, visto que seu exercício e proteção pressupõe uma série de prestações estatais,
também é de se reconhecer uma dimensão negativa (defensiva) dos direitos sociais, o que pode ser bem ilustrado nos
casos, entre outros, dos direitos à moradia e saúde, pelo menos naquilo em que está em causa a proteção destes bens
fundamentais contra intervenções ilegítimas por parte do Estado e mesmo de terceiros. (A Eficácia dos Direitos
Fundamentais, p. 185 e ss.).
A classificação trialista é a mais adotada pela doutrina e tem como pressuposto a Teoria dos “status”
de Georg Jellinek.
II. Status ativo (ou status “activus” ou “civitates”): O indivíduo possui competências para influenciar
a formação da vontade do Estado. Essa influência ocorre através dos direitos de participação
(direitos políticos), ou seja, pelo direito do voto.
III. Status negativo (ou status “negativus” ou “libertatis”): Costuma ser referido em dois sentidos
diversos:
1º sentido: Em sentido estrito (conforme a proposta original de Jellinek): Diz respeito apenas às
liberdades jurídicas não protegidas. Representa, portanto, o espaço que o indivíduo tem para agir
livre da atuação do Estado, podendo autodeterminar-se sem ingerência estatal.
2º sentido: Em sentido amplo (mencionado pela maior parte da doutrina): Refere-se aos direitos de
defesa, ou seja, direitos a ações negativas do Estado voltadas à proteção do status negativo em
sentido estrito. Nesse sentido, gera uma obrigação negativa endereçada ao Estado para que este
deixe de fazer algo.
Sob esta ótica, impõe aos órgãos estatais o dever de não intervir na esfera de liberdade dos
indivíduos (não agir, não fazer algo, abster-se ...). Como se pode notar, os status passivo e negativo
são antagônicos, pois este tem como conteúdo as liberdades individuais (faculdades) e aquele as
obrigações impostas aos indivíduos (deveres e proibições).
Sendo assim, para o status negativo, o indivíduo goza de um espaço de liberdade diante das
ingerências dos poderes públicos. Em outras palavras, o indivíduo possui um espaço de liberdade
no qual a intervenção por parte do Estado não é autorizada.
Exemplos: não censurar manifestação do pensamento, não interceptar uma correspondência; não
proibir manifestações religiosas; não restringir indevidamente a liberdade de locomoção; não retirar
a vida de uma pessoa.
IV. Status positivo (ou status “positivus” ou “civitatis”): o indivíduo tem o direito de exigir uma
atuação positiva do Estado. É o inverso do status negativo, pois o indivíduo não exige uma não
intervenção, mas sim uma prestação material ou jurídica. Está relacionado aos direitos
prestacionais.20
Diante disso, o status positivo é o titularizado por indivíduos dotados de capacidade jurídica para
recorrer ao aparato estatal e utilizar suas instituições, ou seja, é o que assegura aos indivíduos
pretensões positivas perante o Estado. O cerne desse status revela-se, portanto, no direito do
cidadão a ações estatais.
3. CARACTERÍSTICAS
Vejamos os aspectos que os direitos fundamentais possuem e que os diferenciam dos demais direitos.
De acordo com a doutrina, os direitos fundamentais têm como características: (i) universalidade; (ii)
historicidade; (iii) inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade; (iv) relatividade (ou
limitabilidade).
3.1. Universalidade
Dizer que os direitos fundamentais são universais significa que a vinculação à liberdade e igualdade,
valores diretamente ligados à dignidade humana, conduz à universidade dos direitos fundamentais.
Em outras palavras, os direitos fundamentais são considerados como tendo a característica da
universalidade porque existe um núcleo mínimo de proteção da dignidade da pessoa humana que deve
estar presente em qualquer tipo de sociedade.
Como os direitos fundamentais são vinculados à liberdade e à igualdade, em qualquer época ou
sociedade, um núcleo mínimo deve ser assegurado.
Quando se fala em universalidade, há dois aspectos importantes que precisam ser ressalvados:
Validade universal não significa uniformidade: Os direitos fundamentais não são consagrados de
modo uniforme em todas as Constituições. A cultura e a história de cada sociedade são
determinantes para estabelecer quais direitos fundamentais serão contemplados e em que medida.
Exemplo: Pena de morte: alguns países não admitem, em hipótese alguma; alguns admitem em
certas hipóteses e outros admitem com maior incidência.
20
(SEPLAG/MG-2014-FUNCAB): Consoante a teoria dos status dos direitos fundamentais, de autoria de Jellinek, o
direito à saúde, tal como previsto na Constituição Federal, é considerado fundamental de status positivo.
Existem alguns direitos fundamentais cuja titularidade exige determinados requisitos ou condições:
Por isso, não são todos os direitos fundamentais que podem ser usufruídos indistintamente por
qualquer pessoa.
Exemplos: direitos de nacionalidade, direitos políticos, direito à aposentadoria, etc., são restritos a
determinadas pessoas que atendam a certos requisitos.
##Atenção: ##PGEGO-2013: ##MPPR-2019: O professor Ingo Sarlet explica que, “de acordo com o
princípio da universalidade, todas as pessoas, pelo fato de serem pessoas são titulares de direitos e deveres
fundamentais, o que, por sua vez, não significa que não possa haver diferenças a serem consideradas, inclusive,
em alguns casos, por força do próprio princípio da igualdade, além de exceções expressamente estabelecidas
pela Constituição, como dá conta a distinção entre brasileiro nato e naturalizado, algumas distinções relativas aos
estrangeiros, entre outras”.21
##Atenção: Uma crítica que se faz em relação à característica da universalidade é no sentido de que
cada povo e sociedade possui sua cultura própria, às vezes variando muito de uma sociedade para outra. Há
autores que alegam que a universalidade seria uma tentativa de ocidentalização de outras culturas, ou seja,
uma tentativa de imposição da cultura ocidental sobre outras sociedades, pois os direitos que consideramos
como fundamentais são os direitos da nossa sociedade.
3.2. Historicidade
Os direitos fundamentais são históricos por terem surgido em épocas diferentes e por evoluírem com
o passar do tempo.
A característica da historicidade, a priori, afasta a fundamentação jusnaturalista dos direitos
fundamentais. Os jusnaturalistas sustentam que os direitos fundamentais seriam direitos naturais,
caracterizados por serem eternos, universais e imutáveis. 22 Todavia, se analisarmos os direitos fundamentais,
veremos que eles não possuem todas essas características (eternidade, universalidade e imutabilidade).
Nesse sentido, existem as chamadas dimensões (ou gerações) de direitos fundamentais, as quais nada
mais são do que a identificação de que esses direitos surgiram em momentos distintos, de acordo com a
demanda de cada sociedade. Em um primeiro momento, tivemos a Revolução Liberal, na qual a demanda
era por liberdade contra o absolutismo do Estado (1ª geração); depois tivemos uma demanda por direitos
sociais no contexto da Revolução Industrial (2ª geração); após, tivemos os direitos ligados à fraternidade,
como ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, direito ao progresso (3ª geração); em seguida,
tivemos os direitos referentes à democracia, à informação e ao pluralismo (4ª geração); 23 etc. Ou seja, os
direitos fundamentais não surgem ao mesmo tempo, mas sim em épocas diferentes e de acordo com as
necessidades sociais. Conforme Norberto Bobbio, os direitos fundamentais não são dados, mas
conquistados pela sociedade.
E mais: o conteúdo de tais direitos evoluem e se modificam com o passar do tempo. Logo, é difícil
considerar que os direitos fundamentais são imutáveis conforme os jusnaturalistas.
Ex.1: A igualdade formal da revolução liberal não é igual à igualdade substancial do estado social.
Ex.2: A democracia antes era vista sob uma ótica meramente formal, no sentido de que democrático
era aquilo que correspondia à vontade da maioria. Hoje se fala em democracia no seu aspecto substancial,
consistindo ela na vontade da maioria, mas aliada à proteção e respeito aos direitos básicos de todas as
pessoas, inclusive das minorias.
21
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. 11 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 220-221.
22
(DPEPR-2017-FCC): O preâmbulo da Constituição dispõe que um dos propósitos da Assembleia Constituinte foi o de
instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade e a
segurança. Tal avanço se deve, em certa medida, à afirmação dos direitos fundamentais como núcleo de proteção da
dignidade da pessoa humana. Considere: No campo das posições filosóficas justificadoras dos direitos fundamentais,
destaca-se a corrente jusnaturalista, para quem os direitos do homem são imperativos do direito natural, anteriores e
superiores à vontade do Estado.
23
(PGEMS-2021-CESPE): São considerados direitos fundamentais de quarta geração o direito à democracia e o direito à
informação.
24
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPDFT-2009; ii) PGEMA-2016 (FCC); iii) DPEPR-2017 (FCC).
Por terem fundamento na dignidade da pessoa humana e serem desprovidas, em sua maioria, de
conteúdo econômico-patrimonial, parte da doutrina considera os direitos fundamentais imprescritíveis,25
inegociáveis, indisponíveis e irrenunciáveis.26
##Observações:
Não são todos os direitos fundamentais que são desprovidos de conteúdo econômico-patrimonial.
Exemplos: direitos de propriedade e herança.
As quatro características devem ser analisadas com cautela, pois não se aplicam indistintamente a
todos os direitos. Façamos algumas distinções conceituais:
Ex.2: Se dois indivíduos pactuam que não recorrerão de decisão judicial, proferida em 1º grau de
jurisdição, haverá renúncia ao duplo grau de jurisdição;
Ex.3: Se, ao ser contratado por uma empresa, um indivíduo assina um compromisso de não se
associar a nenhum sindicato ou de não fazer greve, há renúncia a um direito fundamental (a validade
dessa renúncia é outra questão).
USO NEGATIVO DE UM DIREITO: Trata-se do não exercício fático e atual de uma posição
jurídica por seu titular. Não significa renúncia por parte do titular.
Ex.1: Se em um litígio há uma decisão judicial contrária ao interesse de um indivíduo, o qual não
interpõe recurso, há o não exercício fático e atual de um direito, ou seja, há o seu uso negativo (não
exercício), consistente em não interpor recurso;
Ex.2: Se um indivíduo opta pela não participação em uma greve determinada, ele está fazendo o uso
negativo do seu direito de greve.
##Questiona-se: Em que casos a renúncia pode ou não ser admitida? Não obstante a doutrina (v.g. José
Afonso da Silva) considere os direitos fundamentais como irrenunciáveis, não há dúvida de que é admitida a
renúncia a certos direitos. A própria legislação prevê expressamente algumas hipóteses de renúncia.
Exemplos: renúncia ao direito de propriedade, renúncia ao direito à herança e renúncia ao direito de
nacionalidade (CF, art. 12, § 4º).
25
(DPEPI-2009-CESPE): Os direitos fundamentais possuem determinadas características que foram objeto de detalhado
estudo da doutrina nacional e internacional. A respeito dessas características, assinale a opção correta: A
imprescritibilidade dos direitos fundamentais vincula-se à sua proteção contra o decurso do tempo.
26
(PGEGO-2013): Direitos fundamentais “são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à
soberania popular, que garantem convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor,
condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não
sobrevive” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011). Tendo em vista esse
conceito, está correta a seguinte proposição: Os direitos fundamentais são irrenunciáveis, ou seja, podem não ser
exercidos pelo titular, mas não pode haver renúncia, como ocorre na liberdade de crença.
27
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPF-2015.
b) Renúncia total e perpétua (ou irreversível) (renúncia à titularidade) VS. renúncia parcial e temporária
(ou reversível) (renúncia ao exercício) 28
RENÚNCIA TOTAL E PERPÉTUA/IRREVERSÍVEL: Não é admissível a renúncia total e perpétua
do exercício a um direito fundamental, pois isso seria como se estivesse renunciado à titularidade
daquele direito.29
Ex.: Acordo no qual o indivíduo abre mão definitivamente do exercício do direito de greve. Tal
documento seria juridicamente inválido.
Vontade livre e autodeterminada: A renúncia somente pode ser válida se a manifestação da vontade
for livre e autodeterminada.
28
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPF-2015.
29
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPMG-2017.
30
(MPF-2015): Assinale a alternativa correta: O exercício dos direitos fundamentais pode ser facultativo, sujeito,
inclusive, a negociação ou mesmo prazo fatal.
31
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TJPR-2008; ii) MPDFT-2009; iii) PGEPE-2009 (CESPE); iv) MPF-2012 v) MPT-
2012; vi) TJDFT-2016 (CESPE).
32
(DPEGO-2021-FCC): Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal não são ilimitados,
encontrando seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pelo texto constitucional. Tal afirmação
corresponde ao princípio da convivência das liberdades públicas.
(MPSC-2021-CESPE): Considerando a teoria geral dos direitos fundamentais, julgue o item seguinte: Os direitos
fundamentais não são absolutos e podem ser restringidos ou limitados por previsão constitucional ou legal, em benefício
do interesse social e em observância às bases de proporcionalidade.
##Atenção: ##STF: “(...) Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter
absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades
legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais
ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades
públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre
elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar
a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (...)” (STF, Tribunal Pleno, MS 23452, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal
Pleno, j. 16/9/99); “(...) Inexistem garantias e direitos absolutos. As razões de relevante interesse público ou as exigências
derivadas do princípio de convivência das liberdades permitem, ainda que excepcionalmente, a restrição de prerrogativas individuais
ou coletivas. Não há, portanto, violação do princípio da supremacia do interesse público. (...)” (STF, 2ª T., RE 455283 AgR, Rel.
Min. Eros Grau, j. 28/3/06).
(MPT-2012): Sobre a restrição de direitos humanos e direitos fundamentais, é correto afirmar: Excepcionalmente, a
Constituição da República admite a restrição de direitos e garantias fundamentais que ela própria consagra, em razão de
interesses superiores.
“Só há liberdade onde houver restrição da liberdade”, pois se as pessoas fizerem tudo o que bem
entenderem, ninguém vai ter liberdade para fazer nada.
A relatividade é uma característica que todo direito possui para permitir a convivência das
liberdades públicas. A colisão de direitos pressupõe a cedência recíproca entre eles.33
Refere Pedro Lenza que os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas
vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria
Constituição (ex.: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no
caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima
observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição. 34
Sobre o tema, Alexandre de Moraes explica: “O princípio da relatividade ou convivência das liberdades
públicas preconiza que os direitos e garantias fundamentais não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos
demais direitos igualmente consagrados pela Magna Carta.” (Fonte: Alexandre de Moraes, Direito Constitucional,
São Paulo, Ed. Atlas, 2009, pp. 32-33.).
Ocorre que, a rigor, os dois direitos citados são concretizações da proteção da dignidade da pessoa
humana na forma de regra, ou seja, são regras que se caracterizam por já especificarem a proteção da
dignidade da pessoa humana. Conforme visto, as regras já são um mandamento definitivo. 35
##Obs2: Há autores que entendem que, mesmo as regras (que são mandamentos definitivos), em
hipóteses excepcionalíssimas, poderão ser derrotadas ou superadas. Segundo Richard Posner, por
exemplo, deve-se admitir a tortura de um terrorista com o objetivo de descobrir a localização de uma
bomba e, assim, salvar a vida de vários inocentes.
33
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PCMS-2017 (FAPEMS); ii) MPMG-2019.
34
(Anal. Legisl./Câm. Deputados-2014-CESPE): A solução para conflitos de interesses decorrentes da relativização dos
direitos fundamentais tanto encontra disciplina na própria Constituição quanto permite ao intérprete, no caso concreto,
decidir qual direito deverá prevalecer, considerando-se a regra da máxima observância dos direitos fundamentais
envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição.
35
#Atenção: Tema cobrado na prova da PGEPE-2009 (CESPE).
36
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PGEPE-2009 (CESPE); ii) DPEPA-2022 (CESPE).
37
(PCMS-2017-FAPEMS): A eficácia vertical dos direitos fundamentais foi desenvolvida para proteger os particulares
contra o arbítrio do Estado, de modo a dedicar direitos em favor das pessoas privadas, limitando os poderes estatais.
b) Eficácia horizontal ("Drittwirkung”38, ou externa, ou em relação a terceiros, ou privada) 39
No entanto, com o passar do tempo, passou-se a perceber que a opressão e a violência contra o
indivíduo não emanavam somente por parte do Estado. Viu-se que, muitas vezes, a opressão é resultante de
ato de outros particulares. Surge, então, a necessidade de utilizarem-se os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, nas quais há uma suposta igualdade jurídica (horizontalidade).
Como a relação entre particulares é horizontal, a aplicação dos direitos fundamentais foi denominada
de eficácia horizontal (ou externa, ou em relação a terceiros, ou privada).40 Sobre o assunto, vejamos os
seguinte julgados:
STJ: 1. “O art. 1.337 do Código Civil estabeleceu sancionamento para o condômino que
reiteradamente venha a violar seus deveres para com o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo
único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial, verbis: "O condômino ou possuidor
que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais
condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia". 2. Por se
tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-
constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que
protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal
dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar,
na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a
dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de
todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares,
emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do STF. 3. Também foi a conclusão
tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo
Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino
nocivo. 4. Na hipótese, a assembleia extraordinária, com quórum qualificado, apenou o recorrido pelo seu
comportamento nocivo, sem, no entanto, notificá-lo para fins de apresentação de defesa. Ocorre que a
gravidade da punição do condômino antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar
consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que
seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral,
sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade. 5. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1365279/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 25/8/15).
38
(MPF-2011): "Eficácia horizontal", no âmbito da proteção internacional dos Direitos Humanos, , tem o mesmo
significado de "Drittwirkung".
#Atenção: Historicamente, a abordagem da proteção aos direitos humanos era feita considerando que seus violadores
principais seriam os Estados. Isso porque eram comuns os abusos derivados do mau uso dos poderes que eram
colocados à disposição dos Estados para a consecução do bem geral, tudo sob a aparência da soberania que o Estado
exercia sobre os indivíduos em seu território. A construção da rede de proteção a direitos humanos iniciou-se, então,
com o resguardo dos direitos humanos dos indivíduos em face do Poder Público. Denominou-se essa primeira rede
de proteção como “eficácia vertical” dos direitos humanos (ou vertikale unmittelbare Anwendbarkeit), em clara alusão
à relação de supremacia e ascendência dos Estados em face dos indivíduos (estabelecendo uma relação de verticalidade).
Com o tempo, percebeu-se que os Estados não seriam os únicos entes aptos a violar direitos humanos. Os próprios
indivíduos podem violar direitos humanos de seus pares, nas relações que travam cotidianamente entre si. Os
exemplos clássicos vivenciados para se chegar a essa conclusão foram a escravidão, a discriminação e a tortura. Fica
evidenciado que os Estados e a sociedade internacional devem oferecer proteção aos indivíduos também nesse contexto.
A essa segunda rede de proteção de direitos humanos denominou-se “eficácia horizontal” dos direitos humanos (ou
horizontale Anwendbarkeit, ou unmittelbare Drittwirkung, ou apenas Drittwirkung), em referência à inexistência de
supremacia e ascendência entre indivíduos (estabelecendo, portanto, uma relação de horizontalidade).
39
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PGEPE-2009 (CESPE); ii) DPERN-2015 (CESPE); iii) DPEBA-2016 (FCC).
40
(PGEPE-2018-CESPE): Considere as duas afirmações a seguir: I - Em um processo judicial, o Estado deve assegurar a
observância do contraditório e da ampla defesa. II - Nas relações entre a imprensa e os particulares, a imprensa deve
observar o direito à honra, sob pena de consequências como direito de resposta e indenização por dano material ou
moral. As afirmações I e II contemplam situações que exemplificam a eficácia vertical e a eficácia horizontal dos direitos
individuais, respectivamente.
(PCMS-2017-FAPEMS): A eficácia horizontal trata da aplicação dos direitos fundamentais entre os particulares, tendo
na constitucionalização do direito privado a sua gênese.
(DPEAL-2017-CESPE): Acerca do movimento da constitucionalização do direito, julgue o item a seguir: Uma das
consequências da constitucionalização do direito é a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
(PGEGO-2013): Direitos fundamentais “são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à
soberania popular, que garantem convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor,
condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não
sobrevive” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011). Tendo em vista esse
conceito, está correta a seguinte proposição: Tradicionalmente os direitos fundamentais são aplicados entre o Estado e o
particular, mas, pela teoria da eficácia horizontal, se admite a aplicação entre os particulares.
STF: “(...) o espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está
imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de
seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser
exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles
positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio
de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela
própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de
suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. A exclusão de sócio do quadro social da
UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional,
onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à
execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por
restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida
pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios
legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo
legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CR/88).” [STF. 2ª Turma. RE 201819, Relator
p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/10/2005].41
II – Eficácia Horizontal: a gente aqui no QC. Em pé de igualdade, todo mundo lutando pelo cargo
público. As relações entre particulares. As relações entre namorados, em que cada um pode vestir o que
quiser sem dar margem para relacionamentos abusivos, amém? Vamos curar nosso sentimento de posse
resolvendo questão e lendo informativo (tenho dito). Terapia e meditação ajudam também.
c) Eficácia diagonal42
Recentemente, começou a se falar em uma terceira espécie de eficácia. Em determinadas situações, a
relação entre dois particulares não é de igualdade, pois há um desequilíbrio fático, na qual um dos
particulares encontra-se, de certa forma, submetido ao outro, ou seja, é uma relação diagonal. A aplicação
dos direitos fundamentais a tais relações é denominada por parte da doutrina como eficácia diagonal.
Exemplos: relações laborais (patrão e empregado); relações consumeristas (fornecedor e consumidor).
Nessas relações há um desequilíbrio mais acentuado que o presente nas relações horizontais, de
forma que o Estado deve agir, de uma forma mais intensa, para proteger a parte fraca da relação.43
Nesse sentido, Eduardo Gonçalves refere:
Foi justamente a partir destas relações que o autor Sergio Gamonal desenvolveu a teoria da
eficácia diagonal dos direitos fundamentais que consiste na necessária incidência e observância
dos direitos fundamentais em relações privadas (particular-particular) que são marcadas por
uma flagrante desigualdade de forças, em razão tanto da hipossuficiência quanto da
vulnerabilidade de uma das partes da relação. Trata-se de uma eficácia diagonal por que, em tese, as
partes estão em situações equivalentes (particular-particular), mas, na prática, há um império do poder
41
(TRF2-2018): Marque a alternativa correta: A chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais impõe a sua
observância mesmo nas relações jurídicas estabelecidas entre particulares. Portanto, afigura-se possível a revisão judicial
da exclusão de associado dos quadros de associação privada, quando violado direito individual previsto na Constituição
Federal.
(DPESC-2017-FCC): No julgamento do Recurso Extraordinário n° 201.819/RJ, a Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, sob a relatoria para o acórdão do Ministro Gilmar Mendes, decidiu acerca da impossibilidade de exclusão de
sócio, por parte da União Brasileira de Compositores, sem garantia da ampla defesa e do contraditório. O caso em
questão representa um leading case inovador da nossa Corte Constitucional atinente ao seguinte ponto da Teoria Geral
dos Direitos Fundamentais: Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.
(PGEPR-2015-PUCPR): Julgamento do STF consignou sobre a incidência das normas de direitos fundamentais às
relações privadas o que segue ementado: “Sociedade civil sem fins lucrativos. União brasileira de compositores. Exclusão de
sócio sem garantia da ampla defesa e do contraditório. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Recurso desprovido.”
(RE 201819 – Relator(a): Min. Ellen Gracie. Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes. Segunda Turma, julgado em:
11/10/2005. DJ 27-10-2006, p. 00064 Ement vol-02253-04, p. 00577. RTJ vol-00209-02, p. 00821). Com base no julgado
acima, e à luz do regime constitucional dos direitos fundamentais, é CORRETO afirmar que: O julgado reforça a
chamada “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais, que pugna que os direitos fundamentais assegurados pela
Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados, também, à proteção dos
particulares em relação com outros particulares.
42
#Atenção: Tema cobrado na prova da DPEPA-2022 (CESPE).
43
(PCMS-2017-FAPEMS): A eficácia diagonal trata da aplicação dos direitos fundamentais entre os particulares nas
hipóteses em que se configuram desigualdades fáticas.
econômico, razão por que se defende a observância dos direitos fundamentais nestas relações. A este
respeito, o TST já tem aplicado a eficácia diagonal dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas para
combater atos discriminatórios.44
#Obs.: A diferença entre a eficácia horizontal e a eficácia diagonal está na intensidade de aplicação
dos direitos fundamentais:
RELAÇÃO DIAGONAL: maior intensidade conferida ao direito fundamental, pois a manifestação de
vontade pode ser afetada por algum vício, coação ou necessidade.
RELAÇÃO HORIZONTAL: menor intensidade conferida ao direito fundamental, pois a manifestação
de vontade é supostamente livre.
Com o intuito de contornar esta ineficácia horizontal dos direitos fundamentais, foi desenvolvida a
doutrina da “state action” (ou da ação estatal).
A doutrina da “state action” parte do pressuposto de que a violação do direito fundamental só
pode ocorrer por meio de uma ação estatal. Com base neste pressuposto, tal doutrina foi desenvolvida para
finalidades bem específicas, quais sejam: 1ª) Afastar a impossibilidade de aplicação dos direitos
fundamentais às relações entre particulares e 2ª) Definir em que situações uma conduta privada está
vinculada aos direitos fundamentais. Para tanto, é utilizado um artifício, qual seja, a equiparação dos atos
privados aos atos estatais.
Exemplo: Caso Company Town: Foi o caso de uma companhia gigantesca, comparada a uma cidade, na
qual os empregados lá viviam com suas famílias. Essa empresa proibiu que as testemunhas de jeová
fizessem pregações mesmo fora do horário de trabalho.
A Suprema Corte Americana entendeu que, embora essa seja uma relação entre particulares, neste
caso o ato da empresa se equiparava a um ato estatal, ou seja, era como se uma prefeitura tivesse proibido
que determinado grupo religioso fizesse pregações nesta comunidade. Assim, através da doutrina da state
action, a Suprema Corte disse que esse ato violava a liberdade religiosa, pois era equiparado a uma
atividade estatal.
44
in: http://www.eduardorgoncalves.com.br/2016/08/eficacia-diagonal-dos-direitos.html
45
#Atenção: Tema cobrado na prova do MPPR-2016.
O ponto de partida da teoria da eficácia horizontal indireta é a existência de um direito geral de
liberdade, ou seja, esta teoria parte da premissa de que todos os indivíduos têm um direito geral de
liberdade, o qual só poderá sofrer restrições se houver expressa previsão legal. Para isso, é necessário que
o legislador infraconstitucional crie regras para intermediar a aplicação dos direitos fundamentais às
relações entre particulares.46
Em outras palavras, os alemães sustentam que os particulares têm um direito geral de liberdade,
podendo estabelecer cláusulas negociais sem que o Estado possa interferir nessa margem. Essa liberdade
individual somente poderá ser restringida se o legislador criar normas regulamentando as relações
contratuais.
O professor Pedro Lenza explica que, “de acordo com a eficácia mediata, os direitos fundamentais são
aplicados de maneira reflexa, tanto em uma dimensão proibitiva e voltada para o legislador, que não poderá editar lei que
viole direitos fundamentais, como, ainda, positiva, voltada para que o legislador implemente os direitos fundamentais,
ponderando quais devam aplicar-se às relações privadas”.47
Portanto, a Constituição não é aplicada diretamente às relações de direito privado, mas por meio de
uma norma de Direito Civil referente ao caso concreto. Norma de Direito Civil intermedeia a aplicação dos
direitos fundamentais.48
Nesse sentido, há uma relativização dos direitos fundamentais nas relações contratuais, pois é
necessário que a lei estabeleça como os direitos devam ser aplicados.
A expressão “indireta” advém justamente da necessidade de mediação através de lei.
#Em resumo: Para esta teoria, os direitos fundamentais poderiam ser relativizados em favor da
“autonomia privada'” e da “responsabilidade individual”. Além disso, reconhece-se um direito geral de
liberdade, cabendo ao legislador a tarefa de mediar a aplicação dos direitos fundamentais às relações
privadas, por meio de uma regulamentação compatível com os valores constitucionais.
#Críticas feitas pela teoria da eficácia horizontal indireta à aplicação direta dos direitos
fundamentais às relações entre particulares: Essa teoria se utiliza três argumentos para dizer que os direitos
fundamentais não devem ser aplicados diretamente às relações entre particulares:
i. Causaria uma desfiguração do direito privado: O direito privado perderia suas características e se
tornaria um direito público, pois estariam sendo aplicadas às relações contratuais as mesmas regras
de direito público que estão previstas na Constituição para a relação Estado versus Particular;
ii. Seria uma ameaça à autonomia privada: As pessoas não poderiam livremente contratar entre si,
prejudicando a autonomia privada;
#Conclusão: Segundo essa corrente, os direitos fundamentais não ingressam no cenário privado
como direitos subjetivos, sendo necessária a intermediação do legislador. Para que se possa invocar esse
direito contra outro indivíduo, é necessário que o legislador regulamente de que maneira os direitos
fundamentais serão aplicados. O pressuposto disso é a existência de um direito geral de liberdade, que só
poderia ser restringido nas relações de particulares se existisse uma lei regulamentando. Para os adeptos,
uma aplicação direta causaria a desfiguração do direito privado e ameaçaria a autonomia privada.
Ex.2: ampla defesa e devido processo legal: Uma associação não pode excluir seus associados sem
lhes viabilizar os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal. Sobre o assunto:
COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO
PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos
estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da
defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair
adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. STF. 2ª T., RE
158215, Min. Rel. Marco Aurélio, j. 30/04/96.53- 54
51
(TJPR-2017-CESPE): Acerca da formação histórica, da classificação e da eficácia dos direitos fundamentais, assinale a
opção correta: A eficácia imediata dos direitos fundamentais encontra limites no núcleo irredutível da autonomia
pessoal, situação em que se configura a eficácia moderada na relação entre os poderes privados e os indivíduos.
52
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.
p. 1.158.
53
#Atenção: Tema cobrado na prova do MPRO-2008 (CESPE).
54
(DPEPA-2022-CESPE): A eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais (unmittelbare Drittwirkung) é uma teoria
atribuída ao jurista Hans Carl Nipperdey, o qual buscava superar a teoria clássica e demonstrar novas modalidades de
violações de direitos fundamentais, até então não reconhecidas pela teoria mais tradicional, como a defendida por
Jellineck. Constitui exemplo de aplicação inovadora da teoria da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais a
exigência para que uma escola particular tenha de observar o contraditório e a ampla defesa ao expulsar um aluno,
mesmo que o contrato entre as partes estabeleça o contrário.
#Atenção: No caso em tela, a exigência para que uma escola particular tenha de observar o contraditório e a ampla
defesa ao expulsar um aluno, mesmo que o contrato entre as partes estabeleça o contrário, configura a aplicação da
Teoria Horizontal, uma vez que não há como presumir a disparidade de forças.
(TCDF-2021-CESPE): Acerca de direitos e garantias fundamentais e mandado de segurança no âmbito do Poder
Legislativo, julgue o item a seguir, considerando o entendimento do STF: Para solucionar conflito entre uma entidade
privada com poder social e um associado, é possível a aplicação da teoria da eficácia horizontal dos direitos e garantias
fundamentais.
#Em resumo: Distinção entre efeito horizontal mediato/indireto e efeito horizontal imediato/direto:
O efeito horizontal mediato/indireto refere-se precipuamente à obrigação do juiz de observar o
papel (efeito, irradiação) dos direitos fundamentais, sob pena de intervir de forma inconstitucional
na área de proteção do direito fundamental, prolatando uma sentença inconstitucional. Segundo
Bernardo Gonçalves, as normas infraconstitucionais são interpretadas à luz da CF, como se esta
fosse um filtro. A aplicação dos direitos fundamentais na relação entre particulares seria sempre
mediada pela atuação do legislador ou mesmo pela atuação do juiz, que deveria interpretar o
direito infraconstitucional à luz das noras de direitos fundamentais.
O efeito horizontal imediato/direto refere-se ao vínculo direto das pessoas aos direitos
fundamentais ou de sua imediata aplicabilidade para a solução de conflitos interindividuais. Nas
palavras de Bernardo Gonçalves, os direitos fundamentais já trazem condições de plena
aplicabilidade nas relações entre particulares, dispensando a mediação infraconstitucional, não
necessitando da atuação (sindicabilidade) do legislador nem da interpretação da legislação
infraconstitucional à luz da Constituição. Com base na perspectiva da máxima efetividade, a CF
deveria ser aplicada diretamente nas relações entre particulares.
##Obs.: Os fundamentos da República Federativa do Brasil são princípios estruturantes que não se
confundem com os objetivos fundamentais (art. 3º, CF/88 – “CO-GA-ERRA-PRO”), ao passo que esses
últimos representam metas a serem buscadas pelos Poderes Públicos.
A dignidade da pessoa humana é um tema complexo em vista do seu caráter filosófico. No entanto,
após a 2ª Guerra Mundial, as Constituições ocidentais começaram a consagrar em seus textos a dignidade,
de modo que ela se converteu de um valor eminentemente filosófico para um valor tipicamente jurídico.
#Atenção: No caso em tela, entre o associado e a associação aplica-se a Teoria Horizontal, uma vez que não há como
presumir a disparidade de forças. O STF entende que para a exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos
estatutos, impõe-se a observância do devido processo legal, viabilizando o exercício amplo da defesa, além da
observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa, que foi descumprido. E, no caso em questão, os recorrentes
foram excluídos do quadro de associados da cooperativa em caráter punitivo sem a devida oportunidade de defesa. O
STF aplica a tese da eficácia horizontal dos Direitos Humanos.
55
##Atenção: Tema cobrado na prova da PGEPE-2009 (CESPE).
56
(TJMS-2010-FCC): A República Federativa do Brasil tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. BL: art. 1º, CF/88.
Tanto no direito brasileiro, como no direito comparado, prevalece o entendimento de que a dignidade
não é um direito fundamental ou mesmo sequer um direito, pois ela não é algo concedido pelo
ordenamento jurídico. Não é porque a CF/88 prevê a dignidade no art. 3º, III, que temos ela.
Há dois posicionamentos predominantes em relação à natureza jurídica da dignidade da pessoa
humana:
1ª Corrente: A dignidade da pessoa humana seria o valor constitucional supremo. A dignidade seria o
núcleo axiológico da Constituição. Trata-se do entendimento de que o Estado existe para o ser
humano e não o ser humano para o Estado.
2ª Corrente: A dignidade da pessoa humana seria uma qualidade intrínseca de todo ser humano. Todo
indivíduo, pelo simples fato de ser humano, é o bastante para ter dignidade.
##Obs.: A expressão “dignidade da pessoa humana” foi cunhada para diferenciá-la da “dignidade da
pessoa divina”.
Sendo a dignidade uma qualidade intrínseca e inexistindo uma categorização entre seres humanos, a
dignidade não comporta quaisquer relativizações. Assim, não existem pessoas com mais ou pessoas com
menos dignidade. Não existem pessoas de primeiro e segundo grau.
