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Os Tratados Internacionais de

Direitos Humanos
&
a Constituição Brasileira de
1988
Dispositivos constitucionais básicos:

BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE e sua redação constitucional originária:


Art. 5º, § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Mas com a EC 45/2004, um novo dispositivo surgiu:


Art. 5º, § 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Mas, no final de 2008, em sede de Controle de Convencionalidade, quando


do julgamento do RE 466.343-1/SP no STF, Gilmar Mendes assim votou:
“[P]arece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralega-
lidade aos tratados e convenções de DH [não aprovados segundo o art. 5º, §3º]", pela
qual eles "seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação
aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados desta
supralegalidade".
E finalizou: "Em outros termos, os tratados sobre DH [não aprovados segundo o art. 5º,
§3º] não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial
reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar
o seu valor especial no contexto do sistema de proteção da pessoa humana".
(tese similar existe na Alemanha, França, Reino Unido e Grécia – fonte)

Tal processo se referia ao Pacto de São José da Costa Rica, que proíbe
qualquer prisão por dívida (a não ser por alimentos), resultando na
impossibilidade da prisão do depositário infiel no Brasil.
- Então por que o art. 5º LXVII não foi revogado e continua a prever a
prisão do depositário infiel?
CF + EC + direitos decorrentes do
regime e dos princípios + Tratados Natureza / Equivalência
de DH aprovados conf. o art. 5º, §3º Constitucional

Tratados de DH aprovados
por maioria simples Natureza Supralegal

LC + LO + Tratados de outros temas Natureza Legal (ordinária)


(sem ser de DH) por qualquer
quórum de aprovação

Ou seja, o art. 5º, LXVII CF, apesar de não revogado, foi tornado ineficaz, pois o
PSJCR (de natureza supralegal) paralisou a eficácia dos artigos infraconstitucionais
voltados à prisão do depositário infiel (art. 1.287 do Código Civil de 1916; o
Decreto-Lei nº 911/69; e o art. 652 do Novo Código Civil).

à Súmula 25 do STF + Súmula 419 do STJ decretaram a sua inconstitucionalidade


Sobre os Tratados de DH, quais os de Equivalência Constitucional no Brasil?
Considerando-se os aprovados pós-2004, a resposta é fácil:
- Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo (Decreto 6.949/2009);
- Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com
Deficiência Visual ou com outras dificuldades... (Decreto 9.522/2018);
- Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de
Intolerância (Decreto nº 10.932, de 10 de janeiro de 2022) – mais sobre ela, ao final do
presente slide.

Os Supralegais são + numerosos, como a Convenção Internacional para a


Proteção contra o Desaparecimento Forçado (Dec. 8.767/16); o Acordo de
Paris (Dec. 9.073/17) e os demais T.DH aprovados por maioria simples.
* Saindo um pouco dos DH, Paulo Portela sustenta a supralegalidade dos Tratados sobre
Direito Tributário (art. 98 do CTN) e sobre matéria processual (art. 13 do CPC de 2015).
Mas e quanto aos Tratados de DH aprovados entre a CF/88 e a EC nº45/04?
Seriam Constitucionais, Supralegais ou de natureza Ordinária?

- Quatro são as correntes doutrinárias a se debater sobre o assunto, mas o


citado julgamento RE 466.343-1/SP, proferido em 2008, já esclarece o
entendimento do STF, afinal o Pacto de São José da Costa Rica foi
promulgado no país pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.
- Assim, o STF sustenta hoje a TESE DA SUPRALEGALIDADE defendida pelos
Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Carmem
Lúcia e Menezes Direito, quando do julgamento do RE em questão.
à Para Tratados de DH pré-EC 45/04, a supralegalidade foi concedida
automaticamente, até pq não era possível tratados passarem por 2 turnos
de votação;
à Para os Tratados de DH pós-EC 45/04, a natureza supralegal será
aplicada quando a votação for por maioria simples.
Porém, as demais teorias devem ser abordadas, porque trazem pontos
interessantes sobre a temática:

TESE DA SUPRACONSTITUCIONALIDADE
Defendida por Bidart Campos e Celso Albuquerque de Mello, afirma que os
Tratados de DH pré-EC.45/04 seriam normas supraconstitucionais. Posição que
se coaduna com a teoria monista.

TESE DA CONSTITUCIONALIDADE
Defendida por Flávia Piovesan, Cansado Trindade, Silvia Helena Steiner, Luiz
Flávio Gomes, Valério Mazzuoli e Ada Peregrini Grinover.
Também foi defendida pelos Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e
Ellen Gracie, quando do julgamento do RE 466.343-1/SP.
Possui sua lógica, já que o Art. 5º, § 2º CF, que tem redação original de 1988,
dispõe: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes [...] dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte”.
“Segundo o nosso entendimento, a cláusula aberta do § 2º do art. 5º, da Carta de
1988, sempre admitiu o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos
direitos humanos no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais, e não em
outro âmbito de hierarquia normativa. Portanto, segundo sempre defendemos, o
fato de esses direitos se encontrarem em tratados internacionais jamais impediu a
sua caracterização como direitos de status constitucional” (MAZZUOLI, 2019, p.1272-PDF).

