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- Teoria dos Direitos Fundamentais. Direitos Individuais. Garantias Individuais.

Direitos
Sociais.
- Aulas G7 Jurídico (professor Marcelo Novelino) + questões de concurso + Informativos Dizer o Direito
- Leitura Lei Seca: art. 5º a 6º da CF/88.
- Atualização em 31/08/2023: questões de concurso + distinção entre Direitos e Garantias (Rui
Barbosa) + Info 893 STF sobre a liberdade de expressão (itens 2.4.1.1. e 2.4.1.2) + Info 899 STF
(item 2.3.1.3) + julgado Info 921 STF (item 2.4.1.1.) + Info 935 STF sobre liberdade religiosa (item
2.4.2.1.1.) + classificação dos direitos humanos, segundo André Carvalho Ramos (item 1.6.); Info
962 (item 2.3.1.3)

TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
1.1. Aplicabilidade
Nos termos da Constituição, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata, vejamos:
CF, art. 5º, § 1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata.

O dispositivo, embora localizado no art. 5º da CF/88, não se refere apenas aos direitos individuais e
coletivos, mas a todos os direitos e garantias fundamentais, ou seja, incluem-se os direitos individuais e
coletivos, os sociais, de nacionalidade e os políticos.
Aplicação imediata significa que os direitos fundamentais se aplicam imediatamente e independem
de outra vontade (não precisam de uma intermediação do legislador). No entanto, ao analisar os direitos em
espécie, percebe-se que alguns dispositivos preveem a necessidade de lei para serem exercidos (normas
constitucionais de eficácia limitada).
Ex.1: Ao tratar dos inventos industriais e da proteção assegurada a ele, a própria CF/88 diz que ela
depende de lei.
CF, art. 5º, XXIX: A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário
para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de
empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do País.

Ex.2: Ao tratar dos atos necessários ao exercício da cidadania, que devem ser gratuitos, a própria CF
determina que a lei os especifique.
CF, art. 5º, LXXVII: São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os
atos necessários ao exercício da cidadania.

Ex.3: salário-mínimo nacionalmente unificado, nos termos da lei.

O paradoxo entre o art. 5º, § 1º e alguns dispositivos da Constituição que exigem expressamente lei
regulamentadora fica ainda mais evidente com a existência de um instrumento voltado exatamente para
assegurar o exercício de direitos fundamentais carentes de regulamentação legal: O MANDADO DE
INJUNÇÃO.

Nesses casos, questiona-se como os direitos serão imediatamente aplicados se não existir a lei
regulamentadora. Nesse passo, há duas interpretações do art. 5º, § 1º, CF:
1ª Corrente (Marcelo Novelino – minoritária): O art. 5º, §1º da CF/88 consagra uma regra
(mandamento definitivo, que deve ser aplicado na exata medida de suas prescrições), que é excepcionada
expressamente em alguns casos pela própria Constituição. Em outras palavras, as normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais, em regra, aplicam-se imediatamente. Entretanto, há exceções que ocorrem
apenas quando o próprio dispositivo exigir uma lei regulamentadora para a sua aplicabilidade.

2ª Corrente (Ingo Sarlet – MAJORITÁRIA): Ao mencionar que as normas definidoras de direitos e


garantias fundamentais têm aplicação imediata, o art. 5º, §1º da CF/88 não consagra uma regra, mas um
princípio (mandamento de otimização, exigindo que algo seja cumprido na maior medida possível,
conforme as circunstâncias fáticas e jurídicas existentes). Assim, as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata “na maior medida possível”.
##Advertência em relação à 2ª corrente: Cumpre advertir que, embora seja possível falar em
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, a norma do art. 5º § 1º da CF/88 determina um mandado
de otimização (uma norma princípio), que impõe aos órgãos estatais a obrigação de reconhecerem a maior
eficácia possível aos direitos fundamentais, gerando uma presunção em favor da aplicabilidade imediata das
normas que definem direitos. Todavia, tal regra não é absoluta, devido à própria natureza de alguns
direitos fundamentais. Existem normas relativas a direitos fundamentais que são, evidentemente, não
autoaplicáveis, isto é, necessitam de mediação legislativa para que tenham plena efetividade.

1.2. Localização Topográfica


No Título II da Constituição Federal constam os direitos e garantias fundamentais expressamente
consagrados, de forma sistematizada: (cap. 1) direitos e deveres individuais e coletivos; (cap. 2) direitos
sociais; (cap. 3) direitos de nacionalidade; (cap. 4) direitos políticos; (cap. 5) partidos políticos.

##Questiona-se: Isso significa que todos os direitos e garantias fundamentais estão no título II e não
existem outros localizados fora dela?
Se dissermos que não existem outros direitos e garantias fundamentais fora do Título II da CF/88,
adotaremos a teoria formal dos direitos fundamentais. Ou seja, a teoria formal dos direitos e garantias
fundamentais postula que são desta espécie apenas os direitos previstos nos artigos 5º ao 17 da CF/88.
Uma outra forma de identificar os direitos e garantias fundamentais é de acordo com o seu conteúdo,
ou seja, de acordo com a relação de proximidade dos direitos e garantias com a dignidade da pessoa
humana. A identificação de um direito fundamental pelo seu conteúdo, na qual não importa a sua
localização topográfica, baseia-se em uma teoria material.

##Obs.: Veremos que os direitos existem justamente para promover e proteger a dignidade da pessoa
humana.

A Constituição de 1988 adota a teoria material dos direitos fundamentais:


CF, art. 5º, § 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.1

Como a Constituição adota a teoria material, outros direitos com o mesmo conteúdo também devem
ser considerados direitos fundamentais, embora localizados noutra parte ou até mesmo fora do texto
constitucional. Ou seja, os direitos e garantias fundamentais não se restringem ao Título II da
Constituição.2
Tal característica não impede que seja reconhecido a tais direitos fora do Título II o caráter de
fundamentalidade, dependendo, portanto, do conteúdo que eles possuem (proximidade com a dignidade da
pessoa humana).

1.3. Hierarquia dos Tratados Internacionais3


Entre 1977 a 2008, o STF adotou o entendimento de que os tratados internacionais, quaisquer que
fossem eles, tinham o status de lei ordinária.
Nesse ínterim, a EC n. 45/04 acrescentou o § 3º ao art. 5º da CF/88 dispondo que: “os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Assim, a partir da EC n. 45/04, passou a existir uma dupla hierarquia dos tratados:
 Tratados de direitos humanos aprovados por três quintos dos membros de cada Casa do
Congresso Nacional e em dois turnos de votação (forma de emenda constitucional): STATUS
CONSTITUCIONAL.4

1
(MPGO-2019): Assinale a alternativa correta: O sistema constitucional brasileiro alberga direitos fundamentais não
expressos no texto constitucional, mas que sejam decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição
Federal. BL: art. 5º, §2º, CF.
(MPAM-2007-CESPE): Embora o art. 5.º da CF disponha de forma minuciosa sobre os direitos e as garantias
fundamentais, ele não é exaustivo e não exclui outros direitos. BL: art. 5º, §2º, CF.
2
(Anal. Legisl./Câm. de Deputados-2014-CESPE): Conforme já manifestou o STF e a doutrina dominante, os direitos
individuais e coletivos não se restringem aos elencados no artigo quinto da CF, podendo ser encontrados ao longo do
texto constitucional.
3
##Atenção: Caiu na prova TJSP-2018, banca VUNESP.
4
(PGEMT-2016-FCC): No que concerne aos Tratados Internacionais de proteção dos direitos humanos e sua evolução
constitucional no direito brasileiro à luz da Constituição Federal, eles são caracterizados como sendo de
hierarquia constitucional, dependendo de aprovação pelas duas casas do Congresso Nacional, pelo quorum mínimo de
3/5, em dois turnos, em cada casa. BL: art. 5º, §3º, CF/88.
 Demais tratados, inclusive de direitos humanos não aprovados pela sistemática do art. 5º, § 3º, da
CRFB/88: STATUS DE LEI ORDINÁRIA.

Ao chegar a matéria no STF, no ano de 2008, a Suprema Corte adotou novo entendimento. No
julgamento do RE n. 466.343 prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes no sentido de que os tratados e
convenções internacionais de direitos humanos não aprovados pelo rito da CF, art. 5º, § 3º estariam
situados abaixo da Constituição, mas acima da lei e, portanto, teriam STATUS SUPRALEGAL.
Ex.: tratados internacionais sobre direitos humanos anteriores à EC n. 45/04.
Com a adoção do entendimento acima, verifica-se passou a entender-se pela existência de tripla
hierarquia dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos:
TRATADOS INTERNACIONAIS E HIERARQUIA
EQUIVALÊNCIA ESPÉCIE
Tratados e Convenções internacionais de direitos
Equivalem às emendas constitucionais5 humanos, desde que aprovados por 3/5 e em dois
turnos de votação, em cada Casa.
Tratados e Convenções internacionais de direitos
Possuem status supralegal humanos, mas não aprovados de acordo com o rito
(abaixo da CF, mas acima das leis comuns) do art. 5º, § 3º, CF (v.g. Pacto de São José da Costa
Rica)6.
Tratados e Convenções internacionais que não sejam
Equivalem à leis ordinárias
de direitos humanos.

Vejamos trecho do voto vencedor sobre o tema, que não foi uma criação do Min. Gilmar Mendes, pois
já havia sido defendida pelo Min. Sepúlveda Pertence em 2000, que não foi a posição vencedora à época:
RE 466.343/SP – 2008 (voto Min. Gilmar Mendes): […] parece mais consistente a interpretação
que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese
pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém,
diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam
dotados de um atributo de supralegalidade.

(TJSP-2009-VUNESP): Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos celebrados pelo Brasil
equivalerão às emendas constitucionais quando forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros. BL: art. 5º, §3º, CF/88.
5
(TJPR-2012-PUCPR): Os tratados que versem sobre direitos humanos e que forem aprovados, em nosso poder
legislativo, pelo mesmo rito previsto para emendas constitucionais, terão status de norma constitucional. BL: art. 5º, §3º,
CF/88.
6
(DPEPR-2017-FCC): De acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a hierarquia dos tratados
internacionais de direitos humanos, consideram-se como tratados de hierarquia constitucional: 1) Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu respectivo Protocolo Facultativo − Convenção de Nova
Iorque e; 2) Tratado de Marraqueche para facilitar o acesso a obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual
ou com outras dificuldades para aceder ao texto impresso.
OBS: O Tratado de Marraqueche foi aprovado pelo Congresso Nacional com status de emenda pelo Decreto
Legislativo 261/2015, em setembro de 2015, sendo ratificado em 11 de dezembro de o 2015. Agora, em 2018, o referido
Tratado foi promulgado pelo Dec. 9.522/2018. Sendo assim, o Brasil aprovou o Tratado de Marraqueche na forma
qualificada prevista no § 3º do artigo 5º da CF/88, conforme o Projeto de Decreto Legislativo 347/2015 do Senado
Federal (57/2015, na Câmara dos Deputados). Com o vigor internacional do Tratado, o Brasil passa a ter mais um
instrumento com equivalência de emenda constitucional — o terceiro tratado com nível hierárquico formalmente
constitucional no Brasil, que vem somar-se à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e
pelo seu Protocolo Facultativo, ambos aprovados por maioria congressual qualificada em 2009 (promulgados pelo
Decreto 6.949/2009).
(MPSP-2013): O Decreto Legislativo n.º 186, de 09 de julho de 2008, aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. O
Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992, promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.Tais normas ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro com o grau
hierárquico de norma constitucional e norma supralegal, respectivamente.
Explicação: A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em
Nova Iorque, em março de 2007 trata-se de NORMA CONSTITUCIONAL, posto que FOI APROVADA PELO QUORUM
QUALIFICADO DE EMENDA CONSTITUCIONAL, previsto no art. 5º § 3ºda CF/88. Já a Convenção Americana de
Direitos Humanos, como NÃO FORA APROVADA PELO QUORUM QUALIFICADO, trata-se de NORMA
SUPRALEGAL, isto é, acima, da lei, mas abaixo da CF/88, consoante entendimento do STF. Porém, há doutrina que
entende que os tratados internacionais de Direitos Humanos, MESMO QUE NÃO APROVADOS PELO QUORUM
QUALIFICADO DE EMENDA CONSTITUCIONAL, tem status DE NORMA CONSTITUCIONAL, consoante art. 5º, §3º
da CF/88.
RHC 79.785-RJ – 2000 (voto Min. Sepúlveda Pertence, mas não vencedora à época): Certo, com o
alinhar-me ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos
tratados a ela incorporados, não assumo compromisso de logo [...] com o entendimento, então majoritário -
que, também em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais - preserva a
jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis (...). Se assim é, à primeira vista, parificar às
leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5º, § 2º, da Constituição, seria esvaziar de muito do seu
sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado, traduziu uma abertura
significativa ao movimento de internacionalização dos direitos humanos.

1.4. Dupla Fundamentalidade dos Direitos Fundamentais7


Ingo Wolfgang Sarlet explica que “direitos fundamentais são posições jurídicas reconhecidas e
protegidas na perspectiva do direito constitucional interno dos Estados”. Em continuidade, explica o
doutrinador que a nota distintiva da fundamentalidade, ou seja, o que qualifica um direito como
fundamental é a circunstância de ter uma especial proteção tanto do ponto de vista formal quanto material.
Em resumo, a fundamentalidade de um direito é simultaneamente formal e material.
Nesse contexto, a fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo,
tanto de forma expressa ou implicitamente considerado, denotando um regime jurídico qualificado por
alguns elementos:
a) Como parte integrante da constituição escrita, os direitos fundamentais situam-se no
ápice de todo o ordenamento jurídico, gozando da supremacia hierárquica das normas
constitucionais (lembrando que embora existam direitos fundamentais constitucionais nem todos
direitos fundamentais são constitucionais);
b) Na qualidade de normas constitucionais, encontram-se submetidos aos limites formais
(procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma constitucional (art. 60 da CF),
muito embora se possa controverter a respeito dos limites da proteção outorgada pelo constituinte; 8
c) Além disso, as normas de direitos fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam
de forma imediata as entidades públicas e, mediante as necessárias ressalvas e ajustes, também os
atores privados (art. 5º, §1º, da CF).

A fundamentalidade material, por outro lado, decorre da circunstância de serem os direitos


fundamentais elemento constitutivo da Constituição material, contendo decisões sobre a estrutura básica
do Estado e da sociedade. Nesse sentido, Sarlet explica que, inobstante não necessariamente ligada à
fundamentalidade formal, é por intermédio do direito constitucional positivo (art. 5º, §2º, CF) que a noção
de fundamentalidade material permite a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não
constantes de seu texto e, portanto, materialmente fundamentais, assim como a direitos fundamentais
situados fora do catálogo, mas integrantes da Constituição formal, em que pese possa controverter-se a
respeito da extensão do regime da fundamentalidade formal a estes direitos apenas materialmente
fundamentais.9
Arremata Sarlet explicando que, com o sentido da nota distintiva da fundamentalidade de
determinados direitos (em relação a outros, que não foram expressa ou mesmo implicitamente albergados
pela Constituição), é preciso destacar que, no sentido jurídico-constitucional, um determinado direito é
fundamental não apenas pela relevância do bem jurídico tutelado em si mesma (por mais importante que
o seja), mas pela relevância do bem jurídico na perspectiva das opções do Constituinte, acompanhada pela

7
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. 11 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 74-78.
8
(MPDFT-2009): Sobre direitos fundamentais, julgue o seguinte item: As normas de direitos fundamentais impõem- se a
todos os poderes constituídos, inclusive ao poder de reforma da constituição.
9
(PCRJ-2022-CESPE): Acerca dos direitos fundamentais, assinale a opção correta: A fundamentalidade material dos
direitos fundamentais decorre da circunstância de serem os direitos fundamentais elemento constitutivo da Constituição
material, contendo decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade.
#Atenção: Desse modo, o aspecto material dos diretos fundamentais, ou fundamentalidade material, está atrelado ao
conteúdo substancial normativo, ligado ao conteúdo essencial fundamental - de direitos fundamentais, qual seja, pontos
fundamentais sobre a estrutura básica de um Estado e da sociedade, com assuntos essenciais e pontuais referentes à
estrutura de governo, políticas públicas, governados e direitos fundamentais.
(MPGO-2014): A 9ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América diz textualmente: “A especificação de certos
direitos na Constituição não deve ser entendida como uma negação ou depreciação de outros direitos conservados pelo povo” .
Segundo a visão de alguns autores, e citada Emenda encerra “norma com fattispecie aberta”, segundo a qual certos direitos
não se limitam àqueles descritos na Constituição. Com base nessas premissas, indique a assertiva correta: A
fundamentalidade material fornece suporte para a abertura a novos direitos fundamentais, sendo correto observar que
aos direitos fundamentais só materialmente constitucionais são aplicáveis aspectos típicos do regime jurídico da
fundamentalidade formal. BL: art. 5º, §§1º e 2º, CF.
hierarquia normativa correspondente e do regime jurídico-constitucional assegurado pelo Constituinte às
normas de direitos fundamentais.10
Acrescente-se, ainda, que, com base no art. 5º, §2º da CF, a Constituição brasileira contém cláusula
aberta que permite acolher os chamados direitos materialmente fundamentais ou direitos fundamentais
em sentido material, que são aqueles não previstos expressamente por ela, mas que, por força de sua
essencialidade, são direitos fundamentais, detentor da mesma dignidade dos direitos constitucionalizados.
A essa abertura podemos denominar, com apoio em JORGE MIRANDA, de não tipicidade dos direitos
fundamentais. CANOTILHO sustenta que, “em virtude de as normas que os reconhecem e protegem não terem a
forma constitucional, estes direitos são chamados de direitos materialmente fundamentais. Por outro lado, trata-
se de uma ‘norma de FATTISPECIE ABERTA’, de forma a abranger, para além das positivações concretas, todas as
possibilidades de ‘direitos’ que se propõem no horizonte da acção humana”.

#Em resumo: Um direito não precisa ter fundamentalidade material para ser considerado
fundamental. Fundamentalidade material é entender que aquele direito, no seu conteúdo, na sua
natureza, é direito fundamental. Por outro lado, a fundamentalidade formal é a previsão daquilo no rol
dos direitos fundamentais. O critério da fundamentalidade material é útil em um segundo momento, para
permitir que sejam encontrados outros direitos fundamentais fora do Título II da CF/88.11

1.5. Distinção entre “Direitos Humanos” e “Direitos Fundamentais” 12


Há duas correntes, vejamos:
1ª Corrente – MAJORITÁRIA: Os direitos humanos e os direitos fundamentais possuem,
essencialmente, o mesmo conteúdo. São direitos relacionados à liberdade e à igualdade, voltados à
promoção e à proteção da dignidade da pessoa humana. Portanto, ambos são semelhantes em relação ao
conteúdo. A diferença está no plano em que estão consagrados:
 DIREITOS HUMANOS: localizados no plano internacional (Tratados e Convenções
internacionais).
 DIREITOS FUNDAMENTAIS: localizados no plano interno (em regra, dentro das
Constituições, embora seja possível consagrar outros direitos fundamentais fora do texto
constitucional).

Seguindo esta corrente, afirma Ingo Wolfang Sarlet que, “em que pese seja ambos os termos (‘direitos
humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de
passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘DIREITOS FUNDAMENTAIS’ se aplica para aqueles
direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de
determinado Estado, ao passo que a expressão ‘DIREITOS HUMANOS’ guardaria relação com os documentos
de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à
validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco CARÁTER
SUPRANACIONAL (internacional).” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed.,
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 35 e 36).13

2ª Corrente – MINORITÁRIA: não há distinção, ou seja, são expressões sinônimas. Até porque um
direito muitas vezes inicialmente ratificado no plano externo, depois é incorporado ao plano interno.

#Atenção: #DPESP-2015: #FCC: O professor Ingo Wolfang Sarlet defende que os direitos
fundamentais positivados em determinado ordenamento jurídico de um país podem ser mais amplos do que
os direitos humanos entendidos em uma perspectiva de direito internacional. Em artigo publicado em 15 de

10
(MPPR-2019): Sobre direitos fundamentais, é correta a afirmação: A caracterização de um direito como fundamental
não é determinada apenas pela relevância do bem jurídico tutelado por seus predicados intrínsecos, mas também pela
relevância que é dada a esse bem jurídico pelo constituinte, mediante atribuição da hierarquia correspondente (expressa
ou implicitamente) e do regime jurídico-constitucional assegurado às normas de direitos fundamentais. BL: art. 5º, §§1º
e 2º, CF.
#Atenção: A questão está correta porque, primeiramente, as normas constitucionais já se situam, naturalmente, no topo
da hierarquia normativa. Ademais, os Direitos Fundamentais representam normas materialmente constitucionais, com
extrema relevância, sendo dotadas, inclusive, de aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CF/88).
11
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPSC-2021 (CESPE); ii) PCRJ-2022 (CESPE).
12
#Atenção: Tema cobrado na prova do MPGO-2019.
13
(MPSP-2019): Em relação aos direitos humanos, é correto afirmar: São aqueles protegidos pela ordem internacional.
(MPSC-2016): Conceitualmente, os direitos humanos são os direitos protegidos pela ordem internacional contra as
violações e arbitrariedades que um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. Por sua vez, os direitos
fundamentais são afetos à proteção interna dos direitos dos cidadãos, os quais encontram-se positivados nos textos
constitucionais contemporâneos.
fevereiro de 2015, na Revista Consultor Jurídico, o jurista explica: “Com isso já se percebe que os direitos
fundamentais, considerados como tais aqueles consagrados nas ordens jurídicas constitucionais e dotados de um
particular regime jurídico que é constitutivo da própria fundamentalidade, podem ter (e em muitos casos o têm) uma
amplitude muito maior que a do universo dos direitos humanos, seja qual for o critério justificador de tal noção. É por
isso que o FGTS, o “terço sobre as férias”, as ações constitucionais citadas, e muitos outros (poderíamos aqui incluir a
garantia da anualidade eleitoral, consagrada no artigo 16 da CF/88), podem — como é o caso no Brasil — assumir a
condição de direitos fundamentais e ainda assim não serem direitos humanos, o que não restaria alterado quanto à sua
correção mesmo que utilizada outra terminologia, como a de direitos individuais, liberdades públicas, entre outras.”
(Fonte: “Pena de morte na Indonésia e FGTS no Brasil. A distinção necessária”,
http://www.conjur.com.br/2015-fev-13/direitos-fundamentais-pena-morte-indonesia-fgts-brasil-distincao-
necessaria). 14

1.6. A estrutura dos Direitos Humanos, segundo André de Carvalho Ramos


De acordo com a doutrina de André Carvalho Ramos a estrutura dos Direitos Humanos é variada,
podendo se caracterizar em:
a) direito-pretensão: Confere-se ao titular o direito a ter alguma coisa que é devido pelo Estado ou
até mesmo por outro particular. Assim, o Estado (ou esse outro particular) devem agir no sentido
de realizar uma conduta para conferir o direito. Por exemplo, o direito à educação, que deve ser
prestado pelo Estado gratuitamente (art. 208, I, da CF/88).

b) direito-liberdade: Compreende a abstenção ao Estado ou a terceiros, no sentido de se


ausentarem, de não atuarem como agentes limitadores, ou seja, consiste na faculdade de agir que
gera a ausência de direito de qualquer outro ente ou pessoa. Cita-se como exemplo a liberdade
de credo (art. 5º, VI, CF/88), não possuindo o Estado (ou terceiros) nenhum direito (ausência de
direito) de exigir que essa pessoa tenha determinada religião.

c) direito-poder: Possibilita à pessoa exigir a sujeição do Estado ou de outra pessoa para que esses
direitos sejam observados, isto é, implica uma relação de poder de uma pessoa de exigir
determinada sujeição do Estado ou de outra pessoa. O exemplo aqui é o direito à assistência
jurídica. Desse modo, uma pessoa tem o poder de, ao ser presa, requerer a assistência da família
e de advogado, o que sujeita a autoridade pública a providenciar tais contatos (art. 5º, LXIII, da
CF/88).

d) direito-imunidade: Segundo Carvalho Ramos, tal espécie impede que uma pessoa ou o Estado
hajam no sentido de interferir nesse direito. Consiste, portanto, na autorização dada por uma
norma a uma determinada pessoa, impedindo que outra interfira de qualquer modo. Desse
modo, uma pessoa é considerada imune à prisão, a não ser em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar (art. 5º, LVI, da CF/88), o que impede que outros agentes
públicos (como, por exemplo, agentes policiais) possam alterar a posição da pessoa em relação à
prisão.15

2. CLASSIFICAÇÕES
2.1. Constituição Federal – Título II (artigos 5º ao 17)
A CF/88 trata expressamente dos direitos e garantias fundamentais no seu Título II, dividindo-os
entre os art. 5º a 17. Dentro desses dispositivos, cada capítulo trata de um tipo de direito fundamental:

i. Capítulo I: direitos e deveres individuais e coletivos;

#Obs.: O art. 60, § 4º, IV, da CF, diz que são cláusulas pétreas os “direitos e garantias individuais” e
não todos direitos e garantias fundamentais. Assim, de acordo com uma interpretação literal, somente os
direitos e garantias individuais (excluído os coletivos) do art. 5º seriam cláusulas pétreas.
No entanto, há alguns aspectos a serem mencionados acerca dos “direitos coletivos”, contidos no art.
5º da CF: (i) De acordo com José Afonso da Silva, a rigor, eles são direitos individuais de expressão
coletiva, ou seja, são direitos relacionados à liberdade, mas seu exercício não é viabilizado individualmente
14
(DPESP-2015-FCC): Analise a seguinte assertiva acerca dos direitos fundamentais: Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, os
direitos fundamentais podem ter uma amplitude muito maior que a do universo dos direitos humanos.
15
(MPSP-2017): Os Direitos Humanos possuem estrutura variada, constituindo um feixe de direitos considerados
fundamentais para a assecuração do vetor da Dignidade da Pessoa Humana. Em tal sentido, a doutrina costuma afirmar
que os Direitos Humanos dividem-se em direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e direito-imunidade.
Constituem exemplos de cada uma dessas espécies, respectivamente: o acesso à saúde, a crença religiosa, a defesa da
propriedade e o direito de não ser preso salvo em flagrante delito ou em virtude de decisão judicial fundamentada.
(v.g. liberdade de reunião ou de associação são individuais, mas não há como serem exercidos por apenas uma pessoa );
(ii) Embora o art. 5º da CF consagre esses direitos individuais de expressão coletiva, boa parte dos direitos
coletivos propriamente ditos encontram-se localizados junto aos direitos sociais (v.g. direito de greve e liberdade
de associação sindical).
Portanto, uma interpretação teleológica e sistemática deixa claro que os direitos coletivos do art. 5º
da CF não podem ser excluídos do conceito de cláusulas pétreas.

ii. Capítulo II: direitos sociais;

iii. Capítulo III: direitos de nacionalidade;

iv. Capítulo IV: direitos políticos;

v. Capítulo V: partidos políticos.

2.2. Doutrina
A doutrina tem três principais classificações sobre os direitos fundamentais: (i) unitária; (ii) dualista;
(iii) trialista.

2.2.1. Unitária – minoritária


É o entendimento adotado por Jairo Schäfer, na obra “Classificação dos direitos fundamentais: do sistema
geracional ao sistema unitário”. Não é a classificação que prevalece na doutrina brasileira.
De acordo com a classificação unitária, “a profunda semelhança entre todos os direitos fundamentais impede
sua classificação em categorias estruturalmente distintas”. Em outras palavras, não há uma diferença estrutural
entre os direitos fundamentais que justifique uma distinção entre eles.
Ex.: o art. 5º, §1º da CF, ao falar da aplicação imediata, não fala apenas de uma parte deles, mas sim de
todos os direitos fundamentais.

2.2.2. Dualista – minoritária


É o entendimento adotado por Ingo Sarlet na obra “A eficácia dos direitos fundamentais”. Não é a
classificação que prevalece na doutrina brasileira.
A classificação dualista dispõe que os direitos fundamentais são divididos em direitos de defesa
(liberdades negativas, na qual se incluem os direitos políticos) e direitos a prestações ou prestacionais
(liberdades positivas).
Os direitos de defesa (liberdades negativas) são os direitos fundamentais clássicos, os quais são
criados para proteger o indivíduo contra o arbítrio do Estado. Eles conferem ao indivíduo um espaço de
liberdade, no qual não pode haver uma intervenção estatal. Nesse sentido, os direitos de defesa possuem um
caráter negativo, pois exigem uma abstenção estatal (v.g. liberdade de expressão).
Existe, no entanto, outro grupo de direitos, os quais foram consagrados nos textos constitucionais após
o constitucionalismo social: os direitos prestacionais. Tais direitos consagram liberdades positivas, porque
exigem do Estado uma atuação positiva, ou seja, o Estado deve fornecer determinadas prestações (sejam
materiais ou jurídicas) (v.g. o direito à saúde exige do Estado o fornecimento de medicamentos, hospitais, etc.).

2.2.3. Trialista – MAJORITÁRIA


De acordo com a classificação trialista, os direitos fundamentais são divididos em direitos de defesa
(com status negativo), direitos a prestações (com status positivo) e direitos de participação (com status ativo).
 Direitos de defesa: são os direitos que exigem do Estado uma abstenção, relacionados às liberdades
civis. Os direitos de defesa caracterizam-se por exigir do Estado, preponderantemente, um dever de
abstenção, caráter negativo, no sentido de impedir a ingerência na autonomia dos indivíduos. São
direitos que limitam o poder estatal com o intuito de preservar as liberdades individuais, impondo-
lhe o dever de não interferir, não intrometer, não reprimir e não censurar. Os direitos fundamentais
cumprem a função de direito de defesa dos cidadãos, sob dupla perspectiva, por serem normas de
competência negativa para os poderes públicos, ou seja, que não lhes permitem a ingerência na
esfera jurídica individual, e por implicarem um poder, que se confere ao indivíduo, não só para que
ele exerça tais direitos positivamente, mas também para que exija, dos poderes públicos, a correção
das omissões a eles relativas. 16
16
(PGEPA-2022-CESPE): Acerca dos direitos fundamentais individuais expressos na Constituição Federal de 1988 (CF),
assinale a opção correta: A concepção dos direitos fundamentais como direitos de defesa limita o poder estatal,
assegurando ao indivíduo uma esfera de liberdade e, concomitantemente, um direito subjetivo para evitar interferência
indevida ou eliminar agressão no âmbito de proteção do direito fundamental.
#Atenção: De acordo com a teoria dos direitos fundamentais, a sua concepção como direitos de defesa limita o poder
estatal e, assim, asseguram ao indivíduo uma esfera de liberdade, evitando a interferência indevida no âmbito de
Incidência: liberdades civis, basicamente (v.g. liberdade de locomoção, liberdade de manifestação do
pensamento, liberdade religiosa, etc.).
#Obs.: Há direitos de defesa expressos em outros dispositivos da Constituição que não o art. 5º (v.g.
direito à associação sindical prevista no art. 8º).

 Direitos prestacionais: consagram liberdades positivas, porque exigem do Estado uma atuação
positiva, ou seja, o Estado deve fornecer determinadas prestações (sejam materiais ou jurídicas). 17
Incidência: direitos sociais, basicamente (v.g. saúde, educação, moradia, previdência social).
#Obs.: Há direitos prestacionais no rol do art. 5º (v.g. assistência judiciária gratuita).

 Direitos de participação: são os direitos que permitem ao indivíduo participar na política e nos
rumos do Estado.
Incidência: direitos políticos.

#Parêntese: #MPRS-2021: Segundo Ingo Wolfgang Sarlet “(...) não se deve olvidar que também os direitos
sociais prestacionais apresentam uma dimensão negativa, porquanto a prestação que constitui o seu objeto não pode ser
imposta ao titular em potencial do direito, assim como os próprios direitos de defesa podem, consoante já ressaltado,
reclamar uma conduta positiva por parte do Estado, como ocorre com determinados direitos fundamentais de cunho
procedimental, alguns direitos políticos e direitos que dependem de concretização legislativa (...).” (SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma teoria dos Direitos Fundamentais na perspectiva
constitucional. 10ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegra: Editora Livraria do Advogado, 2009, p. 283.). O
mencionado autor explica: “A despeito de os direitos de liberdade (assim como os direitos de defesa de um modo geral)
terem também uma dimensão positiva, visto que seu exercício e proteção pressupõe uma série de prestações estatais,
também é de se reconhecer uma dimensão negativa (defensiva) dos direitos sociais, o que pode ser bem ilustrado nos
casos, entre outros, dos direitos à moradia e saúde, pelo menos naquilo em que está em causa a proteção destes bens
fundamentais contra intervenções ilegítimas por parte do Estado e mesmo de terceiros. (A Eficácia dos Direitos
Fundamentais, p. 185 e ss.).

A classificação trialista é a mais adotada pela doutrina e tem como pressuposto a Teoria dos “status”
de Georg Jellinek.

2.3. Teoria dos “Status” (Georg Jellinek)18-19


Gilmar Mendes afirma que, no final do século XIX, Georg Jellinek desenvolveu a doutrina dos quatro
status em que o indivíduo pode encontrar-se em face do Estado. Dessas situações extraem-se deveres ou
direitos diferenciados por particularidades de natureza. Portanto, a Teoria dos “status”, de Jellinek, trata das
funções que os direitos fundamentais desempenham nas relações entre os particulares e o Estado.
A utilização da "teoria dos status" como paradigma de uma teoria de posições globais abstratas
justifica-se não apenas por sua importância histórica, mas, sobretudo, pela grande relevância como
fundamento para as classificações dos direitos fundamentais. Um status não se confunde com um direito.
Dentre as diversas formas de descrever o que é um status, tem importância central sua caracterização como
“uma relação com o Estado que qualifica o indivíduo”. Segundo a concepção de Jellinek, o direito tem como
conteúdo o “ter” (ex.: aquisição de um terreno diz respeito apenas ao "ter"), ao passo que o status tem como
conteúdo o “ser” (ex.: o direito de votar e o direito de livremente adquirir uma propriedade modifica o
status de uma pessoa e com isso o seu "ser").
Segundo Jellinek, há quatro espécies de direitos fundamentais. Em outras palavras, quando a
Constituição consagra um direito ou dever fundamental, ela confere ao particular quatro tipos de status
diferentes em relação ao Estado:
I. Status passivo (ou status “subjectionis”): é aquele no qual o indivíduo é detentor de deveres
perante o Estado. Em outras palavras, no status passivo o direito fundamental não confere ao
indivíduo um direito, mas sim um dever ou proibição estatal ao qual está submetido. Aqui, o
indivíduo está subordinado ao Estado diante do dever que lhe é imposto (posição de sujeição), ou
seja, é o Estado que possui a competência para vincular o indivíduo por meio de mandamentos e
proibições. Ex.: alistamento eleitoral obrigatório.

proteção do direito fundamental.


17
(TJSP-2015-VUNESP): Reconhecida a força normativa do texto constitucional e aceita a sistematização proposta por
Robert Alexy, é correto afirmar que os direitos fundamentais previstos têm natureza prestacional quando correspondem
aos denominados direitos positivos.
18
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PGEPE-2009 (CESPE); ii) PCGO-2013; iii) MPF-2013/2015;
19
(Anal. Legisl.-Câm. Municipal/RJ-2014): Conforme a Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, no final do século XIX,
Jellinek desenvolveu a doutrina dos quatro status, segundo a qual o indivíduo pode encontrar-se em face do Estado por
4 status: status passivo, ativo, negativo ou positivo.
##Obs.: Por isso, a classificação trialista têm três espécies e a teoria dos status de Jellinek possui
quatro espécies. O status passivo, na verdade, não confere direitos, mas sim deveres, de modo que o
status passivo não entra na classificação trialista.

II. Status ativo (ou status “activus” ou “civitates”): O indivíduo possui competências para influenciar
a formação da vontade do Estado. Essa influência ocorre através dos direitos de participação
(direitos políticos), ou seja, pelo direito do voto.

III. Status negativo (ou status “negativus” ou “libertatis”): Costuma ser referido em dois sentidos
diversos:
1º sentido: Em sentido estrito (conforme a proposta original de Jellinek): Diz respeito apenas às
liberdades jurídicas não protegidas. Representa, portanto, o espaço que o indivíduo tem para agir
livre da atuação do Estado, podendo autodeterminar-se sem ingerência estatal.
2º sentido: Em sentido amplo (mencionado pela maior parte da doutrina): Refere-se aos direitos de
defesa, ou seja, direitos a ações negativas do Estado voltadas à proteção do status negativo em
sentido estrito. Nesse sentido, gera uma obrigação negativa endereçada ao Estado para que este
deixe de fazer algo.
Sob esta ótica, impõe aos órgãos estatais o dever de não intervir na esfera de liberdade dos
indivíduos (não agir, não fazer algo, abster-se ...). Como se pode notar, os status passivo e negativo
são antagônicos, pois este tem como conteúdo as liberdades individuais (faculdades) e aquele as
obrigações impostas aos indivíduos (deveres e proibições).
Sendo assim, para o status negativo, o indivíduo goza de um espaço de liberdade diante das
ingerências dos poderes públicos. Em outras palavras, o indivíduo possui um espaço de liberdade
no qual a intervenção por parte do Estado não é autorizada.
Exemplos: não censurar manifestação do pensamento, não interceptar uma correspondência; não
proibir manifestações religiosas; não restringir indevidamente a liberdade de locomoção; não retirar
a vida de uma pessoa.

IV. Status positivo (ou status “positivus” ou “civitatis”): o indivíduo tem o direito de exigir uma
atuação positiva do Estado. É o inverso do status negativo, pois o indivíduo não exige uma não
intervenção, mas sim uma prestação material ou jurídica. Está relacionado aos direitos
prestacionais.20
Diante disso, o status positivo é o titularizado por indivíduos dotados de capacidade jurídica para
recorrer ao aparato estatal e utilizar suas instituições, ou seja, é o que assegura aos indivíduos
pretensões positivas perante o Estado. O cerne desse status revela-se, portanto, no direito do
cidadão a ações estatais.

3. CARACTERÍSTICAS
Vejamos os aspectos que os direitos fundamentais possuem e que os diferenciam dos demais direitos.
De acordo com a doutrina, os direitos fundamentais têm como características: (i) universalidade; (ii)
historicidade; (iii) inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade; (iv) relatividade (ou
limitabilidade).

3.1. Universalidade
Dizer que os direitos fundamentais são universais significa que a vinculação à liberdade e igualdade,
valores diretamente ligados à dignidade humana, conduz à universidade dos direitos fundamentais.
Em outras palavras, os direitos fundamentais são considerados como tendo a característica da
universalidade porque existe um núcleo mínimo de proteção da dignidade da pessoa humana que deve
estar presente em qualquer tipo de sociedade.
Como os direitos fundamentais são vinculados à liberdade e à igualdade, em qualquer época ou
sociedade, um núcleo mínimo deve ser assegurado.
Quando se fala em universalidade, há dois aspectos importantes que precisam ser ressalvados:
 Validade universal não significa uniformidade: Os direitos fundamentais não são consagrados de
modo uniforme em todas as Constituições. A cultura e a história de cada sociedade são
determinantes para estabelecer quais direitos fundamentais serão contemplados e em que medida.
Exemplo: Pena de morte: alguns países não admitem, em hipótese alguma; alguns admitem em
certas hipóteses e outros admitem com maior incidência.

20
(SEPLAG/MG-2014-FUNCAB): Consoante a teoria dos status dos direitos fundamentais, de autoria de Jellinek, o
direito à saúde, tal como previsto na Constituição Federal, é considerado fundamental de status positivo.
 Existem alguns direitos fundamentais cuja titularidade exige determinados requisitos ou condições:
Por isso, não são todos os direitos fundamentais que podem ser usufruídos indistintamente por
qualquer pessoa.
Exemplos: direitos de nacionalidade, direitos políticos, direito à aposentadoria, etc., são restritos a
determinadas pessoas que atendam a certos requisitos.

##Atenção: ##PGEGO-2013: ##MPPR-2019: O professor Ingo Sarlet explica que, “de acordo com o
princípio da universalidade, todas as pessoas, pelo fato de serem pessoas são titulares de direitos e deveres
fundamentais, o que, por sua vez, não significa que não possa haver diferenças a serem consideradas, inclusive,
em alguns casos, por força do próprio princípio da igualdade, além de exceções expressamente estabelecidas
pela Constituição, como dá conta a distinção entre brasileiro nato e naturalizado, algumas distinções relativas aos
estrangeiros, entre outras”.21

##Atenção: Uma crítica que se faz em relação à característica da universalidade é no sentido de que
cada povo e sociedade possui sua cultura própria, às vezes variando muito de uma sociedade para outra. Há
autores que alegam que a universalidade seria uma tentativa de ocidentalização de outras culturas, ou seja,
uma tentativa de imposição da cultura ocidental sobre outras sociedades, pois os direitos que consideramos
como fundamentais são os direitos da nossa sociedade.

3.2. Historicidade
Os direitos fundamentais são históricos por terem surgido em épocas diferentes e por evoluírem com
o passar do tempo.
A característica da historicidade, a priori, afasta a fundamentação jusnaturalista dos direitos
fundamentais. Os jusnaturalistas sustentam que os direitos fundamentais seriam direitos naturais,
caracterizados por serem eternos, universais e imutáveis. 22 Todavia, se analisarmos os direitos fundamentais,
veremos que eles não possuem todas essas características (eternidade, universalidade e imutabilidade).
Nesse sentido, existem as chamadas dimensões (ou gerações) de direitos fundamentais, as quais nada
mais são do que a identificação de que esses direitos surgiram em momentos distintos, de acordo com a
demanda de cada sociedade. Em um primeiro momento, tivemos a Revolução Liberal, na qual a demanda
era por liberdade contra o absolutismo do Estado (1ª geração); depois tivemos uma demanda por direitos
sociais no contexto da Revolução Industrial (2ª geração); após, tivemos os direitos ligados à fraternidade,
como ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, direito ao progresso (3ª geração); em seguida,
tivemos os direitos referentes à democracia, à informação e ao pluralismo (4ª geração); 23 etc. Ou seja, os
direitos fundamentais não surgem ao mesmo tempo, mas sim em épocas diferentes e de acordo com as
necessidades sociais. Conforme Norberto Bobbio, os direitos fundamentais não são dados, mas
conquistados pela sociedade.
E mais: o conteúdo de tais direitos evoluem e se modificam com o passar do tempo. Logo, é difícil
considerar que os direitos fundamentais são imutáveis conforme os jusnaturalistas.
Ex.1: A igualdade formal da revolução liberal não é igual à igualdade substancial do estado social.
Ex.2: A democracia antes era vista sob uma ótica meramente formal, no sentido de que democrático
era aquilo que correspondia à vontade da maioria. Hoje se fala em democracia no seu aspecto substancial,
consistindo ela na vontade da maioria, mas aliada à proteção e respeito aos direitos básicos de todas as
pessoas, inclusive das minorias.

3.3. Inalienabilidade, Imprescritibilidade, Indisponibilidade e Irrenunciabilidade24

21
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. 11 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 220-221.
22
(DPEPR-2017-FCC): O preâmbulo da Constituição dispõe que um dos propósitos da Assembleia Constituinte foi o de
instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade e a
segurança. Tal avanço se deve, em certa medida, à afirmação dos direitos fundamentais como núcleo de proteção da
dignidade da pessoa humana. Considere: No campo das posições filosóficas justificadoras dos direitos fundamentais,
destaca-se a corrente jusnaturalista, para quem os direitos do homem são imperativos do direito natural, anteriores e
superiores à vontade do Estado.
23
(PGEMS-2021-CESPE): São considerados direitos fundamentais de quarta geração o direito à democracia e o direito à
informação.
24
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPDFT-2009; ii) PGEMA-2016 (FCC); iii) DPEPR-2017 (FCC).
Por terem fundamento na dignidade da pessoa humana e serem desprovidas, em sua maioria, de
conteúdo econômico-patrimonial, parte da doutrina considera os direitos fundamentais imprescritíveis,25
inegociáveis, indisponíveis e irrenunciáveis.26

##Observações:
 Não são todos os direitos fundamentais que são desprovidos de conteúdo econômico-patrimonial.
Exemplos: direitos de propriedade e herança.

 As características citadas não são unânimes na doutrina;


Exemplo: irrenunciabilidade → a irrenunciabilidade depende do sentido que se entende por
renúncia.

 Essas características possuem viés jusnaturalista.

 Algumas dessas características são mencionadas em declarações de direitos.


Exemplos: A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 trata no preâmbulo e no art. 2º
a respeito de algumas dessas características (v.g. imprescritibilidade); a Declaração Universal de
Direitos Humanos de 1948 menciona em seu preâmbulo a imprescritibilidade dos direitos
fundamentais.

As quatro características devem ser analisadas com cautela, pois não se aplicam indistintamente a
todos os direitos. Façamos algumas distinções conceituais:

a) Renúncia a um direito fundamental é distinta do uso negativo de um direito27


 RENÚNCIA: Consiste em abdicar, de um modo juridicamente vinculativo e voltado para o futuro,
a um determinado direito ou ao seu exercício.
Ex.1: Se um indivíduo assina um documento em que declara não querer receber herança de seus
familiares, seria uma espécie de renúncia ao direito fundamental da herança;

Ex.2: Se dois indivíduos pactuam que não recorrerão de decisão judicial, proferida em 1º grau de
jurisdição, haverá renúncia ao duplo grau de jurisdição;

Ex.3: Se, ao ser contratado por uma empresa, um indivíduo assina um compromisso de não se
associar a nenhum sindicato ou de não fazer greve, há renúncia a um direito fundamental (a validade
dessa renúncia é outra questão).

 USO NEGATIVO DE UM DIREITO: Trata-se do não exercício fático e atual de uma posição
jurídica por seu titular. Não significa renúncia por parte do titular.
Ex.1: Se em um litígio há uma decisão judicial contrária ao interesse de um indivíduo, o qual não
interpõe recurso, há o não exercício fático e atual de um direito, ou seja, há o seu uso negativo (não
exercício), consistente em não interpor recurso;

Ex.2: Se um indivíduo opta pela não participação em uma greve determinada, ele está fazendo o uso
negativo do seu direito de greve.

##Questiona-se: Em que casos a renúncia pode ou não ser admitida? Não obstante a doutrina (v.g. José
Afonso da Silva) considere os direitos fundamentais como irrenunciáveis, não há dúvida de que é admitida a
renúncia a certos direitos. A própria legislação prevê expressamente algumas hipóteses de renúncia.
Exemplos: renúncia ao direito de propriedade, renúncia ao direito à herança e renúncia ao direito de
nacionalidade (CF, art. 12, § 4º).

25
(DPEPI-2009-CESPE): Os direitos fundamentais possuem determinadas características que foram objeto de detalhado
estudo da doutrina nacional e internacional. A respeito dessas características, assinale a opção correta: A
imprescritibilidade dos direitos fundamentais vincula-se à sua proteção contra o decurso do tempo.
26
(PGEGO-2013): Direitos fundamentais “são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à
soberania popular, que garantem convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor,
condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não
sobrevive” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011). Tendo em vista esse
conceito, está correta a seguinte proposição: Os direitos fundamentais são irrenunciáveis, ou seja, podem não ser
exercidos pelo titular, mas não pode haver renúncia, como ocorre na liberdade de crença.
27
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPF-2015.
b) Renúncia total e perpétua (ou irreversível) (renúncia à titularidade) VS. renúncia parcial e temporária
(ou reversível) (renúncia ao exercício) 28
 RENÚNCIA TOTAL E PERPÉTUA/IRREVERSÍVEL: Não é admissível a renúncia total e perpétua
do exercício a um direito fundamental, pois isso seria como se estivesse renunciado à titularidade
daquele direito.29
Ex.: Acordo no qual o indivíduo abre mão definitivamente do exercício do direito de greve. Tal
documento seria juridicamente inválido.

 RENÚNCIA PARCIAL E TEMPORÁRIA/REVERSÍVEL: É admitida em determinadas hipóteses a


renúncia ao exercício de certo direito em um determinado momento.30
Ex: Posso fazer a renúncia do direito a uma determinada propriedade.

c) Pressupostos da renúncia válida


Para que a renúncia a um direito fundamental seja considerada válida, temos os seguintes
pressupostos:
 Espécie de direito fundamental envolvido: Existem direitos fundamentais que permitem a renúncia
ao exercício e outros não podem ser objeto desse tipo de abdicação
Exemplos:
(a) Admitem renúncia: herança (art. 1.804 e ss, CC), propriedade (art. 1.275, CC), nacionalidade (art.
12, §4º, CF);
(b) Não admitem renúncia: direitos da personalidade, salvo previsão legal (art. 11, CC).

 Vontade livre e autodeterminada: A renúncia somente pode ser válida se a manifestação da vontade
for livre e autodeterminada.

##Obs.: Inalienabilidade, imprescritibilidade, indisponibilidade e irrenunciabilidade são


características “prima facie”, ou seja, são características provisórias. Tais características poderão ser
afastadas, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas existentes, para a prevalência de outros direitos.
Em suma, não são características definitivas.

3.4. Relatividade (ou Limitabilidade) 31


Não existem direitos absolutos, pois, por mais importante que eles sejam, todos encontram limites
em outros direitos ou interesses coletivos também consagrados na Constituição.
A tese da existência de direitos absolutos, portanto, é incompatível com a ideia de que todos os
direitos são passíveis de restrições impostas por interesses coletivos ou por outros também consagrados na
CF/88.32

28
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPF-2015.
29
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPMG-2017.
30
(MPF-2015): Assinale a alternativa correta: O exercício dos direitos fundamentais pode ser facultativo, sujeito,
inclusive, a negociação ou mesmo prazo fatal.
31
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TJPR-2008; ii) MPDFT-2009; iii) PGEPE-2009 (CESPE); iv) MPF-2012 v) MPT-
2012; vi) TJDFT-2016 (CESPE).
32
(DPEGO-2021-FCC): Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal não são ilimitados,
encontrando seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pelo texto constitucional. Tal afirmação
corresponde ao princípio da convivência das liberdades públicas.
(MPSC-2021-CESPE): Considerando a teoria geral dos direitos fundamentais, julgue o item seguinte: Os direitos
fundamentais não são absolutos e podem ser restringidos ou limitados por previsão constitucional ou legal, em benefício
do interesse social e em observância às bases de proporcionalidade.
##Atenção: ##STF: “(...) Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter
absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades
legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais
ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades
públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre
elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar
a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (...)” (STF, Tribunal Pleno, MS 23452, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal
Pleno, j. 16/9/99); “(...) Inexistem garantias e direitos absolutos. As razões de relevante interesse público ou as exigências
derivadas do princípio de convivência das liberdades permitem, ainda que excepcionalmente, a restrição de prerrogativas individuais
ou coletivas. Não há, portanto, violação do princípio da supremacia do interesse público. (...)” (STF, 2ª T., RE 455283 AgR, Rel.
Min. Eros Grau, j. 28/3/06).
(MPT-2012): Sobre a restrição de direitos humanos e direitos fundamentais, é correto afirmar: Excepcionalmente, a
Constituição da República admite a restrição de direitos e garantias fundamentais que ela própria consagra, em razão de
interesses superiores.
“Só há liberdade onde houver restrição da liberdade”, pois se as pessoas fizerem tudo o que bem
entenderem, ninguém vai ter liberdade para fazer nada.
A relatividade é uma característica que todo direito possui para permitir a convivência das
liberdades públicas. A colisão de direitos pressupõe a cedência recíproca entre eles.33
Refere Pedro Lenza que os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas
vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria
Constituição (ex.: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no
caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima
observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição. 34
Sobre o tema, Alexandre de Moraes explica: “O princípio da relatividade ou convivência das liberdades
públicas preconiza que os direitos e garantias fundamentais não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos
demais direitos igualmente consagrados pela Magna Carta.” (Fonte: Alexandre de Moraes, Direito Constitucional,
São Paulo, Ed. Atlas, 2009, pp. 32-33.).

##Obs1: Na doutrina, alguns autores sustentam que, excepcionalmente, alguns direitos


fundamentais devem ser considerados absolutos. Segundo Bobbio, são absolutos:
(i) o direito de não ser escravizado, que implica a eliminação do direito a possuir escravos; e
(ii) o direito a não ser torturado, que implica a eliminação do direito de torturar.

Ocorre que, a rigor, os dois direitos citados são concretizações da proteção da dignidade da pessoa
humana na forma de regra, ou seja, são regras que se caracterizam por já especificarem a proteção da
dignidade da pessoa humana. Conforme visto, as regras já são um mandamento definitivo. 35

##Obs2: Há autores que entendem que, mesmo as regras (que são mandamentos definitivos), em
hipóteses excepcionalíssimas, poderão ser derrotadas ou superadas. Segundo Richard Posner, por
exemplo, deve-se admitir a tortura de um terrorista com o objetivo de descobrir a localização de uma
bomba e, assim, salvar a vida de vários inocentes.

4. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


4.1. Espécies
4.1.2. Eficácia vertical36
Os direitos fundamentais surgiram para proteger o indivíduo contra o arbítrio do Estado. As
primeiras Constituições a consagrarem os direitos fundamentais (Constituição francesa de 1791 e
Constituição norte-americana de 1787) tinham o intuito de proteger as liberdades individuais contra o
arbítrio do Estado. Basicamente, tais Constituições garantiam direitos civis e políticos oponíveis ao Estado.
Como a relação entre o Estado e o particular é uma relação de subordinação (o indivíduo está
subordinado ao Estado), a aplicação dos direitos fundamentais a essas relações verticais ficou conhecida
como eficácia vertical dos direitos fundamentais.
Portanto, a eficácia vertical consiste na aplicação dos direitos fundamentais às relações verticais, ou
seja, relações entre o Estado e os particulares.37

33
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PCMS-2017 (FAPEMS); ii) MPMG-2019.
34
(Anal. Legisl./Câm. Deputados-2014-CESPE): A solução para conflitos de interesses decorrentes da relativização dos
direitos fundamentais tanto encontra disciplina na própria Constituição quanto permite ao intérprete, no caso concreto,
decidir qual direito deverá prevalecer, considerando-se a regra da máxima observância dos direitos fundamentais
envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição.
35
#Atenção: Tema cobrado na prova da PGEPE-2009 (CESPE).
36
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PGEPE-2009 (CESPE); ii) DPEPA-2022 (CESPE).
37
(PCMS-2017-FAPEMS): A eficácia vertical dos direitos fundamentais foi desenvolvida para proteger os particulares
contra o arbítrio do Estado, de modo a dedicar direitos em favor das pessoas privadas, limitando os poderes estatais.
b) Eficácia horizontal ("Drittwirkung”38, ou externa, ou em relação a terceiros, ou privada) 39
No entanto, com o passar do tempo, passou-se a perceber que a opressão e a violência contra o
indivíduo não emanavam somente por parte do Estado. Viu-se que, muitas vezes, a opressão é resultante de
ato de outros particulares. Surge, então, a necessidade de utilizarem-se os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, nas quais há uma suposta igualdade jurídica (horizontalidade).
Como a relação entre particulares é horizontal, a aplicação dos direitos fundamentais foi denominada
de eficácia horizontal (ou externa, ou em relação a terceiros, ou privada).40 Sobre o assunto, vejamos os
seguinte julgados:
STJ: 1. “O art. 1.337 do Código Civil estabeleceu sancionamento para o condômino que
reiteradamente venha a violar seus deveres para com o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo
único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial, verbis: "O condômino ou possuidor
que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais
condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia". 2. Por se
tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-
constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que
protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal
dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar,
na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a
dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de
todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares,
emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do STF. 3. Também foi a conclusão
tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo
Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino
nocivo. 4. Na hipótese, a assembleia extraordinária, com quórum qualificado, apenou o recorrido pelo seu
comportamento nocivo, sem, no entanto, notificá-lo para fins de apresentação de defesa. Ocorre que a
gravidade da punição do condômino antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar
consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que
seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral,
sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade. 5. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1365279/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 25/8/15).