Esta noção começou a ser consagrada nos textos constitucionais após o fim da 2ª Guerra Mundial em
razão do contexto nazista, no qual se estabelecia uma hierarquia entre seres humanos (pessoas de primeiro e
segundo grau) para justificar as experiências em pessoas e atrocidades cometidas.
##Obs.: Dizer que a dignidade é algo absoluto não significa compreendê-la como um direito absoluto.
##Questiona-se: Mas o que é algo absoluto? Conforme Béatrice Maurer, “a pessoa não tem mais ou
menos dignidade em relação a outra pessoa. Não se trata, destarte, de uma questão de valor, de hierarquia, de uma
dignidade maior ou menor. É por isso que a dignidade do homem é um absoluto ”. Ou seja, não é que a dignidade é
um direito absoluto, ela é absoluta por não comportar categorizações entre as pessoas.
##Obs.: A dignidade é “o alfa e o ômega”. Alfa e ômega são, respectivamente, a primeira e a última
letra do alfabeto grego clássico. A ideia da expressão é a de que a dignidade é a origem e o fim dos direitos
fundamentais, porque foram criados para proteger e promover a dignidade e devem ser interpretados,
quando aplicados a um caso concreto, com tal finalidade.
a) Dever de respeito
Tanto os poderes públicos quanto os particulares devem respeitar a dignidade das demais pessoas,
não adotando condutas que violem a dignidade de terceiros. O dever de respeito, portanto, possui caráter
negativo, no sentido de exigir uma abstenção.
Ex.: Não torturar está incluído no dever de respeito à dignidade.
O dever de respeito pode ser concretizado com base no entendimento adotado pelo Tribunal
Constitucional Federal da Alemanha, o qual realiza uma conjugação entre a “fórmula do objeto” (criada por
Kant) e a “expressão de desprezo”.
A “fórmula do objeto” pode ser assim sintetizada: o ser humano deve sempre ser tratado como um
fim em si mesmo e nunca como um meio para se atingir determinados fins. Se o ser humano for tratado
como objeto (daí o termo “fórmula do objeto”) a dignidade será violada.
##Obs.1: A filosofia construída por Kant forneceu as principais bases teóricas para o conceito de
dignidade que temos no mundo ocidental. Sendo um dos principais responsáveis pela universalização deste
conceito.
##Obs.2: Vejamos as definições dadas por Kant (livro “Fundamentação da metafísica dos costumes”) que
auxiliam na compreensão das bases teóricas da dignidade:
O traço distintivo do ser humano é existir como um “fim em si mesmo” (“fórmula do objeto”) e não
um meio para consecução dos fins.
“No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade” (imperativo categórico). Segundo Kant,
aquilo que possui preço pode ser trocado por algo equivalente, mas aquilo que tem dignidade é
insubstituível. Nesse passo, a única coisa que dispõe de dignidade, no reino dos fins, é o ser
humano.
“Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer
outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio” (imperativo categórico).
A dignidade não é só em relação a terceiros, mas também sobre como a pessoa trata a si mesma.
Ex.: A atividade do “arremesso de anão” era uma febre nos anos 80, sendo o anão utilizado como
espécie de bala de canhão. Um comissário, utilizando do poder de polícia, determinou que as casas nas quais
este tipo de espetáculo estava acontecendo fossem fechadas, justificando que aquela atividade era violadora
da dignidade da pessoa humana, pois os anões estavam sendo tratados como um meio e a atividade era
fruto do desprezo por ela. A justiça francesa concordou que a atividade era violadora da dignidade da
pessoa humana, embora não estivesse consagrada na constituição francesa.
Não somente as casas, como também um anão recorreu dessa decisão, alegando que o que viola sua
atividade não é o fato de participar do espetáculo, onde é inserido no meio social e recebe pela atividade,
mas sim estar em casa, desempregado e dependendo de uma pensão do governo.
A questão, aqui, centrou-se na indagação quanto ao Estado ou a pessoa vitimada ter legitimidade para
decidir o que viola a dignidade ou não. Ocorre que, mesmo entendendo a própria pessoa que não está sendo
violada sua dignidade com a atividade, isso estigmatiza todo o grupo de pessoas que estão na mesma
condição.
À “fórmula do objeto” no Tribunal Constitucional Federal da Alemanha acrescentou um segundo
aspecto: a “expressão de desprezo”. O Tribunal matizou a “fórmula do objeto” entendendo que nem sempre
o tratamento do ser humano como meio significa, necessariamente, uma violação à dignidade. Assim,
para que ela seja violada, não basta que o ser humano seja tratado como um meio, sendo necessário
também que tal tratamento seja fruto de uma expressão de desprezo pelo ser humano.
Ex.: Pessoas que não tinham o vírus do HIV que se ofereceram para participar de um teste da vacina
contra esta doença foram utilizadas como meio, mas isso não viola a dignidade dessas pessoas. Se elas
voluntariamente se ofereceram como cobaias para um fim altruísta, não há violação.
b) Dever de proteção
O dever de proteção é um dever mais direcionado ao Estado. Os Poderes Públicos devem adotar
medidas protetivas da dignidade da pessoa humana, como no caso dos direitos individuais (v.g. proteger o
direito à liberdade, o direito à igualdade, etc.).
Além dos direitos individuais, tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Executivo, devem adotar
políticas públicas para proteger a dignidade (v.g. criando leis que criminalizem determinadas condutas ofensivas
à dignidade).
Por fim, o Poder Judiciário possui um importante papel através da interpretação não só dos direitos
fundamentais, como também dos direitos em geral. Assim, deve haver o emprego da dignidade como um
vetor interpretativo (v.g. cf. a CF/88, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade são garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, porém o STF estende esta proteção a
estrangeiros não residentes fundamentando-se, principalmente, na dignidade da pessoa humana. Se ela é uma qualidade
intrínseca que todo ser humano possui, não se pode deixar de oferecê-los e assegurá-los a uma pessoa apenas porque ela
não é brasileira ou não resida no Brasil).57
c) Dever de promoção
Os Poderes Públicos devem adotar não só medidas protetivas, mas também medidas voltadas à
promoção de condições dignas de existência, as quais são promovidas, sobretudo, através da consagração de
direitos sociais, de políticas públicas (do Poder legislativo e do Poder Executivo) e do mínimo existencial.
Portanto, em linhas gerais, a dimensão subjetiva é a aquela segundo a qual os direitos fundamentais
são pensados sob a perspectiva dos indivíduos, titulares destes direitos. Nesse sentido, Marcelo Novelino
explica que “o indivíduo que possui um direito fundamental é titular de posição jurídica contemplada pela
norma jusfundamental, que pode ter a estrutura de princípio e/ou de regra”. 59-60
Portanto, a dimensão subjetiva pode ser compreendida como a faculdade de impor uma atuação
negativa ou positiva aos titulares do Poder Público. Ex.: A pessoa, como indivíduo, tem direito a liberdade
de manifestação e pensamento, direito a um processo com o devido processo legal, etc.
Todavia, os direitos fundamentais não podem ser considerados somente sob o enfoque dos
indivíduos, enquanto posições jurídicas oponíveis aos poderes públicos e particulares. Vejamos a próxima
dimensão.
57
(PGEGO-2013): Direitos fundamentais “são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à
soberania popular, que garantem convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor,
condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não
sobrevive” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011). Tendo em vista esse
conceito, está correta a seguinte proposição: Os brasileiros, natos ou naturalizados, bem como os estrangeiros residentes
no País, são titulares dos direitos fundamentais, conforme previsão constitucional.
58
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PCGO-2013; ii) MPPR-2016.
59
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 14ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 328-329.
60
(DPEBA-2016-FCC): No âmbito da Teoria dos Direitos Fundamentais, a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais
está atrelada, na sua origem, à função clássica de tais direitos, assegurando ao seu titular o direito de resistir à
intervenção estatal em sua esfera de liberdade individual.
6.2. Dimensão Objetiva61-62
Pela dimensão objetiva, os direitos fundamentais são juridicamente válidos do ponto de vista da
comunidade, ou seja, como valores ou fins a serem realizados, em grande medida, através da ação estatal.
Nesta dimensão, os direitos fundamentais formam uma “ordem de valores”, ou seja, como fins para serem
buscados. Ex.: A liberdade é um valor a ser buscado por ser importante para a sociedade,
independentemente da consideração de seus titulares individualmente.
O professor Bernardo Gonçalves explica que a dimensão objetiva “vai além da perspectiva subjetiva dos
direitos fundamentais como garantias do indivíduo frente ao Estado e coloca os direitos fundamentais como um
verdadeiro "norte" de "eficácia irradiante" que fundamenta todo o ordenamento jurídico.”63-64
Nesse sentido, a doutrina e jurisprudência apresentam três enfoques/premissas da dimensão
objetiva nos quais os direitos fundamentais apresentam critérios de controle da ação estatal, que devem
ser aplicados independentemente de eventuais violações a direitos subjetivos fundamentais. Vejamos a
aplicação de uma dessas premissas:
Atuação dos direitos fundamentais como normas de competência negativa: Significa que aquilo
que está sendo outorgado ao indivíduo em termos de liberdade para ação e em termos de livre
arbítrio em sua esfera, está sendo objetivamente retirado do Estado. Ex.: É como se fossem dois
lados de uma moeda: se a CF/88 me assegura como indivíduo a liberdade de manifestação e
pensamento, vedando apenas o anonimato, por outro lado, ela está impondo ao estado o dever de
não haver ingerências nessa liberdade.
Atuação dos direitos fundamentais como pautas interpretativas e critérios para a configuração do
direito infraconstitucional (“efeito de irradiação dos direitos fundamentais”): Nesse sentido, os
direitos fundamentais impõem que a legislação infraconstitucional seja interpretada e criada à
luz dos direitos fundamentais (“interpretação conforme”). Em um primeiro aspecto (pautas
interpretativas), exige-se que os direitos fundamentais sejam vetores para a interpretação, seja da
CF ou das normas infraconstitucionais (“interpretação conforme a constituição”). Em um segundo
aspecto (critérios para a configuração do direito infraconstitucional), os direitos fundamentais
devem ser observados quando da criação de normas infraconstitucionais. Vejamos o seguinte
julgado do STF:
ADI 4.277/DF: [...] O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em
sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do
inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de
“promover o bem de todos”. (…) Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou
discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a
utilização da técnica de “interpretação conforme a Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em
causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre
pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com
as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
61
(DPEMG-2019): A respeito dos direitos e garantias individuais e coletivas, assinale a alternativa correta: A proibição
de revista íntima de funcionárias e de clientes do sexo feminino por empresas privadas, órgãos e entidades da
administração pública, direta e indireta, fundamenta-se na garantia fundamental do direito à intimidade (art. 5º, X,
CRFB/88).
(TJRS-2018-VUNESP): Assinale a alternativa que corretamente contempla um exemplo de aplicação do conceito de
dimensão objetiva dos direitos fundamentais: Decisão do STF em que foi firmado o entendimento de que a revista íntima
em mulheres em fábrica de lingerie, ou seja, empresa privada, constitui constrangimento ilegal.
##Atenção: A fábrica de lingerie, ou seja, empresa privada, ao impor uma regra, ainda que consentida pela empregada
(relação de particular com outro particular) constitui constrangimento ilegal, por violar o direito a INTIMIDADE
(direito fundamental). Assim, na dimensão objetiva dos direitos fundamentais é estabelecido diretrizes para a atuação
dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, ainda, para as relações particulares. No caso em tela, o direito
fundamental de inviolabilidade da intimidade está recebendo uma diretriz para posteriores revistas íntimas realizadas
em mulheres em empresas privadas. Como consequência de sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais conformam
o comportamento do Poder Público e cria para o Estado um dever de proteção desses direitos contra agressões advindas
do próprio Estado ou de particulares.
(MPPR-2016): Assinale a alternativa correta: A função dos direitos sociais constitucionais como direito a prestações
materiais é somente uma das espécies no âmbito das possíveis posições subjetivas decorrentes das normas de direitos
sociais, visto que além de assumirem uma nítida função defensiva (negativa), atuando como proibições de intervenção,
também implicam em prestações do tipo normativo (positiva).
62
##Atenção: Tema cobrado na prova do TJRS-2018 (VUNESP).
63
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Salvador. JusPODIVM, 2017, p. 314.
64
(MPDFT-2013): Assinale a alternativa correta: O aspecto objetivo dos direitos fundamentais, segundo a concepção
dominante, reúne decisões de valores, que se irradiam por todo o ordenamento jurídico.
Os direitos fundamentais impõem o dever de proteção e promoção de posições jurídicas
fundamentais contra possíveis violações por terceiros, tornando-se verdadeiros mandamentos
normativos direcionados ao Estado. Assim, independentemente de haver um titular ou não
daquele direito no caso concreto, o Estado tem o dever de proteger o direito fundamental em
questão. Em outras palavras, ainda que não se reconheça a consagração de pretensões subjetivas, é
possível identificar um dever imposto ao Estado de adotar as medidas necessárias para a
concretização de normas de direitos fundamentais. Vejamos o seguinte julgado do STF, em que é
possível identificar as duas dimensões:
ADI 3.510/DF (voto Min. Lewandowski): [...] penso que a discussão travada nestes autos não
deve limitar-se a saber se os embriões merecem ou não ser tratados de forma condigna, ou se possuem ou
não direitos subjetivos na fase pré-implantacional, ou, ainda, se são ou não dotados de vida antes de sua
introdução em um útero humano (…). Creio que o debate deve centrar-se no direito à vida entrevisto
como um bem coletivo [dimensão objetiva], pertencente à sociedade [dimensão objetiva] ou
mesmo à humanidade [dimensão objetiva] como um todo, sobretudo tendo em conta os riscos
potenciais que decorrem da manipulação do código genético humano.
##Parêntese: Desde o caso Lüth, julgado pela Corte Constitucional alemã, doutrina e jurisprudência
têm reconhecido aos direitos fundamentais uma eficácia objetiva, o que significa que estes direitos
constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o
ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos. Como
efeitos desta eficácia objetiva, aponta-se eficácia irradiante dos direitos fundamentais, sua vinculação em
relação aos particulares e a imposição de deveres estatais de proteção. Tal não implica, todavia, admissão de
direitos subjetivos correlatos, tampouco a exigibilidade de tais direitos (justiciabilidade). Estas são
características decorrentes da noção subjetiva dos direitos fundamentais, que os vislumbram como direitos
subjetivos, que atribuem ao seu titular a possibilidade de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades
ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma
consagradora de referidos direitos. Daniel Sarmento explica que “a ideia de dimensão objetiva dos direitos
fundamentais parte da premissa de que estes não se limitam a função de direitos subjetivos. A partir do reconhecimento
de que os direitos fundamentais protegem os valores mais relevantes da coletividade, são construídas funções adicionais
para eles, ligadas à proteção e promoção destes valores na ordem jurídica e social”.65-66
##Em resumo: Na dimensão subjetiva, temos que a extensão dos direitos fundamentais destinados às
PESSOA/PARTICULAR contra a atuação de outra PESSOA/PARTICULAR ou outras
PESSOAS/COLETIVIDADE. A relação aqui é particular vs particular. A RELAÇÃO É HORIZONTAL.
Elas “destina-se a organizar uma atividade que tenha influência coletiva, funcionando como programa diretor para a
realização constitucional”.67
65
SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. In: SOUZA NETO,
Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (orgs.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em
espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 533-586.
66
(MPRS-2021): Em relação à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, assinale a alternativa correta: A doutrina dos
deveres estatais de proteção é derivada da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, e uma de suas principais
consequências jurídicas é a imposição, ao Estado, da obrigação de editar leis que permitam superar um estado de
proteção insuficiente de bens constitucionais fundamentais.
#Atenção: “5. Dimensão Objetiva e Deveres de Proteção. A teoria contemporânea dos direitos fundamentais afirma que o Estado
deve não apenas abster-se de violar tais direitos, tendo também de proteger seus titulares diante de lesões e ameaças provindas de
terceiros. Este dever de proteção envolve a atividade legislativa, administrativa e jurisdicional do Estado, que devem guiar-se para a
promoção dos direitos da pessoa humana. Tal aspecto constitui um dos mais importantes desdobramentos da dimensão objetiva dos
direitos fundamentais, e está associado à ótica emergente do Welfare State, que enxerga no Estado não apenas um ‘inimigo’ dos
direitos do Homem, que por isso deve ter as suas atividades limitadas ao mínimo possível (Estado mínimo), mas uma instituição
necessária para a própria garantia destes direitos na sociedade civil.” (SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações
privadas. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2004, pp. 160-161).
(MPF-2013): Assinale a alternativa correta: O reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais não
significa, necessariamente, a existência de direitos subjetivos que a acompanham, ou mesmo a admissão de que eles
sejam justiciáveis.
67
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas
de direitos fundamentais. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003., p. 132-134
b) Dimensão subjetiva dos direitos fundamentais :
- atende a interesses de indivíduos, de forma unitária.
- valores básicos do Estado de Direito estabelecendo diretrizes de atuação do Poder Executivo,
Legislativo e Judiciário, bem como na relação entre particulares (eficácia irradiante dos direitos
fundamentais).
7. CONTEÚDO ESSENCIAL
7.1. Objetivo
##Questiona-se: Qual a razão de buscar definir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais?
O objetivo de definir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é evitar que os Poderes Públicos
(sobretudo o Poder Legislativo) desnaturalizem/desconfigurem os direitos fundamentais ao regulamentá-
los ou ao restringi-los.
Assinale-se que o conteúdo essencial não é aplicado somente ao legislador, mas também ao juiz. Na
hora de interpretar um direito fundamental, o juiz também não pode violar o conteúdo essencial deste
direito.
Conteúdo essencial (ou “núcleo duro”): Conteúdo essencial é o “núcleo duro” do direito
fundamental. Segundo a teoria absoluta, o núcleo duro é definido de modo absoluto. Isto é, através
da interpretação do direito fundamental, é possível delimitar, precisamente, seus contornos. Ao
delimitá-lo precisamente, o conteúdo essencial torna-se inviolável, não podendo ser atingido pelo
legislador.
Periferia (parcela periférica): Além do núcleo duro definido através da interpretação, há uma parte
periférica do direito, na qual a intervenção legislativa é possível e legítima, ainda que não de
forma totalmente discricionária.
Assim, o direito fundamental tem o seu núcleo duro e a sua parte periférica. Ao regulamentar este
direito fundamental ou criar restrições a ele, o legislador pode entrar na periferia do direito e regulamentá-
la. Porém, o legislador não pode adentrar e regulamentar o núcleo duro, sob pena de violar o direito
fundamental e ser a lei declarada inconstitucional.
Gilmar Mendes afirma que os adeptos da teoria absoluta entendem o núcleo essencial dos direitos
fundamentais como unidade substancial autônoma que, independentemente de qualquer situação
concreta, estaria a salvo de eventual decisão legislativa. Além disso, refere que tal teoria adota uma
interpretação material segundo a qual existe um espaço interior livre de qualquer intervenção estatal.
Neste caso, além da exigência de justificação, imprescindível em qualquer hipótese, ter-se-ia um “limite do
limite” para a própria ação legislativa, consistente na identificação de um espaço insuscetível de
regulação.69
Exemplo de utilização da teoria absoluta:
ADPF 130 (voto Min. Ayres Britto): A uma atividade que já era ‘livre’ (incisos IV e IX do art. 5º),
a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de ‘plena’ (§ 1º do art. 220). Liberdade plena que,
repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado ‘núcleo
duro’ da atividade). (…) Assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do
pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o desembaraçado trânsito das
ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição à lei quanto às matérias
nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da
liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. (…) As matérias reflexamente de
imprensa, suscetíveis [periferia], portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela
própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao
68
##Atenção: Cobrada na prova do TJDFT-2016.
69
##Atenção: ##TJDFT-2016: ##PGEMA-2016: ##CESPE: ##FCC: Gilmar Mendes explica que a ordem constitucional
brasileira não contemplou qualquer disciplina expressa e direta sobre a proteção do núcleo essencial de direitos
fundamentais. Todavia, é inequívoco que a CF/88 veda expressamente qualquer proposta de emenda tendente a abolir
os direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, IV, CF).
agravo; proteção do sigilo da fonte (“quando necessário ao exercício profissional”);
responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos (…).
##Atenção: ##CESPE: ##TJDFT-2016: Gilmar Mendes explica que a ordem constitucional brasileira
não contemplou qualquer disciplina expressa e direta sobre a proteção do núcleo essencial de direitos
fundamentais. Todavia, é inequívoco que a CF/88 veda expressamente qualquer proposta de emenda
tendente a abolir os direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, IV, CF).
##Atenção: ##CESPE: ##Distinção entre a Teoria Absoluta e a Teoria Relativa: Marcelo Novelino
distingue, de forma didática, as duas teorias:73
I. Para a teoria absoluta, há um núcleo no âmbito de proteção de cada direito fundamental, cujos
limites são intransponíveis, ainda que eventualmente existam outros fatores que justifiquem sua
restrição. Sob tal prisma, o conteúdo essencial refere-se ao espaço de maior intensidade valorativa
do direito, sua parte intocável, delimitada em abstrato através da interpretação. Em sentido forte, a
proteção constitucional é assegurada apenas par o “núcleo duro”, considerado o “coração do
direito”. A parte periférica pode sofrer intervenções legislativas, mesmo que dentro determinados
limites.
70
(TJRS-2012): Em relação ao diploma de jornalismo, decisão do STF considerou que exigi-lo era desproporcional e
violava a liberdade de expressão e informação.
(MPDFT-2011): O Estado não pode criar uma ordem ou um conselho profissional para a fiscalização da atividade
jornalística.
71
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPT-2012; ii) DPERN-2015 (CESPE); iii) PGEMA-2016 (FCC).
72
(MPF-2011): A teoria relativa do núcleo essencial dos direitos fundamentais funde o conceito de núcleo essencial com o
de respeito ao princípio da proporcionalidade nas medidas restritivas de direitos.
73
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 14ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 328-329.
II. Para a teoria relativa, a definição daquilo que deve ser protegido irá depender das circunstâncias
do caso concreto (possibilidade fática) e das demais normas envolvidas (possibilidade jurídica).
Nesta concepção, o conteúdo essencial de um direito será variável, por depender do resultado da
ponderação. Sob essa perspectiva, não há delimitação fixa e preestabelecida, por não se tratar de
elemento estável nem de parte autônoma do direito fundamental. A teoria relativa é a única que
comporta a teoria dos princípios, proposta por Robert ALEXY e, portanto, mais compatível com a
doutrina constitucional pátria.
##Obs1: Toda esta “ginástica” é feita para dizer que não há uma colisão entre a inviolabilidade do
direito à vida do embrião e o direito à vida das pessoas que podem ser salvas através das pesquisas com
células-tronco embrionárias. Para isso, o voto do Ministro diz que não há colisão porque a CF não consagra a
vida do embrião como um bem jurídico tutelado, sendo isso protegido pelo direito comum. Por isso, a lei
não é inconstitucional por não violar nenhum dispositivo da CF, que apenas protege a vida da pessoa e não
do indivíduo que não nasceu.
##Obs2: Veja-se que, se utilizarmos esta teoria, a própria criminalização do aborto é inconstitucional,
pois, ao impedir a mulher de abortar, estamos subjugando diversos direitos de índole constitucional (v.g.
direitos à privacidade e ao próprio corpo) para proteger um direito (direito do embrião) que não está na CF/88.
A teoria externa parte da premissa de que há dois objetos distintos: o direito fundamental em si e
suas restrições. São coisas distintas porque as restrições não são determinadas através de um processo
interno de interpretação do direito, mas sim identificáveis a partir de uma perspectiva externa, consistente
na análise dos outros direitos fundamentais consagrados pela Constituição.
(TCEPI-2021-FGV): João e Maria travaram intenso debate a respeito das teorias afetas às restrições aos direitos
fundamentais. João defendia que no direito brasileiro é preponderante o entendimento de que esses direitos ensejam o
surgimento de posições jurídicas definitivas, o que implica adesão à denominada teoria interna. Maria, por sua vez,
refutava esse argumento, afirmando que o entendimento preponderante é o de que os direitos apresentam contornos
prima facie, se afeiçoando à teoria externa. À luz dessa narrativa, é correto afirmar que o(s) entendimento(s) de: Maria
está certo, já que direito e restrição formam individualidades distintas.
(PGEMS-2016): Quanto à questão da possibilidade de restrições a direitos fundamentais, é incorreto asseverar que: Na
doutrina sobre as restrições a direitos fundamentais está elenca a denominada teoria interna, para a qual não existem
conceitos de direito e de restrição como categorias autônomas, mas na verdade a própria ideia de direito fundamental
com certo conteúdo, como observa Robert Alexy.
#Atenção: Segundo Gilmar Mendes: “A essa concepção contrapõe -se a chamada teoria interna (Innentheorie), para a qual não
existem os conceitos de direito e de restrição como categorias autônomas, mas sim a ideia de direito fundamental com determinado
conteúdo. A ideia de restrição (Schranke) é substituída pela de limite (Grenze). Tal como ressaltado por Alexy, eventual dúvida sobre
o limite do direito não se confunde com a dúvida sobre a amplitude das restrições que lhe devem ser impostas, mas diz respeito ao
próprio conteúdo do direito" (ibid.)
(MPF-2015): Assinale a alternativa correta: Pela teoria interna, o conflito entre direitos fundamentais é meramente
aparente, na medida em que é superado pela determinação do verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos.
#Atenção: Registre-se que há duas teorias sobre as limitações dos direitos fundamentais: a teoria externa e a interna. A
primeira considera que as restrições a direitos fundamentais são externas ao conceito desses mesmos direitos. É dizer:
existe um direito à liberdade, que pode sofrer restrições (externas) em casos concretos Já para a teoria interna, o
conteúdo de um direito só pode ser definido após ser confrontado com os demais: não existem restrições a um direito,
mas definições de até onde vai esse direito. (Fonte: http://www.google.com.br/url?
sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0CB4QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.stf.jus.br%2Frepositorio
%2Fcms%2Fportaltvjustica%2Fportaltvjusticanoticia%2Fanexo
%2Fjoao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf&ei=IRpJVby9G5b_sAT7joCYCw&usg=AFQjCNF7ygzisOaGS16yEF
lHlK5xMBTWSw&sig2=_xzsAE-8fZm1WMqG6HKywA&bvm=bv.92291466,d.cWc). Na teoria interna defende-se que os direitos
fundamentais são absolutos e portanto não podem ser restringidos, mas sofrem limites imanentes expressos no Texto
Constitucional. Já a teoria externa admite a restrição aos direitos fundamentais. Para a teoria externa, essa limitação
acontece em dois momentos: em um primeiro, se reconheceriam as normas jurídicas que poderiam ser aplicadas no caso
em apreço; e num segundo onde há a ponderação de interesses." (Fonte: https://revistas.newtonpaiva.br/redcunp/d19-16-
restricoes-e-confrontos-aos-direitos-fundamentais-uma-proposta-de-analise-discursiva/).
Portanto, para se chegar à delimitação precisa do direito fundamental há duas etapas a serem
observadas:
1ª etapa: Identificação do conteúdo inicialmente protegido da forma mais ampla possível. Aqui há
um direito “prima facie” (provisório).
Ex.: liberdade de manifestação do pensamento: qualquer manifestação, mesmo que
ofenda a honra de alguém, em princípio, está protegida pelo direito à liberdade de
manifestação do pensamento.
2ª etapa: São definidos os limites externos do direito, através da ponderação prima facie entre o
direito analisado e entre os demais direitos consagrados pela Constituição. Como
resultado desta ponderação, temos o direito definitivo que deve ser observado.
##Obs.: Aqui o Ministro disse, em suma, que na colisão entre a inviolabilidade do direito à vida do
embrião e o direito à saúde de milhões de pessoas que podem ser salvas pelas pesquisas com células-
tronco, deve prevalecer o direito destas pessoas, especialmente porque tais embriões seriam descartados.
Princípio da não retroatividade (CF, art. 5º, XXXVI): uma restrição a direito fundamental não
pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim, uma
restrição a direito fundamental não pode ocorrer de forma retroativa;
Princípio da salvaguarda do conteúdo essencial : A lei restritiva não pode violar o conteúdo
essencial de um direito fundamental.
76
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) DPERN-2015 (CESPE); ii) PGEMA-2016 (FCC); iii) PGEMS-2016; iv) MPM-2021;
v) PGEPA-2022 (CESPE); vi) PCRJ-2022 (CESPE).
Se adotarmos a teoria relativa (quanto a forma de determinação), significa que uma lei deve passar pelo
crivo do princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, se adotarmos a teoria absoluta (quanto a forma de determinação), a salvaguarda do
conteúdo essencial será analisada através da interpretação.
De toda forma, adotando-se a teoria absoluta ou relativa, uma lei restritiva a um direito
fundamental não pode violar o conteúdo essencial deste direito.
##Obs.1: Humberto Ávila diferencia regra, princípio e postulado. Postulado seria uma metanorma ou
uma norma de segundo grau, isto é, uma norma que trata da estrutura de aplicação e de modos de
raciocínio em relação a outras normas. Robert Alexy utiliza a expressão “máxima” da proporcionalidade
(no mesmo sentido adotado por Humberto Ávila).
77
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PGEMS-2014; ii) PGEMA-2016 (FCC); iii) TJSP-2018 (VUNESP).
78
##Atenção: Tema cobrado na prova da DPEBA-2016 (FCC).
79
(PGEMS-2014): Assinale a alternativa correta: O STF acolhe a doutrina do substantive due process of law e nessa esteira
tem afastado a validade de atos estatais que não observam as limitações que incidem sobre o poder normativo do
Estado, produzindo prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade
c) Sistema de direitos fundamentais (Canotilho)
Conforme este entendimento, a proporcionalidade pode ser deduzida do sistema de direitos
fundamentais. A Constituição, ao consagrar um sistema de direitos fundamentais, por consequência, veda-
se qualquer tipo de arbitrariedade por parte do Estado.
a) Adequação
A adequação envolve uma relação entre meio e fim: as medidas adotadas pelos Poderes Públicos
devem ser aptas para fomentar (promover em tese) os objetivos almejados. Deste modo, uma medida só
será proporcional se ela tiver a aptidão para alcançar a finalidade, a qual se destina.82
Se há um meio utilizado para atingir um fim, mas este meio não é adequado para este fim, significa
que a medida é desproporcional.
Exemplo de aplicação nº 1: Uma lei na Alemanha exigiu que a pessoa tivesse habilidades em armas de
fogo para realizar a falcoaria, que consiste em uma caça realizada com falcões, que não utiliza armas de fogo.
A Suprema Corte alemã entendeu que esta lei não proporcional, pela perspectiva da adequação, em razão de
que o meio consistente em obrigar as pessoas que realizavam a caça a ter habilidades com armas de fogo, não
era adequada para o fim consistente em ordenar e organizar a caça na Alemanha. Logo, essa lei estava
restringindo de forma injustificada o direito fundamental de quem queria praticar este tipo de caça.
Exemplo de aplicação nº 2:
RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): Com efeito, trata-se de medida adequada à finalidade a que
se destina, qual seja, a aferição da qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em
caráter preventivo, com vistas a evitar que a atuação do profissional inepto cause prejuízo à sociedade.
##Atenção: ##STF: ##TJMS-2020: ##FCC: O art. 5º, XIII, parte final, da CF admite a
limitação do exercício dos trabalhos, ofícios ou profissões, desde que materialmente compatível com os
demais preceitos do texto constitucional, em especial o valor social do trabalho (arts. 1º, IV; 6º, caput e inciso
XXXII; 170, caput e inciso VIII; 186, III, 191 e 193 da CF) e a liberdade de manifestação artística (art. 5º, IX,
da CF). As limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado
exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a
critérios de adequação e razoabilidade, o que não ocorre em relação ao exercício da profissão de
músico, ausente qualquer interesse público na sua restrição. A existência de um conselho profissional com
competências para selecionar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de músico, para proceder a
registros profissionais obrigatórios, para expedir carteiras profissionais obrigatórias e para exercer poder de
80
(MPMG-2017): Quanto aos direitos fundamentais, assinale a alternativa correta: O princípio da proporcionalidade,
amplamente utilizado na jurisdição constitucional, liga-se ao preceito da finalidade legítima, bem como é critério
definidor daquilo que compõe o núcleo essencial de um direito fundamental.
81
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) DPESP-2010 (FCC); ii) PGEMA-2016 (FC)); iii) TJSP-2018 (VUNESP).
82
(MPMG-2021): Sobre a interpretação das normas constitucionais, é correto afirmar: Dentro do juízo de
proporcionalidade, o subprincípio da adequação julga se as medidas de intervenção no direito fundamental são
razoáveis e aptas para se alcançar o fim almejado.
##Atenção: O princípio da proporcionalidade serve para fazer a ponderação de interesses no caso concreto quando
duas normas constitucionais estiverem em choque. Este postulado é composto de três subprincípios ou elementos de seu
conteúdo, que são: a adequação (ou idoneidade), a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Esses três
subprincípios da proporcionalidade são bem sintetizados por Willis Santiago Guerra Filho: “Resumidamente, pode-se dizer
que uma medida é ADEQUADA, se atinge o fim almejado, EXIGÍVEL, por causar o menor prejuízo possível e finalmente,
PROPORCIONAL EM SENTIDO ESTRITO, se as vantagens que trará superarem as desvantagens." (GUERRA FILHO, Willis
Santiago. Ensaios de Teoria Constitucional. Fortaleza: UFC, 1989, p. 75.)
83
(TRF2-2018): A respeito dos direitos fundamentais e garantias individuais é correto afirmar: Devido à livre escolha da
profissão ou oficio são inconstitucionais as leis que, a despeito da desnecessidade de proteção a interesse público
especifico, restrinjam o exercício de atividades como, por exemplo, a de músico. BL: Entend. Jurisprud.
polícia, aplicando penalidades pelo exercício ilegal da profissão, afronta as garantias da liberdade de
profissão e de expressão artística. (STF. Plenário. ADPF 183, Min. Rel. Alexandre de Moraes,
Tribunal Pleno, j. 27/9/19. (Info 960).84
O objetivo almejado pela lei é aferir a qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em
caráter preventivo, evitando-se que as pessoas sejam patrocinadas por pessoas desqualificadas. O meio do
exame de ordem é adequado a este objetivo.
##Obs.: Alguns autores colocam “objetivo legítimo” e “meio legítimo” como se fossem dois de cinco
passos (e não três – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) do princípio da
proporcionalidade:
i. Objetivo legítimo: Para a medida ser adequada, o objetivo almejado por ela deve ser legítimo.
É necessário questionar: (a) Qual o objetivo perseguido com a interferência?; (b) Esse objetivo se
identifica exatamente com a situação fática?; (c) Esse objetivo é juridicamente admissível?
Exemplo: Programa de incentivos fiscais para empresas se instalarem no sul do país é legítimo?