TESE DA NATUREZA ORDINÁRIA


Já foi defendida pelo Supremo Tribunal Federal, até dezembro de 2008,
pela qual os Tratados de DH pré-EC.45/04 seriam de natureza
meramente ordinária.
Julgados importantes dessa antiga corrente: HC 72.131 e ADI 480-3 DF.
Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência
Histórico do tratamento Às pessoas com
deficiência
A história da construção dos DH das pessoas com deficiência (PdCs) demarca quatro fases:
- 1ª fase, de intolerância em relação às pessoas com deficiência, em que a deficiência simbolizava
impureza, pecado, ou mesmo, castigo divino;
- 2ª fase, marcada pela invisibilidade das pessoas com deficiência;
- 3ª fase, orientada por uma ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a
deficiência era uma “doença a ser curada”; e
- 4ª fase, orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em que emergem os direitos à inclusão
social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere, sendo que
este meio é assumido como uma construção coletiva. Esta mudança paradigmática aponta aos
deveres do Estado para remover os obstáculos que impeçam o pleno exercício de direitos das PcD,
viabilizando o desenvolvimento de suas potencialidades, com autonomia e participação. (PIOVESAN,
Temas de DH, 2012)
- Em suma, a deficiência passa a ser um conceito social, e não mais médico (RAMOS, Curso DH, 2021).
Incorporação da convenção no direito
brasileiro
• Essa convenção foi adotada pela ONU em 30 de março de 2007, tendo
sido promulgada na ordem interna brasileira pelo Decreto nº 6.949/09.
• Como já dito, essa convenção foi aprovada no Congresso Nacional com
status de emenda constitucional, segundo Decreto Legislativo n° 186/08.

• Art. 1º. O propósito da Convenção é promover, proteger e assegurar o


exercício pleno e equitativo [IGUALDADE MATERIAL!] de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com
deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Conceitos básicos da convenção
• Na segunda parte do art. 1º, é conceituado o termo Pessoas com Deficiência (PcD):
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.

• É um conceito bastante amplo, que serviu de base para a ADPF nº 182 de 2009.
- Esta ADPF buscava declarar a inconvencionalidade do art. 20, §2º, da Lei da organização da
Assistência Social (nº 8.742/93) cujo conceito de PcD era bem mais restrito, vejam só: “a pessoa
portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho”.
- Este conceito exclui, por exemplo, PcDs que vivem só, mas, nem por isso, deixam ser PcDs.
- Mas, antes de ser julgada, a ADPF perdeu o seu objeto, visto que a Lei nº 12.470/11 alterou o
texto legal e atribuiu às pessoas com deficiência o exato conceito previsto pela Convenção.
Mais conceitos básicos
O artigo 2º ainda traz alguns outros conceitos básicos, dentre eles:

• “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou


restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o
reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político,
econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de
discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável;

• “Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não


acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de
assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais;
A igualdade material – direito à educação
Dentre os direitos garantidos pela Convenção, há o direito à educação. Para efetivar
este direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados
assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado
ao longo de toda a vida. Para tanto, o artigo 24, a) dispõe o seguinte:
“os Estados Partes assegurarão que: As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema
educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas
do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência”,
inclusive efetivando as adaptações razoáveis e medidas de apoio individual necessárias.

Portanto, o Decreto de Bolsonaro (10.502/2020) que incentivava a criação de escolas


para alunos com deficiência não era apenas um retrocesso, mas inconvencional. E foi,
felizmente, revogado pelo Decreto 11.370/2023.
Fiscalização e protocolo facultativo
• Quanto ao monitoramento, a Convenção instituiu o Comitê sobre os direitos
das PcD* (art. 34) e adotou apenas o mecanismo de relatórios** (art. 35).
*como já visto, este Comitê é um dos órgãos de tratados da ONU.
**sobre este mecanismo, apesar de importante, sua eficácia protetiva sobre os direitos é
baixa.

• Visando ampliar a proteção e a fiscalização, a ONU adotou um Protocolo Facul-


tativo à Convenção, instituindo o sistema de petições individuais, permitindo
que pessoas, ou grupo de pessoas, encaminhem comunicações ao Comitê sobre
os Direitos das PcD alegando violações da convenção.
• No Brasil, o Protocolo também foi recepcionado pelo Decreto nº 6.949/09.
Sobre a terminologia
Devemos aqui expor pequena observação sobre a terminologia utilizada na questão. A
expressão “pessoa portadora de deficiência” corresponde àquela usada pela
Constituição brasileira (art. 7º, XXXI; art. 23, II, art. 24, XIV; art. 37, VIII; art. 203, IV; art.
203, V; art. 208, III; art. 227, § 1º, II; art. 227, § 2º; art. 244). Porém, o termo
“portadora” realça o “portador”, como se fosse possível deixar de ter a deficiência.
Assim, a expressão utilizada pela ONU é “pessoas com deficiência” – persons with
disabilities, conforme consta da Standard Rules e da Convenção da ONU de 2006. Cabe
salientar, ademais, que, tendo a Convenção em tela status normativo equivalente ao de
emenda constitucional, houve atualização constitucional [mas não textualmente
expressa, pelo visto] da denominação para “pessoa com deficiência”, que deve, a partir
de 2009, ser o termo utilizado. (RAMOS, André de Carvalho. Curso de DH, 2021)
Tratado de Marraqueche

*Marraqueche na redação legal; Marraquexe segundo a ortografia correta.

