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FORMAÇÃO

SOCIAL,
ECONÔMICA E
POLÍTICA DO
BRASIL
As primeiras
manifestações
sociais e políticas
no Brasil
Ana Carolina Machado de Souza

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar os elementos históricos (da Europa e da América) que fomentaram


as primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil Colônia.
>> Descrever a influência europeia e dos Estados Unidos na fundamentação
ideológica das manifestações sociais e políticas no Brasil Colônia.
>> Reconhecer o papel das manifestações sociais e políticas no Brasil colonial
na posterior independência do País.

Introdução
Por muitos anos, foi cultivada a ideia de que o Brasil era um país pacífico, e de que
suas revoltas e movimentos sociais não causaram grandes distúrbios, como uma
guerra civil. Contudo, a historiografia passou a enfatizar que os diversos conflitos
desencadeados ao longo de nossa história e como o governo da época lidou com
eles deveriam ser analisados como períodos de profunda turbulência política e
social. A organização da sociedade em prol de um objetivo em comum, seja em
âmbito local ou federal, demonstram insatisfações e a necessidade de mudança.
Desde a chegada dos portugueses, a sociedade brasileira foi formada a partir
de conflitos. Houve as guerras contra os nativos, contra os invasores e aquelas
2 As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil

contra o sistema estabelecido. As revoltas nativistas e separatistas duraram mais


de um século, causando um sensível impacto no governo colonial. Assim, neste
capítulo, vamos tratar das manifestações sociais e políticas do Brasil colonial,
com ênfase nas mudanças intelectuais causadas pelo Iluminismo.

O Iluminismo e suas ramificações


O Iluminismo foi um movimento filosófico e intelectual que nasceu na Europa
no final do século XVIII, mas essa cronologia é debatida. Alguns argumentam
que os ideais iluministas são oriundos do Renascimento Cultural e da Revo-
lução Científica dos séculos XVI e XVII. O questionamento e o protagonismo
do pensamento racional revolucionaram a metodologia científica, isto é,
contribuíram para o surgimento de uma nova forma de enxergar o mundo. O
Iluminismo é entendido como herdeiro dessa tradição — portanto, definir uma
origem é tarefa ingrata. Contudo, é comum dizer que essa filosofia começou
na França, no ano de 1715, quando morreu o Rei Luís XIV (1638–1715), que se
tornou o símbolo do Absolutismo no País.

Muito do que se ensina sobre o Absolutismo nas aulas escolares


de história é proveniente da experiência francesa, principalmente
sobre Luís XIV. Conhecido como “Rei-Sol”, ele conseguiu pacificar as relações
diplomáticas com a Espanha, dando espaço para o desenvolvimento do regime
absolutista. Ele se tornou rei em 1643, mas apenas em 1660 assumiu o trono
de fato. Em seu reinado, o Estado foi centralizado totalmente, aumentando
os gastos, modelo administrativo que se mostrou ineficaz (ANDERSON, 2004).

Características gerais
A França, no século XVIII, vivia um regime centralizador que custava muito aos
cofres públicos. A Revolução Francesa, em 1789, foi o rompimento político e
econômico com aquilo que os próprios revolucionários batizaram como “Antigo
Regime”. Seu nascimento se relaciona com a contestação das desigualdades
corroboradas pela maneira como o governo era conduzido. A Revolução foi um
movimento complexo, maior do que as caudas econômicas e políticas óbvias
que se obtêm ao se analisar seu contexto. O historiador François Furet (1989)
defende que foi um acontecimento dinâmico, embasado, inclusive, em antigas
mobilizações contra os governos de épocas anteriores. Porém, o movimento
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de 1789 persistiu e definiu a nacionalidade do País. O que interessa aqui,


contudo, é que a Revolução foi profundamente impactada pelo Iluminismo.
O culto à razão impulsionou os revolucionários franceses. O Terceiro Es-
tado, grupo hierarquicamente marginalizado pela política francesa, era muito
diverso e compunha mais de 70% da população total. Nele, encontravam-se
artesãos, profissionais liberais, pobres, miseráveis, bem como intelectuais e
burgueses. Ou seja, uma parte tinha contato e/ou participava das mudanças
filosóficas que ocorriam há décadas.
Alguns nomes como François-Marie Arouet (1694–1778), conhecido pelo
pseudônimo Voltaire, e Charles-Louis de Secondat (1689–1755), o Barão de
Montesquieu, criticavam abertamente o governo francês. O primeiro, por
exemplo, exaltava a tradição política da Inglaterra (notória inimiga da França),
que, em 1688, viveu a Revolução Gloriosa e adotou a Monarquia Constitucional,
mudando seu sistema político para o Parlamentarismo. Esse movimento
inglês os ajudou a se recompor de todas as disputas dinásticas, conseguindo
financiar desenvolvimentos tecnológicos como a Revolução Industrial de
1760. Além disso, na Reforma Anglicana de 1534, a Igreja Católica perdeu a
hegemonia e a Igreja da Inglaterra se tornou subordinada ao Estado. Essa
característica era exaltada por Voltaire e outros, pois, na França, vivia-se o
chamado “direito divino dos reis”, segundo o qual os monarcas eram consi-
derados enviados por Deus para ocupar seus cargos.

Em 1734, Voltaire publicou as Cartas filosóficas, em que discutiu as


ideias de liberdade política e tolerância religiosa. Devido ao conteúdo,
foram censuradas pelo Estado francês. Já Montesquieu escreveu Do espírito
das leis, em 1748, no qual remodelou o sistema político do País, sugerindo
mudanças na Monarquia. Ficou conhecido por criar a divisão dos três poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário) para que a política se desenvolvesse de
forma mais satisfatória.