Não, pois criar incentivos para aumentar o desenvolvimento para uma região do país que é
uma das mais desenvolvidas só aumentaria as desigualdades regionais. Se fossem programar
para o Norte e Nordeste (v.g. Sudam e Sudene) sem problema, mas nesse caso a região já é uma
das mais desenvolvidas, não sendo o objetivo legítimo em face da CF/88.
ii. Meio legítimo: Para o meio ser legítimo, o meio empregado deve ser precisamente designado e
juridicamente avaliado.
Exemplo: Reduzir os custos de uma execução penal é um objetivo legítimo, mas se para isso
adotarmos a pena de morte, certamente não há um meio legítimo em razão de que a CF proíbe a
pena de morte, salvo em caso de guerra declarada.
Como uma pessoa pode tentar fazer o exame três vezes por ano, até passar, esse mecanismo já é o
menos gravoso, passando pelo critério da necessidade.
84
(TJMS-2020-FCC): À luz da jurisprudência do STF, em matéria de direitos e garantias fundamentais e aspectos
correlatos, admitem-se limitações por lei ao livre exercício das profissões, sendo consideradas legítimas quando o
inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de
adequação e razoabilidade. BL: art. 5º, XIII, CF e Entend. STF.
##Obs.: “Lei material de sopesamento”: Robert Alexy afirma que “quanto maior for o grau de não-
satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro ”. É uma
análise na qual se leva em consideração os princípios que são fomentados por uma medida e os que são
restringidos por ela.
Exemplo de aplicação:
RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): (…) Atendimento do subprincípio da proporcionalidade em
sentido estrito, na medida em que os benefícios gerados superam as restrições impostas. De fato,
uma limitação ao exercício de atividade profissional que será superável em qualquer tempo pelo indivíduo
que lograr aprovação no Exame de Ordem é muito reduzida diante do evidente ganho da sociedade (…)
Desse modo, se analisarmos o custo versus o benefício do Exame de Ordem, a restrição do princípio
da liberdade profissional é justificada em relação à promoção da proteção da sociedade.
##Obs.: Toda vez que a CF/88 expressa um mandamento de criminalização, a proteção feita pelo
legislador àquele bem jurídico deve ser adequada. Se a pena para o crime for muito pequena, ela será
insuficiente. Vejamos o seguinte precedente do STF:
RE 778.889/PE: 1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange
tanto a licença gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias.
Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos
85
(TCERJ-2021-CESPE): Acerca de Constituição, poder constituinte e princípios fundamentais, julgue o item seguinte: O
princípio da proporcionalidade pode ser aplicado como vedação da proteção deficiente do Estado.
(MPGO-2019): Sobre o princípio da proporcionalidade no sistema constitucional brasileiro, assinale a alternativa
correta: O princípio da proporcionalidade funciona como limite à proteção insuficiente pelo Estado de direitos e bens
constitucionalmente protegidos.
##Atenção: O princípio da proporcionalidade se desdobra em duas vertentes, uma negativa (proibição do excesso) e
outra positiva (proibição de proteção insuficiente). A proibição de proteção insuficiente aduz que nem a lei, nem a
atuação do Estado podem apresentar insuficiência em relação à garantia dos direitos fundamentais, ou seja, cria-se um
dever para o Estado, (diga-se para o legislador, juiz e demais aplicadores do direito) que não pode abrir mão dos
mecanismos de tutela, a fim de assegurar a proteção de um direito fundamental. Já a proibição do excesso visa, na
consecução de um fim, a utilização do meio estritamente adequado, evitando-se uma atuação estatal de forma excedente.
(DPEBA-2016-FCC): É considerado pela doutrina como (sub)princípio derivado do princípio da proporcionalidade:
Proibição de proteção insuficiente.
(DPERN-2015-CESPE): Assinale a opção correta em relação aos direitos fundamentais e aos conflitos que podem
ocorrer entre eles: A proibição do excesso e da proteção insuficiente são institutos jurídicos ligados ao princípio da
proporcionalidade utilizados pelo STF como instrumentos jurídicos controladores da atividade legislativa.
biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e do interesse superior
do menor. 2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço
adicional da família para sua adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas.
Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se
encontram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação
à proteção deficiente. 3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação
compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva. Maior é,
ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no imaginário das famílias adotantes o
desejo de reproduzir a paternidade biológica e adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção
inferior às crianças mais velhas. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção
deficiente.
Analisando o julgado acima, o legislador, ao conceder prazos diferentes no caso de adoção de crianças
com idade mais avançada, corresponderia uma violação à proteção deficiente, pois as crianças mais velhas
também precisam se adaptar ao novo lar, possuindo, às vezes até mais dificuldades para isso.
##Atenção: ##MPF-2017: Lênio Streck explica: “Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade
possui uma dupla face: de proteção positiva e de proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade
pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o
resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção
insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas
sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da
proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, e que tem
como consequência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador” (Streck,
Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à
proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais
inconstitucionais. Revista da Ajuris, Ano XXXII, nº 97, marco/2005, p.180) . No mesmo sentido, o princípio
da proporcionalidade possui duas vertentes: a) Proibição do excesso: o legislador não pode criar figuras
típicas penais que não protejam qualquer bem jurídico. Além disso, ao criar uma infração penal, a pena
cominada deve ser compatível com o bem jurídico tutelado. Obs.: Essa vertente do princípio da
proporcionalidade também é conhecida como garantismo negativo (Proibição do excesso = garantismo
negativo - Atende mais o interesse do réu.); b) Proibição de uma proteção deficiente do Estado: Os Estado
deve proteger de maneira adequada o Estado e a Coletividade. 86 (Fonte: FONTE: EDUARDO FONTES,
DELEGADO DA PF).
86
(MPF-2017): Assinale a alternativa correta: O princípio da proporcionalidade possui uma dupla face, atuando
simultaneamente como critério para o controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas do âmbito de
proteção dos direitos fundamentais, bem como para o controle da omissão ou atuação insuficiente do Estado no
cumprimento dos seus deveres de proteção..
Os direitos e garantias individuais estão sistematicamente consagrados no art. 5º da CF/88: “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes”.87
O dispositivo acima dispõe expressamente que referidos direitos e garantias individuais são
garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País (destinatários). Por conseguinte, o art. 5º da
CF/88 assegura a eles a inviolabilidade de cinco direitos: (i) vida, (ii) liberdade, (iii) igualdade, (iv)
segurança e (v) propriedade.
##Obs.: Para José Afonso da Silva, os estrangeiros não residentes no País podem invocar apenas
direitos previstos em tratados e convenções internacionais.
##Atenção: ##TJDFT-2016: ##CESPE: ##MPPR-2019: Portanto, percebe-se que o caput do art. 5°da
CF/88 apenas referência, de modo expresso, dos brasileiros - natos ou naturalizados (art. 12, II, CF/88) - e
dos estrangeiros residentes no país enquanto titulares dos direitos fundamentais. Entretanto, a doutrina
mais atual e a STF têm realizado interpretação do dispositivo na qual o fator meramente circunstancial da
nacionalidade não excepciona o respeito devido à dignidade de todos os homens, de forma que os
estrangeiros não residentes no país (turista), assim como os apátridas, devam ser considerados
destinatários dos direitos fundamentais. Nesses termos, de forma extensiva (interpretação extensiva) o
próprio STF, em sua jurisprudência, já no início dos anos 90, reconheceu que os estrangeiros, mesmo que não
residentes no país, a condição de destinatários – não de todos – mas de alguns dos direitos fundamentais
consagrados pela Constituição de 1988. Nada impede que um habeas corpus, por exemplo, seja impetrado
por estrangeiro de passagem (turista), que tenha sua liberdade de locomoção dentro do território nacional
violada. Nesse sentido, vejamos:
STF: (...) O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena
legitimidade para impetrar o remédio constitucional do "habeas corpus", em ordem a tornar
efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao
integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do
devido processo legal. - A condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de o réu
estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de
qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. (...)” (STF, 2ª T., HC 94404, Rel. Min. Celso
de Mello, j. 18/11/2008).
Gilmar Mendes explica que o gozo da titularidade de direitos fundamentais por parte dos brasileiros
evidentemente prescinde da efetiva residência em território brasileiro, pois a titularidade sujeita-se
exclusivamente ao vínculo jurídico da nacionalidade, ao passo que para os estrangeiros a titularidade dos
direitos assegurados na CF somente é reconhecida se estiverem residindo no Brasil, embora com isto não se
esteja a delimitar – ainda – quais sejam tais direitos.
##Obs.1: Essa interpretação extensiva não é feita apenas no direito brasileiro. Por exemplo, na
Espanha e em Portugal, em suas Constituições, possui um dispositivo muito semelhante e a jurisprudência
desses países faz uma interpretação semelhante.
##Obs.2: Essa interpretação extensiva ora estudada refere-se aos direitos individuais. Não são todos
os direitos fundamentais que podem ser invocados por estrangeiros, pois existem direitos sociais, de
nacionalidade e direitos políticos não invocáveis por estrangeiros. Portanto, a interpretação extensiva refere-
se, precipuamente, aos direitos e garantias individuais.
b) Primazia dos direitos humanos nas relações internacionais (art. 4º, II, CF)
Um segundo fundamento da interpretação extensiva é a primazia dos direitos humanos nas relações
internacionais, que está consagrado no art. 4º, II da CF/88. Vejam um precedente do STF nesse sentido:
STF – HC 94.016/SP: O súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem
direito a todas as prerrogativas básicas que lhe assegurem a preservação do status libertatis e
a observância, pelo Poder Público, da cláusula constitucional do due process. [...] A condição
jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso
país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório.
89
(MPF-2015): Assinale a alternativa correta: Segundo o STF, as pessoas jurídicas de direito público podem ser titulares
de direitos fundamentais.
legal, juiz natural, ampla defesa e contraditório.
Exemplo de direitos aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público, incluídos os entes
federativos: poderão ser invocados, basicamente, as garantias processuais (v.g. ampla
defesa, contraditório, devido processo legal, juiz natural, etc.).
2. DIREITOS INDIVIDUAIS
a) Direitos individuais em espécie
Iniciaremos agora o estudo dos direitos elencados no art. 5º da CF, quais sejam: i) Direito à vida; ii)
Direito à igualdade; iii) Direito à privacidade; iv) Direitos de liberdade; v) Direito à propriedade. Os 78
incisos do art. 5º da CF densificam e concretizam os valores previstos no caput, além do direito à privacidade,
que não está previsto no caput do art. 5º, mas também é tratado nos seus incisos.
##Obs.: A segurança jurídica, prevista no caput do art. 5º, está relacionada às garantias individuais,
que serão estudadas em momento oportuno.
b) Parâmetros de estudo
Ao estudarmos a maioria dos direitos fundamentais, faremos uma análise sempre baseada em dois
aspectos:
Âmbito de proteção: é o bem jurídico protegido pelo direito fundamental.
Restrições: são as intervenções legítimas, constitucionalmente fundamentadas, isto é, que
encontram uma justificativa no texto constitucional.
b) Acepções
Este âmbito de proteção do direito à vida abrange duas acepções distintas:
Negativa: É o direito de permanecer vivo. Isso impede que o Estado e outras pessoas atuem de
forma a intervir no direito à vida. Exige-se, portanto, uma abstenção (conduta negativa).
Ex.: o Estado não pode condenar alguém à pena de morte, salvo no caso de guerra declarada.
Positiva: É o direito de exigir do Estado prestações materiais e jurídicas para proteger e promover
o direito à vida. 90
Ex.1: exigir proteção à mulher ameaçada pelo companheiro (Lei Maria da Penha);
Ex.2: exigir proteção à testemunha;
Ex.3: a jurisprudência do STF não admite a extradição quando o País requerente prevê a pena de
morte para o crime, caso em que, para que a extradição seja autorizada, deve o Estado requerente fazer a
comutação da pena: da pena de morte para a pena privativa de liberdade com duração máxima de trinta
anos.
##Atenção: Essas duas dimensões não são apenas do direito à vida. Elas estão presentes em todos os
direitos fundamentais. Vejamos elas:
Subjetiva: O direito fundamental é pensado sob o aspecto do indivíduo. Em outras palavras, a
proteção conferida pelo direito fundamental é proporcionada à pessoa que o titulariza. Vejamos um
exemplo trazido pela jurisprudência do STF:
Dimensão subjetiva: STF - ADI 3.510, Ayres Britto: o Magno Texto Federal não dispõe sobre
o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da
vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa,
porque nativiva (teoria ‘natalista’, em contraposição às teorias ‘concepcionista’ ou da ‘personalidade
condicional’).
Objetiva: O direito é protegido pela perspectiva da comunidade. Portanto, ainda que ninguém o
titularize no caso concreto, o direito merece proteção por ser importante para a sociedade. Vejamos
um exemplo trazido pela jurisprudência do STF:
Dimensão objetiva: STF - ADI 3.510, Lewandowski: Creio que o debate deve centrar-se no
direito à vida entrevisto como um bem coletivo, pertencente à sociedade ou mesmo à humanidade como
um todo, sobretudo tendo em conta os riscos potenciais que decorrem da manipulação do código genético
humano.
##Obs.: Lembre-se que alguns direitos fundamentais podem ser objeto de renúncia em relação ao
seu exercício. Porém, no caso do direito à vida, a questão é um pouco diferente, porque não se pode abrir
mão de forma parcial e temporária destes direitos.91
Questão1: Eutanásia: Ainda que a pedido da pessoa que deseja morrer, aquele que atende ao pedido
responde, segundo a jurisprudência dos Tribunais de Justiça brasileiros, por homicídio privilegiado.
Portanto, mesmo que a pessoa queira abreviar sua própria vida, com o intuito de minimizar sofrimentos, um
terceiro não poderá adotar esta conduta.
90
(Agente de Segurança Penitenciária/PE-2017-CESPE): O direito individual fundamental à vida possui duplo
aspecto: sob o prisma biológico, traduz o direito à integridade física e psíquica; em sentido mais amplo, significa o direito
a condições materiais e espirituais mínimas necessárias a uma existência condigna à natureza humana.
91
(MPMG-2017): Quanto aos direitos fundamentais, assinale a alternativa correta: É admissível a renúncia ao exercício
dos direitos fundamentais como corolário do livre desenvolvimento da personalidade.
##Atenção: É admissível a renúncia ao exercício de determinado direito, desde que pontual, que pode ser expressa
(como no caso do Big Brother quanto á proteção do direito à imagem) ou tácita (a exemplo do não ajuizamento de
reintegração de posse, renunciando ao exercício do direito de propriedade). O que é irrenunciável é a titularidade do
direito, por exemplo, caso o sujeito renunciasse definitivamente ao seu direito à imagem ou ao seu direito de ter
qualquer propriedade. Desse modo, os direitos fundamentais são irrenunciáveis, mas o seu exercício pode ser
renunciado. Assim, não se pode dispor do próprio direito, pois que é inerente ao ser humano, mas pode não ser
exercido.
Questão2: Testemunhas de Jeová: Testemunhas de Jeová, com base em uma interpretação do texto
bíblico, recusam-se a receber transfusão de sangue e seus derivados. Assim, quando há tratamento
alternativo, por óbvio, deve-se respeitar a vontade do paciente.
A celeuma encontra-se na inexistência de alternativas quando a recusa à transfusão coloque em risco a
vida do paciente. Nesse caso, o médico deverá respeitar a vontade do paciente ou agir conforme o Código de
Ética Médica? Temos suas situações: (i) Se a pessoa é absolutamente capaz e está consciente no momento da
transfusão, no entendimento de Marcelo Novelino, a vontade do paciente deve ser respeitada. (ii) Todavia,
em se tratando de incapazes, os responsáveis não podem impedir a transfusão. Tais entendimentos, no
entanto, são objeto de controvérsias.
Em um caso concreto, no qual os pais de uma criança pediram para que não fosse realizada a
transfusão e o filho acabou morrendo, entendeu-se que os pais não poderiam ser responsabilizados, mas os
médicos foram, pois contrariaram o Código de Ética Médica, o qual preceitua que a vontade do paciente
deve ser respeitada apenas caso não o coloque em risco de vida.
2.1.2. Restrições
a) Pena de morte no caso de guerra declarada
A pena de morte no caso de guerra declarada trata-se da única restrição expressamente prevista no
texto constitucional em relação à inviolabilidade do direito à vida. Vejamos:
CF, art. 5º: (…): XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (…).92
A pena de morte é regulamentada pelo art. 56 do Código Penal Militar (DL n. 1.001/1969).
Art. 56 do CPM: A pena de morte é executada por fuzilamento.
##Obs.: Embora essa seja a única restrição ao direito à vida prevista na Constituição, podemos
encontrar na legislação infraconstitucional e na jurisprudência do STF outras hipóteses de restrição
consideradas legítimas, em razão de outros valores consagrados na CF/88. Vejamos abaixo.
b) Aborto
Há hipóteses de aborto que não são punidas pelo Código Penal, por não o considerar como uma
violação à vida sem razão constitucionalmente justificada.
O art. 128, I, do CP, trata do aborto terapêutico ou necessário. Nesse caso, há um conflito entre dois
direitos à vida: (i) o da gestante; (ii) e o do feto. Nesse passo, o Estado não pode impor à gestante que
coloque em risco sua própria vida para salvar a vida do feto.
A rigor, o dispositivo não consubstancia uma excludente de punibilidade conforme dispõe o Código
Penal, mas de antijuridicidade (estado de necessidade). O CP, art. 128, I não gera maiores polêmicas.
Nessa hipótese, há um conflito entre: (i) o direito à vida do feto; e (ii) a liberdade sexual da mãe e a sua
dignidade.
92
(PCGO-2018-UEG): A Constituição admite como possível a pena de morte em caso de guerra declarada. BL: art. 5º,
XLVII, “a”, CF.
Prevalece que a ressalva expressa no Código Penal (não punibilidade do aborto) é justificada por outros
valores constitucionais (liberdade sexual da mãe e dignidade). O Estado não pode impor à mulher a geração de
uma criança fruto de um ato violento (há autores que entendem que a dignidade do feto é absoluta e que,
portanto, tal dispositivo não teria sido recepcionado pela CRFB/88).
##Obs.: Há doutrina minoritária no sentido de que esta hipótese de aborto não foi recepcionada pela
CF/88.
##Obs.: Algumas questões inerentes ao direito à vida ainda não foram discutidas pelo STF, como a do
“Lei de tiro de destruição” (autorização para o abate de aeronaves, com suspeita de tráfico de drogas, que se recusam
a obedecer à ordem de pouso).
Muitos entendem que essa norma é inconstitucional, consubstanciando-se em espécie de pena de
morte.
Outra corrente entende pela constitucionalidade, pois embora a vida das pessoas na aeronave seja
colocada em risco, existem outros valores a serem tutelados aptos a justificar essa restrição. Ademais, apenas
é abatida a aeronave que se recusa a obedecer aos comandos da FAB.
Na Alemanha aconteceu um caso semelhante, mas com circunstâncias diferentes: lá foi feita uma lei
após 11 de setembro, determinando que as aeronaves que não obedecessem determinado comando quando
houvesse suspeita de sequestro por terroristas, pudessem ser abatidas. Nesse caso, o TFA julgou a lei
inconstitucional, pois não se poderia utilizar um cálculo utilitarista no sentido de que “é melhor que morram
essas pessoas do avião do que se coloque em risco um número maior de vidas”.
Atente-se que o caso da lei brasileira é diferente, pois as aeronaves que potencialmente receberão o
“tiro de destruição” não são tripuladas por passageiros comerciais.
conferisse ao Código Penal uma interpretação conforme a Constituição e declarasse que o aborto de fetos anencéfalos
não é crime. (...)
(PGEPA-2011): Na ADPF 54 - “caso da anencefalia” - o rel. Min. Marco Aurélio concedeu, em 2/08/04, a liminar
requerida para, além de determinar o sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado, reconhecer o
direito constitucional da gestante de submeter-se à operação de antecipação terapêutica do parto de fetos anencéfalos;
mas o Tribunal, em sessão de 20/10/04, negou referendo à liminar concedida.
95
(MPF-2013): Assinale a alternativa correta: A questão das capacidades institucionais foi considerada pelo STF no
julgamento envolvendo a constitucionalidade das pesquisas de células-tronco embrionárias, quando aquela Corte
recusou decidir a respeito da superioridade de uma corrente científica sobre as demais.
No Antigo Regime, os direitos e deveres dos indivíduos eram decorrentes dos grupos sociais aos
quais eles pertenciam. Dito de outro modo, as pessoas não possuíam direitos e deveres em razão de sua
natureza humana, mas em razão dos grupos dos quais faziam parte.
b) Revoluções liberais
Com as Revoluções liberais (francesa e norte-americana) a visão do Antigo Regime foi superada. O
princípio da igualdade foi consagrado nas Constituições, extirpando os privilégios de origem estamental e
afirmando a igualdade de todos perante a lei. Tratava-se de uma igualdade formal: tratamento isonômico
conferido a todos pelo ordenamento jurídico.
Portanto, a partir do final do século XVIII, o direito à igualdade começa a ser tratado pelas
Constituições. Nesse contexto dos primeiros textos constitucionais, a igualdade é meramente formal, no
sentido de que o ordenamento jurídico deve tratar a todos indistintamente.
Todavia, a igualdade formal pode despontar em injustiças, pois embora a máxima aristotélica
(“justiça é tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na proporção de sua desigualdade ”) já fosse
utilizada como parâmetro para a igualdade, não havia uma preocupação com o conteúdo justo ou injusto do
tratamento.
Ex.: O tratamento distinto conferido aos senhores e aos escravos era admitido e normal, pois eram
pessoas que estavam em situações diferentes e, portanto, deveriam ser tratadas de maneira diferente.
Em suma, a igualdade formal foi um avanço, mas insuficiente para reduzir injustiças e exterminar
as desigualdades fáticas que continuavam existindo.
c) Estado social
Com a Revolução Industrial (início do sec. XX), inicia-se uma nova visão a respeito da igualdade. Com
o advento do Estado Social, as diferenciações arbitrárias e injustas passaram a ser consideradas
incompatíveis com o direito à igualdade. Em outras palavras, a preocupação não se limitava a tratar todas
as pessoas da mesma forma, mas também era no sentido de impedir que diferenciações arbitrárias e
injustas (v.g. senhores e escravos) continuassem sendo empregadas.
Portanto, desperta-se uma preocupação com o conteúdo da igualdade (matéria). A igualdade
material desponta em dois sentidos:
i. Preocupação com o conteúdo justo conferido pela lei (evitar diferenciações arbitrárias e injustas).
ii. Redução das desigualdades existentes.
ii. Princípio da igualdade fática: Impõe aos Poderes Públicos o dever de adotar medidas concretas
para a redução ou compensação de desigualdades existentes no plano dos fatos. Na verdade, a
igualdade fática exige um tratamento jurídico desigual. É necessário que se trate pessoas diferentes
de formas diferentes para reduzir as desigualdades existentes entre elas.
Exemplo de igualdade fática: Sistema de cotas: o Estado, ao criar um sistema de cotas para pessoas
carentes, deseja reduzir a distância entre pessoas que estudaram em boas escolas e pessoas que estudaram
em escolas públicas de má qualidade. Adota-se uma medida diante da concorrência desigual. 96
##Obs.: Robert Alexy cita o “paradoxo da igualdade”. Trata-se de uma colisão entre a igualdade
fática e a igualdade jurídica. Conforme o autor “quem quer promover a igualdade fática tem que estar disposto a
aceitar a desigualdade jurídica”. Em outras palavras, só é possível reduzir desigualdades existentes no plano
fático se for conferido um tratamento juridicamente diferenciado. Ao tratar todos da mesma forma no
sentido jurídico, as desigualdades não serão reduzidas no plano fático.
96
##Atenção: Tema cobrado na prova da PGERS-2015 (Fundatec).
Princípio da igualdade jurídica: CF, art. 5º, “caput”: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.
Princípio da igualdade fática: CF, art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: (...) reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Em suma, a Constituição consagra a igualdade formal (CF, art. 5º, caput) ao mesmo tempo em que
impõe a busca por uma igualdade material, conforme se depreende de vários dispositivos, como os que
consagram direitos sociais (CF, art. 6º e ss.) e o que aponta a 'redução das desigualdades' sociais e regionais
como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, art. 3º, III).
b) Intervenção
A intervenção ocorre quando há tratamento igual a situações essencialmente desiguais ou desigual
a situações essencialmente iguais:
Restrição (intervenção legítima): Se houver justificação constitucionalmente adequada para que o
tratamento seja igual, mesmo sendo a situação essencialmente desigual, haverá intervenção legítima.
Exemplo: O STF exige a presença de três requisitos para que sejam estabelecidos critérios de restrição à
admissão em concurso públicos:
i. Previsão em lei;
RE n. 307.112: Concurso público para policial militar. Limitação de idade. Edital que fixa idade
limite para o ingresso na corporação, o que a Lei ordinária (L. 7.289/84), não restringiu. Jurisprudência
assentada.
“Igualdade na lei”: Posteriormente, observou-se que muitas vezes as maiores violações ao princípio
da igualdade e a outros direitos fundamentais advinham do próprio Parlamento. Viu-se que o
legislador não era tão amigo assim dos direitos fundamentais.
A partir desse contexto, houve também uma mudança de paradigma em relação às Constituições, com
o pleno reconhecimento de sua força normativa, sendo inadmissíveis dispositivos sem caráter vinculante
(v.g. conselhos e exortações morais), inclusive para o legislador.
Por conseguinte, fora empregada uma nova expressão para designar o princípio da igualdade. A
“igualdade na lei” deve ser observada tanto na aplicação quanto na elaboração da lei. Tem como
destinatários todos os poderes públicos (Executivo, Judiciário e Legislativo). 104
##Obs.: Embora a Constituição utilize a expressão “todos são iguais perante a lei”, a jurisprudência do
STF e a doutrina possuem entendimento consolidado no sentido de que os destinatários do dever de
igualdade não são apenas o Executivo e o Judiciário, mas todos os Poderes Públicos. Nesse sentido,
vejamos o seguinte precedente:
STF - AI 360.461 AgR/MG: O princípio da isonomia – que vincula, no plano
institucional, todas as instâncias de poder – tem por função precípua, consideradas as razões de
ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir
privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e
da igualdade perante a lei (RTJ 136/444.455).
#Obs.1: Programas privados também podem utilizar ações afirmativas. Exemplos: Faculdade
particular cria um sistema de bolsas para pessoas de uma comunidade carente; empresa privada reserva
percentual de vagas para pessoas com deficiência.
#Obs.2: Caráter temporário: As ações afirmativas não objetivam a solução definitiva do problema,
pois não o corrigem em sua raiz, apenas reduzem momentaneamente as consequências. Assim, é
necessário que os Poderes Públicos atuem concomitantemente às ações afirmativas sobre os problemas de
base, visando corrigir e impedir a perpetuação dos problemas em questão. Há, todavia, ações afirmativas
que não visam a redução de desigualdades e, portanto, não são temporárias (v.g. proteção e respeito à cultura
indígena).
Tem uma frase interessante de Boaventura de Souza Santos: “Temos o direito de ser iguais quando a
diferença nos inferioriza. Temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.”
#Obs.3: As ações afirmativas estão relacionadas à igualdade fática, pois seu objetivo é reduzir
desigualdades existentes.
Exemplos de ações afirmativas: sistema de cotas (“reserva de vagas”); bolsas de estudo; reforço escolar;
programas especiais de treinamento; cursinhos pré-vestibulares para pessoas carentes; linhas especiais de
crédito; estímulos fiscais diversos; etc.
Acerca do tema, o STF decidiu pela constitucionalidade de cotas baseadas em critérios étnico-raciais
e socioeconômicos:
ADPF 186 (Cotas – UNB): I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da
igualdade material [Obs.: Perceba que o que foi visto em aula como igualdade fática, é
chamado pelo STF de igualdade material], previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a
possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número
indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que
atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um
tempo limitado [Obs.: Caráter temporário], de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades
decorrentes de situações históricas.
II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para
corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.
III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação
afirmativa [...].
IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade
que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas
sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados,
ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz
do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.
V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios
étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria
sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado
brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. [...].
VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa
apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do
quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam
converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em
detrimento da coletividade como um todo, situação [...] incompatível com o espírito de qualquer
110
Curso de Direito Constitucional - Dirley da Cunha Junior - 2016 - p. 592.
111
(MPT-2017): Assinale a alternativa correta: As ações afirmativas objetivam corrigir distorções resultantes de uma
aplicação puramente formal do princípio da igualdade, de modo a permitir a grupos sociais determinados a superação
de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.
(PGEMS-2014): Assinale a alternativa correta: A Constituição de 1988 estabelece a possibilidade de “discriminações
positivas“ entre homens e mulheres em hipóteses nela expressamente previstas.
Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os
meios empregados e os fins perseguidos. 112-113
Embora a redação do inciso empregue a expressão “inviolabilidade”, já vimos que não há direitos
absolutos. Todos eles encontram limites em interesses coletivos ou em outros direitos também consagrados
pela Constituição. Assim, a inviolabilidade é “prima facie” (provisória), podendo ser afastada quando
outros direitos de peso relativo maior justifiquem uma restrição ao direito à privacidade.
Exemplo: Não há uma hierarquia absoluta a colisão entre o direito à privacidade e o direito à
liberdade de expressão, sendo necessário verificar as circunstâncias fáticas e jurídicas para definir qual delas
prevalecerá no caso específico.
Para tentar estabelecer critérios e parâmetros para a proteção ser estabelecida em maior ou menor
grau, devemos ter em conta que, quanto mais próximo das experiências definidoras da identidade do
indivíduo, maior deve ser a proteção.
Exemplo: Questões relacionadas à intimidade estão mais próximas da identidade do indivíduo do que
as relativas à vida privada.
Vejamos os aspectos em espécie a serem levados em consideração para definirmos a proteção a ser
estabelecida em maior ou menor grau:
Atos praticados em local público ou com o desejo de torná-los públicos: Deve ser analisado o
elemento volitivo (vontade do indivíduo), ou seja, deve-se verificar se o indivíduo, expressa ou
tacitamente, dela abriu mão temporariamente.
Ex.1: Indivíduo que abriu mão do exercício ao direito à privacidade ao assinar contrato de
participação em reality show, obviamente abriu mão temporariamente de parcela da sua privacidade.
Ex.2: Indivíduo que está em um comício público ou em um show, sabe que aquele não é um local
reservado e lá será filmado e fotografado.
d) Honra
A CF/88 também protege a honra e a imagem das pessoas, que não se confundem com esferas acima
mencionadas. A honra pode ser:
Honra subjetiva: estima do indivíduo de si próprio;
##Obs.: Essa proteção à honra objetiva é também conferida às pessoas jurídicas. Vejamos:
Art. 52: Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
e) Imagem
116
##Atenção: Tema cobrado na prova do TRF4-2010.
A proteção à imagem existe independentemente do dano à honra.
Exemplo: Às vezes, a divulgação da imagem pode não atingir a honra da pessoa, mas ser utilizada
para fins comerciais, sem autorização do titular.
O Código Civil regulamentou o tema do inciso X, art. 5º, da CF:
CC, art. 20: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a
exposição ou a utilização da IMAGEM de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e
sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer
essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
CC, art. 21: A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do
interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a
esta norma.
Os artigos do Código Civil praticamente estabeleceram uma primazia do direito à privacidade sobre a
liberdade de informação e à liberdade de expressão, ao apontar ser necessária autorização, salvo nos casos
de interesse público ou de necessidade à administração da Justiça.
A partir desses dispositivos houve uma polêmica em relação à publicação das biografias não
autorizadas, pela discussão sobre a necessidade ou não de autorização da pessoa retratada. O Supremo
Tribunal Federal fez uma interpretação conforme a Constituição, dizendo que tais dispositivos não
poderiam ser simplesmente interpretados no sentido de que a autorização é sempre necessária.
Mediante um juízo de ponderação, a Corte estabeleceu uma regra no sentido de ser inexigível
autorização prévia de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais,
sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares,
em caso de pessoas falecidas ou ausentes). Porém, se houver abuso, os prejudicados têm direito à
indenização. Vejamos:
STF – ADI 4.815/DF: EMENTA: [...] APARENTE CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E
CULTURAL, INDEPENDENTE DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV,
IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E
IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X). ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO
PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA
(ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE
DIREITO DE RESPOSTA (...). 9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação conforme à
Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os
direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção
científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas
literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas
como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes).117- 118
Segundo Bernardo Gonçalves, “o direito à imagem também recebe juridicamente um tratamento bipartido:
por “imagem-retrato” trata-se do direito à reprodução gráfica do sujeito, seja total, seja parcial; e por “ imagem-
atributo” protege-se a imagem dentro do seu contexto ("conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos
pelo meio social)”.119
117
(Proc./UNICAMP-2018-VUNESP): Um escritor pretende publicar uma biografia não autorizada de um ex-jogador de
futebol. Este, sabendo da intenção do escritor, notifica-o extrajudicialmente, ordenando que o livro não seja publicado. É
possível afirmar corretamente: o livro pode ser publicado sem prévia autorização do ex-jogador e não pode ser recolhido
por decisão judicial, podendo o ex-jogador requerer reparação civil ou direito de resposta, nos termos da lei. BL: ADI
4815, STF.
(Advogado-AL/RO-2018-FGV): Em uma interpretação do Direito Civil conforme a Constituição Federal é inexigível o
consentimento da pessoa biografada em relação a obras biográficas literárias ou audiovisuais. L: ADI 4815, STF.
118
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPRO-2017 (FMP).
119
(MPMS-2015): Considere a seguinte afirmação sobre o direito fundamental à imagem: A imagem atributo pode ser
aplicada à pessoa jurídica, quer através da proteção à marca ou do produto.
##Atenção: Em síntese, a imagem-atributo da personalidade pode ser definida como a imagem que a pessoa
exterioriza nas suas relações sociais, revelando-se como a reputação que goza em seu meio social, de trabalho, familiar,
etc. Assim como a imagem-retrato, também é protegida constitucionalmente, pois todas as pessoas tem direito de
preservar a imagem justificadamente em torno dela. Nesta proteção, o retrato deixa de ser a exteriorização da figura para
ser o retrato moral do indivíduo. Distancia-se, entretanto, a violação deste direito com o direito à honra, visto que a
violação de um não implica necessariamente a violação do outro. O que constantemente ocorre é o dano causado
conjuntamente às duas imagens, tanto retrato quanto atributo. Por fim, verifica-se que, havendo violação da imagem-
2.3.1. Distinções conceituais
Art. 5º, (…) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(…) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; 120
##Obs.: Caso o próprio interlocutor realize a gravação, não haverá interceptação da comunicação,
mas gravação clandestina.
EM REGRA, a interceptação ambiental é lícita, mesmo que sem autorização judicial. Porém,
EXCEPCIONALMENTE, será ilícita quando violar a:
Expectativa de privacidade (v.g. interceptação ambiental de pessoa dentro de sua residência viola a
expectativa de privacidade; todavia, a interceptação ambiental de pessoa no meio da rua não viola a expectativa
de privacidade);
Confiança decorrente de relações interpessoais ou profissionais (v.g. conversa particular entre cliente
e advogado; entre paciente e médico; entre padre e pessoa que está confessando).