**Nome completo: Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a


Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com Outras
Dificuldades para Ter Acesso ao Texto Impresso.
Segundo a União Mundial de Cegos, mais de 90% de todos os materiais
publicados ao redor do mundo não podem ser acessados por pessoas cegas
ou deficientes físicos em razão de problemas de acessibilidade (WBU, 2020).
Resultado: educação e mesmo a cidadania destas pessoas mitigadas.

O obstáculo para esta difusão é a proteção aos direitos autorais, que dá


prevalência à propriedade privada e não ao interesse coletivo. O Tratado de
Marraquexe é criado justamente para limitar a propriedade autoral.

O Tratado foi assinado em 27 de junho de 2013, e atingiu vinte ratificações


em 30 de junho de 2016. Entrou em vigor três meses depois (condição
prevista no tratado). Hoje, tem 75 signatários, incluindo o Brasil (Decreto
9.522/2018), que recepcionou este tratado com equivalência constitucional.

à Em resumo, o Tratado permite a criação de entidades autorizadas a


converter obras literárias e artísticas para formatos acessíveis, e distribuí-
las para pessoas com deficiência.
Definições do art. 2º do Tratado:
OBRAS: significa as obras literárias e artísticas no sentido do Artigo 2.1 da
Convenção de Berna [abaixo], em forma de texto, notação e/ou ilustrações
conexas, que tenham sido publicadas ou tornadas disponíveis publicamente
por qualquer meio.

Convenção de Berna sobre a Proteção de Obras Literárias e Artísticas (DECRETO nº 75.699/75)


Art. 2º, §1º. Os temas "obras literárias e artísticas", abrangem todas as produções do domínio
literário, cientifico e artístico, qualquer que seja o modo ou a forma de expressão, tais como os
livros, brochuras e outros escritos; as conferências, alocuções, sermões e outras obras da
mesma natureza; as obras dramáticas ou dramático-musicais; as obras coreográficas e as
pantomimas; as composições musicais, com ou sem palavras; as obras cinematográficas e as
expressas por processo análogo ao da cinematografia; as obras de desenho, de pintura, de
arquitetura, de escultura, de gravura e de litografia; as obras fotográficas e as expressas por
processo análogo ao da fotografia; as obras de arte aplicada; as ilustrações e os mapas
geográficos; os projetos, esboços e obras plásticas relativos à geografia, à topografia, à
arquitetura ou às ciências.
EXEMPLAR EM FORMATO ACESSÍVEL: reprodução da obra [sem necessidade de
autorização do autor - art. 4º, §2º, a] de forma alternativa que dê aos beneficiários
acesso, inclusive para permitir que a pessoa tenha acesso de maneira tão prática e
cômoda como uma pessoa sem deficiência visual ou sem outras dificuldades.
O exemplar em formato acessível é utilizado exclusivamente por beneficiários e
deve respeitar a integridade da obra original, levando em consideração as
alterações necessárias para tornar a obra acessível no formato alternativo e as
necessidades de acessibilidade dos beneficiários.

ENTIDADE AUTORIZADA: entidade autorizada ou reconhecida pelo governo para


prover aos beneficiários, sem intuito de lucro*, educação, formação pedagógica,
leitura adaptada ou acesso à informação. Inclui, também, instituição
governamental ou ONG que preste os mesmos serviços aos beneficiários como uma
de suas atividades principais ou obrigações institucionais.

* o Tratado não esclarece o que isso significa. Tanto que, no Guia deste Tratado, editado pelo Governo
Bolsonaro, afirma: “Como tais entidades são sem fins lucrativos, o acesso às obras em formato acessível
deverá ser gratuito ou mediante pagamento equivalente aos custos de produção e distribuição.”
De acordo com o art. 3º, será BENEFICIÁRIO toda pessoa:
a) cega;
b) que tenha deficiência visual ou outra deficiência de percepção ou de leitura
que não possa ser corrigida para se obter uma acuidade visual substancialmente
equivalente à de uma pessoa que não tenha esse tipo de deficiência ou
dificuldade, e para quem é impossível ler material impresso de uma forma
substancialmente equivalente à de uma pessoa sem deficiência ou dificuldade;
c) que esteja impossibilitada, de qualquer outra maneira, devido a uma
deficiência física, de sustentar ou manipular um livro ou focar ou mover os olhos
da forma que normalmente seria apropriado para a leitura.

Já os artigos 5º e 6º tratam do intercâmbio transfronteiriço de exemplares em


formato acessível, abrindo a oportunidade de remessas e recebimentos de obras
em modelos acessíveis a nível global. Porém, isso depende da forma pela qual o
Tratado é internalizado e implementado por cada país signatário.
Cláusula de Disponibilidade Comercial
- No art. 4.4, o Tratado prevê a cláusula de disponibilidade comercial, pela
qual o país, em relação aos direitos previstos no Tratado, “poderá restringir
as limitações ou exceções [...] às obras que, no formato acessível em
questão, não possam ser obtidas comercialmente sob condições razoáveis
para os beneficiários naquele mercado”.

- Noutras palavras, se a obra em formato acessível for muito cara, o


Tratado permite que uma entidade autorizada a converta para um acesso
mais barato ou mesmo gratuito.
- Esta permissão pode ser restringida, mas, para tanto, o Estado
precisará regular esta cláusula de disponibilidade, em relação ao quê a
FEBAB (2020) e os estudiosos se colocam frontalmente contra.