38
(MPF-2011): "Eficácia horizontal", no âmbito da proteção internacional dos Direitos Humanos, , tem o mesmo
significado de "Drittwirkung".
#Atenção: Historicamente, a abordagem da proteção aos direitos humanos era feita considerando que seus violadores
principais seriam os Estados. Isso porque eram comuns os abusos derivados do mau uso dos poderes que eram
colocados à disposição dos Estados para a consecução do bem geral, tudo sob a aparência da soberania que o Estado
exercia sobre os indivíduos em seu território. A construção da rede de proteção a direitos humanos iniciou-se, então,
com o resguardo dos direitos humanos dos indivíduos em face do Poder Público. Denominou-se essa primeira rede
de proteção como “eficácia vertical” dos direitos humanos (ou vertikale unmittelbare Anwendbarkeit), em clara alusão
à relação de supremacia e ascendência dos Estados em face dos indivíduos (estabelecendo uma relação de verticalidade).
Com o tempo, percebeu-se que os Estados não seriam os únicos entes aptos a violar direitos humanos. Os próprios
indivíduos podem violar direitos humanos de seus pares, nas relações que travam cotidianamente entre si. Os
exemplos clássicos vivenciados para se chegar a essa conclusão foram a escravidão, a discriminação e a tortura. Fica
evidenciado que os Estados e a sociedade internacional devem oferecer proteção aos indivíduos também nesse contexto.
A essa segunda rede de proteção de direitos humanos denominou-se “eficácia horizontal” dos direitos humanos (ou
horizontale Anwendbarkeit, ou unmittelbare Drittwirkung, ou apenas Drittwirkung), em referência à inexistência de
supremacia e ascendência entre indivíduos (estabelecendo, portanto, uma relação de horizontalidade).
39
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PGEPE-2009 (CESPE); ii) DPERN-2015 (CESPE); iii) DPEBA-2016 (FCC).
40
(PGEPE-2018-CESPE): Considere as duas afirmações a seguir: I - Em um processo judicial, o Estado deve assegurar a
observância do contraditório e da ampla defesa. II - Nas relações entre a imprensa e os particulares, a imprensa deve
observar o direito à honra, sob pena de consequências como direito de resposta e indenização por dano material ou
moral. As afirmações I e II contemplam situações que exemplificam a eficácia vertical e a eficácia horizontal dos direitos
individuais, respectivamente.
(PCMS-2017-FAPEMS): A eficácia horizontal trata da aplicação dos direitos fundamentais entre os particulares, tendo
na constitucionalização do direito privado a sua gênese.
(DPEAL-2017-CESPE): Acerca do movimento da constitucionalização do direito, julgue o item a seguir: Uma das
consequências da constitucionalização do direito é a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
(PGEGO-2013): Direitos fundamentais “são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à
soberania popular, que garantem convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor,
condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não
sobrevive” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011). Tendo em vista esse
conceito, está correta a seguinte proposição: Tradicionalmente os direitos fundamentais são aplicados entre o Estado e o
particular, mas, pela teoria da eficácia horizontal, se admite a aplicação entre os particulares.
STF: “(...) o espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está
imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de
seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser
exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles
positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio
de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela
própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de
suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. A exclusão de sócio do quadro social da
UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional,
onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à
execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por
restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida
pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios
legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo
legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CR/88).” [STF. 2ª Turma. RE 201819, Relator
p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/10/2005].41

#Dica para diferenciar Eficácia Vertical e Eficácia Horizontal (Site Qconcursos):


I – Eficácia Vertical: relação que você tem com quem paga suas contas, enquanto ainda estuda para
concurso. Eu olho pro meu pai e digo “bom dia, eficácia vertical”. Estou sempre me policiando para não gastar
muito, dando satisfação, ou seja, não estamos em pé de igualdade.

II – Eficácia Horizontal: a gente aqui no QC. Em pé de igualdade, todo mundo lutando pelo cargo
público. As relações entre particulares. As relações entre namorados, em que cada um pode vestir o que
quiser sem dar margem para relacionamentos abusivos, amém? Vamos curar nosso sentimento de posse
resolvendo questão e lendo informativo (tenho dito). Terapia e meditação ajudam também.

c) Eficácia diagonal42
Recentemente, começou a se falar em uma terceira espécie de eficácia. Em determinadas situações, a
relação entre dois particulares não é de igualdade, pois há um desequilíbrio fático, na qual um dos
particulares encontra-se, de certa forma, submetido ao outro, ou seja, é uma relação diagonal. A aplicação
dos direitos fundamentais a tais relações é denominada por parte da doutrina como eficácia diagonal.
Exemplos: relações laborais (patrão e empregado); relações consumeristas (fornecedor e consumidor).
Nessas relações há um desequilíbrio mais acentuado que o presente nas relações horizontais, de
forma que o Estado deve agir, de uma forma mais intensa, para proteger a parte fraca da relação.43
Nesse sentido, Eduardo Gonçalves refere:
Foi justamente a partir destas relações que o autor Sergio Gamonal desenvolveu a teoria da
eficácia diagonal dos direitos fundamentais que consiste na necessária incidência e observância
dos direitos fundamentais em relações privadas (particular-particular) que são marcadas por
uma flagrante desigualdade de forças, em razão tanto da hipossuficiência quanto da
vulnerabilidade de uma das partes da relação. Trata-se de uma eficácia diagonal por que, em tese, as
partes estão em situações equivalentes (particular-particular), mas, na prática, há um império do poder
41
(TRF2-2018): Marque a alternativa correta: A chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais impõe a sua
observância mesmo nas relações jurídicas estabelecidas entre particulares. Portanto, afigura-se possível a revisão judicial
da exclusão de associado dos quadros de associação privada, quando violado direito individual previsto na Constituição
Federal.
(DPESC-2017-FCC): No julgamento do Recurso Extraordinário n° 201.819/RJ, a Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, sob a relatoria para o acórdão do Ministro Gilmar Mendes, decidiu acerca da impossibilidade de exclusão de
sócio, por parte da União Brasileira de Compositores, sem garantia da ampla defesa e do contraditório. O caso em
questão representa um leading case inovador da nossa Corte Constitucional atinente ao seguinte ponto da Teoria Geral
dos Direitos Fundamentais: Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.
(PGEPR-2015-PUCPR): Julgamento do STF consignou sobre a incidência das normas de direitos fundamentais às
relações privadas o que segue ementado: “Sociedade civil sem fins lucrativos. União brasileira de compositores. Exclusão de
sócio sem garantia da ampla defesa e do contraditório. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Recurso desprovido.”
(RE 201819 – Relator(a): Min. Ellen Gracie. Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes. Segunda Turma, julgado em:
11/10/2005. DJ 27-10-2006, p. 00064 Ement vol-02253-04, p. 00577. RTJ vol-00209-02, p. 00821). Com base no julgado
acima, e à luz do regime constitucional dos direitos fundamentais, é CORRETO afirmar que: O julgado reforça a
chamada “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais, que pugna que os direitos fundamentais assegurados pela
Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados, também, à proteção dos
particulares em relação com outros particulares.
42
#Atenção: Tema cobrado na prova da DPEPA-2022 (CESPE).
43
(PCMS-2017-FAPEMS): A eficácia diagonal trata da aplicação dos direitos fundamentais entre os particulares nas
hipóteses em que se configuram desigualdades fáticas.
econômico, razão por que se defende a observância dos direitos fundamentais nestas relações. A este
respeito, o TST já tem aplicado a eficácia diagonal dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas para
combater atos discriminatórios.44

#Obs.: A diferença entre a eficácia horizontal e a eficácia diagonal está na intensidade de aplicação
dos direitos fundamentais:
 RELAÇÃO DIAGONAL: maior intensidade conferida ao direito fundamental, pois a manifestação de
vontade pode ser afetada por algum vício, coação ou necessidade.
 RELAÇÃO HORIZONTAL: menor intensidade conferida ao direito fundamental, pois a manifestação
de vontade é supostamente livre.

4.2. Teorias Acerca da Eficácia Horizontal


Tratando-se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (homem x homem), há quatro teorias que
se destacam: (i) teoria da ineficácia horizontal; (ii) teoria da eficácia horizontal indireta; (iii) teoria da eficácia
horizontal direta; (iv) teoria integradora.

4.2.1. Teoria da ineficácia horizontal


Atualmente, é a teoria menos adotada ao redor do mundo, porém é a predominante nos Estados
Unidos.
Nos EUA, tanto a doutrina quanto a jurisprudência não admitem a aplicação dos direitos
fundamentais às relações entre particulares (com exceção da 13ª Emenda, que trata da proibição da
escravidão), basicamente, por três fundamentos:
i. Liberalismo político: é uma filosofia política que prega a mínima intervenção possível do Estado
nas relações privadas. Assim, se os particulares querem deliberar entre si, isso é problema deles e
não cabe ao Estado intervir.

ii. Autonomia privada: diretamente ligada ao liberalismo, é a possibilidade do indivíduo de adotar


suas próprias decisões de acordo com a sua visão de mundo. Essa autonomia não deve ser objeto
de interferência por parte do Estado.

iii. Interpretação do texto constitucional: A Constituição norte-americana atual é a mesma Constituição


elaborada em 1787, quando os direitos fundamentais foram nela consagrados com o único e
exclusivo objetivo de proteger o indivíduo contra o arbítrio do Estado e, por conseguinte, eram
oponíveis apenas ao Estado.
Portanto, com base em uma interpretação literal, a jurisprudência e a doutrina majoritárias
estadunidenses não admitem a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, os quais devem ser
aplicados somente às relações Estado-particular para proteger os indivíduos contra o arbítrio do
Estado.

Com o intuito de contornar esta ineficácia horizontal dos direitos fundamentais, foi desenvolvida a
doutrina da “state action” (ou da ação estatal).
A doutrina da “state action” parte do pressuposto de que a violação do direito fundamental só
pode ocorrer por meio de uma ação estatal. Com base neste pressuposto, tal doutrina foi desenvolvida para
finalidades bem específicas, quais sejam: 1ª) Afastar a impossibilidade de aplicação dos direitos
fundamentais às relações entre particulares e 2ª) Definir em que situações uma conduta privada está
vinculada aos direitos fundamentais. Para tanto, é utilizado um artifício, qual seja, a equiparação dos atos
privados aos atos estatais.
Exemplo: Caso Company Town: Foi o caso de uma companhia gigantesca, comparada a uma cidade, na
qual os empregados lá viviam com suas famílias. Essa empresa proibiu que as testemunhas de jeová
fizessem pregações mesmo fora do horário de trabalho.
A Suprema Corte Americana entendeu que, embora essa seja uma relação entre particulares, neste
caso o ato da empresa se equiparava a um ato estatal, ou seja, era como se uma prefeitura tivesse proibido
que determinado grupo religioso fizesse pregações nesta comunidade. Assim, através da doutrina da state
action, a Suprema Corte disse que esse ato violava a liberdade religiosa, pois era equiparado a uma
atividade estatal.

4.2.2. Teoria da eficácia horizontal indireta ou mediata45


Foi desenvolvida por Günter Dürig na Alemanha e é até hoje a teoria mais utilizada no Direito
Alemão.

44
in: http://www.eduardorgoncalves.com.br/2016/08/eficacia-diagonal-dos-direitos.html
45
#Atenção: Tema cobrado na prova do MPPR-2016.
O ponto de partida da teoria da eficácia horizontal indireta é a existência de um direito geral de
liberdade, ou seja, esta teoria parte da premissa de que todos os indivíduos têm um direito geral de
liberdade, o qual só poderá sofrer restrições se houver expressa previsão legal. Para isso, é necessário que
o legislador infraconstitucional crie regras para intermediar a aplicação dos direitos fundamentais às
relações entre particulares.46
Em outras palavras, os alemães sustentam que os particulares têm um direito geral de liberdade,
podendo estabelecer cláusulas negociais sem que o Estado possa interferir nessa margem. Essa liberdade
individual somente poderá ser restringida se o legislador criar normas regulamentando as relações
contratuais.
O professor Pedro Lenza explica que, “de acordo com a eficácia mediata, os direitos fundamentais são
aplicados de maneira reflexa, tanto em uma dimensão proibitiva e voltada para o legislador, que não poderá editar lei que
viole direitos fundamentais, como, ainda, positiva, voltada para que o legislador implemente os direitos fundamentais,
ponderando quais devam aplicar-se às relações privadas”.47
Portanto, a Constituição não é aplicada diretamente às relações de direito privado, mas por meio de
uma norma de Direito Civil referente ao caso concreto. Norma de Direito Civil intermedeia a aplicação dos
direitos fundamentais.48
Nesse sentido, há uma relativização dos direitos fundamentais nas relações contratuais, pois é
necessário que a lei estabeleça como os direitos devam ser aplicados.
A expressão “indireta” advém justamente da necessidade de mediação através de lei.

#Em resumo: Para esta teoria, os direitos fundamentais poderiam ser relativizados em favor da
“autonomia privada'” e da “responsabilidade individual”. Além disso, reconhece-se um direito geral de
liberdade, cabendo ao legislador a tarefa de mediar a aplicação dos direitos fundamentais às relações
privadas, por meio de uma regulamentação compatível com os valores constitucionais.

#Críticas feitas pela teoria da eficácia horizontal indireta à aplicação direta dos direitos
fundamentais às relações entre particulares: Essa teoria se utiliza três argumentos para dizer que os direitos
fundamentais não devem ser aplicados diretamente às relações entre particulares:
i. Causaria uma desfiguração do direito privado: O direito privado perderia suas características e se
tornaria um direito público, pois estariam sendo aplicadas às relações contratuais as mesmas regras
de direito público que estão previstas na Constituição para a relação Estado versus Particular;

ii. Seria uma ameaça à autonomia privada: As pessoas não poderiam livremente contratar entre si,
prejudicando a autonomia privada;

iii. Incompatibilidade com os princípios democrático, da separação dos Poderes e da segurança


jurídica: Como os direitos fundamentais são exteriorizados em termos muito vagos e imprecisos, ou
seja, em razão da baixa densidade semântica dos direitos fundamentais, há uma ampliação da
margem interpretativa do juiz. Isso causa insegurança jurídica (não se sabe o que será decidido), atinge
a separação dos poderes (o legislativo deveria decidir tais temas) e o princípio democrático (o juiz não foi
eleito democraticamente para decidir como esses princípios são exteriorizados).

#Conclusão: Segundo essa corrente, os direitos fundamentais não ingressam no cenário privado
como direitos subjetivos, sendo necessária a intermediação do legislador. Para que se possa invocar esse
direito contra outro indivíduo, é necessário que o legislador regulamente de que maneira os direitos
fundamentais serão aplicados. O pressuposto disso é a existência de um direito geral de liberdade, que só
poderia ser restringido nas relações de particulares se existisse uma lei regulamentando. Para os adeptos,
uma aplicação direta causaria a desfiguração do direito privado e ameaçaria a autonomia privada.

4.2.3. Teoria da eficácia horizontal direta (Drittwirkung)49


A teoria, embora tenha surgido na Alemanha, a partir da década de 50, com Hans Carl Nipperdey,
atualmente, não tem grande aceitação no direito germânico. Entretanto, essa teoria é adotada em vários
países, como Portugal, Espanha, Itália e Brasil.50
46
(TJSC-2019-CESPE): A respeito da eficácia mediata dos direitos fundamentais, assinale a opção correta segundo a
doutrina e a jurisprudência do STF: A eficácia mediata dos direitos fundamentais dirige-se, primeiramente, ao legislador.
47
LENZA, Pedro, 2019, p. 1165.
48
(TJCE-2018-CESPE): De acordo com a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores acerca da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais, assinale a opção correta: O efeito horizontal indireto obriga o Poder Judiciário a
observar a normatividade dos direitos fundamentais ao decidir conflitos interindividuais.
49
#Atenção: Tema cobrado na prova do MPPR-2016.
50
No Brasil, muitas vezes os juízes aplicam os direitos fundamentais nas relações entre particulares como se fosse algo
trivial e que não envolvesse discussões maiores.
De início, a teoria da eficácia horizontal direta parte da premissa que deve haver vinculação direta dos
particulares aos direitos fundamentais, independentemente de qualquer intermediação legislativa, ainda que
não se negue a existência de determinadas especificidades nesta aplicação, bem como a necessidade de
ponderação dos direitos fundamentais como a autonomia da vontade.
Desse modo, temos a diferença da relação Estado-particular (vertical) e particular-particular
(horizontal), é que a aplicação às relações entre particulares não ocorre com a mesma intensidade que nas
relações Estado-particular.
Nas relações privadas, é necessário que haja uma ponderação entre o direito fundamental
envolvido e a autonomia da vontade. Em cada caso concreto, deve-se verificar se deve prevalecer o direito
fundamental ou a autonomia da vontade.
Portanto, é inegável que a aplicabilidade direta dos direitos fundamentais às relações de ordem
privada não é igual a aplicação desses mesmos direitos aos entes estatais, visto que há nas relações entre os
particulares um mínimo de autonomia privada, denominado por J. J. Canotilho de “o núcleo irredutível de
autonomia pessoal”51 esfera na qual os direitos fundamentais não incidiriam. A propósito, Canotilho afirma
que “esse núcleo” não pode ser “confiscado” pela aplicação direta e desmedida das normas constitucionais
relativas aos direitos fundamentais, trazendo a seguinte situação concreta: “É difícil, por exemplo, argumentar
com o princípio da igualdade ou proibição de não discriminação no caso de um pai que favorece um filho em relação ao
outro através da concessão da quota disponível, ou de um senhorio que promove acção de despejo por falta de pagamento
de renda, mas abdica desse direito em relação a outro inquilino, nas mesmas circunstâncias, pelo facto de este ter as
mesmas convicções políticas.” 52

Ex.1: princípio da isonomia: A aplicação do princípio da isonomia nas relações Estado-particular


(vertical) é muito mais intensa que nas relações particular-particular (horizontal).
Como o Estado é responsável por gerir o bem comum, ele não pode contratar alguém licitamente por
ser amigo de um governante, devendo dar oportunidade a todos que estejam interessados. Já uma empresa
particular pode contratar um amigo sem qualquer problema nisso.
Isso não significa que o princípio da isonomia não precisa ser observado no âmbito privado. Por
exemplo, a empresa Air France não pode dar tratamento diferenciado aos seus empregados em razão da
nacionalidade. Sobre o assunto, vejamos o seguinte julgado do STF:
RE 161.243/DF: [...] Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa
francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos
empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio
da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput).

Ex.2: ampla defesa e devido processo legal: Uma associação não pode excluir seus associados sem
lhes viabilizar os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal. Sobre o assunto:
COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO
PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos
estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da
defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair
adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. STF. 2ª T., RE
158215, Min. Rel. Marco Aurélio, j. 30/04/96.53- 54

51
(TJPR-2017-CESPE): Acerca da formação histórica, da classificação e da eficácia dos direitos fundamentais, assinale a
opção correta: A eficácia imediata dos direitos fundamentais encontra limites no núcleo irredutível da autonomia
pessoal, situação em que se configura a eficácia moderada na relação entre os poderes privados e os indivíduos.
52
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.
p. 1.158.
53
#Atenção: Tema cobrado na prova do MPRO-2008 (CESPE).
54
(DPEPA-2022-CESPE): A eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais (unmittelbare Drittwirkung) é uma teoria
atribuída ao jurista Hans Carl Nipperdey, o qual buscava superar a teoria clássica e demonstrar novas modalidades de
violações de direitos fundamentais, até então não reconhecidas pela teoria mais tradicional, como a defendida por
Jellineck. Constitui exemplo de aplicação inovadora da teoria da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais a
exigência para que uma escola particular tenha de observar o contraditório e a ampla defesa ao expulsar um aluno,
mesmo que o contrato entre as partes estabeleça o contrário.
#Atenção: No caso em tela, a exigência para que uma escola particular tenha de observar o contraditório e a ampla
defesa ao expulsar um aluno, mesmo que o contrato entre as partes estabeleça o contrário, configura a aplicação da
Teoria Horizontal, uma vez que não há como presumir a disparidade de forças.
(TCDF-2021-CESPE): Acerca de direitos e garantias fundamentais e mandado de segurança no âmbito do Poder
Legislativo, julgue o item a seguir, considerando o entendimento do STF: Para solucionar conflito entre uma entidade
privada com poder social e um associado, é possível a aplicação da teoria da eficácia horizontal dos direitos e garantias
fundamentais.
#Em resumo: Distinção entre efeito horizontal mediato/indireto e efeito horizontal imediato/direto:
 O efeito horizontal mediato/indireto refere-se precipuamente à obrigação do juiz de observar o
papel (efeito, irradiação) dos direitos fundamentais, sob pena de intervir de forma inconstitucional
na área de proteção do direito fundamental, prolatando uma sentença inconstitucional. Segundo
Bernardo Gonçalves, as normas infraconstitucionais são interpretadas à luz da CF, como se esta
fosse um filtro. A aplicação dos direitos fundamentais na relação entre particulares seria sempre
mediada pela atuação do legislador ou mesmo pela atuação do juiz, que deveria interpretar o
direito infraconstitucional à luz das noras de direitos fundamentais.
 O efeito horizontal imediato/direto refere-se ao vínculo direto das pessoas aos direitos
fundamentais ou de sua imediata aplicabilidade para a solução de conflitos interindividuais. Nas
palavras de Bernardo Gonçalves, os direitos fundamentais já trazem condições de plena
aplicabilidade nas relações entre particulares, dispensando a mediação infraconstitucional, não
necessitando da atuação (sindicabilidade) do legislador nem da interpretação da legislação
infraconstitucional à luz da Constituição. Com base na perspectiva da máxima efetividade, a CF
deveria ser aplicada diretamente nas relações entre particulares.

4.2.4. Teoria integradora


A teoria integradora busca conciliar algumas premissas da teoria da eficácia horizontal indireta e da
teoria da eficácia horizontal direta. Os dois grandes expoentes da teoria integradora são Robert Alexy e
Ernst-Wolfgang Böckenförde.
De acordo com a teoria integradora, os direitos fundamentais devem irradiar seus efeitos nas
relações entre particulares por meio de lei (regra). Porém, excepcionalmente, havendo omissão legislativa
na intermediação, os direitos fundamentais poderão ser aplicados diretamente (exceção).
É uma teoria integradora porque a regra é a necessidade de intermediação por lei. Todavia, não
existindo essa intermediação, em hipóteses excepcionais, deve se admitir a aplicação direta do direito
fundamental.

5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITOS FUNDAMENTAIS55


A dignidade da pessoa humana está prevista na CF/88 no art. 1º, inciso III, como um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.56
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.

DICA MNEMÔNICA: “SO-CI-DI-VA-PLU”.

##Obs.: Os fundamentos da República Federativa do Brasil são princípios estruturantes que não se
confundem com os objetivos fundamentais (art. 3º, CF/88 – “CO-GA-ERRA-PRO”), ao passo que esses
últimos representam metas a serem buscadas pelos Poderes Públicos.
A dignidade da pessoa humana é um tema complexo em vista do seu caráter filosófico. No entanto,
após a 2ª Guerra Mundial, as Constituições ocidentais começaram a consagrar em seus textos a dignidade,
de modo que ela se converteu de um valor eminentemente filosófico para um valor tipicamente jurídico.

5.1. Natureza: Valor Constitucional Supremo ou Qualidade Intrínseca?


##Questiona-se: A dignidade da pessoa humana é um direito fundamental embora não esteja entre o
Título II, mas dentro dos fundamentos da República Federativa do Brasil?

#Atenção: No caso em tela, entre o associado e a associação aplica-se a Teoria Horizontal, uma vez que não há como
presumir a disparidade de forças. O STF entende que para a exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos
estatutos, impõe-se a observância do devido processo legal, viabilizando o exercício amplo da defesa, além da
observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa, que foi descumprido. E, no caso em questão, os recorrentes
foram excluídos do quadro de associados da cooperativa em caráter punitivo sem a devida oportunidade de defesa. O
STF aplica a tese da eficácia horizontal dos Direitos Humanos.
55
##Atenção: Tema cobrado na prova da PGEPE-2009 (CESPE).
56
(TJMS-2010-FCC): A República Federativa do Brasil tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. BL: art. 1º, CF/88.
Tanto no direito brasileiro, como no direito comparado, prevalece o entendimento de que a dignidade
não é um direito fundamental ou mesmo sequer um direito, pois ela não é algo concedido pelo
ordenamento jurídico. Não é porque a CF/88 prevê a dignidade no art. 3º, III, que temos ela.
Há dois posicionamentos predominantes em relação à natureza jurídica da dignidade da pessoa
humana:
1ª Corrente: A dignidade da pessoa humana seria o valor constitucional supremo. A dignidade seria o
núcleo axiológico da Constituição. Trata-se do entendimento de que o Estado existe para o ser
humano e não o ser humano para o Estado.

2ª Corrente: A dignidade da pessoa humana seria uma qualidade intrínseca de todo ser humano. Todo
indivíduo, pelo simples fato de ser humano, é o bastante para ter dignidade.

##Obs.: A expressão “dignidade da pessoa humana” foi cunhada para diferenciá-la da “dignidade da
pessoa divina”.

Sendo a dignidade uma qualidade intrínseca e inexistindo uma categorização entre seres humanos, a
dignidade não comporta quaisquer relativizações. Assim, não existem pessoas com mais ou pessoas com
menos dignidade. Não existem pessoas de primeiro e segundo grau.
Esta noção começou a ser consagrada nos textos constitucionais após o fim da 2ª Guerra Mundial em
razão do contexto nazista, no qual se estabelecia uma hierarquia entre seres humanos (pessoas de primeiro e
segundo grau) para justificar as experiências em pessoas e atrocidades cometidas.

5.2. Algo Absoluto


A dignidade é considerada algo absoluto.

##Obs.: Dizer que a dignidade é algo absoluto não significa compreendê-la como um direito absoluto.

##Questiona-se: Mas o que é algo absoluto? Conforme Béatrice Maurer, “a pessoa não tem mais ou
menos dignidade em relação a outra pessoa. Não se trata, destarte, de uma questão de valor, de hierarquia, de uma
dignidade maior ou menor. É por isso que a dignidade do homem é um absoluto ”. Ou seja, não é que a dignidade é
um direito absoluto, ela é absoluta por não comportar categorizações entre as pessoas.

5.3. Sistema de Direitos Fundamentais


##Questiona-se: Se a dignidade não é um direito, por que estudá-la no âmbito dos direitos
fundamentais? Qual a relação da dignidade com os tais direitos?
Trata-se de um vínculo muito forte, pois os direitos fundamentais surgem para proteger e promover
a dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana é como se fosse um núcleo sobre o qual os
direitos fundamentais gravitam.
Ex.: A igualdade e a liberdade, por exemplo, estão diretamente ligadas à dignidade (primeiro grau). Os
direitos sociais, por sua vez, são decorrentes da igualdade (derivações de segundo grau).
Assim, a dignidade da pessoa humana é o núcleo em torno do qual os direitos fundamentais
gravitam. Desta forma, é possível falar em um sistema de direitos fundamentais, porque os direitos
fundamentais possuem um núcleo em comum.

##Obs.: A dignidade é “o alfa e o ômega”. Alfa e ômega são, respectivamente, a primeira e a última
letra do alfabeto grego clássico. A ideia da expressão é a de que a dignidade é a origem e o fim dos direitos
fundamentais, porque foram criados para proteger e promover a dignidade e devem ser interpretados,
quando aplicados a um caso concreto, com tal finalidade.

##Obs.: A expressão “protoprincípio” tem o sentido de que a dignidade é um princípio do qual se


originam outros princípios.

5.4. A Consagração da Dignidade da Pessoa Humana Impõe Deveres


##Questiona-se: Quais são as consequências jurídicas decorrentes da consagração da dignidade da
pessoa humana como um dos fundamentos da República?
Nós podemos extrair três deveres decorrentes da consagração da dignidade da pessoa humana como
um dos fundamentos da República. Esses deveres não são impostos somente aos Poderes Públicos, como
também aos particulares.

a) Dever de respeito
Tanto os poderes públicos quanto os particulares devem respeitar a dignidade das demais pessoas,
não adotando condutas que violem a dignidade de terceiros. O dever de respeito, portanto, possui caráter
negativo, no sentido de exigir uma abstenção.
Ex.: Não torturar está incluído no dever de respeito à dignidade.
O dever de respeito pode ser concretizado com base no entendimento adotado pelo Tribunal
Constitucional Federal da Alemanha, o qual realiza uma conjugação entre a “fórmula do objeto” (criada por
Kant) e a “expressão de desprezo”.

A “fórmula do objeto” pode ser assim sintetizada: o ser humano deve sempre ser tratado como um
fim em si mesmo e nunca como um meio para se atingir determinados fins. Se o ser humano for tratado
como objeto (daí o termo “fórmula do objeto”) a dignidade será violada.

##Obs.1: A filosofia construída por Kant forneceu as principais bases teóricas para o conceito de
dignidade que temos no mundo ocidental. Sendo um dos principais responsáveis pela universalização deste
conceito.

##Obs.2: Vejamos as definições dadas por Kant (livro “Fundamentação da metafísica dos costumes”) que
auxiliam na compreensão das bases teóricas da dignidade:
 O traço distintivo do ser humano é existir como um “fim em si mesmo” (“fórmula do objeto”) e não
um meio para consecução dos fins.
 “No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade” (imperativo categórico). Segundo Kant,
aquilo que possui preço pode ser trocado por algo equivalente, mas aquilo que tem dignidade é
insubstituível. Nesse passo, a única coisa que dispõe de dignidade, no reino dos fins, é o ser
humano.
 “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer
outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio” (imperativo categórico).
A dignidade não é só em relação a terceiros, mas também sobre como a pessoa trata a si mesma.

Ex.: A atividade do “arremesso de anão” era uma febre nos anos 80, sendo o anão utilizado como
espécie de bala de canhão. Um comissário, utilizando do poder de polícia, determinou que as casas nas quais
este tipo de espetáculo estava acontecendo fossem fechadas, justificando que aquela atividade era violadora
da dignidade da pessoa humana, pois os anões estavam sendo tratados como um meio e a atividade era
fruto do desprezo por ela. A justiça francesa concordou que a atividade era violadora da dignidade da
pessoa humana, embora não estivesse consagrada na constituição francesa.
Não somente as casas, como também um anão recorreu dessa decisão, alegando que o que viola sua
atividade não é o fato de participar do espetáculo, onde é inserido no meio social e recebe pela atividade,
mas sim estar em casa, desempregado e dependendo de uma pensão do governo.
A questão, aqui, centrou-se na indagação quanto ao Estado ou a pessoa vitimada ter legitimidade para
decidir o que viola a dignidade ou não. Ocorre que, mesmo entendendo a própria pessoa que não está sendo
violada sua dignidade com a atividade, isso estigmatiza todo o grupo de pessoas que estão na mesma
condição.
À “fórmula do objeto” no Tribunal Constitucional Federal da Alemanha acrescentou um segundo
aspecto: a “expressão de desprezo”. O Tribunal matizou a “fórmula do objeto” entendendo que nem sempre
o tratamento do ser humano como meio significa, necessariamente, uma violação à dignidade. Assim,
para que ela seja violada, não basta que o ser humano seja tratado como um meio, sendo necessário
também que tal tratamento seja fruto de uma expressão de desprezo pelo ser humano.
Ex.: Pessoas que não tinham o vírus do HIV que se ofereceram para participar de um teste da vacina
contra esta doença foram utilizadas como meio, mas isso não viola a dignidade dessas pessoas. Se elas
voluntariamente se ofereceram como cobaias para um fim altruísta, não há violação.

b) Dever de proteção
O dever de proteção é um dever mais direcionado ao Estado. Os Poderes Públicos devem adotar
medidas protetivas da dignidade da pessoa humana, como no caso dos direitos individuais (v.g. proteger o
direito à liberdade, o direito à igualdade, etc.).
Além dos direitos individuais, tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Executivo, devem adotar
políticas públicas para proteger a dignidade (v.g. criando leis que criminalizem determinadas condutas ofensivas
à dignidade).
Por fim, o Poder Judiciário possui um importante papel através da interpretação não só dos direitos
fundamentais, como também dos direitos em geral. Assim, deve haver o emprego da dignidade como um
vetor interpretativo (v.g. cf. a CF/88, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade são garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, porém o STF estende esta proteção a
estrangeiros não residentes fundamentando-se, principalmente, na dignidade da pessoa humana. Se ela é uma qualidade
intrínseca que todo ser humano possui, não se pode deixar de oferecê-los e assegurá-los a uma pessoa apenas porque ela
não é brasileira ou não resida no Brasil).57

c) Dever de promoção
Os Poderes Públicos devem adotar não só medidas protetivas, mas também medidas voltadas à
promoção de condições dignas de existência, as quais são promovidas, sobretudo, através da consagração de
direitos sociais, de políticas públicas (do Poder legislativo e do Poder Executivo) e do mínimo existencial.

6. DIMENSÃO SUBJETIVA E DIMENSÃO OBJETIVA58


6.1. Dimensão S ubjetiva
A dimensão subjetiva é considerada a visão clássica e mais evidente dos Direitos Fundamentais, visto
que são vistos como um direito da pessoa em face do Estado, no qual será possível deve atuar de duas
formas:
1ª) atuação negativa, no sentido de abster de intervir para que não viole os direitos previstos,
especialmente os direitos e garantias individuais; e
2ª) atuação positiva, quanto às prestações que o Estado faz para as pessoas de modo a garantir
condições mais dignas de sobrevivência, especificamente os direitos sociais.

Portanto, em linhas gerais, a dimensão subjetiva é a aquela segundo a qual os direitos fundamentais
são pensados sob a perspectiva dos indivíduos, titulares destes direitos. Nesse sentido, Marcelo Novelino
explica que “o indivíduo que possui um direito fundamental é titular de posição jurídica contemplada pela
norma jusfundamental, que pode ter a estrutura de princípio e/ou de regra”. 59-60
Portanto, a dimensão subjetiva pode ser compreendida como a faculdade de impor uma atuação
negativa ou positiva aos titulares do Poder Público. Ex.: A pessoa, como indivíduo, tem direito a liberdade
de manifestação e pensamento, direito a um processo com o devido processo legal, etc.

##Em resumo: Na dimensão subjetiva, os direitos fundamentais são destinados às


PESSOAS/PARTICULAR contra a atuação (positiva ou negativa) do ESTADO. A relação aqui é pessoa vs
Estado. A RELAÇÃO É VERTICAL.

Todavia, os direitos fundamentais não podem ser considerados somente sob o enfoque dos
indivíduos, enquanto posições jurídicas oponíveis aos poderes públicos e particulares. Vejamos a próxima
dimensão.

57
(PGEGO-2013): Direitos fundamentais “são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à
soberania popular, que garantem convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor,
condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não
sobrevive” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011). Tendo em vista esse
conceito, está correta a seguinte proposição: Os brasileiros, natos ou naturalizados, bem como os estrangeiros residentes
no País, são titulares dos direitos fundamentais, conforme previsão constitucional.
58
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PCGO-2013; ii) MPPR-2016.
59
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 14ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 328-329.
60
(DPEBA-2016-FCC): No âmbito da Teoria dos Direitos Fundamentais, a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais
está atrelada, na sua origem, à função clássica de tais direitos, assegurando ao seu titular o direito de resistir à
intervenção estatal em sua esfera de liberdade individual.
6.2. Dimensão Objetiva61-62
Pela dimensão objetiva, os direitos fundamentais são juridicamente válidos do ponto de vista da
comunidade, ou seja, como valores ou fins a serem realizados, em grande medida, através da ação estatal.
Nesta dimensão, os direitos fundamentais formam uma “ordem de valores”, ou seja, como fins para serem
buscados. Ex.: A liberdade é um valor a ser buscado por ser importante para a sociedade,
independentemente da consideração de seus titulares individualmente.
O professor Bernardo Gonçalves explica que a dimensão objetiva “vai além da perspectiva subjetiva dos
direitos fundamentais como garantias do indivíduo frente ao Estado e coloca os direitos fundamentais como um
verdadeiro "norte" de "eficácia irradiante" que fundamenta todo o ordenamento jurídico.”63-64
Nesse sentido, a doutrina e jurisprudência apresentam três enfoques/premissas da dimensão
objetiva nos quais os direitos fundamentais apresentam critérios de controle da ação estatal, que devem
ser aplicados independentemente de eventuais violações a direitos subjetivos fundamentais. Vejamos a
aplicação de uma dessas premissas:
 Atuação dos direitos fundamentais como normas de competência negativa: Significa que aquilo
que está sendo outorgado ao indivíduo em termos de liberdade para ação e em termos de livre
arbítrio em sua esfera, está sendo objetivamente retirado do Estado. Ex.: É como se fossem dois
lados de uma moeda: se a CF/88 me assegura como indivíduo a liberdade de manifestação e
pensamento, vedando apenas o anonimato, por outro lado, ela está impondo ao estado o dever de
não haver ingerências nessa liberdade.

 Atuação dos direitos fundamentais como pautas interpretativas e critérios para a configuração do
direito infraconstitucional (“efeito de irradiação dos direitos fundamentais”): Nesse sentido, os
direitos fundamentais impõem que a legislação infraconstitucional seja interpretada e criada à
luz dos direitos fundamentais (“interpretação conforme”). Em um primeiro aspecto (pautas
interpretativas), exige-se que os direitos fundamentais sejam vetores para a interpretação, seja da
CF ou das normas infraconstitucionais (“interpretação conforme a constituição”). Em um segundo
aspecto (critérios para a configuração do direito infraconstitucional), os direitos fundamentais
devem ser observados quando da criação de normas infraconstitucionais. Vejamos o seguinte
julgado do STF:
ADI 4.277/DF: [...] O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em
sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do
inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de
“promover o bem de todos”. (…) Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou
discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a
utilização da técnica de “interpretação conforme a Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em
causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre
pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com
as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

61
(DPEMG-2019): A respeito dos direitos e garantias individuais e coletivas, assinale a alternativa correta: A proibição
de revista íntima de funcionárias e de clientes do sexo feminino por empresas privadas, órgãos e entidades da
administração pública, direta e indireta, fundamenta-se na garantia fundamental do direito à intimidade (art. 5º, X,
CRFB/88).
(TJRS-2018-VUNESP): Assinale a alternativa que corretamente contempla um exemplo de aplicação do conceito de
dimensão objetiva dos direitos fundamentais: Decisão do STF em que foi firmado o entendimento de que a revista íntima
em mulheres em fábrica de lingerie, ou seja, empresa privada, constitui constrangimento ilegal.
##Atenção: A fábrica de lingerie, ou seja, empresa privada, ao impor uma regra, ainda que consentida pela empregada
(relação de particular com outro particular) constitui constrangimento ilegal, por violar o direito a INTIMIDADE
(direito fundamental). Assim, na dimensão objetiva dos direitos fundamentais é estabelecido diretrizes para a atuação
dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, ainda, para as relações particulares. No caso em tela, o direito
fundamental de inviolabilidade da intimidade está recebendo uma diretriz para posteriores revistas íntimas realizadas
em mulheres em empresas privadas. Como consequência de sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais conformam
o comportamento do Poder Público e cria para o Estado um dever de proteção desses direitos contra agressões advindas
do próprio Estado ou de particulares.
(MPPR-2016): Assinale a alternativa correta: A função dos direitos sociais constitucionais como direito a prestações
materiais é somente uma das espécies no âmbito das possíveis posições subjetivas decorrentes das normas de direitos
sociais, visto que além de assumirem uma nítida função defensiva (negativa), atuando como proibições de intervenção,
também implicam em prestações do tipo normativo (positiva).
62
##Atenção: Tema cobrado na prova do TJRS-2018 (VUNESP).
63
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Salvador. JusPODIVM, 2017, p. 314.
64
(MPDFT-2013): Assinale a alternativa correta: O aspecto objetivo dos direitos fundamentais, segundo a concepção
dominante, reúne decisões de valores, que se irradiam por todo o ordenamento jurídico.
 Os direitos fundamentais impõem o dever de proteção e promoção de posições jurídicas
fundamentais contra possíveis violações por terceiros, tornando-se verdadeiros mandamentos
normativos direcionados ao Estado. Assim, independentemente de haver um titular ou não
daquele direito no caso concreto, o Estado tem o dever de proteger o direito fundamental em
questão. Em outras palavras, ainda que não se reconheça a consagração de pretensões subjetivas, é
possível identificar um dever imposto ao Estado de adotar as medidas necessárias para a
concretização de normas de direitos fundamentais. Vejamos o seguinte julgado do STF, em que é
possível identificar as duas dimensões:
ADI 3.510/DF (voto Min. Lewandowski): [...] penso que a discussão travada nestes autos não
deve limitar-se a saber se os embriões merecem ou não ser tratados de forma condigna, ou se possuem ou
não direitos subjetivos na fase pré-implantacional, ou, ainda, se são ou não dotados de vida antes de sua
introdução em um útero humano (…). Creio que o debate deve centrar-se no direito à vida entrevisto
como um bem coletivo [dimensão objetiva], pertencente à sociedade [dimensão objetiva] ou
mesmo à humanidade [dimensão objetiva] como um todo, sobretudo tendo em conta os riscos
potenciais que decorrem da manipulação do código genético humano.

##Parêntese: Desde o caso Lüth, julgado pela Corte Constitucional alemã, doutrina e jurisprudência
têm reconhecido aos direitos fundamentais uma eficácia objetiva, o que significa que estes direitos
constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o
ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos. Como
efeitos desta eficácia objetiva, aponta-se eficácia irradiante dos direitos fundamentais, sua vinculação em
relação aos particulares e a imposição de deveres estatais de proteção. Tal não implica, todavia, admissão de
direitos subjetivos correlatos, tampouco a exigibilidade de tais direitos (justiciabilidade). Estas são
características decorrentes da noção subjetiva dos direitos fundamentais, que os vislumbram como direitos
subjetivos, que atribuem ao seu titular a possibilidade de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades
ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma
consagradora de referidos direitos. Daniel Sarmento explica que “a ideia de dimensão objetiva dos direitos
fundamentais parte da premissa de que estes não se limitam a função de direitos subjetivos. A partir do reconhecimento
de que os direitos fundamentais protegem os valores mais relevantes da coletividade, são construídas funções adicionais
para eles, ligadas à proteção e promoção destes valores na ordem jurídica e social”.65-66

##Em resumo: Na dimensão subjetiva, temos que a extensão dos direitos fundamentais destinados às
PESSOA/PARTICULAR contra a atuação de outra PESSOA/PARTICULAR ou outras
PESSOAS/COLETIVIDADE. A relação aqui é particular vs particular. A RELAÇÃO É HORIZONTAL.
Elas “destina-se a organizar uma atividade que tenha influência coletiva, funcionando como programa diretor para a
realização constitucional”.67

#Em resumo: #Dica retirado do site Qconcursos:


a) Dimensão objetiva dos direitos fundamentais:
- atende a interesses de uma coletividade.
- direitos de proteção (atuação negativa) e exigência de prestações (atuação positiva) pelo indivíduo
em relação ao Poder Público.

65
SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. In: SOUZA NETO,
Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (orgs.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em
espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 533-586.
66
(MPRS-2021): Em relação à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, assinale a alternativa correta: A doutrina dos
deveres estatais de proteção é derivada da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, e uma de suas principais
consequências jurídicas é a imposição, ao Estado, da obrigação de editar leis que permitam superar um estado de
proteção insuficiente de bens constitucionais fundamentais.
#Atenção: “5. Dimensão Objetiva e Deveres de Proteção. A teoria contemporânea dos direitos fundamentais afirma que o Estado
deve não apenas abster-se de violar tais direitos, tendo também de proteger seus titulares diante de lesões e ameaças provindas de
terceiros. Este dever de proteção envolve a atividade legislativa, administrativa e jurisdicional do Estado, que devem guiar-se para a
promoção dos direitos da pessoa humana. Tal aspecto constitui um dos mais importantes desdobramentos da dimensão objetiva dos
direitos fundamentais, e está associado à ótica emergente do Welfare State, que enxerga no Estado não apenas um ‘inimigo’ dos
direitos do Homem, que por isso deve ter as suas atividades limitadas ao mínimo possível (Estado mínimo), mas uma instituição
necessária para a própria garantia destes direitos na sociedade civil.” (SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações
privadas. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2004, pp. 160-161).
(MPF-2013): Assinale a alternativa correta: O reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais não
significa, necessariamente, a existência de direitos subjetivos que a acompanham, ou mesmo a admissão de que eles
sejam justiciáveis.
67
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas
de direitos fundamentais. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003., p. 132-134
b) Dimensão subjetiva dos direitos fundamentais :
- atende a interesses de indivíduos, de forma unitária.
- valores básicos do Estado de Direito estabelecendo diretrizes de atuação do Poder Executivo,
Legislativo e Judiciário, bem como na relação entre particulares (eficácia irradiante dos direitos
fundamentais).

7. CONTEÚDO ESSENCIAL
7.1. Objetivo
##Questiona-se: Qual a razão de buscar definir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais?

O objetivo de definir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é evitar que os Poderes Públicos
(sobretudo o Poder Legislativo) desnaturalizem/desconfigurem os direitos fundamentais ao regulamentá-
los ou ao restringi-los.
Assinale-se que o conteúdo essencial não é aplicado somente ao legislador, mas também ao juiz. Na
hora de interpretar um direito fundamental, o juiz também não pode violar o conteúdo essencial deste
direito.

7.2. Formas de determinação


Há duas teorias através das quais o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é determinado: (i)
teoria absoluta; (ii) teoria relativa.

7.2.1. Teoria absoluta (menos utilizada)68


A teoria absoluta faz uma distinção entre o conteúdo essencial deste direito e a sua periferia.

 Conteúdo essencial (ou “núcleo duro”): Conteúdo essencial é o “núcleo duro” do direito
fundamental. Segundo a teoria absoluta, o núcleo duro é definido de modo absoluto. Isto é, através
da interpretação do direito fundamental, é possível delimitar, precisamente, seus contornos. Ao
delimitá-lo precisamente, o conteúdo essencial torna-se inviolável, não podendo ser atingido pelo
legislador.

 Periferia (parcela periférica): Além do núcleo duro definido através da interpretação, há uma parte
periférica do direito, na qual a intervenção legislativa é possível e legítima, ainda que não de
forma totalmente discricionária.

Assim, o direito fundamental tem o seu núcleo duro e a sua parte periférica. Ao regulamentar este
direito fundamental ou criar restrições a ele, o legislador pode entrar na periferia do direito e regulamentá-
la. Porém, o legislador não pode adentrar e regulamentar o núcleo duro, sob pena de violar o direito
fundamental e ser a lei declarada inconstitucional.
Gilmar Mendes afirma que os adeptos da teoria absoluta entendem o núcleo essencial dos direitos
fundamentais como unidade substancial autônoma que, independentemente de qualquer situação
concreta, estaria a salvo de eventual decisão legislativa. Além disso, refere que tal teoria adota uma
interpretação material segundo a qual existe um espaço interior livre de qualquer intervenção estatal.
Neste caso, além da exigência de justificação, imprescindível em qualquer hipótese, ter-se-ia um “limite do
limite” para a própria ação legislativa, consistente na identificação de um espaço insuscetível de
regulação.69
Exemplo de utilização da teoria absoluta:
ADPF 130 (voto Min. Ayres Britto): A uma atividade que já era ‘livre’ (incisos IV e IX do art. 5º),
a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de ‘plena’ (§ 1º do art. 220). Liberdade plena que,
repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado ‘núcleo
duro’ da atividade). (…) Assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do
pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o desembaraçado trânsito das
ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição à lei quanto às matérias
nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da
liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. (…) As matérias reflexamente de
imprensa, suscetíveis [periferia], portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela
própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao

68
##Atenção: Cobrada na prova do TJDFT-2016.
69
##Atenção: ##TJDFT-2016: ##PGEMA-2016: ##CESPE: ##FCC: Gilmar Mendes explica que a ordem constitucional
brasileira não contemplou qualquer disciplina expressa e direta sobre a proteção do núcleo essencial de direitos
fundamentais. Todavia, é inequívoco que a CF/88 veda expressamente qualquer proposta de emenda tendente a abolir
os direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, IV, CF).
agravo; proteção do sigilo da fonte (“quando necessário ao exercício profissional”);
responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos (…).

##Adendo: ##Atenção: ##TRF3-2011: ##TJRS-2012: ##DPEES-2012: ##TJDFT-2016: ##TJPR-2017:


##CESPE: O STF julgou inconstitucional norma que criou conselho profissional (autarquia) para a
fiscalização do jornalismo, dada a impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a
profissão jornalística. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as
liberdades de expressão e de informação. Vejamos:
STF, RE 511961: "No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação
estatal quanto às qualificações profissionais. O art. 5º, incisos IV, IX, XIV, e o art. 220, não
autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista.
Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do
próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em
verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente
vedada pelo art. 5º, inciso IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais
sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho
profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão." 70

##Atenção: ##CESPE: ##TJDFT-2016: Gilmar Mendes explica que a ordem constitucional brasileira
não contemplou qualquer disciplina expressa e direta sobre a proteção do núcleo essencial de direitos
fundamentais. Todavia, é inequívoco que a CF/88 veda expressamente qualquer proposta de emenda
tendente a abolir os direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, IV, CF).

7.2.2. Teoria relativa71 (mais utilizada)


A teoria relativa procura justificar as restrições aos direitos fundamentais mediante o recurso ao
princípio da proporcionalidade.
Pela teoria relativa, a verificação de violação ou não do direito fundamental é realizada à luz do
princípio da proporcionalidade, no bojo do caso concreto, mesmo que seja um caso concreto em tese.
Portanto, não existe na teoria relativa uma barreira intransponível.
Em face do caso concreto, se a lei passar pelo crivo da proporcionalidade (adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito) ela não violará o conteúdo essencial do direito disciplinado. Do contrário,
o conteúdo essencial será violado e ela será considerada uma “lei desproporcional”.
O Min. Gilmar Mendes leciona que os adeptos da teoria relativa entendem que o núcleo essencial há
de ser definido para cada caso, tendo em vista o objetivo perseguido pela norma de caráter restritivo. O
núcleo essencial seria aferido mediante a utilização de um processo de ponderação entre meios e fins, com
base no princípio da proporcionalidade. O núcleo essencial seria aquele mínimo insuscetível de restrição
ou redução com base nesse processo de ponderação. Segundo essa concepção, a proteção do núcleo
essencial teria significado marcadamente declaratório. 72
Exemplo de utilização da teoria relativa:
RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): No que concerne, por seu turno, à eventual violação do
núcleo essencial da liberdade profissional, também não se enxerga a sua ocorrência. Como visto acima
[princípio da proporcionalidade], qualquer bacharel em Direito pode prestar o Exame de Ordem
quantas vezes for necessário até a sua aprovação, sendo certo que não há qualquer limitação
numérica de aprovados (…).

##Atenção: ##CESPE: ##Distinção entre a Teoria Absoluta e a Teoria Relativa: Marcelo Novelino
distingue, de forma didática, as duas teorias:73
I. Para a teoria absoluta, há um núcleo no âmbito de proteção de cada direito fundamental, cujos
limites são intransponíveis, ainda que eventualmente existam outros fatores que justifiquem sua
restrição. Sob tal prisma, o conteúdo essencial refere-se ao espaço de maior intensidade valorativa
do direito, sua parte intocável, delimitada em abstrato através da interpretação. Em sentido forte, a
proteção constitucional é assegurada apenas par o “núcleo duro”, considerado o “coração do
direito”. A parte periférica pode sofrer intervenções legislativas, mesmo que dentro determinados
limites.
70
(TJRS-2012): Em relação ao diploma de jornalismo, decisão do STF considerou que exigi-lo era desproporcional e
violava a liberdade de expressão e informação.
(MPDFT-2011): O Estado não pode criar uma ordem ou um conselho profissional para a fiscalização da atividade
jornalística.
71
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPT-2012; ii) DPERN-2015 (CESPE); iii) PGEMA-2016 (FCC).
72
(MPF-2011): A teoria relativa do núcleo essencial dos direitos fundamentais funde o conceito de núcleo essencial com o
de respeito ao princípio da proporcionalidade nas medidas restritivas de direitos.
73
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 14ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 328-329.
II. Para a teoria relativa, a definição daquilo que deve ser protegido irá depender das circunstâncias
do caso concreto (possibilidade fática) e das demais normas envolvidas (possibilidade jurídica).
Nesta concepção, o conteúdo essencial de um direito será variável, por depender do resultado da
ponderação. Sob essa perspectiva, não há delimitação fixa e preestabelecida, por não se tratar de
elemento estável nem de parte autônoma do direito fundamental. A teoria relativa é a única que
comporta a teoria dos princípios, proposta por Robert ALEXY e, portanto, mais compatível com a
doutrina constitucional pátria.

7.2.3. Fragilidades das teorias absoluta e relativa


As duas teorias analisadas acima pretendem assegurar maior proteção dos direitos fundamentais, na
medida em que buscam preservar os direitos fundamentais contra uma ação legislativa desarrazoada.
Entretanto, elas apresentam fragilidades, vejamos:
 A teoria absoluta, ao acolher uma noção material do núcleo essencial, insuscetível de redução por
parte do legislador, pode converter-se, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade
ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse
mínimo essencial.
 Já a opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade exagerada ao estatuto dos direitos
fundamentais, o que acaba por descaracterizá-los com princípios centrais do sistema constitucional.

8. RESTRIÇÕES OU LIMITES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS74


8.1. Formas de Fixação dos Limites ou Restrições
Existem duas formas de se fixar os limites ou as restrições aos direitos fundamentais: (i) teoria interna;
(ii) teoria externa.
A teoria interna costuma falar em limites aos direitos fundamentais e a teoria externa costuma falar
em restrições aos direitos fundamentais. Porém, a rigor são sinônimos, pois a ideia é a mesma.