EM REGRA, a gravação clandestina é lícita, mesmo que sem autorização judicial. Porém, será ilícita
quando:
Utilizada sem justa causa (v.g. a gravação clandestina feita para utilizar em sua defesa em processo judicial
é legítima; gravação clandestina feita para gravar agente público que exige propina é legítima).
Violar causa legal específica de sigilo (v.g. contratos sigilosos; contrato entre médico e paciente).
Vejamos o seguinte precedente do STF:
STF – AI 560.223 AgR/SP: 1. A gravação ambiental meramente clandestina, realizada por um dos
interlocutores, não se confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de
atributo, enseja-se a indenização correspondente à lesão, sem haver a necessidade da comprovação do dano material.
120
(Téc. Judic./TRT2-2018-FCC): Está em conformidade com os direitos e garantias fundamentais previstos na
Constituição Federal a decisão judicial que autoriza a quebra do sigilo telefônico para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal, sendo incabível decisão judicial para determinar a mesma providência para fins de instrução
processual civil. BL: art. 5º, XII, CF.
(PCMA-2018-CESPE): De acordo com o entendimento do STF, a polícia judiciária não pode, por afrontar direitos
assegurados pela CF, invadir domicílio alheio com o objetivo de apreender, durante o período diurno e sem ordem
judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao poder público. Essa determinação consagra o princípio da reserva
de jurisdição. BL: art. 5º, inciso XI e XII da CF/88.
(Anal. Judic./TRT6-2018-FCC): A CF/88 autoriza o pedido de interceptação de comunicações telefônicas, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de: investigação criminal ou instrução processual penal.
BL: art. 5º, inciso XII, CF.
jurisdição. 2. É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um
dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de
reserva da conversação. Precedentes…. (g.n.).121
##Obs.: O acesso aos registros das operadoras de telefonia (o histórico das ligações) é distinto da
interceptação telefônica e da gravação telefônica clandestina. Nesse caso, trata-se da quebra de sigilo de
dados telefônicos em que não há acesso ao conteúdo do diálogo. Exige-se uma razão para que os sigilos
sejam quebrados porque todos eles compõem a vida privada do indivíduo. A quebra será ilícita quando:
Desprovida de justificação constitucional: Se não houver outro direito fundamental que justifique a
quebra do sigilo ela não poderá ser autorizada (v.g. suspeita de que o indivíduo recebeu valores
decorrentes da prática de atos ilícitos).
STF e STJ - [...]: Não são nulas as provas obtidas por meio de requisição do Ministério
Público de informações bancárias de titularidade de Prefeitura para fins de apurar supostos
crimes praticados por agentes públicos contra a Administração Pública. É lícita a requisição pelo
Ministério Público de informações bancárias de contas de titularidade da Prefeitura, com o fim de
proteger o patrimônio público, não se podendo falar em quebra ilegal de sigilo bancário. O sigilo de
informações necessário à preservação da intimidade é relativizado quando há interesse da
sociedade em conhecer o destino dos recursos públicos. Diante da existência de indícios da prática
de ilícitos penais envolvendo verbas públicas, cabe ao MP, no exercício de seus poderes
investigatórios (art. 129, VIII, da CF/88), requisitar os registros de operações financeiras
relativos aos recursos movimentados a partir de conta-corrente de titularidade da Prefeitura.
Essa requisição compreende, por extensão, o acesso aos registros das operações bancárias sucessivas, ainda
que realizadas por particulares, e objetiva garantir o acesso ao real destino desses recursos públicos. [STJ.
5ª T. HC 308.493-CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 20/10/15 (Info 572). STF. 2ª T. RHC
133118/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 26/9/17 (Info 879).]
MS 33.340/DF: TCU não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e
empresarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em
situações pontuais, do Poder Legislativo. [...]. 8. In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às
operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da
Administração Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto
operacionalizadas mediante o emprego de recursos de origem pública. (g.n.)122
121
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPGO-2019.
122
(Procurador-ALE/RJ-2017-FGV): Determinada agência de fomento estadual, enquadrada como instituição financeira,
é instada pelo competente Tribunal de Contas a apresentar dados relativos aos financiamentos públicos por ela
concedidos. Diante da requisição, deve a agência: fornecer os dados requisitados pelo Tribunal de Contas, considerando
o fato de que operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão submetidas ao sigilo bancário. BL: STF,
MS 33340.
Recentemente, o STF analisou a possibilidade de autoridades fazendárias requisitarem diretamente
dados bancários para fins fiscais. Tal autorização, contida na LC n. 105/01, foi objeto de várias ações diretas
de inconstitucionalidade e de recursos extraordinários. Inicialmente, o STF adotou o entendimento de que as
autoridades fazendárias teriam que requisitar ao Poder Judiciário as informações. No entanto, em
precedente mais recente, o STF alterou o seu posicionamento, pacificando o entendimento de que a
requisição direta pelas autoridades fazendárias é admitida, especialmente porque há mecanismos de
controle para atuação de tais entidades e porque o sigilo não é retirado, apenas transferido da esfera
bancária para a esfera fiscal. Vejamos o julgado:
RE 601.314/SP: 4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros
constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que
estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às
instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras
do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal (...) 6.
Fixação de tese em relação ao item “a” do Tema 225 da sistemática da repercussão geral”: “ O art. 6º da
Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em
relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece
requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal.123
##Atenção: ##STF: ##DOD: Os dados obtidos por meio da quebra dos sigilos bancário, telefônico e
fiscal devem ser mantidos sob reserva. Assim, a página do Senado Federal na internet não pode divulgar os
dados obtidos por meio da quebra de sigilo determinada por comissão parlamentar de inquérito (CPI).
STF. Plenário. MS 25940, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 26/4/18 (Info 899).
##Atenção: ##STF: ##DOD: ##Repercussão Geral: Em 2019, o STF decidiu que é possível o
compartilhamento, sem autorização judicial, dos relatórios de inteligência financeira da UIF e do
procedimento fiscalizatório da Receita Federal com a Polícia e o Ministério Público:
1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF [UIF
= Leia-se “COAF”] e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil (RFB),
que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais , sem a
obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações
em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O
compartilhamento pela UIF* e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por
meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e
estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios. STF. Plenário.
RE 1055941/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 4/12/19 (repercussão geral – Tema 990) (Info 962).
Escuta telefônica: um dos interlocutores tem conhecimento de que terceiro está gravando, mas os
demais não.
A interceptação telefônica, em princípio, é vedada pela CF, art. 5º, XII: “é inviolável o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal”.
##Questiona-se: O fato de a Constituição dizer “(…) salvo, no último caso (…)” significa que nas
demais hipóteses não pode haver violação ou restrição em situação alguma? O sigilo das correspondências
123
(DPEAP-2018-FCC): Dados protegidos por sigilo bancário são requisitados a determinada instituição financeira pela
Secretaria da Receita Federal, com base em permissivo legal, para utilização em sede de procedimento administrativo
visando à apuração de supostas irregularidades fiscais cometidas por contribuinte pessoa física. Nessa hipótese, à luz da
CF/88 e da jurisprudência do STF, não há ofensa ao direito ao sigilo bancário, inerente ao direito constitucional à vida
privada, na requisição efetuada pela autoridade fazendária, sendo constitucional o respectivo permissivo legal, na
medida em que exija da autoridade fazendária que mantenha o dever de sigilo imposto na esfera bancária. BL: Info 815,
STF.
(TJPR-2017-CESPE): Com base no texto constitucional e na jurisprudência do STF acerca dos direitos e garantias
fundamentais, individuais e coletivos, assinale a opção correta: Dado o dever fundamental de pagar tributos, não é
oponível o sigilo de informações bancárias à administração tributária. BL: Info 815, STF.
e das comunicações telegráficas e de dados é absoluto?
Não, pois não existem direitos absolutos. Embora a Constituição utilize o termo “inviolável”, a
inviolabilidade é apenas “prima facie” (provisória, isto é, em um primeiro momento). Portanto, poderá ser
afastada para a prevalência de outros valores de peso maior (justificação constitucionalmente legítima).
a) Interceptação de correspondência
Não obstante a Constituição apontar que o sigilo de correspondência é inviolável, o próprio texto
constitucional possui dois dispositivos que permitem restringi-lo:
(i) estado de defesa (art. 136, § 1º, I, “b”, CF)124; e
(ii) estado de sítio (art. 139, III, CF).
Além das previsões expressas, princípios de peso maior, no caso concreto, como a privacidade,
poderão justificar uma restrição. (##Atenção: Isso foi cobrado na prova da Defensoria Pública de Santa
Catarina de 2012).
Exemplo: É o caso da segurança pública, que pode justificar uma restrição ao direito ao sigilo de
correspondência do preso, caso haja suspeita de que ele está utilizando-se deste direito para a prática de
crimes. Os direitos fundamentais servem para impedir arbítrios do Estado, mas não para garantir a
impunidade.
Vejamos o seguinte precedente do STF e o art. 41 da LEP:
HC 70.814/SP: A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública,
de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que
respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da
correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo
epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.125
Outra restrição feita pelo STF é em relação ao tipo de proteção dada pelo dispositivo: Entende a
Corte que o que a CF/88 protege é a comunicação de dados (liberdade de comunicação), não os dados em si.
Portanto, alguns dados (fiscais, bancários, etc.) podem ser quebrados. Vejamos:
STF - MS 21.729 (voto do rel. min. Sepúlveda Pertence): Da minha leitura, no inciso XII da Lei
Fundamental, o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é a
comunicação ‘de dados’, e não os ‘dados’, o que tornaria impossível qualquer investigação
administrativa, fosse qual fosse.
##Obs.: Esse entendimento do STF cria uma sinuca de bico ao dispor no sentido de que o dispositivo é
uma regra (absoluta, portanto). Ora, se a comunicação dos dados é que está protegida e não os dados em si,
estar-se-á dizendo que os dados não são protegidos. Mas, conforme visto, há dados que merecem proteção
e o fato de ele ter chegado ao ser destinatário, não significa que ele possa ser acessado e devassado por
qualquer um. Porém, interpretando o dispositivo não como uma regra, mas como um princípio (e não há
princípios absolutos), poderá haver a restrição em relação a outros valores constitucionais justificarem.
124
(TJAL-2008-CESPE): O estado de defesa autoriza a restrição ao direito de reunião, ainda que exercida no seio das
associações, ao sigilo de correspondência e ao sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.
125
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPBA-2018.
126
(DPERO-2017-VUNESP): Entre os direitos e deveres do condenado, afirma-se corretamente que não é direito do
condenado manter contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita de forma irrestrita. BL: art. 41, XV
c/c § único da LEP.
(MPSC-2016): Um dos direitos consagrados aos presos pela Lei n. 7.210/84 é o de manter contato com o mundo
exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral
e os bons costumes. A mesma lei, todavia, confere ao diretor do estabelecimento a suspensão ou restrição desse direito,
desde que o faça mediante ato motivado. BL: art. 41, XV c/c § único da LEP.
c) Interceptação das comunicações telefônicas
Lei n. 9.296/96, art. 1º: A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para
prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e
dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em
sistemas de informática e telemática [e-mail, SMS, ‘Whatsapp’].
##Obs.: Embora a Constituição exija lei apenas para as comunicações telefônicas, o fato da Lei n.
9.296/96 estender a proteção ao sigilo de dados não a torna inconstitucional, porque ela está ampliando a
proteção ao direito fundamental (ao sigilo de dados).
Definição de comunicações telefônicas: “Abrange não apenas a conversa por telefone, mas também a
transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza, por meio de telefonia, estática ou móvel (celular). Por conseguinte, é possível a
interceptação de qualquer comunicação via telefone, conjugada ou não com a informática, o que compreende
aquelas realizadas direta (fax, modens) e indiretamente (internet, e-mail, correios eletrônicos)” (Renato Brasileiro).
Para que haja a interceptação em voga, são os requisitos exigidos pela Constituição:
1º Requisito: Ordem judicial: Há a submissão do sigilo à cláusula da reserva de jurisdição. Ela significa
que apenas o Poder Judiciário pode dar, não só a última palavra, mas também a primeira sobre o
assunto. Esse entendimento foi adotado pelo STF em alguns de seus precedentes, vejamos:
STF - MS 23.452/RJ: O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à
esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de
explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não
de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais’. (PROVA TJMG-2012)
##Obs.: Cláusula de reserva de jurisdição: Conforme o precedente acima, como ela está submetida à
cláusula de reserva de jurisdição, a CPI não pode determinar a interceptação telefônica. Ademais, há outros
casos submetidos à cláusula da reserva constitucional de jurisdição conforme o STF:
(...) A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias,
como a ¹busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a ²interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a
³decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI)
- traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito
de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira
palavra, excluindo-se [...] a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros
órgãos ou autoridades (...)
Em decisão posterior, o STF decidiu que também está submetida à cláusula da reserva constitucional
de jurisdição 4o sigilo imposto a processo judicial:
MS 27.483 MC-REF/DF: Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de,
mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de
interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é
oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando expressiva limitação aos seus poderes
constitucionais.
3º Requisito: Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Trata-se de uma “reserva
legal qualificada”, pois a Constituição não apenas exige lei em sentido formal, como também ela deve
ter uma finalidade específica.127
##Obs.: Essa regra comporta exceções, a depender dos direitos envolvidos no caso concreto, a
justificar a medida (v.g. caso no Mato Grosso, em que um juiz de uma vara de família autorizou interceptação
telefônica para encontrar uma criança que havia sido levada por um parente e nenhum outro meio mostrou-se hábil para
encontrá-la – foi um caso de “derrotabilidade de regras”, no qual uma regra foi superada em situação muito
excepcional por princípios de peso maior). Geralmente, isso não ocorre.
127
##Atenção: Tema cobrado na prova do TJDFT-2016.
investigação criminal ou instrução processual penal, poderão ser utilizadas como prova emprestada em um
processo administrativo disciplinar?
Para o STJ, sim, desde que a interceptação tenha sido feita com autorização do juízo criminal e com
observância das demais exigências contidas na Lei nº 9.296/1996 (STJ. 3ª Seção. MS 14.140-DF, Rel. Min.
Laurita Vaz, j. 26/9/2012).
O STF também decidiu no mesmo sentido afirmando que:
A prova colhida mediante autorização judicial e para fins de investigação ou processo
criminal pode ser utilizada para instruir procedimento administrativo punitivo. Assim, é
possível que as provas provenientes de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente
em processo criminal sejam emprestadas para o processo administrativo disciplinar. STF. 1ª
Turma. RMS 28774/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso,
j. 9/8/16 (Info 834). (COBRADA NA PROVA DA DPC/RJ 2013)
##Obs.: EM REGRA, o carro não é equiparado a casa. A busca em automóvel é equiparada à busca
pessoal, a não ser que ele sirva como residência. Vejamos a seguinte decisão:
STF - RHC 117.767/DF: As apreensões de documentos no interior de veículos automotores, por
constituírem hipótese de busca pessoal — caracterizada pela inspeção do corpo, das vestes, de objetos e
de veículos (não destinados à habitação do indivíduo) —, dispensam autorização judicial
quando houver fundada suspeita de que neles estão ocultados elementos necessários à elucidação dos fatos
investigados, a teor do disposto no art. 240, § 2º, do CPP.
2.3.2.2. Restrições
b) Restrições expressas
São as restrições expressas à inviolabilidade do domicílio:
i. Flagrante delito (exige-se fundada suspeita no domicílio; se não houver uma justificativa prévia e plausível
para a entrada, ela se revela arbitrária);128
ii. Desastre (v.g. desabamento);129
iii. Prestar socorro;130
iv. Determinação judicial, durante o dia (submissão do ingresso à cláusula da reserva de jurisdição).131
##Obs.: Em relação ao dia: Com relação ao período considerado como dia, há dois critérios
utilizados:
Critério cronológico (critério mais tradicional): dia é o período compreendido entre 6 e 18 horas.
Atenção: Não confundir com o critério do CPC para cumprimento de mandados, que é
até as 20h00m.
Atenção: A conjugação dos dois critérios sobre o dia oferece maior proteção ao direito
fundamental ao domicílio. Essa é proposta sugerida por Alexandre de Moraes em seu
Manual de Direito Constitucional.
Considerações:
128
(TJDFT-2008): Em caso de flagrante delito, igualmente, autoriza-se o ingresso na casa, de dia ou de noite,
independentemente de quem quer que seja. BL: art. 5º, XI da CF/88.
129
(TJDFT-2008): Em caso de desastre, ou para prestar socorro, autoriza-se a entrada na casa, seja de dia ou de noite,
tenha-se ou não anuência do morador ou autorização judicial. BL: art. 5º, XI da CF/88.
130
(Anal. Judic./TRF5-2017-FCC): Fernando passou mal de manhã em sua residência e, como estava sozinho, tentou sair
para buscar ajuda, mas não conseguiu nem abrir o portão de casa. Fernando teve tempo apenas de pedir auxílio ao seu
vizinho, Paulo, desmaiando logo em seguida, ali mesmo no jardim. Paulo, desesperado, rapidamente telefonou ao Corpo
de Bombeiros. Nessa situação, à luz da Constituição Federal, os bombeiros estarão autorizados a adentrar no imóvel de
Fernando, assim que chegarem, já que para a prestação de socorro pode-se penetrar na casa do morador, sem o seu
consentimento, a qualquer hora. BL: art. 5º, XI da CF/88.
131
(Anal. Jurídic./DPEAM-2018-FCC): Em certa pequena propriedade rural reside família que cultiva produtos agrícolas
no mesmo local, tendo o imóvel sido dado em garantia de empréstimo contraído para custear o combate a pragas
existentes na plantação. Não sendo liquidado o pagamento da dívida no prazo convencionado, o credor promoveu a
respectiva cobrança judicial, motivo pelo qual foi expedido mandado judicial de penhora do referido imóvel. Ao cumprir
o mandado de penhora, o oficial de justiça foi impedido pela família, tanto durante o dia, quanto durante a noite, de
ingressar no imóvel. De acordo com a Constituição Federal, ao determinar a penhora da referida propriedade rural na
situação narrada, o juiz agiu incorretamente, não podendo o oficial de justiça, ademais, ingressar no imóvel durante a
noite, sem o consentimento do morador, para cumprimento de determinação judicial. BL: art. 5º, XI da CF/88.
(TJDFT-2008): No período diurno, por determinação judicial, excepciona-se também a inviolabilidade domiciliar.
Nesta hipótese, estamos diante da denominada reserva de jurisdição, ou seja, situações em que se faz indispensável a
atuação do Poder Judiciário, autorizando determinada conduta, sem a qual seria a mesma considerada ilícita. BL: art. 5º,
XI da CF/88.
Justificativa prévia na hipótese de flagrante delito: A entrada forçada em domicílio, sem uma
justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária e não será a constatação de situação de flagrância,
posterior ao ingresso, que justificará a medida.
Portanto, a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em
período noturno, quando amparada em fundadas razões (prévias), devidamente justificadas a
posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos
praticados. Vejamos o seguinte precedente:
STF - RE 603.616/RO: [...] 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma
justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de
flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que
havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida (...) 6. Fixada a
interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período
noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que
indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados.
Inf. n. 529: Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser
preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da
concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão. Tendo em
vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana,
considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio
stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem (...) De toda forma, concluiu-se
que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e
guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição conseqüente não aniquilou
o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da
proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública.
(Atenção: Caiu na prova TJSP-2018)
##Questiona-se: Como visto, o ingresso forçado não é justificável para a fiscalização tributária.
Mas e quando a fiscalização visa promover o direito à saúde e houver suspeita de foco de mosquito da
dengue na residência?
Neste caso, a tutela da saúde pública justifica a subjugação do direito à inviolabilidade do
domicílio. Vejamos o art. 1º da Lei 13.301/2016:
Lei n. 13.301/2016, art. 1º: Na situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do
132
##Atenção: Tema cobrado nas provas do TRF5-2009 (CESPE); TJPR-2017 (CESPE) e TJAC-2019 (VUNESP).
mosquito transmissor do vírus da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika, a autoridade
máxima do Sistema Único de Saúde - SUS de âmbito federal, estadual, distrital e municipal fica
autorizada a determinar e executar as medidas necessárias ao controle das doenças causadas pelos
referidos vírus, nos termos da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e demais normas aplicáveis,
enquanto perdurar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional - ESPIN.
§1º: Entre as medidas que podem ser determinadas e executadas para a contenção das doenças
causadas pelos vírus de que trata o caput, destacam-se:
(...)
IV - ingresso forçado em imóveis públicos e particulares, no caso de situação de abandono,
ausência ou recusa de pessoa que possa permitir o acesso de agente público, regularmente designado e
identificado, quando se mostre essencial para a contenção das doenças”.
Liberdade positiva (ou liberdade política, ou liberdade dos antigos, ou liberdade de querer):
“situação na qual um sujeito tem a possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de
uma finalidade sem ser determinado pelo querer dos outros”. Ou seja, a liberdade positiva está
relacionada à autonomia e autodeterminação, é uma liberdade de escolhas. Benjamin Constant
chamou esta liberdade de “dos antigos” porque já existia desde a Grécia Antiga.
A questão recentemente foi objeto de análise pelo STF, em julgado da 1ª Turma, veiculado no Info 893,
vejamos:
STF - O STF tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de
expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por
via judicial. No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações
jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação
de notícias e de opiniões. A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado
democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e
liberdades. A retirada de matéria de circulação configura censura em qualquer hipótese, o que se
admite apenas em situações extremas. Assim, em regra, a colisão da liberdade de expressão com
os direitos da personalidade deve ser resolvida pela retificação, pelo direito de resposta ou pela
reparação civil. Diante disso, se uma decisão judicial determina que se retire do site de uma
revista determinada matéria jornalística, esta decisão viola a orientação do STF, cabendo
reclamação. STF. 1ª Turma. Rcl 22328/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 6/3/18 (Info 893).136-137
130/DF, é possível conceder ordem judicial que assegure, após configurado o dano causado à honra e à intimidade, a
sua reparação. BL: ADPF 130.
##Atenção: ##STF: ##TRF4-2010: ##DPESP-2012: ##TJSP-2015: ##PGERS-2015: ##MPGO-2019: ##FCC:
##Fundatec: ##VUNESP: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. LEI DE IMPRENSA.
ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA",
EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. (...) O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime
de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade
de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o
suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as
figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como
expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de
personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de
intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no
tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural
forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou
consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional "observado o disposto nesta Constituição" (parte
final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como
consequência ou responsabilização pelo desfrute da "plena liberdade de informação jornalística" (§ 1º do mesmo art. 220
da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a
procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica.
Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a
qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que
signifique plenitude de comunicação.
Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das
ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um
regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo
atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. 5.
PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS
E MATERIAIS. Sem embargo, a excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de
imprensa, em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade. (...). STF. Plenário. ADPF 130, Rel. Min. Carlos
Britto, j. 30/4/09.
(PGEPA-2011): Na ADPF 130, o STF, por maioria, julgou pela total procedência da ação para o efeito de declarar a Lei
federal 5.250/67 (“Lei de Imprensa”) como não recepcionada pela CF/88, entendendo que na ponderação entre os
direitos fundamentais que dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco dos direitos fundamentais à imagem, honra,
intimidade e vida privada, deve ser dada precedência aos primeiros; cabendo a incidência a posteriori do segundo bloco
para o efeito de assegurar o direito de resposta e assentar responsabilidades penal, civil e administrativa. BL: ADPF 130.
135
##Atenção: Tema cobrado na prova da PGEAC-2014 (FMP).
136
##Atenção: Tema cobrado na prova da DPEDF-2019 (CESPE).
137
(PF-2021-CESPE): Considerando a posição majoritária e atual do Supremo Tribunal Federal (STF), julgue o item a
seguir, a respeito dos fundamentos constitucionais dos direitos e deveres fundamentais, do Poder Judiciário, da
Igualmente, vejamos o teor do julgado veiculado no Info 905, STF (Fonte: DOD):
Uma decisão judicial determinou a retirada de matéria de “blog” jornalístico, bem como
a proibição de novas publicações, por haver considerado a notícia ofensiva à honra de delegado
da polícia federal. Essa decisão afronta o que o STF decidiu na ADPF 130/DF, que julgou não
recepcionada a Lei de Imprensa. A ADPF 130/DF pode ser utilizada como parâmetro para
ajuizamento de reclamação que verse sobre conflito entre a liberdade de expressão e de
informação e a tutela das garantias individuais relativas aos direitos de personalidade. A
determinação de retirada de matéria jornalística afronta a liberdade de expressão e de
informação, além de constituir censura prévia. Essas liberdades ostentam preferência em
relação ao direito à intimidade, ainda que a matéria tenha sido redigida em tom crítico. O STF
assumiu, mediante reclamação, papel relevante em favor da liberdade de expressão, para
derrotar uma cultura censória e autoritária que começava a se projetar no Judiciário. STF. 1ª
Turma. Rcl 28747/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ ac. Min. Luiz Fux, j. 5/6/18 (Info 905).
Assim, embora não haja hierarquia entre direitos fundamentais, a liberdade de expressão (aqui
entendida em sentindo amplo) possui uma posição preferencial (preferred position) em relação aos demais
direitos. Isso significa que o afastamento da liberdade de expressão é excepcional, e o ônus argumentativo
é de quem sustenta o direito oposto. Como consequência disso, deve-se fazer uma análise muito rigorosa,
criteriosa e excepcional de toda e qualquer medida que tenha por objetivo restringir a liberdade de
expressão.138
##Obs.: O fato de a liberdade de manifestação ter uma posição preferencial, não significa que é um
direito absoluto (o que não existe). Portanto, esse direito não prevalecerá sempre e em qualquer caso. A
própria CF/88 impõe alguns limites ou qualificações à liberdade de expressão, como por exemplo:
a) vedação do anonimato (art. 5º, IV);
b) direito de resposta (art. 5º, V);
c) restrições à propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos e terapias (art. 220,
§ 4º);
d) classificação indicativa (art. 21, XVI); e
e) dever de respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X).
Isso significa que é indispensável que haja uma ponderação entre a liberdade de expressão e os
direitos da personalidade.
##Obs.: Ponderação entre liberdade de expressão e os direitos da personalidade: 139 Tanto a liberdade
de expressão como os direitos de privacidade, honra e imagem têm estatura constitucional. Vale dizer: entre
eles não há hierarquia. De modo que não é possível estabelecer, em abstrato, qual deve prevalecer. Em caso
de conflito entre normas dessa natureza, impõe-se a necessidade de ponderação, que, como se sabe, é uma
técnica de decisão que se desenvolve em três etapas:
1) na primeira, verificam-se as normas que postulam incidência ao caso;
2) na segunda, selecionam-se os fatos relevantes;
3) e, por fim, testam-se as soluções possíveis para verificar, em concreto, qual delas melhor realiza a
vontade constitucional.
Em um cenário ideal, a ponderação deve procurar fazer concessões recíprocas, preservando o
máximo possível dos direitos em disputa. No limite, porém, fazem-se escolhas. Todo esse processo
intelectual tem como fio condutor o princípio instrumental da proporcionalidade ou razoabilidade.
##Obs.: Critérios para a ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade: O
Min. Roberto Barroso defende a aplicação de 8 critérios ou elementos a serem considerados na ponderação
entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade. São eles:
a) veracidade do fato: a notícia divulgada deve ser verdadeira. Isso porque a informação
que goza de proteção constitucional é a verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia
falsa, em detrimento de outrem, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de
segurança pública e das atribuições constitucionais da Polícia Federal: Como regra, a medida própria para a reparação de
eventual abuso da liberdade de expressão é o direito de resposta ou a responsabilização civil, e não a supressão de texto
jornalístico por meio de liminar.
138
(MPF-2012): Assinale a alternativa correta: De acordo com a jurisprudência do STF. a liberdade de expressão ocupa
uma posição especial no sistema constitucional brasileiro, o que lhe atribui peso abstrato elevado em hipótese de colisão
com outros direitos fundamentais ou interesses sociais.
139
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPRO-2017 (FMP).
comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de critérios de razoabilidade, a
correção do fato ao qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata de uma
verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de
observação de quem a divulga. Para haver responsabilidade, é necessário haver clara
negligência na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade.140- 141
b) licitude do meio empregado na obtenção da informação: o conhecimento acerca do
fato que se pretende divulgar tem de ter sido obtido por meios admitidos pelo direito. A
Constituição, da mesma forma que veda a utilização, em juízo, de provas obtidas por meios
ilícitos, também proíbe a divulgação de notícias às quais se teve acesso mediante
cometimento de um crime. Se o jornalista ou alguém empreitado pelo veículo de comunicação
realizou, por exemplo, uma interceptação telefônica clandestina, invadiu domicílio, violou o
segredo de justiça em um processo de família ou obteve uma informação mediante tortura ou
grave ameaça, sua divulgação, em princípio, não será legítima. Note-se ainda que a
circunstância de a informação estar disponível em arquivos públicos ou poder ser obtida por
meios regulares e lícitos torna-a pública e, portanto, presume-se que a divulgação desse tipo
de informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos envolvidos.
c) personalidade pública ou privada da pessoa objeto da notícia: a depender se a pessoa
for uma personalidade pública ou privada, o grau de exposição é maior ou menor.
d) local do fato: deve-se analisar também se os locais dos fatos narrados são reservados
ou protegidos pelo direito à intimidade.
e) natureza do fato: deve-se analisar se os fatos divulgados possuem caráter sigiloso ou
se estão relacionados com a intimidade da pessoa.
f) existência de interesse público na divulgação em tese: presume-se, como regra geral,
o interesse público na divulgação de qualquer fato verdadeiro.
g) existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de
órgãos públicos.
140
(TJBA-2019-CESPE): No que se refere à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e aos seus limites, assinale a
opção correta: A publicação de informações falsas em veículos de comunicação social não está assegurada pela liberdade
de imprensa. BL: Entend. doutrinário e jurisprudencial.
##Atenção: ##Doutrina: ##STJ: ##TJBA-2019: ##TJMA-2022: ##CESPE: ##Doutrina: De fato, esse é o
entendimento da doutrina sobre o alcance do direito fundamental à liberdade de imprensa. A respeito, Mendes e
Branco: “A informação falsa não seria protegida pela Constituição, porque conduziria a uma pseudo‐operação da formação da
opinião”. Assinala‐se a função social da liberdade de informação de “colocar a pessoa sintonizada com o mundo que a
rodeia (...), para que possa desenvolver toda a potencialidade da sua personalidade e, assim, possa tomar as decisões que a
comunidade exige de cada integrante”. Argumenta ‐se que, “para se exercitar o direito de crônica, que está intimamente
conexo com o de receber informações, será mister que se atenda ao interesse da coletividade de ser informada, porque através
dessas informações é que se forma a opinião pública, e será necessário que a narrativa retrate a verdade”. Cabe recordar que o
direito a ser informado – e não o é quem recebe notícias irreais – tem também raiz constitucional, como se vê do art. 5º, XIV,
da CF.” (MENDES, Gilmar e BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 242).
##STJ: “ (...) 1. Conforme se extrai do voto da Ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI 4.815/DF, “o dever de
respeito ao direito do outro conduz ao de responder nos casos em que, mesmo no exercício de direito
legitimamente posto no sistema jurídico, se exorbite causando dano a terceiro. Quem informa e divulga
informação responde por eventual excesso, apurado por critério que demonstre dano decorrente da circunstância
de ter sido ultrapassada esfera garantida de direito do outro". 2. A liberdade de imprensa - embora amplamente
assegurada e com proibição de controle prévio - acarreta responsabilidade a posteriori pelo eventual excesso e
não compreende a divulgação de especulação falsa, cuja verossimilhança, no caso, sequer se procurou apurar . 4.
Gera dano moral indenizável a publicação de notícia sabidamente falsa, amplamente divulgada, a qual expôs a
vida íntima e particular dos envolvidos. 5. Nos termos da jurisprudência do STJ, admite-se a revisão do valor
fixado a título de condenação por danos morais quando este se mostrar ínfimo ou exagerado, ofendendo os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Hipótese em que o valor foi estabelecido na instância
ordinária de forma desproporcional à gravidade dos fatos. 6. Recurso especial a que se dá parcial provimento. STJ.
4ª T., REsp 1582069/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. p/ Ac. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 16/2/17. (...) Cumpre
destacar ainda o trecho da decisão monocrática da Min. Maria Isabel Gallotti, “(...) A liberdade de imprensa –
embora amplamente assegurada e com proibição de controle prévio – acarreta responsabilidade a posteriori pelo
eventual excesso e não compreende a divulgação de especulação falsa, cuja verossimilhança, no caso ”. STJ. AREsp
1265555. Decisão Monocrática. Min. Isabel Gallotti. Data de Publicação em 18/05/2018.
141
##Atenção: Tema cobrado na prova do TJMA-2022 (CESPE).
h) preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da
divulgação: o uso abusivo da liberdade de expressão pode ser reparado por mecanismos
diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, a responsabilização
civil ou penal e a proibição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar
a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra
geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por
retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o
caso.
##Atenção: ##STF: ##DOD: Segundo o STF, é inconstitucional o § 1º do art. 4º da Lei nº 9.612/98 142.
Esse dispositivo proíbe, no âmbito da programação das emissoras de radiodifusão comunitária, a prática
de proselitismo, ou seja, a transmissão de conteúdo tendente a converter pessoas a uma doutrina, sistema,
religião, seita ou ideologia. O STF entendeu que essa proibição afronta os arts. 5º, IV, VI e IX, e 220, da
Constituição Federal. A liberdade de pensamento inclui o discurso persuasivo, o uso de argumentos
críticos, o consenso e o debate público informado e pressupõe a livre troca de ideias e não apenas a
divulgação de informações. STF. Plenário. ADI 2566/DF, rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac.
Min. Edson Fachin, j. 16/5/2018 (Info 902).
2.4.1.2. Restrições
Em determinadas hipóteses, a manifestação do pensamento pode atingir direitos fundamentais de
terceiros, tais como a honra e a imagem (CF, art. 5º , X), razão pela qual a identificação de quem emitiu o
juízo é necessária, a fim de que seja viabilizada eventual responsabilização nos casos de manifestação
abusiva.
A CF/88 indica expressamente a vedação do anonimato (art. 5º, IV da CF/88), a qual possui
basicamente duas finalidades: 1) a de evitar, de forma preventiva, manifestações abusivas do pensamento
e; 2) a de permitir, de forma repressiva, o exercício do direito de resposta (um direito autônomo) e a
responsabilização civil e/ou penal (CF, art. 5º, V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além
da indenização por dano material, moral ou à imagem”). Quanto à matéria divulgada, publicada ou transmitida
por veículo de comunicação social, o direito de resposta ou de retificação do ofendido está regulamentado
pela Lei nº 13.188/2015.