à E como o Tratado foi recepcionado e regulado pelo Brasil?


O TRATRADO DE MARRAQUEXE NO BRASIL
- Aprovado pelo quórum do art. 5º, §3º CRFB, ele tem natureza de EC.

- Depois de realizar uma Consulta Pública (cujo relatório final se encontra


aqui), o Governo brasileiro regulou o Tratado, via Decreto 10.882/2021.

- O Decreto regulou, principalmente, os processos administrativos de


reconhecimento das entidades autorizadas, fiscalização e cancelamento do
reconhecimento.

- Quanto à cláusula de disponibilidade, a consulta pública propôs, ao final,


“não inserir um requisito de disponibilidade comercial nesse momento”,
colocando, felizmente, o acesso às obras no formato acessível como direito
mais importante do que os direitos autorais e de comercialização.
Convenção Interamericana contra o
Racismo, a Discriminação Racial e
Formas Correlatas de Intolerância
(Decreto 10.932/2022)
Até hoje, apenas 6 Estados americanos ratificaram e depositaram a Convenção
(Antígua e Barbuda, Brasil, Costa Rica, Equador, México e Uruguai). Fonte.
Conceitos básicos da Convenção (art. 1º)
§1º. Discriminação racial é qualquer distinção, exclusão, restrição ou
preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito
ou efeito seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício,
em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e
liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais
aplicáveis aos Estados Partes. A discriminação racial pode basear-se em
raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica.

Silvio Albuquerque, membro brasileiro do Comitê para a Eliminação da Discriminação


Racial (CERD) afirma: “Os atos de discriminação racial são quase sempre motivados por
projetos políticos e econômicos específicos, e não por teses abstratas sobre a natureza
científica da humanidade.”
- E, assim, quando se coloca por detrás de “projetos políticos e econômicos”, o racismo
adquire um suposto tom de neutralidade, o que é reconhecido no §2º.
§2º. Discriminação racial indireta é aquela que ocorre, em qualquer esfera da
vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério
aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem
particular para pessoas pertencentes a um grupo específico, com base nas
razões estabelecidas no Artigo 1.1, ou as coloca em desvantagem, a menos que
esse dispositivo, prática ou critério tenha um objetivo ou justificativa razoável e
legítima à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

- Os princípios econômicos liberais se revestem de universalidade e, assim, exigir


comprometimento total de candidato ao trabalho esconde o fato de ele ou ela morar
longe, ter filhos, não ter tido oportunidades de educação etc. E adivinhem qual é o grupo
racial que, em geral, moram longe, têm filhos mais cedo e menos educação formal?

- Segundo o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, no livro “A ação afirmativa e o princípio


constitucional da igualdade”, esta discriminação tem um “impacto desproporcional” e
quase invisível, perpetuando uma base estrutural e sendo a sua forma mais perversa.
O reconhecimento de criminosos por foto comprova o racismo estrutural:
- Dois relatórios da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) e do Colégio Nacional de
Defensores Públicos Gerais (CONDEGE) apontam que, de 2012 a 2020, foram realizadas
ao menos 90 prisões injustas baseadas no método de reconhecimento facial. Desse
total, 81% eram pessoas negras. E 100% foram absolvidos por erro na identificação.

O reconhecimento facial digital pode diminuir este racismo institucional?


Afinal, a tecnologia é imparcial, não?
Neste caso, “um banco de dados é cadastrado com as imagens de pessoas com
mandatos de prisão em aberto. É importante salientar que a maioria da população
carcerária do Brasil é negra, correspondendo a 61,7% do total. A partir desse cadastro, o
dispositivo emite um alerta quando o rosto da pessoa na câmera tem grau de
semelhança com a pessoa no banco de dados.” (MAGNO; BEZERRA, 2020, p. 48)
- Resultado: dentre os casos, 90,5% das pessoas eram negras e 9,5% brancas. Uma nova
tecnologia para os suspeitos de sempre.
§4º. Racismo consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de
ideias que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou
genotípicas de indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de
personalidade, inclusive o falso conceito de superioridade racial. O racismo
ocasiona desigualdades raciais e a noção de que as relações discriminatórias entre
grupos são moral e cientificamente justificadas.
Toda teoria, doutrina, ideologia e conjunto de ideias racistas descritas neste Artigo
são cientificamente falsas, moralmente censuráveis, socialmente injustas e
contrárias aos princípios fundamentais do Direito Internacional e, portanto,
perturbam gravemente a paz e a segurança internacional, sendo, dessa maneira,
condenadas pelos Estados Partes.

- Vejam que a convenção traz concepções históricas, se colocando, portanto, no oposto


das normas jurídicas que, em geral, são objetivas e abstratas.
- Aos defensores do “RACISMO REVERSO”, quais os tais vínculos causais entre fenótipo
branco e traços sociais? Qual a desigualdade racial neste suposto racismo? Quantos
brancos foram espancados e/ou barrados em estabelecimentos por serem brancos?
§5º. As medidas especiais ou de ação afirmativa adotadas com a finalidade
de assegurar o gozo ou exercício, em condições de igualdade*, de um ou
mais direitos humanos e liberdades fundamentais de grupos que requeiram
essa proteção não constituirão discriminação racial**, desde que essas
medidas não levem à manutenção de direitos separados para grupos
diferentes e não se perpetuem uma vez alcançados seus objetivos***.

