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Prisão civil do

depositário
infiel
RE 466.343
Caio Marra, Gabriel Miranda
e Giulia Campos
Jurisprudência do STF - hierarquia dos tratados de
direitos humanos
Até 1977
Consagrava o primado do Direito
Internacional
RE 80.004 - 1977
Equiparou juridicamente tratado
e Lei Federal

HC 72.131 - 1995
Manteve a paridade hierárquica
dos tratados às Leis Federais
RE 466.343 - 2008
Conferiu aos tratados de direitos humanos
uma hierarquia especial e privilegiada
Posição Doutrinária
Majoritária
Para Flávia Piovesan, “ao prescrever que “os
direitos e garantias expressos na Constituição não
excluem outros direitos decorrentes dos tratados
internacionais”, a contrario sensu, a Carta de 1988
está a incluir, no catálogo de direitos
constitucionalmente protegidos, os direitos
enunciados nos tratados internacionais em que o
Brasil seja parte. Esse processo de inclusão implica
a incorporação pelo Texto Constitucional de tais
direitos.”
Posição Doutrinária
Majoritária
Assim, a Constituição Federal atribui aos direitos
internacionais uma natureza especial e
diferenciada, qual seja, a natureza de norma
constitucional.

Essa conclusão advém ainda de interpretação


sistemática e teleológica do Texto Constitucional,
especialmente em face da força expansiva dos
valores da dignidade humana e dos direitos
fundamentais.
Posição Doutrinária
Majoritária
“O programa normativo-constitucional não pode
se reduzir, de forma positivística, ao ‘texto’ da
Constituição. Há que densificar, em profundidade,
as normas e princípios da constituição, alargando o
‘bloco da constitucionalidade’ a princípios não
escritos, mais ainda reconduzíveis ao programa
normativo-constitucional, como formas de
densificação ou revelação específicas de princípios
ou regras constitucionais positivamente
plasmadas” - José Gomes Canotilho
Posição Doutrinária
Majoritária
“O tratamento jurídico diferenciado, conferido
pelo art. 5º, § 2º, da Constituição, justifica-se na
medida em que os tratados internacionais de
direitos humanos apresentam um caráter
especial, distinguindo-se dos tratados
internacionais comuns. Enquanto estes buscam o
equilíbrio e a reciprocidade de relações entre os
Estados-partes, aqueles transcendem os meros
compromissos recíprocos entre os Estados
pactuantes. Os tratados de direitos humanos
objetivam a salvaguarda dos direitos do ser
humano, e não das prerrogativas dos Estados.” -
Flávia Piovesan
Pré Julgamento -
RE 466.343
A hierarquia infraconstitucional dos
tratados internacionais é extraída do art.
102, III, b, da Constituição Federal de 1988,
que confere ao Supremo Tribunal Federal a
competência para julgar, mediante recurso
extraordinário, “as causas decididas em
única ou última instância, quando a decisão
recorrida declarar a inconstitucionalidade
de tratado ou lei federal”.
Pré Julgamento -
RE 466.343
No julgamento do Recurso Extraordinário
n. 80.004, em 1977, o Supremo Tribunal
Federal firma o entendimento de que os
tratados internacionais estão em paridade
com a lei federal, apresentando a mesma
hierarquia.

Para Celso D. Albuquerque Mello: “Esta


decisão viola também a Convenção de
Viena sobre Direito dos Tratados (1969) que
não admite o término de tratado por
mudança de direito superveniente”
Pré Julgamento -
RE 466.343
No julgamento do HC 72.131-RJ, em 1995, ao
enfrentar o impacto do Pacto de São José da
Costa Rica no Direito brasileiro, o Supremo
Tribunal Federal, em votação não unânime,
afirma que “inexiste, na perspectiva do modelo
constitucional vigente no Brasil, qualquer
precedência ou primazia
hierárquico-normativa dos tratados ou
convenções internacionais sobre o direito
positivo interno, sobretudo em face das
cláusulas inscritas no texto da Constituição da
República, eis que a ordem normativa externa
não se superpõe, em hipótese alguma, ao que
prescreve a Lei Fundamental da República”
Pré Julgamento -
RE 466.343
“A circunstância do Brasil haver aderido ao Pacto de São José da Costa Rica
— cuja posição, no plano da hierarquia das fontes jurídicas, situa-se no
mesmo nível de eficácia e autoridade das leis ordinárias internas — não
impede que o Congresso Nacional, em tema de prisão civil por dívida,
aprove legislação comum instituidora desse meio excepcional de coerção
processual (...). Os tratados internacionais não podem transgredir a
normatividade emergente da Constituição, pois, além de não
disporem de autoridade para restringir a eficácia jurídica das
cláusulas constitucionais, não possuem força para conter ou para
delimitar a esfera de abrangência normativa dos preceitos inscritos
no texto da Lei Fundamental. A indiscutível supremacia da ordem
constitucional brasileira sobre os tratados internacionais, além de traduzir
um imperativo que decorre de nossa própria Constituição (art. 102, III, b),
reflete o sistema que, com algumas poucas exceções, tem prevalecido no
plano do direito comparado”
Temática - RE 466.343
O RE foi interposto pelo Banco Bradesco S.A., contra
acórdão do TJ/SP que consignou entendimento no
sentido da inconstitucionalidade da prisão civil do
devedor fiduciante em contrato de alienação
fiduciária em garantia.