Sendo assim, EM REGRA, a vedação do anonimato impede utilização de denúncias anônimas ou
bilhetes apócrifos como fundamento para a instauração de inquérito policial ou como prova processual
lícita (art. 5.º, LVI, CF).143
Exceção1: A denúncia autônoma em si não é considerada como fonte de prova, mas é considerada
uma notitia criminis autônoma em relação à prova obtida posteriormente através de uma
investigação. Essa investigação, por sua vez, não fica contaminada pela denúncia. Vejamos:
STF - Inq 1.957 (voto do Min. Celso de Mello): Nada impede, contudo, que o Poder Público,
provocado por delação anônima (v.g. “disque-denúncia”), adote medidas informais destinadas a apurar,
previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e discrição’, a possível ocorrência de eventual
situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela
denunciados em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da ‘persecutio criminis’,
mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças
apócrifas”. (g.n.).
Exceção2: O bilhete ou escrito apócrifo, quando produzido pelo próprio acusado (v.g. bilhete enviado
pelo acusado pedindo o preço do resgate pelo sequestro) ou quando ele constituir o corpo de delito do
crime (v.g. carta apócrifa em que haja um crime contra a honra de alguém) podem ser considerados fontes
de prova.
##Obs.: Dentre as restrições constitucionais indiretas, podem ser mencionadas, ainda, as punições
legalmente estabelecidas para os casos de discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais (CF, art. 5º , XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais) e de prática de racismo (CF, art. 5º , XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei). Ambos os dispositivos consagram hipóteses de
reserva legal qualificada. A Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor,
142
Lei 9.612/98, art. 4º. (...) §1º É vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de
radiodifusão comunitária.
143
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPDFT-2011; ii) MPRR-2017 (CESPE).
estabelece pena de reclusão de um a três anos e multa para quem "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional" (art. 20).
No julgamento do Caso Ellwanger, considerado um dos mais importantes precedentes do STF sobre o
tema, prevaleceu o entendimento de que "o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra
o 'direito à incitação ao racismo', dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda
de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra". O Tribunal, ao fixar a prevalência dos
princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, deixou consignado que as liberdades
públicas, por não serem incondicionais, devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites
definidos na própria Constituição. Vejamos trecho desse histórico julgado:
(...) 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias
preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na
redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e
imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). (...)144
6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer
discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências
oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa
superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o
anti-semitismo.
(...) 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta.
Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência,
manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 145
14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira
harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira
parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao
racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas
ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade jurídica. 146 (...) STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Ac. Min. Maurício Corrêa, j.
17/09/03.147
##Obs.: Tratando de temática semelhante ao Caso Ellewanger, citado acima, o STF julgou
recentemente julgou o seguinte caso:
O direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito à existência de uma
multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se vinculam e se harmonizam – para a
sobrevivência de toda a multiplicidade de fés protegida constitucionalmente – na chamada
tolerância religiosa. Há que se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria
crença e nas razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando se faça
com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus seguidores). Um é tipicamente a
representação do direito à liberdade de crença religiosa; outro, em sentido diametralmente
oposto, é o ataque ao mesmo direito. Como apontado pelo STJ no julgado recorrido, a conduta
do paciente não consiste apenas na ‘defesa da própria religião, culto, crença ou ideologia, mas,
sim, de um ataque ao culto alheio, que põe em risco a liberdade religiosa daqueles que
professam fé diferente [d]a do paciente. A incitação ao ódio público contra quaisquer
denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que
assegura a liberdade de expressão. Assim, é possível, a depender do caso concreto, que um líder
religioso seja condenado pelo crime de racismo (art. 20, §2º, da Lei nº 7.716/81) por ter proferido
discursos de ódio público contra outras denominações religiosas e seus seguidores. STF. 2ª
Turma. RHC 146303/RJ, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, j. 6/3/18 (Info 893).148
144
(MPT-2013): No que concerne aos direitos e garantias fundamentais, considerando-se o texto constitucional e a
jurisprudência do STF, assinale a alternativa correta: Escrever, divulgar e comercializar livros fazendo apologia de ideias
preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de
inafiançabilidade e imprescritibilidade.
145
(PGERS-2015-Fundatec): Ao tratar do alcance da liberdade de expressão em relação ao chamado “discurso do ódio”
(hate speech), o STF sustentou que: O direito à liberdade de expressão é um direito relativo, objeto de ponderação, à luz
dos princípios da dignidade humana, proporcionalidade e razoabilidade, não podendo acolher a incitação ao ódio racial
ou religioso.
(PGEPA-2011): No HC 82424-2 – “Caso Ellwanger” –, o STF julgou pedido de “habeas corpus” em favor de editor de
obras que veiculavam ideias supostamente antissemitas. Analise as proposições abaixo e assinale a alternativa correta: A
ordem de “habeas corpus” foi indeferida com fundamento, entre outros, de que o direito à liberdade de expressão não
pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam em ilicitude penal.
146
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPRR-2017 (CESPE); ii) DPEAL-2017 (CESPE); iii) MPMG-2019.
147
##Atenção: Tema cobrado na prova da DPEPR-2017 (FCC).
Ambos os julgados comentados acima envolveram o crime de racismo enquadrado no art. 20 da Lei
7.716/81. Diante disso, surge alguns questionamentos acerca da doutrina do “Hate Speech” (discurso do
ódio):
##Atenção: Situação deve ser analisada com base no caso concreto: Assim, podemos concluir que é
possível a condenação de um líder religioso pelo crime de racismo (art. 20, §2º, da Lei nº 7.716/81) em caso
de discursos de ódio público contra outras denominações religiosas e seus seguidores. Vale ressaltar, no
entanto, que essa condenação dependerá do caso concreto, ou seja, das palavras que foram proferidas e da
intenção do líder religioso de suprimir ou reduzir a dignidade daquele que é diferente de si. Desse modo,
não é qualquer crítica de um líder religioso a outras religiões que configurará o crime de racismo. Nesse
sentido, recentemente o STF absolveu um líder religioso dessa imputação por falta de dolo. Relembre:
Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele faz críticas
ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. O Ministério Público da
Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (Lei do racismo). No
caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime. A CF/88 garante o direito à liberdade
religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher
qual religião irá seguir, mas também o de fazer proselitismo religioso. Proselitismo religioso significa
empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião .
Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as
religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo . Só
haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão,
restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais
grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os
"inferiores" para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual e, neste caso
não haverá conduta criminosa. Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez
comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não
houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo. Pregar um discurso de que as religiões
são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20
da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim
de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua
como verbo núcleo do tipo. STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em
29/11/2016 (Info 849).
148
(MPPA-2023-CESPE): No que concerne aos direitos e às garantias fundamentais, assinale a opção correta, à luz da
jurisprudência dos tribunais superiores: A incitação ao ódio público feita por líder religioso contra outras religiões pode
configurar o crime de racismo. BL: Info 893, STF.
(MPMG-2019): A propósito do direito ao reconhecimento, leia o texto a seguir: “É possível falar em um direito
fundamental ao reconhecimento, que é um direito ao igual respeito da identidade pessoal. Trata-se de um direito que tem tanto uma
faceta negativa como outra positiva. Em sua faceta negativa ele veda as práticas que desrespeitam as pessoas em sua identidade,
estigmatizando-as. Na dimensão positiva, ele impõe ao Estado a adoção de medidas voltadas ao combate dessas práticas e à superação
de estigmas existentes.” (SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 257).
De acordo com o posicionamento doutrinário acima, a assertiva seguinte harmoniza-se com o direito ao reconhecimento:
Há que se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria crença e nas razões da crença) e o discurso
sobre a crença alheia, especialmente quando feito com o intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus
seguidores). BL: Info 893, STF.
Desse modo, em concursos públicos deve-se ficar atento para a redação do enunciado.
Por fim, quanto à limitação do direito de expressão, o Min. Gilmar Mendes explica que “a Carta
brasileira não adotou a fórmula alemã de prever, explicitamente, que a liberdade de expressão possa ser limitada por leis
destinadas a proteger a juventude. Isso não impede que, no Brasil, sejam editadas leis, com o fito de preservar
valores relevantes da juventude, restringindo a liberdade de expressão. Isso porque não são apenas aqueles bens
jurídicos mencionados expressamente pelo constituinte (como a vida privada, a intimidade, a honra e a imagem) que
operam como limites à liberdade de expressão. Qualquer outro valor abrigado pela Constituição pode entrar em conflito
com essa liberdade, reclamando sopesamento, para que, atendendo ao critério da proporcionalidade, descubra-se, em cada
grupo de casos, qual princípio deve sobrelevar.” Desse modo, para a maioria dos ministros do STF, autoriza-se à
lei infraconstitucional regular outros pontos não permitidos expressamente, pois é possível extrair da CF
uma permissão que vise a garantir a unidade constitucional. Em outras palavras, a permissão para uma
regulação mais ampla alicerça-se no fato de a liberdade de expressão confrontar-se com outros direitos
fundamentais, sendo a lei um meio de harmonizar esse conflito na busca de efetivação dos princípios
constitucionais.149
a) Liberdade de consciência
Trata-se da faculdade de aderir a certos valores morais ou espirituais, independentes de qualquer
aspecto religioso.
A liberdade de consciência é a mais ampla das três a serem analisadas, pois abrange a liberdade de
crer em algo, de não crer, ou de ter determinadas convicções que não possuam natureza religiosa (filosófica,
política).
##Obs.: A liberdade de consciência abrange a liberdade de crença, que é uma liberdade mais restrita.
b) Liberdade de crença
Trata-se da faculdade de crer em conceitos sobrenaturais propostos por alguma religião ou revelação
(teísmo), de acreditar na existência de um Deus, mas rejeitar qualquer espécie de revelação divina (deísmo) ou,
ainda, de não ter crença em Deus algum (ateísmo).150
A liberdade de crença possui tanto um aspecto positivo (acreditar em algo) quanto um aspecto
negativo (não acreditar em nada).
##Atenção: ##STF: ##Info 935: ##DOD: É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de
resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz
africana. STF. Plenário. RE 494601/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, j.
28/3/19 (Info 935).
##Comentário sobre o julgado acima: ##DOD: O princípio da laicidade significa dizer que o Estado
brasileiro é laico (secular ou não-confessional), ou seja, não existe nele uma religião oficial (art. 19, I, da
CF/88). Assim, por força deste princípio, o Estado não pode estar associado a nenhuma religião, nem sob a
forma de proteção, nem de perseguição. Há, portanto, uma separação formal entre Igreja e Estado. O STF
149
(MPBA-2018): Sobre os direitos fundamentais em espécie positivados na Constituição Federal, tal qual interpretados
pelo STF, responda: O direito fundamental à liberdade de expressão é passível de sofrer restrições por meio de lei,
inclusive em hipóteses não previstas de modo expresso na Constituição Federal.
150
(MPSP-2012): A Constituição Federal, ao consagrar a inviolabilidade de crença religiosa está também assegurando a
proteção plena à liberdade de culto e as suas liturgias, bem como o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé,
devendo o Estado respeito ao ateísmo.
entendeu que, ao contrário do que alegou o MP/RS, a referida lei não viola o princípio da laicidade. A
proteção legal às religiões de matriz africana não representa um privilégio, mas sim um mecanismo de
assegurar a liberdade religiosa, mantida a laicidade do Estado. Desse modo, a lei estadual, na verdade,
está de acordo com o princípio da laicidade. Isso porque a laicidade do Estado proíbe que haja o
menosprezo ou a supressão de rituais, especialmente no caso de religiões minoritárias que poderiam ser
subjugadas pelo Estado.
##Comentário sobre o julgado acima: ##DOD: Além disso, não há violação ao princípio da
igualdade: A CF promete uma sociedade livre de preconceitos, entre os quais, o religioso. A proibição do
sacrifício de animais em seus cultos negaria a própria essência da pluralidade cultural, com a consequente
imposição de determinada visão de mundo. Ao se conferir uma proteção aos cultos de religiões
historicamente estigmatizadas, o legislador não ofende o princípio da igualdade. Ao contrário, materializa
esse princípio diante do preconceito histórico sofrido.
##Comentário sobre o julgado acima: ##DOD: Por fim, não há violação ao art. 225 da CF/88: O
legislador, ao admitir a prática de imolação (sacrifício), não violou o dever constitucional de amparo aos
animais, estampado no art. 225, § 1º, VII, da CF/88. Isso porque se deve evitar que a tutela de um valor
constitucional relevante (meio ambiente) aniquile o exercício de um direito fundamental (liberdade de
culto), revelando-se desproporcional impedir todo e qualquer sacrifício religioso quando diariamente a
população consome carnes de várias espécies. Além disso, deve-se reforçar o argumento de que os animais
sacrificados nestes cultos são abatidos de forma rápida, mediante degola, de sorte que a realização dos
rituais religiosos com estes animais não se amolda ao art. 225, § 1º, VII, que proíbe práticas cruéis com
animais.
##Parêntese: Lembrar que nenhum direito é absoluto. Portanto, é necessário analisar se o direito à
liberdade de culto não colide com outro direito fundamental (v.g. liberdade de locomoção, descanso, silêncio).
Observação geral: Essas três liberdades estão consagradas na CF, art. 5º, VI: “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias”.
Além disto, o inciso VII: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades
civis e militares de internação coletiva”.
Quando se fala em “obrigação legal imposta a todos” não significa que a obrigação legal tenha que
ser imposta a todos os indivíduos da nação, mas sim a todos que se encontrem em determinada situação.
Ex.1: O voto é uma obrigação imposta a todos que possuem mais de dezoito anos e menos de setenta
anos, exceto os analfabetos.
Ex.2: O serviço militar é obrigatório para todos os homens (não para as mulheres), excetuando-se ainda
os eclesiásticos.
Para se invocar essa liberdade de consciência, não basta que a pessoa simplesmente diga que aquilo é
incompatível com o que ela acredita. A escusa de consciência deve ser relacionada a algo fortemente
arraigado na consciência do indivíduo, dentro de um determinado contexto social ou cultura.
Ex.1: Peiote em cultos religiosos → embora este produto tenha o consumo proibido por lei em razão
de ser entorpecente, tanto no Brasil quanto nos EUA, a lei ressalva a sua utilização dentro de celebrações
151
(MPBA-2018): O brasileiro que se recusa a cumprir prestação alternativa legalmente estabelecida, após ter invocado
convicção política para eximir-se de obrigação legal a todos imposta, poderá, em razão dessa conduta, ser privado de
direitos. BL: art. 5º, VIII, CF.
OBS: A pessoa tem direito a não cumprir a obrigação imposta por motivos de consciência sem que isso a prive de
direitos. Entretanto, ela há de cumprir a obrigação alternativa, caso contrário, poderá sim ser privada de direitos.
religiosas. Nesse contexto, o chá não serve para ficar doidão, mas sim da utilização desta planta medicinal há
muitos anos em cultos religiosos, como forma de tradição cultural.
Ex.2: Café holandês que se transformou na “igreja dos adoradores da fumaça, do fogo e das cinzas”, para
burlar a legislação holandesa que proibia o fumo em locais fechados. Neste caso, há uma clara intenção de
burlar a legislação, pois a ideia foi apenas poder fumar em locais fechados quando tal prática é proibida.
Portanto, não se admite a escusa de consciência para hipóteses como essa, pois não há uma tradição
arraigada no contexto do fumo.
##Obs.: Há divergência acerca da natureza jurídica da penalidade em caso de recusa dupla. Parcela
da doutrina entende tratar-se de suspensão, pois quem recusou pode readquirir esses direitos. Porém, a
maioria da doutrina constitucionalista entende que a hipótese é de perda.
Inicialmente, o imperativo de consciência somente é admissível em tempo de paz. Por outro lado, em
tempo de guerra, a lei não admite que se alegue imperativo de consciência para se eximir. Esse
impedimento não viola uma cláusula pétrea, pois se trata de uma norma originária da CF e não se admite no
Brasil normas originárias inconstitucionais. Portanto, a regra geral é que se pode alegar escusa de
consciência; a exceção é que em tempos de guerra ela não pode ser alegada.
Ademais, esta obrigação do serviço militar obrigatório não é para todos, excluindo-se as mulheres e
os eclesiásticos. Importante notar que essa exclusão apenas ocorre em tempos de paz, aplicando-se a
ressalva retro. Mesmo em tempo de paz, mulheres e eclesiásticos podem ser obrigados a outros encargos
que a lei lhes atribuir. Em outras palavras, nos termos da lei, o serviço militar será obrigatório a todos os
brasileiros, com exceção das mulheres e eclesiásticos, em tempo de paz. Todavia, em caso de mobilização,
ambos ficarão sujeitos aos encargos relacionados com a defesa nacional, de acordo com suas aptidões,
consoante dispõe o art. 143, §2º, CF.
Portanto, a escusa de consciência, prevista no art. 5º, VIII da CF, poderá ser invocada, em tempo de
paz, para que o alistado possa se eximir das atividades de caráter essencialmente militar, nos termos do art.
143, § 1º da CF. Por se tratar de uma obrigação legal imposta a todos, terá que cumprir prestação alternativa,
fixada em lei. Em caso de descumprimento, poderá haver suspensão dos direitos políticos, consoante dispõe
o art. 15, IV da CF.152
A regulamentação citada pelo § 1º está contida na Lei n. 8.239/91, art. 3º, § 2º, que dispõe sobre a
prestação de serviço alternativo obrigatório, vejamos: “Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de
atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às
atividades de caráter essencialmente militar”.
b) Voto
O voto é obrigatório aos maiores de dezoito anos e menores de setenta, com exceção dos analfabetos.
##Questiona-se: Uma pessoa pode alegar a escusa de consciência para se eximir do alistamento
obrigatório e do voto?
Segundo o TRF 1, o fato de a pessoa ser obrigada a comparecer à votação não viola a sua liberdade de
152
(TRF5-2011-CESPE): Com relação à defesa do Estado e das instituições democráticas e aos direitos políticos, assinale
a opção correta: Apesar de a prestação de serviço militar ser obrigatória, a recusa em cumpri-la é admitida sob a alegação
do direito de escusa de consciência, cabendo, nesse caso, às forças armadas atribuir àquele que exercer esse direito
serviço alternativo em tempo de paz, cuja recusa enseja como sanção a declaração da perda dos direitos políticos. BL: art.
143, caput e §1º, CF c/c art. 15, IV, CF.
consciência, pois ela não é obrigada a votar em determinado candidato. Há opção de votar em branco ou
nulo. Portanto, a obrigação tem caráter meramente formal.
TRF1 - AC 16.203: [...] 2. Não pode o autor eximir-se de comparecer à votação expondo como
argumento a inviolabilidade da liberdade de consciência e a privação de direitos referentes à convicção
filosófica ou política (art. 5.º, VI e VIII, da CF/88), pois aos brasileiros alfabetizados, maiores de dezoito e
menores de setenta anos, o voto é obrigatório, conforme art. 14, § 1.º, I, da Constituição Federal. 3. A
obrigatoriedade de votar é formal, logo a liberdade está garantida pela faculdade do cidadão de
votar em branco ou anular seu voto. 4. Os pedidos de declaração da inexistência de obrigatoriedade
do voto e da desnecessidade de justificação ou cumprimento de prestação alternativa são juridicamente
impossíveis em face do ordenamento constitucional (art. 14, § 1.º, I da CF/1988). 5. Apelação improvida.
##Questiona-se: Se uma prova cai em algum dia sagrado e/ou de guarda, no qual a pessoa reserva
para adorar seu Deus (v.g. shabat – período do pôr do sol de sexta-feira ao pôr do sol de sábado), a pessoa
pode alegar imperativo de consciência para não fazer a prova no dia?
O ideal é que os interesses em jogo sejam conciliados, dando-se à pessoa a oportunidade de assistir a
aula em outra turma e/ou fazer prova com outra turma ou outro semestre. No caso de prova, a título de
alternativa, caso a prova caia em algum dia de guarda de determinada religião, a pessoa poderá ficar
isolada em um determinado local, incomunicável, até passar o período. Desse modo, a pessoa não é
prejudicada e não leva vantagem em relação aos demais.
##Obs.: O julgado abaixo não serve de precedente geral sobre o tema por tratar de situação bastante
específica, pois nesse caso, no ato da inscrição era possível colocar a ressalva em relação ao dia quando do
preenchimento do formulário. Os que ajuizaram esta ação não haviam preenchido o item em questão.
Vejamos:
STF - 389 AgR/MG: [...] 2. Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo
que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em
data alternativa ao Shabat 3. Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao
direito à educação. [...] 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data
alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o principio da isonomia,
convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso [...]; 7. Pendência de julgamento das
Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714, nas quais esta Corte poderá analisar o
tema com maior profundidade. 8. Agravo Regimental conhecido e não provido.
153
(MPF-2017): Assinale a alternativa correta: O princípio da laicidade, além de impor ao Estado uma postura de
distanciamento quanto à religião, impede que ele endosse concepções morais religiosas. BL: art. 19, I, CF.
##Atenção: A laicidade impõe que o Estado se mantenha neutro em relação às diferentes concepções religiosas
presentes na sociedade, sendo-lhe vedado tomar partido em questões de fé, bem como buscar o favorecimento ou o
embaraço de qualquer crença. (SARMENTO, Daniel. O crucifixo nos tribunais e a Laicidade do Estado. In: Revista
Eletrônica PRPE, maio 2007.)
(MPF-2017): Assinale a alternativa correta: As religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos
fundamentais, tais como o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à privacidade, o direito
à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução. BL:
art. 19, I, CF.
(PGERS-2015-FUNDATEC): O princípio da laicidade estatal: Veda ao Estado que estabeleça cultos religiosos ou
igrejas, de forma a subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles relações de dependência ou
aliança, ressalvada a colaboração de interesse público. BL: art. 19, I, CF.
(MPF-2011): O princípio da laicidade do Estado impõe a neutralidade estatal em matéria religiosa, mas não é
incompatível com a colaboração entre o Poder Público e representantes das igrejas e cultos religiosos que vise à
promoção do interesse público. BL: art. 5º, VII, c/c art. 19, I, CF.
154
(MPF-2017): Assinale a alternativa correta: O ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também uma posição
religiosa que não pode ser privilegiada pelo Estado. BL: art. 19, I, CF.
##Atenção: Na verdade, o ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também uma crença religiosa, que não
pode ser privilegiada pelo Estado em detrimento de qualquer outra cosmovisão. (SARMENTO, Daniel. O crucifixo nos
tribunais e a Laicidade do Estado. In: Revista Eletrônica PRPE, maio 2007.)
##Questiona-se: Quanto à colocação de símbolos religiosos em locais públicos, como os crucifixos
colocados nos Tribunais do Júri e em escolas públicas, isso viola o dever de neutralidade do Estado?
O CNJ entendeu que não viola o dever de neutralidade do Estado, pois os crucifixos são símbolos
da cultura brasileira (mais do que símbolos religiosos).
Segundo Ronald Dworkin, “Em uma sociedade secular tolerante o Estado não deve estar oficialmente
comprometido com o ateísmo nem com qualquer religião. Não deve tolerar qualquer referência ou insinuação
religiosa ou antirreligiosa em cerimônias oficiais ou em declarações políticas. [...] Não deve considerar
ilegal símbolos religiosos, mas também não deve instalar ou permitir que se instale tais símbolos em
qualquer propriedade pública” (Ronald Dworkin. Is democracy possible here?: principles for a new
political debate). Essa posição de Dworkin é também compartilhada por Marcelo Novelino.
A correta leitura da laicidade deve compreendê-la como uma garantia da liberdade religiosa, e não
como um princípio que a ela se oponha. Neste sentido, é incompatível com o sistema constitucional
brasileiro certa visão que se mostra refratária à manifestação pública da religiosidade pelos indivíduos e
grupos que compõem a Nação, e que busca valer-se do Estado para diminuir a importância da religião na
esfera social. Por isso, seria constitucionalmente inadmissível a aplicação no Brasil de medidas adotadas em
nome da laicidade por países como a França e a Turquia - que, em nome deste princípio, restringiram certas
manifestações religiosas dos seus cidadãos em espaços públicos, com destaque para a proibição do uso do
véu islâmico por jovens muçulmanas em escolas públicas. (SARMENTO, Daniel. O crucifixo nos tribunais e
a Laicidade do Estado. In: Revista Eletrônica PRPE, maio 2007.)
Perceba, portanto, que tal ensino deverá obrigatoriamente existir nas escolas públicas, em que pese,
conforme a dispõe a CF/88, com a matrícula facultativa, em respeito à liberdade religiosa que significa,
inclusive a liberdade de não professar nenhuma religião.
Em relação ao conteúdo a ser ministrado, o ensino religioso poderá ser de três espécies:
1) confessional: quando transmite os princípios e dogmas de uma determinada religião;
3) não confessional, quando voltado a uma visão expositiva das diversas religiões.
Cumpre registrar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Lei 9.394/96) que afirmava que o
ensino religioso seria oferecido nas escolas públicas em caráter confessional ou interconfessional. Todavia,
com a alteração legislativa trazida pela Lei 9.475/97, ficou estabelecido que os conteúdos do ensino
religioso serão definidos após os sistemas de ensino ouvirem a entidade civil, constituída pelas diferentes
denominações religiosas, consoante dispõe o §2º do art. 33 da LDB, , devendo ser assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil e vedadas quaisquer formas de proselitismo, tal como consta no
caput do art. 33 da LDB, ou seja, de expressões de caráter dogmático que propiciem em discriminação social,
cultural ou religiosa e que ameacem a igualdade e o reconhecimento entre as religiões. Vejamos o teor do art.
33 da LDB:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do
cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,
assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)
155
(TJSC-2015-FCC): É inconstitucional lei que proíba o ensino religioso como disciplina a ser ministrada nos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental. BL: art. 210, §1º, CF.
(MPRS-2014): Considere a seguinte afirmação sobre Direitos Fundamentais: Uma das posições jusfundamentais que
decorre do regime constitucional da liberdade religiosa é o direito subjetivo ao ensino religioso em escola pública de
ensino fundamental. BL: art. 210, §1º, CF.
(DPERR-2013-CESPE): O ensino religioso deve existir obrigatoriamente nas escolas públicas de ensino fundamental,
sem que tal circunstância caracterize afronta à liberdade de crença. BL: art. 210, §1º, CF.
1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do
ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. (Incluído pela Lei
nº 9.475, de 22.7.1997)
2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações
religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (Incluído pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)
Nesse ponto, é importante destacar que o STF julgou improcedente o pedido para conferir
interpretação conforme a dispositivos da LDB e do acordo Brasil-Santa Sé, com a finalidade de somente o
modelo não confessional de ensino religioso fosse considerado compatível com o princípio da laicidade do
Estado.
##Atenção: ##DOD: Assim, a partir da conjugação do binômio Laicidade do Estado (art. 19, I) e
Liberdade religiosa (art. 5º, VI), o STF entendeu que o Estado deverá assegurar o cumprimento do art. 210,
§ 1º da CF/88, autorizando na rede pública, em igualdade de condições, o oferecimento de ensino
confessional das diversas crenças, mediante requisitos formais previamente fixados pelo Ministério da
Educação. Assim, deve ser permitido aos alunos, que expressa e voluntariamente se matricularem, o pleno
exercício de seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, ministrada de acordo com os princípios de sua confissão religiosa, por
integrantes da mesma, devidamente credenciados a partir de chamamento público e, preferencialmente, sem
qualquer ônus para o Poder Público. Em outras palavras, se a igreja católica ou uma igreja evangélica quiser
oferecer ensino religioso confessional cristão, ministrado por um padre ou pastor vinculado à Igreja, ela
pode. Se uma mesquita islâmica também assim desejar, igualmente pode. Se o representante de uma religião
de matriz africana quiser oferecer as aulas, isso deverá ser permitido e assim por diante. O STF entendeu,
portanto, que a CF/88 não proíbe que sejam oferecidas aulas de uma religião específica, que ensine os
156
(MPGO-2019): Segundo jurisprudência recente do STF, o ensino religioso nas escolas públicas de ensino
fundamental, que constituirá disciplina dos horários normais, poderá ter natureza confessional, na medida que sua
matrícula é facultativa nos termos do artigo 210, § 1°, da CF/88. BL: Info 879, STF.
(DPESP-2019-FCC): O art. 19, I, CF/88, proíbe que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios estabeleçam cultos
religiosos ou igrejas, que os subvencionem ou mantenham com eles relação de dependência ou aliança. Ao mesmo
tempo, a CF/88 garante a liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI), bem como assegura que ninguém pode ser
privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (art. 5º , VIII). Tais normas
compõem o que se denomina de Estado Laico. Sobre a laicidade estatal, no julgamento da ADI 4439, entendeu-se que o
ensino religioso nas escolas públicas não viola a laicidade estatal sob o argumento, dentre outros, de que seria de
matrícula facultativa, podendo ser até mesmo confessional, pois a laicidade estatal tem significado de “neutralidade” e
não de “oposição” ou “beligerância” às religiões. BL: Info 879, STF.
(MPBA-2018): Sobre os direitos fundamentais em espécie positivados na Constituição Federal, tal qual interpretados
pelo STF, responda: O ensino religioso em escolas públicas pode ter natureza confessional, não havendo que se falar em
violação à cláusula da laicidade do Estado e ao direito fundamental à liberdade religiosa. BL: Info 879, STF.
dogmas ou valores daquela religião. Não há qualquer problema nisso, desde que se garanta oportunidade
a todas as doutrinas religiosas. O ensino religioso é, então, encarado da seguinte forma: o Estado
disponibiliza a estrutura física das escolas públicas, assim como já acontece com alguns hospitais e presídios,
para que seja usada para que a religião que assim desejar possa fazer a livre disseminação de suas crenças e
ideais para aqueles alunos que professam da mesma fé e que voluntariamente queriam cursar a disciplina. E
não se trata de permitir proselitismo religioso, que tem por objetivo a conversão de determinada pessoa para
que adira a uma religião, pois o requisito constitucional primordial é a matrícula facultativa do aluno que já
professa a crença objeto da disciplina.
Por seu turno, também merece algumas considerações em relação ao ensino religioso das escolas
particulares. Nessa situação, deve-se admitir o ensino religioso confessional, sendo descabido impor a
instituições privadas com determinada orientação confessional que ministre princípios de outras religiões.
Quanto ao ensino religioso nas escolas particulares, Bernardo Gonçalves entende que “pode ser
confessional, interconfessional ou não confessional, à luz da linha a ser delimitada pela própria escola, porém a
matrícula, como nas escolas públicas, também deve ser facultativa.” 157 Nesse ponto, vejamos o seguinte julgado do
STF:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 6.584/94 DO ESTADO DA
BAHIA. ADOÇÃO DE MATERIAL ESCOLAR E LIVROS DIDÁTICOS PELOS
ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO. SERVIÇO PÚBLICO. VÍCIO FORMAL.
INEXISTÊNCIA. 1. Os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados
por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser prestados pelo setor
privado independentemente de concessão, permissão ou autorização. 2. Tratando-se de serviço
público, incumbe às entidades educacionais particulares, na sua prestação, rigorosamente acatar as
normas gerais de educação nacional e as dispostas pelo Estado-membro, no exercício de competência
legislativa suplementar (§2º do ar. 24 da Constituição do Brasil). 3. Pedido de declaração de
inconstitucionalidade julgado improcedente. (ADI 1266, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno,
julgado em 06/04/2005).
Nesse ponto, pontua Marcelo Novelino que “em se tratando de escolas particulares, a obrigatoriedade de
matrícula no ensino religioso somente se revela compatível com o princípio da liberdade religiosa (CF, arts. 5º, VI), se a
instituição não receber recursos públicos (CF, art. 213), e se houver outra entidade educacional na localidade”. 158
157
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Salvador. JusPODIVM, 2017, p. 447.
158
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 14ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 407.
sucede quando autoridades públicas impedem que os cidadãos manifestem, pacificamente, sem armas, em
passeatas, marchas ou encontros realizados em espaços públicos, as suas idéias e a sua pessoal visão de
mundo, para, desse modo, propor soluções, expressar o seu pensamento, exercer o direito de petição e,
mediante atos de proselitismo, conquistar novos adeptos e seguidores para a causa que defendem. (...)
(STF. Plenário. ADPF 187, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15/06/2011).
Cumpre registrar que o direito de reunião protege não apenas a pretensão de estar com outras
pessoas, como também de convocar, preparar e organizar uma manifestação.
Tal direito fundamental tem, por um lado, uma dimensão negativa, consubstanciada no dever de não
interferência do Estado em seu exercício; por outro, uma dimensão positiva, presente no dever do Estado
de "proteger os manifestantes, assegurando os meios necessários para que o direito à reunião seja fruído
regularmente. Essa proteção deve ser exercida também em face de grupos opositores ao que se reúne, para
prevenir que perturbem a manifestação" (MENDES et alii, 2007).161
Vale ressaltar que a CF/88 protege, prima facie, o exercício desse direito fundamental,
independentemente do local em que se realize (reservado ou aberto ao público) ou de qualquer autorização
dos poderes públicos (art. 5º, XVI, CF).
2.4.3.2. Restrições
O art. 5º, XVI da CF, que consagra a liberdade de reunião, encontra-se duas espécies de restrições
estabelecidas com a estrutura de regra:
1ª restrição (de índole material): Compreende na exigência de que a reunião seja pacífica e sem
armas;
159
(DPEMG-2019): A respeito dos direitos e garantias individuais e coletivas, assinale a alternativa correta: No exercício
da “interpretação conforme à Constituição”, a declaração de constitucionalidade pelo STF de manifestações em eventos
públicos para a descriminalização de determinado tipo penal confere eficácia aos direitos fundamentais de liberdade de
expressão (direito-fim) e de reunião (direito-meio).
(MPRR-2017-CESPE): Considerando que a liberdade de expressão é uma importante garantia fundamental protegida
pela CF em seu artigo 5.º, inciso IV, julgue o item a seguir: Segundo entendimento do STF, a CF permite a manifestação
pública pela descriminalização de determinados tipos penais sem que se configure apologia ao crime.
(PGM-BH/MG-2017-CESPE): À luz do entendimento do STF, assinale a opção correta, a respeito dos direitos e
garantias fundamentais: O direito de reunião e o direito à livre expressão do pensamento legitimam a realização de
passeatas em favor da descriminalização de determinada droga.
(DPEPB-2014-FCC): Em relação aos eventos públicos de defesa da legalização ou descriminalização do uso de drogas,
o STF decidiu que são admitidos, uma vez que correspondem ao exercício dos direitos de reunião e de manifestação de
pensamento.
160
(DPERN-2015-CESPE): Com referência aos direitos fundamentais em espécie, assinale a opção correta com base no
entendimento do STF acerca desse tópico: Salvo quando envolver criança e(ou) adolescente, os direitos à reunião e à livre
manifestação do pensamento podem ser exercidos mesmo quando praticados para defender a legalização de drogas.