* a igualdade, aqui, é obviamente material.


** apesar de não constituir discriminação racial, estas ações concretizam, sim, uma
discriminação (sinônimo de diferenciar, discernir), mas uma discriminação positiva.
*** “uma vez alcançados os objetivos”, as medidas podem ser descontinuadas. Mas
quanto tempo levaria? Como promover uma reparação histórica que crie uma sociedade
antirracista (nos dizeres de Angela Davis), com igualdade de oportunidades para todos?
- Lei de Cotas (12.711/12) – o art. 7º dispõe prazo de 10 anos p/ rever a lei. A revisão ainda
não ocorreu, mas há propostas que tentam aprimorar o programa ou restringi-lo. E há PLs que
tentam prorrogar a revisão para 2032, por entender que as cotas ainda não cumpriram o seu papel.
MECANISMOS DE PROTEÇÃO E ACOMPANHAMENTO DA CONVENÇÃO

Art. 15, i. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não


governamental juridicamente reconhecida em um ou mais Estados membros
da Organização dos Estados Americanos, pode apresentar à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou
queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte. [...]. Nesse caso,
serão aplicáveis todas as normas de procedimento* pertinentes constantes
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos assim como o Estatuto e o
Regulamento da Comissão;

*As normas são as relativas à apresentação de reclamação individual:


- Ter sido interposto e esgotados os recursos de jurisdição interna (OBS: essa exigência é
dispensada em caso de demora injustificada na decisão);
- A petição ou a comunicação tem que ser apresentada à CIDH no prazo de 6 meses a
partir da intimação da decisão definitiva da jurisdição interna;
- Não pode estar pendente outra solução internacional (sem litispendência internacional);
- A petição não pode ser anônima (mas a confidencialidade será mantida).
15, iv. será estabelecido um Comitê Interamericano para a Prevenção e
Eliminação do Racismo, Discriminação Racial e Todas as Formas de Discriminação
e Intolerância, o qual será constituído por um perito nomeado por cada Estado
Parte, que exercerá suas funções de maneira independente [...];
15, v. o Comitê será o foro para intercambiar ideias e experiências, bem como
examinar o progresso alcançado pelos Estados Partes na implementação desta
Convenção, e qualquer circunstância ou dificuldade que afete seu cumprimento
em alguma medida. O referido Comitê poderá recomendar [nunca exigir] aos
Estados Partes que adotem as medidas apropriadas. [...]

Segundo Silvio Albuquerque, “Do ponto de vista estratégico e pragmático, uma das conquistas mais
importantes do Comitê foi a caracterização da discriminação racial como um fenômeno presente em todas
as sociedades do mundo, sem exceção. Ao consolidar o entendimento de que tal manifestação não é uma
doença social, mas uma prática objetiva que viola os princípios da igualdade e da não-discriminação,
afastou-se qualquer tentativa legítima dos Estados de evitar o regular escrutínio por parte do Comitê, sob o
pretexto da inexistência de discriminação racial em seu território.
Como membro do Comitê, testemunho uma tendência crescente de Estados recusando-se a admitir a
existência de discriminação racial em territórios submetidos a sua jurisdição. [...] Tal fato é especialmente
grave, tendo em vista que os principais motores e facilitadores da discriminação racial no mundo são
Estados que justificam, adotam e implementam políticas que discriminam racialmente, ainda que de forma
indireta, com base na raça, cor, descendência, origem étnica ou nacional.
DIREITOS
HUMANOS
Genocídio, Tortura e o TPI
CONVENÇÃO CONTRA O GENOCÍDIO DE 1949

• Assinada em 11 de dezembro de
1948, por ocasião da III Sessão
da Assembleia Geral das Nações
Unidas – entrou em vigor em 12
de janeiro de 1951.
• Recepcionada pelo Brasil via
Decreto n. 30.822/1952.

22 de julho de 2023
33
CONVENÇÃO CONTRA O GENOCÍDIO DE 1949
Artigo II - Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer
dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em
parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como:

- assassinato de membros do grupo;


- dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
- submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe
ocasionem a destruição física total ou parcial;
- medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
- transferência forçada de menores do grupo para outro.

22 de julho de 2023
34
CONVENÇÃO CONTRA O GENOCÍDIO DE 1949

Artigo III - Serão punidos os seguintes atos:


- o genocídio; Autoria e participação
- o conluio para cometer o genocídio; – sejam eles
- a incitação direta e pública a cometer o governantes,
genocídio; funcionários ou
- a tentativa de genocídio; particulares
- a cumplicidade no genocídio.

22 de julho de 2023
35
CONVENÇÃO CONTRA O GENOCÍDIO DE 1949
• Além disso, o genocídio não pode ser considerado crime político, para
fins de extradição (art. VII) - e os Estados-parte se comprometem a
proceder à extradição!
• Isso é importante porque o Brasil não extradita estrangeiro por crime
político à assim, se o ato for considerado genocídio, caberá
extradição!
• Por fim, o Código Penal (art. 7º, I, d) determina que o genocídio
praticado por brasileiro sempre será julgado pelo Brasil e,
independentemente da nacionalidade, se tiver ocorrido em solo
brasileiro (art. 7º).
22 de julho de 2023
36
O MASSACRE DE HAXIMU
“Em 23/07/1993, garimpeiros mataram 12
indígenas ianomâmis a tiros e golpes de
facão, incluindo cinco crianças.”