Em linhas gerais, pode-se definir o Iluminismo como um movimento que


possuía alguns conceitos característicos que inspiraram as organizações e os
intelectuais a repensarem desde pesquisas científicas até os sistemas políticos
e econômicos. No caso, as ideias recorrentes eram racionalismo, progresso,
liberdade e igualdade, sendo que os dois últimos merecem nossa atenção.
Antes de tudo, é importante entender que conceitos e ideias também têm
seus contextos. Quando se argumentava a favor da liberdade no século XVIII,
fazia-se de acordo com as circunstâncias da época, totalmente diferentes
das de hoje, século XXI. O primeiro passo para compreender seu significado,
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então, é definir que ele é ramificado. O Iluminismo se relacionava ao fim do


Absolutismo, a uma maior limitação do poder real e à influência de outras
classes sociais na política. Ademais, existia a questão da liberdade econô-
mica, que buscava menos intervenção do Estado na economia, a base do
liberalismo econômico. Porém, ela não atingia a todos pessoalmente, assim
como a igualdade.
Com relação à política, a igualdade não se relacionava à imposição de
um sistema democrático, por exemplo. Na França, parte dos revolucionários
do Terceiro Estado queriam aumentar sua mobilidade social e acabar com
os privilégios da nobreza, mas isso não significava que todos alcançariam
uma melhor posição hierárquica na sociedade. A burguesia procurava repre-
sentação política, mas não queria que pobres e miseráveis estivessem na
mesma posição. Os filósofos também não apontavam a igualdade universal
e irrestrita. Porém, foram essas ideias que viajaram dentro da França e entre
tantos outros países, abrindo espaço para o questionamento do status quo,
e isso influenciou o cenário português.

Portugal e o Marquês de Pombal


Portugal foi um dos primeiros países europeus a consolidar o Absolutismo.
Ainda no século XIV, a Dinastia de Avis assumiu o trono, centralizando o
poder político que, mesmo com a União Ibérica (1580–1640), não sofreu a
fragmentação de seu território. Diferentemente de como ocorria na França,
não existia a ideia de “direito divino”, mas o monarca português era muito
popular perante o povo. Como seu Absolutismo teve início antes do que o
de muitos países, começou a Expansão Marítima pela circunavegação do
território africano. A intenção era descobrir novas rotas para as Índias, onde
eram retiradas as especiarias comercializadas na Europa. Nesse processo,
a chegada à América e o início da colonização do Brasil foram fundamentais
para o desenvolvimento do Mercantilismo.
No século XVIII, o Absolutismo entrou em crise em vários países, mas com
menor intensidade em Portugal. Apesar disso, o Iluminismo chegara com
força. Em 1750, quem assumiu o trono foi D. José I (1714–1777), mas seu governo
foi marcado pelo primeiro-ministro que ele mesmo nomeou. Sebastião José
de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699–1782), foi embaixador na
Inglaterra (1739–1743) e na Áustria (1745–1750), e foi essa experiência que o
ajudou na condução da política internacional e nas mudanças que ocorriam
internamente.
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Desde o Tratado de Methuen (ou Tratado de Pães e Vinhos), de 1703, Portugal


estabelecera uma relação econômica desfavorável com os ingleses devido
aos profundos problemas financeiros que o País vivia. A preocupação residia
na obsolescência da infraestrutura tecnológica portuguesa. Se, no início da
Era Moderna, os lusitanos eram o mais avançados nas técnicas marítimas
e cientificas, no século XVIII, estavam em desvantagem se comparados a
outras nações.
Esses eram os problemas que Pombal enfrentava logo de início, então
sua intenção era reestruturar a administração pública, mas sem modificar
o sistema, que deveria continuar absolutista. O primeiro-ministro se tornou
um dos principais déspotas esclarecidos da Europa, e o Iluminismo era a
corrente filosóficas que embasava os novos tempos.

Ainda que muitos iluministas criticassem o Antigo Regime, a filosofia


foi utilizada por monarcas que buscavam a modernização racional
de seus reinos, mas sem mudança estrutural do sistema. Foram os chamados
déspotas esclarecidos, que queriam reformas na Corte e no próprio governo,
sobretudo no que dizia respeito à arrecadação de impostos. Alguns nomes
conhecidos foram Pedro, o Grande (1672–1725) e Catarina II, a Grande (1762–1796),
da Rússia; Frederico II, o Grande (1740–1786), da Prússia; e próprio Marquês de
Pombal (FLORENZANO, 1981).

No meio do processo de reformas, em 1755, Portugal sofreu um dos piores


terremotos de sua história, devastando a capital, Lisboa. Pombal, então, deu
início à reconstrução a partir dos ideais iluministas, sobretudo da raciona-
lidade. Tornou-se o símbolo de um país renovado e moderno, mas trouxe
diversas consequências para o Brasil, já que a reestruturação não foi barata.
Dessa forma, a cobrança de impostos aumentou consideravelmente, ainda
mais com o êxito da mineração no Sudeste da colônia. Taxas como o quinto
e a derrama atingiam os mineradores e foram estopins para o surgimento
de várias revoltas. A Igreja e a educação foram, da mesma maneira, afetadas
pelas reformas pombalinas. O ensino era coordenado pelos religiosos que se
estabeleceram na colônia, e a administração portuguesa decidiu centralizar
e expulsar os jesuítas de todo o território, o que aconteceu com a Lei de 3
de setembro de 1759. A partir disso, os bens eclesiásticos foram confiscados
em nome do Estado, que também aumentou o controle dos governos locais
com a proibição da escravidão indígena, em 1757, finalizando processos de
recrutamento de mão de obra, por exemplo.
6 As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil

Esses movimentos influenciaram diretamente o andamento das relações


sociais na colônia, o que abordaremos mais adiante neste capítulo. Além das
reformas de Pombal, o Iluminismo influenciou movimentos revolucionários
fora da Europa, como nos Estados Unidos.