8.1.1. Teoria interna


A teoria interna sustenta que os direitos fundamentais e os seus limites imanentes consistem em um
só objeto.
Os limites imanentes de um direito fundamental são fixados, a priori, por um processo interno (daí o
nome teoria interna), através da interpretação do próprio direito fundamental (e não dos outros direitos
fundamentais envolvidos). Ou seja, assim como a teoria absoluta do conteúdo essencial dos direitos
fundamentais, a teoria interna no tocante às limitações sustenta que é através da interpretação, pura e
simplesmente, que se fixa os limites imanentes ao direito fundamental. Não há uma ponderação de
direitos.
Neste processo, como são fixados os limites precisos através de uma interpretação, é extraída uma
regra. Portanto, todo direito fundamental constitui uma regra. Consequentemente, é aplicada a lógica do
tudo ou nada: inexiste colisão ou ponderação entre direitos fundamentais. 75
74
#Atenção: Tema cobrado nas provas i) PGEPE-2009 (CESPE); ii) MPGO-2022 (FGV); iii) PCRJ-2022 (CESPE).
75
(MPGO-2022-FGV): Maria e Joana, ativistas de direitos humanos, travaram intenso debate a respeito da forma de
coexistência dos direitos fundamentais e destes com certas medidas de interesse coletivo. Maria defende que, de acordo
com a teoria interna, os pontos de tensão entre direitos devem ser superados no processo de interpretação, estando
lastreada na dicotomia entre direito e restrição, que direciona a atuação do intérprete. Joana, por sua vez, entende que a
teoria externa está lastreada na concepção de limite imanente, a qual direciona a resolução dos conflitos entre direitos
fundamentais, sendo comum o uso da técnica da ponderação de interesses. À luz dessa narrativa, é correto afirmar que:
Maria e Joana estão parcialmente erradas, pois a teoria interna se afasta da dicotomia entre direito e restrição, e a externa
não se baseia na concepção de limite imanente.
#Atenção: Na teoria interna, os direitos fundamentais são insuscetíveis de restrições externas, mesmo que por lei, fora
dos casos expressamente previstos na Constituição. Assim sendo, a demarcação do conteúdo definitivo de um direito
é extraída inteiramente do texto constitucional e dos contornos que ele oferece (concepção de limite imanente) . Como
consequência, a teoria interna não admite limitações implícitas reconhecidas por lei, nem tampouco a ponderação. Ela
está lastreada na concepção de limite imanente, a qual direciona a resolução dos conflitos entre direitos
fundamentais, sendo comum o uso da técnica da ponderação de interesses. A teoria externa, ao revés, sustenta que a
Constituição configura contornos razoáveis máximos do direito fundamental, que tem a pretensão prima facie de
prevalecer em toda a sua extensão. Todavia, por não ser absoluto, poderá entrar em rota de colisão com outros direitos
ou bens jurídicos igualmente tutelados pela Constituição. Para a harmonização necessária entre eles, admitem-se
intervenções legislativas e ponderação judicial, sempre observada a máxima da proporcionalidade. Nessa teoria, os
pontos de tensão entre direitos devem ser superados no processo de interpretação, estando lastreada na dicotomia entre
direito e restrição, que direciona a atuação do intérprete. (Fonte: Ministro Barroso). Analisando o caso do enunciado,
Maria e Joana estão equivocadas em parte, pois ambas alegações contam com um pequeno trecho invertido - a teoria
externa adota "a dicotomia entre direito e restrição" e "usa a técnica da ponderação de interesses", ao passo que a teoria interna é
a que "está lastreada na concepção de limite imanente" e a que considera que "os pontos de tensão devem ser superados no processo
de interpretação", que é o processo pelo qual se irá verificar qual é a delimitação correta da cada um dos direitos
supostamente em conflito.
Exemplo de aplicação da teoria interna:
ADI 3.510/DF (voto Min. Ayres Britto): O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida
humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um
autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva
(teoria “natalista”, em contraposição às teorias “concepcionista” ou da “personalidade
condicional”). E quando se reporta a “direitos da pessoa humana” e até dos “direitos e garantias
individuais” como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz
destinatário dos direitos fundamentais “à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”,
entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito
à saúde e ao planejamento familiar) (…) O Direito infraconstitucional protege por modo variado
cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana
anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-
implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a
Constituição.

##Obs1: Toda esta “ginástica” é feita para dizer que não há uma colisão entre a inviolabilidade do
direito à vida do embrião e o direito à vida das pessoas que podem ser salvas através das pesquisas com
células-tronco embrionárias. Para isso, o voto do Ministro diz que não há colisão porque a CF não consagra a
vida do embrião como um bem jurídico tutelado, sendo isso protegido pelo direito comum. Por isso, a lei
não é inconstitucional por não violar nenhum dispositivo da CF, que apenas protege a vida da pessoa e não
do indivíduo que não nasceu.

##Obs2: Veja-se que, se utilizarmos esta teoria, a própria criminalização do aborto é inconstitucional,
pois, ao impedir a mulher de abortar, estamos subjugando diversos direitos de índole constitucional (v.g.
direitos à privacidade e ao próprio corpo) para proteger um direito (direito do embrião) que não está na CF/88.

8.1.2. Teoria externa


##Obs.: A teoria dos princípios de Robert Alexy somente é compatível com a teoria relativa (quanto a
determinação) e a teoria externa (quanto às restrições).

A teoria externa parte da premissa de que há dois objetos distintos: o direito fundamental em si e
suas restrições. São coisas distintas porque as restrições não são determinadas através de um processo
interno de interpretação do direito, mas sim identificáveis a partir de uma perspectiva externa, consistente
na análise dos outros direitos fundamentais consagrados pela Constituição.
(TCEPI-2021-FGV): João e Maria travaram intenso debate a respeito das teorias afetas às restrições aos direitos
fundamentais. João defendia que no direito brasileiro é preponderante o entendimento de que esses direitos ensejam o
surgimento de posições jurídicas definitivas, o que implica adesão à denominada teoria interna. Maria, por sua vez,
refutava esse argumento, afirmando que o entendimento preponderante é o de que os direitos apresentam contornos
prima facie, se afeiçoando à teoria externa. À luz dessa narrativa, é correto afirmar que o(s) entendimento(s) de: Maria
está certo, já que direito e restrição formam individualidades distintas.
(PGEMS-2016): Quanto à questão da possibilidade de restrições a direitos fundamentais, é incorreto asseverar que: Na
doutrina sobre as restrições a direitos fundamentais está elenca a denominada teoria interna, para a qual não existem
conceitos de direito e de restrição como categorias autônomas, mas na verdade a própria ideia de direito fundamental
com certo conteúdo, como observa Robert Alexy.
#Atenção: Segundo Gilmar Mendes: “A essa concepção contrapõe -se a chamada teoria interna (Innentheorie), para a qual não
existem os conceitos de direito e de restrição como categorias autônomas, mas sim a ideia de direito fundamental com determinado
conteúdo. A ideia de restrição (Schranke) é substituída pela de limite (Grenze). Tal como ressaltado por Alexy, eventual dúvida sobre
o limite do direito não se confunde com a dúvida sobre a amplitude das restrições que lhe devem ser impostas, mas diz respeito ao
próprio conteúdo do direito" (ibid.)
(MPF-2015): Assinale a alternativa correta: Pela teoria interna, o conflito entre direitos fundamentais é meramente
aparente, na medida em que é superado pela determinação do verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos.
#Atenção: Registre-se que há duas teorias sobre as limitações dos direitos fundamentais: a teoria externa e a interna. A
primeira considera que as restrições a direitos fundamentais são externas ao conceito desses mesmos direitos. É dizer:
existe um direito à liberdade, que pode sofrer restrições (externas) em casos concretos Já para a teoria interna, o
conteúdo de um direito só pode ser definido após ser confrontado com os demais: não existem restrições a um direito,
mas definições de até onde vai esse direito. (Fonte: http://www.google.com.br/url?
sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0CB4QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.stf.jus.br%2Frepositorio
%2Fcms%2Fportaltvjustica%2Fportaltvjusticanoticia%2Fanexo
%2Fjoao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf&ei=IRpJVby9G5b_sAT7joCYCw&usg=AFQjCNF7ygzisOaGS16yEF
lHlK5xMBTWSw&sig2=_xzsAE-8fZm1WMqG6HKywA&bvm=bv.92291466,d.cWc). Na teoria interna defende-se que os direitos
fundamentais são absolutos e portanto não podem ser restringidos, mas sofrem limites imanentes expressos no Texto
Constitucional. Já a teoria externa admite a restrição aos direitos fundamentais. Para a teoria externa, essa limitação
acontece em dois momentos: em um primeiro, se reconheceriam as normas jurídicas que poderiam ser aplicadas no caso
em apreço; e num segundo onde há a ponderação de interesses." (Fonte: https://revistas.newtonpaiva.br/redcunp/d19-16-
restricoes-e-confrontos-aos-direitos-fundamentais-uma-proposta-de-analise-discursiva/).
Portanto, para se chegar à delimitação precisa do direito fundamental há duas etapas a serem
observadas:
1ª etapa: Identificação do conteúdo inicialmente protegido da forma mais ampla possível. Aqui há
um direito “prima facie” (provisório).
Ex.: liberdade de manifestação do pensamento: qualquer manifestação, mesmo que
ofenda a honra de alguém, em princípio, está protegida pelo direito à liberdade de
manifestação do pensamento.

2ª etapa: São definidos os limites externos do direito, através da ponderação prima facie entre o
direito analisado e entre os demais direitos consagrados pela Constituição. Como
resultado desta ponderação, temos o direito definitivo que deve ser observado.

Exemplo de aplicação da teoria externa:


ADI 3.510/DF (voto Min. Celso de Mello): Como se sabe, a superação dos antagonismos
existentes entre princípios constitucionais – como aqueles concernentes à inviolabilidade do direito à
vida, à plenitude da liberdade de pesquisa científica (cujo desenvolvimento propicie a cura e a recuperação
de pessoas afetadas por patologias graves e irreversíveis) e ao respeito à dignidade da pessoa humana – há
de resultar da utilização, pelo Poder Judiciário, de critérios que lhe permitam ponderar e
avaliar, “hic et nunc” (desde logo), em função de determinado contexto e sob uma perspectiva
axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso. [...] A questão pertinente ao
direito à vida admite a possibilidade de, ele próprio, constituir objeto de ponderação por parte do
Estado, considerada a relevantíssima circunstância (ocorrente na espécie) de que se põem em relação de
conflito, com esse mesmo direito, interesses existenciais titularizados por milhões de pessoas afetadas por
patologias graves e irreversíveis, cuja superação pode ser conseguida com a liberação – que se impõe como
uma exigência de ordem ética e de caráter jurídico – das pesquisas científicas com células-tronco
embrionárias.

##Obs.: Aqui o Ministro disse, em suma, que na colisão entre a inviolabilidade do direito à vida do
embrião e o direito à saúde de milhões de pessoas que podem ser salvas pelas pesquisas com células-
tronco, deve prevalecer o direito destas pessoas, especialmente porque tais embriões seriam descartados.

9. LIMITES DOS LIMITES76


A expressão “limites dos limites” foi cunhada por Karl August Betterman, em 1964, para fazer
referência ao paradoxo das restrições aos direitos fundamentais: os direitos fundamentais foram
consagrados nas constituições para proteger os indivíduos do arbítrio do estado (direitos fundamentais de
primeira dimensão). Porém, esses mesmos direitos fundamentais que atuam como limites à atuação do
Estado podem ser limitados pelo próprio Estado. Essas limitações do próprio Estado precisam observar
determinados limites (por isso “limites dos limites”).
Em outras palavras, quando se fala em “limites dos limites” está se falando nos requisitos que uma
lei restritiva aos direitos fundamentais deva observar. São eles:
 Princípio da legalidade (CF, art. 5º, II): qualquer restrição a um direito fundamental somente será
válida se veiculada por lei. Portanto, um ato infralegal (v.g. decreto) não pode restringir um direito
fundamental;
##Obs.: Marcelo Novelino entende que não é adequado falar em princípio da reserva legal (que exige lei
em sentido estrito) neste caso, pois uma restrição a um direito fundamental, no Brasil, não precisa
necessariamente ser feita por uma lei ordinária ou complementar.
O art. 62 da CF admite, por exemplo, que medida provisória - que é uma lei em sentido amplo -
possa tratar de direitos individuais.

 Princípio da não retroatividade (CF, art. 5º, XXXVI): uma restrição a direito fundamental não
pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim, uma
restrição a direito fundamental não pode ocorrer de forma retroativa;

 Princípios da generalidade e abstração (+ princípio da isonomia) : Somente uma norma geral e


abstrata pode restringir um direito fundamental. A norma deve ser geral e abstrata em razão do
princípio da isonomia, para que todos sejam tratados da mesma maneira;

 Princípio da salvaguarda do conteúdo essencial : A lei restritiva não pode violar o conteúdo
essencial de um direito fundamental.

76
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) DPERN-2015 (CESPE); ii) PGEMA-2016 (FCC); iii) PGEMS-2016; iv) MPM-2021;
v) PGEPA-2022 (CESPE); vi) PCRJ-2022 (CESPE).
Se adotarmos a teoria relativa (quanto a forma de determinação), significa que uma lei deve passar pelo
crivo do princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, se adotarmos a teoria absoluta (quanto a forma de determinação), a salvaguarda do
conteúdo essencial será analisada através da interpretação.
De toda forma, adotando-se a teoria absoluta ou relativa, uma lei restritiva a um direito
fundamental não pode violar o conteúdo essencial deste direito.

10. POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE77


10.1. Nomenclatura
Na doutrina, são utilizadas diferentes denominações: “princípio da proporcionalidade”, “postulado
da proporcionalidade”, “máxima da proporcionalidade”.
Tradicionalmente, a proporcionalidade é referida como um princípio. No entanto, considerando a
distinção realizada por Robert Alexy entre princípio e regra, a proporcionalidade não é um princípio, pois
ela não é ponderada frente a algo diverso.
O princípio da proporcionalidade trata-se, portanto, de uma condição de possibilidade do raciocínio
com princípios: ao analisar a aplicação de princípios é empregada, como critério formal, a
proporcionalidade. A proporcionalidade não tem um conteúdo próprio (como tem, por exemplo, os direitos à
vida e à liberdade), despontando como uma forma de se raciocinar com princípios.

##Obs.1: Humberto Ávila diferencia regra, princípio e postulado. Postulado seria uma metanorma ou
uma norma de segundo grau, isto é, uma norma que trata da estrutura de aplicação e de modos de
raciocínio em relação a outras normas. Robert Alexy utiliza a expressão “máxima” da proporcionalidade
(no mesmo sentido adotado por Humberto Ávila).

##Obs.2: Os termos “proporcionalidade” e “razoabilidade” costumam ser empregados por parcela


da doutrina como sinônimos. Na própria jurisprudência do STF são encontrados julgados onde
“proporcionalidade” e “razoabilidade” são tratadas como equivalentes. Parte da doutrina, no entanto, realiza
uma distinção entre os dois (v.g. Virgílio Afonso da Silva e Humberto Ávila).

* Sobre o tema, ver artigos disponibilizados no fórum de constitucional como “material


complementar”:
- O proporcional e o razoável (Virgílio Afonso da Silva)
- A distinção entre princípio e regra e o dever de proporcionalidade (Humberto Ávila)

10.2. Consagração Implícita78


##Questiona-se: De onde é extraída a proporcionalidade? Há três entendimentos na doutrina sobre a
origem da proporcionalidade:

a) “Cláusula do devido processo legal substantivo”


Segundo este entendimento, a proporcionalidade seria extraída da “cláusula do devido processo legal
substantivo” (CF, art. 5º, LIV e LV). É o entendimento adotado nos EUA e em alguns julgados mais antigos
do STF.
Sobre o assunto, vejamos a seguinte decisão do STF:
"Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos
seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV do art. 5º, respectivamente. (...) Due
process of law, com conteúdo substantivo – substantive due process – constitui limite ao
Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de
razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W.
Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law,
com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento judicial justo, com
direito de defesa." [ADI 1.511 MC, voto do rel. min. Carlos Velloso, j. 16-10-1996, P, DJ de 6-6-03.]79

b) Princípio do Estado de Direito (CF, art. 1º)


Na Alemanha, a proporcionalidade costuma ser deduzida do princípio do Estado de Direito. Pauta-
se no fato de que em um Estado de Direito é inadmissível a conduta dos Poderes Públicos que seja arbitrária
ou desproporcional. É o sentido atualmente adotado no STF.

77
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) PGEMS-2014; ii) PGEMA-2016 (FCC); iii) TJSP-2018 (VUNESP).
78
##Atenção: Tema cobrado na prova da DPEBA-2016 (FCC).
79
(PGEMS-2014): Assinale a alternativa correta: O STF acolhe a doutrina do substantive due process of law e nessa esteira
tem afastado a validade de atos estatais que não observam as limitações que incidem sobre o poder normativo do
Estado, produzindo prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade
c) Sistema de direitos fundamentais (Canotilho)
Conforme este entendimento, a proporcionalidade pode ser deduzida do sistema de direitos
fundamentais. A Constituição, ao consagrar um sistema de direitos fundamentais, por consequência, veda-
se qualquer tipo de arbitrariedade por parte do Estado.

10.3. Máximas Parciais80-81


As três máximas da proporcionalidade são: (i) adequação; (ii) necessidade (ou exigibilidade, ou
princípio da menor ingerência possível); e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.
As três máximas parciais possuem a estrutura de regra e, portanto, não são ponderadas. Assim, uma
medida estatal restritiva de direitos fundamentais só será proporcional se for adequada ao fim a que se
destina, se for necessária e se for proporcional em sentido estrito.

a) Adequação
A adequação envolve uma relação entre meio e fim: as medidas adotadas pelos Poderes Públicos
devem ser aptas para fomentar (promover em tese) os objetivos almejados. Deste modo, uma medida só
será proporcional se ela tiver a aptidão para alcançar a finalidade, a qual se destina.82
Se há um meio utilizado para atingir um fim, mas este meio não é adequado para este fim, significa
que a medida é desproporcional.
Exemplo de aplicação nº 1: Uma lei na Alemanha exigiu que a pessoa tivesse habilidades em armas de
fogo para realizar a falcoaria, que consiste em uma caça realizada com falcões, que não utiliza armas de fogo.
A Suprema Corte alemã entendeu que esta lei não proporcional, pela perspectiva da adequação, em razão de
que o meio consistente em obrigar as pessoas que realizavam a caça a ter habilidades com armas de fogo, não
era adequada para o fim consistente em ordenar e organizar a caça na Alemanha. Logo, essa lei estava
restringindo de forma injustificada o direito fundamental de quem queria praticar este tipo de caça.
Exemplo de aplicação nº 2:
RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): Com efeito, trata-se de medida adequada à finalidade a que
se destina, qual seja, a aferição da qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em
caráter preventivo, com vistas a evitar que a atuação do profissional inepto cause prejuízo à sociedade.

RE 414.426: Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de


condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade. Apenas quando houver potencial lesivo
na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional. A atividade de
músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de
expressão. (STF. Plenário. RE 414426/SC, Min. Rel. Ellen Gracie, j. 01/08/11). 83

##Atenção: ##STF: ##TJMS-2020: ##FCC: O art. 5º, XIII, parte final, da CF admite a
limitação do exercício dos trabalhos, ofícios ou profissões, desde que materialmente compatível com os
demais preceitos do texto constitucional, em especial o valor social do trabalho (arts. 1º, IV; 6º, caput e inciso
XXXII; 170, caput e inciso VIII; 186, III, 191 e 193 da CF) e a liberdade de manifestação artística (art. 5º, IX,
da CF). As limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado
exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a
critérios de adequação e razoabilidade, o que não ocorre em relação ao exercício da profissão de
músico, ausente qualquer interesse público na sua restrição. A existência de um conselho profissional com
competências para selecionar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de músico, para proceder a
registros profissionais obrigatórios, para expedir carteiras profissionais obrigatórias e para exercer poder de

80
(MPMG-2017): Quanto aos direitos fundamentais, assinale a alternativa correta: O princípio da proporcionalidade,
amplamente utilizado na jurisdição constitucional, liga-se ao preceito da finalidade legítima, bem como é critério
definidor daquilo que compõe o núcleo essencial de um direito fundamental.
81
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) DPESP-2010 (FCC); ii) PGEMA-2016 (FC)); iii) TJSP-2018 (VUNESP).
82
(MPMG-2021): Sobre a interpretação das normas constitucionais, é correto afirmar: Dentro do juízo de
proporcionalidade, o subprincípio da adequação julga se as medidas de intervenção no direito fundamental são
razoáveis e aptas para se alcançar o fim almejado.
##Atenção: O princípio da proporcionalidade serve para fazer a ponderação de interesses no caso concreto quando
duas normas constitucionais estiverem em choque. Este postulado é composto de três subprincípios ou elementos de seu
conteúdo, que são: a adequação (ou idoneidade), a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Esses três
subprincípios da proporcionalidade são bem sintetizados por Willis Santiago Guerra Filho: “Resumidamente, pode-se dizer
que uma medida é ADEQUADA, se atinge o fim almejado, EXIGÍVEL, por causar o menor prejuízo possível e finalmente,
PROPORCIONAL EM SENTIDO ESTRITO, se as vantagens que trará superarem as desvantagens." (GUERRA FILHO, Willis
Santiago. Ensaios de Teoria Constitucional. Fortaleza: UFC, 1989, p. 75.)
83
(TRF2-2018): A respeito dos direitos fundamentais e garantias individuais é correto afirmar: Devido à livre escolha da
profissão ou oficio são inconstitucionais as leis que, a despeito da desnecessidade de proteção a interesse público
especifico, restrinjam o exercício de atividades como, por exemplo, a de músico. BL: Entend. Jurisprud.
polícia, aplicando penalidades pelo exercício ilegal da profissão, afronta as garantias da liberdade de
profissão e de expressão artística. (STF. Plenário. ADPF 183, Min. Rel. Alexandre de Moraes,
Tribunal Pleno, j. 27/9/19. (Info 960).84

O objetivo almejado pela lei é aferir a qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em
caráter preventivo, evitando-se que as pessoas sejam patrocinadas por pessoas desqualificadas. O meio do
exame de ordem é adequado a este objetivo.

##Obs.: Alguns autores colocam “objetivo legítimo” e “meio legítimo” como se fossem dois de cinco
passos (e não três – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) do princípio da
proporcionalidade:
i. Objetivo legítimo: Para a medida ser adequada, o objetivo almejado por ela deve ser legítimo.
É necessário questionar: (a) Qual o objetivo perseguido com a interferência?; (b) Esse objetivo se
identifica exatamente com a situação fática?; (c) Esse objetivo é juridicamente admissível?
Exemplo: Programa de incentivos fiscais para empresas se instalarem no sul do país é legítimo?
Não, pois criar incentivos para aumentar o desenvolvimento para uma região do país que é
uma das mais desenvolvidas só aumentaria as desigualdades regionais. Se fossem programar
para o Norte e Nordeste (v.g. Sudam e Sudene) sem problema, mas nesse caso a região já é uma
das mais desenvolvidas, não sendo o objetivo legítimo em face da CF/88.

ii. Meio legítimo: Para o meio ser legítimo, o meio empregado deve ser precisamente designado e
juridicamente avaliado.
Exemplo: Reduzir os custos de uma execução penal é um objetivo legítimo, mas se para isso
adotarmos a pena de morte, certamente não há um meio legítimo em razão de que a CF proíbe a
pena de morte, salvo em caso de guerra declarada.

b) Necessidade (ou exigibilidade, ou princípio da menor ingerência possível)


A necessidade significa que, havendo dois ou mais meios similarmente eficazes, deve-se optar pelo
menos oneroso possível, para que não cause uma ingerência indevida no direito fundamental.
Se uma norma estabelece uma medida restritiva a um direito, para analisarmos se ela é proporcional
ou não, devemos saber se existem outras medidas que possam ter a mesma eficácia que ela e sejam menos
gravosas.
Exemplo de aplicação nº 1: Uma lei na Alemanha proibiu a venda de determinado alimento em flocos
que era semelhante a um chocolate, cujo objetivo era evitar que os consumidores se confundissem na hora de
comprar o produto adquirindo o doce achando que era chocolate quando na verdade não era. O Tribunal
Alemão considerou que a lei era desproporcional e, por conseguinte, inconstitucional. O meio utilizado era
adequado, pois, de fato, evitava que os consumidores se confundissem na hora de comprar o alimento,
porém o meio não era necessário, pois existem outros meios similarmente eficazes, mas menos gravosos que
esse, por exemplo colocar uma advertência na embalagem.
Exemplo de aplicação nº 2:
RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): (…) o Exame de Ordem também atende ao
subprincípio da necessidade ou exigibilidade, traduzindo-se no meio menos gravoso de atingir o
resultado pretendido. Afinal, cuida-se de exame realizado com periodicidade quadrimestral, de modo que o
bacharel em direito dispõe de três oportunidades anuais para o prestar. O exame é objetivo, impessoal,
padronizado (…)

Como uma pessoa pode tentar fazer o exame três vezes por ano, até passar, esse mecanismo já é o
menos gravoso, passando pelo critério da necessidade.

c) Proporcionalidade em sentido estrito


A proporcionalidade em sentido estrito corresponde à ponderação, ou seja, o grau de satisfação do
princípio constitucional fomentado deve ser suficientemente forte para justificar a restrição do princípio
constitucional ofendido.
Se há uma lei que está restringindo determinado princípio para promover outro princípio, é
necessário analisar se o grau de promoção ou de fomento do segundo princípio é suficientemente forte para
justificar o grau de afetação do primeiro princípio. Se a medida não puder ser justificada pela promoção do
segundo princípio em relação a restrição do primeiro princípio, significa que a lei não é proporcional.

84
(TJMS-2020-FCC): À luz da jurisprudência do STF, em matéria de direitos e garantias fundamentais e aspectos
correlatos, admitem-se limitações por lei ao livre exercício das profissões, sendo consideradas legítimas quando o
inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de
adequação e razoabilidade. BL: art. 5º, XIII, CF e Entend. STF.
##Obs.: “Lei material de sopesamento”: Robert Alexy afirma que “quanto maior for o grau de não-
satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro ”. É uma
análise na qual se leva em consideração os princípios que são fomentados por uma medida e os que são
restringidos por ela.

Exemplo de aplicação:
RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): (…) Atendimento do subprincípio da proporcionalidade em
sentido estrito, na medida em que os benefícios gerados superam as restrições impostas. De fato,
uma limitação ao exercício de atividade profissional que será superável em qualquer tempo pelo indivíduo
que lograr aprovação no Exame de Ordem é muito reduzida diante do evidente ganho da sociedade (…)

Desse modo, se analisarmos o custo versus o benefício do Exame de Ordem, a restrição do princípio
da liberdade profissional é justificada em relação à promoção da proteção da sociedade.

##Obs.: Há duas situações distintas:


Em um caso concreto, analisa-se se uma lei é ou não proporcional. Nesse caso, este ato deve passar
pelo crivo da proporcionalidade para vermos se ele é adequado, necessário ou proporcional em sentido
estrito. Neste caso, a ponderação é apenas a etapa final. Porém, existem situações nas quais não há uma
norma restritiva a um direito fundamental, mas sim a colisão entre dois direitos fundamentais (v.g.
liberdade de informação e privacidade). Quando não há norma restritiva, não se analisa pela
proporcionalidade, faz-se a ponderação diretamente, que seria a proporcionalidade em sentido estrito.
Em outras palavras, a ponderação (correspondente à proporcionalidade em sentido estrito diretamente) se
faz quando há colisão de princípios ab initio. Porém, quando a colisão está em uma lei que promove um
princípio em detrimento de outros devemos passar pelo crivo da proporcionalidade em seus três aspectos:
necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

10.4. Princípio da Proibição de Proteção Deficiente (ou Insuficiente)


O princípio da proporcionalidade geralmente é utilizado no sentido de proibição de excesso, o qual
tem por finalidade evitar cargas coativas excessivas na esfera jurídica dos particulares. No sentido da
proporcionalidade em relação à proibição do excesso, busca-se a “menor ingerência possível”, evitando que
os Poderes Públicos adotem medidas excessivamente gravosas. Ela atua quando os Poderes Públicos vão
além do desejável.
Todavia, há outra faceta do princípio da proporcionalidade, que no sentido inverso, trata-se da
proibição de proteção insuficiente, a qual exige dos órgãos estatais o dever de tutelar de forma adequada e
suficiente determinados direitos fundamentais consagrados na Constituição. Ela atua quando os Poderes
Públicos vão aquém do desejável.85
Exemplo: O direito da inviolabilidade do direito à vida precisa ser protegido por outras normas, como,
por exemplo, de uma lei criminalizando o homicídio. Em mesmo passo, se fosse imposta uma pena restritiva
de direitos como preceito secundário do crime de homicídio, essa seria uma proteção insuficiente do direito
à vida.

##Obs.: Toda vez que a CF/88 expressa um mandamento de criminalização, a proteção feita pelo
legislador àquele bem jurídico deve ser adequada. Se a pena para o crime for muito pequena, ela será
insuficiente. Vejamos o seguinte precedente do STF:
RE 778.889/PE: 1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange
tanto a licença gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias.
Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos
85
(TCERJ-2021-CESPE): Acerca de Constituição, poder constituinte e princípios fundamentais, julgue o item seguinte: O
princípio da proporcionalidade pode ser aplicado como vedação da proteção deficiente do Estado.
(MPGO-2019): Sobre o princípio da proporcionalidade no sistema constitucional brasileiro, assinale a alternativa
correta: O princípio da proporcionalidade funciona como limite à proteção insuficiente pelo Estado de direitos e bens
constitucionalmente protegidos.
##Atenção: O princípio da proporcionalidade se desdobra em duas vertentes, uma negativa (proibição do excesso) e
outra positiva (proibição de proteção insuficiente). A proibição de proteção insuficiente aduz que nem a lei, nem a
atuação do Estado podem apresentar insuficiência em relação à garantia dos direitos fundamentais, ou seja, cria-se um
dever para o Estado, (diga-se para o legislador, juiz e demais aplicadores do direito) que não pode abrir mão dos
mecanismos de tutela, a fim de assegurar a proteção de um direito fundamental. Já a proibição do excesso visa, na
consecução de um fim, a utilização do meio estritamente adequado, evitando-se uma atuação estatal de forma excedente.
(DPEBA-2016-FCC): É considerado pela doutrina como (sub)princípio derivado do princípio da proporcionalidade:
Proibição de proteção insuficiente.
(DPERN-2015-CESPE): Assinale a opção correta em relação aos direitos fundamentais e aos conflitos que podem
ocorrer entre eles: A proibição do excesso e da proteção insuficiente são institutos jurídicos ligados ao princípio da
proporcionalidade utilizados pelo STF como instrumentos jurídicos controladores da atividade legislativa.
biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e do interesse superior
do menor. 2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço
adicional da família para sua adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas.
Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se
encontram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação
à proteção deficiente. 3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação
compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva. Maior é,
ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no imaginário das famílias adotantes o
desejo de reproduzir a paternidade biológica e adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção
inferior às crianças mais velhas. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção
deficiente.

Analisando o julgado acima, o legislador, ao conceder prazos diferentes no caso de adoção de crianças
com idade mais avançada, corresponderia uma violação à proteção deficiente, pois as crianças mais velhas
também precisam se adaptar ao novo lar, possuindo, às vezes até mais dificuldades para isso.

##Atenção: ##DPEDF-2019: ##MPMG-2021: ##MPM-2021: ##Resumo: Übermassverbot e


Untermassverbot são termos da doutrina constitucional alemã, que também são utilizados para articular
teses no direito penal — tanto de defesa quanto de acusação. São desdobramentos do princípio da
proporcionalidade e significam proibição do excesso e proibição de proteção deficiente ou insuficiente
respectivamente. Proibição do excesso (Übermassverbot) é a vedação da atividade legislativa que ao legislar
acaba por ir além do necessário, em excesso, afetando direitos fundamentais como a liberdade de
expressão, liberdade de locomoção, a honra, a dignidade, entre outros. Portanto, aqui o Estado não pode ir
além do necessário. Proibição de proteção deficiente ou insuficiente (Untermassverbot) é o revés da
proibição do excesso, quando o Estado não legisla acerca de um determinado direito fundamental
desprotegendo-o. Tal proibição consiste em não se permitir uma deficiência na prestação legislativa, de
modo a desproteger bens jurídicos fundamentais. Nessa medida, seria inconstitucional, por exemplo, por
afronta à proporcionalidade, lei que pretendesse descriminalizar o aborto.

##Atenção: ##MPF-2017: Lênio Streck explica: “Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade
possui uma dupla face: de proteção positiva e de proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade
pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o
resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção
insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas
sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da
proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, e que tem
como consequência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador” (Streck,
Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à
proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais
inconstitucionais. Revista da Ajuris, Ano XXXII, nº 97, marco/2005, p.180) . No mesmo sentido, o princípio
da proporcionalidade possui duas vertentes: a) Proibição do excesso: o legislador não pode criar figuras
típicas penais que não protejam qualquer bem jurídico. Além disso, ao criar uma infração penal, a pena
cominada deve ser compatível com o bem jurídico tutelado. Obs.: Essa vertente do princípio da
proporcionalidade também é conhecida como garantismo negativo (Proibição do excesso = garantismo
negativo - Atende mais o interesse do réu.); b) Proibição de uma proteção deficiente do Estado: Os Estado
deve proteger de maneira adequada o Estado e a Coletividade. 86 (Fonte: FONTE: EDUARDO FONTES,
DELEGADO DA PF).

DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE

DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS

1. DESTINATÁRIOS DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS

86
(MPF-2017): Assinale a alternativa correta: O princípio da proporcionalidade possui uma dupla face, atuando
simultaneamente como critério para o controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas do âmbito de
proteção dos direitos fundamentais, bem como para o controle da omissão ou atuação insuficiente do Estado no
cumprimento dos seus deveres de proteção..
Os direitos e garantias individuais estão sistematicamente consagrados no art. 5º da CF/88: “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes”.87
O dispositivo acima dispõe expressamente que referidos direitos e garantias individuais são
garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País (destinatários). Por conseguinte, o art. 5º da
CF/88 assegura a eles a inviolabilidade de cinco direitos: (i) vida, (ii) liberdade, (iii) igualdade, (iv)
segurança e (v) propriedade.

##Obs.: A “SEGURANÇA” prevista no “caput” do art. 5º da CF/88 é a “segurança jurídica”. A


segurança jurídica é concretizada em vários incisos deste dispositivo (v.g. princípio da legalidade, princípio do
devido processo legal, princípio do juiz natural, princípio da não retroatividade). Por sua vez, a “segurança pública”
é um direito social, consagrada no art. 6º da CF/88, junto com os demais direitos sociais.

1.1. Interpretação Literal (CF, art. 5º)


A partir de uma interpretação literal do art. 5º da CF/88, conclui-se que somente poderão invocar os
direitos e garantias individuais os brasileiros (natos ou naturalizados, pessoas físicas ou jurídicas) e os
estrangeiros residentes no País.

##Obs.: Para José Afonso da Silva, os estrangeiros não residentes no País podem invocar apenas
direitos previstos em tratados e convenções internacionais.

##Atenção: ##TJDFT-2016: ##CESPE: ##MPPR-2019: Portanto, percebe-se que o caput do art. 5°da
CF/88 apenas referência, de modo expresso, dos brasileiros - natos ou naturalizados (art. 12, II, CF/88) - e
dos estrangeiros residentes no país enquanto titulares dos direitos fundamentais. Entretanto, a doutrina
mais atual e a STF têm realizado interpretação do dispositivo na qual o fator meramente circunstancial da
nacionalidade não excepciona o respeito devido à dignidade de todos os homens, de forma que os
estrangeiros não residentes no país (turista), assim como os apátridas, devam ser considerados
destinatários dos direitos fundamentais. Nesses termos, de forma extensiva (interpretação extensiva) o
próprio STF, em sua jurisprudência, já no início dos anos 90, reconheceu que os estrangeiros, mesmo que não
residentes no país, a condição de destinatários – não de todos – mas de alguns dos direitos fundamentais
consagrados pela Constituição de 1988. Nada impede que um habeas corpus, por exemplo, seja impetrado
por estrangeiro de passagem (turista), que tenha sua liberdade de locomoção dentro do território nacional
violada. Nesse sentido, vejamos:
STF: (...) O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena
legitimidade para impetrar o remédio constitucional do "habeas corpus", em ordem a tornar
efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao
integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do
devido processo legal. - A condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de o réu
estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de
qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. (...)” (STF, 2ª T., HC 94404, Rel. Min. Celso
de Mello, j. 18/11/2008).

Gilmar Mendes explica que o gozo da titularidade de direitos fundamentais por parte dos brasileiros
evidentemente prescinde da efetiva residência em território brasileiro, pois a titularidade sujeita-se
exclusivamente ao vínculo jurídico da nacionalidade, ao passo que para os estrangeiros a titularidade dos
direitos assegurados na CF somente é reconhecida se estiverem residindo no Brasil, embora com isto não se
esteja a delimitar – ainda – quais sejam tais direitos.

1.2. Interpretação Extensiva


A interpretação literal, todavia, não é a majoritária na doutrina e nem a adotada pela jurisprudência
do STF.
O entendimento majoritário, consistente na interpretação extensiva, admite que os estrangeiros não
residentes no país também possam invocar os direitos do art. 5º88.
87
(TJPA-2014-VUNESP): O texto constitucional, em seu art. 5.º, caput, prevê expressamente valores ou direitos
fundamentais ao ditar literalmente que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade. BL: art. 5º, caput, CF.
##Atenção: Apesar do caput do art. 5º enunciar direitos apenas a brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, a
doutrina e o STF os estendem também para estrangeiros em trânsito e pessoas jurídicas (HC 94.016/2008).
88
Apesar do caput do art. 5º da CF/88 enunciar direitos apenas a brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, a
doutrina e o STF os estendem também para estrangeiros em trânsito e pessoas jurídicas (HC 94.016/08).
A interpretação extensiva é fundamentada em duas normas previstas na Constituição:

a) Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF)


A dignidade da pessoa humana, consagrada na Constituição como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, impõe três espécies de deveres: (i) de respeito; (ii) de proteção; e (iii) de promoção.
O dever de proteção impõe a adoção de interpretações que promovam a dignidade da pessoa
humana pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, a dignidade atua como diretriz hermenêutica: sendo a
dignidade um atributo de todo ser humano (independentemente de qualquer condição) e estando os direitos
individuais diretamente ligados a ela, não se pode excluir do âmbito de proteção desses direitos a
determinados indivíduos, apenas pela razão de eles possuírem outra nacionalidade e não residirem no País.
Portanto, qualquer indivíduo que esteja no território brasileiro poderá invocar direitos e garantias
individuais básicos, mesmo que não seja residente no País. Todo o ser humano possui dignidade, de forma
que os direitos e garantias individuais possuem uma titularidade universal.

##Obs.1: Essa interpretação extensiva não é feita apenas no direito brasileiro. Por exemplo, na
Espanha e em Portugal, em suas Constituições, possui um dispositivo muito semelhante e a jurisprudência
desses países faz uma interpretação semelhante.

##Obs.2: Essa interpretação extensiva ora estudada refere-se aos direitos individuais. Não são todos
os direitos fundamentais que podem ser invocados por estrangeiros, pois existem direitos sociais, de
nacionalidade e direitos políticos não invocáveis por estrangeiros. Portanto, a interpretação extensiva refere-
se, precipuamente, aos direitos e garantias individuais.

b) Primazia dos direitos humanos nas relações internacionais (art. 4º, II, CF)
Um segundo fundamento da interpretação extensiva é a primazia dos direitos humanos nas relações
internacionais, que está consagrado no art. 4º, II da CF/88. Vejam um precedente do STF nesse sentido:
STF – HC 94.016/SP: O súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem
direito a todas as prerrogativas básicas que lhe assegurem a preservação do status libertatis e
a observância, pelo Poder Público, da cláusula constitucional do due process. [...] A condição
jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso
país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório.

1.3. Pessoas Jurídicas


Os direitos e garantias fundamentais, quando consagrados nas primeiras Constituições (francesa de
1791 e norte-americana de 1787), o foram para proteger o indivíduo contra o arbítrio do Estado (direitos
liberais). Na época, havia um estado absolutista que foi derrubado pelas revoluções liberais, surgindo tais
direitos, voltados precipuamente à proteção da liberdade do indivíduo (direitos de 1ª geração).

##Atenção: ##MPF-2015: ##MPPR-2019: ##Questiona-se: Uma pessoa jurídica, ainda


que de direito público, especialmente considerando que tais direitos e garantias foram criados
exatamente para proteger o indivíduo de tais entidades, pode invocar direitos individuais?
O entendimento atual (jurisprudência e doutrina majoritárias) é o de que qualquer pessoa
jurídica, privada ou pública, poderá invocar certos direitos e garantias individuais.
Obviamente, nem todos os direitos e garantias individuais são aplicáveis às pessoas jurídicas
(v.g. liberdade de locomoção). Porém, quando for pertinente, tais direitos podem ser aplicados.
Nesse sentido, vejamos o seguinte julgado do STF: “A QUESTÃO DOS DIREITOS E
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE CARÁTER
PROCEDIMENTAL, TITULARIZADOS PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO. -
A imposição de restrições de ordem jurídica, pelo Estado, quer se concretize na esfera judicial, quer se
realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos devedores em
cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo
Poder Público, da garantia indisponível do ‘due process of law’, assegurada, pela Constituição da
República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito
público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua autoridade
de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes.” (AC 2.032-QO/SP, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, Pleno).89
 Exemplos de direitos aplicáveis às pessoas jurídicas de direito privado: devido processo

89
(MPF-2015): Assinale a alternativa correta: Segundo o STF, as pessoas jurídicas de direito público podem ser titulares
de direitos fundamentais.
legal, juiz natural, ampla defesa e contraditório.
 Exemplo de direitos aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público, incluídos os entes
federativos: poderão ser invocados, basicamente, as garantias processuais (v.g. ampla
defesa, contraditório, devido processo legal, juiz natural, etc.).

Veja o entendimento do STF sobre o tema:


STF - AC 2.395 MC/PB: A imposição de restrições de ordem jurídica, pelo Estado, quer se
concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a
inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se
constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do ‘due process of
law’, assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive
às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão
de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes.

##Atenção: ##MPF-2015: ##MPPR-2019: Segundo Gilmar Mendes, não há, em princípio,


impedimento superável a que pessoas jurídicas venham, também, a ser consideradas titulares de direitos
fundamentais, não obstante estes, originariamente, terem por referência a pessoa física. Acha-se superada a
doutrina de que os direitos fundamentais se dirigem apenas às pessoas humanas.

2. DIREITOS INDIVIDUAIS
a) Direitos individuais em espécie
Iniciaremos agora o estudo dos direitos elencados no art. 5º da CF, quais sejam: i) Direito à vida; ii)
Direito à igualdade; iii) Direito à privacidade; iv) Direitos de liberdade; v) Direito à propriedade. Os 78
incisos do art. 5º da CF densificam e concretizam os valores previstos no caput, além do direito à privacidade,
que não está previsto no caput do art. 5º, mas também é tratado nos seus incisos.

##Obs.: A segurança jurídica, prevista no caput do art. 5º, está relacionada às garantias individuais,
que serão estudadas em momento oportuno.

b) Parâmetros de estudo
Ao estudarmos a maioria dos direitos fundamentais, faremos uma análise sempre baseada em dois
aspectos:
 Âmbito de proteção: é o bem jurídico protegido pelo direito fundamental.
 Restrições: são as intervenções legítimas, constitucionalmente fundamentadas, isto é, que
encontram uma justificativa no texto constitucional.

##Obs.: A restrição ilegítima não é restrição, mas violação ao direito fundamental.

Exemplo de restrição: A CF/88 consagra a inviolabilidade do sigilo de correspondência, de dados, de


comunicações telegráficas e de comunicações telefônicas. Porém, ressalva que, no caso das comunicações
telefônicas, pode haver uma restrição se houver autorização judicial, na forma que a lei estabelecer, para fins
de investigação criminal ou instrução processual penal.
Essa possibilidade de um juiz autorizar uma interceptação telefônica é uma intervenção
constitucionalmente fundamentada no âmbito de proteção do direito à inviolabilidade das comunicações.
Quando a intervenção é legítima e passa pelo crivo da proporcionalidade, ela é chamada de restrição.
Se a intervenção for ilegítima, ela não é restrição, mas sim uma violação ao direito fundamental.

2.1. Direito à Vida


2.1.1. Âmbito de proteção
a) Abrangência
O bem jurídico protegido pela Constituição é a vida humana, em seu sentido biológico. A CF/88 não
protege no caput do art. 5º a vida dos animais e das plantas, nem a vida em sentido espiritual (após a morte).

b) Acepções
Este âmbito de proteção do direito à vida abrange duas acepções distintas:
 Negativa: É o direito de permanecer vivo. Isso impede que o Estado e outras pessoas atuem de
forma a intervir no direito à vida. Exige-se, portanto, uma abstenção (conduta negativa).
Ex.: o Estado não pode condenar alguém à pena de morte, salvo no caso de guerra declarada.
 Positiva: É o direito de exigir do Estado prestações materiais e jurídicas para proteger e promover
o direito à vida. 90
Ex.1: exigir proteção à mulher ameaçada pelo companheiro (Lei Maria da Penha);
Ex.2: exigir proteção à testemunha;
Ex.3: a jurisprudência do STF não admite a extradição quando o País requerente prevê a pena de
morte para o crime, caso em que, para que a extradição seja autorizada, deve o Estado requerente fazer a
comutação da pena: da pena de morte para a pena privativa de liberdade com duração máxima de trinta
anos.

c) Dimensões (MPF 2013)


Além das acepções, existem dimensões, as quais todo direito fundamental possui.

##Atenção: Essas duas dimensões não são apenas do direito à vida. Elas estão presentes em todos os
direitos fundamentais. Vejamos elas:
 Subjetiva: O direito fundamental é pensado sob o aspecto do indivíduo. Em outras palavras, a
proteção conferida pelo direito fundamental é proporcionada à pessoa que o titulariza. Vejamos um
exemplo trazido pela jurisprudência do STF:
Dimensão subjetiva: STF - ADI 3.510, Ayres Britto: o Magno Texto Federal não dispõe sobre
o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da
vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa,
porque nativiva (teoria ‘natalista’, em contraposição às teorias ‘concepcionista’ ou da ‘personalidade
condicional’).

 Objetiva: O direito é protegido pela perspectiva da comunidade. Portanto, ainda que ninguém o
titularize no caso concreto, o direito merece proteção por ser importante para a sociedade. Vejamos
um exemplo trazido pela jurisprudência do STF:
Dimensão objetiva: STF - ADI 3.510, Lewandowski: Creio que o debate deve centrar-se no
direito à vida entrevisto como um bem coletivo, pertencente à sociedade ou mesmo à humanidade como
um todo, sobretudo tendo em conta os riscos potenciais que decorrem da manipulação do código genético
humano.

##Obs.: A dimensão objetiva, desenvolvida no Direito Alemão, está relacionada à ideia de


Constituição como “ordem objetiva de valores”.

d) Distinção entre irrenunciabilidade e inviolabilidade


Outro aspecto relevante relacionado ao direito à vida é a distinção entre irrenunciabilidade e
inviolabilidade:
 Irrenunciabilidade: protege o direito em face do próprio titular, ou seja, o titular não pode
renunciar a ele por ser um direito fundamental.

##Obs.: Lembre-se que alguns direitos fundamentais podem ser objeto de renúncia em relação ao
seu exercício. Porém, no caso do direito à vida, a questão é um pouco diferente, porque não se pode abrir
mão de forma parcial e temporária destes direitos.91

Questão1: Eutanásia: Ainda que a pedido da pessoa que deseja morrer, aquele que atende ao pedido
responde, segundo a jurisprudência dos Tribunais de Justiça brasileiros, por homicídio privilegiado.
Portanto, mesmo que a pessoa queira abreviar sua própria vida, com o intuito de minimizar sofrimentos, um
terceiro não poderá adotar esta conduta.

90
(Agente de Segurança Penitenciária/PE-2017-CESPE): O direito individual fundamental à vida possui duplo
aspecto: sob o prisma biológico, traduz o direito à integridade física e psíquica; em sentido mais amplo, significa o direito
a condições materiais e espirituais mínimas necessárias a uma existência condigna à natureza humana.
91
(MPMG-2017): Quanto aos direitos fundamentais, assinale a alternativa correta: É admissível a renúncia ao exercício
dos direitos fundamentais como corolário do livre desenvolvimento da personalidade.
##Atenção: É admissível a renúncia ao exercício de determinado direito, desde que pontual, que pode ser expressa
(como no caso do Big Brother quanto á proteção do direito à imagem) ou tácita (a exemplo do não ajuizamento de
reintegração de posse, renunciando ao exercício do direito de propriedade). O que é irrenunciável é a titularidade do
direito, por exemplo, caso o sujeito renunciasse definitivamente ao seu direito à imagem ou ao seu direito de ter
qualquer propriedade. Desse modo, os direitos fundamentais são irrenunciáveis, mas o seu exercício pode ser
renunciado. Assim, não se pode dispor do próprio direito, pois que é inerente ao ser humano, mas pode não ser
exercido.
Questão2: Testemunhas de Jeová: Testemunhas de Jeová, com base em uma interpretação do texto
bíblico, recusam-se a receber transfusão de sangue e seus derivados. Assim, quando há tratamento
alternativo, por óbvio, deve-se respeitar a vontade do paciente.
A celeuma encontra-se na inexistência de alternativas quando a recusa à transfusão coloque em risco a
vida do paciente. Nesse caso, o médico deverá respeitar a vontade do paciente ou agir conforme o Código de
Ética Médica? Temos suas situações: (i) Se a pessoa é absolutamente capaz e está consciente no momento da
transfusão, no entendimento de Marcelo Novelino, a vontade do paciente deve ser respeitada. (ii) Todavia,
em se tratando de incapazes, os responsáveis não podem impedir a transfusão. Tais entendimentos, no
entanto, são objeto de controvérsias.
Em um caso concreto, no qual os pais de uma criança pediram para que não fosse realizada a
transfusão e o filho acabou morrendo, entendeu-se que os pais não poderiam ser responsabilizados, mas os
médicos foram, pois contrariaram o Código de Ética Médica, o qual preceitua que a vontade do paciente
deve ser respeitada apenas caso não o coloque em risco de vida.

 Inviolabilidade: protege o direito fundamental contra a intervenção por parte de terceiros.


Portanto, o Estado e outros particulares não podem intervir no direito à vida, salvo se houver uma
justificativa constitucionalmente adequada (intervenção legítima), pois embora o direito à vida seja
um dos mais importantes em nossa sociedade, ele não é absoluto, de forma que existem
circunstâncias em que outros direitos ou o direito à vida de terceiros podem ter um peso relativo
maior.

2.1.2. Restrições
a) Pena de morte no caso de guerra declarada
A pena de morte no caso de guerra declarada trata-se da única restrição expressamente prevista no
texto constitucional em relação à inviolabilidade do direito à vida. Vejamos:
CF, art. 5º: (…): XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (…).92

A pena de morte é regulamentada pelo art. 56 do Código Penal Militar (DL n. 1.001/1969).
Art. 56 do CPM: A pena de morte é executada por fuzilamento.

##Obs.: Embora essa seja a única restrição ao direito à vida prevista na Constituição, podemos
encontrar na legislação infraconstitucional e na jurisprudência do STF outras hipóteses de restrição
consideradas legítimas, em razão de outros valores consagrados na CF/88. Vejamos abaixo.

b) Aborto
Há hipóteses de aborto que não são punidas pelo Código Penal, por não o considerar como uma
violação à vida sem razão constitucionalmente justificada.

b.1) Aborto necessário


CP, art. 128: Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; (...).

O art. 128, I, do CP, trata do aborto terapêutico ou necessário. Nesse caso, há um conflito entre dois
direitos à vida: (i) o da gestante; (ii) e o do feto. Nesse passo, o Estado não pode impor à gestante que
coloque em risco sua própria vida para salvar a vida do feto.
A rigor, o dispositivo não consubstancia uma excludente de punibilidade conforme dispõe o Código
Penal, mas de antijuridicidade (estado de necessidade). O CP, art. 128, I não gera maiores polêmicas.

b.2) Aborto sentimental


O dispositivo disciplina o aborto sentimental (gravidez resultante de estupro). Há grande controvérsia
em torno do contido neste inciso II:
CP, art. 128: Não se pune o aborto praticado por médico: (...)
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando
incapaz, de seu representante legal.

Nessa hipótese, há um conflito entre: (i) o direito à vida do feto; e (ii) a liberdade sexual da mãe e a sua
dignidade.

92
(PCGO-2018-UEG): A Constituição admite como possível a pena de morte em caso de guerra declarada. BL: art. 5º,
XLVII, “a”, CF.
Prevalece que a ressalva expressa no Código Penal (não punibilidade do aborto) é justificada por outros
valores constitucionais (liberdade sexual da mãe e dignidade). O Estado não pode impor à mulher a geração de
uma criança fruto de um ato violento (há autores que entendem que a dignidade do feto é absoluta e que,
portanto, tal dispositivo não teria sido recepcionado pela CRFB/88).

##Obs.: Há doutrina minoritária no sentido de que esta hipótese de aborto não foi recepcionada pela
CF/88.

b.3) Aborto no primeiro trimestre (##Atenção: Caiu na prova do TJMS-2020)


Por fim, há um recente julgado da 1ª Turma do STF segundo o qual o tratamento do aborto previsto
no Código Penal deve ser interpretado conforme a Constituição, no sentido de que tal ato não pode ser
punido quando ocorrer no primeiro trimestre de gestação. Nesse caso, outros direitos fundamentais da
mulher justificariam a opção pela não manutenção da gravidez93. Veja o julgado:
1º turma do STF – HC 124.306/RJ: [...] 3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação
conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto –
para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no
primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher,
bem como o princípio da proporcionalidade [...] 7. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum
país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre
como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha,
Portugal, Holanda e Austrália.

c) Aborto de gravidez de feto com anencefalia


O STF entende que a antecipação do parto, na hipótese de anencefalia, não pode ser tipificada como
crime de aborto. A rigor, como a morte do nascituro é um evento certo, apenas tratar-se-ia de uma
antecipação terapêutica do parto. Vejamos:
ADPF 54/DF: O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões.
Considerações. [...] Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto
anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.94
93
(Advogado/BANPARÁ-2017): Acerca do aborto, o STF, em recente julgado de sua 1ª Turma, afirmou ser necessário
conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 124 a 126 do Código Penal (que tipificam o crime de aborto) para
excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre do período
gestacional. BL: Info 849, STF.
94
(PCPA-2021-AOCP): Analise a seguinte situação hipotética: Maria, casada, mãe de dois filhos, teve a terceira gestação
aos quarenta e quatro anos. Quando estava na 13ª semana da gestação, descobriu que o feto era anencéfalo e, com 100%
de certeza, não teria perspectiva de sobrevida. Imediatamente, Maria pensou em fazer um aborto, mas não tinha certeza
se poderia em razão do direito fundamental à vida, previsto na Constituição Federal Brasileira. Após conversar com o
médico, Maria acredita que poderá fazer o aborto, mediante comprovação por laudo médico da condição do feto, em
razão de o Supremo Tribunal Federal já ter decidido sobre a matéria, entendendo favoravelmente ao aborto em algumas
situações. Nesse caso, no que tange ao direito fundamental à vida previsto no artigo 5º da Constituição Federal, é correto
afirmar que apesar de ser um direito fundamental, não é absoluto e, nesse caso, foi relativizado, dentre outros, pelos
princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, em prol da proteção da mãe. BL: Entend. STF.
(MPT-2020): Assinale a alternativa correta: Segundo a jurisprudência do STF, pacificada na ADPF 54, não configura
crime a interrupção de gestação de feto anencefálico. BL: Entend. STF.
(TJRJ-2016-VUNESP): A anencefalia, de acordo com entendimento jurisprudencial do STF, no julgamento da ADPF,
ajuizada pela Confederação dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio de Mello:
permite a antecipação terapêutica do parto, com proteção à vida da mãe, a exemplo do aborto sentimental, que tem por
finalidade preservar a higidez física e psíquica da mulher, conclusão que configura interpretação do Código Penal de
acordo com a Constituição Federal, orientada pelos preceitos que garantem o Estado laico, a dignidade da pessoa
humana, o direito à vida e a proteção à autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde. BL: Entend. STF.
(DPERN-2015-CESPE): Dalva, em período gestacional, foi informada de que seu bebê sofria de anencefalia,
diagnóstico confirmado por laudos médicos. Após ter certeza da irreversibilidade da situação, Dalva, mesmo sem estar
correndo risco de morte, pediu aos médicos que interrompessem sua gravidez, o que foi feito logo em seguida. Nessa
situação hipotética, de acordo com a jurisprudência do STF, a interrupção da gravidez deve ser interpretada como
conduta atípica e, portanto, não criminosa. BL: Entend. STF.
(MPSP-2013): A Suprema Corte tratou do tema antecipação do parto ou interrupção da gravidez na ADPF 54 em que
foi postulada a interpretação dos arts. 124 e 126 do Código Penal – autoaborto e aborto com o consentimento da gestante
– em conformidade com a Constituição Federal, quando fosse caso de feto anencéfalo. Após julgar procedente a ação, o
Colendo Tribunal declarou que a ocorrência de anencefalia nos dispositivos invocados provoca a exclusão da tipicidade.
BL: Entend. STF.
(Anal. Previdênc./RO-2017-IBADE): Acerca da decisão do STF sobre a interrupção da gravidez de feto anencefálico,
assinale a alternativa correta: Tencionava-se fosse dada a dispositivos do Código Penal uma interpretação conforme a
Constituição e o instrumento escolhido para sua propositura foi a arguição de descumprimento de preceito fundamental.
##Atenção: ADPF 54: A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde do Brasil ingressou com uma ação de
arguição de descumprimento de preceito fundamental no STF (ADPF 54) pedindo que a Corte Constitucional
d) Pesquisa com células-tronco embrionárias (##Atenção: Caiu na prova do TJMS-2020)
A pesquisa com células-tronco embrionárias não viola a CF/88, pois embora o direito à vida do
embrião, segundo alguns Ministros deva ser preservado, existem outros direitos na constituição (v.g. saúde e
vida das pessoas que podem ser salvas com este tipo de pesquisa) que justificam a medida. Ademais, justificou o
STF que, no caso concreto, não há nenhuma viabilidade dos embriões virem a transformar-se em pessoa
humana, já que seriam eles descartados. Vejamos:
ADI 3.510/DF: A Lei de Biossegurança não veicula autorização para extirpar do corpo feminino
esse ou aquele embrião. Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele
já fixado. Não se cuida de interromper gravidez humana, pois dela aqui não se pode cogitar. A
‘controvérsia constitucional em exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto.’
(Ministro Celso de Mello). (g.n.).