Cinco pessoas foram condenadas pelos


crimes de lavra garimpeira ilegal,
contrabando ou descaminho, ocultação
de cadáver, dano, formação de quadrilha
ou bando, todos em conexão com
genocídio e associação para o genocídio.

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CONVENÇÃO CONTRA O GENOCÍDIO DE 1949
A Convenção foi base para casos internacionais, como:
• da Ex-Iugoslávia e a Guerra dos Balcãs entre sérvios e não sérvios, que
resultou em cerca de 100 mil mortes. à Criação, pela ONU, do Tribunal
Penal Internacional da Ex-Iugoslávia, em 1993.
• de Ruanda e a Guerra civil entre tutsis e hutus, com saldo de 800 mil
mortes à Instauração do Tribunal Penal Internacional de Ruanda, criado
pela ONU, em 1994.

O problema de ambos os exemplos é que são Tribunais Ad Hoc, levando à


aprovação do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional
(TPI), entrando em vigor no dia 1º de julho de 2002.

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No Brasil, a Convenção encontrou ressonância no Direito pátrio, pois
em 1956 foi promulgada a Lei do Genocídio – Lei n.2.888, pelo então
presidente J. Kubitschek.

Além disso, via Decreto 4.388/2022, o Brasil internalizou o Estatuto de


Roma, se submetendo à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (a
ser analisado à frente) o qual determina a imprescritibilidade dos
crimes de sua jurisdição!

Ambos os diplomas legais repetem a definição de genocídio da


Convenção.
CONVENÇÕES DE COMBATE
À TORTURA:
A CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA E
OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS,
DESUMANOS OU DEGRADANTES DE 1984
(ONU) – trataremos apenas desta

E
A CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA
PREVENIR E PUNIR A TORTURA DE 1985.

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CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA E OUTROS
TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU
DEGRADANTES DE 1984
• Adotada pela Resolução 39/46, da Assembleia Geral das Nações
Unidas, em 10 de dezembro de 1984 e internalizada pelo Decreto n.
40/1991.

• Possui um Protocolo Facultativo de 2002, adotado pelo Brasil por


meio do Decreto n. 6.085/2007.

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CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA DE 1984

ARTIGO 1º: “1. [...] o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual
dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos
intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma
terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de
intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer
motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais
dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra
pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o
seu consentimento ou aquiescência. [...]”.

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CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA DE 1984
• A Convenção permite a negatória de extradição para país onde se
supõe, razoavelmente, que o indivíduo pode ser torturado.
• Todavia, o próprio Estado, que deverá proceder à internalização do
crime de tortura poderá processar ele próprio.

• Além disso, cada Estado se compromete a assegurar que o ensino e a


informação sobre a proibição de tortura sejam plenamente
incorporados no treinamento do pessoal civil ou militar encarregado da
aplicação da lei, do pessoal médico, dos funcionários públicos e de
quaisquer outras pessoas que possam participar da persecução penal.

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CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA DE 1984

• Os Estados também se comprometem a permitir mecanismos de


denúncia de vítimas e a sua proteção.
• Se comprometem, também à investigar e punir os responsáveis, seja
eles agentes do Estado ou não.

• Além da punição é assegurado indenização às vítimas e seus


dependentes, no caso de morte, sem prejuízo de indenizações advindas
do direito pátrio.

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CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA DE 1984
• A Convenção criou o Comitê sobre a Tortura com a função de
fiscalização do cumprimento da Convenção pelos Estados partes.

• Composta de 10 peritos eleitos a título pessoal, para um mandato de


4 anos.
• Compete a análise de relatórios enviados a cada 4 anos pelos
Estados-parte, além de proceder a investigações e transmitir
observações e sugestões.
• Também deve apresentar relatório anual à Assembleia Geral da
ONU.

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CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA DE 1984
• O PROTOCOLO FACULTATIVO:
• Estabelece um sistema de visitas regulares efetuadas por órgãos
nacionais e internacionais independentes a lugares onde pessoas são
privadas de sua liberdade, com a intenção de prevenir a tortura e
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
• Determina a criação de um Subcomitê de Prevenção da Tortura e
outros Tratamentos ou Penas Cruéis, constituído de 10 membros,
eleitos e indicados pelos Estados parte.
• Mas, por óbvio, o Comitê não detém competência jurisdicional sobre
tais crimes. Quem a possui é o TPI.
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Tribunal Penal Internacional

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O Tribunal Penal Internacional
Sobre o TPI, algumas considerações se fazem necessárias:
- Ele NÃO está vinculado à qualquer organização internacional.
- Composto por 18 juízes, é instalado em Haia (Holanda), em 2003.
- Atualmente, 123 Estados aceitaram a competência do TPI, mas não
China, EUA, Israel e Rússia, dentre outros.

Art. 25. Estatuto de Roma do TPI: "1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal
será competente para julgar as pessoas físicas. 2. Quem cometer um crime da
competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá
ser punido de acordo com o presente Estatuto".