A Revolução Americana (1776)


O processo de independência dos Estados Unidos estava diretamente rela-
cionado a sua colonização. As primeiras tentativas de ocupação do território
americano aconteceram no século XVI, mas foi somente no século XVII que
os ingleses conseguiram se estabelecer. Eles não foram os únicos, já que os
franceses também construíram espaços coloniais, mas, ao longo do tempo,
perderam a hegemonia. Em 1607, foi fundada Jamestown, na Virgínia, consi-
derada a primeira colônia. Após tentativas frustradas, a Virginia Company
bancou a ida e a permanência de colonos no intuito de explorarem a terra
em busca de ouro e de pedras preciosas, como aconteceu com a Espanha.
Observa-se, desde o início, que houve uma grande diferença entre os
projetos coloniais português e inglês, sendo que este se baseava na iniciativa
privada com apoio do Estado. Já a proposta lusitana era conduzida pela coroa,
inclusive as pessoas que migraram para o Brasil foram indicadas e escolhidas
para assumirem posições estratégicas na administração colonial. No caso
britânico, a viagem para a América era uma forma de endividados tentarem
uma nova vida, além de ser o destino de condenados da Justiça, em uma
forma de punição. O controle estatal sobre a colonização não era tão forte
quanto no Brasil, permitindo que os colonos americanos conseguissem se
instalar e construir um aparato governamental comunitário e mais livre das
amarras da Metrópole. Ainda pagavam impostos e taxas, mas a fiscalização
era própria. Contudo, essa situação mudou no século XVIII.
A Inglaterra passara por duas revoluções, a Puritana (1640–1648) e a Glo-
riosa (1688), a partir das quais o sistema político mudou e alcançou maior
estabilidade interna. Além disso, nessa época, as primeiras elites burguesas
surgiram e a Revolução Industrial (1760) ajudou a consolidar a busca por
mercado consumidor. Os olhares da coroa inglesa se voltaram para a América,
dessa vez em busca de maior controle estatal.
Foram vários os movimentos políticos que provocaram problemas na
relação entre colonos e Metrópole. Primeiramente, a Guerra dos Sete Anos
(1756–1763), entre a Inglaterra e a França, ocorrida em território americano,
sobre a posse das terras ao Norte das 13 colônias, onde hoje é o Canadá. Os
gastos foram altos e, para custeá-los, os impostos aumentaram. Em 1764,
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foi estabelecida a Lei do Açúcar, que taxava o melaço usado rotineiramente,


afetando o cotidiano colonial. Em 1765, foi aprovada a Lei do Selo, que obrigava
a compra de um selo real para outorga de qualquer tipo de documento oficial.
Ademais, em 1773, a Inglaterra concedeu, à Companhia Inglesa das Índias, o
monopólio do comércio do chá, prejudicando os americanos que plantavam
e impostavam o produto.
A reação dos colonos foi se reunir e contestar os movimentos da Metrópole.
Muitos dos políticos locais, apoiados por parte da população, passaram a
considerar a necessidade de ficar independente.

Os americanos passaram a questionar a falta de representatividade


no Parlamento Inglês. Eles acreditavam que não deveriam seguir
as leis inglesas se não tinham participação no debate político. Começou, por-
tanto, o movimento No taxation without representation (“nenhum imposto sem
representação”), a partir do qual pressionavam a Inglaterra, que, para evitar
uma revolta, revogou a Lei dos Selos. Porém, outros impostos foram criados,
inclusive sobre o chá (HEALE, 1991).

Cada vez mais os americanos mostravam seu descontentamento, e o


Iluminismo foi a filosofia que ajudou a fomentar uma nova visão sobre o
que deveriam ser. Leandro Karnal (2010) argumenta que uma das maiores
influências foi de um autor anterior ao século XVIII, John Locke (1632–1704),
um dos primeiros a criticar a estrutura absolutista inglesa, e suas ideias se
relacionavam diretamente à Revolução Gloriosa e ao início do Parlamenta-
rismo na Inglaterra.
Um dos episódios mais conhecidos foi a Festa do Chá de Boston, em 1773,
quando grupos vestidos de nativos-americanos despejaram a carga de chá
no mar. A Inglaterra decidiu recrudescer o regime e as punições após o ato e
estabeleceu, em 1774, as Leis Intoleráveis, a partir das quais passou a substituir
funcionários públicos (escolhidos por colonos) por ingleses ou por apoiadores
do governo régio. A elite colonial se reuniu na Filadélfia para discutir esse
movimento metropolitano, o que ficou conhecido como “Primeiro Congresso
Continental”, quando as 13 colônias se uniram em prol de uma ideia, de um
desejo em comum. Os primeiros acordos acerca de uma possível independência
foram apresentados, mas não foram assinados ali. As reivindicações ao trono
inglês eram maior liberdade dentro das colônias e o fim dos impostos e da
repressão por causa da fiscalização, mas não foram atendidas.
Em 1776 ocorreu o Segundo Congresso Continental, e foi nele que redigiram
a Declaração Unânime dos Treze Estados Unidos da América, estabelecendo a
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independência a partir do dia 4 de julho daquele ano. A Inglaterra não aceitou


o movimento e deu início à Guerra de Independência, que os americanos
nomearam como “Revolução Americana”. Ela durou até 1783, com a derrota
dos ingleses após a ajuda dos franceses e de alguns nativos, consolidada
com a assinatura do Tratado de Paris, que era o conhecimento da emanci-
pação. Os conceitos de liberdade e de igualdade permearam a ideologia por
trás da Revolução. A própria Constituição, aprovada em 1787, estabelecia o
poder tripartite definido por Montesquieu, e a política era descentralizada.
Esse movimento influenciou diretamente a Revolução Francesa, de 1789, e o
restante da América. Como diz Karnal (2010, p. 94–95):