A prisão civil do depositário infiel encontra previsão


legal no art. 5º, inc. LXVII, da Constituição Federal, e
no art. 652 do Código Civil. Tais dispositivos
contrariam diretamente o disposto pelo art. 7º, 7, da
Convenção Americana de Direitos Humanos, que
afasta qualquer hipótese de prisão civil por dívidas,
ressalvando-se a do devedor de alimentos, assim
como o art. 11 do Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos.
Conceito Jurídico
“Depósito é o contrato em que uma das partes,
nomeada depositário, recebe da outra, denominada
depositante, uma coisa móvel, para guardá- la, com
a obrigação de restituí-la na ocasião ajustada ou
quando lhe for reclamada.”

Carlos Roberto Gonçalves


Conceito Jurídico
O conceito de depositário decorre dos artigos 159 a 161 do Código de
Processo Civil, segundo os quais, o depositário é nomeado pelo juiz, para
ser o responsável por cuidar e preservar bens ou coisas penhoradas ou
arrecadadas pelo Poder Judiciário.

***
“O depositário infiel é aquele que recebe a incumbência judicial ou
contratual de zelar por um bem, mas não cumpre-se a obrigação e deixa de
entregá-lo em juízo, de devolvê-lo ao proprietário quando requisitado, ou
não apresenta o seu equivalente em dinheiro na impossibilidade de
cumprir as referidas determinações.”

Gangliano e Pamplona Filho


Constituição Federal
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

LXVII - não haverá prisão civil por


dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel;
Código Civil
Art. 652. Seja o depósito voluntário ou
necessário, o depositário que não o
restituir quando exigido será compelido
a fazê-lo mediante prisão não excedente a
um ano, e ressarcir os prejuízos.
Constituição Federal
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta


Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.
Emenda Constitucional
n. 45/2004
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais


sobre direitos humanos que forem aprovados,
em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.
Entendimento Doutrinário
“O novo dispositivo do art. 5º, § 3º, vem a reconhecer de modo explícito a
natureza materialmente constitucional dos tratados de direitos
humanos, reforçando, desse modo, a existência de um regime jurídico
misto, que distingue os tratados de direitos humanos dos tratados
tradicionais de cunho comercial. (...) Se os tratados de direitos humanos
ratificados anteriormente à Emenda n. 45/2004, por força dos §§ 2º e 3º
do art. 5º da Constituição, são normas material e formalmente
constitucionais, com relação aos novos tratados de direitos humanos a
serem ratificados, por força do § 2º do mesmo art. 5º,
independentemente de seu quorum de aprovação, serão normas
materialmente constitucionais. Contudo, para converterem-se em
normas também formalmente constitucionais deverão percorrer o
procedimento demandado pelo § 3º”

Flávia Piovesan
Convenção Americana
sobre Direitos Humanos
Art. 7. Direito à liberdade pessoal