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- Buscando impedir novos Tribunais Ad Hoc, o Estatuto de Roma
reconhece sobre o TPI os princípios da legalidade e da
irretroatividade, dispondo que:

“o Tribunal só terá competência relativamente aos crimes cometidos


após a entrada em vigor do presente Estatuto” (art. 11, § 1º)

“se um Estado se tornar Parte no presente Estatuto depois da sua


entrada em vigor, o Tribunal só poderá exercer a sua competência em
relação a crimes cometidos depois da entrada em vigor do presente
Estatuto relativamente a esse Estado” (art. 11, § 2º).
- Os indivíduos (maiores de 18 anos à data do crime) são punidos como
indivíduos mesmo, e não em nome do Estado ao qual pertencem.
Art. 103. 1. a) As penas privativas de liberdade serão cumpridas num Estado
indicado pelo Tribunal a partir de uma lista de Estados que lhe tenham
manifestado a sua disponibilidade para receber pessoas condenadas.

- Mas, segundo o Estatuto, a competência do TPI é “complementar às


jurisdições penais nacionais” (art. 1º).
Melhor seria definir a competência do TPI como SUBSIDIÁRIA, pois ele “só
intervirá (ultima ratio) quando o direito interno (na esfera criminal) não o fizer,
segundo os critérios definidos pelo próprio Estatuto (art. 17), ou seja, se os
Estados se mostrarem incapazes ou não demonstrarem efetiva vontade de punir
os seus criminosos” (MAZZUOLI, p.1050).

- E quais os crimes de responsabilidade do TPI?


Consumação, tentativa, solicitação ou instigação de algum dos crimes do Art.
5º, assim conceituados nos dispositivos subsequentes:
a) Genocídio: práticas criminosas (homicídio, ofensa à integridade física ou
mental, sujeição a condições desumanas, impedimento de novos
nascimentos ou transferência ilegal de crianças) contra grupos de pessoas,
em função de características nacionais, étnicas, raciais ou religiosas.
b) Crimes contra a humanidade: ataques sistemáticos ou generalizados
contra comunidades, resultando em homicídio, extermínio, escravidão,
transferência forçada de território, tortura, agressão sexual, desaparecimento
de pessoas, apartheid ou outra forma de atos desumanos semelhantes.
c) Crimes de guerra: conforme definidos na Convenção de Genebra de 1949,
nas leis e nos costumes aplicáveis aos conflitos armados internacionais (ex:
tortura, tomada de reféns, privação a julgamento justo e imparcial etc.).
d) Crimes de agressão: citados no Art. 5º do Estatuto de Roma, mas não
definidos na redação original.
Veja alguns casos concretos julgados pelo TPI
Bolsonaro, o TPI e o genocídio Yanomami
De 2016 a 2020, o garimpo na Terra Yanomami cresceu 3.350%; em 2022, só 30% dos mais
de 90 medicamentos que deviam ser fornecidos foram entregues, impedindo o tratamento
p/ 10 mil das 13 mil crianças que vivem na região, dentre outras denúncias.

A ex-juíza de Haya, Sylvia Steiner afirmou: "Por ora, não há fatos provados. Existem alguns indícios em relação
ao genocídio. E isso é sempre complicado, porque você precisa comprovar que havia uma intenção de
eliminar os yanomami da face da Terra“.
Sobre o genocídio: "Pode ser observada a existência de um plano, de uma política de Estado contra os
yanomami, mas em função da terra que eles ocupam e do interesse em se apropriar das riquezas dali. Ou
seja, nesse caso não falamos de uma perseguição dos yanomami por causa da etnia deles“.
"Acontece que essa política de Estado leva à exterminação do grupo. Então, nós podemos estar diante de um
crime contra a humanidade de extermínio ou perseguição“.

Sobre as duas denúncias em avaliação no TPI, elas só poderiam ser processadas, caso a
justiça brasileira se mostre inerte e/ou ineficaz.
O DIREITO DE ASILO E A
PROTEÇÃO INTERNACIONAL
AOS REFUGIADOS
Há autores que, pela titularidade individual do direito de asilo/refúgio,
entendem-no como direito de 1ª dimensão. (vide NODARI; BOTELHO, 2008, p.
137 apud MACIEL; BRABO, 2016, p.92)

Por outro lado, por este direito


a) ser efetivado por Estado outro que não o do titular;
b) ter sua interconexão com o Direito à Paz; e também por
c) se originar de possíveis violações a direitos humanos de dimensões
variadas (religião, raça, nacionalidade, opinião política ou pertencimento a
certo grupo social, dentre outros direitos humanos, inclusive sociais)...
...este é um DH sem dimensão muito bem definida, escolhendo-se, por ora,
incluí-lo na 3ª, em face de sua dependência da Solidariedade/Fraternidade
Internacional. Todavia, mais importante é compreender seu conceito.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DH (1948)
Art. 14. [...] §1º. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de
gozar asilo em outros países.
§2º. Esse direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por
crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios da ONU.

Em 1951, a CONVENÇÃO SOBRE OS REFUGIADOS, (Decr. Legisl. 11/1960) definiu refugiado:


Art. 1º, §1º. Quem em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de
1951 e temendo ser perseguida por MOTIVOS DE RAÇA, RELIGIÃO, NACIONALIDADE, GRUPO
SOCIAL OU OPINIÕES POLÍTICAS, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não
pode ou, em virtude dêsse termos, não quer valer-se da proteção dêsse país; ou que, senão
tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em
consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar
a êle. /// Além disso, o art. 1º, §B.1 entendia que apenas europeus poderiam ser refugiados.