Para o resto da América, os Estados Unidos serviriam como exemplo. Uma inde-
pendência concreta e possível passou a ser o grande modelo para as colônias
ibéricas que desejavam separar-se das metrópoles. Os princípios iluministas, que
também influenciavam a América ibérica, demonstraram ser aplicáveis em termos
concretos. Soberania popular, resistência à tirania, fim do pacto colonial; tudo isso
os Estados Unidos mostravam às outras colônias com seu feito.

Revoltas nativistas
Manifestações políticas e sociais brasileiras ocorreram durante todo o período
colonial. A Revolta dos Beckman (1684), a Guerra dos Emboabas (1707–1709), a
Guerra dos Mascates (1710–1711) e a Revolta Filipe dos Santos, ou Revolta de
Vila Rica (1720), correspondem às chamadas revoltas nativistas. Apesar do
nome, elas não buscavam a independência. Cada uma possui sua especifici-
dade, mas a reivindicação em comum era o fim dos impostos, da corrupção
e da opressão feita nos (e pelos) políticos locais.

Revolta dos Beckman (1684)


A região do Maranhão e do Grão-Pará teve uma colonização diferenciada em
comparação às províncias do Nordeste e do Sudeste. Em 1782, foi criada a
Companhia do Comércio do Maranhão, na tentativa de fortalecer a posição
dos colonos na região. O monopólio comercial dos produtos explorados ali
centralizaria os lucros e ajudaria no crescimento da elite local, que tinha o
apoio da Metrópole. A partir disso, procuraram instalar de vez a mão de obra
escravizada, que era muito lucrativa para o próprio Estado português. Por-
tanto, a instalação da Companhia mudou a estrutura geral daquela sociedade.
Os produtores e comerciantes locais, apesar de se beneficiarem de algumas
medidas da nova instituição, perderam boa parte da autonomia. A proibição
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do uso de mão de obra indígena escravizada atingiu diretamente aqueles que


não podiam pagar pelos negros. Apesar disso, é preciso ter em mente que
esse período foi bastante instável na colônia como um todo, pois o ciclo do
açúcar estava em decadência e muitos colonos do litoral se aventuraram pelo
interior na intenção de conseguirem novas terras e produtos para o comércio.
Essa realidade atingiu o povo que já residia no estado do Maranhão e do
Grão Pará. A Companhia de Comércio prometeu que intermediaria na questão
dos negros escravizados e financiaria uma média de 500 pessoas por ano,
as distribuindo entre aqueles que necessitavam de trabalhadores. Porém, o
não cumprimento desse acordo foi o estopim para a Revolta dos Beckman.
Tomás e Manuel Beckman eram irmãos, produtores locais e se tornaram os
líderes do movimento contra a Companhia. Os amotinados tomaram a sede
da instituição, destituíram os diretores e começaram um governo paralelo
na cidade, a chamada Junta Geral do Governo. Esse governo provisório teve
a duração de um ano, sempre com muitos conflitos entre os metropolitanos
e os rebeldes. Para retomar o controle da situação, Portugal enviou reforço
militar, ocasionando o aprisionamento de alguns líderes. Tomás Beckman foi,
então, transferido para Lisboa e prometeu lealdade à coroa. Dessa forma,
estabeleceu-se que o conflito tinha raiz nos problemas locais. Ele ficou preso
em Pernambuco até sua morte, pois foi proibido de voltar ao Maranhão. Já
seu irmão foi condenado à forca junto de nomes como Jorge de Sampaio e
Carvalho, sentença assinada pelo governador.

Guerra dos Emboabas (1707–1709)


Foi um dos primeiros conflitos motivados pelo ouro encontrado nas Minas
Gerais (que era parte de São Paulo e do Rio de Janeiro) e ocorreu entre os
bandeirantes paulistas e os emboabas, os estrangeiros que migravam para
explorarem a região.

O bandeirismo começou ao mesmo tempo que o processo de colo-


nização, na tentativa de explorar o território. Algumas bandeiras
tinham a missão de sequestrar os indígenas para escravizá-los: foram as cha-
madas “bandeiras de apresamento”. Já as “bandeiras de prospecção” tinham a
função de encontrar metais preciosos. As expedições adentraram pelo território,
cruzando os limites do Tratado de Tordesilhas, que se tornava obsoleto a cada
momento (MONTEIRO, 1994).
10 As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil

Com a possibilidade de exploração da terra, Portugal aumentou o con-


trole, sobretudo com a imposição de novos impostos. Em Minas Gerais, a
situação ficou cada vez mais insustentável, segundo a população local. Eles
passaram a enfrentar não só o arrocho econômico, mas também o aumento
da fiscalização, com mais autoridades políticas sendo enviadas para atuar
na região. Vale destacar que as Minas Gerais só passaram a existir no século
XVIII. Até então, havia as províncias de São Paulo e do Rio de Janeiro, sendo
que os paulistas queriam o controle das minas, mas se tornaram minorias
pelos emboabas. Em 1707, grupos armados de “estrangeiros” proliferaram,
deixando a situação ainda mais tensa.
Um dos líderes dos emboabas foi Bento Coutinho, que conseguiu a hege-
monia na região por mais de um ano. Cada vez mais os paulistas perdiam o
controle econômico e político. Por exemplo, um dos governadores nomeados
era um emboaba, Manuel Nunes Viana. Porém, a coroa decidiu intervir antes
que o movimento crescesse e se tornasse mais perigoso politicamente. Em
1709, foi criada a Capitania Real das Minas Gerais, independente das jurisdi-
ções paulista e carioca.
O foco se voltou para o Sudeste, mesmo que a capital da colônia ainda
fosse Salvador. Com essa nova unidade política e administrativa, Portugal
conseguiria organizar uma arrecadação de impostos mais eficiente, bem como
uma fiscalização que funcionasse. Foi nesse momento que foram instituídas
Vila Rica (atual Ouro Preto), Vila de Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana)
e Vila de Nossa Senhora da Conceição do Sabará, pontos nevrálgicos para a
exploração dos metais. Com a intervenção política, também foi estabelecida
a guarda militarizada, que abafou os conflitos entre paulistas e os migrantes,
que se tornaram residentes na nova capitania. Dessa forma, a guerra foi
neutralizada, e os bandeirantes de São Paulo, sobretudo, decidiram adentrar
ainda mais a Oeste, criando aldeias e vilas no que hoje são Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul e Goiás.
Enquanto, no Sudeste, novas possibilidade econômicas eram exploradas,
o litoral sofria com a queda constante dos preços e da demanda pelo açúcar,
atingindo todo o ciclo social e urbano.

Guerra dos Mascates (1710–1711)


Pernambuco foi a capitania mais rica da colônia até o século XIX, e essa im-
portância era reconhecida pelos colonos locais, sobretudo pela elite política,
que utilizava esse prestígio para reivindicar mais autonomia. Além disso, a
região foi dominada pelos holandeses no século XVII, e, mesmo com todo o
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processo de guerra e expulsão dos invasores, conseguiu se desenvolver. O


comércio e a agricultura davam, à capitania, sobretudo Recife, um terreno
fértil para o surgimento de organizações sociais que queriam mudanças
políticas que os favorecessem. Ao lado da cidade, ficava Olinda, a “capital do
açúcar”, que mais se desenvolveu com o cultivo da cana e que, no início do
século XVIII, passava por uma profunda crise. Segundo Lisboa (2011, p. 25–26):

A luta contra os holandeses havia criado uma série de novos impostos para sus-
tentar a guerra. criou-se o “donativo do açúcar”, imposto que era cobrado sobre
o comércio e a produção do açúcar, e que constituía o principal recurso nas fi-
nanças da Restauração. [...] Com o fim da guerra, as novas taxações continuaram
a ser cobradas, já que a Coroa não queria dispensar essa nova receita fiscal [...].
Some-se a isso os antigos impostos donatariais que, mesmo com a incorporação
da capitania à Coroa, eram ainda cobrados gerando insatisfação por parte dos
moradores de Olinda.

Enquanto era dominante, Olinda controlava a política local, inclusive de


Recife. Quanto esta prosperou por causa do comércio com outras nações,
sobretudo Portugal, a elite mercantil queria autonomia. Essa burguesia
nascente foi chamada de “mascates” pela tradicional cena olindense, que
não aceitava a busca pela autonomia dos vizinhos. Além disso, Olinda era
mais beneficiada pela administração política, pois as obras estruturais e o
peso das decisões políticas eram maiores e constantes ali.
Já Recife se modernizara com a invasão holandesa, pois eles estimularam
o comércio com a França, a África, as colônias do Caribe, entre outras na-
ções. Para tentar mudar a situação, os mascates se organizaram e pediram
a municipalização, que foi atendida em 1709 com a criação da vila de Santo
Antônio do Recife. Foi o início da revolta armada capitaneada por grupos de
Olinda, insatisfeitos com a decisão metropolitana. Entre 1710 e 1711, vários
ataques foram realizados por partidários das duas causas.
Portugal, novamente, interveio, mantendo a autonomia de Recife e confis-
cando bens da elite olindense que instigou a crise, mas os perdoou três anos
depois. Pernambuco, durante o século XVIII, não conseguiu se recuperar, e o
tratamento dado pelos portugueses ajudou a semear o sentimento antilusi-
tano, que será explorado nas revoltas separatistas posteriores.

Revolta Filipe dos Santos, ou Revolta de Vila Rica


(1720)
Como Portugal dependia cada vez mais da arrecadação de impostos para
manter os custos do Estado, era fundamental otimizar a coleta dos impostos
12 As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil

e evitar fraudes. Em 1720, Vila Rica recebeu a primeira Casa de Fundição, local
onde o ouro era fundido em barras para facilitar o transporte e o comércio
do metal. Para a população local, esse era mais um entrave português, que
criava mais obstáculos e diminuía a margem de lucro.

Eentre as mais variadas taxas, o quinto correspondia à cobrança


de 20% do ouro extraído na colônia e vigorava desde o século XVI,
quando se estabeleceram as capitanias hereditárias. Apesar de explorarem a
terra e minerarem desde 1590, foi no século XVIII que a cobrança do quinto se
tornou uma prática mais controlada. Para evitar o contrabando, que era alto,
obrigaram os mineradores a utilizar as Casas de Fundição da coroa, assim
garantiriam o pagamento da taxa (BOXER, 1969).

Com a maior intervenção da Metrópole, o povo decidiu se amotinar.