##Parêntese: Capacidades Institucionais: A questão das capacidades institucionais se refere às


considerações sobre o exercício de discricionariedade judicial, relativamente às possibilidades e limitações de
uma dada instituição jurídica para resolver os problemas que lhe são postos. Tendo em mente este conceito,
é certo dizer que o STF reconheceu não lhe competir se posicionar em relação à prevalência de uma teoria
científica sobre outra, relativamente às pesquisas científicas que se contrapuseram quando do julgamento da
ADI 3510 (Lei de Biossegurança?). Naquela assentada, decidiu-se que não cabe ao Supremo Tribunal Federal
decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa com células-tronco
adultas e aquela incidente sobre células-tronco embrionárias. A certeza científico-tecnológica está em que um
tipo de pesquisa não invalida o outro, pois ambos são mutuamente complementares. 95

##Obs.: Algumas questões inerentes ao direito à vida ainda não foram discutidas pelo STF, como a do
“Lei de tiro de destruição” (autorização para o abate de aeronaves, com suspeita de tráfico de drogas, que se recusam
a obedecer à ordem de pouso).
Muitos entendem que essa norma é inconstitucional, consubstanciando-se em espécie de pena de
morte.
Outra corrente entende pela constitucionalidade, pois embora a vida das pessoas na aeronave seja
colocada em risco, existem outros valores a serem tutelados aptos a justificar essa restrição. Ademais, apenas
é abatida a aeronave que se recusa a obedecer aos comandos da FAB.
Na Alemanha aconteceu um caso semelhante, mas com circunstâncias diferentes: lá foi feita uma lei
após 11 de setembro, determinando que as aeronaves que não obedecessem determinado comando quando
houvesse suspeita de sequestro por terroristas, pudessem ser abatidas. Nesse caso, o TFA julgou a lei
inconstitucional, pois não se poderia utilizar um cálculo utilitarista no sentido de que “é melhor que morram
essas pessoas do avião do que se coloque em risco um número maior de vidas”.
Atente-se que o caso da lei brasileira é diferente, pois as aeronaves que potencialmente receberão o
“tiro de destruição” não são tripuladas por passageiros comerciais.

2.2. Direito à Igualdade


Há inúmeras nomenclaturas empregadas para fazer referência ao princípio da igualdade. Além disso,
o uso dessas expressões não é consensual.

##Obs.: São muito comuns as seguintes distinções, terminologicamente falando:


 Igualdade perante a lei e igualdade na lei;
 Igualdade formal e igualdade material;
 Igualdade jurídica (ou de direito) e igualdade fática (ou de fato).

Elas serão estudadas no curso deste tópico.

2.2.1. Evolução histórica


a) Antigo Regime

conferisse ao Código Penal uma interpretação conforme a Constituição e declarasse que o aborto de fetos anencéfalos
não é crime. (...)
(PGEPA-2011): Na ADPF 54 - “caso da anencefalia” - o rel. Min. Marco Aurélio concedeu, em 2/08/04, a liminar
requerida para, além de determinar o sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado, reconhecer o
direito constitucional da gestante de submeter-se à operação de antecipação terapêutica do parto de fetos anencéfalos;
mas o Tribunal, em sessão de 20/10/04, negou referendo à liminar concedida.
95
(MPF-2013): Assinale a alternativa correta: A questão das capacidades institucionais foi considerada pelo STF no
julgamento envolvendo a constitucionalidade das pesquisas de células-tronco embrionárias, quando aquela Corte
recusou decidir a respeito da superioridade de uma corrente científica sobre as demais.
No Antigo Regime, os direitos e deveres dos indivíduos eram decorrentes dos grupos sociais aos
quais eles pertenciam. Dito de outro modo, as pessoas não possuíam direitos e deveres em razão de sua
natureza humana, mas em razão dos grupos dos quais faziam parte.

b) Revoluções liberais
Com as Revoluções liberais (francesa e norte-americana) a visão do Antigo Regime foi superada. O
princípio da igualdade foi consagrado nas Constituições, extirpando os privilégios de origem estamental e
afirmando a igualdade de todos perante a lei. Tratava-se de uma igualdade formal: tratamento isonômico
conferido a todos pelo ordenamento jurídico.
Portanto, a partir do final do século XVIII, o direito à igualdade começa a ser tratado pelas
Constituições. Nesse contexto dos primeiros textos constitucionais, a igualdade é meramente formal, no
sentido de que o ordenamento jurídico deve tratar a todos indistintamente.
Todavia, a igualdade formal pode despontar em injustiças, pois embora a máxima aristotélica
(“justiça é tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na proporção de sua desigualdade ”) já fosse
utilizada como parâmetro para a igualdade, não havia uma preocupação com o conteúdo justo ou injusto do
tratamento.
Ex.: O tratamento distinto conferido aos senhores e aos escravos era admitido e normal, pois eram
pessoas que estavam em situações diferentes e, portanto, deveriam ser tratadas de maneira diferente.
Em suma, a igualdade formal foi um avanço, mas insuficiente para reduzir injustiças e exterminar
as desigualdades fáticas que continuavam existindo.

c) Estado social
Com a Revolução Industrial (início do sec. XX), inicia-se uma nova visão a respeito da igualdade. Com
o advento do Estado Social, as diferenciações arbitrárias e injustas passaram a ser consideradas
incompatíveis com o direito à igualdade. Em outras palavras, a preocupação não se limitava a tratar todas
as pessoas da mesma forma, mas também era no sentido de impedir que diferenciações arbitrárias e
injustas (v.g. senhores e escravos) continuassem sendo empregadas.
Portanto, desperta-se uma preocupação com o conteúdo da igualdade (matéria). A igualdade
material desponta em dois sentidos:
i. Preocupação com o conteúdo justo conferido pela lei (evitar diferenciações arbitrárias e injustas).
ii. Redução das desigualdades existentes.

Os sentidos da concepção material podem ser identificados como:


i. Princípio da igualdade jurídica: Impõe o dever de tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, na medida de sua desigualdade. Todavia, o tratamento igual para os iguais e o
tratamento desigual para os desiguais deve ser justo (não pode ser arbitrário ou discriminatório).
Exemplo de igualdade jurídica: Lei prevendo alíquotas diferenciadas para o pagamento do imposto de
renda. Esta diferenciação está relacionada à igualdade jurídica, pois se preocupa com o conteúdo justo da
norma. Seria injusto tributar, da mesma maneira, uma pessoa extremamente rica e uma pessoa que recebe
um salário-mínimo. Não é uma igualdade fática, pois o objetivo da diferença de alíquota não é reduzir as
desigualdades fáticas existentes (o pobre não vai ficar rico pagando menos IR).

ii. Princípio da igualdade fática: Impõe aos Poderes Públicos o dever de adotar medidas concretas
para a redução ou compensação de desigualdades existentes no plano dos fatos. Na verdade, a
igualdade fática exige um tratamento jurídico desigual. É necessário que se trate pessoas diferentes
de formas diferentes para reduzir as desigualdades existentes entre elas.
Exemplo de igualdade fática: Sistema de cotas: o Estado, ao criar um sistema de cotas para pessoas
carentes, deseja reduzir a distância entre pessoas que estudaram em boas escolas e pessoas que estudaram
em escolas públicas de má qualidade. Adota-se uma medida diante da concorrência desigual. 96

##Obs.: Robert Alexy cita o “paradoxo da igualdade”. Trata-se de uma colisão entre a igualdade
fática e a igualdade jurídica. Conforme o autor “quem quer promover a igualdade fática tem que estar disposto a
aceitar a desigualdade jurídica”. Em outras palavras, só é possível reduzir desigualdades existentes no plano
fático se for conferido um tratamento juridicamente diferenciado. Ao tratar todos da mesma forma no
sentido jurídico, as desigualdades não serão reduzidas no plano fático.

##Atenção: A CF/1988 consagra a igualdade jurídica, a igualdade fática ou ambas as hipóteses? Há


dois dispositivos na CF/88 que revelam que tanto igualdade jurídica como a igualdade fática foram
consagradas no nosso ordenamento:

96
##Atenção: Tema cobrado na prova da PGERS-2015 (Fundatec).
 Princípio da igualdade jurídica: CF, art. 5º, “caput”: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.
 Princípio da igualdade fática: CF, art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: (...) reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Em suma, a Constituição consagra a igualdade formal (CF, art. 5º, caput) ao mesmo tempo em que
impõe a busca por uma igualdade material, conforme se depreende de vários dispositivos, como os que
consagram direitos sociais (CF, art. 6º e ss.) e o que aponta a 'redução das desigualdades' sociais e regionais
como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, art. 3º, III).

##Atenção: ##Doutrina: ##TRF4-2010: ##Cartórios/TJSP-2012: ##VUNESP: ##Conteúdo Jurídico do


Princípio da Igualdade: ##Critérios para Identificação do desrespeito à Isonomia: Celso Antônio Bandeira
de Mello aponta os critérios para identificação do desrespeito à isonomia. Para o autor, o reconhecimento
das diferenciações, que não podem ser feitas sem quebra da isonomia, são os seguintes: i) O elemento
tomado como fator de desigualação (critério de distinção); b) A correlação lógica abstrata existente entre o
fator erigido e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado (entre o fator de desigualação
e a desigualação consequente); iii) A consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no
sistema constitucional. Em resumo, o doutrinador explica que, tem-se que investigar, de um lado, aquilo
que é adotado como critério discriminatório, ou seja, o próprio elemento tomado como fator de
desequiparação; de outro, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à
vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da
desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional
abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo
constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.97 Humberto Ávila ensina que a igualdade deve
funcionar como regra, prevendo a proibição de tratamento discriminatório; como princípio, instituindo
um estado igualitário com fim a ser promovido; e como postulado, estruturando a aplicação do Direito em
função de elementos (critério de diferenciação e finalidade de distinção) e da relação entre eles
(congruência do critério em razão do fim).98-99

##Atenção: ##Doutrina: ##MPF-2011/2012: ##MPT-2017: ##MPBA-2018: ##Teoria do Impacto


Desproprocional: Segundo o ministro aposentado Joaquim Barbosa, a teoria do impacto desproporcional
consiste em: “Toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semigovernamental, de cunho
legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve
ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade material se, em consequência de sua
aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de
pessoas” (Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade, Renovar, 2001, p. 24).100
97
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. 20ª tiragem. São Paulo:
Malheiros, 2011, pp. 21-22.
98
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 162.
99
(TRF4-2010): Quanto à igualdade, assinale a alternativa correta: Segundo autorizada doutrina (Celso Antonio Bandeira
de Mello, Humberto Ávila, etc.), o elemento-chave para a verificação da igualdade é o critério de distinção (“medida de
comparação”) analisado à luz da finalidade.
100
(MPBA-2018): Assinale a alternativa correta: É possível conceber a Teoria do Impacto Desproporcional como aquela
que permite que se constatem violações ao princípio da igualdade quando os efeitos práticos de determinadas normas,
aparentemente neutras, causem dano excessivo, ainda que não intencional, aos integrantes de determinados grupos
vulneráveis.
(MPT-2017): Assinale a alternativa correta: À luz da teoria do impacto desproporcional, há ofensa ao princípio da
igualdade, ainda que não haja intenção de discriminar, se houver real impacto, de modo desproporcional, de medidas
teoricamente neutras, colocando determinados grupos em situação desvantajosa em relação a outros segmentos.
##Atenção: A teoria do impacto desproporcional pode ser delimitada da seguinte maneira: “Toda e qualquer prática
empresarial, política governamental ou semigovernamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de
intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade
material se, em consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas
categorias de pessoas” . GOMES, J. B. B. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade – O Direito como
instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
(MPF-2012): Assinale a alternativa correta: Viola o princípio da igualdade material qualquer prática empresarial,
governamental ou semigovernamental, de natureza administrativa ou legislativa que, embora concebida de forma
neutra, gere, em consequência de sua aplicação, efeitos desproporcionais sobre certas categorias de pessoas.
##Atenção: Consoante doutrina de Orlando Gomes: [...] a teoria do impacto desproporcional pode ser singelamente
resumida na seguinte formulação: toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semi-governamental,
de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua
concepção, deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade material, se em consequência de
2.2.2. Âmbito de proteção e intervenção
a) Âmbito de proteção
Como dito anteriormente, o estudo dos direitos fundamentais, em regra, deve ser feito através da
análise do âmbito de proteção e da intervenção neste direito. Todavia, a igualdade possui uma
peculiaridade: não possui um âmbito de proteção material preestabelecido como os outros direitos
fundamentais.
A igualdade é um conceito relacional, ou seja, a análise envolvendo supostas violações pressupõe
uma comparação entre indivíduos, grupos, coisas ou situações atingidas pela norma. Assim, é necessário
comparar a diferença de tratamento para verificar se é compatível ou não com a Constituição.
Portanto, o importante não é analisar se o critério é baseado no gênero, na cor, etc., per si, mas sim se
esse critério adotado é razoável ou arbitrário no caso concreto.
Exemplo: A diferença de tratamento entre homens e mulheres não é necessariamente incompatível
com o princípio da isonomia. A própria Constituição possui dispositivos nos quais as mulheres recebem
tratamento diferenciado (v.g. idade mínima de aposentadoria e tempo de contribuição e medidas protetivas – Lei
Maria da Penha).101-102

b) Intervenção
A intervenção ocorre quando há tratamento igual a situações essencialmente desiguais ou desigual
a situações essencialmente iguais:
 Restrição (intervenção legítima): Se houver justificação constitucionalmente adequada para que o
tratamento seja igual, mesmo sendo a situação essencialmente desigual, haverá intervenção legítima.

 Violação (intervenção ilegítima): Caso o critério adotado seja arbitrário, preconceituoso ou


discriminatório a intervenção será ilegítima, ou seja, haverá uma violação do direito à igualdade.
Nesse sentido, a igualdade costuma ser tratada como proibição de arbítrio.

Exemplo: O STF exige a presença de três requisitos para que sejam estabelecidos critérios de restrição à
admissão em concurso públicos:
i. Previsão em lei;
RE n. 307.112: Concurso público para policial militar. Limitação de idade. Edital que fixa idade
limite para o ingresso na corporação, o que a Lei ordinária (L. 7.289/84), não restringiu. Jurisprudência
assentada.

ii. Razoabilidade da exigência decorrente das atribuições a serem exercidas;


Súmula 683/STF: O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do
art. 7.º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser
preenchido.103

iii. Observância de um grau mínimo de objetividade e publicidade do critério e sua justificação;


STF - RE 417.019 AgR: Concurso público: além da necessidade de lei formal prevendo-o como
requisito para o ingresso no serviço público, o exame psicotécnico depende de um grau mínimo de
objetividade e de publicidade dos atos em que se desdobra: precedentes.

2.2.3. Destinatários do dever de igualdade


Como diferença ligada diretamente aos destinatários do dever de igualdade (aqueles que têm o dever de
respeitar o direito), há uma distinção entre “igualdade perante a lei” e “igualdade na lei”:
sua aplicação resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente sobre certas categorias de pessoas. (GOMES, 2001,
p. 23-24).
(MPF-2011): A teoria do impacto desproporcional, adotada no Brasil, permite que se constatem violações ao princípio
da igualdade quando os efeitos práticos de determinadas normas, de caráter aparentemente neutro, causem um dano
excessivo, ainda que não intencional, aos integrantes de determinados grupos vulneráveis.
101
##Atenção: Tema cobrado na prova da PGERS-2015 (Fundatec).
102
(PGM.-Curitiba/PR-2019-UFPR): A Constituição da República de 1988 ficou conhecida como a “Constituição cidadã”,
sendo amplamente elogiada no mundo todo pela sua forte proteção aos direitos fundamentais. Esse alto nível da
dogmática jurídica brasileira observável no processo constituinte é uma decorrência da superação da mentalidade
vivenciada durante a ditadura militar oriunda do Golpe de 1964, notadamente em relação à posição social da mulher.
Sobre o assunto, assinale a alternativa correta: O fato de a Constituição estabelecer a igualdade entre gêneros não
implica a impossibilidade da adoção de políticas públicas diferenciadoras fundadas na proteção às vulnerabilidades, que
podem ser levadas a efeito pelo Legislativo, pelo Executivo ou, mediante condições específicas, até mesmo pelo
Judiciário.
103
(TJMG-2012-VUNESP): De acordo com o STF, não ofende o princípio da igualdade a limitação de idade para a
inscrição em concurso público, desde que se leve em conta a natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
 “Igualdade perante a lei”: é um termo utilizado desde as constituições liberais clássicas, no sentido
de que a igualdade deve ser observada no momento de aplicação da lei (pelo Poder Executivo e Poder
Judiciário).
Tal entendimento surgiu porque antes do fim da 2ª Guerra Mundial, as Constituições não eram
compreendidas como documentos eminentemente jurídicos, mas sim políticos, sobretudo as declarações de
direitos. Essas declarações de direitos fundamentais sequer vinculavam o Poder Legislativo (o legislador era
visto como um concretizador dos direitos fundamentais), pois o legislador era visto como um amigo dos direitos
fundamentais e não inimigo.

 “Igualdade na lei”: Posteriormente, observou-se que muitas vezes as maiores violações ao princípio
da igualdade e a outros direitos fundamentais advinham do próprio Parlamento. Viu-se que o
legislador não era tão amigo assim dos direitos fundamentais.
A partir desse contexto, houve também uma mudança de paradigma em relação às Constituições, com
o pleno reconhecimento de sua força normativa, sendo inadmissíveis dispositivos sem caráter vinculante
(v.g. conselhos e exortações morais), inclusive para o legislador.
Por conseguinte, fora empregada uma nova expressão para designar o princípio da igualdade. A
“igualdade na lei” deve ser observada tanto na aplicação quanto na elaboração da lei. Tem como
destinatários todos os poderes públicos (Executivo, Judiciário e Legislativo). 104

##Obs.: Embora a Constituição utilize a expressão “todos são iguais perante a lei”, a jurisprudência do
STF e a doutrina possuem entendimento consolidado no sentido de que os destinatários do dever de
igualdade não são apenas o Executivo e o Judiciário, mas todos os Poderes Públicos. Nesse sentido,
vejamos o seguinte precedente:
STF - AI 360.461 AgR/MG: O princípio da isonomia – que vincula, no plano
institucional, todas as instâncias de poder – tem por função precípua, consideradas as razões de
ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir
privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e
da igualdade perante a lei (RTJ 136/444.455).

2.2.4. Ações afirmativas (discriminações positivas)105


#Obs.: As ações afirmativas não se confundem com o sistema de cotas, o qual é apenas uma das
espécies de ações afirmativas dentre outras existentes.

Definição: As ações afirmativas consistem em políticas públicas ou programas privados


desenvolvidos, em regra, com caráter temporário, visando à redução de desigualdades decorrentes de
discriminações (v.g. raça, etnia)106 ou de hipossuficiência econômica (v.g. classe social) ou física (v.g.
deficiência)107, por meio da concessão de algum tipo de vantagem compensatória de tais condições.108
Entende-se por ações afirmativas o conjunto de medidas especiais voltadas a grupos discriminados e
vitimados pela exclusão social ocorridos no passado ou no presente. O objetivo das ações afirmativas é
eliminar as desigualdades e segregações, de forma que não se mantenham grupos elitizados e grupos
marginalizados na sociedade, ou seja, busca-se uma composição diversificada onde não haja o predomínio
de raças, etnias, religiões, gênero, etc. 109 Nesse sentido, Dirley da Cunha Junior explica que “(...) ações
104
(MPM-2013): Assinale a alternativa correta: O princípio da isonomia refere-se à igualdade na lei (entendida como a
exigência destinada ao legislador, que, no processo de formação do ato legislativo, nele não poderá incluir fatores de
discriminação responsáveis pela ruptura da ordem isonômica) e também à igualdade perante a lei (esta pressupõe lei já
elaborada e traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão
subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório).
105
#Atenção: Tema cobrado na prova da PGEAC-2014 (FMP).
106
(DPETO-2022-CESPE): Considerando que a ação discriminatória pode ser distinguida entre positiva e negativa,
assinale a opção que apresenta uma característica da discriminação positiva: vantagem temporária ou permanente para
grupos socialmente vulneráveis.
(Anal. Minist./MPCE-2020-CESPE): Os direitos fundamentais são prerrogativas próprias dos cidadãos em função de
sua especial condição de pessoa humana, e as garantias fundamentais são os instrumentos e mecanismos necessários
para a proteção, a salvaguarda ou o exercício desses direitos. Com relação a esse assunto, julgue o item que se segue:
Ações afirmativas, como a reserva de vagas para negros em concursos públicos, são uma forma de garantia dos direitos
fundamentais e visam minimizar ou eliminar uma situação histórica de desigualdade ou discriminação.
107
(MPAM-2015-FMP): Considere as seguintes alternativas em relação às ações afirmativas: A reserva de vagas nos
concursos públicos para pessoas com deficiência, conforme prevê a Constituição da República Brasileira, é um exemplo
típico de ação afirmativa.
108
(DPEPE-2018-CESPE): As medidas de discriminação reversa que, com o objetivo de proteger grupos historicamente
discriminados ou vulneráveis, promovem políticas compensatórias focais são denominadas ações afirmativas.
109
(TRF4-2010): Quanto à igualdade, assinale a alternativa correta: Admitem-se “ações afirmativas” sem ofensa à
igualdade, mas é difícil delimitar os legítimos contornos dessas políticas.
afirmativas, portanto, são medidas especiais e concretas para assegurar o desenvolvimento ou a proteção de certos
grupos, com o fito de garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais. Essas ações afirmativas inserem-se no âmbito de uma política social de discriminação positiva, voltada a
corrigir desigualdades históricas. Vale dizer, busca-se igualar desigualando, como se verifica através da política de cotas.
A própria Consituição já determina algumas ações afirmativas, que não podem ser negligenciadas pelo
legislador ordinário, como, por exemplo, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
específicos (art. 7º , XX)”.110-111

#Obs.1: Programas privados também podem utilizar ações afirmativas. Exemplos: Faculdade
particular cria um sistema de bolsas para pessoas de uma comunidade carente; empresa privada reserva
percentual de vagas para pessoas com deficiência.

#Obs.2: Caráter temporário: As ações afirmativas não objetivam a solução definitiva do problema,
pois não o corrigem em sua raiz, apenas reduzem momentaneamente as consequências. Assim, é
necessário que os Poderes Públicos atuem concomitantemente às ações afirmativas sobre os problemas de
base, visando corrigir e impedir a perpetuação dos problemas em questão. Há, todavia, ações afirmativas
que não visam a redução de desigualdades e, portanto, não são temporárias (v.g. proteção e respeito à cultura
indígena).
Tem uma frase interessante de Boaventura de Souza Santos: “Temos o direito de ser iguais quando a
diferença nos inferioriza. Temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.”

#Obs.3: As ações afirmativas estão relacionadas à igualdade fática, pois seu objetivo é reduzir
desigualdades existentes.

Exemplos de ações afirmativas: sistema de cotas (“reserva de vagas”); bolsas de estudo; reforço escolar;
programas especiais de treinamento; cursinhos pré-vestibulares para pessoas carentes; linhas especiais de
crédito; estímulos fiscais diversos; etc.

Acerca do tema, o STF decidiu pela constitucionalidade de cotas baseadas em critérios étnico-raciais
e socioeconômicos:
ADPF 186 (Cotas – UNB): I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da
igualdade material [Obs.: Perceba que o que foi visto em aula como igualdade fática, é
chamado pelo STF de igualdade material], previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a
possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número
indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que
atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um
tempo limitado [Obs.: Caráter temporário], de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades
decorrentes de situações históricas.
II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para
corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.
III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação
afirmativa [...].
IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade
que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas
sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados,
ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz
do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.
V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios
étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria
sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado
brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. [...].
VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa
apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do
quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam
converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em
detrimento da coletividade como um todo, situação [...] incompatível com o espírito de qualquer
110
Curso de Direito Constitucional - Dirley da Cunha Junior - 2016 - p. 592.
111
(MPT-2017): Assinale a alternativa correta: As ações afirmativas objetivam corrigir distorções resultantes de uma
aplicação puramente formal do princípio da igualdade, de modo a permitir a grupos sociais determinados a superação
de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.
(PGEMS-2014): Assinale a alternativa correta: A Constituição de 1988 estabelece a possibilidade de “discriminações
positivas“ entre homens e mulheres em hipóteses nela expressamente previstas.
Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os
meios empregados e os fins perseguidos. 112-113

#Atenção: #Parêntese: #MPF-2017: #MPT-2020: #Tema de Direito Constitucional e Direitos


Humanos: No que consiste a denominação “discriminação sistêmica” ou “discriminação estrutural”? André
de Carvalho Ramos, em seu Curso de Direito Humanos, explica que, “consiste na sujeição de grupos
historicamente vulneráveis a práticas constantes de negação de direitos ou tratamento discriminatório inferiorizante. Os
parâmetros para a constatação da discriminação estrutural ou sistêmica podem ser assim resumidos: (i) identificação de
grupo vulnerável afetado, por motivo de raça, nacionalidade, sexo, orientação sexual ou outro fator de diferenciação; (ii)
a situação de marginalização e exclusão desse grupo é fruto de fatores históricos, sociais, econômicos e culturais; (iii) é
possível aferir padrão e disseminação de condutas de exclusão em organizações públicas ou privadas, bem como em
zonas geográficas; (iv) esse padrão de conduta gere situação ou desvantagem desproporcional ao grupo vulnerável.” E
continua: “No Brasil, a discriminação sistêmica foi identificada no racismo institucional que consiste em um conjunto
de normas, práticas e comportamentos discriminatórios cotidianos adotados por organizações públicas ou privadas que,
movidos por estereótipos e preconceitos, impõe a membros de grupos raciais ou étnicos discriminados situação de
desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações”.114

2.3. Direito à Privacidade


A privacidade é gênero, no qual estão abrangidas a vida privada, a intimidade, a honra e a imagem
das pessoas, que são valores consagrados no art. 5º, X da CF/88:
CF, art. 5º, X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 115

Embora a redação do inciso empregue a expressão “inviolabilidade”, já vimos que não há direitos
absolutos. Todos eles encontram limites em interesses coletivos ou em outros direitos também consagrados
pela Constituição. Assim, a inviolabilidade é “prima facie” (provisória), podendo ser afastada quando
outros direitos de peso relativo maior justifiquem uma restrição ao direito à privacidade.
Exemplo: Não há uma hierarquia absoluta a colisão entre o direito à privacidade e o direito à
liberdade de expressão, sendo necessário verificar as circunstâncias fáticas e jurídicas para definir qual delas
prevalecerá no caso específico.
Para tentar estabelecer critérios e parâmetros para a proteção ser estabelecida em maior ou menor
grau, devemos ter em conta que, quanto mais próximo das experiências definidoras da identidade do
indivíduo, maior deve ser a proteção.
Exemplo: Questões relacionadas à intimidade estão mais próximas da identidade do indivíduo do que
as relativas à vida privada.
Vejamos os aspectos em espécie a serem levados em consideração para definirmos a proteção a ser
estabelecida em maior ou menor grau:

a) Local em que ocorreu o fato: locais públicos e reservados


Caso o fato ocorra em local reservado (v.g. casa), o grau de proteção deverá ser maior do que do fato
ocorrido em local público (v.g. rua).
Exemplo: Imagens captadas por câmera de segurança localizada em uma rua ou no interior de um
supermercado. As imagens poderão ser utilizadas em um processo judicial sem necessidade de autorização
judicial.
Todavia, é uma situação distinta de uma câmera instalada no interior de um escritório ou residência,
que são locais reservados. Aqui o grau de proteção será muito maior.
112
#Atenção: Tema cobrado na prova da PGERS-2015 (Fundatec).
113
(TJSP-2015-VUNESP): Ao analisar decisões do Supremo Tribunal Federal na aplicação do princípio da igualdade, por
exemplo na ADPF 186/DF (sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas), é correto afirmar que as
discriminações positivas correspondem a maior efetividade ao princípio da igualdade.
(MPF-2015): Assinale a alternativa correta: As ações afirmativas tem natureza dúplice, pois se prestam, de um lado, a
assegurar igualdade de oportunidades e, de outro, a promover o pluralismo e a diversidade nos ambientes em que se
instalam.
#Atenção: A assertiva está correta e tem como fundamento a transcrição da sustentação oral da Procuradora-Geral da
República às folhas 2.277 e 2.278 dos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, relatada pelo
ministro Ricardo Lewandowski no Plenário do Supremo Tribunal Federal. Fonte: OSTA, Aldo de Campos. Resolução da
prova do 28º Concurso do MPF (parte 1). 2015. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-26/toda-prova-
resolucao-prova-28-concurso-mpf-parte#_ftn22
114
(MPF-2017): A discriminação sistêmica consiste em um conjunto de normas, práticas e comportamentos
discriminatórios adotados por entes públicos ou privados que impõe, às vítimas, situação de desvantagem e prejuízo.
115
(MPSP-2011): Considerando a disciplina constitucional brasileira, é possível afirmar que o direito à privacidade
encontra expressão constitucional na inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
BL: art. 5º, X, CF.
Todavia, o fato ocorrido em local público não está desprovido de proteção.
Exemplo: Caso da Daniela Cicarelli: Quando flagrada transando em uma praia, embora fosse um
local público, prevaleceu o entendimento de que o direito a intimidade deveria imperar, pois não havia
interesse público (apenas “do público”) na divulgação das imagens.

b) “Tipo” de pessoa envolvida: pessoas públicas e comuns


O grau de proteção de privacidade de uma pessoa comum é maior do que o grau de proteção
atribuído a uma pessoa pública.116
Exemplo: A divulgação de doença de uma pessoa comum pode não conter nenhum tipo de interesse
para o público. Por outro lado, a grave doença de um político possui interesse relevante para os eleitores
terem ciência da possibilidade de substituição pelo Vice, devendo prevalecer o direito à informação em
relação ao direito à privacidade.

c) Esferas – Teoria das esferas (Direito Alemão)


Segundo a teoria das esferas, quanto mais próximo das identidades definidoras do indivíduo, maior
deve ser a proteção conferida pelo Direito.

c.1) Esfera pública


A esfera pública compreende:
 Fatos públicos: Fatos pertencentes ao domínio público ou informações passíveis de serem obtidas
licitamente de outra forma (v.g. fatos constantes em livro histórico; anais do Congresso Nacional;
informações constantes em processo judicial).

 Atos praticados em local público ou com o desejo de torná-los públicos: Deve ser analisado o
elemento volitivo (vontade do indivíduo), ou seja, deve-se verificar se o indivíduo, expressa ou
tacitamente, dela abriu mão temporariamente.
Ex.1: Indivíduo que abriu mão do exercício ao direito à privacidade ao assinar contrato de
participação em reality show, obviamente abriu mão temporariamente de parcela da sua privacidade.
Ex.2: Indivíduo que está em um comício público ou em um show, sabe que aquele não é um local
reservado e lá será filmado e fotografado.

c.2) Esfera privada


Compreende as relações com o meio social sem interesse na divulgação. Há uma proteção menor do
que a conferida à esfera íntima, porém maior que a conferida à esfera pública.
Exemplos: dados da declaração de Imposto de Renda e dados de uma conta bancária não fazem parte
da intimidade de um indivíduo, tanto que precisam ser declarados. Porém, fazem parte da esfera privada do
indivíduo, de forma que não podem ser divulgados livremente.

c.3) Esfera íntima


É a esfera mais próxima da identidade definidora do indivíduo. Ela compreende as informações
confidenciais e segredos pessoais. São as informações que a pessoa não quer e não precisa compartilhar
com ninguém.
Essa proteção deve ser muito maior do que a conferida aos fatos da vida privada.
Exemplos: anotações em um diário; orientação sexual.

d) Honra
A CF/88 também protege a honra e a imagem das pessoas, que não se confundem com esferas acima
mencionadas. A honra pode ser:
 Honra subjetiva: estima do indivíduo de si próprio;

 Honra objetiva: reputação do indivíduo perante o meio social.

Ambas as “espécies” de honra estão protegidas pelo art. 5º, X, da CF.

##Obs.: Essa proteção à honra objetiva é também conferida às pessoas jurídicas. Vejamos:
Art. 52: Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

S. 227 STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

e) Imagem

116
##Atenção: Tema cobrado na prova do TRF4-2010.
A proteção à imagem existe independentemente do dano à honra.
Exemplo: Às vezes, a divulgação da imagem pode não atingir a honra da pessoa, mas ser utilizada
para fins comerciais, sem autorização do titular.
O Código Civil regulamentou o tema do inciso X, art. 5º, da CF:
CC, art. 20: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a
exposição ou a utilização da IMAGEM de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e
sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer
essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

CC, art. 21: A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do
interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a
esta norma.

Os artigos do Código Civil praticamente estabeleceram uma primazia do direito à privacidade sobre a
liberdade de informação e à liberdade de expressão, ao apontar ser necessária autorização, salvo nos casos
de interesse público ou de necessidade à administração da Justiça.
A partir desses dispositivos houve uma polêmica em relação à publicação das biografias não
autorizadas, pela discussão sobre a necessidade ou não de autorização da pessoa retratada. O Supremo
Tribunal Federal fez uma interpretação conforme a Constituição, dizendo que tais dispositivos não
poderiam ser simplesmente interpretados no sentido de que a autorização é sempre necessária.
Mediante um juízo de ponderação, a Corte estabeleceu uma regra no sentido de ser inexigível
autorização prévia de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais,
sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares,
em caso de pessoas falecidas ou ausentes). Porém, se houver abuso, os prejudicados têm direito à
indenização. Vejamos:
STF – ADI 4.815/DF: EMENTA: [...] APARENTE CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E
CULTURAL, INDEPENDENTE DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV,
IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E
IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X). ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO
PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA
(ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE
DIREITO DE RESPOSTA (...). 9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação conforme à
Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os
direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção
científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas
literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas
como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes).117- 118

Segundo Bernardo Gonçalves, “o direito à imagem também recebe juridicamente um tratamento bipartido:
por “imagem-retrato” trata-se do direito à reprodução gráfica do sujeito, seja total, seja parcial; e por “ imagem-
atributo” protege-se a imagem dentro do seu contexto ("conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos
pelo meio social)”.119
117
(Proc./UNICAMP-2018-VUNESP): Um escritor pretende publicar uma biografia não autorizada de um ex-jogador de
futebol. Este, sabendo da intenção do escritor, notifica-o extrajudicialmente, ordenando que o livro não seja publicado. É
possível afirmar corretamente: o livro pode ser publicado sem prévia autorização do ex-jogador e não pode ser recolhido
por decisão judicial, podendo o ex-jogador requerer reparação civil ou direito de resposta, nos termos da lei. BL: ADI
4815, STF.
(Advogado-AL/RO-2018-FGV): Em uma interpretação do Direito Civil conforme a Constituição Federal é inexigível o
consentimento da pessoa biografada em relação a obras biográficas literárias ou audiovisuais. L: ADI 4815, STF.
118
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPRO-2017 (FMP).
119
(MPMS-2015): Considere a seguinte afirmação sobre o direito fundamental à imagem: A imagem atributo pode ser
aplicada à pessoa jurídica, quer através da proteção à marca ou do produto.
##Atenção: Em síntese, a imagem-atributo da personalidade pode ser definida como a imagem que a pessoa
exterioriza nas suas relações sociais, revelando-se como a reputação que goza em seu meio social, de trabalho, familiar,
etc. Assim como a imagem-retrato, também é protegida constitucionalmente, pois todas as pessoas tem direito de
preservar a imagem justificadamente em torno dela. Nesta proteção, o retrato deixa de ser a exteriorização da figura para
ser o retrato moral do indivíduo. Distancia-se, entretanto, a violação deste direito com o direito à honra, visto que a
violação de um não implica necessariamente a violação do outro. O que constantemente ocorre é o dano causado
conjuntamente às duas imagens, tanto retrato quanto atributo. Por fim, verifica-se que, havendo violação da imagem-
2.3.1. Distinções conceituais
Art. 5º, (…) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(…) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; 120

2.3.1.1. Interceptação ambiental


Definição: Consiste na captação de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, feita por terceiros,
sem o conhecimento de nenhum dos interlocutores. Portanto, a interceptação pressupõe uma terceira
pessoa.

##Obs.: Caso o próprio interlocutor realize a gravação, não haverá interceptação da comunicação,
mas gravação clandestina.

A intercepção ambiental, inclusive, está prevista na Lei das Organizações Criminosas:


Lei n. 12.850/2013, art. 3º: Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo
de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: (…)
II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos.

Segundo a doutrina, os mesmos procedimentos empregados na interceptação telefônica (Lei 9.296/96)


devem ser aplicados, por analogia, à interceptação ambiental, pois a Lei de Organizações Criminosas não
disciplina o assunto.

EM REGRA, a interceptação ambiental é lícita, mesmo que sem autorização judicial. Porém,
EXCEPCIONALMENTE, será ilícita quando violar a:
 Expectativa de privacidade (v.g. interceptação ambiental de pessoa dentro de sua residência viola a
expectativa de privacidade; todavia, a interceptação ambiental de pessoa no meio da rua não viola a expectativa
de privacidade);

##Obs.: Obviamente, não havendo autorização judicial, a interceptação será ilícita.

 Confiança decorrente de relações interpessoais ou profissionais (v.g. conversa particular entre cliente
e advogado; entre paciente e médico; entre padre e pessoa que está confessando).

2.3.1.2. Gravação clandestina


Definição: Consiste na captação de conversa telefônica (v.g. grampo), pessoal (v.g. gravador de bolso) ou
ambiental (v.g. câmera colocada por dos interlocutores no ambiente) feita por um dos interlocutores, sem o
conhecimento dos demais.

EM REGRA, a gravação clandestina é lícita, mesmo que sem autorização judicial. Porém, será ilícita
quando:
 Utilizada sem justa causa (v.g. a gravação clandestina feita para utilizar em sua defesa em processo judicial
é legítima; gravação clandestina feita para gravar agente público que exige propina é legítima).

 Violar causa legal específica de sigilo (v.g. contratos sigilosos; contrato entre médico e paciente).
Vejamos o seguinte precedente do STF:
STF – AI 560.223 AgR/SP: 1. A gravação ambiental meramente clandestina, realizada por um dos
interlocutores, não se confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de

atributo, enseja-se a indenização correspondente à lesão, sem haver a necessidade da comprovação do dano material.
120
(Téc. Judic./TRT2-2018-FCC): Está em conformidade com os direitos e garantias fundamentais previstos na
Constituição Federal a decisão judicial que autoriza a quebra do sigilo telefônico para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal, sendo incabível decisão judicial para determinar a mesma providência para fins de instrução
processual civil. BL: art. 5º, XII, CF.
(PCMA-2018-CESPE): De acordo com o entendimento do STF, a polícia judiciária não pode, por afrontar direitos
assegurados pela CF, invadir domicílio alheio com o objetivo de apreender, durante o período diurno e sem ordem
judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao poder público. Essa determinação consagra o princípio da reserva
de jurisdição. BL: art. 5º, inciso XI e XII da CF/88.
(Anal. Judic./TRT6-2018-FCC): A CF/88 autoriza o pedido de interceptação de comunicações telefônicas, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de: investigação criminal ou instrução processual penal.
BL: art. 5º, inciso XII, CF.
jurisdição. 2. É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um
dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de
reserva da conversação. Precedentes…. (g.n.).121

2.3.1.3. Quebra de sigilo de dados


Definição: Consiste no acesso a informações privadas, contidas em transações bancárias (quebra do
sigilo de dados bancários), declarações à Receita Federal (quebra do sigilo de dados fiscais), registros das
operadoras de telefonia (quebra do sigilo de dados telefônicos) ou arquivos eletrônicos (quebra do sigilo de dados
informáticos).

##Obs.: O acesso aos registros das operadoras de telefonia (o histórico das ligações) é distinto da
interceptação telefônica e da gravação telefônica clandestina. Nesse caso, trata-se da quebra de sigilo de
dados telefônicos em que não há acesso ao conteúdo do diálogo. Exige-se uma razão para que os sigilos
sejam quebrados porque todos eles compõem a vida privada do indivíduo. A quebra será ilícita quando:
 Desprovida de justificação constitucional: Se não houver outro direito fundamental que justifique a
quebra do sigilo ela não poderá ser autorizada (v.g. suspeita de que o indivíduo recebeu valores
decorrentes da prática de atos ilícitos).

 Autorizada por autoridade incompetente.


 Autoridades competentes: magistrados (Poder Judiciário) e Comissão Parlamentar de
Inquérito (federal ou estadual – CF, art. 58, § 3º).
##Obs.: A CPI municipal não é competente, diante da inexistência de órgão jurisdicional
municipal.
 Autoridades incompetentes: o TCU e o MP, EM REGRA, são incompetentes para
determinar a quebra de sigilo. No entanto, EXCEPCIONALMENTE, se houver recursos
públicos envolvidos ou algo dentro da competência fiscalizatória, ambos poderão
requisitar os dados diretamente, sem passar pelo crivo do Poder Judiciário. Vejamos os
seguintes precedentes:
STF - MS 21.729/DF: [...] 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público,
informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos
subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de
informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do
patrimônio público. (g.n.).

STF e STJ - [...]: Não são nulas as provas obtidas por meio de requisição do Ministério
Público de informações bancárias de titularidade de Prefeitura para fins de apurar supostos
crimes praticados por agentes públicos contra a Administração Pública. É lícita a requisição pelo
Ministério Público de informações bancárias de contas de titularidade da Prefeitura, com o fim de
proteger o patrimônio público, não se podendo falar em quebra ilegal de sigilo bancário. O sigilo de
informações necessário à preservação da intimidade é relativizado quando há interesse da
sociedade em conhecer o destino dos recursos públicos. Diante da existência de indícios da prática
de ilícitos penais envolvendo verbas públicas, cabe ao MP, no exercício de seus poderes
investigatórios (art. 129, VIII, da CF/88), requisitar os registros de operações financeiras
relativos aos recursos movimentados a partir de conta-corrente de titularidade da Prefeitura.
Essa requisição compreende, por extensão, o acesso aos registros das operações bancárias sucessivas, ainda
que realizadas por particulares, e objetiva garantir o acesso ao real destino desses recursos públicos. [STJ.
5ª T. HC 308.493-CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 20/10/15 (Info 572). STF. 2ª T. RHC
133118/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 26/9/17 (Info 879).]

MS 33.340/DF: TCU não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e
empresarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em
situações pontuais, do Poder Legislativo. [...]. 8. In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às
operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da
Administração Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto
operacionalizadas mediante o emprego de recursos de origem pública. (g.n.)122

121
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPGO-2019.
122
(Procurador-ALE/RJ-2017-FGV): Determinada agência de fomento estadual, enquadrada como instituição financeira,
é instada pelo competente Tribunal de Contas a apresentar dados relativos aos financiamentos públicos por ela
concedidos. Diante da requisição, deve a agência: fornecer os dados requisitados pelo Tribunal de Contas, considerando
o fato de que operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão submetidas ao sigilo bancário. BL: STF,
MS 33340.
Recentemente, o STF analisou a possibilidade de autoridades fazendárias requisitarem diretamente
dados bancários para fins fiscais. Tal autorização, contida na LC n. 105/01, foi objeto de várias ações diretas
de inconstitucionalidade e de recursos extraordinários. Inicialmente, o STF adotou o entendimento de que as
autoridades fazendárias teriam que requisitar ao Poder Judiciário as informações. No entanto, em
precedente mais recente, o STF alterou o seu posicionamento, pacificando o entendimento de que a
requisição direta pelas autoridades fazendárias é admitida, especialmente porque há mecanismos de
controle para atuação de tais entidades e porque o sigilo não é retirado, apenas transferido da esfera
bancária para a esfera fiscal. Vejamos o julgado:
RE 601.314/SP: 4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros
constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que
estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às
instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras
do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal (...) 6.
Fixação de tese em relação ao item “a” do Tema 225 da sistemática da repercussão geral”: “ O art. 6º da
Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em
relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece
requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal.123

##Atenção: ##STF: ##DOD: Os dados obtidos por meio da quebra dos sigilos bancário, telefônico e
fiscal devem ser mantidos sob reserva. Assim, a página do Senado Federal na internet não pode divulgar os
dados obtidos por meio da quebra de sigilo determinada por comissão parlamentar de inquérito (CPI).
STF. Plenário. MS 25940, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 26/4/18 (Info 899).

##Atenção: ##STF: ##DOD: ##Repercussão Geral: Em 2019, o STF decidiu que é possível o
compartilhamento, sem autorização judicial, dos relatórios de inteligência financeira da UIF e do
procedimento fiscalizatório da Receita Federal com a Polícia e o Ministério Público:
1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF [UIF
= Leia-se “COAF”] e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil (RFB),
que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais , sem a
obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações
em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O
compartilhamento pela UIF* e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por
meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e
estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios. STF. Plenário.
RE 1055941/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 4/12/19 (repercussão geral – Tema 990) (Info 962).

2.3.1.4. Interceptação de comunicações


Definição: Consiste na intromissão em comunicação, feita por terceiro (como toda interceptação), sem
conhecimento de nenhum dos interlocutores.
A doutrina costuma distinguir:
 Interceptação em sentido estrito: nenhum dos interlocutores tem conhecimento da gravação.

 Escuta telefônica: um dos interlocutores tem conhecimento de que terceiro está gravando, mas os
demais não.

A interceptação telefônica, em princípio, é vedada pela CF, art. 5º, XII: “é inviolável o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal”.

##Questiona-se: O fato de a Constituição dizer “(…) salvo, no último caso (…)” significa que nas
demais hipóteses não pode haver violação ou restrição em situação alguma? O sigilo das correspondências

123
(DPEAP-2018-FCC): Dados protegidos por sigilo bancário são requisitados a determinada instituição financeira pela
Secretaria da Receita Federal, com base em permissivo legal, para utilização em sede de procedimento administrativo
visando à apuração de supostas irregularidades fiscais cometidas por contribuinte pessoa física. Nessa hipótese, à luz da
CF/88 e da jurisprudência do STF,  não há ofensa ao direito ao sigilo bancário, inerente ao direito constitucional à vida
privada, na requisição efetuada pela autoridade fazendária, sendo constitucional o respectivo permissivo legal, na
medida em que exija da autoridade fazendária que mantenha o dever de sigilo imposto na esfera bancária. BL: Info 815,
STF.
(TJPR-2017-CESPE): Com base no texto constitucional e na jurisprudência do STF acerca dos direitos e garantias
fundamentais, individuais e coletivos, assinale a opção correta: Dado o dever fundamental de pagar tributos, não é
oponível o sigilo de informações bancárias à administração tributária. BL: Info 815, STF.
e das comunicações telegráficas e de dados é absoluto?
Não, pois não existem direitos absolutos. Embora a Constituição utilize o termo “inviolável”, a
inviolabilidade é apenas “prima facie” (provisória, isto é, em um primeiro momento). Portanto, poderá ser
afastada para a prevalência de outros valores de peso maior (justificação constitucionalmente legítima).

a) Interceptação de correspondência
Não obstante a Constituição apontar que o sigilo de correspondência é inviolável, o próprio texto
constitucional possui dois dispositivos que permitem restringi-lo:
(i) estado de defesa (art. 136, § 1º, I, “b”, CF)124; e
(ii) estado de sítio (art. 139, III, CF).

Além das previsões expressas, princípios de peso maior, no caso concreto, como a privacidade,
poderão justificar uma restrição. (##Atenção: Isso foi cobrado na prova da Defensoria Pública de Santa
Catarina de 2012).
Exemplo: É o caso da segurança pública, que pode justificar uma restrição ao direito ao sigilo de
correspondência do preso, caso haja suspeita de que ele está utilizando-se deste direito para a prática de
crimes. Os direitos fundamentais servem para impedir arbítrios do Estado, mas não para garantir a
impunidade.
Vejamos o seguinte precedente do STF e o art. 41 da LEP:
HC 70.814/SP: A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública,
de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que
respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da
correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo
epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.125

Lei n. 7.210/84, art. 41: Constituem direitos do preso: (…)


XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita.
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou
restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.126

b) Interceptação da comunicação de dados


As Constituições anteriores não mencionavam o sigilo de dados. Em razão desta introdução ter se
dado na década de 80 (na época em que começou o desenvolvimento da informática), muitos autores (Manuel
Gonçalves Ferreira Filho, entre outros) interpretam essa proteção como sendo apenas de dados
informáticos. Entretanto, Marcelo Novelino não acredita que esta interpretação seja a correta, pois o
princípio da máxima efetividade impõe que a interpretação seja feita na maior medida possível, ou seja,
todos os dados estão protegidos pelo dispositivo.

Outra restrição feita pelo STF é em relação ao tipo de proteção dada pelo dispositivo: Entende a
Corte que o que a CF/88 protege é a comunicação de dados (liberdade de comunicação), não os dados em si.
Portanto, alguns dados (fiscais, bancários, etc.) podem ser quebrados. Vejamos:
STF - MS 21.729 (voto do rel. min. Sepúlveda Pertence): Da minha leitura, no inciso XII da Lei
Fundamental, o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é a
comunicação ‘de dados’, e não os ‘dados’, o que tornaria impossível qualquer investigação
administrativa, fosse qual fosse.

##Obs.: Esse entendimento do STF cria uma sinuca de bico ao dispor no sentido de que o dispositivo é
uma regra (absoluta, portanto). Ora, se a comunicação dos dados é que está protegida e não os dados em si,
estar-se-á dizendo que os dados não são protegidos. Mas, conforme visto, há dados que merecem proteção
e o fato de ele ter chegado ao ser destinatário, não significa que ele possa ser acessado e devassado por
qualquer um. Porém, interpretando o dispositivo não como uma regra, mas como um princípio (e não há
princípios absolutos), poderá haver a restrição em relação a outros valores constitucionais justificarem.
124
(TJAL-2008-CESPE): O estado de defesa autoriza a restrição ao direito de reunião, ainda que exercida no seio das
associações, ao sigilo de correspondência e ao sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.
125
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPBA-2018.
126
(DPERO-2017-VUNESP): Entre os direitos e deveres do condenado, afirma-se corretamente que não é direito do
condenado manter contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita de forma irrestrita. BL: art. 41, XV
c/c § único da LEP.
(MPSC-2016): Um dos direitos consagrados aos presos pela Lei n. 7.210/84 é o de manter contato com o mundo
exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral
e os bons costumes. A mesma lei, todavia, confere ao diretor do estabelecimento a suspensão ou restrição desse direito,
desde que o faça mediante ato motivado. BL: art. 41, XV c/c § único da LEP.
c) Interceptação das comunicações telefônicas
Lei n. 9.296/96, art. 1º: A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para
prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e
dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em
sistemas de informática e telemática [e-mail, SMS, ‘Whatsapp’].

##Obs.: Embora a Constituição exija lei apenas para as comunicações telefônicas, o fato da Lei n.
9.296/96 estender a proteção ao sigilo de dados não a torna inconstitucional, porque ela está ampliando a
proteção ao direito fundamental (ao sigilo de dados).

Definição de comunicações telefônicas: “Abrange não apenas a conversa por telefone, mas também a
transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza, por meio de telefonia, estática ou móvel (celular). Por conseguinte, é possível a
interceptação de qualquer comunicação via telefone, conjugada ou não com a informática, o que compreende
aquelas realizadas direta (fax, modens) e indiretamente (internet, e-mail, correios eletrônicos)” (Renato Brasileiro).

Para que haja a interceptação em voga, são os requisitos exigidos pela Constituição:
1º Requisito: Ordem judicial: Há a submissão do sigilo à cláusula da reserva de jurisdição. Ela significa
que apenas o Poder Judiciário pode dar, não só a última palavra, mas também a primeira sobre o
assunto. Esse entendimento foi adotado pelo STF em alguns de seus precedentes, vejamos:
STF - MS 23.452/RJ: O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à
esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de
explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não
de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais’. (PROVA TJMG-2012)

##Obs.: Cláusula de reserva de jurisdição: Conforme o precedente acima, como ela está submetida à
cláusula de reserva de jurisdição, a CPI não pode determinar a interceptação telefônica. Ademais, há outros
casos submetidos à cláusula da reserva constitucional de jurisdição conforme o STF:
(...) A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias,
como a ¹busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a ²interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a
³decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI)
- traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito
de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira
palavra, excluindo-se [...] a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros
órgãos ou autoridades (...)

Em decisão posterior, o STF decidiu que também está submetida à cláusula da reserva constitucional
de jurisdição 4o sigilo imposto a processo judicial:
MS 27.483 MC-REF/DF: Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de,
mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de
interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é
oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando expressiva limitação aos seus poderes
constitucionais.

2º Requisito: seja feita na forma da lei (Lei n. 9.296/96).