161
(DPEPR-2014-UFPR): No curso do ano passado, o Brasil vivenciou o ressurgimento das manifestações de rua em
diversas cidades do país, cujo ápice se deu em 13 de junho de 2013. Tais manifestações colocaram em evidência a
necessidade de aprofundar o tratamento jurídico que deve ser conferido ao tema, especialmente para estabelecer a
natureza, o sentido e o alcance do direito de reunião, bem como dirimir eventuais conflitos deste com outros direitos
humanos. Diante disso, é correto afirmar: O sentido de fundamentalidade de que se reveste essa liberdade pública
permite afirmar que seu exercício mostra-se essencial para a propagação das reivindicações das minorias, ainda que
impopulares.
2ª restrição (de índole formal): Consiste na observância da precedência na escolha do local e na
exigência de prévio aviso à autoridade competente.
Igualmente se constitui em uma restrição diretamente estabelecida pela CF/88, mesmo que
consagrada em outro dispositivo, a possibilidade de suspensão desta liberdade durante a vigência de estado
de sítio, nos termos do art. 139, VI da Lei Maior:
Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser
tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...)
IV - suspensão da liberdade de reunião;
Cumpre destacar que o princípio da liberdade de reunião poderá ser restringido no caso de
decretação do estado de defesa, pelo Presidente da República, para preservar ou prontamente restabelecer,
em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente
instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. Nessa situação,
o decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem
abrangidas e indicará as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as quais está elencada a restrição ao direito
de reunião, ainda que exercida no seio das associações. É o que consta no art. 136, § 1.º, I, "a" da CF/88:
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa
Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e
determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional
ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as
áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre
as seguintes:
I - restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; (...)
Ademais, ao lado das hipóteses referidas, outras restrições poderão ser impostas, de acordo com as
circunstâncias fáticas e jurídicas do casei concreto, por princípios de hierarquia constitucional, como, por
exemplo, a liberdade de locomoção (art. 5º, XV, CF), no caso de reuniões que inviabilizem o tráfego em
determinadas vias; ou, ainda, o direito à saúde (art. 6 º, CF), no caso de manifestações realizadas nas
proximidades de hospitais ou casas de repouso.
2.4.4.2. Restrições
O dispositivo que consagra a liberdade de associação estabelece, como restrição expressa ao âmbito de
proteção deste direito, a vedação de associações para fins ilícitos e de caráter paramilitar (art. 5º, XVII).
O direito à propriedade é garantido pela Constituição, mas não é um direito absoluto. É garantido
apenas “prima facie”, ou seja, é garantido provisoriamente, podendo ser afastado caso outro direito de peso
maior justifique a restrição. Este entendimento é adotado pelo STF.
162
(MPMS-2015): Sobre o direito de associação é correto afirmar que: Possui base contratual. BL: art. 5º, XX, CF.
##Atenção: Trata-se de base contratual, pois ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado (art.
5º XX, CF), ou seja, a adesão a uma associação precisa da minha vontade (de querer associar-se) e da vontade da
Associação (em me aceitar como associado). Um acordo de vontades entre duas partes com um objetivo específico é um
contrato. Por isso, fala-se que a associação possui base contratual. Isso fica nítido ao entrarmos em uma associação, pois
você deverá respeitar as regras dela, tendo direitos e deveres (cláusulas contratuais).
163
Fonte: https://www.conjur.com.br/2014-jul-03/andre-camargo-aspectos-gerais-liberdade-associacao-brasil
Exemplo: Se a função social da propriedade não está sendo cumprida, a garantia ao direito de
propriedade pode sofrer restrições.
Vejamos o seguinte precedente do STF:
STF – MS 25.284: O direito de propriedade não se revela absoluto. Está relativizado pela Carta da
República – arts. 5º, XXII, XXIII e XXIV, e 184.164
b) Conceito de propriedade
Para Gilmar Mendes, em que pese o conceito de propriedade integre a definição constante da
legislação civil, é certo que a garantia constitucional da propriedade abrange não só os bens móveis ou
imóveis, mas também outros valores patrimoniais.
Todavia, não é uma impenhorabilidade absoluta da pequena propriedade rural. Ela é impenhorável
para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva. E mais: a impenhorabilidade é
assegurada, desde que a propriedade seja trabalhada pela família.
2.5.2. Restrições
A Constituição Federal prevê as seguintes restrições a este direito:
Função social da propriedade;
Desapropriação (desapropriação-sanção);
Requisição;
Expropriação-sanção;
Confisco;
Usucapião.
Há um conflito aparente entre este os incisos XXII (“é garantido o direito de propriedade”) e XXIII (“a
propriedade atenderá a sua função social”). Sobre a função social há uma divergência doutrinária, a qual
consiste em considerá-la como elemento ou restrição ao direito de propriedade:
Elemento: Segundo José Afonso da Silva, a função social é um elemento do direito de propriedade.
Segundo ele, a função social integra o direito de propriedade, não se tratando de uma mera
restrição. Portanto, o direito de propriedade só é garantido pela Constituição se a propriedade
atender a sua função social.
164
(MPMG-2018): Com matriz constitucional, em relação à função social da propriedade no sistema codificado, é de se
afirmar: A inexistência de direito absoluto e intangível. BL: art. 5º, XXIII, CF e Entend. Jurisprud.
##Atenção: ##STF: ##TRF1-2009: ##CESPE: ##MPPB-2011: ##TJRO-2019: ##VUNESP: É correto afirmar que a
propriedade, sob o viés da função social, passa a ter sentido jurídico quando submetida a valores sociais baseados em
uma ordem pública fundada em princípios que preservam o seu exercício (a propriedade), porém, SEM caráter absoluto.
165
(TJSC-2013): A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto
de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de
financiar o seu desenvolvimento. BL: art. 5º, XXVI, CF/88.
Restrição: Segundo Daniel Sarmento, a função social não é um elemento do direito de propriedade,
mas sim uma restrição. Em outras palavras, mesmo que a propriedade não cumpra sua função
social, ainda assim esse direito é garantido pela Constituição.
Exemplo: O STF considera ilegítimas as invasões de terras pelo MST, ainda que a pretexto de
promover a reforma agrária. Sendo assim, mesmo não cumprindo a função social este direito está
protegido pela Constituição.
O plano diretor é obrigatório para os Municípios com mais de 20 mil habitantes. 166
Tratando-se da função social da propriedade rural, expressa a CF/88 que ela é cumprida quando
atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei (norma de eficácia
limitada, pois depende da lei estabelecendo os critérios e graus de exigência), aos seguintes requisitos: (i)
aproveitamento racional e adequado; (ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente; (iii) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; (iv)
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Vejamos o teor do art. 186, CF:
CF, art. 186: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,
segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 167
166
(MPSC-2016): Quanto à política urbana, dispôs a Constituição Federal que o instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana é o plano diretor, que será obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes. BL: art. 182, §1º, C.
(TJPA-2012-CESPE): Considerando que o município A, com 30.000 habitantes e sem plano diretor, decida utilizar
instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade ao detectar que diversos imóveis localizados em seu
perímetro urbano não são utilizados, o que configura claro desrespeito à função social de propriedade, neste caso o
referido município deverá elaborar plano diretor. BL: art. 182, §4º, CF.
167
(TJPI-2015-FCC): José é proprietário de um imóvel rural situado no interior do Estado do Piauí, no qual explora, com
sucesso econômico, a pecuária de corte extensiva. A propriedade possui reserva legal e áreas de preservação
permanente. Possui trinta funcionários regulares, que, todavia, são submetidos a uma intensa e contínua exposição ao
sol, o que tem provocado sérios problemas de saúde. Neste cenário, segundo a Constituição Federal, a propriedade rural
em questão não cumpre com sua função social, diante da existência de condição que não favorece o bem-estar de seus
trabalhadores. BL: art. 186, IV da CF
edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; 168
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente
aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.169
##Obs.1: Perceba que, segundo o STF, mesmo quando a propriedade não cumpre a sua função
social, ele está garantido pela CF, ainda que prima facie. O proprietário está protegido pelo direito, não
podendo ser retirada a propriedade de forma arbitrária, fazendo-se necessário o devido processo legal.
Ainda que demonstrado o descumprimento, o proprietário deverá ser indenizado caso lhe seja tomada a
propriedade, a diferença é que a indenização será paga em títulos da dívida pública e não em dinheiro.
##Obs.2: Quando a propriedade cumpre sua função social, a indenização será sempre em dinheiro
em caso de desapropriação.
##Obs.: Se o imóvel rural estiver cumprindo sua função social, ele não pode ser desapropriado na
forma aqui prevista.
b) Desapropriação e requisição
A desapropriação e a requisição estão previstas, respectivamente, nos incisos XXIV e XXV do art. 5º da
CF/88:
168
(TJSP-2017-VUNESP): O princípio da função social da propriedade tem incidência no âmbito do direito tributário,
uma vez que pressupõe manifestação de riqueza e se liga à ideia de justiça distributiva. BL: art. 182, §4º, CF.
(TJPI-2007-CESPE): O IPTU pode ser progressivo no tempo, sendo essa uma das formas de apenação em caso de
descumprimento de exigência pelo poder público municipal de adequado aproveitamento de solo urbano não-edificado,
subutilizado ou não-utilizado. BL: art. 182, §4º, II, CF.
169
(MPMG-2013): A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXV, nº1, diz: “Toda pessoa tem direito a
um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”. Expressamente, a Constituição da República Federativa do
Brasil, em seu artigo 6º, por introdução da Emenda Constitucional nº 26, prevê a moradia como direito social, no mesmo
patamar da educação, da saúde, do trabalho, do lazer, da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e
à infância e da assistência aos desamparados. Com base no ordenamento constitucional brasileiro, pode-se afirmar Pelo
ordenamento constitucional brasileiro, a propriedade é um direito fundamental, mas não possui um caráter absoluto,
pois deve cumprir uma função social, que se dá, entre outras formas, pelo atendimento das exigências fundamentais de
ordenamento das cidades, expressadas nos planos diretores, podendo estes estabelecerem áreas para que o Poder
Público municipal, mediante lei específica, exija do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, que promova o seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de parcelamento ou edificação
compulsórios, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e desapropriação com
pagamento mediante títulos da dívida pública. BL: art. 182, §4º, CF.
170
(TJRJ-2014-VUNESP): A desapropriação por interesse social do imóvel rural que não cumpra sua função social
importa prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, e as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em
dinheiro. BL: art. 184, caput e §1º da CF/88.
Desapropriação → CF, art. 5º, XXIV: a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em
dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição [desapropriação-sanção].
Requisição → CF, art. 5º, XXV: no caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver
dano. 171
c) Expropriação-sanção e confisco
A expropriação-sanção e o confisco estão previstos no art. 243, caput e § único, da CF:
Expropriação-sanção → CF, art. 243, “caput”: As propriedades rurais e urbanas de qualquer
região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de
trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas
de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
171
(MPPR-2016): A requisição administrativa, como forma de intervenção temporária na propriedade, encontra previsão
no capítulo referente aos direitos e deveres individuais e coletivos da CF/1988, que estabelece que no caso de iminente
perigo público a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização
ulterior, se houver dano. BL: art. 5º, XXV, CF.
(TJSP-2013-VUNESP): A atuação do Estado, no exercício do poder de polícia, provocando danos na coisa, com objetivo
de remover perigo iminente, sem que o dono da coisa seja culpado do perigo, constitui ato lícito. Entretanto, o ato enseja
a responsabilidade civil do Estado para reparar o dano causado. BL: art. 5º, XXV, CF.
172
(TJMG-2018-Consulplan): Na requisição o Estado utiliza bens móveis, imóveis e serviços particulares em situação de
perigo público iminente. BL: art. 5º, XXV, CF.
173
(TJGO-2012-FCC): Relativamente à desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, são isentas de
impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma
agrária. BL: art. 184, §5º, CF/88.
##Obs.: A diferença entre a expropriação-sanção e a desapropriação-sanção é que a desapropriação-
sanção sempre enseja indenização (ainda que não seja em dinheiro), ao passo que a expropriação-sanção se
dá sem qualquer tipo de indenização ao proprietário.
Confisco → Art. 243, Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido
em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho
escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.
##Obs.: A expropriação irá recair sobre a totalidade do imóvel, ainda que o cultivo ilegal ou a
utilização de trabalho escravo tenham ocorrido em apenas parte dele. Nesse sentido: STF. Plenário. RE
543974, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 26/03/2009.
##Questiona-se: É necessário algum requisito para que haja o confisco de bens ou o bem será
confiscado desde que relacionado ao tráfico ilícito de entorpecentes e ao trabalho escravo?
Não, o confisco independe de quaisquer requisitos além dos previstos no art. 243 da CF, bastando a
demonstração de que está relacionado à exploração de trabalho escravo ou tráfico de drogas. Vejamos o
seguinte precedente do STF:
STF – RE 638.491/PR: É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido
em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração
do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do
acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente
no art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal (CF). (g.n.)
Assim, o proprietário pode afastar sua responsabilidade demonstrando que não incorreu em culpa.
Ele pode provar, por exemplo, que foi esbulhado ou até enganado pelo possuidor ou pelo detentor.
##Atenção: Exploração de trabalho escravo: Esta parte foi introduzida pela EC n. 81/2014. Trata-se de
norma não autoaplicável: “…ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei…” (de eficácia limitada).
Não havendo lei regulamentadora, não pode ocorrer a expropriação-sanção no caso do trabalho escravo.
##Atenção: Não é aplicável isso no caso de cultivo de plantas psicotrópicas, cuja norma é autoaplicável.
d) Usucapião
A CF/88 possui uma hipótese de usucapião especial, diferente da prevista no Código Civil. Vejamos
seus requisitos:
GARANTIAS INDIVIDUAIS
Grande parte das garantias consagradas no art. 5º da CF ou são de natureza penal ou de natureza
processual (que serão estudadas em outras disciplinas). Por isso, só trataremos das garantias relacionadas à
Segurança Jurídica (legalidade e não retroatividade das leis) e as Ações Constitucionais (especificamente o
habeas data – o HC será estudado em processo penal, MS em processo civil e o Mandado de Injunção já foi
estudado na parte de controle de constitucionalidade).
Finalidade: Garantias são instrumentos de proteção e efetividade dos direitos. Muitas vezes a linha
divisória não é muito nítida. Ex.: o dispositivo que consagra o HC tem, ao mesmo tempo, um direito
(liberdade de locomoção) e a garantia desse direito (próprio HC).
CF, art. 5º, LXVIII: conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado
de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
##Obs.: Ainda sobre a diferença entre direitos e garantias, cabe destacar que um dos primeiros
estudiosos a enfrentar esse tormentoso tema foi Rui Barbosa, que, analisando a Constituição de 1891,
distinguiu "as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos
reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder.
Aquelas instituem os direitos, estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou
legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito”. Assim, os direitos são bens e vantagens prescritos na
norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício
dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados. (Rui Barbosa, República:
teoria e prática).175
Objetivo: Esse princípio tem como principal objetivo limitar o poder do Estado, evitando que ele
adote medidas arbitrárias e ações violadoras de direitos fundamentais. Para isso, a Constituição confere ao
Parlamento (órgão máximo de representatividade popular) a função de estabelecer as leis restritivas de
direitos fundamentais.
Todavia, quando a CF/88 preceitua no inciso II “em virtude de lei”, esta deve ser interpretada em
sentido amplo, nos termos do art. 59 da CF: atos emanados do Parlamento e atos que tenham o conteúdo
geral e abstrato (conteúdo das leis). Portanto, não são apenas leis complementares ou ordinárias que
podem impor obrigações e deveres. Na verdade, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão
em função de um ato normativo geral e abstrato, cujo fundamento de validade seja a Constituição.
Desse modo, desde que sejam respeitados os denominados limites formais e materiais com fulcro na
Constituição, tais espécies normativas adstritas ao art. 59 da CF poderão criar direitos e deveres. Em outras
palavras, observadas as limitações as limitações materiais e formais, a imposição direitos e deveres poderá
ser veiculada por todos os atos normativos primários elencados no art. 59 da CF, a saber: a emendas
constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos
legislativos e resoluções.178
176
(Assist. Téc./UFPB-2017-CPCON): O princípio da legalidade, em síntese, afirma que só é permitido ao Estado fazer
determinações aos indivíduos se houver alguma norma jurídica anterior ao fato que possa espelhar essa ordem estatal.
Assim, caso um agente do Estado queira impor mandamentos ao indivíduo sem esse amparo normativo, o ato será
considerado ilegal, já que a regra é a plena liberdade individual (livre iniciativa), só limitada ou retirada se houver
norma prescrevendo um fazer ou deixar de fazer algo pelo Estado.
OBS: Para Hely Lopes Meirelles, “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a
lei autoriza”.
177
(MPDFT-2009): Sobre direitos fundamentais, julgue o seguinte item: O princípio da legalidade significa dizer que
ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei. BL: art. 5º, II, CF.
178
(TJSP-2018-VUNESP): O princípio da legalidade, já incorporado ao direito pátrio pelas Cartas anteriores, foi mantido
pelo artigo 5°, II, da atual Constituição. Sobre o tema, é possível afirmar que o conceito de legalidade não corresponde
exclusivamente à lei em sentido formal, mas abrange também os preceitos normativos da própria Constituição e aqueles
editados com base nela, como as emendas constitucionais, as leis complementares, as leis delegadas e as medidas
provisórias. BL: art. 5º, II e art. 59 da CF.
##Atenção: ##TJDFT-2008: ##MPDFT-2009: ##AGU-2009: ##CESPE: ##MPRS-2014: O princípio da legalidade possui
uma abrangência mais ampla que o princípio da reserva legal. Enquanto o princípio da legalidade consiste na
submissão a todas as espécies normativas elaboradas em conformidade com o processo legislativo constitucional (leis
em sentido amplo), o princípio da reserva legal incide apenas sobre campos materiais específicos, submetidos
exclusivamente ao tratamento do Poder Legislativo (leis em sentido estrito). Quando a exige a regulamentação
integral de sua norma por lei em sentido formal (ato emanado do Poder Legislativo e elaborado de acordo com o
devido processo legislativo), trata-se de reserva legal absoluta; se, apesar de exigir a edição desta espécie de lei,
permite que ela apenas fixe os parâmetros de atuação a serem complementados por ato infralegal (por óbvio,
respeitados os limites estabelecidos pela legislação), trata-se de reserva legal relativa. Portanto, conclui-se a reserva
legal possui abrangência menor que o princípio da legalidade. Isso porque a reserva legal apenas exige que haja lei
exigindo determinados comportamentos, enquanto a legalidade orienta a criação de princípios e regras que irão
Restrições: Existem na Constituição duas restrições expressas ao princípio da legalidade: estado de
defesa (art. 136, CF) e estado de sítio (art. 137, CF). Durante esses estados de legalidade extraordinária, é
possível que sejam impostos determinados deveres, mesmo que não haja previsão na lei. Portanto, atos do
executivo podem ser elaborados, impondo determinados deveres (em razão da gravidade da situação).
Princípio da Legalidade X Reserva Legal: Não confundir o Princípio da Legalidade com o Princípio
da Reserva Legal.
O Princípio da Reserva Legal incide sobre campos materiais específicos, constitucionalmente
submetidos a tratamento exclusivo pelo Poder Legislativo (em outras palavras, exige-se lei em sentido
estrito – ordinárias e complementares). Ex.: normas gerais de direito tributário. Na doutrina, faz-se a
diferença entre reserva legal absoluta e reserva legal relativa.
Reserva Legal Absoluta: A Constituição exige a regulamentação integral de sua norma por lei em
sentido formal. O tratamento da matéria tem que ser integralmente feito por lei em sentido formal.
Não é possível que uma matéria submetida à reserva legal absoluta seja, por exemplo,
regulamentada parte por lei e parte por decreto.
Reserva Legal Relativa: Exige-se a edição de lei em sentido formal, mas permite-se que esta lei
apenas fixe os parâmetros de atuação a serem complementados por ato infralegal. A lei fixará
apenas os parâmetros de atuação do executivo.
Reserva legal qualificada: As condições para a restrição vêm fixadas na Constituição, que
estabelece os fins a serem perseguidos e/ou os meios a serem utilizados.180 Ex.: art. 5º, XII, CF/88:
embasar todo o ordenamento jurídico.
(MPPR-2016): Assinale a alternativa correta: O art. 5, inc. II, da CF expressa a ideia de que somente a lei pode criar
regras jurídicas (Rechtsgesetze), no sentido de interferir na esfera jurídica dos indivíduos de forma inovadora, sendo
inegável nesse sentido o conteúdo material da expressão em virtude de lei presente na Constituição de 1988. BL: art.
5º, II, CF.
179
(MPRS-2014): Considere a seguinte afirmação sobre Direitos Fundamentais: A liberdade de crença apresenta-se na
Constituição Federal como direito individual sem reserva legal expressa, ao passo que a proteção aos locais de culto e as
suas liturgias submete-se ao regime da reserva legal simples. BL: art. 5º, II e VI, CF.
180
(MPRS-2021): Em relação à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, assinale a alternativa correta: Direitos
fundamentais submetidos à reserva legal qualificada são aqueles previstos em normas constitucionais que prescrevem
expressamente a possibilidade de limitação do conteúdo normativo do direito por meio de lei, porém estatuindo
pressupostos ou condições a serem atendidos pelo legislador na lei limitadora.
#Atenção: 2.2. Direitos fundamentais submetidos a reserva legal qualificada - Segundo Canotilho e Moreira, nos casos de
direitos fundamentais submetidos a reserva legal qualificada, ‘a Constituição remete para a lei apenas a delimitação de um
aspecto específico do âmbito de um determinado direito fundamental, cabendo então à lei executar essa delimitação. (SILVA,
Virgílio Afonso. Os direitos fundamentais e a lei: a constituição brasileira tem um sistema de reserva legal? In:
Cláudio Pereira de Souza Neto / Daniel Sarmento / Gustavo Binenbojm (orgs.). Vinte anos da Constituição Federal
de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009: 605-618).
(MPPR-2017): Assinale a alternativa correta: A reserva qualificada de lei ocorre quando a norma constitucional exige
que a restrição de determinado direito fundamental somente se perfaça por meio de lei em sentido formal, atrelando a
limitação a fins a serem necessariamente perseguidos ou os meios a serem compulsoriamente adotados pelo legislador e
pelo administrador.
#Atenção: #MPDFT-2009: #PCGO-2013: #TJDFT-2016: #PGEMS-2016: #MPRS-2021: #CESPE: #UEG: Quanto à
intervenção do legislador no âmbito de proteção dos direitos fundamentais, o princípio da reserva legal costuma ser
classificado em dois grupos:
a) Reserva legal simples: Ela se distingue por autorizar o legislador a intervir no âmbito de proteção de um direito
fundamental sem estabelecer pressupostos e/ou objetivos específicos a serem observados, implicando, portanto, a
CF, art. 5º, XII: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
STF - AC 2.695 MC/RS: “[...] Mais expressiva, ainda, é a norma contida no § 1º desse artigo
[art. 220, que trata da liberdade de imprensa] ao subordinar, expressamente, o exercício da liberdade
jornalística à ‘observância do disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV’. Temos aqui verdadeira
‘reserva legal qualificada’, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com
vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos de
personalidade em geral.
1.2. Princípio da não retroatividade das leis (ou irretroatividade das leis)
Finalidade: Tal princípio visa resguardar a incolumidade de situações definitivamente
consolidadas, de modo a preservar a segurança jurídica. Por isso, muitos extraem desse dispositivo a
própria segurança jurídica (art. 5º, caput e inciso XXXVI).
##Atenção: A única Constituição brasileira até hoje que não consagrou esse princípio foi a
Constituição de 1937.
Previsão: Atualmente, o princípio está consagrado no art. 5º, XXXVI da CF/88 e no art. 6º da LINDB,
vejamos:
atribuição de uma competência mais ampla de restrição. Ex.: art. 5°, LVIII, CF/88.
b) Reserva legal qualificada: É aquela em que as condições para a restrição vêm fixadas na Constituição, que
estabelece os fins a serem perseguidos e os meios a serem utilizados. Ex.: art. 5°, XII, CF/88.
181
(TJGO-2015-FCC): A Lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB, estabelece, em seu art. 8o , inciso IV e § 1o , que, “para inscrição como advogado é necessário” haver “aprovação
em Exame de Ordem”, “regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB”. A exigência em questão é
constitucional, por ser compatível tanto com a exigência de lei para o estabelecimento de condições para o exercício
profissional, como com a finalidade institucional do exercício da advocacia como função essencial à Justiça. BL: art. 5º,
XIII, CF.
(TJPR-2012-UFPR): O art. 5º, XIII da CF, que assegura a liberdade de “exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, constitui norma de eficácia contida, passível de
ser restringida pelo legislador, como no caso da restrição imposta pela exigência de aprovação do exame da OAB para o
exercício da profissão de advogado.
##Atenção: Além disso, é dotada de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, passível de ser restringida pelo
legislador, como no caso da restrição imposta pela exigência de aprovação do exame da OAB para o exercício da
profissão de advogado.
182
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPF-2013.
CF, art. 5º, XXXVI: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;
LINIDB, art. 6º: A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada.183
Exemplo: Leis penais benéficas ao réu (previsão na própria Constituição); leis interpretativas
(consideradas contemporâneas à própria lei interpretada). Mesmo nesses casos, as situações jurídicas
definitivamente consolidadas e os direitos subjetivos definitivamente constituídos não poderão ser
alterados.
Vejamos o seguinte precedente do STF:
STF – ADI 605 MC/DF: “O princípio da irretroatividade ‘somente’ condiciona a atividade
jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do
Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao status libertatis da pessoa (CF,
art. 5.º, XL), (b) ao status subjectionais do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, “a”) e (c)
a ‘segurança’ jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5.º, XXXVI), na medida em que a
retroprojeção normativa da lei ‘não’ gere e ‘nem’ produza os gravames referidos, nada impede que o
Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. As leis, em face do caráter prospectivo de
que se revestem, devem, ‘ordinariamente’, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional
brasileiro, contudo, ‘não’ assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da
irretroatividade. A questão da retroatividade das leis interpretativas.” (g.n.)
A jurisprudência do STF tem, ainda, algumas decisões importantes a respeito do direito adquirido:
1ª decisão:
Não cabe a alegação de direito adquirido contra a mudança de regime jurídico (RE
957.768 AgR/PB);
Exemplo: Um servidor público, regido pela Lei 8.112/90, que tem determinados direitos assegurados,
não pode dizer, caso haja mudança na lei, que o seu regime jurídico é o regime da lei anterior e que,
portanto, tem direito de manter seus benefícios. Outro exemplo são os extintos quinquênios. Os servidores
que já haviam incorporado aquele valor não tiveram a redução, mas, dali em diante, não puderam adquirir
novos quinquênios.
2ª decisão:
183
(TJRR-2015-FCC): Considere o seguinte texto: Conforme foi visto, em regra, uma lei só se revoga por outra. Dificilmente,
entretanto, se poderá traçar de imediato a linha divisória entre o império da lei antiga e o da lei nova que a tenha revogado ou
derrogado. Relações jurídicas existirão sempre, de tal natureza, que, entabuladas embora no regime do velho estatuto, continuarão a
surtir efeitos quando o diploma revogador já esteja em plena vigência. Outras, de acabamento apenas começado, terão sido
surpreendidas por nova orientação inaugurada pelo legislador. Por outro lado, tal pode ser o teor do estatuto novo, que as situações
que pretenda abranger mais parecerão corresponder ao império do diploma revogado. Ora, é exatamente a esse entrechoque dos
mandamentos da lei nova com os da lei antiga, que se denomina conflito das leis no tempo. (FRANÇA, R. Limongi. Manual de
Direito Civil. v. 1. p. 37. 4. ed. RT, 1980). A legislação brasileira sobre essas questões dispõe que a lei em vigor terá efeito
imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. BL: art. 6º, LINDB.
(MPGO-2014): A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada. Consideram-se adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles
cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. BL: art. 6º
da LINDB e art. 5º, XXXVI da CF/88.
A irredutibilidade de vencimentos é uma “modalidade qualificada” de direito adquirido (não
veda a redução de parcelas que componham os critérios legais de fixação, desde que não se diminua o
valor da remuneração na sua totalidade) (RE 364.317/RS);184
A lei não pode reduzir os vencimentos, mas isso não significa que ela não pode retirar benefícios
(como os quinquênios mencionados anteriormente), desde que o valor total da remuneração não seja
reduzido.
3ª decisão:
Súmula 654/STF: “A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art 5º, XXXVI, da
Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado”;
A irretroatividade é uma garantia colocada à disposição dos indivíduos contra o arbítrio do Estado.
Por isso, se o Poder Público editar a lei, ele não pode alegar a irretroatividade em seu benefício.
4ª decisão:
Súmula 473/STF: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que
os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
##Atenção: ##STF: ##MPGO-2019: Segundo Gilmar Mendes, reconhece-se como típico das
normas do poder constituinte originário serem elas dotadas de eficácia retroativa mínima, já que se
entende como próprio dessas normas atingir efeitos futuros de fatos passados. No entanto, no
184
(TJMG-2012-VUNESP): Com relação ao princípio do “direito adquirido”, o STF já consolidou o entendimento de que
a garantia constitucional de irredutibilidade de vencimentos dos servidores públicos é “modalidade qualificada” de
“direito adquirido”. BL: STF, RE 105.137.
185
(MPRR-2017-CESPE): O poder constituinte originário pode limitar os proventos de aposentadoria que sejam
percebidos em desacordo com a CF, não sendo oponível, nesse caso, a alegação de direito adquirido.
##Atenção: De acordo com o STF, não existe direito adquirido em face do poder constituinte originário, uma vez que
ele é inicial, juridicamente ilimitado, incondicionado, autônomo e permanente.
(PGMBH-2017-CESPE): Devido às características do poder constituinte originário, as normas de uma nova
Constituição prevalecem sobre o direito adquirido.
186
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPBA-2018.
187
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPGO-2019.
188
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPGO-2019.
entendimento atual do STF, os efeitos do ato praticado anteriormente que se exauriram antes da
nova norma constitucional não sofrem a influência da nova norma constitucional, a não ser que
esta seja expressa nesse sentido. Em outras palavras, as garantias do direito adquirido, do ato
jurídico perfeito e da coisa julgada não se dirigem ao constituinte originário quanto a situações
constituídas no passado que sejam destinadas a produzir efeitos ao longo do tempo; quanto a
situações ocorridas no passado que se exauriram, as garantias persistem, salvo disposição contrária
expressa no texto da nova Constituição. (Fonte: Curso de Direito Constitucional - Gilmar Mendes)
b) Retroatividade Média: É necessária previsão expressa. Alcança fatos que ocorreram no passado,
mas que estão pendentes de serem consumados.
Exemplo: uma prestação vencida e não paga.
Vejamos o seguinte precedente:
STF - RE 168.618/PR: “A Constituição tem eficácia imediata, alcançando os efeitos futuros de
fatos passados (retroatividade mínima). Para alcançar, porém, hipótese em que, no passado, não
havia foro especial que só foi outorgado quando o réu não mais era Prefeito - hipótese que
configura retroatividade média, por estar tramitando o processo penal -, seria mister que a
Constituição o determinasse expressamente, o que não ocorre no caso...”
Isso não significa que a irretroatividade seja uma garantia absoluta. No caso da não retroatividade,
excepcionalmente, ela poderá ser restringida para que um outro direito de peso maior possa prevalecer.
Ex.: Exame de DNA em investigação de paternidade. Em um caso no Distrito Federal, mesmo após a
existência do exame de DNA, houve pedido de investigação de paternidade, mas o DF não oferecia
gratuitamente esse exame, a mãe do menino não tinha como custear e não conseguiram provar a
paternidade. Posteriormente, o DF passou a custear e a mãe do menino entrou novamente com a ação,
quando se alegou coisa julgada. Contudo, o Min. Dias Toffoli entendeu que nesse caso se justificaria a
alteração da coisa julgada por terem direitos de peso maior em jogo.
##Questiona-se: O ato jurídico perfeito é oponível a leis de ordem pública (pergunta muito frequente
em provas no CESPE)?
Segundo o STF, a Constituição não faz qualquer distinção entre leis de ordem pública ou não.
Portanto, o ato jurídico perfeito pode sim ser invocado mesmo se tratando de lei de ordem pública.
Vejamos o seguinte precedente:
STF – RE 200.514/RS: “Esta Corte já firmou o entendimento (assim, entre outros precedentes, na
ADIN 493-0, de que fui relator) de que o princípio constitucional segundo o qual a lei nova não
prejudicará o ato jurídico (artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna) se aplica, também, às leis
infraconstitucionais de ordem pública.”
Coisa julgada: Qual tipo de coisa julgada está protegida pela Constituição?
Segundo o STF, a coisa julgada protegida é tanto a formal (efeitos endoprocessuais), quanto a
material (efeitos extraprocessuais). Contudo, a coisa julgada administrativa não está protegida por esse
dispositivo em análise (RE 144.996).
##Obs.: A Súmula 343 do STF não se aplica na hipótese de interpretação constitucional. Aqui, o
Supremo faz um distinguishing: a Súmula se aplica quando há divergência sobre a interpretação de lei
infraconstitucional, todavia, não quando há dúvida sobre a intepretação da Constituição. Vejamos:
Súmula 343/STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a
decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”
Inexigibilidade de título judicial no NCPC: São duas hipóteses em que o título judicial se torna
inexigível:
(i) quando o Supremo declara uma lei inconstitucional e o Título Executivo Judicial foi
baseado nessa lei; e
(ii) o Título Executivo Judicial tem como fundamento uma interpretação incompatível
com interpretação dada pelo Supremo.
##Atenção: Cuidado com o prazo: Imagine que o TJ deu uma decisão que transitou em julgado. Anos
depois, o STF dá uma decisão, interpretando de maneira diferente. De acordo com o § 15 do art. 525 do
NCPC, o prazo de dois anos para ação rescisória é contado, não da decisão do TJ, mas do trânsito em
julgado da decisão do STF. Mas e se a decisão do Supremo for dada 10 anos depois? Se se admitisse que,
ainda assim, fosse possível a ação rescisória, geraria uma insegurança jurídica enorme. Por isso, a
constitucionalidade desse artigo está sendo questionada, vejamos:
CPC/2015, art. 525, § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1 o deste artigo, considera-se
também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato
normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação
ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
§ 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito
em julgado da decisão exequenda.
§ 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão
exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal. 190
Mudança de entendimento do STF: Imagine que uma decisão seja dada por um Tribunal em
conformidade com a jurisprudência do STF à época. Contudo, um ano depois, o STF muda esse
189
(MPSC-2016): Como princípio fundamental relacionado à segurança jurídica a Constituição Federal expressamente
previu que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. A ação rescisória,
entretanto, é uma das hipóteses de relativização desse princípio.