Filipe dos Santos (1680–1720) era um português que se instalara no Brasil
e que acabou por liderar a desobediência civil. Vale ressaltar que a elite local
controlava o comportamento contrário aos agentes régios. O governador
Conde de Assumar (1688–1756) foi nomeado em 1717 na tentativa de se impor
perante os políticos da terra. Ele atuou nas negociações com os revoltosos, que
reivindicavam o fim das Casas de Fundição e um maior relaxamento da carga
tributária. Em contrapartida, os representantes da coroa pediam uma taxa
extra, de 30 arrobas de ouro anuais, para que as casas fossem inutilizadas.
Outra linha de frente era política. Rezende (2015) descreve que Assumar
utilizou sua posição para manipular as eleições nas Câmaras Municipais de
Vila Rica e das adjacências. A ideia era preencher os cargos públicos com
simpatizantes da coroa. Houve, portanto, um enfrentamento também no
âmbito político, que ajudou no estabelecimento da repressão à Revolta. O
acordo não durou, e a instabilidade na região de manteve. Os líderes foram
presos e Filipe dos Santos foi assassinado em praça pública, prática comum
pelo governo português. Foi o fim dessa revolta, mas o início de muitas outras.

Revoltas separatistas
A grande diferença entre os conflitos nativistas e separatistas foi ideológica.
Estes queriam a independência, o fim do subjugo do estado português ante a
colônia, e o Iluminismo foi a base teórica fundamental para que os articula-
dores delineassem esse processo. As revoltas mais conhecidas e trabalhados
pela historiografia foram a Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração Baiana
(1798) e a Revolução Pernambucana (1817), três regiões muito importantes
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para o desenvolvimento econômico e social do País. Contudo, assim como


outras nações, no século XVIII, Portugal passou a ter problemas financeiros.
A manutenção da máquina pública absolutista custava muito, exigindo o
aumento exponencial de impostos. Nessa época, o açúcar brasileiro estava em
decadência, pois enfrentava a concorrência das Antilhas, mas a descoberta
de ouro e de pedras preciosas nas Minas Gerais foi vista como um bom sinal.
Apesar disso, os impostos eram considerados abusivos pelos colonos, o que
ajudou na organização de movimentos contestatórios.

Inconfidência Mineira (1789)


É considerada um dos movimentos separatistas mais importantes da história
brasileira. A influência do Iluminismo francês e o exemplo da Revolução
Americana foram fundamentais para a organização social e as reivindicações
contra o Estado português.

A Inconfidência Mineira foi utilizada pelos republicanos nos séculos


XIX e XX como exemplo de revolta contra o sistema monárquico,
que comandou o País desde 1500. Com dificuldades de consolidar a própria
República, foram criadas narrativas a partir dos eventos passados para se
estabelecer a ideia de heroísmo, por exemplo. Foi nesse momento que figuras
como Tiradentes (1746–1792), Joaquim José da Silva Xavier, até então obscuras
e pouco estudadas, ganharam notoriedade (CARVALHO, 2017).

A Inconfidência foi, majoritariamente, formada por membros da elite


mineira, que há décadas entravam em conflito com o poder régio. Membros
do clero, proprietários rurais, mineiros que enriqueceram com o ouro, poetas
e literatos, além de militares, concordavam que a dominação portuguesa su-
focava a pauta local, mas não tinham um pensamento unânime. Por exemplo,
alguns queriam, de fato, a separação, enquanto outros queriam a deposição do
governador e de políticos leais à coroa. Como argumenta Maxwell (2001, p. 151):

O programa da inconfidência refletia as compulsões imediatas e específicas que


tinham alienado completamente os magnatas mineiros da coroa, forçando-os no
rumo da revolução. Também refletia a presença entre eles de hábeis e preparados
magistrados, advogados e padres obrigados à reavaliação das relações coloniais
por outros motivos. E que se inspiravam no exemplo da América do Norte, nas
constituições dos Estados da União Americana e na obra do abade Raynal. Das
informações fragmentárias que restaram evidencia-se um perfil sumário de seus
propósitos. A capital da república deveria ser São João d‘El Rey, decisão que es-
pelhava as mudanças demográficas que se verificavam na capitania. Seria criada
14 As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil

uma casa da moeda e a taxa de câmbio fixada em 1$500 réis por oitava de ouro.
Esta medida tinha por fim acabar com a escassez crônica de moeda circulante na
capitania, em parte causada pela alvará de dezembro de 1750 que fixara a taxa
de 1$200 réis por oitava para Minas, enquanto a taxa vigorante por toda a parte
era de 1$500 réis.

Desde 1702, a coroa aumentara o controle na região de Vila Rica, sobretudo


com a criação da Intendência de Minas que, basicamente, fiscalizava e recebia
os impostos. Em 1720, a Casa de Fundição foi um dos estopins para a Revolta
de Filipe dos Santos. Para piorar o relacionamento entre colonos, em 1751,
foi anunciada mais uma taxa, a derrama, que criava um valor mínimo a ser
pago pelo quinto, ou seja, atingia, principalmente, que não conseguia minerar
o suficiente para lucrar mesmo pagando o imposto. Seriam cobradas 100
arrobas anuais ou 1500 quilos de ouro, sendo que o governo tinha a liberdade
de confiscar bens daqueles que não honrassem o compromisso.
Esse foi um dos principais motivos para essa mobilização em específico.
Apesar do anúncio, seu estabelecimento não foi imediato, causando mais
especulação e dando tempo de os locais se agruparem e se organizarem. Em
1755, após o terremoto de Lisboa, a coroa precisava, urgentemente, de fundos
e, em 1763, instituiu a derrama. Nesse mesmo período, já ficara constatado
que a quantidade de ouro no Brasil não era abundante como nas colônias
espanholas. Mesmo assim, tanto Portugal quanto os políticos locais inves-
tiam na exploração da terra, sendo que estes se encontravam cada vez mais
endividados.
Apenas em 1788 o grupo se organizou a ponto de tentar destituir o go-
verno. O ideal era de liberdade, mas que não se ampliava ao nível social, com
os negros ainda mantidos como escravos, por exemplo. Conforme o dia da
derrama, no início de 1789, chegava, o clima em Vila Rica ficava mais violento.
O governador percebia a movimentação e começava a reprimir qualquer ati-
tude suspeita, assim como confiscar livros e panfletos. Além disso, algumas
medidas foram instituídas. Primeiramente, anistiaram as dívidas, uma das
principais prerrogativas dos inconfidentes, e cancelaram a cobrança dos
impostos. Com isso, alguns dos manifestantes decidiram não continuar com
o plano de tomada de poder e traíram seus companheiros, caso de Joaquim
Silvério dos Reis (1756–1819). O resultado foi a prisão de mais de 30 líderes,
sendo alguns exilados e outros mortos em praça pública. Apesar do esforço
não ter atingido seu objetivo, o imaginário da Inconfidência serviu de exemplo
para outras manifestações que tiveram espaço nessa época.
As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 15