3º Requisito: Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Trata-se de uma “reserva
legal qualificada”, pois a Constituição não apenas exige lei em sentido formal, como também ela deve
ter uma finalidade específica.127

##Obs.: Essa regra comporta exceções, a depender dos direitos envolvidos no caso concreto, a
justificar a medida (v.g. caso no Mato Grosso, em que um juiz de uma vara de família autorizou interceptação
telefônica para encontrar uma criança que havia sido levada por um parente e nenhum outro meio mostrou-se hábil para
encontrá-la – foi um caso de “derrotabilidade de regras”, no qual uma regra foi superada em situação muito
excepcional por princípios de peso maior). Geralmente, isso não ocorre.

##Questiona-se: As informações obtidas em uma interceptação telefônica, realizada para fins de

127
##Atenção: Tema cobrado na prova do TJDFT-2016.
investigação criminal ou instrução processual penal, poderão ser utilizadas como prova emprestada em um
processo administrativo disciplinar?
Para o STJ, sim, desde que a interceptação tenha sido feita com autorização do juízo criminal e com
observância das demais exigências contidas na Lei nº 9.296/1996 (STJ. 3ª Seção. MS 14.140-DF, Rel. Min.
Laurita Vaz, j. 26/9/2012).
O STF também decidiu no mesmo sentido afirmando que:
A prova colhida mediante autorização judicial e para fins de investigação ou processo
criminal pode ser utilizada para instruir procedimento administrativo punitivo. Assim, é
possível que as provas provenientes de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente
em processo criminal sejam emprestadas para o processo administrativo disciplinar. STF. 1ª
Turma. RMS 28774/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso,
j. 9/8/16 (Info 834). (COBRADA NA PROVA DA DPC/RJ 2013)

##Questiona-se: As informações obtidas em uma interceptação telefônica, realizada para fins de


investigação criminal ou instrução processual penal, poderão ser utilizadas em PAD correlato não somente
contra o servidor investigado, mas também contra outros servidores que cometeram algum ilícito
administrativo?
Sim. Vejamos o seguinte precedente do STF:
STF - Inq. 2.424 QO-QO/RJ: Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em
escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em
instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar,
contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros
servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova. (COBRADA NA
PROVA DA DPC/RJ 2013)

2.3.2. Inviolabilidade do domicílio


CF, art. 5º, XI: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, SALVO em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

2.3.2.1. Âmbito de proteção


Conceito de casa: A palavra “casa” não é interpretada em seu sentido literal. É necessário interpretá-
la como faz o Código Penal, no sentido de abranger compartimentos habitados, mesmo naqueles onde a
pessoa exerce sua atividade profissional.
Vejamos um precedente do STF, em que faz uma interpretação de “casa” equivalente ao que consta no
Código Penal:
STF – HC 93.050/RJ: ... o conceito normativo de ‘casa’ revela-se abrangente e, por estender-se
a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou
atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna
não acessível ao público), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, ‘embora sem conexão
com a casa de moradia propriamente dita’ (NELSON HUNGRIA). Doutrina. Precedentes. (COBRADO
PROVA TRF2 2014 e DPESC 2012)

##Obs.: EM REGRA, o carro não é equiparado a casa. A busca em automóvel é equiparada à busca
pessoal, a não ser que ele sirva como residência. Vejamos a seguinte decisão:
STF - RHC 117.767/DF: As apreensões de documentos no interior de veículos automotores, por
constituírem hipótese de busca pessoal — caracterizada pela inspeção do corpo, das vestes, de objetos e
de veículos (não destinados à habitação do indivíduo) —, dispensam autorização judicial
quando houver fundada suspeita de que neles estão ocultados elementos necessários à elucidação dos fatos
investigados, a teor do disposto no art. 240, § 2º, do CPP.

2.3.2.2. Restrições
b) Restrições expressas
São as restrições expressas à inviolabilidade do domicílio:
i. Flagrante delito (exige-se fundada suspeita no domicílio; se não houver uma justificativa prévia e plausível
para a entrada, ela se revela arbitrária);128
ii. Desastre (v.g. desabamento);129
iii. Prestar socorro;130
iv. Determinação judicial, durante o dia (submissão do ingresso à cláusula da reserva de jurisdição).131

##Obs.: Em relação ao dia: Com relação ao período considerado como dia, há dois critérios
utilizados:
 Critério cronológico (critério mais tradicional): dia é o período compreendido entre 6 e 18 horas.
Atenção: Não confundir com o critério do CPC para cumprimento de mandados, que é
até as 20h00m.

 Critério físico-astronômico (critério mais moderno e adequado): dia é o período compreendido


entre a aurora e o crepúsculo, ou seja, entre o nascer do sol e o pôr-do-sol.

Atenção: A conjugação dos dois critérios sobre o dia oferece maior proteção ao direito
fundamental ao domicílio. Essa é proposta sugerida por Alexandre de Moraes em seu
Manual de Direito Constitucional.

As justificativas constitucionais para o cumprimento durante o dia são:


(i) O período noturno trata-se de período de descanso;
(ii) O período noturno dificulta a fiscalização de arbitrariedades por parte da polícia durante o
cumprimento do mandado judicial.

Considerações:

128
(TJDFT-2008): Em caso de flagrante delito, igualmente, autoriza-se o ingresso na casa, de dia ou de noite,
independentemente de quem quer que seja. BL: art. 5º, XI da CF/88.
129
(TJDFT-2008): Em caso de desastre, ou para prestar socorro, autoriza-se a entrada na casa, seja de dia ou de noite,
tenha-se ou não anuência do morador ou autorização judicial. BL: art. 5º, XI da CF/88.
130
(Anal. Judic./TRF5-2017-FCC): Fernando passou mal de manhã em sua residência e, como estava sozinho, tentou sair
para buscar ajuda, mas não conseguiu nem abrir o portão de casa. Fernando teve tempo apenas de pedir auxílio ao seu
vizinho, Paulo, desmaiando logo em seguida, ali mesmo no jardim. Paulo, desesperado, rapidamente telefonou ao Corpo
de Bombeiros. Nessa situação, à luz da Constituição Federal, os bombeiros estarão autorizados a adentrar no imóvel de
Fernando, assim que chegarem, já que para a prestação de socorro pode-se penetrar na casa do morador, sem o seu
consentimento, a qualquer hora. BL: art. 5º, XI da CF/88.
131
(Anal. Jurídic./DPEAM-2018-FCC): Em certa pequena propriedade rural reside família que cultiva produtos agrícolas
no mesmo local, tendo o imóvel sido dado em garantia de empréstimo contraído para custear o combate a pragas
existentes na plantação. Não sendo liquidado o pagamento da dívida no prazo convencionado, o credor promoveu a
respectiva cobrança judicial, motivo pelo qual foi expedido mandado judicial de penhora do referido imóvel. Ao cumprir
o mandado de penhora, o oficial de justiça foi impedido pela família, tanto durante o dia, quanto durante a noite, de
ingressar no imóvel. De acordo com a Constituição Federal, ao determinar a penhora da referida propriedade rural na
situação narrada, o juiz agiu incorretamente, não podendo o oficial de justiça, ademais, ingressar no imóvel durante a
noite, sem o consentimento do morador, para cumprimento de determinação judicial. BL: art. 5º, XI da CF/88.
(TJDFT-2008): No período diurno, por determinação judicial, excepciona-se também a inviolabilidade domiciliar.
Nesta hipótese, estamos diante da denominada reserva de jurisdição, ou seja, situações em que se faz indispensável a
atuação do Poder Judiciário, autorizando determinada conduta, sem a qual seria a mesma considerada ilícita. BL: art. 5º,
XI da CF/88.
 Justificativa prévia na hipótese de flagrante delito: A entrada forçada em domicílio, sem uma
justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária e não será a constatação de situação de flagrância,
posterior ao ingresso, que justificará a medida.
Portanto, a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em
período noturno, quando amparada em fundadas razões (prévias), devidamente justificadas a
posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos
praticados. Vejamos o seguinte precedente:
STF - RE 603.616/RO: [...] 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma
justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de
flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que
havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida (...) 6. Fixada a
interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período
noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que
indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados.

 Ingresso da autoridade policial, no período noturno, em escritório de advocacia, para instalação


de equipamento: É possível esse ingresso quando a medida foi autorizada por medida judicial
sem que caracterize violação do domicílio, pois o princípio da proporcionalidade justifica a
medida.
O escritório, de fato, entra no conceito de “casa”, mas dizemos que ele não pode ser invadido no
período noturno por tal motivo não faz sentido. A noite é justamente o período em que não há
ninguém no escritório e é a hora em que se faz possível a instalação dos equipamentos sem que
terceiros vejam que a escuta está sendo implantada.
Vejamos alguns julgados:
STF – Inq 2.424/RJ: 8. PROVA. Criminal. Escuta ambiental e exploração de local. Captação de
sinais óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período noturno,
para instalação de equipamento. Medidas autorizadas por decisão judicial. Invasão de domicílio. Não
caracterização. Suspeita grave da prática de crime por advogado, no escritório, sob pretexto de
exercício da profissão. Situação não acobertada pela inviolabilidade constitucional.132

Inf. n. 529: Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser
preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da
concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão. Tendo em
vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana,
considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio
stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem (...) De toda forma, concluiu-se
que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e
guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição conseqüente não aniquilou
o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da
proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública.
(Atenção: Caiu na prova TJSP-2018)

##Questiona-se: O fiscal da Receita Federal poderá ingressar em um estabelecimento contra a


vontade do proprietário ou do responsável, mesmo sem ordem judicial? A fiscalização tributária possui
autoexecutoriedade para adentrar em um domicílio sem que haja autorização do responsável?
Não, pois o Supremo entende que, após a CF/88, o atributo da autoexecutoriedade dos atos
administrativos deve ceder ante a inviolabilidade do domicílio. Na ausência de autorização, é necessário
que o agente público tenha autorização judicial, sob pena de ilicitude da entrada. Vejamos:
STF – HC 103.325 MC/RJ: O atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos [...] não
prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade
exercida pelo Poder Público em sede de fiscalização tributária.

##Questiona-se: Como visto, o ingresso forçado não é justificável para a fiscalização tributária.
Mas e quando a fiscalização visa promover o direito à saúde e houver suspeita de foco de mosquito da
dengue na residência?
Neste caso, a tutela da saúde pública justifica a subjugação do direito à inviolabilidade do
domicílio. Vejamos o art. 1º da Lei 13.301/2016:
Lei n. 13.301/2016, art. 1º: Na situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do

132
##Atenção: Tema cobrado nas provas do TRF5-2009 (CESPE); TJPR-2017 (CESPE) e TJAC-2019 (VUNESP).
mosquito transmissor do vírus da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika, a autoridade
máxima do Sistema Único de Saúde - SUS de âmbito federal, estadual, distrital e municipal fica
autorizada a determinar e executar as medidas necessárias ao controle das doenças causadas pelos
referidos vírus, nos termos da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e demais normas aplicáveis,
enquanto perdurar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional - ESPIN.
§1º: Entre as medidas que podem ser determinadas e executadas para a contenção das doenças
causadas pelos vírus de que trata o caput, destacam-se:
(...)
IV - ingresso forçado em imóveis públicos e particulares, no caso de situação de abandono,
ausência ou recusa de pessoa que possa permitir o acesso de agente público, regularmente designado e
identificado, quando se mostre essencial para a contenção das doenças”.

2.4. Direito à Liberdade


Benjamin Constant distingue duas espécies de liberdade:
 Liberdade negativa (ou liberdade civil, ou liberdade dos modernos, ou liberdade de agir): “situação
na qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido, ou de não agir sem ser obrigado
por outros”. Em outras palavras, a liberdade negativa consiste em uma ausência de impedimento
ou constrangimento. Benjamin Constant denominou esta liberdade de “dos modernos” porque a
expressão foi por ele cunhada quando da Revolução Francesa, época em que tal liberdade era uma
novidade.

 Liberdade positiva (ou liberdade política, ou liberdade dos antigos, ou liberdade de querer):
“situação na qual um sujeito tem a possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de
uma finalidade sem ser determinado pelo querer dos outros”. Ou seja, a liberdade positiva está
relacionada à autonomia e autodeterminação, é uma liberdade de escolhas. Benjamin Constant
chamou esta liberdade de “dos antigos” porque já existia desde a Grécia Antiga.

2.4.1. Liberdade de manifestação do pensamento


CF, art. 5º, IV: é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.133

Analisando o dispositivo, temos uma regra e uma restrição a esta regra:


 Regra: liberdade na manifestação do pensamento;
 Restrição à regra: vedação do anonimato.

2.4.1.1. Âmbito de proteção


a) Liberdade de pensar
A liberdade de manifestação do pensamento não está limitada à liberdade de pensar, embora a
englobe.
##Questiona-se: O Estado possui meios para interferir no pensamento?
O Estado não pode interferir diretamente no pensamento, mas pode capturar as informações ou
selecionar as que serão expostas, e desta maneira, controlar indiretamente aquilo que as pessoas pensam.
Em outras palavras, ao direcionar as informações, o Estado induz as pessoas a um determinado tipo de
pensamento, restringindo a liberdade de pensar.

b) Liberdade de manifestar o pensamento


A liberdade de manifestação é fundamental por permitir a livre competição no “mercado de ideias”.
A livre competição no “mercado de ideias” é a melhor forma de se buscar a verdade, pois se uma ideia for
inadequada, com o tempo ela será sufragada (uma verdade absoluta hoje, amanhã pode não mais ser). Por seu
turno, se o Estado restringe quaisquer informações, dar-se-á margem a arbitrariedades.
O STF, em alguns precedentes, vem estabelecendo a “posição preferencial” (preferred position) da
liberdade de expressão do pensamento (v.g. ADPF 130 – sobre a antiga lei de imprensa), ou seja, essa
liberdade tem uma posição preferencial (“prima facie”, isto é, num primeiro momento) sobre os outros
direitos. Nesse sentido, em regra, é melhor se assegurar a liberdade de manifestação do pensamento e
depois, se houver abuso, a responsabilização, do que fazer uma censura prévia.134 Por mais que a
133
(Téc./MPU-2018-CESPE): A liberdade de pensamento é exercida com ônus para o manifestante, que deverá se
identificar e assumir a autoria daquilo que ele expressar. BL: art. 5º, IV, CF.
134
(MPGO-2019): Assinale a alternativa correta: Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, a liberdade de
imprensa tem, na Constituição Federal de 1988, característica de “sobredireito”, com precedência sobre a imagem, a
honra, a intimidade e a vida privada, o que afasta a possibilidade de controle prévio, pelo Poder Judiciário, sobre o
exercício de referida liberdade. BL: ADPF 130 (vide trecho marcado na ementa abaixo).
(TJSP-2015-VUNESP): Diante de informação relativa a iminente publicação de matéria considerada ofensiva à
intimidade e à honra de autoridade pública em jornal local, nos termos definidos pelo STF no julgamento da ADPF
responsabilização, às vezes, não cumpra o papel de retomar o status quo ante, esse é um risco inerente à vida
em sociedade.
Vejamos o seguinte precedente do STF:
STF - Rcl 18.638 MC/CE: [...] 33. A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o interesse
público na divulgação de informações – reiterando-se a ressalva sobre o conceito já pressupor a
satisfação do requisito da verdade subjetiva – é presumido. A superação dessa presunção, por algum
outro interesse, público ou privado, somente poderá ocorrer, legitimamente, nas situações-limite,
excepcionalíssimas, de quase ruptura do sistema (...) Como regra geral, não se admitirá a limitação de
liberdade de expressão e de informação, tendo-se em conta a já mencionada posição preferencial
(preferred position) de que essas garantias gozam. (g.n.). 135

A questão recentemente foi objeto de análise pelo STF, em julgado da 1ª Turma, veiculado no Info 893,
vejamos:
STF - O STF tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de
expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por
via judicial. No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações
jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação
de notícias e de opiniões. A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado
democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e
liberdades. A retirada de matéria de circulação configura censura em qualquer hipótese, o que se
admite apenas em situações extremas. Assim, em regra, a colisão da liberdade de expressão com
os direitos da personalidade deve ser resolvida pela retificação, pelo direito de resposta ou pela
reparação civil. Diante disso, se uma decisão judicial determina que se retire do site de uma
revista determinada matéria jornalística, esta decisão viola a orientação do STF, cabendo
reclamação. STF. 1ª Turma. Rcl 22328/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 6/3/18 (Info 893).136-137

130/DF, é possível conceder ordem judicial que assegure, após configurado o dano causado à honra e à intimidade, a
sua reparação. BL: ADPF 130.
##Atenção: ##STF: ##TRF4-2010: ##DPESP-2012: ##TJSP-2015: ##PGERS-2015: ##MPGO-2019: ##FCC:
##Fundatec: ##VUNESP: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. LEI DE IMPRENSA.
ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA",
EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. (...) O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime
de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade
de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o
suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as
figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como
expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de
personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de
intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no
tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural
forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou
consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional "observado o disposto nesta Constituição" (parte
final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como
consequência ou responsabilização pelo desfrute da "plena liberdade de informação jornalística" (§ 1º do mesmo art. 220
da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a
procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica.
Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a
qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que
signifique plenitude de comunicação.
Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das
ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um
regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo
atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. 5.
PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS
E MATERIAIS. Sem embargo, a excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de
imprensa, em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade. (...). STF. Plenário. ADPF 130, Rel. Min. Carlos
Britto, j. 30/4/09.
(PGEPA-2011): Na ADPF 130, o STF, por maioria, julgou pela total procedência da ação para o efeito de declarar a Lei
federal 5.250/67 (“Lei de Imprensa”) como não recepcionada pela CF/88, entendendo que na ponderação entre os
direitos fundamentais que dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco dos direitos fundamentais à imagem, honra,
intimidade e vida privada, deve ser dada precedência aos primeiros; cabendo a incidência a posteriori do segundo bloco
para o efeito de assegurar o direito de resposta e assentar responsabilidades penal, civil e administrativa. BL: ADPF 130.
135
##Atenção: Tema cobrado na prova da PGEAC-2014 (FMP).
136
##Atenção: Tema cobrado na prova da DPEDF-2019 (CESPE).
137
(PF-2021-CESPE): Considerando a posição majoritária e atual do Supremo Tribunal Federal (STF), julgue o item a
seguir, a respeito dos fundamentos constitucionais dos direitos e deveres fundamentais, do Poder Judiciário, da
Igualmente, vejamos o teor do julgado veiculado no Info 905, STF (Fonte: DOD):
Uma decisão judicial determinou a retirada de matéria de “blog” jornalístico, bem como
a proibição de novas publicações, por haver considerado a notícia ofensiva à honra de delegado
da polícia federal. Essa decisão afronta o que o STF decidiu na ADPF 130/DF, que julgou não
recepcionada a Lei de Imprensa. A ADPF 130/DF pode ser utilizada como parâmetro para
ajuizamento de reclamação que verse sobre conflito entre a liberdade de expressão e de
informação e a tutela das garantias individuais relativas aos direitos de personalidade. A
determinação de retirada de matéria jornalística afronta a liberdade de expressão e de
informação, além de constituir censura prévia. Essas liberdades ostentam preferência em
relação ao direito à intimidade, ainda que a matéria tenha sido redigida em tom crítico. O STF
assumiu, mediante reclamação, papel relevante em favor da liberdade de expressão, para
derrotar uma cultura censória e autoritária que começava a se projetar no Judiciário. STF. 1ª
Turma. Rcl 28747/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ ac. Min. Luiz Fux, j. 5/6/18 (Info 905).

Assim, embora não haja hierarquia entre direitos fundamentais, a liberdade de expressão (aqui
entendida em sentindo amplo) possui uma posição preferencial (preferred position) em relação aos demais
direitos. Isso significa que o afastamento da liberdade de expressão é excepcional, e o ônus argumentativo
é de quem sustenta o direito oposto. Como consequência disso, deve-se fazer uma análise muito rigorosa,
criteriosa e excepcional de toda e qualquer medida que tenha por objetivo restringir a liberdade de
expressão.138

##Obs.: O fato de a liberdade de manifestação ter uma posição preferencial, não significa que é um
direito absoluto (o que não existe). Portanto, esse direito não prevalecerá sempre e em qualquer caso. A
própria CF/88 impõe alguns limites ou qualificações à liberdade de expressão, como por exemplo:
a) vedação do anonimato (art. 5º, IV);
b) direito de resposta (art. 5º, V);
c) restrições à propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos e terapias (art. 220,
§ 4º);
d) classificação indicativa (art. 21, XVI); e
e) dever de respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X).
 
Isso significa que é indispensável que haja uma ponderação entre a liberdade de expressão e os
direitos da personalidade.

##Obs.: Ponderação entre liberdade de expressão e os direitos da personalidade: 139 Tanto a liberdade
de expressão como os direitos de privacidade, honra e imagem têm estatura constitucional. Vale dizer: entre
eles não há hierarquia. De modo que não é possível estabelecer, em abstrato, qual deve prevalecer. Em caso
de conflito entre normas dessa natureza, impõe-se a necessidade de ponderação, que, como se sabe, é uma
técnica de decisão que se desenvolve em três etapas:
1) na primeira, verificam-se as normas que postulam incidência ao caso;
2) na segunda, selecionam-se os fatos relevantes;
3) e, por fim, testam-se as soluções possíveis para verificar, em concreto, qual delas melhor realiza a
vontade constitucional.
 
Em um cenário ideal, a ponderação deve procurar fazer concessões recíprocas, preservando o
máximo possível dos direitos em disputa. No limite, porém, fazem-se escolhas. Todo esse processo
intelectual tem como fio condutor o princípio instrumental da proporcionalidade ou razoabilidade.
 
##Obs.: Critérios para a ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade: O
Min. Roberto Barroso defende a aplicação de 8 critérios ou elementos a serem considerados na ponderação
entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade. São eles:
a) veracidade do fato: a notícia divulgada deve ser verdadeira. Isso porque a informação
que goza de proteção constitucional é a verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia
falsa, em detrimento de outrem, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de

segurança pública e das atribuições constitucionais da Polícia Federal: Como regra, a medida própria para a reparação de
eventual abuso da liberdade de expressão é o direito de resposta ou a responsabilização civil, e não a supressão de texto
jornalístico por meio de liminar.
138
(MPF-2012): Assinale a alternativa correta: De acordo com a jurisprudência do STF. a liberdade de expressão ocupa
uma posição especial no sistema constitucional brasileiro, o que lhe atribui peso abstrato elevado em hipótese de colisão
com outros direitos fundamentais ou interesses sociais.
139
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPRO-2017 (FMP).
comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de critérios de razoabilidade, a
correção do fato ao qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata de uma
verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de
observação de quem a divulga. Para haver responsabilidade, é necessário haver clara
negligência na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade.140- 141
 
b) licitude do meio empregado na obtenção da informação: o conhecimento acerca do
fato que se pretende divulgar tem de ter sido obtido por meios admitidos pelo direito. A
Constituição, da mesma forma que veda a utilização, em juízo, de provas obtidas por meios
ilícitos, também proíbe a divulgação de notícias às quais se teve acesso mediante
cometimento de um crime. Se o jornalista ou alguém empreitado pelo veículo de comunicação
realizou, por exemplo, uma interceptação telefônica clandestina, invadiu domicílio, violou o
segredo de justiça em um processo de família ou obteve uma informação mediante tortura ou
grave ameaça, sua divulgação, em princípio, não será legítima. Note-se ainda que a
circunstância de a informação estar disponível em arquivos públicos ou poder ser obtida por
meios regulares e lícitos torna-a pública e, portanto, presume-se que a divulgação desse tipo
de informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos envolvidos.
 
c) personalidade pública ou privada da pessoa objeto da notícia: a depender se a pessoa
for uma personalidade pública ou privada, o grau de exposição é maior ou menor.
 
d) local do fato: deve-se analisar também se os locais dos fatos narrados são reservados
ou protegidos pelo direito à intimidade.
 
e) natureza do fato: deve-se analisar se os fatos divulgados possuem caráter sigiloso ou
se estão relacionados com a intimidade da pessoa.
 
f) existência de interesse público na divulgação em tese: presume-se, como regra geral,
o interesse público na divulgação de qualquer fato verdadeiro.
 
g) existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de
órgãos públicos.
140
(TJBA-2019-CESPE): No que se refere à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e aos seus limites, assinale a
opção correta: A publicação de informações falsas em veículos de comunicação social não está assegurada pela liberdade
de imprensa. BL: Entend. doutrinário e jurisprudencial.
##Atenção: ##Doutrina: ##STJ: ##TJBA-2019: ##TJMA-2022: ##CESPE: ##Doutrina: De fato, esse é o
entendimento da doutrina sobre o alcance do direito fundamental à liberdade de imprensa. A respeito, Mendes e
Branco: “A informação falsa não seria protegida pela Constituição, porque conduziria a uma pseudo‐operação da formação da
opinião”. Assinala‐se a função social da liberdade de informação de “colocar a pessoa sintonizada com o mundo que a
rodeia (...), para que possa desenvolver toda a potencialidade da sua personalidade e, assim, possa tomar as decisões que a
comunidade exige de cada integrante”. Argumenta ‐se que, “para se exercitar o direito de crônica, que está intimamente
conexo com o de receber informações, será mister que se atenda ao interesse da coletividade de ser informada, porque através
dessas informações é que se forma a opinião pública, e será necessário que a narrativa retrate a verdade”. Cabe recordar que o
direito a ser informado – e não o é quem recebe notícias irreais – tem também raiz constitucional, como se vê do art. 5º, XIV,
da CF.” (MENDES, Gilmar e BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 242).
##STJ: “ (...) 1. Conforme se extrai do voto da Ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI 4.815/DF, “o dever de
respeito ao direito do outro conduz ao de responder nos casos em que, mesmo no exercício de direito
legitimamente posto no sistema jurídico, se exorbite causando dano a terceiro. Quem informa e divulga
informação responde por eventual excesso, apurado por critério que demonstre dano decorrente da circunstância
de ter sido ultrapassada esfera garantida de direito do outro". 2. A liberdade de imprensa - embora amplamente
assegurada e com proibição de controle prévio - acarreta responsabilidade a posteriori pelo eventual excesso e
não compreende a divulgação de especulação falsa, cuja verossimilhança, no caso, sequer se procurou apurar . 4.
Gera dano moral indenizável a publicação de notícia sabidamente falsa, amplamente divulgada, a qual expôs a
vida íntima e particular dos envolvidos. 5. Nos termos da jurisprudência do STJ, admite-se a revisão do valor
fixado a título de condenação por danos morais quando este se mostrar ínfimo ou exagerado, ofendendo os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Hipótese em que o valor foi estabelecido na instância
ordinária de forma desproporcional à gravidade dos fatos. 6. Recurso especial a que se dá parcial provimento. STJ.
4ª T., REsp 1582069/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. p/ Ac. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 16/2/17. (...) Cumpre
destacar ainda o trecho da decisão monocrática da Min. Maria Isabel Gallotti, “(...) A liberdade de imprensa –
embora amplamente assegurada e com proibição de controle prévio – acarreta responsabilidade a posteriori pelo
eventual excesso e não compreende a divulgação de especulação falsa, cuja verossimilhança, no caso ”. STJ. AREsp
1265555. Decisão Monocrática. Min. Isabel Gallotti. Data de Publicação em 18/05/2018.
141
##Atenção: Tema cobrado na prova do TJMA-2022 (CESPE).
h) preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da
divulgação: o uso abusivo da liberdade de expressão pode ser reparado por mecanismos
diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, a responsabilização
civil ou penal e a proibição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar
a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra
geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por
retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o
caso.

##Atenção: ##STF: ##DOD: Segundo o STF, é inconstitucional o § 1º do art. 4º da Lei nº 9.612/98 142.
Esse dispositivo proíbe, no âmbito da programação das emissoras de radiodifusão comunitária, a prática
de proselitismo, ou seja, a transmissão de conteúdo tendente a converter pessoas a uma doutrina, sistema,
religião, seita ou ideologia. O STF entendeu que essa proibição afronta os arts. 5º, IV, VI e IX, e 220, da
Constituição Federal. A liberdade de pensamento inclui o discurso persuasivo, o uso de argumentos
críticos, o consenso e o debate público informado e pressupõe a livre troca de ideias e não apenas a
divulgação de informações. STF. Plenário. ADI 2566/DF, rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac.
Min. Edson Fachin, j. 16/5/2018 (Info 902).

2.4.1.2. Restrições
Em determinadas hipóteses, a manifestação do pensamento pode atingir direitos fundamentais de
terceiros, tais como a honra e a imagem (CF, art. 5º , X), razão pela qual a identificação de quem emitiu o
juízo é necessária, a fim de que seja viabilizada eventual responsabilização nos casos de manifestação
abusiva.
A CF/88 indica expressamente a vedação do anonimato (art. 5º, IV da CF/88), a qual possui
basicamente duas finalidades: 1) a de evitar, de forma preventiva, manifestações abusivas do pensamento
e; 2) a de permitir, de forma repressiva, o exercício do direito de resposta (um direito autônomo) e a
responsabilização civil e/ou penal (CF, art. 5º, V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além
da indenização por dano material, moral ou à imagem”). Quanto à matéria divulgada, publicada ou transmitida
por veículo de comunicação social, o direito de resposta ou de retificação do ofendido está regulamentado
pela Lei nº 13.188/2015.
Sendo assim, EM REGRA, a vedação do anonimato impede utilização de denúncias anônimas ou
bilhetes apócrifos como fundamento para a instauração de inquérito policial ou como prova processual
lícita (art. 5.º, LVI, CF).143

 Exceção1: A denúncia autônoma em si não é considerada como fonte de prova, mas é considerada
uma notitia criminis autônoma em relação à prova obtida posteriormente através de uma
investigação. Essa investigação, por sua vez, não fica contaminada pela denúncia. Vejamos:
STF - Inq 1.957 (voto do Min. Celso de Mello): Nada impede, contudo, que o Poder Público,
provocado por delação anônima (v.g. “disque-denúncia”), adote medidas informais destinadas a apurar,
previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e discrição’, a possível ocorrência de eventual
situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela
denunciados em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da ‘persecutio criminis’,
mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças
apócrifas”. (g.n.).

 Exceção2: O bilhete ou escrito apócrifo, quando produzido pelo próprio acusado (v.g. bilhete enviado
pelo acusado pedindo o preço do resgate pelo sequestro) ou quando ele constituir o corpo de delito do
crime (v.g. carta apócrifa em que haja um crime contra a honra de alguém) podem ser considerados fontes
de prova.

##Obs.: Dentre as restrições constitucionais indiretas, podem ser mencionadas, ainda, as punições
legalmente estabelecidas para os casos de discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais (CF, art. 5º , XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais) e de prática de racismo (CF, art. 5º , XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei). Ambos os dispositivos consagram hipóteses de
reserva legal qualificada. A Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor,

142
Lei 9.612/98, art. 4º. (...) §1º É vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de
radiodifusão comunitária.
143
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPDFT-2011; ii) MPRR-2017 (CESPE).
estabelece pena de reclusão de um a três anos e multa para quem "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional" (art. 20).
No julgamento do Caso Ellwanger, considerado um dos mais importantes precedentes do STF sobre o
tema, prevaleceu o entendimento de que "o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra
o 'direito à incitação ao racismo', dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda
de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra". O Tribunal, ao fixar a prevalência dos
princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, deixou consignado que as liberdades
públicas, por não serem incondicionais, devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites
definidos na própria Constituição. Vejamos trecho desse histórico julgado:
(...) 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias
preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na
redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e
imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). (...)144
6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer
discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências
oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa
superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o
anti-semitismo.
(...) 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta.
Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência,
manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 145
14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira
harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira
parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao
racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas
ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade jurídica. 146 (...) STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Ac. Min. Maurício Corrêa, j.
17/09/03.147

##Obs.: Tratando de temática semelhante ao Caso Ellewanger, citado acima, o STF julgou
recentemente julgou o seguinte caso:
O direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito à existência de uma
multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se vinculam e se harmonizam – para a
sobrevivência de toda a multiplicidade de fés protegida constitucionalmente – na chamada
tolerância religiosa. Há que se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria
crença e nas razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando se faça
com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus seguidores). Um é tipicamente a
representação do direito à liberdade de crença religiosa; outro, em sentido diametralmente
oposto, é o ataque ao mesmo direito. Como apontado pelo STJ no julgado recorrido, a conduta
do paciente não consiste apenas na ‘defesa da própria religião, culto, crença ou ideologia, mas,
sim, de um ataque ao culto alheio, que põe em risco a liberdade religiosa daqueles que
professam fé diferente [d]a do paciente. A incitação ao ódio público contra quaisquer
denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que
assegura a liberdade de expressão. Assim, é possível, a depender do caso concreto, que um líder
religioso seja condenado pelo crime de racismo (art. 20, §2º, da Lei nº 7.716/81) por ter proferido
discursos de ódio público contra outras denominações religiosas e seus seguidores. STF. 2ª
Turma. RHC 146303/RJ, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, j. 6/3/18 (Info 893).148

144
(MPT-2013): No que concerne aos direitos e garantias fundamentais, considerando-se o texto constitucional e a
jurisprudência do STF, assinale a alternativa correta: Escrever, divulgar e comercializar livros fazendo apologia de ideias
preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de
inafiançabilidade e imprescritibilidade.
145
(PGERS-2015-Fundatec): Ao tratar do alcance da liberdade de expressão em relação ao chamado “discurso do ódio”
(hate speech), o STF sustentou que: O direito à liberdade de expressão é um direito relativo, objeto de ponderação, à luz
dos princípios da dignidade humana, proporcionalidade e razoabilidade, não podendo acolher a incitação ao ódio racial
ou religioso.
(PGEPA-2011): No HC 82424-2 – “Caso Ellwanger” –, o STF julgou pedido de “habeas corpus” em favor de editor de
obras que veiculavam ideias supostamente antissemitas. Analise as proposições abaixo e assinale a alternativa correta: A
ordem de “habeas corpus” foi indeferida com fundamento, entre outros, de que o direito à liberdade de expressão não
pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam em ilicitude penal.
146
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPRR-2017 (CESPE); ii) DPEAL-2017 (CESPE); iii) MPMG-2019.
147
##Atenção: Tema cobrado na prova da DPEPR-2017 (FCC).
Ambos os julgados comentados acima envolveram o crime de racismo enquadrado no art. 20 da Lei
7.716/81. Diante disso, surge alguns questionamentos acerca da doutrina do “Hate Speech” (discurso do
ódio):

##Questiona-se: No que compreende a doutrina do “Hate Speech” (Discurso do Ódio)? São


“manifestações de pensamento que ofendam, ameacem ou insultem determinado grupo de pessoas com
base na raça, cor, religião, nacionalidade, orientação sexual, ancestralidade, deficiência ou outras
características próprias. (...) No direito norte-americano, prevalece o entendimento de que até o discurso
de ódio (hate speech) inclui-se no âmbito de proteção da liberdade de expressão.” (BERNARDES, Juliano
Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. Tomo II. 7ª ed. Salvador:
Juspodivm, 2017, p. 128).

##Questiona-se: E no direito brasileiro, a doutrina do “Hate Speech” (Discurso do Ódio) é aceita? No


Brasil, ao contrário dos EUA, prevalece que o hate speech não é protegido pela ordem constitucional. Isso
porque o direito à liberdade de expressão não é absoluto, podendo a pessoa que proferiu o discurso de
ódio ser punida, inclusive criminalmente, em caso de abuso. Esse tem sido, por exemplo, o entendimento
das bancas examinadoras:
 (PGERS-2015-FUNDATEC): Ao tratar do alcance da liberdade de expressão em relação ao chamado
“discurso do ódio” (“hate speech”), o STF sustentou que o direito à liberdade de expressão é um
direito relativo, objeto de ponderação, à luz dos princípios da dignidade humana, proporcionalidade
e razoabilidade, não podendo acolher a incitação ao ódio racial ou religioso. (certo)

##Atenção: Situação deve ser analisada com base no caso concreto: Assim, podemos concluir que é
possível a condenação de um líder religioso pelo crime de racismo (art. 20, §2º, da Lei nº 7.716/81) em caso
de discursos de ódio público contra outras denominações religiosas e seus seguidores. Vale ressaltar, no
entanto, que essa condenação dependerá do caso concreto, ou seja, das palavras que foram proferidas e da
intenção do líder religioso de suprimir ou reduzir a dignidade daquele que é diferente de si. Desse modo,
não é qualquer crítica de um líder religioso a outras religiões que configurará o crime de racismo. Nesse
sentido, recentemente o STF absolveu um líder religioso dessa imputação por falta de dolo. Relembre:
Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele faz críticas
ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. O Ministério Público da
Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (Lei do racismo). No
caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime. A CF/88 garante o direito à liberdade
religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher
qual religião irá seguir, mas também o de fazer proselitismo religioso. Proselitismo religioso significa
empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião .
Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as
religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo . Só
haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão,
restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais
grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os
"inferiores" para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual e, neste caso
não haverá conduta criminosa. Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez
comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não
houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo. Pregar um discurso de que as religiões
são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20
da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim
de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua
como verbo núcleo do tipo. STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em
29/11/2016 (Info 849).

148
(MPPA-2023-CESPE): No que concerne aos direitos e às garantias fundamentais, assinale a opção correta, à luz da
jurisprudência dos tribunais superiores: A incitação ao ódio público feita por líder religioso contra outras religiões pode
configurar o crime de racismo. BL: Info 893, STF.
(MPMG-2019): A propósito do direito ao reconhecimento, leia o texto a seguir: “É possível falar em um direito
fundamental ao reconhecimento, que é um direito ao igual respeito da identidade pessoal. Trata-se de um direito que tem tanto uma
faceta negativa como outra positiva. Em sua faceta negativa ele veda as práticas que desrespeitam as pessoas em sua identidade,
estigmatizando-as. Na dimensão positiva, ele impõe ao Estado a adoção de medidas voltadas ao combate dessas práticas e à superação
de estigmas existentes.” (SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 257).
De acordo com o posicionamento doutrinário acima, a assertiva seguinte harmoniza-se com o direito ao reconhecimento:
Há que se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria crença e nas razões da crença) e o discurso
sobre a crença alheia, especialmente quando feito com o intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus
seguidores). BL: Info 893, STF.
 
Desse modo, em concursos públicos deve-se ficar atento para a redação do enunciado.

Por fim, quanto à limitação do direito de expressão, o Min. Gilmar Mendes explica que “a Carta
brasileira não adotou a fórmula alemã de prever, explicitamente, que a liberdade de expressão possa ser limitada por leis
destinadas a proteger a juventude. Isso não impede que, no Brasil, sejam editadas leis, com o fito de preservar
valores relevantes da juventude, restringindo a liberdade de expressão. Isso porque não são apenas aqueles bens
jurídicos mencionados expressamente pelo constituinte (como a vida privada, a intimidade, a honra e a imagem) que
operam como limites à liberdade de expressão. Qualquer outro valor abrigado pela Constituição pode entrar em conflito
com essa liberdade, reclamando sopesamento, para que, atendendo ao critério da proporcionalidade, descubra-se, em cada
grupo de casos, qual princípio deve sobrelevar.” Desse modo, para a maioria dos ministros do STF, autoriza-se à
lei infraconstitucional regular outros pontos não permitidos expressamente, pois é possível extrair da CF
uma permissão que vise a garantir a unidade constitucional. Em outras palavras, a permissão para uma
regulação mais ampla alicerça-se no fato de a liberdade de expressão confrontar-se com outros direitos
fundamentais, sendo a lei um meio de harmonizar esse conflito na busca de efetivação dos princípios
constitucionais.149

2.4.2. Liberdade de consciência, crença e culto


2.4.2.1. Âmbito de proteção
2.4.2.1.1. Definições
Há três diferentes liberdades consagradas no art. 5º, VI da CF/88:
CF/88, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

a) Liberdade de consciência
Trata-se da faculdade de aderir a certos valores morais ou espirituais, independentes de qualquer
aspecto religioso.
A liberdade de consciência é a mais ampla das três a serem analisadas, pois abrange a liberdade de
crer em algo, de não crer, ou de ter determinadas convicções que não possuam natureza religiosa (filosófica,
política).

##Obs.: A liberdade de consciência abrange a liberdade de crença, que é uma liberdade mais restrita.

b) Liberdade de crença
Trata-se da faculdade de crer em conceitos sobrenaturais propostos por alguma religião ou revelação
(teísmo), de acreditar na existência de um Deus, mas rejeitar qualquer espécie de revelação divina (deísmo) ou,
ainda, de não ter crença em Deus algum (ateísmo).150
A liberdade de crença possui tanto um aspecto positivo (acreditar em algo) quanto um aspecto
negativo (não acreditar em nada).

c) Liberdade de culto (mais restrita de todas)


Trata-se da exteriorização da liberdade de crença, podendo ser exercida em locais privados ou
abertos ao público. O culto é uma forma de exteriorizar aquilo em que o indivíduo acredita.
Exemplos: procissão, culto ecumênico, missa em praça pública ou igreja.
Além de os templos gozarem de imunidade (art. 150, VI, b, CF), o culto poderá ser exercido em outros
locais, sejam eles privados e públicos.

##Atenção: ##STF: ##Info 935: ##DOD: É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de
resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz
africana. STF. Plenário. RE 494601/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, j.
28/3/19 (Info 935).

##Comentário sobre o julgado acima: ##DOD: O princípio da laicidade significa dizer que o Estado
brasileiro é laico (secular ou não-confessional), ou seja, não existe nele uma religião oficial (art. 19, I, da
CF/88). Assim, por força deste princípio, o Estado não pode estar associado a nenhuma religião, nem sob a
forma de proteção, nem de perseguição. Há, portanto, uma separação formal entre Igreja e Estado. O STF
149
(MPBA-2018): Sobre os direitos fundamentais em espécie positivados na Constituição Federal, tal qual interpretados
pelo STF, responda: O direito fundamental à liberdade de expressão é passível de sofrer restrições por meio de lei,
inclusive em hipóteses não previstas de modo expresso na Constituição Federal.
150
(MPSP-2012): A Constituição Federal, ao consagrar a inviolabilidade de crença religiosa está também assegurando a
proteção plena à liberdade de culto e as suas liturgias, bem como o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé,
devendo o Estado respeito ao ateísmo.
entendeu que, ao contrário do que alegou o MP/RS, a referida lei não viola o princípio da laicidade. A
proteção legal às religiões de matriz africana não representa um privilégio, mas sim um mecanismo de
assegurar a liberdade religiosa, mantida a laicidade do Estado. Desse modo, a lei estadual, na verdade,
está de acordo com o princípio da laicidade. Isso porque a laicidade do Estado proíbe que haja o
menosprezo ou a supressão de rituais, especialmente no caso de religiões minoritárias que poderiam ser
subjugadas pelo Estado.

##Comentário sobre o julgado acima: ##DOD: Além disso, não há violação ao princípio da
igualdade: A CF promete uma sociedade livre de preconceitos, entre os quais, o religioso. A proibição do
sacrifício de animais em seus cultos negaria a própria essência da pluralidade cultural, com a consequente
imposição de determinada visão de mundo. Ao se conferir uma proteção aos cultos de religiões
historicamente estigmatizadas, o legislador não ofende o princípio da igualdade. Ao contrário, materializa
esse princípio diante do preconceito histórico sofrido.

##Comentário sobre o julgado acima: ##DOD: Por fim, não há violação ao art. 225 da CF/88: O
legislador, ao admitir a prática de imolação (sacrifício), não violou o dever constitucional de amparo aos
animais, estampado no art. 225, § 1º, VII, da CF/88. Isso porque se deve evitar que a tutela de um valor
constitucional relevante (meio ambiente) aniquile o exercício de um direito fundamental (liberdade de
culto), revelando-se desproporcional impedir todo e qualquer sacrifício religioso quando diariamente a
população consome carnes de várias espécies. Além disso, deve-se reforçar o argumento de que os animais
sacrificados nestes cultos são abatidos de forma rápida, mediante degola, de sorte que a realização dos
rituais religiosos com estes animais não se amolda ao art. 225, § 1º, VII, que proíbe práticas cruéis com
animais.

##Parêntese: Lembrar que nenhum direito é absoluto. Portanto, é necessário analisar se o direito à
liberdade de culto não colide com outro direito fundamental (v.g. liberdade de locomoção, descanso, silêncio).

Observação geral: Essas três liberdades estão consagradas na CF, art. 5º, VI: “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias”.
Além disto, o inciso VII: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades
civis e militares de internação coletiva”.

2.4.2.1.2. Objeção de consciência (escusa de consciência ou imperativo de consciência)


CF, art. 5º, VIII: ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.151

##Questiona-se: A prestação alternativa fixada em lei consubstancia penalidade imposta à pessoa


que se exime de cumprir uma obrigação legal imposta a todos?
Não, pois ela trata da possibilidade do indivíduo não violar a sua própria consciência. Se não existir
lei fixando a prestação alternativa, o sujeito não pode ser obrigado a cumprir a obrigação legal a todos
imposta.

Quando se fala em “obrigação legal imposta a todos” não significa que a obrigação legal tenha que
ser imposta a todos os indivíduos da nação, mas sim a todos que se encontrem em determinada situação.
Ex.1: O voto é uma obrigação imposta a todos que possuem mais de dezoito anos e menos de setenta
anos, exceto os analfabetos.
Ex.2: O serviço militar é obrigatório para todos os homens (não para as mulheres), excetuando-se ainda
os eclesiásticos.

Para se invocar essa liberdade de consciência, não basta que a pessoa simplesmente diga que aquilo é
incompatível com o que ela acredita. A escusa de consciência deve ser relacionada a algo fortemente
arraigado na consciência do indivíduo, dentro de um determinado contexto social ou cultura.
Ex.1: Peiote em cultos religiosos → embora este produto tenha o consumo proibido por lei em razão
de ser entorpecente, tanto no Brasil quanto nos EUA, a lei ressalva a sua utilização dentro de celebrações

151
(MPBA-2018): O brasileiro que se recusa a cumprir prestação alternativa legalmente estabelecida, após ter invocado
convicção política para eximir-se de obrigação legal a todos imposta, poderá, em razão dessa conduta, ser privado de
direitos. BL: art. 5º, VIII, CF.
OBS: A pessoa tem direito a não cumprir a obrigação imposta por motivos de consciência sem que isso a prive de
direitos. Entretanto, ela há de cumprir a obrigação alternativa, caso contrário, poderá sim ser privada de direitos.
religiosas. Nesse contexto, o chá não serve para ficar doidão, mas sim da utilização desta planta medicinal há
muitos anos em cultos religiosos, como forma de tradição cultural.
Ex.2: Café holandês que se transformou na “igreja dos adoradores da fumaça, do fogo e das cinzas”, para
burlar a legislação holandesa que proibia o fumo em locais fechados. Neste caso, há uma clara intenção de
burlar a legislação, pois a ideia foi apenas poder fumar em locais fechados quando tal prática é proibida.
Portanto, não se admite a escusa de consciência para hipóteses como essa, pois não há uma tradição
arraigada no contexto do fumo.

Se o indivíduo se recusar a cumprir a obrigação legal imposta a todos e também se recusar a


cumprir a prestação alternativa fixada em lei (recusa dupla), poderá sofrer a sanção de perda ou suspensão
de direitos políticos, nos termos do art. 15, IV da CF:
CF, art. 15: É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos
de: (...).
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º,
VIII.

##Obs.: Há divergência acerca da natureza jurídica da penalidade em caso de recusa dupla. Parcela
da doutrina entende tratar-se de suspensão, pois quem recusou pode readquirir esses direitos. Porém, a
maioria da doutrina constitucionalista entende que a hipótese é de perda.

Exemplos em que a escusa de consciência pode ou não ser alegada:


a) Serviço militar obrigatório
CF, art. 143, § 1º: Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo
aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como
tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades
de caráter essencialmente militar. (…)
§ 2º: As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de
paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.

Inicialmente, o imperativo de consciência somente é admissível em tempo de paz. Por outro lado, em
tempo de guerra, a lei não admite que se alegue imperativo de consciência para se eximir. Esse
impedimento não viola uma cláusula pétrea, pois se trata de uma norma originária da CF e não se admite no
Brasil normas originárias inconstitucionais. Portanto, a regra geral é que se pode alegar escusa de
consciência; a exceção é que em tempos de guerra ela não pode ser alegada.
Ademais, esta obrigação do serviço militar obrigatório não é para todos, excluindo-se as mulheres e
os eclesiásticos. Importante notar que essa exclusão apenas ocorre em tempos de paz, aplicando-se a
ressalva retro. Mesmo em tempo de paz, mulheres e eclesiásticos podem ser obrigados a outros encargos
que a lei lhes atribuir. Em outras palavras, nos termos da lei, o serviço militar será obrigatório a todos os
brasileiros, com exceção das mulheres e eclesiásticos, em tempo de paz. Todavia, em caso de mobilização,
ambos ficarão sujeitos aos encargos relacionados com a defesa nacional, de acordo com suas aptidões,
consoante dispõe o art. 143, §2º, CF.
Portanto, a escusa de consciência, prevista no art. 5º, VIII da CF, poderá ser invocada, em tempo de
paz, para que o alistado possa se eximir das atividades de caráter essencialmente militar, nos termos do art.
143, § 1º da CF. Por se tratar de uma obrigação legal imposta a todos, terá que cumprir prestação alternativa,
fixada em lei. Em caso de descumprimento, poderá haver suspensão dos direitos políticos, consoante dispõe
o art. 15, IV da CF.152
A regulamentação citada pelo § 1º está contida na Lei n. 8.239/91, art. 3º, § 2º, que dispõe sobre a
prestação de serviço alternativo obrigatório, vejamos: “Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de
atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às
atividades de caráter essencialmente militar”.

b) Voto
O voto é obrigatório aos maiores de dezoito anos e menores de setenta, com exceção dos analfabetos.

##Questiona-se: Uma pessoa pode alegar a escusa de consciência para se eximir do alistamento
obrigatório e do voto?
Segundo o TRF 1, o fato de a pessoa ser obrigada a comparecer à votação não viola a sua liberdade de
152
(TRF5-2011-CESPE): Com relação à defesa do Estado e das instituições democráticas e aos direitos políticos, assinale
a opção correta: Apesar de a prestação de serviço militar ser obrigatória, a recusa em cumpri-la é admitida sob a alegação
do direito de escusa de consciência, cabendo, nesse caso, às forças armadas atribuir àquele que exercer esse direito
serviço alternativo em tempo de paz, cuja recusa enseja como sanção a declaração da perda dos direitos políticos. BL: art.
143, caput e §1º, CF c/c art. 15, IV, CF.
consciência, pois ela não é obrigada a votar em determinado candidato. Há opção de votar em branco ou
nulo. Portanto, a obrigação tem caráter meramente formal.
TRF1 - AC 16.203: [...] 2. Não pode o autor eximir-se de comparecer à votação expondo como
argumento a inviolabilidade da liberdade de consciência e a privação de direitos referentes à convicção
filosófica ou política (art. 5.º, VI e VIII, da CF/88), pois aos brasileiros alfabetizados, maiores de dezoito e
menores de setenta anos, o voto é obrigatório, conforme art. 14, § 1.º, I, da Constituição Federal. 3. A
obrigatoriedade de votar é formal, logo a liberdade está garantida pela faculdade do cidadão de
votar em branco ou anular seu voto. 4. Os pedidos de declaração da inexistência de obrigatoriedade
do voto e da desnecessidade de justificação ou cumprimento de prestação alternativa são juridicamente
impossíveis em face do ordenamento constitucional (art. 14, § 1.º, I da CF/1988). 5. Apelação improvida.

c) Certames (v.g. concursos, ENEM, vestibular, de faculdade, etc.)

##Questiona-se: Se uma prova cai em algum dia sagrado e/ou de guarda, no qual a pessoa reserva
para adorar seu Deus (v.g. shabat – período do pôr do sol de sexta-feira ao pôr do sol de sábado), a pessoa
pode alegar imperativo de consciência para não fazer a prova no dia?
O ideal é que os interesses em jogo sejam conciliados, dando-se à pessoa a oportunidade de assistir a
aula em outra turma e/ou fazer prova com outra turma ou outro semestre. No caso de prova, a título de
alternativa, caso a prova caia em algum dia de guarda de determinada religião, a pessoa poderá ficar
isolada em um determinado local, incomunicável, até passar o período. Desse modo, a pessoa não é
prejudicada e não leva vantagem em relação aos demais.

##Obs.: O julgado abaixo não serve de precedente geral sobre o tema por tratar de situação bastante
específica, pois nesse caso, no ato da inscrição era possível colocar a ressalva em relação ao dia quando do
preenchimento do formulário. Os que ajuizaram esta ação não haviam preenchido o item em questão.
Vejamos:
STF - 389 AgR/MG: [...] 2. Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo
que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em
data alternativa ao Shabat 3. Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao
direito à educação. [...] 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data
alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o principio da isonomia,
convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso [...]; 7. Pendência de julgamento das
Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714, nas quais esta Corte poderá analisar o
tema com maior profundidade. 8. Agravo Regimental conhecido e não provido.

2.4.2.2. Dever de neutralidade do Estado


Na Constituição brasileira de 1824, havia uma ligação entre igreja e Estado, sem uma separação tal
qual conhecemos hoje. Antes do advento da República, a religião católica apostólica romana era a religião
oficial, sendo as outras religiões permitidas apenas com seu culto doméstico ou particular em casas para este
fim. Embora se admitisse que outras religiões pudessem ser exercidas, o exercício somente podia ocorrer em
locais privados. Vejamos:
CPIB/1824, art. 5º: A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do
Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para
isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.

Em 15 de novembro de 1889, ocorreu a Proclamação da República no Brasil e a República é conhecida


como “o governo das razões”: o Estado e a igreja não podem se confundir. Portanto, foi necessário separar
essas duas instituições, ou seja, uma separação total.
Em dispositivo parecido com o art. 19 da CF/88, vedou-se aos Estados estabelecer, subvencionar ou
embaraçar o exercício de cultos religiosos. Outro dispositivo permitiu o exercício público e livre das
confissões religiosas. Era reconhecido pelo Estado apenas o casamento civil, ou seja, o casamento religioso
sequer era reconhecido. Os cemitérios, que antes pertenciam à igreja, passaram a ter caráter não religioso
(secular) e passaram a ser administrados pela autoridade municipal. Por fim, nos estabelecimentos públicos
não se permitia o ensino religioso. Vejamos:
CREUB/1891, art. 11: É vedado aos Estados, como à União: (…)
2º: estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos. (...)
CREUB/1891, art. 72, (…)
§ 3º: Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto.
§ 4º: A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita;
§ 5º: Os cemiterios terão caracter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando
livre a todos os cultos religiosos a pratica dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não
offendam a moral publica e as leis;
§ 6º: Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos;
§ 7º: Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção official, nem terá relações de dependencia ou
alliança com o Governo da União, ou o dos Estados. A representação diplomatica do Brasil junto á Santa
Sé não implica violação deste principio.