190
(PGM-Fortaleza/CE-2017-CESPE): Situação hipotética: Ao ser intimado em cumprimento de sentença, o executado
tomou conhecimento de que, após o trânsito em julgado da decisão condenatória executada, o STF considerou
inconstitucional lei que amparava a obrigação reconhecida no título executivo judicial. Assertiva: Nesse caso, será
cabível a utilização de ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF. BL:
art. art. 525, §12 e 15, NCPC.
entendimento. A decisão do tribunal pode ser relativizada nesse caso (sendo que na época que foi dada
estava de acordo com o entendimento do STF)? De acordo com o atual entendimento, não cabe a rescisória
nessa situação. Vejamos o seguinte precedente:
STF - RE 590.809/RS: “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com
o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão
rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.”
##Questiona-se: É possível conciliar esse entendimento com o disposto no § 15 do art. 525 do NCPC?
Para o professor Marcelo Novelino, é possível. Quando o NCPC diz que a ação rescisória será cabível
no prazo de 2 anos da decisão do STF, podemos interpretar esse dispositivo no seguinte sentido: é cabível a
rescisória, desde que, no momento da decisão, não houvesse precedente do Supremo sobre o tema. Se
decidiu em harmonia com o entendimento do Supremo à época, não caberá ação rescisória.
2. AÇÕES CONSTITUCIONAIS
2.1. Habeas Data
Surge na CF/88 como uma reação à Constituição anterior, em que os dados referentes às
convicções/condutas das pessoas ficavam arquivados pelo governo de forma sigilosa. Com o processo de
redemocratização, a CF/88 achou por bem permitir que esses dados sejam acessados pelas pessoas, desde
que as informações digam respeito a ela.
O Habeas Data protege informações pessoais e não o acesso a informações relativas a terceiros.
Vejamos o art. 5º, LXXII da CF:
CF, art. 5.º, LXXII: conceder-se-á “habeas-data”:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo.191
A Constituição prevê apenas as hipóteses de cabimento do habeas data para assegurar o conhecimento
de informações pessoais e para retificação de dados. Além disso, também há previsão constitucional sobre a
gratuidade desta ação. Todo o procedimento desse remédio constitucional, contudo, é feito pela Lei 9.507/97.
##Questiona-se: O MP pode impetrar habeas data? Apenas se for para obtenção de informação sobre
o próprio órgão ministerial. Ou seja, não tem legitimidade para impetrar habeas data com finalidade de ter
acesso a informações sobre terceiros. Há uma impossibilidade de legitimação extraordinária.
191
(TJAP-2009-FCC): Dentre as garantais constitucionais constantes da Constituição, incluem-se o habeas data para
assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados
de entidades governamentais ou de caráter público, bem como para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo
por processo sigiloso, judicial ou administrativo. BL: art. 5º, LXXII, CF/88.
(TJSP-2009-VUNESP): O Habeas Data será concedido para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por
processo sigiloso, judicial ou administrativo. BL: art. 5º, LXXII, “b”, CF/88.
##Questiona-se: Esse órgão ou entidade tem que ter natureza pública? O art. 5º, LXXII da CF dispõe
“constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público”. Quando se fala
de “caráter público”, o texto está se referindo ao órgão/entidade? O entendimento da doutrina, com base na
Lei 9.507/97, é de que o caráter público é dos dados e não da entidade. Vejamos o que diz o art. 1º, § único
da Lei 9507/97:
Parágrafo único. Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo
informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do
órgão ou entidade produtora ou depositária das informações.
Assim, Serasa, SPC, universidades particulares, partidos políticos, etc., podem, portanto, figurar no
polo passivo de ação de habeas data.
2.1.3. Objeto
##Questiona-se: O que o habeas data visa tutelar? Tutela, principalmente, os direitos fundamentais
à privacidade (CF, art. 5.º, X) e o acesso à informação (CF, art. 5.º, XIV e XXXIII).
Lembrar que “acesso à informação” é apenas com relação a informações de caráter pessoal do titular e
não a toda e qualquer informação.
2.1.4. Objetivo
Visa assegurar o conhecimento, a retificação e/ou a complementação de informações pessoais
constantes de registros de dados, sempre que não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo.
Embora a Constituição fale apenas em conhecimento e retificação de dados, a Lei 9.507/97 trata de
três hipóteses de cabimento do habeas data, inserindo também a possibilidade de complementação de
informações pessoais.
Retificação de dados: Nesse caso, o STJ tem um precedente que afirma que, para que seja solicitada a
retificação de dados, é necessário o prévio conhecimento de tais dados, não sendo possível pedir, no mesmo
habeas data, o acesso à informação e a retificação, o que, na opinião de Marcelo Novelino, vai contra o
princípio da celeridade e da economia processual. Vejamos o precedente em comento:
STJ – HD 160/DF: “Em razão da necessidade de comprovação de plano do direito do demandante,
mostra-se inviável a pretensão de que, em um mesmo habeas data, se assegure o conhecimento de
informações e se determine a sua retificação. É logicamente impossível que o impetrante tenha, no
momento da propositura da ação, demonstrado a incorreção desses dados se nem ao menos sabia o seu
teor. Por isso, não há como conhecer do habeas data no tocante ao pedido de retificação de eventual
incorreção existente na base de dados do Banco Central do Brasil.
##Obs.: Esse entendimento parece equivocado, pois a pessoa pode não ter o acesso completo às
informações, mas pode ter tido a notícia de que a informação estava equivocada.
Complementação de dados: A pessoa pede para que as informações sejam complementadas na base
de dados. Nesse caso, deve haver o interesse de agir do autor, que terá que comprovar que a não
complementação gera algum prejuízo concreto (à imagem, à honra, de ordem material, etc.).
2.1.6. Interesse de Agir
A Lei 9.507/97 exige, para impetração do habeas data, que haja uma recusa por parte da autoridade
administrativa em autorizar os dados. Por isso, muitos questionaram a constitucionalidade desta lei
dizendo que ela violava o princípio da inafastabilidade da função jurisdicional, ao obrigar a pessoa a esgotar
as vias administrativas antes de recorrer ao judiciário.
Contudo, o STF entendeu que a lei não apresenta inconstitucionalidade, pois, ao exigir a recusa, ela
está tratando do interesse de agir do indivíduo. Se não houve recusa, não há pretensão resistida e,
consequentemente, não há interesse de agir.
Atente-se que a Lei 9.507/97 prevê que o interesse de agir surge com a recusa ou com a demora da
prestação/retificação/complemento das informações. Vejamos o seguinte:
Art. 8° A petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de
Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão
reproduzidos por cópia na segunda.
Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:
I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;
II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou
III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do decurso de mais de
quinze dias sem decisão.
Súmula 2/STJ: “Não cabe o habeas data (CF, art. 5.º, LXXII, “a”) se não houve recusa de
informações por parte da autoridade administrativa.”
Natureza jurídica: Qual seria a natureza jurídica da decisão que julga procedente o pedido? Há uma
divergência na doutrina:
1ª posição (Rogério Tucci): natureza constitutiva;
2ª posição (Carreira Alvim, Barbosa Moreira, Daniel Neves): natureza mandamental; e
3ª posição (Vicente Greco Filho, Marcelo Novelino): faz uma distinção entre as três espécies de
habeas data. No habeas data cognitivo, a decisão é de natureza mandamental; já no habeas data
retificatório ou completivo, a natureza da decisão é constitutiva.
DIREITOS SOCIAIS
1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
1.1. Previsão Constitucional
O art. 6º elenca um rol de direitos que são considerados como sociais, direitos estes que estão
protegidos não apenas no art. 7º e seguintes, mas, também, no capítulo da ordem social (Título VIII, arts. 193
a 214). Vejamos o teor do art. 6º, CF:
CF, Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição.
Nesse ponto, há uma questão fulcral para a normatividade e enquadramento dos direitos sociais:
Como podemos trabalhar suas características, vinculatividade normativa e adequação constitucional?
De início, seguindo uma linha mais rígida da leitura da “separação de poderes", o universo das
normas de direitos sociais era tido como questão interna aos órgãos políticos do Estado, que a partir de
razões pragmáticas (por exemplo: políticas) estabelecia a lista de prioridades internas a esses direitos, bem
como os modos e formas de sua concretização.
Por isso mesmo, tradicionalmente atribuiu-se à natureza das normas constitucionais sobre direitos
sociais o status de normas programáticas, que são normas de baixa efetividade, demarcando-se muito mais
planos políticos de ação, que o legislador e o administrador público deverão se comprometer do que
verdadeiras obrigações jurídicas concretas.
Entretanto, numa perspectiva mais ampla, a doutrina vem entendendo, conforme leciona Andréas
Krell que “as normas programáticas sobre direitos sociais, que hoje encontramos na grande maioria dos textos
constitucionais dos países europeus e latino-americanos definem metas e finalidades, as quais o legislador
ordinário deve elevar a um nível adequado de concretização. Essas 'normas-programa' prescrevem a
realização, por parte do Estado, de determinados fins e tarefas”. Nesses termos, “elas não representam meras
recomendações (conselhos) ou preceitos morais com eficácia ética-política meramente diretiva, mas constituem Direito
diretamente aplicável”.
Por outro lado, há outros autores, mesmo com essa nova dimensão que paulatinamente foi sendo
atribuída às normas constitucionais programáticas (típicas dos direitos sociais), vão advogar um ir além.
Esse seria necessário, justamente, porque apesar do reconhecimento da aplicabilidade (ainda que
mediata/indireta) das normas programáticas elas careceriam de uma atuação (vinculação) mais
192
##Atenção: Resumo do ponto do livro do professor Bernardo Gonçalves Fernandes, edição 2017, pp. 707-709.
193
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPRO-2017 (FMP); ii) MPRS-2021.
contundente no que tange à exigência de prestações positivas. Exemplos não faltam para demonstrar essa
tese. Aqui não precisamos lembrar da dificuldade do STF adotar a tese concretista no mandado de
injunção em relação às normas classificadas tradicionalmente como de eficácia limitada. Foram 19 anos
(1988 a 2007) para que essa tese iniciasse sua trajetória de consolidação no STF para a viabilização de
direitos. Isso sem contar a ADI por omissão, que no que tange ao legislador (supressão da mora pelo
Poder Legislativo) é sabido que o STF, ainda trabalha com uma perspectiva não concretista (até mesmo
por uma questão clássica atrelada à separação dos poderes).
Portanto, conforme doutrina, não raro conceber os direitos sociais como normas programáticas
implica deixá-los praticamente desprotegidos diante das omissões estatais, o que não se coaduna com o
sistema de direitos fundamentais previsto constitucionalmente e com sua aplicação imediata. Sem dúvida,
para esses teóricos os direitos sociais mereciam, devido a fundamentalidade dos mesmos (por exemplo em
saúde, educação etc) melhor adequação e caracterização.
Nesse contexto, surgem três vertentes, na busca por uma delimitação dos direitos sociais, além das
normas programáticas que merecem nossa atenção. Segundo Daniel Sarmento, teremos:
ii) Tese dos direitos sociais como direitos subjetivos definitivos (garantidos de forma definitiva).
Essa tese, apesar de ir além da “mera” perspectiva das normas programáticas peca pelo excesso, na
medida em que não há como exigir do Estado de forma incondicional a realização e concretização de todos
os direitos sociais.
Aqui, deve-se levar em consideração, sobretudo em países como o Brasil, a conhecida e
recorrentemente citada, escassez de recursos (limitações orçamentárias), bem como as inúmeras maneiras
(modos) de concretização de direitos sociais.
iii) Tese dos direitos sociais como direitos subjetivos prima facie:
Essa tese, que também vai além da caracterização dos direitos sociais como meras normas
programáticas, é a que apresenta um maior número de adeptos.
Para essa tese, os direitos sociais devem ser entendidos, em virtude da natureza principiológica dos
mesmos, como direitos subjetivos prima facie e com isso eles se sujeitam a um processo de ponderação à
luz de um caso concreto que precede o reconhecimento desses direitos sociais como direitos definitivos.
Sem dúvida, a ponderação será instrumentalizada pela regra (princípio, máxima ou postulado) da
proporcionalidade e por suas sub-regras.
Assim teríamos, um direito social exigível que entraria em uma ponderação com outro ou outros
direitos (incluindo ai princípios como o da democracia ou mesmo o da separação de poderes). Sem dúvida, a
efetivação e concretização do direito social em comento dependeria desse processo de ponderação.
Portanto, esse direito social seria um direito subjetivo exigível sempre prima facie que poderia se
tornar um direito definitivo no caso concreto.
A defesa dessa perspectiva, atrelada a teoria de Robert Alexy, Martin Borowsky, entre outros, é
feita por Daniel Sarmento, nos seguintes termos, “(...) esta solução é profundamente comprometida com a
efetivação dos direitos sociais, mas leva em consideração todas as dificuldades táticas e jurídicas envolvidas neste
processo, bem como a existência de uma ampla margem de liberdade para os poderes neste campo, decorrente não só da
legitimidade democrática, como também de sua maior capacidade funcional.” 194-195
194
Todavia, aqui, temos uma diferença: enquanto Alexy sustenta que na ponderação teremos de um lado não o direito
social, mas sim a liberdade material que esse direito tutela (talvez isso se deva, conforme Sarmento ao fato da
Constituição alemã não consagrar direitos sociais em seu texto), Sarmento defende que a ponderação deve ser feita com
o próprio direito social em jogo. Outra questão interessante é a de que o reconhecimento da dimensão subjetiva prima
facie dos direitos sociais, não exclui (elimina) a dimensão objetiva desses direitos (Aliás a dimensão objetiva que
explicita a eficácia irradiante dos mesmos é uma das características dos direitos fundamentais, que está presente em
vários trabalhos de Sarmento) SARMENTO, Daniel, Por um Constitucionalismo Inclusivo, p. 195, 2010.
195
(MPGO-2019): Sobre os direitos sociais, assinale a alternativa correta: Para Robert Alexy, os direitos fundamentais
sociais são direitos subjetivos prima facie, razão por que se sujeitam a um processo de ponderação à luz do princípio da
proporcionalidade, que precede o reconhecimento desses direitos como direitos definitivos. Nesse sentido, o fato de os
direitos sociais constituírem direitos prima facie não afasta seu caráter vinculante e não os torna enunciados meramente
programáticos, cabendo ao Poder Judiciário o controle de suficiência do dever prima facie.
Por fim, cumpre ressaltar que, segundo Robert Alexy, princípios exigem que algo seja realizado na
maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não
contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie. Da relevância de um princípio em um
determinado caso não decorre que o resultado seja aquilo que o princípio exige para esse caso. Princípios
representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. A forma pela qual deve ser
determinada a relação entre razão e contrarrazão não é algo determinado pelo próprio princípio. Os
princípios, portanto, não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das
possibilidades fálicas.196
- Direitos prestacionais: A grande maioria dos direitos sociais são de caráter prestacional, exigindo
do Estado uma prestação (sejam materiais ou jurídicas). O problema é que estas prestações têm um alto
custo (Estado teria, por exemplo, condições orçamentárias para fornecer moradia a todos?). 197
Há, aqui, um conflito entre o alto custo dos direitos sociais e as limitações orçamentárias . A
prioridade na concretização desses direitos (chamadas de “escolhas trágicas” por Guido Calabresi e Philip
Bobbit) deveria caber aos poderes eleitos pelo povo (Executivo e Legislativo).
Por isso, em regra, os direitos sociais têm efetividade menor do que os direitos de defesa (que
também possuem custo), pois seus custos são muito maiores.198
196
ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, São Paulo, SP: Malheiros Ed, 2008.
197
(MPMG-2013): A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXV, nº1, diz: “Toda pessoa tem direito a
um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”. Expressamente, a Constituição da República Federativa do
Brasil, em seu artigo 6º, por introdução da Emenda Constitucional nº 26, prevê a moradia como direito social, no mesmo
patamar da educação, da saúde, do trabalho, do lazer, da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e
à infância e da assistência aos desamparados. Com base no ordenamento constitucional brasileiro, pode-se afirmar: O
direito de moradia possui aplicação imediata, uma vez que é direito fundamental social, fazendo parte do mínimo
existencial, e a Constituição da República não o condiciona a nenhuma regulamentação específica, motivo pelo qual não
pode o Poder Público se eximir de implementar políticas públicas para o seu atendimento, em face de obrigação
constitucional. BL: art. 5º, §1º e art. 6º da CF.
198
(MPBA-2015): No que diz respeito aos direitos sociais, é correto afirmar que: A implementação das prestações
materiais e jurídicas exigíveis para a redução das desigualdades no plano fático, por dependerem em grande medida da
disponibilidade orçamentária do Estado, faz com que estes direitos tenham o seu campo de efetividade mais dificultado
que os direitos de primeira geração.
199
(MPRO-2017-FMP): No que tange ao tema dos direitos sociais, é correto afirmar: O controle jurisdicional das políticas
públicas de direitos sociais encontra, dentre outros, os seguintes parâmetros de sindicabilidade: reserva do possível,
mínimo existencial, proibição do retrocesso social e proibição da proteção insuficiente dos direitos fundamentais.
(MPAM-2015-FMP): Considere a seguinte assertiva em relação ao controle jurisdicional de políticas públicas, em
consonância com a jurisprudência do STF e do STJ: A jurisprudência do STF tem adotado os seguintes parâmetros de
sindicabilidade: a omissão inconstitucional, o mínimo existencial, a proibição do retrocesso social, a proibição do excesso
e da proteção insuficiente dos direitos fundamentais.
(MPM-2013): Assinale a alternativa correta: Em relação aos direitos sociais, a intervenção judicial é possível em
hipóteses em que o Poder Judiciário não inova na ordem jurídica, mas apenas determina que o Poder Executivo cumpra
políticas públicas previamente estabelecidas.
200
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TRF4-2010; ii) TJSP-2021 (VUNESP).
Essa crítica se baseia no argumento de que a intervenção do poder judiciário nos direitos sociais
seria uma usurpação de competências dos poderes legislativo e executivo. É uma crítica feita com base
numa premissa bem antiga da separação de poderes (Montesquieu – “juiz como a boca da lei”).
Contudo, essa noção de separação de poderes já foi superada, vez que as sociedades contemporâneas
são muito mais complexas e suas Constituições impõe deveres.
Por outro lado, Hans Kelsen escreveu em seu livro que o Judiciário poderia atuar como “legislador
negativo”, no sentido de que, ao declarar uma lei inconstitucional, o tribunal estaria exercendo uma
função de natureza legislativa (tendo efeito erga omnes). Era equivalente à revogação da lei pelo poder
legislativo. “Negativo”, pois só seria possível retirar a lei do ordenamento jurídico. Contudo, o Judiciário não
poderia atuar como “legislador positivo”, não podendo criar normas.
No Brasil, embora o STF diga que ele não pode atuar como legislador positivo, ele o faz diversas
vezes (ex.: caso das uniões homoafetivas; mandado de injunção referente ao direito de greve; etc.).
Segundo o Min. Luís Barroso, a “pretensão de autonomia absoluta do Direito em relação à política é
impossível de se realizar. As soluções para os problemas nem sempre são encontradas prontas no
ordenamento jurídico, precisando ser construídas argumentativamente por juízes e tribunais".
Para o professor Marcelo Novelino, esse dogma do “legislador negativo” também está ultrapassado.
As Constituições naquela época eram liberais e não impunham tantos deveres como a nossa CF/88. Hoje,
não podemos nos basear nessas concepções de separação de poderes em contextos diferentes do nosso, pois
os direitos previstos no texto constitucional devem sim ser efetivados pelo Poder Público.
Nesse sentido, vejamos o seguinte trecho de voto de julgado do STF:
STF - ARE 639.337 AgR: (...) as normas sociais programáticas não podem ser tomadas
como “promessas constitucionais inconsequentes”, não sendo pura retórica. Existe uma estreita
ligação entre os direitos sociais e a dignidade da pessoa humana, e, pelo princípio da máxima efetividade
das normas constitucionais, deve-se assegurar o mínimo existencial. A partir dessa constatação, o STF
assume uma posição que supera a ortodoxia da separação dos Poderes, passando a intervir num plano que
seria classicamente da discricionariedade político-administrativa. (...) [ARE 639.337 AgR, rel. min. Celso
de Mello, j. 23-8-2011, 2ª T, DJE de 15-9-2011.]201
Contracrítica: É no sentido de que a constituição tem uma força normativa e é dotada de supremacia.
Quando o Judiciário intervém nas políticas públicas, ele está apenas aplicando o que está na
Constituição.202
201
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPBA-2015; ii) MPSP-2022; iii) PGM-Recife/PE-2022 (CESPE).
202
#Atenção: #MPBA-2015: #TJPR-2017: #MPSP-2022: #CESPE: Segundo o STF, “é possível ao Poder Judiciário
determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas sem
que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo" (RE n. 464143 AgR). No mesmo
sentido, temos o ARE 639.337, que afirma que há legitimidade constitucional da intervenção do Poder Judiciário em caso
de omissão estatal na implementação destas políticas.
203
(TJSP-2017-VUNESP): No âmbito do direito constitucional brasileiro, pode-se afirmar que o Supremo Tribunal
Federal desempenha dois papéis distintos: I) – o primeiro na teoria constitucional, denominado de contra majoritário,
que implica proteção às regras da vida democrática e dos direitos fundamentais; II) – o outro papel, denominado
representativo, implica o atendimento de demandas sociais e anseios políticos que não foram objeto de deliberação pelo
Parlamento, não podendo deixar de decidir em face da garantia de acesso à jurisdição. BL: art. 102, CF.
##Atenção: "O que cabe destacar aqui é que Corte desempenha, claramente, dois papéis distintos e aparentemente
contrapostos. O primeiro papel é apelidado, na teoria constitucional, de contramajoritário: em nome da Constituição, da
proteção das regras do jogo democrático e dos direitos fundamentais, cabe a ela a atribuição de declarar a
inconstitucionalidade de leis (i. e., de decisões majoritárias tomadas pelo Congresso) e de atos do Poder Executivo (cujo
chefe foi eleito pela maioria absoluta dos cidadãos). Vale dizer: agentes públicos não eleitos, como juízes e Ministros do
STF, podem sobrepor a sua razão à dos tradicionais representantes da política majoritária. Daí o termo contramajoritário.
2.3. Desenho e capacidades institucionais
Com relação ao direito à saúde, por exemplo, se diz que foi uma opção do poder constituinte
originário, atribuir aos poderes públicos a definição de como a saúde será efetivada 204. Vejamos o teor do art.
196 da CF:
CRFB/88, Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Argumenta-se, ainda, que o Poder Executivo e o Poder Legislativo possuem uma capacidade
institucional melhor do que a do Judiciário para definir onde os recursos em matéria de políticas públicas
devem ser aplicados. Como eles têm uma visão do todo, eles poderiam otimizar a alocação dos gastos
públicos. O juiz tem uma visão mais restrita – “visão de túnel” (vê a parte do processo, mas não tem a macro
visão de todos que serão afetados pela decisão).
O segundo papel, menos debatido na teoria constitucional, pode ser referido como representativo. Trata-se, como o
nome sugere, do atendimento, pelo Tribunal, de demandas sociais e de anseios políticos que não foram satisfeitos a
tempo e a hora pelo Congresso Nacional”. (Fonte: livro do Min. Barroso).
##Atenção: A função contramajoritária do STF, em resumo, parte do pressuposto que democracia não é tirania da
maioria, cabendo ao tribunal constitucional impedir determinadas ações da maioria que visem violar direitos
fundamentais das minorias, ou omissões do poder público que podem ser lesivas aos direitos daqueles grupos que
sofrem vulnerabilidade jurídica, econômica, etc.
(MPF-2012): Não há Estado de Direito sem a consagração dos direitos à ação e à jurisdição, especialmente quando
voltados à responsabilização civil do Estado.
##Atenção: É por isso que o Brasil adota o princípio da inafastabilidade de jurisdição (art. 5ºXXXV, CF) e a
responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, §6º, CF). Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito
Administrativo) explica que “a ideia de responsabilidade do Estado é consequência lógica inevitável da noção de Estado de
Direito”.
(MPF-2012): O caráter contramajoritário da jurisdição constitucional, segundo o entendimento dominante, possibilita
ao Poder Judiciário atuar ativamente em defesa de direitos fundamentais, desde que se paute por argumentos racionais e
controláveis.
##Atenção: O caráter contramajoritário da jurisdição constitucional refere-se à proteção das minorias contra
imposições discriminatórias e dezarrazoadas das maiorias. O STF desempenhou tal papel na ADI 4277 e na ADF 132
(união estável homoafetiva). Em trecho do voto vencedor do Ministro Ayres Britto nos referidos julgados há
ensinamento relevante acerca do papel contramajoritário da Corte Suprema: “(...) Cabe enfatizar, presentes tais razões, que o
Supremo Tribunal Federal, no desempenho da jurisdição constitucional, tem proferido, muitas vezes, decisões de caráter
nitidamente contramajoritário, em clara demonstração de que os julgamentos desta Corte Suprema, quando assim proferidos,
objetivam preservar, em gesto de fiel execução dos mandamentos constitucionais, a intangibilidade de direitos, interesses e valores que
identificam os grupos minoritários expostos a situações de vulnerabilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de
tal condição, tornam-se objeto de intolerância, de perseguição, de discriminação e de injusta exclusão. Na realidade, o tema da
preservação e do reconhecimento dos direitos das minorias deve compor, por tratar-se de questão impregnada do mais
alto relevo, a agenda desta Corte Suprema, incumbida, por efeito de sua destinação institucional, de velar pela
supremacia da Constituição e de zelar pelo respeito aos direitos, inclusive de grupos minoritários, que encontram
fundamento legitimador no próprio estatuto constitucional. Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema
jurídico, proteção às minorias e aos grupos vulneráveis qualifica-se, na verdade, como fundamento imprescindível à plena
legitimação material do Estado Democrático de Direito, havendo merecido tutela efetiva, por parte desta Suprema Corte,
quando grupos majoritários, por exemplo, atuando no âmbito do Congresso Nacional, ensaiaram medidas arbitrárias destinadas a
frustrar o exercício, por organizações minoritárias, de direitos assegurados pela ordem constitucional (MS 24.831/DF, Rel. Min.
CELSO DE MELLO – MS 24.849/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 26.441/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g .).
204
(MPSC-2013): O “direito à saúde”, consagrado na Constituição da República, enquanto “direito fundamental do ser
humano” (Lei n. 8.080/90, art. 2º), pode incorporar tanto a forma de um direito fundamental de liberdade (v.g. direito à
integridade física), como a de um direito fundamental social (v.g. direito a determinado tratamento medicamentoso).
A tese de que só os direitos sociais têm um custo é falaciosa, pois não existem direitos de graça. O
problema é que o custo dos direitos sociais é especialmente oneroso. Inclusive, Stephen Holmes e Cass
Sunstein, no livro “The cost of rights”, analisaram os gastos dos poderes públicos norte-americanos após
11/9/01. Neste livro, eles falam que após os atentados terroristas, os EUA gastaram muito mais dinheiro
com direitos individuais do que com direitos sociais.
De qualquer forma, é inegável que os custos dos direitos sociais são muito altos, de modo que o
Estado tem que fazer escolhas e optar por determinadas demandas diante da escassez de recursos. Toda
decisão alocativa é também uma decisão desalocativa, pois o orçamento é algo restrito.205
Os recursos do Estado são limitados e, por isso, não deveria o Judiciário ficar intervindo a todo tempo,
sem critérios, em matéria de políticas públicas.
3. “RESERVA DO POSSÍVEL”206-207
A “reserva do possível“ é uma expressão que surgiu na Alemanha em uma decisão do Tribunal
Constitucional Federal (TCF) no caso conhecido como numerus clausus, julgado em 1972. O princípio da
reserva do possível surge na Alemanha, fruto de uma ação ajuizada por alunos que pleiteavam o direito de
ingresso no curso de medicina da universidade pública.
Portanto, tal caso envolvia um pedido feito por um grupo de alemães para que o Judiciário
determinasse ao Estado Alemão que fornecesse vagas em universidades públicas para todas as pessoas que
pleiteassem. O argumento foi no sentido de que, embora ela não traga um rol de direitos sociais como a
Constituição brasileira, a Constituição Alemã assegura, dentre os direitos individuais, a livre escolha de
profissão. Se a Constituição garante a livre escolha de qualquer profissão, e se existem profissões que exigem
o acesso à universidade (Ex.: Advogado), o Estado estaria obrigado a proporcionar tal acesso, pois, caso
contrário, as pessoas não teriam plena liberdade para escolher a profissão. O Tribunal entendeu que, de
fato, o argumento está correto. No entanto, o Tribunal decidiu que não se poderia obrigar o Estado a fazer
algo impossível, algo que não estivesse dentro de seu alcance orçamentário. Surgiu a expressão “reserva
do possível”, que significa que o Estado não pode ser obrigado a exercer determinadas obrigações, a
cumprir determinadas demandas, quando não houver recursos suficientes para isso. Assim, conforme
preconiza essa teoria, os recursos são limitados e as necessidades ilimitadas, de forma que não há condições
financeiras de o Poder Público atender a todas as demandas sociais.
Consoante os ensinamento de Flávia Danielle Santiago Lima, "o conceito de reserva do possível é uma
construção da doutrina alemã que coloca, basicamente, que os direitos já previstos só podem ser garantidos quando há
recursos públicos.” Essa ideia da reserva do possível, posteriormente, foi transposta para o Direito Brasileiro
pelo Professor Ricardo Lobo Torres.
205
(Anal. Judic./TRT7-2017-CESPE): A concretização dos direitos sociais previstos na CF, dada a natureza prestacional
desses direitos, submete-se aos limites do financeiramente possível.
206
(MPSC-2021-CESPE): Acerca das definições de direitos humanos e da reserva do possível, julgue o item a seguir: O
princípio da reserva do possível está relacionado com problemas relativos à falta de recursos para ações dos estados para
a efetivação de políticas públicas.
(MPSC-2012): A tese da “reserva do possível” sustenta que a satisfação dos direitos fundamentais é limitada pela
capacidade orçamentária do Estado.
207
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TRF2-2009 (CESPE); ii) MPF-2012 e iii) Cartórios/TJRR-2013 (CESPE); iv)
PGEPR-2015 (PUCPR); v) MPRO-2017 (FMP); vi) MPT-2017; vii) MPAP-2021 (CESPE); viii) PGM-Recife/PE-2022
(CESPE).
208
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPRO-2017 (FMP).
209
(MPGO-2019): Sobre os direitos sociais, assinale a alternativa correta: Segundo se sustenta em doutrina, um conceito
constitucionalmente adequado de reserva do possível compreende aquilo que o indivíduo pode, razoavelmente, exigir
da sociedade e deve levar em conta a disponibilidade fática e jurídica dos recursos para a efetivação dos direitos sociais
bem como a proporcionalidade da prestação, quanto à sua exigibilidade e razoabilidade, o que impede intervenções
excessivas na esfera dos direitos fundamentais sociais, como também proíbe ações insuficientes para assegurar a
efetividade desses direitos.
(PGEPE-2009-CESPE): Quanto aos direitos e garantias fundamentais, assinale a opção correta: Embora a formulação e
a execução das políticas públicas seja uma prerrogativa dos Poderes Legislativo e Executivo, é possível ao Poder
Judiciário determinar, excepcionalmente, a sua implementação, quando a omissão da administração pública
comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional.
##Obs.: Inexistência de recursos não se confunde com alocação indevida de recursos. Uma coisa é o
Estado não ter verba suficiente para atender algum tipo de demanda, outra coisa é o Estado aplicar mal a
verba.
Ex.: A CF/88 consagra o direito à moradia (Art. 6º). Quando a CF/88 dispõe que o direito à moradia é
um direito social, ela não diz em que medida este direito deve ser assegurado aos indivíduos. Não seria
razoável exigir do Estado que fornecesse uma casa para cada família, porque ele não teria recursos
orçamentários suficientes para atender esse tipo de demanda.
II) Dimensão ou possibilidade jurídica: compreende dois aspectos: (1) existência de autorização
orçamentária para cobrir as despesas pleiteadas; e (2) competências;
A existência de autorização orçamentária não pode ser vista como um obstáculo intransponível, pois,
caso contrário, o Estado, alocando mal os recursos, sempre teria uma “desculpa” para não atender às
demandas.
O orçamento tem um papel fundamental no Estado de Direito, por ser uma concretização do princípio
democrático, já que as escolhas orçamentárias são feitas por representantes do povo. Os representantes do
povo é que escolhem as prioridades (saúde, educação, segurança, transporte...).
No entanto, quando essa alocação de recursos é malfeita ou é feita de forma indevida, não se pode
alegar a inexistência de previsão orçamentária como obstáculo intransponível.
Ex.: O Estado destinou mais verbas ao lazer ou à propaganda do que a uma determinada demanda na
área da saúde – a demanda escolhida não será legítima e o Judiciário poderá intervir.
Outro aspecto que deve ser analisado é sobre qual o ente federativo que tem competência para
atender a determinado tipo de demanda.
Ex.: No caso do direito à saúde, o STF, em sede de repercussão geral 210, adotou o entendimento no
sentido de que o direito à saúde impõe uma responsabilidade solidária a todos os entes federativos. A
ação pode ser ajuizada contra todos os entes ou contra um deles, individualmente. Em outras palavras, o
STF reafirmou jurisprudência sobre a responsabilidade solidária dos entes federados no dever de prestar
assistência à saúde: o dever de prestar assistência à saúde é compartilhado entre a União, os estados-
membros e os municípios, e a distribuição de atribuições entre os entes federativos por normas
infraconstitucionais não elide a responsabilidade solidária imposta constitucionalmente.211
Além disso, cabe destacar os seguintes julgados do STJ:
A 2ª Turma do STJ decidiu que, como o funcionamento do SUS é de responsabilidade
solidária da União, dos Estados e dos Municípios, é de se concluir que qualquer um destes entes
tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de quaisquer demandas que envolvam tal
sistema, inclusive as relacionadas à indenizatória por erro médico ocorrido em hospitais privados
conveniados. Em outras palavras, em caso de má prestação de serviço por hospital privado
que atuar como credenciado do SUS, a vítima poderá buscar a responsabilidade civil da
União, do Estado ou do Município, sendo essa responsabilidade solidária. STJ. 1ª Turma.
REsp 1388822/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 16/06/2014.212
Conforme o STF, “No que tange à legitimidade passiva dos entes políticos envolvidos,
referente às ações cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos, tratamentos e congêneres
imprescindíveis à saúde de pessoa carente, há solidariedade entre a União Federal, Estados e
210
Direito à saúde. Tratamento médico. Responsabilidade solidária dos entes federados. Repercussão geral
reconhecida. Reafirmação de jurisprudência. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos
deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por
qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. [RE 855.178 RG, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 16-3-2015,
Tema 793.]
211
(TJCE-2018-CESPE): Acerca do direito constitucional à saúde e à seguridade social, assinale a opção correta, segundo
entendimento doutrinário e jurisprudencial: O polo passivo de ações que versem sobre responsabilidade nos tratamentos
médicos pode ser ocupado por qualquer dos entes federados.