*Em 1967, o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados (Brasil, Decreto 70.946/1972), em
seu art. 1º, II, suprimiu as limitações sublinhadas acima, bem como ampliou o escopo
daquele Tratado, para refugiados de todo o mundo, não apenas europeus.
Em suma, “refugiada é a pessoa que não só não é respeitada pelo Estado ao
qual pertence, como também é esse Estado quem a persegue, ou não pode
protegê-la quando ela estiver sendo perseguida” (PIOVESAN, Temas DH, 2012, p.131-
PDF). Porém, o Estatuto de 1951, mesmo reformado pelo Protocolo de 1967,
limitava a perseguição a motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social
ou opiniões políticas.

A Declaração de Cartagena sobre os Refugiados de 1984 recomendava aos


Estados latinos que ampliassem o conceito, sendo que o Brasil o fez:
Lei nº 9.474/1997 - Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de
nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência
habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias do
inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar
seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
Ainda sobre a Lei 9.474, importante destacar dois de seus dispositivos:
Art. 34. A solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer
processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado nos
fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.
Art. 33. O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de
qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão
de refúgio.

- Mesmo com a pandemia (ou, talvez, exatamente por isso), o ano de 2020 bateu o
recorde de refugiados: 82,4 milhões, segundo relatório do ACNUR (Alto-
comissariado da ONU p/ os Refugiados).

- No caso da Venezuela, de 2019 a 2020, a população de refugiados aumentou 8%,


segundo o ACNUR, chegando a 4,6 milhões apenas nos países americanos (fonte).
Em 2019, ACNUR parabenizou o Brasil por reconhecer, “pela primeira vez”
condição de refugiado de venezuelanos com base na Declaração de Cartagena.
Mas esta condição já era Lei e, mesmo assim, não era aplicada????

Fonte: Refúgio em números, Ministério da Justiça, 2020. Disponível no site da ACNUR.


Foi por meio da Nota Técnica nº3 de 2019, que o Comitê Nacional para
Refugiados (CONARE) ampliou para os venezuelanos o conceito de “refugiados”,
mas o próprio órgão reconheceu logo no início que:
“1.1. Este relatório analisa a situação institucional e fática da Venezuela, à luz dos DH, por meio
da pesquisa detalhada de Estudo de País de Origem - EPO, e trata de análise, reconhecimento e
aplicabilidade de Grave e Generalizada Violações de DH, conforme estabelecido no âmbito do
inciso III do art. 1º da Lei nº 9.474 de 1997”.
- Ocorre que este dispositivo não exige prévio “estudo de país de origem” para
ser aplicado! Possível contra-argumentar com o art. 5º, §1º CF (aplicabilidade
imediata dos direito fundamentais).

- Não obstante, foi preciso um estudo sobre violência generalizada, violações ao


devido processo legal, situação de extrema pobreza, insegurança alimentar, falta
de medicamentos básicos, falta de transparência governamental etc., para que...

“MRE se posiciona favorável ao reconhecimento da prevalência de situação de


grave e generalizada violação de direitos humanos em todo o território
venezuelano, para efeitos de aplicação do disposto no art. 1º, III da Lei 9.474/97”.
OS 4 MOMENTOS DO REFÚGIO (Piovesan – Temas de DH)
1) Violação dos DH no país de origem.
2) Fuga para outro país.
3) Período do refúgio, com acolhida do refugiado.
- Neste período, deve haver respeito aos direitos do Estatuto de 1951, inclusive o Princípio do
Non-refoulement (considerado Jus Cogens), do seu art. 33: “Nenhum dos Estados Contratantes
expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em
que a sua vida ou liberdade seja ameaçada [...]”.
- Por ser ato humanitário, a concessão do refúgio não pode ser tida como um ato hostil ou
inamistoso ao país de origem (Declaração sobre Asilo Territorial – ONU, 1967).
- Ar. 3º da Lei 9.474 apresenta casos em que o refúgio pode não ser concedido:
I - já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações
Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR;
II - sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a
condição de nacional brasileiro;
III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime
hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;
IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.
4) Resposta ao problema do(s) refugiado(s), com três alternativas:

a) Repatriação voluntária (ênfase no voluntária, sob pena de tal


ato ser considerado repatriação forçada, eufemismo para
deportação);

b) Integração local (procedim. Conare) com naturalização do


refugiado;

c) Reassentamento em um terceiro país.


REFÚGIO & ASILO
- Internacionalmente, tais conceitos são sinônimos. Mas, nas Américas, em
função da Convenção Americana de DH (Pacto de S. J. da Costa Rica, 1969), o
asilo tem definição mais restrita:
Art. 22, §7º. "Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em
caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos, de acordo com a
legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais”.

SEMELHANÇAS: ambos os institutos buscam a proteção da pessoa humana, por


meio de uma medida unilateral, destituída de reciprocidade.

DIFERENÇAS:
- o refúgio é medida humanitária; o asilo é medida política.
- quando em razão de perseguição, para o refúgio, basta o fundado temor dela;
para o asilo, é necessária a efetiva perseguição.
- no refúgio, a proteção, como regra, se opera fora do país; no asilo, ela pode-se
dar no próprio país ou na embaixada do país de destino (asilo diplomático).

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