Portanto, com a Proclamação da República e, mais especificamente, com o advento da Constituição


de 1891 houve a consagração de um Estado laico, o qual permanece até hoje. As demais Constituições
brasileiras, desde 1891, consagraram a laicidade do Estado brasileiro.
Assinale-se que essa forte reação ocorrida em 1981 foi equilibrada e, diante da importância do
fenômeno religioso, passou-se a admitir algumas questões àquela época proibidas, como a possibilidade de
ensino religioso em escolas públicas, o reconhecimento do casamento religioso para fins jurídicos, etc.
Atualmente, o dever de laicidade (neutralidade) está previsto expressamente no art. 19 da CF/88:
Art. 19, CF: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a
colaboração de interesse público; (...).153

##Obs.: Não confundir laicidade, laicismo e ateísmo:


 Laicidade: significa a neutralidade do Estado brasileiro em relação ao fenômeno religioso. O
Estado deve garantir simetricamente a liberdade religiosa sem favorecer determinadas religiões e
sem prejudicar outras.
A garantia simétrica da liberdade religiosa, segundo Habermas, é uma forma de desarmar o
potencial conflituoso que existe entre as várias religiões e de assegurar o pluralismo religioso. Por
conseguinte, o Estado laico não deve admitir argumentos religiosos na esfera pública. De acordo com o
mesmo autor, os argumentos religiosos, para serem levados à esfera pública, devem sofrer uma “tradução
institucional”, ou seja, devem ser traduzidos em argumentos racionalmente justificáveis para que possam
ser admitidos e impostos a todos.

 Laicismo: é uma espécie de antirreligião, ou seja, trata-se de uma perspectiva refratária ao


fenômeno religioso. O Estado brasileiro não é refratário ao fenômeno religioso. Pelo contrário, é
amigo da religião (v.g. isenta os templos de culto), incentivando o fenômeno como algo que
desempenha um papel social.

 Ateísmo: é a negativa da existência de Deus. Também não é o caso do Estado brasileiro.154

##Questiona-se: Os feriados católicos violam o dever de neutralidade do Estado?


Conforme a Constituição, os feriados existem para celebrar datas com caráter cultural não religioso.
Muitos feriados possuem um caráter religioso, mas aliados a um caráter histórico e cultural muito forte,
como o natal, a páscoa, o carnaval… A pretexto de assegurar a neutralidade do Estado, não faria sentido
que estes feriados fossem extintos de nosso calendário. Porém há datas questionáveis, por exemplo a data
da padroeira do Brasil. O ideal não é que todas as religiões tenham feriado, mas sim que nenhuma tenha
feriados exclusivos para ela. Assinale-se que se trata de um tema muito polêmico.

153
(MPF-2017): Assinale a alternativa correta: O princípio da laicidade, além de impor ao Estado uma postura de
distanciamento quanto à religião, impede que ele endosse concepções morais religiosas. BL: art. 19, I, CF.
##Atenção: A laicidade impõe que o Estado se mantenha neutro em relação às diferentes concepções religiosas
presentes na sociedade, sendo-lhe vedado tomar partido em questões de fé, bem como buscar o favorecimento ou o
embaraço de qualquer crença. (SARMENTO, Daniel. O crucifixo nos tribunais e a Laicidade do Estado. In: Revista
Eletrônica PRPE, maio 2007.)
(MPF-2017): Assinale a alternativa correta: As religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos
fundamentais, tais como o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à privacidade, o direito
à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução. BL:
art. 19, I, CF.
(PGERS-2015-FUNDATEC): O princípio da laicidade estatal: Veda ao Estado que estabeleça cultos religiosos ou
igrejas, de forma a subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles relações de dependência ou
aliança, ressalvada a colaboração de interesse público. BL: art. 19, I, CF.
(MPF-2011): O princípio da laicidade do Estado impõe a neutralidade estatal em matéria religiosa, mas não é
incompatível com a colaboração entre o Poder Público e representantes das igrejas e cultos religiosos que vise à
promoção do interesse público. BL: art. 5º, VII, c/c art. 19, I, CF.
154
(MPF-2017): Assinale a alternativa correta: O ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também uma posição
religiosa que não pode ser privilegiada pelo Estado. BL: art. 19, I, CF.
##Atenção: Na verdade, o ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também uma crença religiosa, que não
pode ser privilegiada pelo Estado em detrimento de qualquer outra cosmovisão. (SARMENTO, Daniel. O crucifixo nos
tribunais e a Laicidade do Estado. In: Revista Eletrônica PRPE, maio 2007.)
##Questiona-se: Quanto à colocação de símbolos religiosos em locais públicos, como os crucifixos
colocados nos Tribunais do Júri e em escolas públicas, isso viola o dever de neutralidade do Estado?
O CNJ entendeu que não viola o dever de neutralidade do Estado, pois os crucifixos são símbolos
da cultura brasileira (mais do que símbolos religiosos).

Segundo Ronald Dworkin, “Em uma sociedade secular tolerante o Estado não deve estar oficialmente
comprometido com o ateísmo nem com qualquer religião. Não deve tolerar qualquer referência ou insinuação
religiosa ou antirreligiosa em cerimônias oficiais ou em declarações políticas. [...] Não deve considerar
ilegal símbolos religiosos, mas também não deve instalar ou permitir que se instale tais símbolos em
qualquer propriedade pública” (Ronald Dworkin. Is democracy possible here?: principles for a new
political debate). Essa posição de Dworkin é também compartilhada por Marcelo Novelino.

A correta leitura da laicidade deve compreendê-la como uma garantia da liberdade religiosa, e não
como um princípio que a ela se oponha. Neste sentido, é incompatível com o sistema constitucional
brasileiro certa visão que se mostra refratária à manifestação pública da religiosidade pelos indivíduos e
grupos que compõem a Nação, e que busca valer-se do Estado para diminuir a importância da religião na
esfera social. Por isso, seria constitucionalmente inadmissível a aplicação no Brasil de medidas adotadas em
nome da laicidade por países como a França e a Turquia - que, em nome deste princípio, restringiram certas
manifestações religiosas dos seus cidadãos em espaços públicos, com destaque para a proibição do uso do
véu islâmico por jovens muçulmanas em escolas públicas. (SARMENTO, Daniel. O crucifixo nos tribunais e
a Laicidade do Estado. In: Revista Eletrônica PRPE, maio 2007.)

2.4.2.3. Ensino religioso


No art. 210, §1º da CF/88, assim dispõe:
CF, Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a
assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental.155 (...)

Perceba, portanto, que tal ensino deverá obrigatoriamente existir nas escolas públicas, em que pese,
conforme a dispõe a CF/88, com a matrícula facultativa, em respeito à liberdade religiosa que significa,
inclusive a liberdade de não professar nenhuma religião.
Em relação ao conteúdo a ser ministrado, o ensino religioso poderá ser de três espécies:
1) confessional: quando transmite os princípios e dogmas de uma determinada religião;

2) interconfessional: quando são ensinados os princípios comuns às várias religiões;

3) não confessional, quando voltado a uma visão expositiva das diversas religiões.

Cumpre registrar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Lei 9.394/96) que afirmava que o
ensino religioso seria oferecido nas escolas públicas em caráter confessional ou interconfessional. Todavia,
com a alteração legislativa trazida pela Lei 9.475/97, ficou estabelecido que os conteúdos do ensino
religioso serão definidos após os sistemas de ensino ouvirem a entidade civil, constituída pelas diferentes
denominações religiosas, consoante dispõe o §2º do art. 33 da LDB, , devendo ser assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil e vedadas quaisquer formas de proselitismo, tal como consta no
caput do art. 33 da LDB, ou seja, de expressões de caráter dogmático que propiciem em discriminação social,
cultural ou religiosa e que ameacem a igualdade e o reconhecimento entre as religiões. Vejamos o teor do art.
33 da LDB:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do
cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,
assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)

155
(TJSC-2015-FCC): É inconstitucional lei que proíba o ensino religioso como disciplina a ser ministrada nos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental. BL: art. 210, §1º, CF.
(MPRS-2014): Considere a seguinte afirmação sobre Direitos Fundamentais: Uma das posições jusfundamentais que
decorre do regime constitucional da liberdade religiosa é o direito subjetivo ao ensino religioso em escola pública de
ensino fundamental. BL: art. 210, §1º, CF.
(DPERR-2013-CESPE): O ensino religioso deve existir obrigatoriamente nas escolas públicas de ensino fundamental,
sem que tal circunstância caracterize afronta à liberdade de crença. BL: art. 210, §1º, CF.
1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do
ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. (Incluído pela Lei
nº 9.475, de 22.7.1997)
2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações
religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (Incluído pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)

Nesse ponto, é importante destacar que o STF julgou improcedente o pedido para conferir
interpretação conforme a dispositivos da LDB e do acordo Brasil-Santa Sé, com a finalidade de somente o
modelo não confessional de ensino religioso fosse considerado compatível com o princípio da laicidade do
Estado.

##Atenção: ##STF: ##DOD: ##Anal. Judic./STJ-2018: ##MPSC-2019: ##MPGO-2019: ##MPMT-


2019: ##DPESP-2019: ##FCC: Vejamos o teor do julgado veiculado no Info 879 do STF (fonte DOD):
A CF/88 prevê que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.” (art. 210, § 1º). Diante disso, nas
escolas públicas são oferecidas aulas de ensino religioso, normalmente vinculadas a uma religião
específica. É o chamado ensino religioso confessional. O PGR ajuizou ADI pedindo que fosse
conferida interpretação conforme a Constituição ao art. 33, §§ 1º e 2º da LDB e ao art. 11, § 1º do
acordo Brasil-Santa Sé. Na ação, o PGR afirmava que não é permitido que se ofereça ensino religioso
confessional (vinculado a uma religião específica). Para o autor, o ensino religioso deve ser voltado
para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica e deve ser
ministrado por professores regulares da rede pública de ensino, e não por pessoas vinculadas às
igrejas. O STF julgou improcedente a ADI e decidiu que o ensino religioso nas escolas públicas
brasileiras pode ter natureza confessional, ou seja, pode sim ser vinculado a religiões específicas. A
partir da conjugação do binômio Laicidade do Estado (art. 19, I) e Liberdade religiosa (art. 5º, VI), o
Estado deverá assegurar o cumprimento do art. 210, § 1º, CF/88, autorizando na rede pública, em
igualdade de condições o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças, mediante
requisitos formais previamente fixados pelo Ministério da Educação. Assim, deve ser permitido aos
alunos, que expressa e voluntariamente se matricularem, o pleno exercício de seu direito subjetivo ao
ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,
ministrada de acordo com os princípios de sua confissão religiosa, por integrantes da mesma,
devidamente credenciados a partir de chamamento público e, preferencialmente, sem qualquer ônus
para o Poder Público. Dessa forma, o STF entendeu que a CF/88 não proíbe que sejam oferecidas
aulas de uma religião específica, que ensine os dogmas ou valores daquela religião. Não há qualquer
problema nisso, desde que se garanta oportunidade a todas as doutrinas religiosas. STF. Plenário. ADI
4439/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, j. 27/9/17 (Info 879).156

##Atenção: ##DOD: Assim, a partir da conjugação do binômio Laicidade do Estado (art. 19, I) e
Liberdade religiosa (art. 5º, VI), o STF entendeu que o Estado deverá assegurar o cumprimento do art. 210,
§ 1º da CF/88, autorizando na rede pública, em igualdade de condições, o oferecimento de ensino
confessional das diversas crenças, mediante requisitos formais previamente fixados pelo Ministério da
Educação. Assim, deve ser permitido aos alunos, que expressa e voluntariamente se matricularem, o pleno
exercício de seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, ministrada de acordo com os princípios de sua confissão religiosa, por
integrantes da mesma, devidamente credenciados a partir de chamamento público e, preferencialmente, sem
qualquer ônus para o Poder Público. Em outras palavras, se a igreja católica ou uma igreja evangélica quiser
oferecer ensino religioso confessional cristão, ministrado por um padre ou pastor vinculado à Igreja, ela
pode. Se uma mesquita islâmica também assim desejar, igualmente pode. Se o representante de uma religião
de matriz africana quiser oferecer as aulas, isso deverá ser permitido e assim por diante. O STF entendeu,
portanto, que a CF/88 não proíbe que sejam oferecidas aulas de uma religião específica, que ensine os
156
(MPGO-2019): Segundo jurisprudência recente do STF, o ensino religioso nas escolas públicas de ensino
fundamental, que constituirá disciplina dos horários normais, poderá ter natureza confessional, na medida que sua
matrícula é facultativa nos termos do artigo 210, § 1°, da CF/88. BL: Info 879, STF.
(DPESP-2019-FCC): O art. 19, I, CF/88, proíbe que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios estabeleçam cultos
religiosos ou igrejas, que os subvencionem ou mantenham com eles relação de dependência ou aliança. Ao mesmo
tempo, a CF/88 garante a liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI), bem como assegura que ninguém pode ser
privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (art. 5º , VIII). Tais normas
compõem o que se denomina de Estado Laico. Sobre a laicidade estatal, no julgamento da ADI 4439, entendeu-se que o
ensino religioso nas escolas públicas não viola a laicidade estatal sob o argumento, dentre outros, de que seria de
matrícula facultativa, podendo ser até mesmo confessional, pois a laicidade estatal tem significado de “neutralidade” e
não de “oposição” ou “beligerância” às religiões. BL: Info 879, STF.
(MPBA-2018): Sobre os direitos fundamentais em espécie positivados na Constituição Federal, tal qual interpretados
pelo STF, responda: O ensino religioso em escolas públicas pode ter natureza confessional, não havendo que se falar em
violação à cláusula da laicidade do Estado e ao direito fundamental à liberdade religiosa. BL: Info 879, STF.
dogmas ou valores daquela religião. Não há qualquer problema nisso, desde que se garanta oportunidade
a todas as doutrinas religiosas. O ensino religioso é, então, encarado da seguinte forma: o Estado
disponibiliza a estrutura física das escolas públicas, assim como já acontece com alguns hospitais e presídios,
para que seja usada para que a religião que assim desejar possa fazer a livre disseminação de suas crenças e
ideais para aqueles alunos que professam da mesma fé e que voluntariamente queriam cursar a disciplina. E
não se trata de permitir proselitismo religioso, que tem por objetivo a conversão de determinada pessoa para
que adira a uma religião, pois o requisito constitucional primordial é a matrícula facultativa do aluno que já
professa a crença objeto da disciplina.

Por seu turno, também merece algumas considerações em relação ao ensino religioso das escolas
particulares. Nessa situação, deve-se admitir o ensino religioso confessional, sendo descabido impor a
instituições privadas com determinada orientação confessional que ministre princípios de outras religiões.
Quanto ao ensino religioso nas escolas particulares, Bernardo Gonçalves entende que “pode ser
confessional, interconfessional ou não confessional, à luz da linha a ser delimitada pela própria escola, porém a
matrícula, como nas escolas públicas, também deve ser facultativa.” 157 Nesse ponto, vejamos o seguinte julgado do
STF:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 6.584/94 DO ESTADO DA
BAHIA. ADOÇÃO DE MATERIAL ESCOLAR E LIVROS DIDÁTICOS PELOS
ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO. SERVIÇO PÚBLICO. VÍCIO FORMAL.
INEXISTÊNCIA. 1. Os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados
por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser prestados pelo setor
privado independentemente de concessão, permissão ou autorização. 2. Tratando-se de serviço
público, incumbe às entidades educacionais particulares, na sua prestação, rigorosamente acatar as
normas gerais de educação nacional e as dispostas pelo Estado-membro, no exercício de competência
legislativa suplementar (§2º do ar. 24 da Constituição do Brasil). 3. Pedido de declaração de
inconstitucionalidade julgado improcedente. (ADI 1266, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno,
julgado em 06/04/2005).

Nesse ponto, pontua Marcelo Novelino que “em se tratando de escolas particulares, a obrigatoriedade de
matrícula no ensino religioso somente se revela compatível com o princípio da liberdade religiosa (CF, arts. 5º, VI), se a
instituição não receber recursos públicos (CF, art. 213), e se houver outra entidade educacional na localidade”. 158

2.4.3. Liberdade de reunião


Encontra-se previsto no art. 5º, XVI da CF/88:
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o
mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

2.4.3.1. Âmbito de proteção


Trata-se de direito individual de exercício coletivo. Apesar de o exercício de tais direitos ter como
premissa a atuação de uma pluralidade de sujeitos, a titularidade continua sendo de cada uma dos
indivíduos. Coletivos, desse modo, são os instrumentos de exercício e não a titularidade dos direitos.
Compreende um direito eminentemente instrumental, que visa a assegurar a livre expressão das
ideias, incluindo-se, em seu âmbito de proteção, o direito de protestar.
Quanto ao direito de protestar, cumpre lembrar do polêmico e histórico julgado pelo Plenário do STF
em relação à “marcha da maconha”, a ADPF 187, do qual se extrai o seguinte trecho do voto do Min Relator:
(...) O Supremo Tribunal Federal, em ambos os casos, deixou claramente consignado que o direito
de reunião, enquanto direito-meio, atua em sua condição de instrumento viabilizador do
exercício da liberdade de expressão, qualificando-se, por isso mesmo, sob tal perspectiva, como
elemento apto a propiciar a ativa participação da sociedade civil, mediante exposição de idéias,
opiniões, propostas, críticas e reivindicações, no processo de tomada de decisões em curso nas instâncias
de Governo.
É por isso que esta Suprema Corte sempre teve a nítida percepção de que há, entre as
liberdades clássicas de reunião e de manifestação do pensamento, de um lado, e o direito de participação
dos cidadãos na vida política do Estado, de outro, um claro vínculo relacional, de tal modo que
passam eles a compor um núcleo complexo e indissociável de liberdades e de prerrogativas político-
jurídicas, o que significa que o desrespeito ao direito de reunião, por parte do Estado e de seus
agentes, traduz, na concreção desse gesto de arbítrio, inquestionável transgressão às demais
liberdades cujo exercício possa supor, para realizar-se, a incolumidade do direito de reunião, tal como

157
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Salvador. JusPODIVM, 2017, p. 447.
158
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 14ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 407.
sucede quando autoridades públicas impedem que os cidadãos manifestem, pacificamente, sem armas, em
passeatas, marchas ou encontros realizados em espaços públicos, as suas idéias e a sua pessoal visão de
mundo, para, desse modo, propor soluções, expressar o seu pensamento, exercer o direito de petição e,
mediante atos de proselitismo, conquistar novos adeptos e seguidores para a causa que defendem. (...)
(STF. Plenário. ADPF 187, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15/06/2011).

##Atenção: ##STF: ##MPRO-2013: ##DPEPB-2014: ##DPEPR-2014: ##PGM-Cuiabá/MT-2014:


##MPDFT-2011/2015: ##DPERN-2015: ##MPRR-2017: ##PGM-BH/MG-2017: ##PCGO-2018: ##TJBA-
2019: ##PRF-2021: ##CESPE: ##FCC: ##UEG: O STF entendeu que a marcha pela descriminalização da
maconha é constitucional, mas o uso de tais substâncias, não é. Desse modo, na ADPF 187, o STF consignou
que a passeata que defenda a legalização do uso de substâncias entorpecentes (informalmente conhecida
como "Marcha da Maconha'') é legítima manifestação de duas liberdades individuais revestidas de caráter
fundamental: o direito de reunião (como liberdade-meio) e o direito à livre expressão do pensamento
(como liberdade-fim). É, portanto, um legítimo debate que não se confunde com incitação prática de delito
nem se identifica com apologia de fato criminoso.159 O STF, entretanto, condicionou seu exercício. (Marcha
da maconha):
- Não pode ter crianças ou adolescentes; 160
- Não pode ter o uso da droga.

Assim, segundo o posicionamento do STF, é permitido a manifestação em espaços públicos para a


defesa da legalização das drogas ou da abolição de qualquer outro tipo penal, e portanto:
- NÃO se confunde com incitação à prática de delito;
- NEM se identifica como apologia de fato criminoso.

Cumpre registrar que o direito de reunião protege não apenas a pretensão de estar com outras
pessoas, como também de convocar, preparar e organizar uma manifestação.
Tal direito fundamental tem, por um lado, uma dimensão negativa, consubstanciada no dever de não
interferência do Estado em seu exercício; por outro, uma dimensão positiva, presente no dever do Estado
de "proteger os manifestantes, assegurando os meios necessários para que o direito à reunião seja fruído
regularmente. Essa proteção deve ser exercida também em face de grupos opositores ao que se reúne, para
prevenir que perturbem a manifestação" (MENDES et alii, 2007).161
Vale ressaltar que a CF/88 protege, prima facie, o exercício desse direito fundamental,
independentemente do local em que se realize (reservado ou aberto ao público) ou de qualquer autorização
dos poderes públicos (art. 5º, XVI, CF).

2.4.3.2. Restrições
O art. 5º, XVI da CF, que consagra a liberdade de reunião, encontra-se duas espécies de restrições
estabelecidas com a estrutura de regra:
 1ª restrição (de índole material): Compreende na exigência de que a reunião seja pacífica e sem
armas;

159
(DPEMG-2019): A respeito dos direitos e garantias individuais e coletivas, assinale a alternativa correta: No exercício
da “interpretação conforme à Constituição”, a declaração de constitucionalidade pelo STF de manifestações em eventos
públicos para a descriminalização de determinado tipo penal confere eficácia aos direitos fundamentais de liberdade de
expressão (direito-fim) e de reunião (direito-meio).
(MPRR-2017-CESPE): Considerando que a liberdade de expressão é uma importante garantia fundamental protegida
pela CF em seu artigo 5.º, inciso IV, julgue o item a seguir: Segundo entendimento do STF, a CF permite a manifestação
pública pela descriminalização de determinados tipos penais sem que se configure apologia ao crime.
(PGM-BH/MG-2017-CESPE): À luz do entendimento do STF, assinale a opção correta, a respeito dos direitos e
garantias fundamentais: O direito de reunião e o direito à livre expressão do pensamento legitimam a realização de
passeatas em favor da descriminalização de determinada droga.
(DPEPB-2014-FCC): Em relação aos eventos públicos de defesa da legalização ou descriminalização do uso de drogas,
o STF decidiu que são admitidos, uma vez que correspondem ao exercício dos direitos de reunião e de manifestação de
pensamento.
160
(DPERN-2015-CESPE): Com referência aos direitos fundamentais em espécie, assinale a opção correta com base no
entendimento do STF acerca desse tópico: Salvo quando envolver criança e(ou) adolescente, os direitos à reunião e à livre
manifestação do pensamento podem ser exercidos mesmo quando praticados para defender a legalização de drogas.
161
(DPEPR-2014-UFPR): No curso do ano passado, o Brasil vivenciou o ressurgimento das manifestações de rua em
diversas cidades do país, cujo ápice se deu em 13 de junho de 2013. Tais manifestações colocaram em evidência a
necessidade de aprofundar o tratamento jurídico que deve ser conferido ao tema, especialmente para estabelecer a
natureza, o sentido e o alcance do direito de reunião, bem como dirimir eventuais conflitos deste com outros direitos
humanos. Diante disso, é correto afirmar: O sentido de fundamentalidade de que se reveste essa liberdade pública
permite afirmar que seu exercício mostra-se essencial para a propagação das reivindicações das minorias, ainda que
impopulares.
 2ª restrição (de índole formal): Consiste na observância da precedência na escolha do local e na
exigência de prévio aviso à autoridade competente.

Igualmente se constitui em uma restrição diretamente estabelecida pela CF/88, mesmo que
consagrada em outro dispositivo, a possibilidade de suspensão desta liberdade durante a vigência de estado
de sítio, nos termos do art. 139, VI da Lei Maior:
Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser
tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...)
IV - suspensão da liberdade de reunião;

Cumpre destacar que o princípio da liberdade de reunião poderá ser restringido no caso de
decretação do estado de defesa, pelo Presidente da República, para preservar ou prontamente restabelecer,
em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente
instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. Nessa situação,
o decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem
abrangidas e indicará as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as quais está elencada a restrição ao direito
de reunião, ainda que exercida no seio das associações. É o que consta no art. 136, § 1.º, I, "a" da CF/88:
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa
Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e
determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional
ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as
áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre
as seguintes:
I - restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; (...)

Ademais, ao lado das hipóteses referidas, outras restrições poderão ser impostas, de acordo com as
circunstâncias fáticas e jurídicas do casei concreto, por princípios de hierarquia constitucional, como, por
exemplo, a liberdade de locomoção (art. 5º, XV, CF), no caso de reuniões que inviabilizem o tráfego em
determinadas vias; ou, ainda, o direito à saúde (art. 6 º, CF), no caso de manifestações realizadas nas
proximidades de hospitais ou casas de repouso.

2.4.4. Liberdade de associação


Encontra-se previsto no art. 5º, incisos XVII, XVIII, XIX e XXI da CF/88:
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização,
sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas
por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para
representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

2.4.4.1. Âmbito de proteção


A liberdade de associação, assim como a liberdade de reunião, é um direito individual de exercício
coletivo. Ambas têm em comum a pluralidade de participantes e o fim previamente determinado. A
principal diferença é que a reunião possui uma duração limitada (caráter episódico), enquanto a associação
tem um caráter permanente.
As associações (art. 5º , XVII a XXI) - uma das formas de organização coletiva, ao lado dos sindicatos
(art. 8º) e dos partidos políticos (art. 17) - podem representar seus filiados, judicial ou extrajudicialmente (CF,
art. 5º, XXI). Além de autorização expressa, exige-se que a matéria seja tenha pertinência com os fins sociais
da entidade. Trata-se de hipótese de representação processual.
Nas hipóteses de impetração de mandado de segurança coletivo ou de mandado de injunção coletivo,
em defesa de seus associados, é suficiente a autorização genérica contida no estatuto da associação, por ser
hipótese de legitimação extraordinária (ou substituição processual) atribuída às associações pela própria
Constituição (art. 5º, LXX). O STF sumulou o entendimento de que “a impetração de mandado de segurança
coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes” (Súmula
629/STF), assim como o de que “a entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda
quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria” (Súmula 630/STF).
A suspensão das atividades ou a dissolução compulsória de uma associação só poderão ocorrer por
decisão judicial, quando desaparecer algum dos requisitos para sua constituição. É o caso, por exemplo, de
uma associação criada para fins lícitos, mas que se dedica à prática de atividades ilícitas. Para que uma
associação possa ser compulsoriamente dissolvida, a CF/88 exige o trânsito em julgado da decisão judicial
(art. 5º, XIX).
A liberdade de associação é um direito de defesa que exige, precipuamente, uma abstenção estatal. A
CF veda expressamente a intervenção estatal na criação e funcionamento das associações (art. 5º, XVIII). No
caso das cooperativas, a interferência estatal em seu funcionamento também é vedada, mas a criação deve
ocorrer “na forma da lei” (art. 5º, XVIII}. Trata-se de reserva legal simples.
Constitui, ainda, intervenção violadora da liberdade de associação compelir qualquer pessoa a se
associar ou a permanecer associada (art. 5º, XX).

2.4.4.2. Restrições
O dispositivo que consagra a liberdade de associação estabelece, como restrição expressa ao âmbito de
proteção deste direito, a vedação de associações para fins ilícitos e de caráter paramilitar (art. 5º, XVII).

##Atenção: Acerca do direito de associação, André Antunes Soares de Camargo explica:


“Primeiramente introduzida como direito fundamental na Constituição de 1891[11], repetida nos textos constitucionais
subsequentes, a liberdade associativa, encontra-se atualmente prevista no artigo 5º, incisos XVII, XVIII, XIX e XX, da
CF/88[12]. Da leitura conjunta desses dispositivos constitucionais, podem ser listadas as seguintes 10 características e
dimensões desse direito:
(a) O termo “associação” possui sentido vasto, bastando que haja uma união voluntária e com um
fim comum, havendo solidariedade entre seus membros[13];
(b) O termo “associação” possui duas acepções: em sentido lato, como qualquer associação de
pessoas, inclusive as com finalidade lucrativa, partidos políticos, associações profissionais ou sindicais[14]
e, em sentido estrito, significa pessoas jurídicas sem fim lucrativo[15];
(c) Possui quatro subdireitos, quais sejam o de criar uma associação, o de aderir a qualquer
associação já existente, o de se desligar de uma associação e o de dissolver espontaneamente uma
associação[16];
(d) Possui duas garantias coletivas: (i) é vedada a interferência estatal no funcionamento das
associações; e (ii) só podem ser dissolvidas compulsoriamente ou ter suas atividades suspensas por decisão
judicial transitada em julgado[17];
(e) Diferencia-se do mero direito de reunião de pessoas, pois demanda uma associação estável e
permanente de pessoas, com interesses comuns e cuja atividade não afronte a ordem jurídica[18];
(f) Possui uma natureza negativa, proibindo o Estado, em regra, de interferir desde o processo de
criação até o de dissolução de associações (direito de auto-organização de estatutos, escolha de associados,
liberdade de gestão e continuar ou descontinuar a atividade)[19];
(g) Trata-se de uma liberdade de “mão dupla”, ou seja, englobando a associação e a desassociação,
esta sendo praticamente um “direito potestativo” do associado, pois pode alterar a situação jurídica dos
demais associados, formalizado mediante uma declaração receptícia de vontade[20];
(h) Alguns autores o classificam como um direito coletivo (titularizado e exercitado por pessoas
coletivamente consideradas entre si)[21];
(i) Apresenta-se como um direito complexo[22]; e
(j) Possui uma base contratual, ânimo de permanência (estabilidade) e deve percorrer um fim
lícito[23].162
Por fim, vale lembrar que há expressamente duas limitações constitucionais à liberdade de
associação, ambas relacionadas às suas finalidades e previstas no artigo 5º, inciso XVII, da CF/88: (a)
percorrer fins ilícitos; e (b) ter caráter paramilitar[24]”. 163

2.5. Direito à Propriedade


2.5.1. Âmbito de proteção
a) Proteção prima facie
CF, art. 5º, XXII: é garantido o direito de propriedade.

O direito à propriedade é garantido pela Constituição, mas não é um direito absoluto. É garantido
apenas “prima facie”, ou seja, é garantido provisoriamente, podendo ser afastado caso outro direito de peso
maior justifique a restrição. Este entendimento é adotado pelo STF.
162
(MPMS-2015): Sobre o direito de associação é correto afirmar que: Possui base contratual. BL: art. 5º, XX, CF.
##Atenção: Trata-se de base contratual, pois ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado (art.
5º XX, CF), ou seja, a adesão a uma associação precisa da minha vontade (de querer associar-se) e da vontade da
Associação (em me aceitar como associado). Um acordo de vontades entre duas partes com um objetivo específico é um
contrato. Por isso, fala-se que a associação possui base contratual. Isso fica nítido ao entrarmos em uma associação, pois
você deverá respeitar as regras dela, tendo direitos e deveres (cláusulas contratuais).
163
Fonte: https://www.conjur.com.br/2014-jul-03/andre-camargo-aspectos-gerais-liberdade-associacao-brasil
Exemplo: Se a função social da propriedade não está sendo cumprida, a garantia ao direito de
propriedade pode sofrer restrições.
Vejamos o seguinte precedente do STF:
STF – MS 25.284: O direito de propriedade não se revela absoluto. Está relativizado pela Carta da
República – arts. 5º, XXII, XXIII e XXIV, e 184.164

b) Conceito de propriedade
Para Gilmar Mendes, em que pese o conceito de propriedade integre a definição constante da
legislação civil, é certo que a garantia constitucional da propriedade abrange não só os bens móveis ou
imóveis, mas também outros valores patrimoniais.

c) Regime jurídico do direito de propriedade


##Questiona-se: Qual é o regime jurídico do direito de propriedade?
Há grande divergência entre os civilistas e os constitucionalistas. Segundo o professor José Afonso
da Silva, o regime jurídico do direito de propriedade é público, pois toda a estrutura deste direito está
prevista na Constituição. De acordo com o mesmo autor, o Código Civil disciplina as relações civis
decorrentes do direito de propriedade e não o direito em si.
Gilmar Mendes entende que, em geral, os interesses individuais estão regulamentados pelo
direito privado, enquanto a função social da propriedade está regulamentada pelo direito público.

d) Pequena propriedade rural


Dentro do âmbito de proteção deste direito, a Constituição assegura a impenhorabilidade da
pequena propriedade rural. Vejamos:
CF, art. 5º, XXVI: a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada
pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua
atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento. 165

Todavia, não é uma impenhorabilidade absoluta da pequena propriedade rural. Ela é impenhorável
para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva. E mais: a impenhorabilidade é
assegurada, desde que a propriedade seja trabalhada pela família.

2.5.2. Restrições
A Constituição Federal prevê as seguintes restrições a este direito:
 Função social da propriedade;
 Desapropriação (desapropriação-sanção);
 Requisição;
 Expropriação-sanção;
 Confisco;
 Usucapião.

a) Desapropriação-sanção: Função social


CF, art. 5º, XXIII: a propriedade atenderá a sua função social.

Há um conflito aparente entre este os incisos XXII (“é garantido o direito de propriedade”) e XXIII (“a
propriedade atenderá a sua função social”). Sobre a função social há uma divergência doutrinária, a qual
consiste em considerá-la como elemento ou restrição ao direito de propriedade:
 Elemento: Segundo José Afonso da Silva, a função social é um elemento do direito de propriedade.
Segundo ele, a função social integra o direito de propriedade, não se tratando de uma mera
restrição. Portanto, o direito de propriedade só é garantido pela Constituição se a propriedade
atender a sua função social.

164
(MPMG-2018): Com matriz constitucional, em relação à função social da propriedade no sistema codificado, é de se
afirmar: A inexistência de direito absoluto e intangível. BL: art. 5º, XXIII, CF e Entend. Jurisprud.
##Atenção: ##STF: ##TRF1-2009: ##CESPE: ##MPPB-2011: ##TJRO-2019: ##VUNESP: É correto afirmar que a
propriedade, sob o viés da função social, passa a ter sentido jurídico quando submetida a valores sociais baseados em
uma ordem pública fundada em princípios que preservam o seu exercício (a propriedade), porém, SEM caráter absoluto.
165
(TJSC-2013): A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto
de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de
financiar o seu desenvolvimento. BL: art. 5º, XXVI, CF/88.
 Restrição: Segundo Daniel Sarmento, a função social não é um elemento do direito de propriedade,
mas sim uma restrição. Em outras palavras, mesmo que a propriedade não cumpra sua função
social, ainda assim esse direito é garantido pela Constituição.
Exemplo: O STF considera ilegítimas as invasões de terras pelo MST, ainda que a pretexto de
promover a reforma agrária. Sendo assim, mesmo não cumprindo a função social este direito está
protegido pela Constituição.

##Questiona-se: Quando a propriedade cumpre sua função social?


A Constituição define a função social da propriedade urbana e da propriedade rural.
Dispõe que quem define as exigências da função social da propriedade urbana é o plano diretor do
Município e não a própria Constituição. Vejamos:
CF, art. 182, § 2º: A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

O plano diretor é obrigatório para os Municípios com mais de 20 mil habitantes. 166
Tratando-se da função social da propriedade rural, expressa a CF/88 que ela é cumprida quando
atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei (norma de eficácia
limitada, pois depende da lei estabelecendo os critérios e graus de exigência), aos seguintes requisitos: (i)
aproveitamento racional e adequado; (ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente; (iii) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; (iv)
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Vejamos o teor do art. 186, CF:
CF, art. 186: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,
segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 167

##Questiona-se: Quais são as sanções decorrentes do não cumprimento da função social?


A CF/88 prevê diferentes consequências para o não cumprimento da função social da propriedade:

 1ª Situação: Imóvel urbano


Havendo plano diretor (pois sem plano diretor não há como saber quais são as exigências para o cumprimento
da função social), ao proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que não
promover seu adequado aproveitamento poderão ser aplicadas, sucessivamente, as seguintes penas: (i)
parcelamento ou edificação compulsórios; (ii) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
progressivo no tempo (IPTU progressivo); (iii) desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida
pública (não em dinheiro) de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até
dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Vejamos o seu teor:
CF, art. 182, § 4º: É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área
incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não

166
(MPSC-2016): Quanto à política urbana, dispôs a Constituição Federal que o instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana é o plano diretor, que será obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes. BL: art. 182, §1º, C.
(TJPA-2012-CESPE): Considerando que o município A, com 30.000 habitantes e sem plano diretor, decida utilizar
instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade ao detectar que diversos imóveis localizados em seu
perímetro urbano não são utilizados, o que configura claro desrespeito à função social de propriedade, neste caso o
referido município deverá elaborar plano diretor. BL: art. 182, §4º, CF.
167
(TJPI-2015-FCC): José é proprietário de um imóvel rural situado no interior do Estado do Piauí, no qual explora, com
sucesso econômico, a pecuária de corte extensiva. A propriedade possui reserva legal e áreas de preservação
permanente. Possui trinta funcionários regulares, que, todavia, são submetidos a uma intensa e contínua exposição ao
sol, o que tem provocado sérios problemas de saúde. Neste cenário, segundo a Constituição Federal, a propriedade rural
em questão não cumpre com sua função social, diante da existência de condição que não favorece o bem-estar de seus
trabalhadores. BL: art. 186, IV da CF
edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; 168
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente
aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.169

##Obs.1: Perceba que, segundo o STF, mesmo quando a propriedade não cumpre a sua função
social, ele está garantido pela CF, ainda que prima facie. O proprietário está protegido pelo direito, não
podendo ser retirada a propriedade de forma arbitrária, fazendo-se necessário o devido processo legal.
Ainda que demonstrado o descumprimento, o proprietário deverá ser indenizado caso lhe seja tomada a
propriedade, a diferença é que a indenização será paga em títulos da dívida pública e não em dinheiro.

##Obs.2: Quando a propriedade cumpre sua função social, a indenização será sempre em dinheiro
em caso de desapropriação.

 2ª Situação: Imóvel rural


Tratando-se da propriedade rural, compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa
indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo
de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. Vejamos o
seu teor:
CF, art. 184: Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos
da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro (...). 170

##Obs.: Se o imóvel rural estiver cumprindo sua função social, ele não pode ser desapropriado na
forma aqui prevista.

b) Desapropriação e requisição
A desapropriação e a requisição estão previstas, respectivamente, nos incisos XXIV e XXV do art. 5º da
CF/88:

168
(TJSP-2017-VUNESP): O princípio da função social da propriedade tem incidência no âmbito do direito tributário,
uma vez que pressupõe manifestação de riqueza e se liga à ideia de justiça distributiva. BL: art. 182, §4º, CF.
(TJPI-2007-CESPE): O IPTU pode ser progressivo no tempo, sendo essa uma das formas de apenação em caso de
descumprimento de exigência pelo poder público municipal de adequado aproveitamento de solo urbano não-edificado,
subutilizado ou não-utilizado. BL: art. 182, §4º, II, CF.
169
(MPMG-2013): A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXV, nº1, diz: “Toda pessoa tem direito a
um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”. Expressamente, a Constituição da República Federativa do
Brasil, em seu artigo 6º, por introdução da Emenda Constitucional nº 26, prevê a moradia como direito social, no mesmo
patamar da educação, da saúde, do trabalho, do lazer, da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e
à infância e da assistência aos desamparados. Com base no ordenamento constitucional brasileiro, pode-se afirmar Pelo
ordenamento constitucional brasileiro, a propriedade é um direito fundamental, mas não possui um caráter absoluto,
pois deve cumprir uma função social, que se dá, entre outras formas, pelo atendimento das exigências fundamentais de
ordenamento das cidades, expressadas nos planos diretores, podendo estes estabelecerem áreas para que o Poder
Público municipal, mediante lei específica, exija do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, que promova o seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de parcelamento ou edificação
compulsórios, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e desapropriação com
pagamento mediante títulos da dívida pública. BL: art. 182, §4º, CF.
170
(TJRJ-2014-VUNESP): A desapropriação por interesse social do imóvel rural que não cumpra sua função social
importa prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, e as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em
dinheiro. BL: art. 184, caput e §1º da CF/88.
Desapropriação → CF, art. 5º, XXIV: a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em
dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição [desapropriação-sanção].
Requisição → CF, art. 5º, XXV: no caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver
dano. 171

##Obs.: No caso da requisição, não há transferência compulsória da propriedade. Ela é utilizada


temporariamente enquanto houver o iminente perigo público. A indenização é sempre posterior porque a
propriedade continua com o proprietário e ele só será indenizado se houver algum dano.

##Obs.: Diferenças entre desapropriação e requisição:


DESAPROPRAÇÃO REQUISIÇÃO
Se refere apenas a bens. Se refere em relação a bens e serviços172
Voltada à aquisição da propriedade. Ocorre o uso da propriedade.
Decorre de necessidades permanentes. Decorre de necessidades transitórias e urgentes.
Executada por acordo ou processo judicial. Decorre do poder de autoexecutoriedade
Indenização: justa, prévia e, em regra, paga em Indenização: posterior e só se houver dano, sempre
dinheiro (salvo desapropriação-sanção pelo não em dinheiro
cumprimento da função social da propriedade)

##Questiona-se: As operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma


agrária são isentas de tributos?
Não são isentas de tributos (gênero), mas apenas de impostos (espécie), federais, estaduais e
municipais. Vejamos o art. 184, §5º, CF:
CF, art. 184, § 5º: São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de
transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. 173

##Questiona-se: Admite-se desapropriação de propriedade produtiva e de pequena e média


propriedade rural?
Quanto à desapropriação para fins de necessidade ou utilidade pública, com certeza! A
insuscetibilidade de desapropriação nesses casos é apenas para fins de reforma agrária. Vejamos o art. 185,
CF:
CF, art. 185: São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário
não possua outra;
II - a propriedade produtiva.

c) Expropriação-sanção e confisco
A expropriação-sanção e o confisco estão previstos no art. 243, caput e § único, da CF:
Expropriação-sanção → CF, art. 243, “caput”: As propriedades rurais e urbanas de qualquer
região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de
trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas
de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

171
(MPPR-2016): A requisição administrativa, como forma de intervenção temporária na propriedade, encontra previsão
no capítulo referente aos direitos e deveres individuais e coletivos da CF/1988, que estabelece que no caso de iminente
perigo público a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização
ulterior, se houver dano. BL: art. 5º, XXV, CF.
(TJSP-2013-VUNESP): A atuação do Estado, no exercício do poder de polícia, provocando danos na coisa, com objetivo
de remover perigo iminente, sem que o dono da coisa seja culpado do perigo, constitui ato lícito. Entretanto, o ato enseja
a responsabilidade civil do Estado para reparar o dano causado. BL: art. 5º, XXV, CF.
172
(TJMG-2018-Consulplan): Na requisição o Estado utiliza bens móveis, imóveis e serviços particulares em situação de
perigo público iminente. BL: art. 5º, XXV, CF.
173
(TJGO-2012-FCC): Relativamente à desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, são isentas de
impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma
agrária. BL: art. 184, §5º, CF/88.
##Obs.: A diferença entre a expropriação-sanção e a desapropriação-sanção é que a desapropriação-
sanção sempre enseja indenização (ainda que não seja em dinheiro), ao passo que a expropriação-sanção se
dá sem qualquer tipo de indenização ao proprietário.
Confisco → Art. 243, Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido
em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho
escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

##Obs.: A expropriação irá recair sobre a totalidade do imóvel, ainda que o cultivo ilegal ou a
utilização de trabalho escravo tenham ocorrido em apenas parte dele. Nesse sentido: STF. Plenário. RE
543974, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 26/03/2009.

##Questiona-se: É necessário algum requisito para que haja o confisco de bens ou o bem será
confiscado desde que relacionado ao tráfico ilícito de entorpecentes e ao trabalho escravo?
Não, o confisco independe de quaisquer requisitos além dos previstos no art. 243 da CF, bastando a
demonstração de que está relacionado à exploração de trabalho escravo ou tráfico de drogas. Vejamos o
seguinte precedente do STF:
STF – RE 638.491/PR: É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido
em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração
do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do
acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente
no art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal (CF). (g.n.)

##Questiona-se: A responsabilidade do proprietário do imóvel em caso de confisco ou expropriação-


sanção é subjetiva ou objetiva?
Segundo o STF, a responsabilidade do proprietário é subjetiva (e não objetiva), mas há uma inversão
do ônus da prova (o proprietário deve comprovar que não incorreu em culpa). Vejamos:
STF – RE 635.336/PE: A expropriação prevista no artigo 243, da Constituição Federal, pode ser
afastada desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou
in elegendo.

Assim, o proprietário pode afastar sua responsabilidade demonstrando que não incorreu em culpa.
Ele pode provar, por exemplo, que foi esbulhado ou até enganado pelo possuidor ou pelo detentor.

##Questiona-se: E se houver mais de um proprietário, o que fazer neste caso?


Se o imóvel pertencer a dois ou mais proprietários (condomínio), haverá a expropriação mesmo que
apenas um deles tenha participação ou culpa. Restará apenas ao proprietário inocente buscar reparação
daquele que participou ou teve culpa.

##Atenção: Exploração de trabalho escravo: Esta parte foi introduzida pela EC n. 81/2014. Trata-se de
norma não autoaplicável: “…ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei…” (de eficácia limitada).
Não havendo lei regulamentadora, não pode ocorrer a expropriação-sanção no caso do trabalho escravo.

##Atenção: Não é aplicável isso no caso de cultivo de plantas psicotrópicas, cuja norma é autoaplicável.

d) Usucapião
A CF/88 possui uma hipótese de usucapião especial, diferente da prevista no Código Civil. Vejamos
seus requisitos:

d.1) Requisitos comuns (imóveis urbanos e rurais)


i. Requisitos tradicionais do usucapião: posse ininterrupta, sem oposição e com “animus
domini”;
ii. Prazo de 5 anos;
iii. Não possuir outro imóvel (urbano ou rural);
iv. Moradia.

d.2) Requisitos específicos


 Tratando-se de imóvel urbano: 250 m² (no máximo).

##Obs.: Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF/88, o reconhecimento do direito a usucapião


especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na
respectiva área em que situado o imóvel (STF – RE 422.349/RS).
 Tratando-se de imóvel rural: 50 hectares (no máximo) e tornar a propriedade produtiva com o seu
trabalho ou de sua família.

##Questiona-se: A Constituição admite usucapião de imóvel público?


Há vedação expressa, tanto no caso de imóveis urbanos (art. 183, § 3º, CF), quanto no caso de imóveis
rurais (art. 191, parágrafo único, CF).

GARANTIAS INDIVIDUAIS

Grande parte das garantias consagradas no art. 5º da CF ou são de natureza penal ou de natureza
processual (que serão estudadas em outras disciplinas). Por isso, só trataremos das garantias relacionadas à
Segurança Jurídica (legalidade e não retroatividade das leis) e as Ações Constitucionais (especificamente o
habeas data – o HC será estudado em processo penal, MS em processo civil e o Mandado de Injunção já foi
estudado na parte de controle de constitucionalidade).

1. GARANTIAS RELACIONADAS À SEGURANÇA JURÍDICA


##Questiona-se: Qual a diferença entre os direitos fundamentais e as garantias?

Finalidade: Garantias são instrumentos de proteção e efetividade dos direitos. Muitas vezes a linha
divisória não é muito nítida. Ex.: o dispositivo que consagra o HC tem, ao mesmo tempo, um direito
(liberdade de locomoção) e a garantia desse direito (próprio HC).
CF, art. 5º, LXVIII: conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado
de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

Direitos vs. Garantias:


 Os Direitos são os valores considerados importantes em determinada sociedade que são
consagrados no plano normativo e, por isso, se expressam através de normas jurídicas (ex.: vida,
liberdade, igualdade, segurança jurídica e propriedade).
 As garantias, por sua vez, servem para assegurar esses direitos consagrados no texto
constitucional. Portanto, possuem um caráter instrumental, não sendo um fim em si mesmo. 174

##Obs.: Ainda sobre a diferença entre direitos e garantias, cabe destacar que um dos primeiros
estudiosos a enfrentar esse tormentoso tema foi Rui Barbosa, que, analisando a Constituição de 1891,
distinguiu "as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos
reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder.
Aquelas instituem os direitos, estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou
legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito”. Assim, os direitos são bens e vantagens prescritos na
norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício
dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados. (Rui Barbosa, República:
teoria e prática).175

##Obs.: Diferenças entre as garantias fundamentais dos remédios constitucionais: Os remédios


constitucionais constituem espécies do gênero garantia. Isso porque, uma vez consagrado o direito, a sua
garantia nem sempre estará nas regras definidas constitucionalmente como remédios constitucionais (ex:
174
(MPSC-2019): Os direitos fundamentais são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, ao passo que as
garantias fundamentais são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos, destacando-
se que a garantias nem sempre estarão nas regras definidas constitucionalmente como remédios constitucionais.
(Téc. Judic./STJ-2004-CESPE): A inviolabilidade de direitos individuais é distinguida das garantias constitucionais,
ainda que atuem em conexão.
175
(PGEGO-2013): Direitos fundamentais “são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à
soberania popular, que garantem convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor,
condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não
sobrevive” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011). Tendo em vista esse
conceito, está correta a seguinte proposição: Direitos e garantias fundamentais não se confundem, pois enquanto aqueles
consagram disposições declaratórias, estas estabelecem disposições assecuratórias.
habeas corpus, habeas data, etc.). Em determinadas situações, a garantia poderá estar na própria norma que
assegura o direito. Exemplos: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos – art. 5, VI (direito) – garantindo-se na forma da lei a proteção aos locais de
culto e suas garantias (garantia); direito ao juízo natural (direito) – art. 5, XXXVII, veda a instituição de juízo
ou tribunal de exceção (garantia).

1.1. Princípio da Legalidade


É uma garantia voltada à proteção de direitos fundamentais de valores diversos, ou seja, não protege
apenas um valor, mas vários valores consagrados na Constituição, especialmente a liberdade, a propriedade
e a segurança jurídica (embora outros valores também sejam por ele protegidos).

Objetivo: Esse princípio tem como principal objetivo limitar o poder do Estado, evitando que ele
adote medidas arbitrárias e ações violadoras de direitos fundamentais. Para isso, a Constituição confere ao
Parlamento (órgão máximo de representatividade popular) a função de estabelecer as leis restritivas de
direitos fundamentais.

Duplo enfoque/significado: De um lado, o princípio da legalidade protege o particular contra


possíveis desmandos, tanto do Executivo (que deve pautar seus atos pelas leis), quanto do Judiciário (que
deve aplicar os direitos conforme as leis). Impede, portanto, ações arbitrárias de ambos os poderes. 176 Por
outro lado, o princípio da legalidade se apresenta como marco avançado do Estado de Direito, tendo a
função de conformar a ações/comportamentos dos particulares às normas jurídicas das quais as são a
suprema expressão. Para a sua plena realização, o princípio da legalidade exige a produção de lei em
sentido estrito, ou seja, lei elaborada pelo Parlamento. Entretanto, a Constituição preceitua que ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. É o teor do art. 5º, II, CF/88:
CF, art. 5º, II: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei;177

Todavia, quando a CF/88 preceitua no inciso II “em virtude de lei”, esta deve ser interpretada em
sentido amplo, nos termos do art. 59 da CF: atos emanados do Parlamento e atos que tenham o conteúdo
geral e abstrato (conteúdo das leis). Portanto, não são apenas leis complementares ou ordinárias que
podem impor obrigações e deveres. Na verdade, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão
em função de um ato normativo geral e abstrato, cujo fundamento de validade seja a Constituição.
Desse modo, desde que sejam respeitados os denominados limites formais e materiais com fulcro na
Constituição, tais espécies normativas adstritas ao art. 59 da CF poderão criar direitos e deveres. Em outras
palavras, observadas as limitações as limitações materiais e formais, a imposição direitos e deveres poderá
ser veiculada por todos os atos normativos primários elencados no art. 59 da CF, a saber: a emendas
constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos
legislativos e resoluções.178
176
(Assist. Téc./UFPB-2017-CPCON): O princípio da legalidade, em síntese, afirma que só é permitido ao Estado fazer
determinações aos indivíduos se houver alguma norma jurídica anterior ao fato que possa espelhar essa ordem estatal.
Assim, caso um agente do Estado queira impor mandamentos ao indivíduo sem esse amparo normativo, o ato será
considerado ilegal, já que a regra é a plena liberdade individual (livre iniciativa), só limitada ou retirada se houver
norma prescrevendo um fazer ou deixar de fazer algo pelo Estado.
OBS: Para Hely Lopes Meirelles, “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a
lei autoriza”.
177
(MPDFT-2009): Sobre direitos fundamentais, julgue o seguinte item: O princípio da legalidade significa dizer que
ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei. BL: art. 5º, II, CF.
178
(TJSP-2018-VUNESP): O princípio da legalidade, já incorporado ao direito pátrio pelas Cartas anteriores, foi mantido
pelo artigo 5°, II, da atual Constituição. Sobre o tema, é possível afirmar que o conceito de legalidade não corresponde
exclusivamente à lei em sentido formal, mas abrange também os preceitos normativos da própria Constituição e aqueles
editados com base nela, como as emendas constitucionais, as leis complementares, as leis delegadas e as medidas
provisórias. BL: art. 5º, II e art. 59 da CF.
##Atenção: ##TJDFT-2008: ##MPDFT-2009: ##AGU-2009: ##CESPE: ##MPRS-2014: O princípio da legalidade possui
uma abrangência mais ampla que o princípio da reserva legal. Enquanto o princípio da legalidade consiste na
submissão a todas as espécies normativas elaboradas em conformidade com o processo legislativo constitucional (leis
em sentido amplo), o princípio da reserva legal incide apenas sobre campos materiais específicos, submetidos
exclusivamente ao tratamento do Poder Legislativo (leis em sentido estrito). Quando a exige a regulamentação
integral de sua norma por lei em sentido formal (ato emanado do Poder Legislativo e elaborado de acordo com o
devido processo legislativo), trata-se de reserva legal absoluta; se, apesar de exigir a edição desta espécie de lei,
permite que ela apenas fixe os parâmetros de atuação a serem complementados por ato infralegal (por óbvio,
respeitados os limites estabelecidos pela legislação), trata-se de reserva legal relativa. Portanto, conclui-se a reserva
legal possui abrangência menor que o princípio da legalidade. Isso porque a reserva legal apenas exige que haja lei
exigindo determinados comportamentos, enquanto a legalidade orienta a criação de princípios e regras que irão
Restrições: Existem na Constituição duas restrições expressas ao princípio da legalidade: estado de
defesa (art. 136, CF) e estado de sítio (art. 137, CF). Durante esses estados de legalidade extraordinária, é
possível que sejam impostos determinados deveres, mesmo que não haja previsão na lei. Portanto, atos do
executivo podem ser elaborados, impondo determinados deveres (em razão da gravidade da situação).

Princípio da Legalidade X Reserva Legal: Não confundir o Princípio da Legalidade com o Princípio
da Reserva Legal.
O Princípio da Reserva Legal incide sobre campos materiais específicos, constitucionalmente
submetidos a tratamento exclusivo pelo Poder Legislativo (em outras palavras, exige-se lei em sentido
estrito – ordinárias e complementares). Ex.: normas gerais de direito tributário. Na doutrina, faz-se a
diferença entre reserva legal absoluta e reserva legal relativa.
 Reserva Legal Absoluta: A Constituição exige a regulamentação integral de sua norma por lei em
sentido formal. O tratamento da matéria tem que ser integralmente feito por lei em sentido formal.
Não é possível que uma matéria submetida à reserva legal absoluta seja, por exemplo,
regulamentada parte por lei e parte por decreto.
 Reserva Legal Relativa: Exige-se a edição de lei em sentido formal, mas permite-se que esta lei
apenas fixe os parâmetros de atuação a serem complementados por ato infralegal. A lei fixará
apenas os parâmetros de atuação do executivo.