212
(MPGO-2013): Sobre a garantia constitucional do Direito a Saúde é correto afirmar: conforme uníssona jurisprudência
do STJ, sendo o Sistema Único de Saúde (SUS) composto pela União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios,
impõe-se o reconhecimento da responsabilidade solidária dos aludidos entes federativos, de modo que qualquer um
deles tem legitimidade para figurar no polo passivo das demandas que objetivam assegurar o acesso à medicação para
pessoas desprovidas de recursos financeiros.
(MPES-2013-VUNESP): Considerando a estrutura legal do SUS, o fornecimento de medicamentos para pacientes é
atribuição, dentre os entes públicos: solidária em relação a todas as unidades da Federação.
(DPEAM-2013-FCC): Suponha que um indivíduo obtenha prescrição médica para uso de medicamento nacional,
registrado na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que não é disponibilizado pelo Sistema Único de
Saúde - SUS. Nessa situação, pretendendo obter judicialmente o medicamento do Poder Público, o interessado poderá
propor medida judicial contra União, Estado e Município, em regime de solidariedade.
Municípios, considerando a unicidade do Sistema Único de Saúde" (STF - ARE: 1114649 RJ,
Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe-065 06/04/2018).213
Entretanto, outros direitos são de atribuição de determinados entes. Alguns são de competência dos
Estados, outros do Município e outros da União. Portanto, é necessário verificar, quando se propõe uma
ação, qual é o Ente federativo competente para atender àquela demanda. Se é uma competência municipal,
não se pode exigir da União que assegure aquele direito.
213
(TRF2-2018): Assinale a alternativa correta: No que tange à legitimidade passiva dos entes políticos envolvidos,
referente às ações cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos, tratamentos e congêneres imprescindíveis à saúde
de pessoa carente, há solidariedade entre a União Federal, Estados e Municípios, considerando a unicidade do Sistema
Único de Saúde..
214
(MPSP-2019): Assinale a alternativa correta: É lícito ao Poder Judiciário, considerando a supremacia da dignidade da
pessoa humana, impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução
de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais. BL: Info 794, STF.
(MPBA-2018): Tendo em vista os direitos e garantias fundamentais positivados na CF/1988, à luz da jurisprudência do
STF, assinale a alternativa correta: É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer,
consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais, a fim de
assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva
do possível nem o princípio da separação dos poderes. BL: Info 794, STF.
(DPEAP-2018-FCC): Sob o fundamento de passar por situação de drástica redução na arrecadação tributária e da
necessidade de atender aos percentuais constitucionais de aplicação de recursos nas áreas de educação e saúde,
determinado Estado da federação suspende a realização de investimentos destinados à execução de obras em todas as
áreas de atuação do poder público. Nesse contexto, são paralisados procedimentos internos preparatórios de licitações
para realização de obras em unidades prisionais do Estado, entre as quais, uma que enfrenta situação de superlotação e
precariedade extrema das condições a que submetidos os que ali cumprem pena, conforme atestado em vistoria
realizada por órgão correicional do sistema prisional estadual. Diante disso, a Defensoria Pública estadual pretende ir a
juízo, para compelir o Estado a realizar obras emergenciais na unidade prisional em questão. Nessa situação, à luz da
legislação pertinente e da jurisprudência do STF, a Defensoria Pública possui legitimidade para ajuizar ação civil pública,
visando compelir o Estado à realização de obras emergenciais na unidade prisional, para dar efetividade ao postulado da
dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, não sendo oponíveis à
decisão judicial o argumento da reserva do possível e o princípio da separação de poderes. BL: Info 794, STF.
(MPSP-2017): Ministério Público propôs, em face da Fazenda Pública do Estado, demanda coletiva, visando condená-
la em obrigação de fazer, consubstanciada na realização de obras estruturais emergenciais necessárias para assegurar a
integridade física dos detentos de determinada unidade prisional. Em contestação, a Fazenda arguiu a incidência de
discricionariedade administrativa, da teoria da reserva do possível e da inexistência de previsão orçamentária para os
gastos pertinentes. O Magistrado culminou por julgar improcedente a demanda, acolhendo, para tanto, as teses
defensivas aqui mencionadas. Ante tais premissas, e em consonância com posicionamento firmado pelo Supremo
Tribunal Federal, o entendimento correto é que a sentença comporta reforma, vez que a assecuração do postulado da
dignidade da pessoa humana sobrepuja a margem de discricionariedade conferida ao Administrador Público e direciona
o investimento de recursos, inviabilizando a adoção da teoria da reserva do possível.
(DPERN-2015-CESPE): Acerca da reserva do possível, assinale a opção correta: De acordo com entendimento do STF,
não é cabível à administração pública invocar o argumento da reserva do possível frente à imposição de obrigação de
fazer consistente na promoção de medidas em estabelecimentos prisionais para assegurar aos detentos o respeito à sua
integridade física e moral. BL: Info 794, STF.
#Atenção: É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de
medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da
dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que
preceitua o art. 5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da
separação dos poderes. STF. Plenário. RE 592581/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/8/2015 (Info 794).
Como consequência da análise acima, pode-se dizer que as ações coletivas são o melhor instrumento
para efetivar direitos sociais.
Como o princípio da isonomia exige que seja razoável universalizar uma prestação, as ações coletivas
são mais apropriadas para tal tipo de demanda, pois, quando é dado provimento ao pedido, todas as
pessoas que se encontram naquela situação são atendidas. O juiz tem condições de analisar a questão sob
uma visão mais global do que aquela em que ele analisa quando a demanda é feita individualmente.
Contudo, na prática, as ações coletivas, muitas vezes, acabam não tendo a mesma efetividade que as
ações individuais, porque os juízes, diante de uma pessoa concreta, tendem a ficar mais sensíveis à situação.
Por isso, o Judiciário tende a ser muito mais generoso em ações individuais.215
Na prática, muitas vezes, tal demonstração não ocorre, ou seja, o Estado não se desincumbe do ônus
da prova, o que normalmente leva à procedência do pedido (professor Novelino menciona que nunca viu,
até o momento, no STF, nenhuma decisão que tenha acolhido esse argumento). Contudo, isso não quer dizer
que a reserva do possível nunca foi observada pelo Judiciário. Existem casos como o que segue:
TJRS - Apelação Cível Nº 70014417869: “[...] ASSISTÊNCIA À SAÚDE. FORNECIMENTO
E TRATAMENTO ORTODÔNTICO. DESCABIMENTO. CLÁUSULA DA RESERVA DO
POSSÍVEL. Tratamento ortodôntico, in casu, tem finalidade meramente estética, e não oferece risco à
vida da criança. Interpretação das normas constitucionais não autoriza o atendimento ao pleito.
Observância da cláusula da reserva do possível. Precedentes do STF e desta Corte.”
215
(MPRS-2021): Em relação à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, assinale a alternativa correta: No direito
constitucional brasileiro, os direitos fundamentais sociais podem receber tutela jurisdicional individual e coletiva, sendo
as sentenças estruturantes de políticas públicas uma modalidade apropriada de proteção judicial coletiva desses direitos.
(MPSE-2010-CESPE): Com referência à ação popular e às ações coletivas, assinale a opção correta: Na ordem
constitucional vigente, as ações de tutela coletiva podem ensejar ao Poder Judiciário determinar, em situações
excepcionais de políticas públicas definidas na CF, a sua implementação pelos órgãos estatais inadimplentes, observados
os parâmetros de possibilidade no mundo fático.
216
(MPBA-2018): Tendo em vista a Lei nº 9.394/96, que “estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”, e a
jurisprudência pátria dominante em matéria de políticas públicas da educação, é correto afirmar que em matéria de
políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, o ônus da prova na alegação da reserva do possível,
quer fática, quer orçamentária, cumprirá ao poder público, que deverá comprovar a falta efetiva dos recursos
indispensáveis à satisfação dos direitos a prestações, assim como da eficiente aplicação dos mesmos.
(DPERN-2015-CESPE): No que diz respeito aos direitos sociais, à intervenção judicial na implementação de políticas
públicas e ao mínimo existencial, assinale a opção correta: Para o STF, a tese da reserva do mínimo possível é aplicável
apenas se restar comprovada a real falta de recursos orçamentários pelo poder público, pois não é admissível como
justificativa genérica para eventual omissão estatal na efetivação dos direitos fundamentais.
(MPSC-2013): Na ação civil pública, a objeção do que se convencionou denominar entre nós de " reserva do possível", em
relação à adjudicação de prestações materiais de direitos sociais, consubstancia ônus processual do destinatário da
respectiva obrigação jusfundamental.
federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou
conjuntamente.217
Com relação ao fornecimento de medicamentos de alto custo, até o presente momento, não houve
julgamento do STF (provável que seja julgado ainda esse ano). Mas foi admitida a existência da repercussão
geral no julgamento do STF – RE 566.471 RG/RN. Segue Ementa:
STF - RE 566.471 RG/RN: “Ementa: SAÚDE ASSISTÊNCIA - MEDICAMENTO DE ALTO
CUSTO FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder
Público fornecer medicamento de alto custo.”
4. “MÍNIMO EXISTENCIAL”
O “mínimo existencial” está intimamente ligado à reserva do possível. Em uma questão dissertativa,
quando perguntarem sobre a reserva do possível, necessariamente deve ser abordado o “mínimo
existencial” e vice-versa.
O “mínimo existencial” também é um conceito criado na Alemanha. Surgiu no Tribunal Federal
Administrativo. Posteriormente, passou a ser utilizado nas decisões do TFC (Tribunal Federal
Constitucional). A Suprema Corte Alemã abstraiu o “mínimo existencial” de três princípios: dignidade de
pessoa humana, liberdade material (liberdade que pressupõe condições materiais básicas de existência) e
Estado Social.
O conceito de “mínimo existencial” foi trazido para o Brasil pelo professor Ricardo Lobo Torres,
passando a ser muito utilizado na jurisprudência do STF, de outros tribunais e pela doutrina.218
4.1. Definição
“Mínimo existencial” compreende um conjunto de bens e utilidades indispensáveis à uma vida
digna. Está intimamente relacionado à dignidade da pessoa humana. É o mínimo necessário para que a
pessoa tenha uma existência digna.
217
(TRF2-2018): No que se refere ao direito à saúde na ordem constitucional brasileira, assinale a alternativa correta: A
existência de atribuição própria para cada ente federativo em normas infraconstitucionais não elide a responsabilidade
solidária imposta constitucionalmente a todos eles.
(TJMG-2006): Na Comarca de Piumhi, o órgão do Ministério Público local propôs, em favor de idoso, uma ação civil
pública que compelisse o Município a fornecer àquele o medicamento FORTÉO, para tratamento de osteoporose.
Anexou atestado, receita e relatório médico demonstrando a necessidade do referido medicamento. O Município
apresentou defesa alegando não ser o responsável pelo fornecimento do remédio, que deveria ser disponibilizado pelo
Estado ou pela União. Você, como Juiz da Comarca, e seguindo orientação predominante no TJMG, decidiria: que a
responsabilidade pelo fornecimento reclamado é, de forma solidária, tanto da União, como dos Estados e Municípios.
218
(MPGO-2016): Nas decisões dos Tribunais Superiores acerca das ações judiciais em que se postulam o direito à saúde
e a educação, tem prevalecido o princípio do mínimo existencial.
(MPAM-2015-FMP): Considere a seguinte assertiva em relação ao controle jurisdicional de políticas públicas, em
consonância com a jurisprudência do STF e do STJ: Não há violação ao princípio da Separação de Poderes quando em
causa a ofensa ao mínimo existencial, sobretudo no que toca aos direitos fundamentais à saúde e à educação.
219
(MPT-2017): Assinale a alternativa correta: O conceito de mínimo existencial pode ser equiparado, no campo
constitucional trabalhista, ao de patamar civilizatório mínimo que a ordem jurídica constitucional, internacional
ratificada e infraconstitucional heterônoma estatal assegura à pessoa humana que vive de seu trabalho empregatício ou
equiparado.
##Atenção: O mínimo existencial abarca o conjunto de prestações materiais necessárias e absolutamente essenciais
para todo ser humano ter uma vida digna. Ele é tão importante que é consagrado pela Doutrina como sendo o núcleo do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no artigo 1º, III da CF. E, sim, tem relação intrínseca com o patamar
civilizatório mínimo que a ordem jurídica constitucional, internacional ratificada e infraconstitucional heterônoma
estatal assegura à pessoa humana que vive de seu trabalho empregatício ou equiparado.
(DPU-2015-CESPE): Com relação aos direitos humanos, julgue o item que se segue: Independentemente da existência
de condições orçamentárias favoráveis, o Estado deve efetivar os direitos sociais, especialmente aqueles referentes a
grupos mais vulneráveis, como crianças e idosos.
2ª posição: Existem autores, no entanto, que buscam concretizar este conceito, tentando identificar
determinados direitos nele contidos (caso contrário, ficaria muito abstrato). A Professora Ana Paula de
Barcellos (UERJ) elenca como direitos que compõem o mínimo existencial:
- Direito à saúde, sobretudo quando indispensável à existência do indivíduo;
- Educação Fundamental (aqui, trata-se da educação básica, não abrangendo educação superior ou do
ensino médio);
- Assistência aos desamparados, no caso de necessidade (ex. LOAS – benefício de 1 salário mínimo
para pessoas deficientes ou que são maiores de 65 anos, cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ do
salário mínimo); e
- Acesso à justiça (direito instrumental para que as pessoas possam fazer valer os três anteriores).
2ª Vertente (Profa. Ana Paula de Barcellos, Prof. Ingo Sarlet e Min. Celso de Mello) – Mínimo
existencial como regra (absoluto): o mínimo existencial não se sujeita à ponderação e, por isso, não se
sujeita à reserva do possível. Nesse sentido, a reserva do possível poderia ser invocada para a não
implementação de outros direitos sociais, mas não daqueles que compõem o mínimo existencial.
Se há um direito incluído dentro do mínimo existencial, não se pode alegar a reserva do possível para
que este direito não seja atendido. Vejamos os seguintes julgados:
STF - RE 482611/SC: “[...] Impossibilidade de invocação, pelo Poder Público, da cláusula da
reserva do possível sempre que puder resultar, de sua aplicação, comprometimento do núcleo básico que
qualifica o mínimo existencial (RTJ 200/191-197).”
STF - ARE 639.337 AgR: A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo
poder público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas
públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do
mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do
postulado da essencial dignidade da pessoa humana. [ARE 639.337 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 23-
8-2011, 2ª T, DJE de 15-9-2011.]221
De acordo com as decisões acima, se a reserva do possível for invocada para comprometer a
implementação de um determinado direito que compõe o mínimo existencial, esse argumento não irá
prevalecer no julgamento. Em tal entendimento, entre a reserva do possível e um direito que faz parte do
mínimo existencial, sempre o último irá prevalecer.
220
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) DPERN-2015 (CESPE); ii) MPRO-2017 (FMP); iii) MPT-2017; iv)
Cartórios/TJSP-2022 (VUNESP).
221
(MPSP-2019): Assinale a alternativa correta: A cláusula da reserva do possível, diante da garantia constitucional do
mínimo existencial, enquanto emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana, não pode ser
invocada pelo Estado com a finalidade de frustrar ou inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na
própria Constituição.
Quanto ao citado RE 4826111/SC, em decisão monocrática do Min. Celso de Mello, vejamos as
transcrições veiculadas no Info 581 do STF:
(...) Não se inclui, ordinariamente, no âmbito do Judiciário a atribuição de implementar
políticas públicas, pois, o encargo reside, primariamente, no Legislativo e Executivo. A
incumbência poderá atribuir-se, excepcionalmente, ao Judiciário, quando os órgãos competentes,
por descumprirem os encargos político-jurídicos em caráter mandatório, vierem a comprometer
a eficácia e a integridade de direitos individuais ou coletivos de estatura constitucional. A
“reserva do possível”, em sede de implementação dos direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais), para fins de adimplemento, exige do Poder Público prestações
estatais positivas. A realização desses direitos – em processo de concretização – depende, em grande
medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado.
Comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, não se poderá
razoavelmente exigir a imediata efetivação do comando da Carta Política. Não se mostrará lícito,
contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – mediante
indevida manipulação de sua atividade financeira ou político-administrativa - o ilegítimo,
arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a
preservação de condições materiais mínimas de existência A cláusula da “reserva do possível” -
ressalvada justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada com a finalidade de
exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, máxime quando,
dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação
de direitos constitucionais de essencial fundamentalidade (STF, RE 482.611-SC, Min. Celso de
Mello, julgado em 23-3-2010, Dje 7-4-2010). (Info 581).222
#Considerações: #DOD: Vale ressaltar que a jurisprudência atual tem afirmado que a reserva do
possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao
administrador público preteri-los em suas escolhas. Se um direito é qualificado pelo legislador como
absoluta prioridade, ele deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua
possibilidade é obrigatoriamente fixada pela Constituição ou pela lei. Ademais, tratando-se de direito
essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário
estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político,
especialmente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal.223
Por fim, cumpre ressaltar que direito ao mínimo existencial (Recht auf ein Existenzminimum) é um
direito fundamental social não escrito, reconhecido pelo Tribunal Constitucional Federal alemão
(Bundesverfassungsgericht ou BVerfG) e pela maioria da doutrina alemã. Segundo ele, é dever do Estado
garantir ao cidadão as condições básicas para uma existência digna.
Robert Alexy fundamenta o direito ao mínimo existencial por meio do princípio da autonomia; sob
esse prisma, o direito ao mínimo existencial representaria a garantia dos meios necessários para que o
indivíduo possa atuar de forma autônoma. Trata-se de um direito subjetivo definitivo vinculante224.
Acerca do tema, vejamos o seguinte trecho de julgado do STF:
STF - ARE 639.337 AgR: (...) A noção de "mínimo existencial", que resulta, por
implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende
um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições
adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral
de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena
fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral
da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à
moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da
Pessoa Humana, de 1948 (art. XXV). [ARE 639.337 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 23-8-2011, 2ª T,
DJE de 15-9-2011.]225
222
(MPGO-2019): Sobre os direitos sociais, assinale a alternativa correta: Segundo entendimento do STF, os direitos
sociais caracterizam-se por uma decisiva dimensão econômica, razão por que são passíveis de satisfação segundo
conjunturas econômicas, de acordo com as disponibilidades do momento, a partir de escolhas que competem,
primariamente, ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo. Entretanto, admite a Suprema Corte a intervenção do Poder
Judiciário diante da inércia estatal injustificada, especialmente quando a conduta governamental negativa puder resultar
na nulificação ou até mesmo na aniquilação de direitos constitucionais impregnados de essencial fundamentalidade.
223
(TRF4-2010): Assinale a alternativa correta: A cláusula de “reserva do possível” não pode ser invocada pelo Poder
Público com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de obrigações constitucionais quando essa conduta implicar a
nulificação de direitos fundamentais.
224
ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. 2. Aufl. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, s. 457.
Como se sabe, o modelo de direitos fundamentais sociais proposto por Robert Alexy é baseado na
ponderação. Como tal, o âmbito daquilo que é devido prima facie é maior do que o daquilo que é devido
definitivamente. Os direitos fundamentais sociais são, na maioria dos casos, direitos prima facie. Isso não
significa que eles não sejam vinculantes; significa apenas que, para chegar-se a um direito definitivo,
deve-se passar pela ponderação. Logo, afigura-se a ideia de que os direitos fundamentais sociais como
direitos prima facie; só se tornam direitos definitivos quando não há razões de maior peso em sentido
contrário.226
Portanto, seguindo nessa linha de raciocínio, Robert Alexy defende a necessidade de um padrão
mínimo de existência digna, o qual deve ser garantido a partir dos direitos sociais fundamentais. Existindo
conflito entre o princípio da reserva do possível e o princípio democrático, deve sempre prevalecer o
reconhecimento do direito subjetivo a prestações sociais básicas, indispensáveis a uma vida digna. 227
#Atenção: Já foi utilizado em prova do MPF: “Efeito cliquet” é um termo utilizado no alpinismo, cujo
movimento tem que ser sempre contínuo, para frente, não podendo retroceder, pois uma trava de segurança
impede que volte, para não cair. Direitos conquistados não podem retroceder.
Na aula sobre o Poder Constituinte Originário, a vedação de retrocesso foi abordada. Agora, neste
tópico, estuda-se a vedação de retrocesso social, ou seja, a vedação de retrocesso sob um aspecto mais
específico, a concretização dos direitos sociais pelos poderes públicos. Faremos a diferenciação.
Ao estudar o Poder Constituinte Originário, vimos que, para alguns, ele teria limitações materiais ou
extrajurídicas, dentre as quais se incluem o princípio da vedação de retrocesso (em sentido amplo). Dessa
forma, o Poder Constituinte não poderia retroceder com relação aos direitos fundamentais já conquistados
por uma sociedade, ainda que no contexto da consagração de uma nova Constituição. Nesse sentido, atua
como uma vedação imposta ao Poder Constituinte originário. Ex.: vedação da pena de morte – uma nova
Constituição não poderia consagrar a pena de morte para crimes hediondos.
A vedação do retrocesso “social”, por sua vez, atua como uma limitação aos poderes públicos
encarregados de concretizar a constituição (Legislativo, Executivo e Judiciário). Aqueles direitos que foram
já concretizados no plano infraconstitucional não podem ser objeto de um retrocesso.
Segundo Marcelo Casseb Continentino, o Princípio da Vedação ao Retrocesso Social “é um direito
constitucional que objetiva impedir que direitos fundamentais conquistados sejam retirados. Podemos considerá-lo,
portanto, como um direito constitucional de resistência que se opõe à margem de conformação do legislador quanto
à reversibilidade de leis concessivas de benefícios sociais” (CONTINENTINO, Marcelo Casseb. Proibição do
Retrocesso Social está na pauta do Supremo Tribunal Federal. 2015.) 229-230
225
(MPSP-2019): Assinale a alternativa correta: A cláusula da reserva do possível, diante da garantia constitucional do
mínimo existencial, enquanto emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana, não pode ser
invocada pelo Estado com a finalidade de frustrar ou inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na
própria Constituição.
(MPPR-2016): Assinale a alternativa correta: A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de
determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja
concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar à pessoa
acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da
plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do
adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à
segurança.
226
(MPGO-2019): Sobre os direitos sociais, assinale a alternativa correta: A tese do mínimo existencial, adotada pelo
Supremo Tribunal Federal, pode ser extraída da teoria dos princípios, conforme proposta por Robert Alexy.
227
ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, São Paulo, SP: Malheiros Ed, 2008, pp. 511-519.
228
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TRF4-2009; ii) DPERN-2015 (CESPE); iii) MPF-2015; iv) PGEPR-2015 (PUCPR);
v) MPF-2017; vi) DPEBA-2016/2021 (FCC); vii) MPMG-2021; viii) TJMA-2022 (CESPE); ix) MPRJ-2022.
229
CONTINENTINO, Marcelo Casseb. Proibição do Retrocesso Social está na pauta do Supremo Tribunal Federal. 2015.
230
(MPRJ-2022): Assinale a alternativa que diz respeito à modalidade de eficácia de princípio que propõe se possa exigir
do Judiciário a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos
fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente: Vedativa
do retrocesso.
#Atenção: O termo eficácia vedativa do retrocesso está relacionado ao princípio da vedação ao retrocesso (ou efeito
cliquet), que sempre recebe algumas linhas dos principais livros de Direito Constitucional. Em suma, o princípio ensina
Alguns direitos sociais, por terem textura aberta, por se expressarem através de princípios, para serem
implementados na prática precisam de uma concretização por parte dos poderes públicos. Esta
concretização não pode ser objeto de um retrocesso. Portanto, essa limitação se dirige, sobretudo, ao
Legislativo e ao Executivo quando da regulamentação/concretização de um direito social, embora possa
pautar também a atuação do Judiciário, quando da interpretação de um direito social. 231
#Questiona-se: De onde o “princípio da vedação de retrocesso” poderia ser extraído? De acordo com a
doutrina, ele estaria implicitamente consagrado no texto constitucional,232 conforme analisado no tópico a
seguir.
que a sociedade, conforme evolui reconhece direitos, não pode retroceder. No sentido cobrado pela questão, o princípio
da vedação ao retrocesso impede que a revogação de uma lei implique a perda de um direito consagrado. Assim, a lei
revogadora deve ser acompanhada de uma nova regulamentação da matéria, que não implique abolição do direito, sob
pena de ser inconstitucional. Numa outra perspectiva, uma corrente minoritária sustenta que o Poder Constituinte
Originário, comumente descrito como ilimitado, encontraria limite no princípio da vedação ao retrocesso. Portanto,
segundo essa corrente, hoje não poderia ser convocada uma assembleia constituinte que formasse uma nova
Constituição de caráter autoritário, antidemocrático e sem os direitos fundamentais que foram consagrados em nossa
sociedade pela CF/88. Sobre o tema: “A eficácia vedativa do retrocesso propõe se possa exigir do Judiciário é a invalidade da
revogação dos enunciados que, regulamentando o comando constitucional, ensejaram a aplicação e a fruição dos direitos
fundamentais ou ainda os ampliaram, toda vez que tal revogação não seja acompanhada de uma política substitutiva. Isto é: a
invalidade, por inconstitucionalidade, ocorrerá quando se revogam as disposições infraconstitucionais descritas deixando um vazio
em seu lugar. A ideia é que a revogação de um direito, já incorporado como efeito próprio da norma constitucional, a esvazia e
viola, tratando-se, portanto, de uma ação inconstitucional.” (Fonte: BARCELLO, Ana Paula de. Eficácia das normas
constitucionais. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André
Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun,
Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2017.).
(DPEBA-2021-FCC): O princípio do não retrocesso social se identifica com a ideia de um direito constitucional de
resistência.
231
(DPEDF-2019-CESPE): Acerca dos direitos e garantias fundamentais e de seus princípios fundamentais, julgue o item
que se segue: A revogação de norma que assegura direitos fundamentais sociais, sem a implementação de medidas
alternativas que tenham a capacidade de compensar eventuais perdas já sedimentadas, contraria o princípio da proibição
do retrocesso social.
#Atenção: Para o princípio da proibição do retrocesso social, quando da revogação de norma que discipline direitos
fundamentais sociais, deve o poder público implementar medidas alternativas que tenham a capacidade de compensar
eventuais perdas já sedimentadas. O princípio refere-se à imposição ao legislador de, ao elaborar os atos normativos,
respeitar a não supressão ou a não redução do grau de densidade normativa que os direitos fundamentais sociais já
tenham alcançado por meio da normatividade constitucional e infraconstitucional, salvo se forem desenvolvidas
prestações alternativas para de forma supletiva resguardar direitos sociais já consolidados.
(MPPR-2019): Os direitos humanos caracterizam-se pela existência da proibição de retrocesso, também chamada de
“efeito cliquet”.
#Atenção: O efeito “cliquet” dos direitos humanos significa que os direitos não podem retroagir, só podendo avançar
nas proteções dos indivíduos. No Brasil esse efeito é conhecido como princípio da vedação do retrocesso, ou seja, os
direitos humanos só podem avançar. Esse princípio, de acordo com Canotilho, significa que é inconstitucional qualquer
medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de
compensar a anulação desses benefícios (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da . 5ª ed. Coimbra:
Almedina, 2002, p. 336.).
(DPESC-2017-FCC): A proibição do retrocesso garante que direitos humanos conquistados não sejam reduzidos. Sobre
o tema é correto afirmar: Para doutrina majoritária, a vedação ao retrocesso é garantido como cláusula pétrea (Artigo 60,
Parágrafo 4° , inciso IV).
(MPM-2013): Assinale a alternativa correta: A proibição do retrocesso substancia cláusula que veda o retrocesso em
matéria de direitos a prestações positivas do Estado e traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais
individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a
ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado.
(MPT-2012): Assinale a alternativa correta: O exercício da função legislativa, em matéria de direitos fundamentais, está
vinculado à observância do princípio da proibição de retrocesso.
(DPEMA-2011-CESPE): Considerando a teoria geral dos direitos humanos, assinale a opção correta: O princípio da
proibição do retrocesso social é uma cláusula de defesa do cidadão em face de possíveis arbítrios impostos pelo
legislador no sentido de desconstituir as normas de direitos fundamentais.
232
(DPESC-2017-FCC): A respeito do princípio da proibição de retrocesso, considere: É considerado pela doutrina um
princípio constitucional implícito.
#Atenção: Para a grande maioria da doutrina estrangeira e nacional, o princípio da proibição do retrocesso ou da
não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais deve ser entendido na atualidade como limite material implícito,
de forma que os direitos fundamentais sociais já constitucionalmente assegurados e que alcançaram um grau de
Segundo a doutrina, a vedação de retrocesso pode ser extraída de diversos outros princípios
consagrados na Constituição, dentre eles:
- Segurança jurídica – imporia uma não retroatividade com relação à concretização dos direitos
conquistados;
- Dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) – conceito guarda-chuva, pois serve como justificação
a tudo;
- Princípio da máxima efetividade (Art. 5º, §1º);
- Princípio do Estado Democrático Direito (Art. 1º); e
- Sistema internacional de direitos humanos (já caiu na prova do MPF-2012, quando o princípio foi
cobrado como contido no sistema internacional de direitos humanos). 233
5.3. Definição
A vedação ao retrocesso consiste no impedimento, dirigido aos poderes públicos, de extinguir ou
reduzir (varia de acordo com a ideologia de cada autor), de forma desproporcional e injustificada, o grau de
concretização alcançado por um direito fundamental prestacional.
#Atenção: Alguns autores, como Zagrebelsky, sustentam que não pode haver qualquer redução no
grau de concretização dos direitos sociais. Outros dizem que a vedação do retrocesso não impede uma
redução, mas sim a extinção da concretização alcançada pelo direito. A redução poderia até ocorrer,
dependendo do caso. De toda forma, para que a extinção ou redução sejam legítimas, há que ser feita de
forma proporcional e justificada.
#Atenção: Observa-se que se está tratando de Poderes Públicos responsáveis pela concretização de um
direito prestacional, os quais exigem do Estado não uma abstenção, mas uma atuação positiva. Muitos
desses direitos têm eficácia limitada, ou seja, dependem de uma outra vontade para serem usufruídos no
caso concreto.
Ex.: O direito de greve dos servidores públicos até hoje não foi regulamentado pelo Congresso
Nacional. Se o Congresso Nacional tivesse regulamentado o direito de greve, ele não poderia simplesmente
revogar a lei, porque isso seria um retrocesso. Ele poderia até alterar a lei, mas não a revogar. Mesmo essa
alteração, se reduzisse o direito de greve ou o âmbito de exercício desse direito, teria que passar pelo crivo
da proporcionalidade e teria que haver uma justificativa legítima. Do contrário, seria uma violação à
vedação de retrocesso.
6. METODOLOGIA “FUZZY”237
O jurista português José Joaquim Gomes Canotilho publicou estudo denominado “Metodología ‘Fuzzy’
y ‘Camaleones Normativos’ en la Problemática Actual de los Derechos Económicos, Sociales y Culturales ” publicado
na Revista “Derechos y Libertades” do Instituto de Direitos Humanos da Universidade Carlos III de Madrid.
No referido estudo, o constitucionalista afirmou que a doutrina jurídica ainda não alcançou
conclusões razoáveis e satisfatórias sobre o tema da implementação de direitos econômicos, sociais e
culturais.
É dizer: houve avanços da doutrina em várias áreas do saber jurídico, mas a concretização dos
direitos sociais ainda caminharia trôpega, ou seja, cambaleante de ideias mais precisas sobre como seria a
concretização de tais direitos econômicos, sociais e culturais.
O professor José Joaquim Gomes Canotilho é autor de um trabalho denominado “Metodologia Fuzzy e
Camaleões Normativos”, a problemática atual dos direitos econômicos, sociais e culturais, no qual faz duras
críticas ao modo como alguns doutrinadores tratam os direitos econômicos, sociais e culturais. Com o nome
“camaleões normativos”, Canotilho busca demonstrar a suposta vagueza normativa do sistema jurídico dos
direitos sociais, o que acaba por ocasionar uma confusão entre o conteúdo de um direito juridicamente
definido e determinado com sugestões de conteúdo político-jurídica.
Sobre este tema, vejamos a lição de Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Viana Alves Ferreira:
“As ciências sociais são frequentemente criticadas por utilizarem metodologia ‘fuzzy’ – métodos confusos,
indeterminados e vagos para tratar dos respectivos objetos de estudo. E no âmbito da ciência jurídica, é
sobretudo a teoria dos direitos fundamentais que recebe mais críticas dessa ordem. Segundo Canotilho, paira sobre a
dogmática e teoria jurídica dos direitos econômicos sociais e culturais a carga metodológica da ‘vaguidez’,
‘indeterminação’ e ‘impressionismo’ que a teoria da ciência vem apelidando, em termos caricaturais sobre a
designação de ‘fuzzysmo’ ou ‘metodologia fuzzy’. Ainda para Canotilho, ao ‘falarem de direitos econômicos, sociais e
culturais, os juristas não sabem muitas vezes do que estão a falar’” (BERNARDES, Juliano Taveira e FERREIRA,
Olavo Augusto Viana Alves. Direito Constitucional. 3. ed. Bahia: Juspodivm, 2013, p. 687).238
234
(Auditor/FUB-2015-CESPE): Julgue o item subsecutivo, acerca dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos
direitos sociais, dos direitos de nacionalidade e dos direitos políticos: Embora não esteja previsto expressamente na CF, o
princípio da proibição do retrocesso social significa que, uma vez regulamentado dispositivo constitucional de índole
social, o legislador não pode retroceder, revogando ou prejudicando o direito já reconhecido.
(DPU-2007-CESPE): Julgue o item subsequente: Aplica-se aos direitos sociais, econômicos e culturais o princípio da
proibição do retrocesso.
235
(MPSP-2019): Assinale a alternativa correta: Pelo princípio da proibição do retrocesso em matéria de direito a
prestações positivas do Estado, a ação estatal deve caminhar no sentido da ampliação dos direitos fundamentais e de
assegurar-lhes a máxima efetividade possível, ou que, depois de consagrá-los, não possa eliminá-los sem alternativas ou
compensações.
236
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TJMA-2022 (CESPE); ii) MPSP-2022.
237
Fontes: i) https://www.emagis.com.br/area-gratuita/que-negocio-e-esse/camaleoes-normativos-e-a-metodologia-
fuzzy/ ii) Professor Thimotie Heemann.
238
(MPGO-2019): Seguindo as lições de J. J. Gomes Canotilho quanto aos direitos sociais, culturais e econômicos, em que
consiste a chamada “metodologia fuzzy"? Em virtude de a dogmática e a teoria jurídica dos direitos sociais, culturais e
econômicos expressarem uma metodologia vaga ou mesmo indeterminada, a teoria da ciência, por meio de tons
caricaturais, conferiu-lhe o apelido de “metodologia fuzzy”. Traduz-se, na verdade, em forte censura aos juristas, no
sentido de que estes, na abordagem dos complexos problemas dos direitos sociais, culturais e econômicos, não sabem o
que dizem.