Conjuração Baiana (1798)


Diferentemente das Minas Gerais, o movimento baiano ocorreu em um local
que estava em plena decadência. Em 1763, a capital da colônia foi transferida
para o Rio de Janeiro, concretizando a ideia de que o Nordeste deixara de
ser o principal eixo econômico e político do Brasil. A manifestação surgida
na Bahia foi profundamente influenciada pelos ideais iluministas, sobretudo
com a queda do Antigo Regime francês, em 1789, mais um exemplo, além da
Revolução Americana, de 1776, de que a situação política estava mudando.
Havia, também, a consolidação do impacto da Revolução Industrial, de 1760,
que obrigou os países a criarem alternativas para o Mercantilismo.
O ponto específico e particular das reivindicações da Conjuração Baiana
foi a escravidão. Até então, a situação dos negros sequestrados na África e
transformados em escravos no Brasil havia sido pouco discutida em nível
institucional. Apesar das revoltas promovidas por eles mesmos, e com o
surgimento dos quilombos e dos focos de resistência, nada foi feito no âmbito
político e legislativo para mudar o status dessas pessoas.

O tráfico era muito lucrativo para a elite colonial, pois movimentava


o comércio e a venda dos africanos escravizados, muitas vezes o
principal sustento de famílias inteiras (LARA, 1986).

O Iluminismo auxiliou no questionamento da moral escravista e a indus-


trialização trazia um elemento prático: a necessidade de mercado consumidor.
Os abolicionistas começaram a se manifestar e embasar suas ideias a partir
desses elementos. Além disso, outro exemplo revolucionário surgiu nesse
contexto. A Revolução Haitiana (1791–1804) provocou a independência da
ilha, que foi tomada pelos negros até então subjugados. Inspiração para
aqueles que questionavam o sistema colonial, esse evento causou temor nas
metrópoles europeias e nas elites coloniais que exploravam os trabalhadores
africanos à exaustão. A primeira medida portuguesa foi, dessa forma, censurar
a circulação de obras iluministas e das que aludissem aos acontecimentos
nos Estados Unidos, na França e no Haiti. Contudo, o contrabando se tornou
prática comum, mostrando que a proibição cultural nunca deu certo em
nenhum contexto.
A rebelião baiana, ocorrida em Salvador, foi organizada por alguns mem-
bros da elite, mas tinha um caráter notadamente popular, diferentemente da
Inconfidência. Negros alforriados, abolicionistas, comerciantes e pequenos
16 As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil

proprietários foram os principais articuladores do movimento, que buscava


o fim do sistema colonial e, consequentemente, da escravidão. Os líderes
mais conhecidos foram João de Deus Nascimento (1771–1799), Manuel Faustino
dos Santos (1775–1799) e Luiz Gonzaga das Virgens (1761-1799), e eles constru-
íram alianças com membros da maçonaria e políticos como Cipriano Barata
(1762–1838). As reuniões aconteciam na Academia Brasílica dos Acadêmicos
Renascidos, que foi criada em 1759. Porém, uma similaridade com outras
revoltas separatistas era a pluralidade de ideais, já que alguns proprietários
de terras, por exemplo, não queriam o fim da escravidão.
Em 1792, os conjurados começaram a expressar suas insatisfações e a
divulgar, pela cidade, o movimento, que inclusive debatia a manutenção do
sistema monárquico. Eles espalhavam folhetos pelas ruas, em uma alusão
aos revolucionários franceses que arrebatavam apoiadores com a panfleta-
gem. Conforme o clima se acirrava, as divergências internas aumentavam,
causando o rompimento entre a aula popular e a elite. Dessa forma, em
1798, os principais líderes do povo foram presos e alguns foram enforcados
publicamente para servirem de exemplos.