Vejamos o seguinte julgado:


STF - HC 74.109/SP: “ALEGADO VÍCIO NA COMPOSIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR DE
SEGUNDA INSTÂNCIA – INOCORRÊNCIA [...] O sistema de substituição externa nos Tribunais
judiciários constitui, no plano de nosso direito positivo, matéria sujeita ao domínio temático da lei.
Subordina-se, em conseqüência, ao princípio da reserva legal absoluta, cuja incidência afasta, por
completo, a possibilidade de tratamento meramente regimental da questão.” (g.n)

A doutrina também divide a reserva legal em simples e qualificada:


 Reserva legal simples: A Constituição se limita a autorizar a intervenção legislativa, sem fazer
qualquer exigência quanto ao conteúdo ou à finalidade da lei. Simplesmente exige que a matéria
seja tratada por lei. Ex.: art. 5º, VI, parte final, CF:
CF, art. 5º, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença [não há reserva legal
expressa], sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias [há reserva legal expressa];179

 Reserva legal qualificada: As condições para a restrição vêm fixadas na Constituição, que
estabelece os fins a serem perseguidos e/ou os meios a serem utilizados.180 Ex.: art. 5º, XII, CF/88:
embasar todo o ordenamento jurídico.
(MPPR-2016): Assinale a alternativa correta: O art. 5, inc. II, da CF expressa a ideia de que somente a lei pode criar
regras jurídicas (Rechtsgesetze), no sentido de interferir na esfera jurídica dos indivíduos de forma inovadora, sendo
inegável nesse sentido o conteúdo material da expressão em virtude de lei presente na Constituição de 1988. BL: art.
5º, II, CF.
179
(MPRS-2014): Considere a seguinte afirmação sobre Direitos Fundamentais: A liberdade de crença apresenta-se na
Constituição Federal como direito individual sem reserva legal expressa, ao passo que a proteção aos locais de culto e as
suas liturgias submete-se ao regime da reserva legal simples. BL: art. 5º, II e VI, CF.
180
(MPRS-2021): Em relação à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, assinale a alternativa correta: Direitos
fundamentais submetidos à reserva legal qualificada são aqueles previstos em normas constitucionais que prescrevem
expressamente a possibilidade de limitação do conteúdo normativo do direito por meio de lei, porém estatuindo
pressupostos ou condições a serem atendidos pelo legislador na lei limitadora.
#Atenção: 2.2. Direitos fundamentais submetidos a reserva legal qualificada - Segundo Canotilho e Moreira, nos casos de
direitos fundamentais submetidos a reserva legal qualificada, ‘a Constituição remete para a lei apenas a delimitação de um
aspecto específico do âmbito de um determinado direito fundamental, cabendo então à lei executar essa delimitação. (SILVA,
Virgílio Afonso. Os direitos fundamentais e a lei: a constituição brasileira tem um sistema de reserva legal? In:
Cláudio Pereira de Souza Neto / Daniel Sarmento / Gustavo Binenbojm (orgs.). Vinte anos da Constituição Federal
de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009: 605-618).
(MPPR-2017): Assinale a alternativa correta: A reserva qualificada de lei ocorre quando a norma constitucional exige
que a restrição de determinado direito fundamental somente se perfaça por meio de lei em sentido formal, atrelando a
limitação a fins a serem necessariamente perseguidos ou os meios a serem compulsoriamente adotados pelo legislador e
pelo administrador.
#Atenção: #MPDFT-2009: #PCGO-2013: #TJDFT-2016: #PGEMS-2016: #MPRS-2021: #CESPE: #UEG: Quanto à
intervenção do legislador no âmbito de proteção dos direitos fundamentais, o princípio da reserva legal costuma ser
classificado em dois grupos:
a) Reserva legal simples: Ela se distingue por autorizar o legislador a intervir no âmbito de proteção de um direito
fundamental sem estabelecer pressupostos e/ou objetivos específicos a serem observados, implicando, portanto, a
CF, art. 5º, XII: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;  

STF - AC 2.695 MC/RS: “[...] Mais expressiva, ainda, é a norma contida no § 1º desse artigo
[art. 220, que trata da liberdade de imprensa] ao subordinar, expressamente, o exercício da liberdade
jornalística à ‘observância do disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV’. Temos aqui verdadeira
‘reserva legal qualificada’, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com
vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos de
personalidade em geral.

Por fim, fala-se, ainda, em reserva legal proporcional.


 Reserva Legal Proporcional: Deve haver a compatibilidade da restrição (reserva legal) com o
princípio da proporcionalidade, ou seja, é necessário verificar a adequação entre os meios
utilizados e os fins perseguidos pelo legislador, a exigibilidade e proporcionalidade em sentido
estrito da medida adotada. Portanto, não basta apenas analisar a forma da lei; essa lei deve passar
pelo crivo da proporcionalidade (não pode violar o núcleo essencial do direito fundamental).
Ex.: art. 5º, XIII, da CF/88 “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Para exercício da profissão de advogado, exige-se a
aprovação no exame da OAB e bacharelado em direito – essa lei foi questionada no STF, que não analisou
apenas a forma (Constituição permite a restrição dessa liberdade), mas também analisou a
proporcionalidade (chegando à conclusão que a exigência era adequada, necessária e proporcional em
sentido estrito).181-182

Prova Oral TJPE (2015-FCC): Questiona-se: A legalidade do art. 5º da Constituição da República é a


mesma legalidade do art. 37 da CF/88? Segundo José Levi Mello do Amaral Júnior, Einsenmann identificou a
existência de vários sentidos para a legalidade. O sentido clássico de legalidade encontra-se no art. 5º, II
(ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei) e retrata a essência
mais íntima do Estado de Direito. Quem nos governa é a lei, expressão da nossa vontade, manifestada
diretamente ou indiretamente (por meio dos nossos representantes). Em Rousseau, esta lei denomina-se
vontade geral. Essa lei implica coincidência entre quem manda e quem obedece. Podemos fazer tudo aquilo
que a lei não nos veda. Este primeiro sentido é a legalidade-compatibilidade. O segundo sentido encontra-
se no art. 37, caput, que trata dos princípios da Administração Pública. Diferentemente da pessoa humana
(que pode fazer tudo o que a lei não nos veda), a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permite.
Este segundo sentido é a legalidade-conformidade.

1.2. Princípio da não retroatividade das leis (ou irretroatividade das leis)
Finalidade: Tal princípio visa resguardar a incolumidade de situações definitivamente
consolidadas, de modo a preservar a segurança jurídica. Por isso, muitos extraem desse dispositivo a
própria segurança jurídica (art. 5º, caput e inciso XXXVI).

##Atenção: A única Constituição brasileira até hoje que não consagrou esse princípio foi a
Constituição de 1937.

Previsão: Atualmente, o princípio está consagrado no art. 5º, XXXVI da CF/88 e no art. 6º da LINDB,
vejamos:
atribuição de uma competência mais ampla de restrição. Ex.: art. 5°, LVIII, CF/88.
b) Reserva legal qualificada: É aquela em que as condições para a restrição vêm fixadas na Constituição, que
estabelece os fins a serem perseguidos e os meios a serem utilizados. Ex.: art. 5°, XII, CF/88.
181
(TJGO-2015-FCC): A Lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB, estabelece, em seu art. 8o , inciso IV e § 1o , que, “para inscrição como advogado é necessário” haver “aprovação
em Exame de Ordem”, “regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB”. A exigência em questão é
constitucional, por ser compatível tanto com a exigência de lei para o estabelecimento de condições para o exercício
profissional, como com a finalidade institucional do exercício da advocacia como função essencial à Justiça. BL: art. 5º,
XIII, CF.
(TJPR-2012-UFPR): O art. 5º, XIII da CF, que assegura a liberdade de “exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, constitui norma de eficácia contida, passível de
ser restringida pelo legislador, como no caso da restrição imposta pela exigência de aprovação do exame da OAB para o
exercício da profissão de advogado.
##Atenção: Além disso, é dotada de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, passível de ser restringida pelo
legislador, como no caso da restrição imposta pela exigência de aprovação do exame da OAB para o exercício da
profissão de advogado.
182
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPF-2013.
CF, art. 5º, XXXVI: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;
LINIDB, art. 6º: A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada.183

##Questiona-se: Qual a diferença entre os dois planos (constitucional e legal)?


Quando o princípio está consagrado apenas na lei, ele não obriga o legislador, que poderia fazer
uma lei posterior, revogando inteiramente/parcialmente o princípio. Nesse caso, é mais voltada ao
intérprete, que não terá a faculdade de interpretar a lei com efeitos retroativos.
Contudo, ao ser consagrado na CF/88, serve como limite não apenas à atuação do intérprete, mas,
também, à atuação do legislador que, em regra, não poderá fazer leis com efeitos retroativos.
Embora a regra seja a não retroatividade, existem algumas situações em que a eficácia retroativa é
admitida. A eficácia retroativa:
a) Pode ser oponível a todas as leis (tanto de direito público, quanto de direito privado);
b) Jamais se presume. Para que uma lei possa retroagir, é necessária previsão expressa;
c) Deve ser sempre excepcional e emanar de disposição expressa – não pode, portanto, ser regra
(pois a regra é a irretroatividade); e
d) Não pode gerar lesão a ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada.

Exemplo: Leis penais benéficas ao réu (previsão na própria Constituição); leis interpretativas
(consideradas contemporâneas à própria lei interpretada). Mesmo nesses casos, as situações jurídicas
definitivamente consolidadas e os direitos subjetivos definitivamente constituídos não poderão ser
alterados.
Vejamos o seguinte precedente do STF:
STF – ADI 605 MC/DF: “O princípio da irretroatividade ‘somente’ condiciona a atividade
jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do
Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao status libertatis da pessoa (CF,
art. 5.º, XL), (b) ao status subjectionais do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, “a”) e (c)
a ‘segurança’ jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5.º, XXXVI), na medida em que a
retroprojeção normativa da lei ‘não’ gere e ‘nem’ produza os gravames referidos, nada impede que o
Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. As leis, em face do caráter prospectivo de
que se revestem, devem, ‘ordinariamente’, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional
brasileiro, contudo, ‘não’ assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da
irretroatividade. A questão da retroatividade das leis interpretativas.” (g.n.)

A jurisprudência do STF tem, ainda, algumas decisões importantes a respeito do direito adquirido:
 1ª decisão:
Não cabe a alegação de direito adquirido contra a mudança de regime jurídico (RE
957.768 AgR/PB);

Exemplo: Um servidor público, regido pela Lei 8.112/90, que tem determinados direitos assegurados,
não pode dizer, caso haja mudança na lei, que o seu regime jurídico é o regime da lei anterior e que,
portanto, tem direito de manter seus benefícios. Outro exemplo são os extintos quinquênios. Os servidores
que já haviam incorporado aquele valor não tiveram a redução, mas, dali em diante, não puderam adquirir
novos quinquênios.

 2ª decisão:

183
(TJRR-2015-FCC): Considere o seguinte texto: Conforme foi visto, em regra, uma lei só se revoga por outra. Dificilmente,
entretanto, se poderá traçar de imediato a linha divisória entre o império da lei antiga e o da lei nova que a tenha revogado ou
derrogado. Relações jurídicas existirão sempre, de tal natureza, que, entabuladas embora no regime do velho estatuto, continuarão a
surtir efeitos quando o diploma revogador já esteja em plena vigência. Outras, de acabamento apenas começado, terão sido
surpreendidas por nova orientação inaugurada pelo legislador. Por outro lado, tal pode ser o teor do estatuto novo, que as situações
que pretenda abranger mais parecerão corresponder ao império do diploma revogado. Ora, é exatamente a esse entrechoque dos
mandamentos da lei nova com os da lei antiga, que se denomina conflito das leis no tempo. (FRANÇA, R. Limongi. Manual de
Direito Civil. v. 1. p. 37. 4. ed. RT, 1980). A legislação brasileira sobre essas questões dispõe que a lei em vigor terá efeito
imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. BL: art. 6º, LINDB.
(MPGO-2014): A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada. Consideram-se adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles
cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. BL: art. 6º
da LINDB e art. 5º, XXXVI da CF/88.
A irredutibilidade de vencimentos é uma “modalidade qualificada” de direito adquirido (não
veda a redução de parcelas que componham os critérios legais de fixação, desde que não se diminua o
valor da remuneração na sua totalidade) (RE 364.317/RS);184

A lei não pode reduzir os vencimentos, mas isso não significa que ela não pode retirar benefícios
(como os quinquênios mencionados anteriormente), desde que o valor total da remuneração não seja
reduzido.

 3ª decisão:
Súmula 654/STF: “A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art 5º, XXXVI, da
Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado”;

A irretroatividade é uma garantia colocada à disposição dos indivíduos contra o arbítrio do Estado.
Por isso, se o Poder Público editar a lei, ele não pode alegar a irretroatividade em seu benefício.

 4ª decisão:
Súmula 473/STF: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que
os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Direitos adquiridos e normas constitucionais: Pode-se invocar direitos adquiridos em face da


Constituição? É necessário diferenciar o tipo de norma constitucional.
- Normas constitucionais originárias: O STF tem uma jurisprudência pacífica no sentido de que não
se pode invocar direito adquirido em face de uma nova Constituição, ou seja, o poder constituinte
originário não está submetido aos direitos adquiridos na ordem jurídica anterior, já que ele é um poder
autônomo/inicial.185-186
Embora não esteja obrigado a observar esses direitos adquiridos, em alguns casos, é necessário que
ele diga expressamente que aqueles direitos não serão observados. Por isso, é necessário diferenciar os
tipos de retroatividade:
a) Retroatividade Mínima: Alcança os efeitos futuros de fatos passados. O fato ocorreu em um
determinado momento e, posteriormente, surge uma nova Constituição. Na retroatividade mínima, a
Constituição se aplica imediatamente e de forma automática. Não precisa estar expresso no texto
constitucional. 187
Exemplo: Quando há alteração das regras de competência. Se a nova Constituição muda as regras de
competência, ela se aplica automaticamente aos processos em curso; outro exemplo é o art. 17 do ADCT (se
a pessoa recebia acima do teto, com a advento da nova Constituição, terá que se adaptar ao teto).
Vejamos o seguinte precedente:
STF - RE 242.740/GO: “EMENTA: Pensão especial cujo valor é estabelecido em número de
salários mínimos. Vedação contida na parte final do artigo 7º, IV, da Carta Magna, a qual tem
aplicação imediata. - Esta Primeira Turma, ao julgar o RE 140.499, que versava caso análogo ao
presente, assim decidiu: "Pensões especiais vinculadas a salário mínimo. Aplicação imediata a elas da
vedação da parte final do inciso IV do artigo 7º da Constituição de 1988. Já se firmou a jurisprudência
desta Corte no sentido de que os dispositivos constitucionais têm vigência imediata, alcançando
os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Salvo disposição expressa em
contrário - e a Constituição pode fazê-lo -, eles não alcançam os fatos consumados no passado nem
as prestações anteriormente vencidas e não pagas (retroatividades máxima e média)...”. (g.n.) 188

##Atenção: ##STF: ##MPGO-2019: Segundo Gilmar Mendes, reconhece-se como típico das
normas do poder constituinte originário serem elas dotadas de eficácia retroativa mínima, já que se
entende como próprio dessas normas atingir efeitos futuros de fatos passados. No entanto, no

184
(TJMG-2012-VUNESP): Com relação ao princípio do “direito adquirido”, o STF já consolidou o entendimento de que
a garantia constitucional de irredutibilidade de vencimentos dos servidores públicos é “modalidade qualificada” de
“direito adquirido”. BL: STF, RE 105.137.
185
(MPRR-2017-CESPE): O poder constituinte originário pode limitar os proventos de aposentadoria que sejam
percebidos em desacordo com a CF, não sendo oponível, nesse caso, a alegação de direito adquirido.
##Atenção: De acordo com o STF, não existe direito adquirido em face do poder constituinte originário, uma vez que
ele é inicial, juridicamente ilimitado, incondicionado, autônomo e permanente.
(PGMBH-2017-CESPE): Devido às características do poder constituinte originário, as normas de uma nova
Constituição prevalecem sobre o direito adquirido.
186
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPBA-2018.
187
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPGO-2019.
188
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPGO-2019.
entendimento atual do STF, os efeitos do ato praticado anteriormente que se exauriram antes da
nova norma constitucional não sofrem a influência da nova norma constitucional, a não ser que
esta seja expressa nesse sentido. Em outras palavras, as garantias do direito adquirido, do ato
jurídico perfeito e da coisa julgada não se dirigem ao constituinte originário quanto a situações
constituídas no passado que sejam destinadas a produzir efeitos ao longo do tempo; quanto a
situações ocorridas no passado que se exauriram, as garantias persistem, salvo disposição contrária
expressa no texto da nova Constituição. (Fonte: Curso de Direito Constitucional - Gilmar Mendes)

b) Retroatividade Média: É necessária previsão expressa. Alcança fatos que ocorreram no passado,
mas que estão pendentes de serem consumados.
Exemplo: uma prestação vencida e não paga.
Vejamos o seguinte precedente:
STF - RE 168.618/PR: “A Constituição tem eficácia imediata, alcançando os efeitos futuros de
fatos passados (retroatividade mínima). Para alcançar, porém, hipótese em que, no passado, não
havia foro especial que só foi outorgado quando o réu não mais era Prefeito - hipótese que
configura retroatividade média, por estar tramitando o processo penal -, seria mister que a
Constituição o determinasse expressamente, o que não ocorre no caso...”

c) Retroatividade Máxima: É necessária previsão expressa. Diz respeito a fatos já consumados.


Exemplo: Já houve preclusão.
Vejamos art. 231, §6º da CF:
CF, art. 231, § 6º: São nulos [têm vícios de origem e, portanto, devem retroagir] e extintos,
não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das
terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas
existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não
gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei,
quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

- Emendas: Gera muita divergência na doutrina e já foi alterado o entendimento na jurisprudência, em


razão da redação ao art. 5º, XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada”. Não há um consenso sobre a interpretação do termo “lei” (se seria em sentido estrito ou em sentido
amplo).
Se a lei for em sentido estrito, a limitação só se dirige ao Poder Legislativo e não ao poder
constituinte derivado reformador – essa era a interpretação do STF antes da CF/88.
Se considerarmos que é lei em sentido amplo, abrangeria normas feitas, também, pelo poder
constituinte derivado reformador.
Hoje, prevalece na doutrina e na jurisprudência do STF o entendimento de que a lei é em sentido
amplo, abrangendo, portanto, as Emendas Constitucionais, Medidas Provisórias, Leis Delegadas, etc. Para
o professor Marcelo Novelino, é o entendimento mais adequado por proteger a segurança jurídica (veja que
já temos mais de 90 Emendas Constitucionais, então não é tão difícil aprovar uma EC). Vejamos o seguinte
precedente do STF:
STF - ADI 2.356 MC/DF: “[...] O art. 78 do ADCT, acrescentado pelo art. 2.º da EC 30/2000, ao
admitir a liquidação ‘em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos’ dos
‘precatórios pendentes na data de promulgação’ da emenda, violou o direito adquirido do beneficiário
do precatório, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. [...] Pelo que a alteração constitucional
pretendida encontra óbice nos incisos III e IV do § 4.º do art. 60 da Constituição, pois afronta ‘ a
separação dos Poderes’ e ‘os direitos e garantias individuais’” [...]

Isso não significa que a irretroatividade seja uma garantia absoluta. No caso da não retroatividade,
excepcionalmente, ela poderá ser restringida para que um outro direito de peso maior possa prevalecer.
Ex.: Exame de DNA em investigação de paternidade. Em um caso no Distrito Federal, mesmo após a
existência do exame de DNA, houve pedido de investigação de paternidade, mas o DF não oferecia
gratuitamente esse exame, a mãe do menino não tinha como custear e não conseguiram provar a
paternidade. Posteriormente, o DF passou a custear e a mãe do menino entrou novamente com a ação,
quando se alegou coisa julgada. Contudo, o Min. Dias Toffoli entendeu que nesse caso se justificaria a
alteração da coisa julgada por terem direitos de peso maior em jogo.

##Questiona-se: O ato jurídico perfeito é oponível a leis de ordem pública (pergunta muito frequente
em provas no CESPE)?
Segundo o STF, a Constituição não faz qualquer distinção entre leis de ordem pública ou não.
Portanto, o ato jurídico perfeito pode sim ser invocado mesmo se tratando de lei de ordem pública.
Vejamos o seguinte precedente:
STF – RE 200.514/RS: “Esta Corte já firmou o entendimento (assim, entre outros precedentes, na
ADIN 493-0, de que fui relator) de que o princípio constitucional segundo o qual a lei nova não
prejudicará o ato jurídico (artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna) se aplica, também, às leis
infraconstitucionais de ordem pública.”

Coisa julgada: Qual tipo de coisa julgada está protegida pela Constituição?
Segundo o STF, a coisa julgada protegida é tanto a formal (efeitos endoprocessuais), quanto a
material (efeitos extraprocessuais). Contudo, a coisa julgada administrativa não está protegida por esse
dispositivo em análise (RE 144.996).

##Atenção: Relativização da coisa julgada: Em determinadas situações, pode ocorrer a relativização,


inclusive da coisa julgada. O STF tem várias decisões onde utiliza dois princípios constitucionais para
relativizar a coisa julgada: força normativa da constituição e máxima efetividade. Segundo o STF, a
manutenção de soluções divergentes enfraquece a força normativa da constituição e contraria o princípio da
máxima efetividade.
Na condição de guardião da Constituição, cabe ao STF dar a última palavra a respeito da sua
interpretação. Em hipóteses de divergência interpretativa, mesmo que a decisão já tenha transitado em
julgado, é possível haver a relativização. Ex.: TJMG deu uma decisão, interpretando a CF/88 no sentido A;
depois, o STF interpreta a Constituição no sentido B. Essa divergência pode enfraquecer a força normativa
da Constituição. Por isso, admite-se a relativização da coisa julgada, através da propositura de ação
rescisória, dentro do prazo de 2 anos, para que o entendimento do STF possa prevalecer.189

##Obs.: A Súmula 343 do STF não se aplica na hipótese de interpretação constitucional. Aqui, o
Supremo faz um distinguishing: a Súmula se aplica quando há divergência sobre a interpretação de lei
infraconstitucional, todavia, não quando há dúvida sobre a intepretação da Constituição. Vejamos:
Súmula 343/STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a
decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”

Inexigibilidade de título judicial no NCPC: São duas hipóteses em que o título judicial se torna
inexigível:
(i) quando o Supremo declara uma lei inconstitucional e o Título Executivo Judicial foi
baseado nessa lei; e
(ii) o Título Executivo Judicial tem como fundamento uma interpretação incompatível
com interpretação dada pelo Supremo.

##Atenção: Cuidado com o prazo: Imagine que o TJ deu uma decisão que transitou em julgado. Anos
depois, o STF dá uma decisão, interpretando de maneira diferente. De acordo com o § 15 do art. 525 do
NCPC, o prazo de dois anos para ação rescisória é contado, não da decisão do TJ, mas do trânsito em
julgado da decisão do STF. Mas e se a decisão do Supremo for dada 10 anos depois? Se se admitisse que,
ainda assim, fosse possível a ação rescisória, geraria uma insegurança jurídica enorme. Por isso, a
constitucionalidade desse artigo está sendo questionada, vejamos:
CPC/2015, art. 525, § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1 o deste artigo, considera-se
também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato
normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação
ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
§ 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito
em julgado da decisão exequenda.
§ 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão
exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal. 190

Mudança de entendimento do STF: Imagine que uma decisão seja dada por um Tribunal em
conformidade com a jurisprudência do STF à época. Contudo, um ano depois, o STF muda esse
189
(MPSC-2016): Como princípio fundamental relacionado à segurança jurídica a Constituição Federal expressamente
previu que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. A ação rescisória,
entretanto, é uma das hipóteses de relativização desse princípio.
190
(PGM-Fortaleza/CE-2017-CESPE): Situação hipotética: Ao ser intimado em cumprimento de sentença, o executado
tomou conhecimento de que, após o trânsito em julgado da decisão condenatória executada, o STF considerou
inconstitucional lei que amparava a obrigação reconhecida no título executivo judicial. Assertiva: Nesse caso, será
cabível a utilização de ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF. BL:
art. art. 525, §12 e 15, NCPC.
entendimento. A decisão do tribunal pode ser relativizada nesse caso (sendo que na época que foi dada
estava de acordo com o entendimento do STF)? De acordo com o atual entendimento, não cabe a rescisória
nessa situação. Vejamos o seguinte precedente:
STF - RE 590.809/RS: “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com
o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão
rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.”

##Questiona-se: É possível conciliar esse entendimento com o disposto no § 15 do art. 525 do NCPC?
Para o professor Marcelo Novelino, é possível. Quando o NCPC diz que a ação rescisória será cabível
no prazo de 2 anos da decisão do STF, podemos interpretar esse dispositivo no seguinte sentido: é cabível a
rescisória, desde que, no momento da decisão, não houvesse precedente do Supremo sobre o tema. Se
decidiu em harmonia com o entendimento do Supremo à época, não caberá ação rescisória.

2. AÇÕES CONSTITUCIONAIS
2.1. Habeas Data
Surge na CF/88 como uma reação à Constituição anterior, em que os dados referentes às
convicções/condutas das pessoas ficavam arquivados pelo governo de forma sigilosa. Com o processo de
redemocratização, a CF/88 achou por bem permitir que esses dados sejam acessados pelas pessoas, desde
que as informações digam respeito a ela.
O Habeas Data protege informações pessoais e não o acesso a informações relativas a terceiros.
Vejamos o art. 5º, LXXII da CF:
CF, art. 5.º, LXXII: conceder-se-á “habeas-data”:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo.191

A Constituição prevê apenas as hipóteses de cabimento do habeas data para assegurar o conhecimento
de informações pessoais e para retificação de dados. Além disso, também há previsão constitucional sobre a
gratuidade desta ação. Todo o procedimento desse remédio constitucional, contudo, é feito pela Lei 9.507/97.

2.1.1. Legitimidade Ativa


A Lei 9507/97 não faz qualquer menção à legitimidade ativa. Em razão disso, a doutrina majoritária
dispõe que a legitimidade ativa deve ser interpretada em sentido amplo, ou seja, devem ser considerados
como partes legítimas para impetrar habeas data qualquer pessoa física ou jurídica (inclusive de direito
público e/ou estrangeiras) para obtenção de informações a seu respeito.
Essa ação é considerada personalíssima, ou seja, apenas o próprio impetrante pode propor ação para
ter acesso a informações a seu respeito. O STF possui uma decisão em que, excepcionalmente, permitiu a
propositura de habeas data por terceiros, herdeiros ou sucessores, na defesa de interesse do falecido. Veja
que a legitimação de terceiros não é permitida de forma geral. Veja o precedente:
STF - HD 147/DF: “É parte legítima para impetrar habeas data o cônjuge sobrevivente na defesa
de interesse do falecido”;

##Questiona-se: O MP pode impetrar habeas data? Apenas se for para obtenção de informação sobre
o próprio órgão ministerial. Ou seja, não tem legitimidade para impetrar habeas data com finalidade de ter
acesso a informações sobre terceiros. Há uma impossibilidade de legitimação extraordinária.

2.1.2. Legitimidade Passiva


##Questiona-se: Quem tem legitimidade passiva? O órgão ou entidade (pessoa jurídica) detentor da
informação que se pretende obter, retificar ou complementar. Portanto, pessoas físicas de determinado
órgão não podem ser consideradas coautoras e integrar o polo passivo da ação. Isso se justifica em razão do
art. 2º da Lei 9.507/97, que menciona “órgão ou entidade”:
Art. 2° O requerimento será apresentado ao órgão ou entidade depositária do registro ou banco
de dados e será deferido ou indeferido no prazo de quarenta e oito horas.

191
(TJAP-2009-FCC): Dentre as garantais constitucionais constantes da Constituição, incluem-se o habeas data para
assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados
de entidades governamentais ou de caráter público, bem como para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo
por processo sigiloso, judicial ou administrativo. BL: art. 5º, LXXII, CF/88.
(TJSP-2009-VUNESP): O Habeas Data será concedido para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por
processo sigiloso, judicial ou administrativo. BL: art. 5º, LXXII, “b”, CF/88.
##Questiona-se: Esse órgão ou entidade tem que ter natureza pública? O art. 5º, LXXII da CF dispõe
“constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público”. Quando se fala
de “caráter público”, o texto está se referindo ao órgão/entidade? O entendimento da doutrina, com base na
Lei 9.507/97, é de que o caráter público é dos dados e não da entidade. Vejamos o que diz o art. 1º, § único
da Lei 9507/97:
Parágrafo único. Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo
informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do
órgão ou entidade produtora ou depositária das informações.

Assim, Serasa, SPC, universidades particulares, partidos políticos, etc., podem, portanto, figurar no
polo passivo de ação de habeas data.

2.1.3. Objeto
##Questiona-se: O que o habeas data visa tutelar? Tutela, principalmente, os direitos fundamentais
à privacidade (CF, art. 5.º, X) e o acesso à informação (CF, art. 5.º, XIV e XXXIII).
Lembrar que “acesso à informação” é apenas com relação a informações de caráter pessoal do titular e
não a toda e qualquer informação.

2.1.4. Objetivo
Visa assegurar o conhecimento, a retificação e/ou a complementação de informações pessoais
constantes de registros de dados, sempre que não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo.
Embora a Constituição fale apenas em conhecimento e retificação de dados, a Lei 9.507/97 trata de
três hipóteses de cabimento do habeas data, inserindo também a possibilidade de complementação de
informações pessoais.

2.1.5. Hipóteses de cabimento


Art. 7° Conceder-se-á habeas data:
I - para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de
registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
II - para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo;
III - para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado
verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.

Conhecimento de informações pessoais: O cabimento da ação, neste caso, está condicionado à


natureza pessoal da informação pretendida. As informações que não sejam de caráter pessoal
(ex.: informação de interesse público) devem ser buscadas por Mandado de Segurança. Nessa hipótese, não
há necessidade de justificar os motivos pelos quais se quer acesso às informações pessoais. Independe de
qualquer motivo. Vejamos a seguinte decisão do STJ:
STJ – REsp 781.969/RJ: “[...] A pretensão do impetrante, de obter certidão para o cômputo do
adicional por tempo de serviço, respeita ao direito de informação, cuja previsão encontra-se no art. 5.º,
XXXIII, da Carta Magna de 1988, devendo ser pleiteada via mandado de segurança.”

Retificação de dados: Nesse caso, o STJ tem um precedente que afirma que, para que seja solicitada a
retificação de dados, é necessário o prévio conhecimento de tais dados, não sendo possível pedir, no mesmo
habeas data, o acesso à informação e a retificação, o que, na opinião de Marcelo Novelino, vai contra o
princípio da celeridade e da economia processual. Vejamos o precedente em comento:
STJ – HD 160/DF: “Em razão da necessidade de comprovação de plano do direito do demandante,
mostra-se inviável a pretensão de que, em um mesmo habeas data, se assegure o conhecimento de
informações e se determine a sua retificação. É logicamente impossível que o impetrante tenha, no
momento da propositura da ação, demonstrado a incorreção desses dados se nem ao menos sabia o seu
teor. Por isso, não há como conhecer do habeas data no tocante ao pedido de retificação de eventual
incorreção existente na base de dados do Banco Central do Brasil.

##Obs.: Esse entendimento parece equivocado, pois a pessoa pode não ter o acesso completo às
informações, mas pode ter tido a notícia de que a informação estava equivocada.

Complementação de dados: A pessoa pede para que as informações sejam complementadas na base
de dados. Nesse caso, deve haver o interesse de agir do autor, que terá que comprovar que a não
complementação gera algum prejuízo concreto (à imagem, à honra, de ordem material, etc.).
2.1.6. Interesse de Agir
A Lei 9.507/97 exige, para impetração do habeas data, que haja uma recusa por parte da autoridade
administrativa em autorizar os dados. Por isso, muitos questionaram a constitucionalidade desta lei
dizendo que ela violava o princípio da inafastabilidade da função jurisdicional, ao obrigar a pessoa a esgotar
as vias administrativas antes de recorrer ao judiciário.
Contudo, o STF entendeu que a lei não apresenta inconstitucionalidade, pois, ao exigir a recusa, ela
está tratando do interesse de agir do indivíduo. Se não houve recusa, não há pretensão resistida e,
consequentemente, não há interesse de agir.
Atente-se que a Lei 9.507/97 prevê que o interesse de agir surge com a recusa ou com a demora da
prestação/retificação/complemento das informações. Vejamos o seguinte:
Art. 8° A petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de
Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão
reproduzidos por cópia na segunda.
Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:
I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;
II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou
III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do decurso de mais de
quinze dias sem decisão.

Súmula 2/STJ: “Não cabe o habeas data (CF, art. 5.º, LXXII, “a”) se não houve recusa de
informações por parte da autoridade administrativa.”

No mesmo sentido: STF - RHD 22/DF e RHD 24/DF.

2.1.7. Liminar e decisão de mérito


Não há nenhuma previsão na Lei 9.507/97 sobre a concessão de liminar. No entanto, em razão do
poder geral de cautela do Judiciário, a doutrina, de forma unânime, entende que a liminar pode ser cabível
em determinadas situações em que a urgência o exija.
Apesar do habeas data ser uma ação cuja tramitação tende a ser rápida, se eventualmente houver
necessidade de celeridade ainda maior, a liminar poderá sim ser concedida.
Com relação à decisão de mérito, seus efeitos estão previstos no art. 13 da Lei 9.507/97:
Art. 13. Na decisão, se julgar procedente o pedido, o juiz marcará data e horário para que o
coator:
I - apresente ao impetrante as informações a seu respeito, constantes de registros ou bancos de
dadas; ou
II - apresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos assentamentos do
impetrante.

Natureza jurídica: Qual seria a natureza jurídica da decisão que julga procedente o pedido? Há uma
divergência na doutrina:
 1ª posição (Rogério Tucci): natureza constitutiva;
 2ª posição (Carreira Alvim, Barbosa Moreira, Daniel Neves): natureza mandamental; e
 3ª posição (Vicente Greco Filho, Marcelo Novelino): faz uma distinção entre as três espécies de
habeas data. No habeas data cognitivo, a decisão é de natureza mandamental; já no habeas data
retificatório ou completivo, a natureza da decisão é constitutiva.

DIREITOS SOCIAIS

1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
1.1. Previsão Constitucional
O art. 6º elenca um rol de direitos que são considerados como sociais, direitos estes que estão
protegidos não apenas no art. 7º e seguintes, mas, também, no capítulo da ordem social (Título VIII, arts. 193
a 214). Vejamos o teor do art. 6º, CF:
CF, Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição.

1.2. Direitos sociais são cláusulas pétreas?


A CF/88, no art. 60, § 4º diz que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir [...] IV
– os direitos e garantias individuais”. Se ela dissesse “direitos e garantias fundamentais”, não haveria
nenhuma polêmica, vez que direito fundamental é gênero que abrange os direitos: individuais, sociais,
coletivos, de nacionalidade e políticos.
No entanto, a Constituição diz expressamente que são cláusulas pétreas os direitos e garantias
“individuais”, levando a doutrina a ter uma série de divergências a respeito de quais direitos estariam
incluídos nesse rol.
Para alguns autores como Ingo Sarlet, todos os direitos fundamentais seriam cláusulas pétreas, pois,
embora a Constituição fale em direitos individuais, o tratamento conferido aos direitos fundamentais em
geral (sobretudo no art. 5º, parágrafos 1º e 2º) é o mesmo. Seria apenas uma redação mal elaborada.
Há outros autores como o Paulo Bonavides que, embora não entendam que todos os direitos
fundamentais são cláusulas pétreas, consideram os direitos sociais como cláusulas pétreas expressas.
Para Marcelo Novelino, os direitos sociais, em sua maioria, são cláusulas pétreas implícitas, pois
são pressupostos para que as liberdades individuais (cláusulas pétreas expressas) possam ser usufruídas.
Sem determinados direitos sociais básicos, a liberdade fica completamente esvaziada e perde o seu sentido
(ex.: saúde básica, educação básica, moradia, etc.).
Daniel Sarmento, ao tratar dessa questão, diz que “a liberdade é esvaziada quando não são
asseguradas as condições materiais mínimas para que as pessoas possam desfrutá-la de forma consciente”.
Essas “condições materiais mínimas” são fornecidas pelos direitos sociais. No mesmo sentido, Isaiah Berlin
dispõe que “oferecer direitos políticos ou salvaguardas contra o Estado a homens seminus, analfabetos, subnutridos,
doentes é zombar de sua condição: eles precisam de ajuda médica ou de educação antes de poderem compreender ou
aproveitar um aumento em sua liberdade”.
Portanto, os direitos sociais devem sim ser considerados como cláusulas pétreas (ainda que,
implícitas).

1.3. Direitos sociais – características, vinculatividade e delimitação constitucional: das normas


programáticas aos direitos subjetivos prima facie192-193
Em 1966, em colóquio realizado na Espanha, o jurista português J. J. Gomes Canotilho - em texto
anterior ao seu atual manual de "Direito Constitucional e Teoria da Constituição" - defendeu que a realização
dos direitos sociais apresentaria as seguintes características:
a) gradatividade ou gradualidade na sua realização;
b) dependência financeira do orçamento público (Estado);
c) tendencial liberdade de conformação (definição) pelo legislador em relação às políticas
públicas a serem assumidas (as políticas de realização destes direitos);
d) insuscetibilidade de controle jurisdicional dos programas político-legislativos, a não ser
quando estes se mostram em clara contradição com as normas constitucionais ou quando manifestamente
desarrazoados.

Nesse ponto, há uma questão fulcral para a normatividade e enquadramento dos direitos sociais:
Como podemos trabalhar suas características, vinculatividade normativa e adequação constitucional?
De início, seguindo uma linha mais rígida da leitura da “separação de poderes", o universo das
normas de direitos sociais era tido como questão interna aos órgãos políticos do Estado, que a partir de
razões pragmáticas (por exemplo: políticas) estabelecia a lista de prioridades internas a esses direitos, bem
como os modos e formas de sua concretização.
Por isso mesmo, tradicionalmente atribuiu-se à natureza das normas constitucionais sobre direitos
sociais o status de normas programáticas, que são normas de baixa efetividade, demarcando-se muito mais
planos políticos de ação, que o legislador e o administrador público deverão se comprometer do que
verdadeiras obrigações jurídicas concretas.
Entretanto, numa perspectiva mais ampla, a doutrina vem entendendo, conforme leciona Andréas
Krell que “as normas programáticas sobre direitos sociais, que hoje encontramos na grande maioria dos textos
constitucionais dos países europeus e latino-americanos definem metas e finalidades, as quais o legislador
ordinário deve elevar a um nível adequado de concretização. Essas 'normas-programa' prescrevem a
realização, por parte do Estado, de determinados fins e tarefas”. Nesses termos, “elas não representam meras
recomendações (conselhos) ou preceitos morais com eficácia ética-política meramente diretiva, mas constituem Direito
diretamente aplicável”.
Por outro lado, há outros autores, mesmo com essa nova dimensão que paulatinamente foi sendo
atribuída às normas constitucionais programáticas (típicas dos direitos sociais), vão advogar um ir além.
Esse seria necessário, justamente, porque apesar do reconhecimento da aplicabilidade (ainda que
mediata/indireta) das normas programáticas elas careceriam de uma atuação (vinculação) mais

192
##Atenção: Resumo do ponto do livro do professor Bernardo Gonçalves Fernandes, edição 2017, pp. 707-709.
193
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPRO-2017 (FMP); ii) MPRS-2021.
contundente no que tange à exigência de prestações positivas. Exemplos não faltam para demonstrar essa
tese. Aqui não precisamos lembrar da dificuldade do STF adotar a tese concretista no mandado de
injunção em relação às normas classificadas tradicionalmente como de eficácia limitada. Foram 19 anos
(1988 a 2007) para que essa tese iniciasse sua trajetória de consolidação no STF para a viabilização de
direitos. Isso sem contar a ADI por omissão, que no que tange ao legislador (supressão da mora pelo
Poder Legislativo) é sabido que o STF, ainda trabalha com uma perspectiva não concretista (até mesmo
por uma questão clássica atrelada à separação dos poderes).
Portanto, conforme doutrina, não raro conceber os direitos sociais como normas programáticas
implica deixá-los praticamente desprotegidos diante das omissões estatais, o que não se coaduna com o
sistema de direitos fundamentais previsto constitucionalmente e com sua aplicação imediata. Sem dúvida,
para esses teóricos os direitos sociais mereciam, devido a fundamentalidade dos mesmos (por exemplo em
saúde, educação etc) melhor adequação e caracterização.
Nesse contexto, surgem três vertentes, na busca por uma delimitação dos direitos sociais, além das
normas programáticas que merecem nossa atenção. Segundo Daniel Sarmento, teremos:

i) Tese dos direitos sociais como direitos não subjetivos:


Essa vertente defende que os direitos sociais não são dotados de uma dimensão subjetiva e que por
isso não ensejam a exigibilidade por seus titulares de prestações positivas pelo Poder Público, mas apesar
disso deveria haver um controle judicial que envolveria um exame de razoabilidade das eventuais
políticas públicas que são implantadas para a realização dos mesmos.
Aqui, pelo menos, teríamos um controle sobre a autuação do Estado na busca pela realização dos
direitos sociais, embora, diga-se, fosse negada aos indivíduos a titularidade dos direitos sociais.

ii) Tese dos direitos sociais como direitos subjetivos definitivos (garantidos de forma definitiva).
Essa tese, apesar de ir além da “mera” perspectiva das normas programáticas peca pelo excesso, na
medida em que não há como exigir do Estado de forma incondicional a realização e concretização de todos
os direitos sociais.
Aqui, deve-se levar em consideração, sobretudo em países como o Brasil, a conhecida e
recorrentemente citada, escassez de recursos (limitações orçamentárias), bem como as inúmeras maneiras
(modos) de concretização de direitos sociais.

iii) Tese dos direitos sociais como direitos subjetivos prima facie:
Essa tese, que também vai além da caracterização dos direitos sociais como meras normas
programáticas, é a que apresenta um maior número de adeptos.
Para essa tese, os direitos sociais devem ser entendidos, em virtude da natureza principiológica dos
mesmos, como direitos subjetivos prima facie e com isso eles se sujeitam a um processo de ponderação à
luz de um caso concreto que precede o reconhecimento desses direitos sociais como direitos definitivos.
Sem dúvida, a ponderação será instrumentalizada pela regra (princípio, máxima ou postulado) da
proporcionalidade e por suas sub-regras.
Assim teríamos, um direito social exigível que entraria em uma ponderação com outro ou outros
direitos (incluindo ai princípios como o da democracia ou mesmo o da separação de poderes). Sem dúvida, a
efetivação e concretização do direito social em comento dependeria desse processo de ponderação.
Portanto, esse direito social seria um direito subjetivo exigível sempre prima facie que poderia se
tornar um direito definitivo no caso concreto.
A defesa dessa perspectiva, atrelada a teoria de Robert Alexy, Martin Borowsky, entre outros, é
feita por Daniel Sarmento, nos seguintes termos, “(...) esta solução é profundamente comprometida com a
efetivação dos direitos sociais, mas leva em consideração todas as dificuldades táticas e jurídicas envolvidas neste
processo, bem como a existência de uma ampla margem de liberdade para os poderes neste campo, decorrente não só da
legitimidade democrática, como também de sua maior capacidade funcional.” 194-195

194
Todavia, aqui, temos uma diferença: enquanto Alexy sustenta que na ponderação teremos de um lado não o direito
social, mas sim a liberdade material que esse direito tutela (talvez isso se deva, conforme Sarmento ao fato da
Constituição alemã não consagrar direitos sociais em seu texto), Sarmento defende que a ponderação deve ser feita com
o próprio direito social em jogo. Outra questão interessante é a de que o reconhecimento da dimensão subjetiva prima
facie dos direitos sociais, não exclui (elimina) a dimensão objetiva desses direitos (Aliás a dimensão objetiva que
explicita a eficácia irradiante dos mesmos é uma das características dos direitos fundamentais, que está presente em
vários trabalhos de Sarmento) SARMENTO, Daniel, Por um Constitucionalismo Inclusivo, p. 195, 2010.
195
(MPGO-2019): Sobre os direitos sociais, assinale a alternativa correta: Para Robert Alexy, os direitos fundamentais
sociais são direitos subjetivos prima facie, razão por que se sujeitam a um processo de ponderação à luz do princípio da
proporcionalidade, que precede o reconhecimento desses direitos como direitos definitivos. Nesse sentido, o fato de os
direitos sociais constituírem direitos prima facie não afasta seu caráter vinculante e não os torna enunciados meramente
programáticos, cabendo ao Poder Judiciário o controle de suficiência do dever prima facie.
Por fim, cumpre ressaltar que, segundo Robert Alexy, princípios exigem que algo seja realizado na
maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não
contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie. Da relevância de um princípio em um
determinado caso não decorre que o resultado seja aquilo que o princípio exige para esse caso. Princípios
representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. A forma pela qual deve ser
determinada a relação entre razão e contrarrazão não é algo determinado pelo próprio princípio. Os
princípios, portanto, não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das
possibilidades fálicas.196

1.4. Efetividade dos direitos sociais


##Questiona-se: Quais são os fatores que contribuem para a falta de efetividade de alguns desses
direitos?
- Textura aberta: Em que consiste o direito à saúde? A pessoa tem direito de exigir do Estado, por
exemplo, o medicamento que bem entender ou um tratamento no exterior ou ainda, uma medicação de alto
custo?
Como os direitos sociais são consagrados em normas de textura aberta e caráter principiológico, essas
normas precisam ser concretizadas pelos poderes públicos, seja por legislação específica, seja por políticas
públicas implementadas pelo Executivo.

- Direitos prestacionais: A grande maioria dos direitos sociais são de caráter prestacional, exigindo
do Estado uma prestação (sejam materiais ou jurídicas). O problema é que estas prestações têm um alto
custo (Estado teria, por exemplo, condições orçamentárias para fornecer moradia a todos?). 197
Há, aqui, um conflito entre o alto custo dos direitos sociais e as limitações orçamentárias . A
prioridade na concretização desses direitos (chamadas de “escolhas trágicas” por Guido Calabresi e Philip
Bobbit) deveria caber aos poderes eleitos pelo povo (Executivo e Legislativo).
Por isso, em regra, os direitos sociais têm efetividade menor do que os direitos de defesa (que
também possuem custo), pois seus custos são muito maiores.198

2. CRÍTICAS À ADJUDICAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS199


Adjudicação dos direitos sociais = implementação judicial dos direitos.
As críticas que serão analisadas não são obstáculos instransponíveis para que haja uma intervenção
judicial nos direitos sociais, mas servem para reflexão.

2.1. Separação de poderes/legislador positivo200

196
ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, São Paulo, SP: Malheiros Ed, 2008.
197
(MPMG-2013): A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXV, nº1, diz: “Toda pessoa tem direito a
um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”. Expressamente, a Constituição da República Federativa do
Brasil, em seu artigo 6º, por introdução da Emenda Constitucional nº 26, prevê a moradia como direito social, no mesmo
patamar da educação, da saúde, do trabalho, do lazer, da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e
à infância e da assistência aos desamparados. Com base no ordenamento constitucional brasileiro, pode-se afirmar: O
direito de moradia possui aplicação imediata, uma vez que é direito fundamental social, fazendo parte do mínimo
existencial, e a Constituição da República não o condiciona a nenhuma regulamentação específica, motivo pelo qual não
pode o Poder Público se eximir de implementar políticas públicas para o seu atendimento, em face de obrigação
constitucional. BL: art. 5º, §1º e art. 6º da CF.
198
(MPBA-2015): No que diz respeito aos direitos sociais, é correto afirmar que: A implementação das prestações
materiais e jurídicas exigíveis para a redução das desigualdades no plano fático, por dependerem em grande medida da
disponibilidade orçamentária do Estado, faz com que estes direitos tenham o seu campo de efetividade mais dificultado
que os direitos de primeira geração.
199
(MPRO-2017-FMP): No que tange ao tema dos direitos sociais, é correto afirmar: O controle jurisdicional das políticas
públicas de direitos sociais encontra, dentre outros, os seguintes parâmetros de sindicabilidade: reserva do possível,
mínimo existencial, proibição do retrocesso social e proibição da proteção insuficiente dos direitos fundamentais.
(MPAM-2015-FMP): Considere a seguinte assertiva em relação ao controle jurisdicional de políticas públicas, em
consonância com a jurisprudência do STF e do STJ: A jurisprudência do STF tem adotado os seguintes parâmetros de
sindicabilidade: a omissão inconstitucional, o mínimo existencial, a proibição do retrocesso social, a proibição do excesso
e da proteção insuficiente dos direitos fundamentais.
(MPM-2013): Assinale a alternativa correta: Em relação aos direitos sociais, a intervenção judicial é possível em
hipóteses em que o Poder Judiciário não inova na ordem jurídica, mas apenas determina que o Poder Executivo cumpra
políticas públicas previamente estabelecidas.
200
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TRF4-2010; ii) TJSP-2021 (VUNESP).
Essa crítica se baseia no argumento de que a intervenção do poder judiciário nos direitos sociais
seria uma usurpação de competências dos poderes legislativo e executivo. É uma crítica feita com base
numa premissa bem antiga da separação de poderes (Montesquieu – “juiz como a boca da lei”).
Contudo, essa noção de separação de poderes já foi superada, vez que as sociedades contemporâneas
são muito mais complexas e suas Constituições impõe deveres.
Por outro lado, Hans Kelsen escreveu em seu livro que o Judiciário poderia atuar como “legislador
negativo”, no sentido de que, ao declarar uma lei inconstitucional, o tribunal estaria exercendo uma
função de natureza legislativa (tendo efeito erga omnes). Era equivalente à revogação da lei pelo poder
legislativo. “Negativo”, pois só seria possível retirar a lei do ordenamento jurídico. Contudo, o Judiciário não
poderia atuar como “legislador positivo”, não podendo criar normas.
No Brasil, embora o STF diga que ele não pode atuar como legislador positivo, ele o faz diversas
vezes (ex.: caso das uniões homoafetivas; mandado de injunção referente ao direito de greve; etc.).
Segundo o Min. Luís Barroso, a “pretensão de autonomia absoluta do Direito em relação à política é
impossível de se realizar. As soluções para os problemas nem sempre são encontradas prontas no
ordenamento jurídico, precisando ser construídas argumentativamente por juízes e tribunais".
Para o professor Marcelo Novelino, esse dogma do “legislador negativo” também está ultrapassado.
As Constituições naquela época eram liberais e não impunham tantos deveres como a nossa CF/88. Hoje,
não podemos nos basear nessas concepções de separação de poderes em contextos diferentes do nosso, pois
os direitos previstos no texto constitucional devem sim ser efetivados pelo Poder Público.
Nesse sentido, vejamos o seguinte trecho de voto de julgado do STF:
STF - ARE 639.337 AgR: (...) as normas sociais programáticas não podem ser tomadas
como “promessas constitucionais inconsequentes”, não sendo pura retórica. Existe uma estreita
ligação entre os direitos sociais e a dignidade da pessoa humana, e, pelo princípio da máxima efetividade
das normas constitucionais, deve-se assegurar o mínimo existencial. A partir dessa constatação, o STF
assume uma posição que supera a ortodoxia da separação dos Poderes, passando a intervir num plano que
seria classicamente da discricionariedade político-administrativa. (...) [ARE 639.337 AgR, rel. min. Celso
de Mello, j. 23-8-2011, 2ª T, DJE de 15-9-2011.]201

Contracrítica: É no sentido de que a constituição tem uma força normativa e é dotada de supremacia.
Quando o Judiciário intervém nas políticas públicas, ele está apenas aplicando o que está na
Constituição.202

2.2. Ausência de legitimidade democrática


É inadequado suprimir dos poderes legitimados pelo voto popular a prerrogativa de decidir como
devem ser gastos os recursos públicos.
O Judiciário, ao intervir em matérias de políticas públicas, estaria substituindo a atuação do
legislativo e do executivo, que são poderes compostos por representantes eleitos para esse fim específico.
Argumenta-se que os direitos sociais são custeados por recursos públicos que, em sua maioria, advém
de tributos pagos pelo povo. Logo, cabe ao povo decidir onde tais recursos serão aplicados (e não ao Poder
Judiciário).
Contracrítica: Quando se fala em ausência de legitimidade democrática do Judiciário, fala-se em uma
visão meramente formal de democracia (como vontade da maioria). Contudo, atualmente, a democracia hoje
é vista, também, como uma democracia substancial (que abrange não apenas a vontade da maioria, mas
também o respeito aos direitos básicos de todos, inclusive da minoria). O Poder Judiciário desempenha um
importante papel contra majoritário na proteção desses direitos básicos das minorias.203

201
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) MPBA-2015; ii) MPSP-2022; iii) PGM-Recife/PE-2022 (CESPE).
202
#Atenção: #MPBA-2015: #TJPR-2017: #MPSP-2022: #CESPE: Segundo o STF, “é possível ao Poder Judiciário
determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas sem
que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo" (RE n. 464143 AgR). No mesmo
sentido, temos o ARE 639.337, que afirma que há legitimidade constitucional da intervenção do Poder Judiciário em caso
de omissão estatal na implementação destas políticas.
203
(TJSP-2017-VUNESP): No âmbito do direito constitucional brasileiro, pode-se afirmar que o Supremo Tribunal
Federal desempenha dois papéis distintos: I) – o primeiro na teoria constitucional, denominado de contra majoritário,
que implica proteção às regras da vida democrática e dos direitos fundamentais; II) – o outro papel, denominado
representativo, implica o atendimento de demandas sociais e anseios políticos que não foram objeto de deliberação pelo
Parlamento, não podendo deixar de decidir em face da garantia de acesso à jurisdição. BL: art. 102, CF.
##Atenção: "O que cabe destacar aqui é que Corte desempenha, claramente, dois papéis distintos e aparentemente
contrapostos. O primeiro papel é apelidado, na teoria constitucional, de contramajoritário: em nome da Constituição, da
proteção das regras do jogo democrático e dos direitos fundamentais, cabe a ela a atribuição de declarar a
inconstitucionalidade de leis (i. e., de decisões majoritárias tomadas pelo Congresso) e de atos do Poder Executivo (cujo
chefe foi eleito pela maioria absoluta dos cidadãos). Vale dizer: agentes públicos não eleitos, como juízes e Ministros do
STF, podem sobrepor a sua razão à dos tradicionais representantes da política majoritária. Daí o termo contramajoritário.
2.3. Desenho e capacidades institucionais
Com relação ao direito à saúde, por exemplo, se diz que foi uma opção do poder constituinte
originário, atribuir aos poderes públicos a definição de como a saúde será efetivada 204. Vejamos o teor do art.
196 da CF:
CRFB/88, Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Argumenta-se, ainda, que o Poder Executivo e o Poder Legislativo possuem uma capacidade
institucional melhor do que a do Judiciário para definir onde os recursos em matéria de políticas públicas
devem ser aplicados. Como eles têm uma visão do todo, eles poderiam otimizar a alocação dos gastos
públicos. O juiz tem uma visão mais restrita – “visão de túnel” (vê a parte do processo, mas não tem a macro
visão de todos que serão afetados pela decisão).

2.4. Acesso restrito ao Poder Judiciário


Apenas um pequeno percentual dos brasileiros (aproximadamente, 20%) possuem acesso ao Poder
Judiciário. Se as políticas públicas são voltadas para redução das desigualdades sociais, implementar tais
políticas por ações judiciais acabará prejudicando os que mais precisam. (o Judiciário dará decisões que
favorecerá pessoas que não estão numa situação pior, pois pelo menos elas conseguem o acesso ao
judiciário).
Além disso, ao alocar os gastos para atender aquelas pessoas, as outras – que sequer têm acesso ao
judiciário – serão prejudicados, de modo que as desigualdades seriam ampliadas e não reduzidas.
Dessa forma, se o Judiciário atua sem critérios/parâmetros, ele acaba prejudicando exatamente
aqueles que mais precisam dos direitos sociais.