7. Ninguém deve ser detido


por dívidas. Este princípio não
limita os mandados de
autoridade judiciária
competente expedidos em
virtude de inadimplemento de
obrigação alimentar.
Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos
Art. 11. Ninguém poderá ser
preso apenas por não poder
cumprir com uma obrigação
contratual.
Julgamento - RE 466.343
EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário
infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida
coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência
da previsão constitucional e das normas
subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º,
2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José
da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento
conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e
nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade do depósito.
Julgamento - RE 466.343
Em 3 de dezembro de 2008, o Supremo Tribunal
Federal negou provimento ao Recurso Extraordinário
n. 466.343, estendendo a proibição da prisão civil por
dívida à hipótese de alienação fiduciária em garantia,
com fundamento na Convenção Americana de
Direitos Humanos.
Deste modo, o Supremo firmou orientação no sentido
de que a prisão civil por dívida no Brasil está restrita à
hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável
de prestação alimentícia, e convergiu em conferir aos
tratados de direitos humanos um regime especial e
diferenciado, distinto do regime jurídico aplicável aos
tratados tradicionais.
Julgamento - RE 466.343
“Em termos práticos, trata-se de uma declaração eloqüente
de que os tratados já ratificados pelo Brasil, anteriormente
à mudança constitucional, e não submetidos ao processo
legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional,
não podem ser comparados às normas constitucionais. Não
se pode negar, por outro lado, que a reforma também
acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de
direitos humanos em relação aos demais tratados de
reciprocidade entre os Estados pactuantes, conferindo-lhes
lugar privilegiado no ordenamento jurídico. (...) a mudança
constitucional ao menos acena para a insuficiência da
tese da legalidade ordinária dos tratados e convenções
internacionais já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido
preconizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal desde o remoto julgamento do RE n° 80.004/SE” -
Voto Ministro Gilmar Mendes
Julgamento - RE 466.343
“É necessário assumir uma postura jurisdicional mais
adequada às realidades emergentes em âmbitos
supranacionais, voltadas primordialmente à proteção do ser
humano. Portanto, diante do inequívoco caráter especial
dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos
direitos humanos, não é difícil entender que a sua
internalização no ordenamento jurídico, por meio do
procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o
condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e
qualquer disciplina normativa infraconstitucional
com ela conflitante. (...) é possível concluir que, diante da
supremacia da Constituição sobre os atos normativos
internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do
depositário infiel não foi revogada pelo ato de adesão do
Brasil ao PIDCP e à CADH mas deixou de ter aplicabilidade
diante do efeito paralisante desses tratados em relação à
legislação” - Voto Ministro Gilmar Mendes
Julgamento - RE 466.343
No entanto, divergiu em relação à hierarquia a ser
atribuída aos tratados de direitos humanos, ficando a
Suprema Corte dividida entre a tese que defendia a
supralegalidade e a que defendia a constitucionalidade
dos tratados de direitos humanos, sendo a primeira
tese a majoritária.

De todo modo, a decisão proferida rompe com a


jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal
que, desde 1977, igualava os tratados internacionais às
leis ordinárias, desconsiderando a força normativa dos
tratados internacionais.
Julgamento - RE 466.343
“Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas
normativos internacionais, a legislação infraconstitucional
posterior que com eles seja conflitante também tem sua
eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art.
652 do Novo Código Civil, que reproduz disposição idêntica
ao art. 1.287 do Código Civil de 1916. Enfim, desde a adesão do
Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos e à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, não há base
legal para aplicação da parte final do art. 5º, inciso
LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do
depositário infiel ” - Voto Ministro Gilmar Mendes
Julgamento - RE 466.343
“Após muita reflexão sobre esse tema, e não obstante anteriores julgamentos desta
Corte de que participei como Relator, inclino-me a acolher essa orientação, que
atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos
humanos, reconhecendo, para efeito de outorga dessa especial qualificação jurídica,
tal como observa CELSO LAFER, a existência de três distintas situações
concernentes a referidos tratados internacionais: (1) tratados internacionais de direitos
humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu), e regularmente
incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da
Constituição de 1988 (tais convenções internacionais revestem-se de índole
constitucional, porque formalmente recebidas, nessa condição, pelo § 2º do art. 5 a da
Constituição); (2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser
celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País venha a aderir) em data posterior à da
promulgação da EC nº 45/2004 (essas convenções internacionais, para se
impregnarem de natureza constitucional, deverão observar o "iter" procedimental
estabelecido pelo § 3ºdo art. 5º da Constituição); e (3) tratados internacionais de direitos
humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu) entre a promulgação
da Constituição de 1988 e a superveniência da EC n 45/2004 (referidos tratados
assumem caráter materialmente constitucional, porque essa qualificada hierarquia
jurídica lhes é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de
constitucionalidade, que é "a somatória daquilo que se adiciona à Constituição
escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados)” - Voto Ministro Celso de
Mello
Outros Casos Relevantes

STF - HC n. 123.246 (2009) diante do inequívoco caráter especial dos tratados


internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, a sua
internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de
ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia
jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela
conflitante. (...) o Supremo Tribunal Federal restringiu a possibilidade de
prisão civil à hipótese de descumprimento inescusável de prestação
alimentícia, o que motivou o cancelamento da Súmula n. 619 desta Corte”

Flávia Piovesan
Outros Casos Relevantes
“não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o
caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos
lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da
Constituição, porém acima da legislação interna. (...) A prisão civil do
devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia
viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico
prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do
credor--fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como
medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da
proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração:
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o
Decreto-Lei n. 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o
devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e
penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do
conteúdo semântico da expressão ‘depositário infiel’ insculpida no art. 5º, inciso
LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em
sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva
legal proporcional. (...)
Obrigado!
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