Revolução Pernambucana (1817)


Outra revolta que ocorreu em Pernambuco foi o movimento revolucionário
do século XIX, um dos mais importantes e impactantes para o processo de
independência de 1822. Esse movimento ocorreu porque o governo colonial
percebeu a fragmentação política, e a atuação da elite pernambucana causou
medo na Coroa. Os oitocentos começaram com a vinda da Família Real e da
Corte em 1808, fugindo da expansão napoleônica. A Abertura dos portos
às nações amigas e a assinatura do Tratado de aliança e amizade, em 1810,
expandiram as opções comerciais da colônia, aumentando os lucros de parte
da elite mercantil. Contudo, o Sudeste experienciou essa mudança de forma
mais latente do que o Nordeste, ainda que Pernambuco se mantivesse como a
capitania mais lucrativa mesmo com a crise do açúcar. Ou seja, o desprestígio
era mais político do que econômico, acirrando o sentimento antinacional.
Assim como na Bahia, havia diversidade entre os participantes do movi-
mento pernambucano; porém, eles possuíam um elemento identitário muito
forte: a busca pela emancipação da província, isto é, não queriam o fim do
sistema colonial no País todo, mas se tornar uma nação. A região questio-
nava a dominação portuguesa desde a expulsão dos holandeses no século
XVII, quando Recife se tornou a cidade mercantil mais importante do Brasil.
Portanto, o movimento foi mais coeso do que os anteriores observados aqui.
As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 17

Havia alguns grupos hegemônicos, mas vários membros da hierarquia social


faziam parte do movimento, sendo que os principais líderes foram o religioso
Frei Caneca (1779–1825), o juiz Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e
Silva (1773–1845), Domingos Teotônio Jorge (?–1817), entre outros. Inclusive,
o clero passou a discutir os ideais de liberdade e igualdade do Iluminismo,
demonstrando a influência do pensamento. A grande diferença em relação à
Inconfidência e à Conjuração Baiana foi a efetividade do movimento. Ele saiu
da teoria e se expandiu para outros estados. Paraíba, Rio Grande do Norte
e Alagoas aderiram à causa independentista, causando o receio da Coroa, já
que o sentimento antilusitano crescia.
Em 6 de março de 1817, os revolucionários mataram o comandante por-
tuguês Manoel Joaquim Barbosa de Castro, que foi designado pelo governo
régio local para prender os líderes da Revolução. A revolta se generalizou
e o governo foi deposto, dando início ao Governo Provisório e às Leis Or-
gânicas, o sistema administrativo-legislativo criado pelos revolucionários.
As principais medidas eram o republicanismo, com a divisão dos poderes à
la Montesquieu, a liberdade de imprensa e religiosa e a igualdade, menos
relacionada à escravidão.
A capital não aceitou a contestação, e o governo revolucionário durou
cerca de 70 dias. A repressão foi muito violenta, e o poder central foi res-
taurado em 19 de maio de 1817. Alguns dos presos políticos foram mortos
e esquartejados, mas o impacto do movimento foi inegável. As províncias
questionavam o domínio português a ponto de a Família Real considerar
proclamar a independência para não perder o controle do Brasil.
A história brasileira é permeada por momentos de instabilidade política
e social que foram fundamentais para a nossa formação como sociedade. Do
século XVI até o século XIX, o País viveu revoltas cujo objetivo era o rearranjo
da estrutura colonial local e outras que queriam a emancipação ou da colô-
nia ou do Império. Além disso, na base do sistema estava a escravidão, que
transformou profundamente a noção de hierarquia social, além da cultura.
Vale destacar que, apesar das diferentes naturezas de cada uma das
revoltas, o tratamento foi o mesmo: violenta repressão do governo vigente.
Esse detalhe corrobora a ideia que se tornou frequente nos estudos sobre o
Brasil, que é classificá-lo como um país belicoso. Na década de 1930, Sérgio
Buarque de Holanda escreveu o clássico Raízes do Brasil, no qual desen-
volveu o conceito de “homem cordial”, tendo como base a história colonial
brasileira. A “cordialidade” é um disfarce para as dificuldades sociais vividas
pelo brasileiro, que não consegue, por consequência, estabelecer um plano
político democrático, por confundir o limiar entre público e privado. Apesar
18 As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil

disso, ainda se manteve, no senso comum, a ideia de que o Brasil é um país


pacífico, o que pode ser contestado pela regularidade dos conflitos discutidos
neste capítulo.

Referências
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BOXER, C. R. A idade de ouro do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.
CARVALHO, J. M. de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2017.
FLORENZANO, M. As revoluções burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1981.
FURET, F. Pensando a revolução francesa. São Paulo: Paz e Terra, 1989.
HEALE, M.J. A revolução norte-americana. São Paulo: Ática, 1991.
KARNAL, L. (org.). História dos Estados Unidos. São Paulo: Contexto, 2010.
LARA, S. H. Campos da violência: escravos e senhores da capitania do Rio de Janeiro
(1750–1808). São Paulo: Paz e Terra, 1988.
LISBOA, B. A. V. Uma elite em crise: a açucarocracia de Pernambuco e a Câmara Municipal
de Olinda nas primeiras décadas do século XVIII. 2011. 229 f. Dissertação (Mestrado)
— Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 2011.
MAXWELL, K. A devassa da devassa: inconfidência Mineira — Brasil e Portugal (1750–
1808). São Paulo: Paz e Terra, 2001.
MONTEIRO, J. M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994.
REZENDE, L. A. O. A Câmara Municipal de Vila Rica e a consolidação das elites locais,
1711–1736. 2015. 390 f. Dissertação (Mestrado) — Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

Leituras recomendadas
CASSIRER, E. A filosofia do iluminismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. (Coleção
Repertórios).
FAUSTO, B. História do Brasil. 10. ed. São Paulo: EDUSP, 2002. (Didática, 1).
ISRAEL, J. “Iluminismo radical”: periférico, substancial ou a face principal do iluminismo
transatlântico (1650–1850). Diametros, nº 40, p. 73–98, jun. 2014.
MAXWELL, K. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. São Paulo: Paz e Terra, 1993.
MELLO, E. C. de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascate, Pernambuco, 1666–1715.
São Paulo: Editora 34, 2003.
SCHWARCZ, L. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 19

SOUZA, L. de M. Cláudio Manoel da Costa: o letrado dividido. São Paulo: Companhia


das Letras, 2011.

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