2.5. Custo dos direitos e reserva do possível

O segundo papel, menos debatido na teoria constitucional, pode ser referido como representativo. Trata-se, como o
nome sugere, do atendimento, pelo Tribunal, de demandas sociais e de anseios políticos que não foram satisfeitos a
tempo e a hora pelo Congresso Nacional”. (Fonte: livro do Min. Barroso).
##Atenção: A função contramajoritária do STF, em resumo, parte do pressuposto que democracia não é tirania da
maioria, cabendo ao tribunal constitucional impedir determinadas ações da maioria que visem violar direitos
fundamentais das minorias, ou omissões do poder público que podem ser lesivas aos direitos daqueles grupos que
sofrem vulnerabilidade jurídica, econômica, etc.
(MPF-2012): Não há Estado de Direito sem a consagração dos direitos à ação e à jurisdição, especialmente quando
voltados à responsabilização civil do Estado.
##Atenção: É por isso que o Brasil adota o princípio da inafastabilidade de jurisdição (art. 5ºXXXV, CF) e a
responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, §6º, CF). Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito
Administrativo) explica que “a ideia de responsabilidade do Estado é consequência lógica inevitável da noção de Estado de
Direito”.
(MPF-2012): O caráter contramajoritário da jurisdição constitucional, segundo o entendimento dominante, possibilita
ao Poder Judiciário atuar ativamente em defesa de direitos fundamentais, desde que se paute por argumentos racionais e
controláveis.
##Atenção: O caráter contramajoritário da jurisdição constitucional refere-se à proteção das minorias contra
imposições discriminatórias e dezarrazoadas das maiorias. O STF desempenhou tal papel na ADI 4277 e na ADF 132
(união estável homoafetiva). Em trecho do voto vencedor do Ministro Ayres Britto nos referidos julgados há
ensinamento relevante acerca do papel contramajoritário da Corte Suprema: “(...) Cabe enfatizar, presentes tais razões, que o
Supremo Tribunal Federal, no desempenho da jurisdição constitucional, tem proferido, muitas vezes, decisões de caráter
nitidamente contramajoritário, em clara demonstração de que os julgamentos desta Corte Suprema, quando assim proferidos,
objetivam preservar, em gesto de fiel execução dos mandamentos constitucionais, a intangibilidade de direitos, interesses e valores que
identificam os grupos minoritários expostos a situações de vulnerabilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de
tal condição, tornam-se objeto de intolerância, de perseguição, de discriminação e de injusta exclusão. Na realidade, o tema da
preservação e do reconhecimento dos direitos das minorias deve compor, por tratar-se de questão impregnada do mais
alto relevo, a agenda desta Corte Suprema, incumbida, por efeito de sua destinação institucional, de velar pela
supremacia da Constituição e de zelar pelo respeito aos direitos, inclusive de grupos minoritários, que encontram
fundamento legitimador no próprio estatuto constitucional. Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema
jurídico, proteção às minorias e aos grupos vulneráveis qualifica-se, na verdade, como fundamento imprescindível à plena
legitimação material do Estado Democrático de Direito, havendo merecido tutela efetiva, por parte desta Suprema Corte,
quando grupos majoritários, por exemplo, atuando no âmbito do Congresso Nacional, ensaiaram medidas arbitrárias destinadas a
frustrar o exercício, por organizações minoritárias, de direitos assegurados pela ordem constitucional (MS 24.831/DF, Rel. Min.
CELSO DE MELLO – MS 24.849/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 26.441/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g .).
204
(MPSC-2013): O “direito à saúde”, consagrado na Constituição da República, enquanto “direito fundamental do ser
humano” (Lei n. 8.080/90, art. 2º), pode incorporar tanto a forma de um direito fundamental de liberdade (v.g. direito à
integridade física), como a de um direito fundamental social (v.g. direito a determinado tratamento medicamentoso).
A tese de que só os direitos sociais têm um custo é falaciosa, pois não existem direitos de graça. O
problema é que o custo dos direitos sociais é especialmente oneroso. Inclusive, Stephen Holmes e Cass
Sunstein, no livro “The cost of rights”, analisaram os gastos dos poderes públicos norte-americanos após
11/9/01. Neste livro, eles falam que após os atentados terroristas, os EUA gastaram muito mais dinheiro
com direitos individuais do que com direitos sociais.
De qualquer forma, é inegável que os custos dos direitos sociais são muito altos, de modo que o
Estado tem que fazer escolhas e optar por determinadas demandas diante da escassez de recursos. Toda
decisão alocativa é também uma decisão desalocativa, pois o orçamento é algo restrito.205
Os recursos do Estado são limitados e, por isso, não deveria o Judiciário ficar intervindo a todo tempo,
sem critérios, em matéria de políticas públicas.

3. “RESERVA DO POSSÍVEL”206-207
A “reserva do possível“ é uma expressão que surgiu na Alemanha em uma decisão do Tribunal
Constitucional Federal (TCF) no caso conhecido como numerus clausus, julgado em 1972. O princípio da
reserva do possível surge na Alemanha, fruto de uma ação ajuizada por alunos que pleiteavam o direito de
ingresso no curso de medicina da universidade pública.
Portanto, tal caso envolvia um pedido feito por um grupo de alemães para que o Judiciário
determinasse ao Estado Alemão que fornecesse vagas em universidades públicas para todas as pessoas que
pleiteassem. O argumento foi no sentido de que, embora ela não traga um rol de direitos sociais como a
Constituição brasileira, a Constituição Alemã assegura, dentre os direitos individuais, a livre escolha de
profissão. Se a Constituição garante a livre escolha de qualquer profissão, e se existem profissões que exigem
o acesso à universidade (Ex.: Advogado), o Estado estaria obrigado a proporcionar tal acesso, pois, caso
contrário, as pessoas não teriam plena liberdade para escolher a profissão. O Tribunal entendeu que, de
fato, o argumento está correto. No entanto, o Tribunal decidiu que não se poderia obrigar o Estado a fazer
algo impossível, algo que não estivesse dentro de seu alcance orçamentário. Surgiu a expressão “reserva
do possível”, que significa que o Estado não pode ser obrigado a exercer determinadas obrigações, a
cumprir determinadas demandas, quando não houver recursos suficientes para isso. Assim, conforme
preconiza essa teoria, os recursos são limitados e as necessidades ilimitadas, de forma que não há condições
financeiras de o Poder Público atender a todas as demandas sociais.
Consoante os ensinamento de Flávia Danielle Santiago Lima, "o conceito de reserva do possível é uma
construção da doutrina alemã que coloca, basicamente, que os direitos já previstos só podem ser garantidos quando há
recursos públicos.” Essa ideia da reserva do possível, posteriormente, foi transposta para o Direito Brasileiro
pelo Professor Ricardo Lobo Torres.

3.1. Dimensões da reserva do possível208


A reserva do possível possui 3 dimensões:209
I) Dimensão ou possibilidade fática: Consiste na disponibilidade de recursos necessários à
satisfação do direito prestacional;
Para que se possa exigir do Estado uma determinada prestação, o primeiro requisito é a existência de
recursos disponíveis. Se não há disponibilidade de recursos, não se pode obrigar o Estado a algo impossível.

205
(Anal. Judic./TRT7-2017-CESPE): A concretização dos direitos sociais previstos na CF, dada a natureza prestacional
desses direitos, submete-se aos limites do financeiramente possível.
206
(MPSC-2021-CESPE): Acerca das definições de direitos humanos e da reserva do possível, julgue o item a seguir: O
princípio da reserva do possível está relacionado com problemas relativos à falta de recursos para ações dos estados para
a efetivação de políticas públicas.
(MPSC-2012): A tese da “reserva do possível” sustenta que a satisfação dos direitos fundamentais é limitada pela
capacidade orçamentária do Estado.
207
##Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TRF2-2009 (CESPE); ii) MPF-2012 e iii) Cartórios/TJRR-2013 (CESPE); iv)
PGEPR-2015 (PUCPR); v) MPRO-2017 (FMP); vi) MPT-2017; vii) MPAP-2021 (CESPE); viii) PGM-Recife/PE-2022
(CESPE).
208
##Atenção: Tema cobrado na prova do MPRO-2017 (FMP).
209
(MPGO-2019): Sobre os direitos sociais, assinale a alternativa correta: Segundo se sustenta em doutrina, um conceito
constitucionalmente adequado de reserva do possível compreende aquilo que o indivíduo pode, razoavelmente, exigir
da sociedade e deve levar em conta a disponibilidade fática e jurídica dos recursos para a efetivação dos direitos sociais
bem como a proporcionalidade da prestação, quanto à sua exigibilidade e razoabilidade, o que impede intervenções
excessivas na esfera dos direitos fundamentais sociais, como também proíbe ações insuficientes para assegurar a
efetividade desses direitos.
(PGEPE-2009-CESPE): Quanto aos direitos e garantias fundamentais, assinale a opção correta: Embora a formulação e
a execução das políticas públicas seja uma prerrogativa dos Poderes Legislativo e Executivo, é possível ao Poder
Judiciário determinar, excepcionalmente, a sua implementação, quando a omissão da administração pública
comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional.
##Obs.: Inexistência de recursos não se confunde com alocação indevida de recursos. Uma coisa é o
Estado não ter verba suficiente para atender algum tipo de demanda, outra coisa é o Estado aplicar mal a
verba.
Ex.: A CF/88 consagra o direito à moradia (Art. 6º). Quando a CF/88 dispõe que o direito à moradia é
um direito social, ela não diz em que medida este direito deve ser assegurado aos indivíduos. Não seria
razoável exigir do Estado que fornecesse uma casa para cada família, porque ele não teria recursos
orçamentários suficientes para atender esse tipo de demanda.

II) Dimensão ou possibilidade jurídica: compreende dois aspectos: (1) existência de autorização
orçamentária para cobrir as despesas pleiteadas; e (2) competências;
A existência de autorização orçamentária não pode ser vista como um obstáculo intransponível, pois,
caso contrário, o Estado, alocando mal os recursos, sempre teria uma “desculpa” para não atender às
demandas.
O orçamento tem um papel fundamental no Estado de Direito, por ser uma concretização do princípio
democrático, já que as escolhas orçamentárias são feitas por representantes do povo. Os representantes do
povo é que escolhem as prioridades (saúde, educação, segurança, transporte...).
No entanto, quando essa alocação de recursos é malfeita ou é feita de forma indevida, não se pode
alegar a inexistência de previsão orçamentária como obstáculo intransponível.
Ex.: O Estado destinou mais verbas ao lazer ou à propaganda do que a uma determinada demanda na
área da saúde – a demanda escolhida não será legítima e o Judiciário poderá intervir.
Outro aspecto que deve ser analisado é sobre qual o ente federativo que tem competência para
atender a determinado tipo de demanda.
Ex.: No caso do direito à saúde, o STF, em sede de repercussão geral 210, adotou o entendimento no
sentido de que o direito à saúde impõe uma responsabilidade solidária a todos os entes federativos. A
ação pode ser ajuizada contra todos os entes ou contra um deles, individualmente. Em outras palavras, o
STF reafirmou jurisprudência sobre a responsabilidade solidária dos entes federados no dever de prestar
assistência à saúde: o dever de prestar assistência à saúde é compartilhado entre a União, os estados-
membros e os municípios, e a distribuição de atribuições entre os entes federativos por normas
infraconstitucionais não elide a responsabilidade solidária imposta constitucionalmente.211
Além disso, cabe destacar os seguintes julgados do STJ:
A 2ª Turma do STJ decidiu que, como o funcionamento do SUS é de responsabilidade
solidária da União, dos Estados e dos Municípios, é de se concluir que qualquer um destes entes
tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de quaisquer demandas que envolvam tal
sistema, inclusive as relacionadas à indenizatória por erro médico ocorrido em hospitais privados
conveniados. Em outras palavras, em caso de má prestação de serviço por hospital privado
que atuar como credenciado do SUS, a vítima poderá buscar a responsabilidade civil da
União, do Estado ou do Município, sendo essa responsabilidade solidária. STJ. 1ª Turma.
REsp 1388822/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 16/06/2014.212

Conforme o STF, “No que tange à legitimidade passiva dos entes políticos envolvidos,
referente às ações cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos, tratamentos e congêneres
imprescindíveis à saúde de pessoa carente, há solidariedade entre a União Federal, Estados e

210
Direito à saúde. Tratamento médico. Responsabilidade solidária dos entes federados. Repercussão geral
reconhecida. Reafirmação de jurisprudência. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos
deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por
qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. [RE 855.178 RG, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 16-3-2015,
Tema 793.]
211
(TJCE-2018-CESPE): Acerca do direito constitucional à saúde e à seguridade social, assinale a opção correta, segundo
entendimento doutrinário e jurisprudencial: O polo passivo de ações que versem sobre responsabilidade nos tratamentos
médicos pode ser ocupado por qualquer dos entes federados.
212
(MPGO-2013): Sobre a garantia constitucional do Direito a Saúde é correto afirmar: conforme uníssona jurisprudência
do STJ, sendo o Sistema Único de Saúde (SUS) composto pela União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios,
impõe-se o reconhecimento da responsabilidade solidária dos aludidos entes federativos, de modo que qualquer um
deles tem legitimidade para figurar no polo passivo das demandas que objetivam assegurar o acesso à medicação para
pessoas desprovidas de recursos financeiros.
(MPES-2013-VUNESP): Considerando a estrutura legal do SUS, o fornecimento de medicamentos para pacientes é
atribuição, dentre os entes públicos: solidária em relação a todas as unidades da Federação.
(DPEAM-2013-FCC): Suponha que um indivíduo obtenha prescrição médica para uso de medicamento nacional,
registrado na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que não é disponibilizado pelo Sistema Único de
Saúde - SUS. Nessa situação, pretendendo obter judicialmente o medicamento do Poder Público, o interessado poderá
propor medida judicial contra União, Estado e Município, em regime de solidariedade.
Municípios, considerando a unicidade do Sistema Único de Saúde" (STF - ARE: 1114649 RJ,
Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe-065 06/04/2018).213

Entretanto, outros direitos são de atribuição de determinados entes. Alguns são de competência dos
Estados, outros do Município e outros da União. Portanto, é necessário verificar, quando se propõe uma
ação, qual é o Ente federativo competente para atender àquela demanda. Se é uma competência municipal,
não se pode exigir da União que assegure aquele direito.

III) Razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerados os recursos efetivamente


existentes (princípio da isonomia): para se exigir uma determinada prestação do Estado, é necessário que
tal exigência seja razoável.
Esta razoabilidade deve ser analisada não individualmente, em razão do princípio da isonomia,
que impõe que o mesmo direito seja assegurado a todos que se encontrem na mesma situação. Assim, se
uma pessoa recorre ao Judiciário, pleiteando um determinado medicamento, se ela tem direito a receber esse
medicamento gratuitamente do Estado, isso significa ou deveria significar que todas as outras pessoas que se
encontram na mesma situação também devem ter esse direito assegurado, em razão do princípio da
isonomia.214
Portanto, a análise da reserva do possível deve ser feita não sob o prisma individual, mas sob o
aspecto coletivo. Se uma pessoa tem direito, deve-se analisar se o Estado tem condições de cumprir aquele
dever para todos os demais que se encontram naquela situação.

3.2. Ações Coletivas

213
(TRF2-2018): Assinale a alternativa correta: No que tange à legitimidade passiva dos entes políticos envolvidos,
referente às ações cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos, tratamentos e congêneres imprescindíveis à saúde
de pessoa carente, há solidariedade entre a União Federal, Estados e Municípios, considerando a unicidade do Sistema
Único de Saúde..
214
(MPSP-2019): Assinale a alternativa correta: É lícito ao Poder Judiciário, considerando a supremacia da dignidade da
pessoa humana, impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução
de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais. BL: Info 794, STF.
(MPBA-2018): Tendo em vista os direitos e garantias fundamentais positivados na CF/1988, à luz da jurisprudência do
STF, assinale a alternativa correta: É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer,
consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais, a fim de
assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva
do possível nem o princípio da separação dos poderes. BL: Info 794, STF.
(DPEAP-2018-FCC): Sob o fundamento de passar por situação de drástica redução na arrecadação tributária e da
necessidade de atender aos percentuais constitucionais de aplicação de recursos nas áreas de educação e saúde,
determinado Estado da federação suspende a realização de investimentos destinados à execução de obras em todas as
áreas de atuação do poder público. Nesse contexto, são paralisados procedimentos internos preparatórios de licitações
para realização de obras em unidades prisionais do Estado, entre as quais, uma que enfrenta situação de superlotação e
precariedade extrema das condições a que submetidos os que ali cumprem pena, conforme atestado em vistoria
realizada por órgão correicional do sistema prisional estadual. Diante disso, a Defensoria Pública estadual pretende ir a
juízo, para compelir o Estado a realizar obras emergenciais na unidade prisional em questão. Nessa situação, à luz da
legislação pertinente e da jurisprudência do STF, a Defensoria Pública possui legitimidade para ajuizar ação civil pública,
visando compelir o Estado à realização de obras emergenciais na unidade prisional, para dar efetividade ao postulado da
dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, não sendo oponíveis à
decisão judicial o argumento da reserva do possível e o princípio da separação de poderes. BL: Info 794, STF.
(MPSP-2017): Ministério Público propôs, em face da Fazenda Pública do Estado, demanda coletiva, visando condená-
la em obrigação de fazer, consubstanciada na realização de obras estruturais emergenciais necessárias para assegurar a
integridade física dos detentos de determinada unidade prisional. Em contestação, a Fazenda arguiu a incidência de
discricionariedade administrativa, da teoria da reserva do possível e da inexistência de previsão orçamentária para os
gastos pertinentes. O Magistrado culminou por julgar improcedente a demanda, acolhendo, para tanto, as teses
defensivas aqui mencionadas. Ante tais premissas, e em consonância com posicionamento firmado pelo Supremo
Tribunal Federal, o entendimento correto é que a sentença comporta reforma, vez que a assecuração do postulado da
dignidade da pessoa humana sobrepuja a margem de discricionariedade conferida ao Administrador Público e direciona
o investimento de recursos, inviabilizando a adoção da teoria da reserva do possível.
(DPERN-2015-CESPE): Acerca da reserva do possível, assinale a opção correta: De acordo com entendimento do STF,
não é cabível à administração pública invocar o argumento da reserva do possível frente à imposição de obrigação de
fazer consistente na promoção de medidas em estabelecimentos prisionais para assegurar aos detentos o respeito à sua
integridade física e moral. BL: Info 794, STF.
#Atenção: É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de
medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da
dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que
preceitua o art. 5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da
separação dos poderes. STF. Plenário. RE 592581/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/8/2015 (Info 794).
Como consequência da análise acima, pode-se dizer que as ações coletivas são o melhor instrumento
para efetivar direitos sociais.
Como o princípio da isonomia exige que seja razoável universalizar uma prestação, as ações coletivas
são mais apropriadas para tal tipo de demanda, pois, quando é dado provimento ao pedido, todas as
pessoas que se encontram naquela situação são atendidas. O juiz tem condições de analisar a questão sob
uma visão mais global do que aquela em que ele analisa quando a demanda é feita individualmente.
Contudo, na prática, as ações coletivas, muitas vezes, acabam não tendo a mesma efetividade que as
ações individuais, porque os juízes, diante de uma pessoa concreta, tendem a ficar mais sensíveis à situação.
Por isso, o Judiciário tende a ser muito mais generoso em ações individuais.215

3.3. Matéria de defesa do Estado


A reserva do possível é matéria de defesa do Estado, ou seja, cabe ao Estado o ônus de alegar e
provar que não tem como atender a uma determinada demanda. Não é a parte que está pleiteando um
medicamento, por exemplo, que vai invocar a reserva do possível.
Como é o Estado que alega, cabe a ele o ônus da prova. Não basta alegar genericamente que não tem
recursos. Tem que demonstrar, através de dados objetivamente aferíveis, um justo motivo para não ter
como atender aquela demanda.216 Vejamos o seguinte julgado do STJ:
STJ: (...) Todavia, a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público,
não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo
da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social. No caso dos autos, não houve
essa demonstração. Precedente: REsp 764.085/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., julgado em
1º.12.2009, DJe 10.12.2009. Recurso especial improvido. STJ. 2ª T., REsp 1185474/SC, Rel. Min.
Humberto Martins, j. 20/04/10.

Na prática, muitas vezes, tal demonstração não ocorre, ou seja, o Estado não se desincumbe do ônus
da prova, o que normalmente leva à procedência do pedido (professor Novelino menciona que nunca viu,
até o momento, no STF, nenhuma decisão que tenha acolhido esse argumento). Contudo, isso não quer dizer
que a reserva do possível nunca foi observada pelo Judiciário. Existem casos como o que segue:
TJRS - Apelação Cível Nº 70014417869: “[...] ASSISTÊNCIA À SAÚDE. FORNECIMENTO
E TRATAMENTO ORTODÔNTICO. DESCABIMENTO. CLÁUSULA DA RESERVA DO
POSSÍVEL. Tratamento ortodôntico, in casu, tem finalidade meramente estética, e não oferece risco à
vida da criança. Interpretação das normas constitucionais não autoriza o atendimento ao pleito.
Observância da cláusula da reserva do possível. Precedentes do STF e desta Corte.”

3.4. Direito à saúde: responsabilidade solidária


O direito à saúde, segundo o STF, é de responsabilidade solidária dos entes federativos. Todos
podem ser demandados conjunta ou individualmente para atender a demanda. Esse entendimento foi
reafirmado em sede de repercussão geral no RE 855.178 RG/SE:
STF - RE 855.178 RG/SE: “[...] DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos
necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes

215
(MPRS-2021): Em relação à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, assinale a alternativa correta: No direito
constitucional brasileiro, os direitos fundamentais sociais podem receber tutela jurisdicional individual e coletiva, sendo
as sentenças estruturantes de políticas públicas uma modalidade apropriada de proteção judicial coletiva desses direitos.
(MPSE-2010-CESPE): Com referência à ação popular e às ações coletivas, assinale a opção correta: Na ordem
constitucional vigente, as ações de tutela coletiva podem ensejar ao Poder Judiciário determinar, em situações
excepcionais de políticas públicas definidas na CF, a sua implementação pelos órgãos estatais inadimplentes, observados
os parâmetros de possibilidade no mundo fático.
216
(MPBA-2018): Tendo em vista a Lei nº 9.394/96, que “estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”, e a
jurisprudência pátria dominante em matéria de políticas públicas da educação, é correto afirmar que em matéria de
políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, o ônus da prova na alegação da reserva do possível,
quer fática, quer orçamentária, cumprirá ao poder público, que deverá comprovar a falta efetiva dos recursos
indispensáveis à satisfação dos direitos a prestações, assim como da eficiente aplicação dos mesmos.
(DPERN-2015-CESPE): No que diz respeito aos direitos sociais, à intervenção judicial na implementação de políticas
públicas e ao mínimo existencial, assinale a opção correta: Para o STF, a tese da reserva do mínimo possível é aplicável
apenas se restar comprovada a real falta de recursos orçamentários pelo poder público, pois não é admissível como
justificativa genérica para eventual omissão estatal na efetivação dos direitos fundamentais.
(MPSC-2013): Na ação civil pública, a objeção do que se convencionou denominar entre nós de " reserva do possível", em
relação à adjudicação de prestações materiais de direitos sociais, consubstancia ônus processual do destinatário da
respectiva obrigação jusfundamental.
federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou
conjuntamente.217

Com relação ao fornecimento de medicamentos de alto custo, até o presente momento, não houve
julgamento do STF (provável que seja julgado ainda esse ano). Mas foi admitida a existência da repercussão
geral no julgamento do STF – RE 566.471 RG/RN. Segue Ementa:
STF - RE 566.471 RG/RN: “Ementa: SAÚDE ASSISTÊNCIA - MEDICAMENTO DE ALTO
CUSTO FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder
Público fornecer medicamento de alto custo.”

4. “MÍNIMO EXISTENCIAL”
O “mínimo existencial” está intimamente ligado à reserva do possível. Em uma questão dissertativa,
quando perguntarem sobre a reserva do possível, necessariamente deve ser abordado o “mínimo
existencial” e vice-versa.
O “mínimo existencial” também é um conceito criado na Alemanha. Surgiu no Tribunal Federal
Administrativo. Posteriormente, passou a ser utilizado nas decisões do TFC (Tribunal Federal
Constitucional). A Suprema Corte Alemã abstraiu o “mínimo existencial” de três princípios: dignidade de
pessoa humana, liberdade material (liberdade que pressupõe condições materiais básicas de existência) e
Estado Social.
O conceito de “mínimo existencial” foi trazido para o Brasil pelo professor Ricardo Lobo Torres,
passando a ser muito utilizado na jurisprudência do STF, de outros tribunais e pela doutrina.218

4.1. Definição
“Mínimo existencial” compreende um conjunto de bens e utilidades indispensáveis à uma vida
digna. Está intimamente relacionado à dignidade da pessoa humana. É o mínimo necessário para que a
pessoa tenha uma existência digna.

4.2. Quais direitos compõem o mínimo existencial?219


Há duas posições:
1ª posição: Para alguns, como o Professor Ricardo Lobo Torres, não se pode definir um conteúdo
para o mínimo existencial, pois ele varia de acordo com cada época e com cada sociedade. Cada sociedade
tem um determinado tipo de demanda específica. Cada época exige que determinados direitos sejam
atendidos. Ex.: Pode ser que daqui a 20/30 anos, o direito de acesso à internet faça parte do mínimo
existencial. Assim, é necessário analisar, em cada época específica e dentro de cada sociedade, quais direitos
seriam esses.

217
(TRF2-2018): No que se refere ao direito à saúde na ordem constitucional brasileira, assinale a alternativa correta: A
existência de atribuição própria para cada ente federativo em normas infraconstitucionais não elide a responsabilidade
solidária imposta constitucionalmente a todos eles.
(TJMG-2006): Na Comarca de Piumhi, o órgão do Ministério Público local propôs, em favor de idoso, uma ação civil
pública que compelisse o Município a fornecer àquele o medicamento FORTÉO, para tratamento de osteoporose.
Anexou atestado, receita e relatório médico demonstrando a necessidade do referido medicamento. O Município
apresentou defesa alegando não ser o responsável pelo fornecimento do remédio, que deveria ser disponibilizado pelo
Estado ou pela União. Você, como Juiz da Comarca, e seguindo orientação predominante no TJMG, decidiria: que a
responsabilidade pelo fornecimento reclamado é, de forma solidária, tanto da União, como dos Estados e Municípios.
218
(MPGO-2016): Nas decisões dos Tribunais Superiores acerca das ações judiciais em que se postulam o direito à saúde
e a educação, tem prevalecido o princípio do mínimo existencial.
(MPAM-2015-FMP): Considere a seguinte assertiva em relação ao controle jurisdicional de políticas públicas, em
consonância com a jurisprudência do STF e do STJ: Não há violação ao princípio da Separação de Poderes quando em
causa a ofensa ao mínimo existencial, sobretudo no que toca aos direitos fundamentais à saúde e à educação.
219
(MPT-2017): Assinale a alternativa correta: O conceito de mínimo existencial pode ser equiparado, no campo
constitucional trabalhista, ao de patamar civilizatório mínimo que a ordem jurídica constitucional, internacional
ratificada e infraconstitucional heterônoma estatal assegura à pessoa humana que vive de seu trabalho empregatício ou
equiparado.
##Atenção: O mínimo existencial abarca o conjunto de prestações materiais necessárias e absolutamente essenciais
para todo ser humano ter uma vida digna. Ele é tão importante que é consagrado pela Doutrina como sendo o núcleo do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no artigo 1º, III da CF. E, sim, tem relação intrínseca com o patamar
civilizatório mínimo que a ordem jurídica constitucional, internacional ratificada e infraconstitucional heterônoma
estatal assegura à pessoa humana que vive de seu trabalho empregatício ou equiparado.
(DPU-2015-CESPE): Com relação aos direitos humanos, julgue o item que se segue: Independentemente da existência
de condições orçamentárias favoráveis, o Estado deve efetivar os direitos sociais, especialmente aqueles referentes a
grupos mais vulneráveis, como crianças e idosos.
2ª posição: Existem autores, no entanto, que buscam concretizar este conceito, tentando identificar
determinados direitos nele contidos (caso contrário, ficaria muito abstrato). A Professora Ana Paula de
Barcellos (UERJ) elenca como direitos que compõem o mínimo existencial:
- Direito à saúde, sobretudo quando indispensável à existência do indivíduo;
- Educação Fundamental (aqui, trata-se da educação básica, não abrangendo educação superior ou do
ensino médio);
- Assistência aos desamparados, no caso de necessidade (ex. LOAS – benefício de 1 salário mínimo
para pessoas deficientes ou que são maiores de 65 anos, cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ do
salário mínimo); e
- Acesso à justiça (direito instrumental para que as pessoas possam fazer valer os três anteriores).

4.3. Absoluto ou relativo? 220


#Questiona-se: O mínimo existencial é absoluto (regra) ou relativo (princípio)? Ele pode ser
ponderado com a reserva do possível? Há duas vertentes:
1ª Vertente (Prof. Daniel Sarmento) – Mínimo existencial como princípio: o mínimo existencial deve
ser interpretado como um princípio, com caráter relativo. Seria necessário ponderá-lo frente à reserva do
possível para se analisar qual deles iria prevalecer. Necessário analisar, em cada caso concreto, se aquele
direito que pertence ao mínimo existencial pode ou não ser exigido do Estado.
Na Alemanha, isso faz sentido, pois a Constituição Alemã não consagra um rol de direitos sociais tão
amplos quanto a Constituição Brasileira. Contudo, qual o sentido do mínimo existencial no Brasil, já que a
Constituição consagra um rol muito mais amplo de direitos sociais do que esse (Direito à saúde, Educação
Básica, Assistência aos desamparados e acesso à justiça para Ana Paula de Barcellos)?
No Brasil, como exposto, os direitos sociais têm o problema da efetividade, que dificulta a
implementação desses direitos em um grau desejado. O mínimo existencial, neste caso, seria um subconjunto
mais restrito dentro dos direitos sociais. A diferença, segundo o Professor Daniel Sarmento, é que esses
direitos que compõem o mínimo existencial, como são mais próximos da dignidade da pessoa humana,
devem ter um peso maior na ponderação do que um direito social que não compõe o mínimo existencial
(Ex.: peso conferido ao direito ao lazer seria muito menor do que o peso conferido ao direito à saúde, por
exemplo). Nessa visão, portanto, é questão de atribuir peso maior ou menor, conforme o direito esteja
incluído ou não dentro da noção de mínimo existencial.
Este entendimento do Professor Daniel Sarmento, no entanto, não é o entendimento que prevalece no
direito brasileiro. O entendimento majoritário na doutrina e na jurisprudência do STF é no sentido de que o
mínimo existencial teria a natureza de uma regra, com caráter absoluto.

2ª Vertente (Profa. Ana Paula de Barcellos, Prof. Ingo Sarlet e Min. Celso de Mello) – Mínimo
existencial como regra (absoluto): o mínimo existencial não se sujeita à ponderação e, por isso, não se
sujeita à reserva do possível. Nesse sentido, a reserva do possível poderia ser invocada para a não
implementação de outros direitos sociais, mas não daqueles que compõem o mínimo existencial.
Se há um direito incluído dentro do mínimo existencial, não se pode alegar a reserva do possível para
que este direito não seja atendido. Vejamos os seguintes julgados:
STF - RE 482611/SC: “[...] Impossibilidade de invocação, pelo Poder Público, da cláusula da
reserva do possível sempre que puder resultar, de sua aplicação, comprometimento do núcleo básico que
qualifica o mínimo existencial (RTJ 200/191-197).”

STF - ARE 639.337 AgR: A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo
poder público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas
públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do
mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do
postulado da essencial dignidade da pessoa humana. [ARE 639.337 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 23-
8-2011, 2ª T, DJE de 15-9-2011.]221

De acordo com as decisões acima, se a reserva do possível for invocada para comprometer a
implementação de um determinado direito que compõe o mínimo existencial, esse argumento não irá
prevalecer no julgamento. Em tal entendimento, entre a reserva do possível e um direito que faz parte do
mínimo existencial, sempre o último irá prevalecer.

220
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) DPERN-2015 (CESPE); ii) MPRO-2017 (FMP); iii) MPT-2017; iv)
Cartórios/TJSP-2022 (VUNESP).
221
(MPSP-2019): Assinale a alternativa correta: A cláusula da reserva do possível, diante da garantia constitucional do
mínimo existencial, enquanto emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana, não pode ser
invocada pelo Estado com a finalidade de frustrar ou inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na
própria Constituição.
Quanto ao citado RE 4826111/SC, em decisão monocrática do Min. Celso de Mello, vejamos as
transcrições veiculadas no Info 581 do STF:
(...) Não se inclui, ordinariamente, no âmbito do Judiciário a atribuição de implementar
políticas públicas, pois, o encargo reside, primariamente, no Legislativo e Executivo. A
incumbência poderá atribuir-se, excepcionalmente, ao Judiciário, quando os órgãos competentes,
por descumprirem os encargos político-jurídicos em caráter mandatório, vierem a comprometer
a eficácia e a integridade de direitos individuais ou coletivos de estatura constitucional. A
“reserva do possível”, em sede de implementação dos direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais), para fins de adimplemento, exige do Poder Público prestações
estatais positivas. A realização desses direitos – em processo de concretização – depende, em grande
medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado.
Comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, não se poderá
razoavelmente exigir a imediata efetivação do comando da Carta Política. Não se mostrará lícito,
contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – mediante
indevida manipulação de sua atividade financeira ou político-administrativa - o ilegítimo,
arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a
preservação de condições materiais mínimas de existência A cláusula da “reserva do possível” -
ressalvada justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada com a finalidade de
exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, máxime quando,
dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação
de direitos constitucionais de essencial fundamentalidade (STF, RE 482.611-SC, Min. Celso de
Mello, julgado em 23-3-2010, Dje 7-4-2010). (Info 581).222

#Considerações: #DOD: Vale ressaltar que a jurisprudência atual tem afirmado que a reserva do
possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao
administrador público preteri-los em suas escolhas. Se um direito é qualificado pelo legislador como
absoluta prioridade, ele deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua
possibilidade é obrigatoriamente fixada pela Constituição ou pela lei. Ademais, tratando-se de direito
essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário
estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político,
especialmente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal.223

Por fim, cumpre ressaltar que direito ao mínimo existencial (Recht auf ein Existenzminimum) é um
direito fundamental social não escrito, reconhecido pelo Tribunal Constitucional Federal alemão
(Bundesverfassungsgericht ou BVerfG) e pela maioria da doutrina alemã. Segundo ele, é dever do Estado
garantir ao cidadão as condições básicas para uma existência digna.
Robert Alexy fundamenta o direito ao mínimo existencial por meio do princípio da autonomia; sob
esse prisma, o direito ao mínimo existencial representaria a garantia dos meios necessários para que o
indivíduo possa atuar de forma autônoma. Trata-se de um direito subjetivo definitivo vinculante224.
Acerca do tema, vejamos o seguinte trecho de julgado do STF:
STF - ARE 639.337 AgR: (...) A noção de "mínimo existencial", que resulta, por
implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende
um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições
adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral
de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena
fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral
da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à
moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da
Pessoa Humana, de 1948 (art. XXV). [ARE 639.337 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 23-8-2011, 2ª T,
DJE de 15-9-2011.]225

222
(MPGO-2019): Sobre os direitos sociais, assinale a alternativa correta: Segundo entendimento do STF, os direitos
sociais caracterizam-se por uma decisiva dimensão econômica, razão por que são passíveis de satisfação segundo
conjunturas econômicas, de acordo com as disponibilidades do momento, a partir de escolhas que competem,
primariamente, ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo. Entretanto, admite a Suprema Corte a intervenção do Poder
Judiciário diante da inércia estatal injustificada, especialmente quando a conduta governamental negativa puder resultar
na nulificação ou até mesmo na aniquilação de direitos constitucionais impregnados de essencial fundamentalidade.
223
(TRF4-2010): Assinale a alternativa correta: A cláusula de “reserva do possível” não pode ser invocada pelo Poder
Público com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de obrigações constitucionais quando essa conduta implicar a
nulificação de direitos fundamentais.
224
ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. 2. Aufl. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, s. 457.
Como se sabe, o modelo de direitos fundamentais sociais proposto por Robert Alexy é baseado na
ponderação. Como tal, o âmbito daquilo que é devido prima facie é maior do que o daquilo que é devido
definitivamente. Os direitos fundamentais sociais são, na maioria dos casos, direitos prima facie. Isso não
significa que eles não sejam vinculantes; significa apenas que, para chegar-se a um direito definitivo,
deve-se passar pela ponderação. Logo, afigura-se a ideia de que os direitos fundamentais sociais como
direitos prima facie; só se tornam direitos definitivos quando não há razões de maior peso em sentido
contrário.226
Portanto, seguindo nessa linha de raciocínio, Robert Alexy defende a necessidade de um padrão
mínimo de existência digna, o qual deve ser garantido a partir dos direitos sociais fundamentais. Existindo
conflito entre o princípio da reserva do possível e o princípio democrático, deve sempre prevalecer o
reconhecimento do direito subjetivo a prestações sociais básicas, indispensáveis a uma vida digna. 227

5. O “PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DE RETROCESSO”228


5.1. Nomenclatura:
“Proibição de retrocesso”, “vedação de retrocesso social”, “efeito cliquet”, “proibição de
contrarrevolução social” (esse último quase ninguém utiliza, mas já foi cobrada em prova do MP/RJ),
“proibição de evolução reacionária”, “eficácia vedativa/impeditiva de retrocesso” (utilizada pelo Barroso) e
“não retorno da concretização”.

#Atenção: Já foi utilizado em prova do MPF: “Efeito cliquet” é um termo utilizado no alpinismo, cujo
movimento tem que ser sempre contínuo, para frente, não podendo retroceder, pois uma trava de segurança
impede que volte, para não cair. Direitos conquistados não podem retroceder.

Na aula sobre o Poder Constituinte Originário, a vedação de retrocesso foi abordada. Agora, neste
tópico, estuda-se a vedação de retrocesso social, ou seja, a vedação de retrocesso sob um aspecto mais
específico, a concretização dos direitos sociais pelos poderes públicos. Faremos a diferenciação.
Ao estudar o Poder Constituinte Originário, vimos que, para alguns, ele teria limitações materiais ou
extrajurídicas, dentre as quais se incluem o princípio da vedação de retrocesso (em sentido amplo). Dessa
forma, o Poder Constituinte não poderia retroceder com relação aos direitos fundamentais já conquistados
por uma sociedade, ainda que no contexto da consagração de uma nova Constituição. Nesse sentido, atua
como uma vedação imposta ao Poder Constituinte originário. Ex.: vedação da pena de morte – uma nova
Constituição não poderia consagrar a pena de morte para crimes hediondos.
A vedação do retrocesso “social”, por sua vez, atua como uma limitação aos poderes públicos
encarregados de concretizar a constituição (Legislativo, Executivo e Judiciário). Aqueles direitos que foram
já concretizados no plano infraconstitucional não podem ser objeto de um retrocesso.
Segundo Marcelo Casseb Continentino, o Princípio da Vedação ao Retrocesso Social “é um direito
constitucional que objetiva impedir que direitos fundamentais conquistados sejam retirados. Podemos considerá-lo,
portanto, como um direito constitucional de resistência que se opõe à margem de conformação do legislador quanto
à reversibilidade de leis concessivas de benefícios sociais” (CONTINENTINO, Marcelo Casseb. Proibição do
Retrocesso Social está na pauta do Supremo Tribunal Federal. 2015.) 229-230

225
(MPSP-2019): Assinale a alternativa correta: A cláusula da reserva do possível, diante da garantia constitucional do
mínimo existencial, enquanto emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana, não pode ser
invocada pelo Estado com a finalidade de frustrar ou inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na
própria Constituição.
(MPPR-2016): Assinale a alternativa correta: A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de
determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja
concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar à pessoa
acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da
plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do
adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à
segurança.
226
(MPGO-2019): Sobre os direitos sociais, assinale a alternativa correta: A tese do mínimo existencial, adotada pelo
Supremo Tribunal Federal, pode ser extraída da teoria dos princípios, conforme proposta por Robert Alexy.
227
ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais, São Paulo, SP: Malheiros Ed, 2008, pp. 511-519.
228
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TRF4-2009; ii) DPERN-2015 (CESPE); iii) MPF-2015; iv) PGEPR-2015 (PUCPR);
v) MPF-2017; vi) DPEBA-2016/2021 (FCC); vii) MPMG-2021; viii) TJMA-2022 (CESPE); ix) MPRJ-2022.
229
CONTINENTINO, Marcelo Casseb. Proibição do Retrocesso Social está na pauta do Supremo Tribunal Federal. 2015.
230
(MPRJ-2022): Assinale a alternativa que diz respeito à modalidade de eficácia de princípio que propõe se possa exigir
do Judiciário a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos
fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente: Vedativa
do retrocesso.
#Atenção: O termo eficácia vedativa do retrocesso está relacionado ao princípio da vedação ao retrocesso (ou efeito
cliquet), que sempre recebe algumas linhas dos principais livros de Direito Constitucional. Em suma, o princípio ensina
Alguns direitos sociais, por terem textura aberta, por se expressarem através de princípios, para serem
implementados na prática precisam de uma concretização por parte dos poderes públicos. Esta
concretização não pode ser objeto de um retrocesso. Portanto, essa limitação se dirige, sobretudo, ao
Legislativo e ao Executivo quando da regulamentação/concretização de um direito social, embora possa
pautar também a atuação do Judiciário, quando da interpretação de um direito social. 231

#Questiona-se: De onde o “princípio da vedação de retrocesso” poderia ser extraído? De acordo com a
doutrina, ele estaria implicitamente consagrado no texto constitucional,232 conforme analisado no tópico a
seguir.

5.2. Consagração constitucional:

que a sociedade, conforme evolui reconhece direitos, não pode retroceder. No sentido cobrado pela questão, o princípio
da vedação ao retrocesso impede que a revogação de uma lei implique a perda de um direito consagrado. Assim, a lei
revogadora deve ser acompanhada de uma nova regulamentação da matéria, que não implique abolição do direito, sob
pena de ser inconstitucional. Numa outra perspectiva, uma corrente minoritária sustenta que o Poder Constituinte
Originário, comumente descrito como ilimitado, encontraria limite no princípio da vedação ao retrocesso. Portanto,
segundo essa corrente, hoje não poderia ser convocada uma assembleia constituinte que formasse uma nova
Constituição de caráter autoritário, antidemocrático e sem os direitos fundamentais que foram consagrados em nossa
sociedade pela CF/88. Sobre o tema: “A eficácia vedativa do retrocesso propõe se possa exigir do Judiciário é a invalidade da
revogação dos enunciados que, regulamentando o comando constitucional, ensejaram a aplicação e a fruição dos direitos
fundamentais ou ainda os ampliaram, toda vez que tal revogação não seja acompanhada de uma política substitutiva. Isto é: a
invalidade, por inconstitucionalidade, ocorrerá quando se revogam as disposições infraconstitucionais descritas deixando um vazio
em seu lugar. A ideia é que a revogação de um direito, já incorporado como efeito próprio da norma constitucional, a esvazia e
viola, tratando-se, portanto, de uma ação inconstitucional.” (Fonte: BARCELLO, Ana Paula de. Eficácia das normas
constitucionais. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André
Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun,
Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2017.).
(DPEBA-2021-FCC): O princípio do não retrocesso social se identifica com a ideia de um direito constitucional de
resistência.
231
(DPEDF-2019-CESPE): Acerca dos direitos e garantias fundamentais e de seus princípios fundamentais, julgue o item
que se segue: A revogação de norma que assegura direitos fundamentais sociais, sem a implementação de medidas
alternativas que tenham a capacidade de compensar eventuais perdas já sedimentadas, contraria o princípio da proibição
do retrocesso social.
#Atenção: Para o princípio da proibição do retrocesso social, quando da revogação de norma que discipline direitos
fundamentais sociais, deve o poder público implementar medidas alternativas que tenham a capacidade de compensar
eventuais perdas já sedimentadas. O princípio refere-se à imposição ao legislador de, ao elaborar os atos normativos,
respeitar a não supressão ou a não redução do grau de densidade normativa que os direitos fundamentais sociais já
tenham alcançado por meio da normatividade constitucional e infraconstitucional, salvo se forem desenvolvidas
prestações alternativas para de forma supletiva resguardar direitos sociais já consolidados.
(MPPR-2019): Os direitos humanos caracterizam-se pela existência da proibição de retrocesso, também chamada de
“efeito cliquet”.
#Atenção: O efeito “cliquet” dos direitos humanos significa que os direitos não podem retroagir, só podendo avançar
nas proteções dos indivíduos. No Brasil esse efeito é conhecido como princípio da vedação do retrocesso, ou seja, os
direitos humanos só podem avançar. Esse princípio, de acordo com Canotilho, significa que é inconstitucional qualquer
medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de
compensar a anulação desses benefícios (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da . 5ª ed. Coimbra:
Almedina, 2002, p. 336.).
(DPESC-2017-FCC): A proibição do retrocesso garante que direitos humanos conquistados não sejam reduzidos. Sobre
o tema é correto afirmar: Para doutrina majoritária, a vedação ao retrocesso é garantido como cláusula pétrea (Artigo 60,
Parágrafo 4° , inciso IV).
(MPM-2013): Assinale a alternativa correta: A proibição do retrocesso substancia cláusula que veda o retrocesso em
matéria de direitos a prestações positivas do Estado e traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais
individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a
ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado.
(MPT-2012): Assinale a alternativa correta: O exercício da função legislativa, em matéria de direitos fundamentais, está
vinculado à observância do princípio da proibição de retrocesso.
(DPEMA-2011-CESPE): Considerando a teoria geral dos direitos humanos, assinale a opção correta: O princípio da
proibição do retrocesso social é uma cláusula de defesa do cidadão em face de possíveis arbítrios impostos pelo
legislador no sentido de desconstituir as normas de direitos fundamentais.
232
(DPESC-2017-FCC): A respeito do princípio da proibição de retrocesso, considere: É considerado pela doutrina um
princípio constitucional implícito.
#Atenção: Para a grande maioria da doutrina estrangeira e nacional, o princípio da proibição do retrocesso ou da
não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais deve ser entendido na atualidade como limite material implícito,
de forma que os direitos fundamentais sociais já constitucionalmente assegurados e que alcançaram um grau de
Segundo a doutrina, a vedação de retrocesso pode ser extraída de diversos outros princípios
consagrados na Constituição, dentre eles:
- Segurança jurídica – imporia uma não retroatividade com relação à concretização dos direitos
conquistados;
- Dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) – conceito guarda-chuva, pois serve como justificação
a tudo;
- Princípio da máxima efetividade (Art. 5º, §1º);
- Princípio do Estado Democrático Direito (Art. 1º); e
- Sistema internacional de direitos humanos (já caiu na prova do MPF-2012, quando o princípio foi
cobrado como contido no sistema internacional de direitos humanos). 233

5.3. Definição
A vedação ao retrocesso consiste no impedimento, dirigido aos poderes públicos, de extinguir ou
reduzir (varia de acordo com a ideologia de cada autor), de forma desproporcional e injustificada, o grau de
concretização alcançado por um direito fundamental prestacional.

#Atenção: Alguns autores, como Zagrebelsky, sustentam que não pode haver qualquer redução no
grau de concretização dos direitos sociais. Outros dizem que a vedação do retrocesso não impede uma
redução, mas sim a extinção da concretização alcançada pelo direito. A redução poderia até ocorrer,
dependendo do caso. De toda forma, para que a extinção ou redução sejam legítimas, há que ser feita de
forma proporcional e justificada.

#Atenção: Observa-se que se está tratando de Poderes Públicos responsáveis pela concretização de um
direito prestacional, os quais exigem do Estado não uma abstenção, mas uma atuação positiva. Muitos
desses direitos têm eficácia limitada, ou seja, dependem de uma outra vontade para serem usufruídos no
caso concreto.
Ex.: O direito de greve dos servidores públicos até hoje não foi regulamentado pelo Congresso
Nacional. Se o Congresso Nacional tivesse regulamentado o direito de greve, ele não poderia simplesmente
revogar a lei, porque isso seria um retrocesso. Ele poderia até alterar a lei, mas não a revogar. Mesmo essa
alteração, se reduzisse o direito de greve ou o âmbito de exercício desse direito, teria que passar pelo crivo
da proporcionalidade e teria que haver uma justificativa legítima. Do contrário, seria uma violação à
vedação de retrocesso.

5.3. Consenso profundo


Quando se fala de vedação de retrocesso, não significa que todo e qualquer aspecto de um direito não
possa ser modificado. A vedação de retrocesso atinge o grau de concretização acerca do qual haja um
consenso profundo na sociedade e não meros detalhes envolvendo determinado direito.
Ex. 1: Aviso prévio mínimo de 30 dias – a redução desse prazo para 25 dias, por exemplo, não pode ser
considerada um retrocesso incompatível com a CF/88 na opinião do professor Marcelo Novelino; é
necessário verificar se há uma justificativa plausível para a redução.
Ex. 2: A CF/88 previa o prazo prescricional de ações trabalhistas de trabalhadores rurais como sendo
indefinido. Houve uma mudança no texto constitucional, sendo que, hoje, qualquer trabalhador urbano ou
rural tem 2 anos para propor a ação, podendo pleitear as verbas trabalhistas dos 5 anos anteriores. Houve
uma redução no grau de concretização do direito dos trabalhadores rurais, mas atingiu um detalhe do
direito, não atingiu sua essência. Assim, não se caracterizou uma violação à vedação do retrocesso.
Vejamos o trecho do seguinte precedente do STF:
STF – ARE 639.337: “(...) A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO
CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE
DIREITOS PRESTACIONAIS. – O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de
direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas
pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em
matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à
saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos
fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais
prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo
Estado.234 Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos
prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de
densidade normativa adequado não poderão ser suprimidos por emenda constitucional e nem mesmo por legislação
infraconstitucional, a não ser que se tenha prestações alternativas para os direitos em questão.
233
(DPESC-2017-FCC): A respeito do princípio da proibição de retrocesso, considere: A sua fundamentação
constitucional pode ser extraída, entre outros, dos princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica,
bem como das garantias constitucionais da propriedade, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão
total ou parcial – os direitos sociais já concretizados. (...)” (STF. 2ª T., ARE 639337 AgR, Rel. Min.
Celso de Mello, j. 23/08/11).235- 236

6. METODOLOGIA “FUZZY”237
O jurista português José Joaquim Gomes Canotilho publicou estudo denominado “Metodología ‘Fuzzy’
y ‘Camaleones Normativos’ en la Problemática Actual de los Derechos Económicos, Sociales y Culturales ” publicado
na Revista “Derechos y Libertades” do Instituto de Direitos Humanos da Universidade Carlos III de Madrid.

No referido estudo, o constitucionalista afirmou que a doutrina jurídica ainda não alcançou
conclusões razoáveis e satisfatórias sobre o tema da implementação de direitos econômicos, sociais e
culturais.

É dizer: houve avanços da doutrina em várias áreas do saber jurídico, mas a concretização dos
direitos sociais ainda caminharia trôpega, ou seja, cambaleante de ideias mais precisas sobre como seria a
concretização de tais direitos econômicos, sociais e culturais.

Essa dificuldade metodológica na implementação dos direitos prestacionais, ou seja, de segunda


geração, gerou a denominação de “metodologia fuzzy”. O emprego da expressão provém do estudo da
“lógica difusa”. Cuida-se de termo extrajurídico que consiste em uma das formas de aplicação da “lógica
difusa”.

O professor José Joaquim Gomes Canotilho é autor de um trabalho denominado “Metodologia Fuzzy e
Camaleões Normativos”, a problemática atual dos direitos econômicos, sociais e culturais, no qual faz duras
críticas ao modo como alguns doutrinadores tratam os direitos econômicos, sociais e culturais. Com o nome
“camaleões normativos”, Canotilho busca demonstrar a suposta vagueza normativa do sistema jurídico dos
direitos sociais, o que acaba por ocasionar uma confusão entre o conteúdo de um direito juridicamente
definido e determinado com sugestões de conteúdo político-jurídica.
Sobre este tema, vejamos a lição de Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Viana Alves Ferreira:
“As ciências sociais são frequentemente criticadas por utilizarem metodologia ‘fuzzy’ – métodos confusos,
indeterminados e vagos para tratar dos respectivos objetos de estudo. E no âmbito da ciência jurídica, é
sobretudo a teoria dos direitos fundamentais que recebe mais críticas dessa ordem. Segundo Canotilho, paira sobre a
dogmática e teoria jurídica dos direitos econômicos sociais e culturais a carga metodológica da ‘vaguidez’,
‘indeterminação’ e ‘impressionismo’ que a teoria da ciência vem apelidando, em termos caricaturais sobre a
designação de ‘fuzzysmo’ ou ‘metodologia fuzzy’. Ainda para Canotilho, ao ‘falarem de direitos econômicos, sociais e
culturais, os juristas não sabem muitas vezes do que estão a falar’” (BERNARDES, Juliano Taveira e FERREIRA,
Olavo Augusto Viana Alves. Direito Constitucional. 3. ed. Bahia: Juspodivm, 2013, p. 687).238

234
(Auditor/FUB-2015-CESPE): Julgue o item subsecutivo, acerca dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos
direitos sociais, dos direitos de nacionalidade e dos direitos políticos: Embora não esteja previsto expressamente na CF, o
princípio da proibição do retrocesso social significa que, uma vez regulamentado dispositivo constitucional de índole
social, o legislador não pode retroceder, revogando ou prejudicando o direito já reconhecido.
(DPU-2007-CESPE): Julgue o item subsequente: Aplica-se aos direitos sociais, econômicos e culturais o princípio da
proibição do retrocesso.
235
(MPSP-2019): Assinale a alternativa correta: Pelo princípio da proibição do retrocesso em matéria de direito a
prestações positivas do Estado, a ação estatal deve caminhar no sentido da ampliação dos direitos fundamentais e de
assegurar-lhes a máxima efetividade possível, ou que, depois de consagrá-los, não possa eliminá-los sem alternativas ou
compensações.
236
#Atenção: Tema cobrado nas provas: i) TJMA-2022 (CESPE); ii) MPSP-2022.
237
Fontes: i) https://www.emagis.com.br/area-gratuita/que-negocio-e-esse/camaleoes-normativos-e-a-metodologia-
fuzzy/ ii) Professor Thimotie Heemann.
238
(MPGO-2019): Seguindo as lições de J. J. Gomes Canotilho quanto aos direitos sociais, culturais e econômicos, em que
consiste a chamada “metodologia fuzzy"? Em virtude de a dogmática e a teoria jurídica dos direitos sociais, culturais e
econômicos expressarem uma metodologia vaga ou mesmo indeterminada, a teoria da ciência, por meio de tons
caricaturais, conferiu-lhe o apelido de “metodologia fuzzy”. Traduz-se, na verdade, em forte censura aos juristas, no
sentido de que estes, na abordagem dos complexos problemas dos direitos sociais, culturais e econômicos, não sabem o
que dizem.

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