Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ECÔNIMIA E
POLÍTICA DO BRASIL
Classe trabalhadora
brasileira
Ana Carolina Machado de Souza
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
O processo imigratório brasileiro como política de Estado teve início no século
XIX. Desde a chegada da Família Real, em 1808, foram tomadas medidas no intuito
de modernizar a colônia, na qual a escravidão era a principal, mas não única,
forma de trabalho para a manutenção da economia agroexportadora. Também
existiam trabalhadores livres e serviços públicos, mas eles não movimentavam
as contas públicas.
No próprio século XIX, mudanças profundas surgiram como consequência
dos movimentos revolucionários do final do século XVIII — e no Brasil não foi
diferente. O questionamento sobre a viabilidade, a longo prazo, da escravidão
mobilizou a criação dos primeiros projetos imigratórios visando à inserção da
mão de obra livre no País.
Neste capítulo, você poderá aprender a respeito da história da imigração no
Brasil, com foco sobre a formação de uma nova classe trabalhadora e a importância
2 Classe trabalhadora brasileira
disso para a nossa formação política, social e econômica. Ademais, você poderá
compreender o impacto que a imigração teve sobre o movimento abolicionista, as
mudanças legislativas e o desenvolvimento do pensamento eugenista no Brasil.
Os projetos de imigração
Antes de o governo sancionar a vinda de imigrantes para trabalharem nas
lavouras, grupos de estrangeiros chegavam ao Brasil desde o início do sé-
culo XIX. Quando a corte se estabeleceu no Rio de Janeiro, em 1808, missões
científicas foram autorizadas para dar seguimento a estudos sobre a fauna,
a flora e as sociedades brasileiras.
Colônia de Parceria
Em 1847, teve início o modelo de Colônia de Parceria, criado a partir do in-
centivo estatal e da iniciativa privada. Nele, eram prometidas terras para
os estrangeiros, que poderiam quitar o financiamento a partir da venda
dos produtos cultivados. Essa “parceria” entre latifundiários e imigrantes
seria o primeiro passo para a expansão do trabalho em massa. Porém, na
prática, havia muitas exigências para poucos benefícios. Toque de recolher,
restrição de mobilidade, não acesso à terra própria, além dos custos abusivos
do deslocamento suscitaram o descontentamento dos europeus. Como diz
Souza (2012, p. 87):
Imigração subvencionada
Em 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre, que promulgava a liberdade a
todos os filhos de escravos nascidos depois do dia 28 de setembro. Houve
uma generosa indenização aos proprietários escravistas que alforriaram as
crianças, os quais, além disso, poderiam, por lei, utilizá-las como mão de obra
até os seus 21 anos. Dessa forma, havia dinheiro para que os latifundiários
pudessem financiar parcialmente os imigrantes.
No mesmo ano, São Paulo aprovou a vinda de estrangeiros com verba
provincial e federal. O estado providenciava o deslocamento até as fazendas
Classe trabalhadora brasileira 5
Grupos imigratórios
O Brasil recebeu pessoas de muitas nacionalidades desde a colonização.
Espanhóis, portugueses, holandeses, franceses circulavam pela colônia muito
antes da chegada da Família Real. Mesmo com as políticas de imigração, esses
grupos mantiveram o deslocamento para a América; porém, eles deixaram de
ser os únicos. No século XIX, o maior contingente de imigrantes era da Itália;
depois, da Alemanha; e, depois, da Síria e do Líbano. Foram esses os princi-
pais beneficiados com o programa de busca de trabalhadores assalariados e
6 Classe trabalhadora brasileira
Alemães e italianos
Tanto a Alemanha quanto a Itália só se tornaram países em 1871. Até então,
havia disputas de poder entre o Império Austro-Húngaro e a Prússia, no caso
dos alemães, e entre diversos governos que ocupavam a Península Itálica.
Isso demonstra que ambos passaram por profunda instabilidade política e
econômica, inclusive após a unificação.
No caso da imigração alemã, os primeiros grupos rumaram para o Brasil
ainda na década de 1820. Nessa época, a expansão napoleônica e o cresci-
mento da influência comercial e industrial inglesa pressionavam sobretudo
a Prússia, maior reino da região. Os alemães buscavam, além disso, o desen-
volvimento econômico e a modernização do estado, sendo que a participação
na colonização da África e da Ásia era uma meta dentro desse processo. A
maioria dos imigrantes alemães que vieram para o Brasil se estabeleceu
no Sul, que manteve os incentivos mesmo com a Lei do Orçamento de 1830.
Segundo Magalhães (1993, p. 14):
Para contornar a oposição que lhe faziam as elites brasileiras, o governo imperial
transferiu, por meio de um Ato Adicional em 1824, aos poderes provinciais a inicia-
tiva de fomentar a imigração por conta própria. Nas décadas que se sucederiam,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul passariam a contar com um conjunto de leis
que favoreciam a vinda de trabalhadores estrangeiros para seus territórios, em
caráter oficial.
Classe trabalhadora brasileira 7
A maioria das colônias dos 119.300 alemães que chegaram ao Brasil de 1820
a 1909 foi construída no atual Rio Grande do Sul (MAGALHÃES, 1993). Desse
modo, a identidade sulista está intimamente conectada à chegada desses
grupos, que tinham o objetivo de ocupar o espaço e consolidar a fronteira
brasileira. Os índios e os brasileiros nativos não eram reconhecidos, assim,
como parte do projeto de povoamento. Dentro dessa mentalidade cresce a
ideia de uma política eugenista, que teve seu início marcado pela tentativa
de “branqueamento” da população brasileira (SANTOS, 2017, p. 236).
Os italianos, por sua vez, chegaram massivamente após 1870. Apesar de
muitos terem partido para os Estados Unidos, a propaganda promovida pelo
Império brasileiro, com a ajuda dos fazendeiros de café, chamou a atenção
principalmente da população camponesa. Entre 1884 e 1923, cerca de 1.331.158
de italianos migraram para o Brasil, sendo Rio Grande do Sul, Santa Catarina
e São Paulo os estados que mais os receberam (IBGE, 2000). Na província
paulista, o crescimento do número de italianos foi exponencial. A maioria
deles se destinou à lavoura, mas as condições de trabalho não haviam mu-
dado tanto em relação às primeiras experiências. Outros se instalaram em
cidades maiores, como São Paulo, as quais ainda não tinham se modernizado
e estruturado, causando, por exemplo, o surgimento de moradias precárias
(COSTA, 1999).
Em 1889, o governo italiano promoveu sanções temporárias para o projeto
de imigração brasileiro por causa dos problemas nos trabalhos disponibi-
lizados. A repreensão se tornou medida legislativa com o Decreto Prinetti,
assinado em 1902, que proibia a imigração subsidiada. Segundo Hutter (1987,
p. 63):
O Decreto Prinetti, contrariamente ao que se diz, não foi uma medida tomada contra
o Brasil, nem mesmo contra a emigração italiana para cá. Apenas proibia a vinda
de emigrantes italianos com passagens gratuitas. Era livre a vinda de cidadãos
que tivessem meios e se dispusessem a emigrar para o Brasil. O decreto não fazia
mais do que determinar a suspensão de uma licença especial concedida a algumas
companhias de navegação para transportar, gratuitamente, emigrantes italianos
para o Brasil. Proibia, também, que gentes recrutassem, na Itália, emigrantes,
destinando-os ao Brasil.
Entre 1886 e 1888, o Brasil recebeu mais de 80 mil italianos, que esta-
beleceram aqui suas identidades e particularidades sociais e, desse modo,
exerceram influência sobre o desenvolvimento cultural tanto da região Sul
quanto de São Paulo. É importante destacar que muitos dos imigrantes re-
tornaram à sua terra natal: dos 1.895.000 que aportaram em Santos entre
1892 e 1930, cerca de 1.017.000 deixaram o Brasil. Contudo, o impacto desse
8 Classe trabalhadora brasileira
O papel das redes migratórias formadas tanto por parentes quanto por conterrâneos
foi muito importante. [...] Aos poucos, na terra de origem formou-se de certo modo
uma cultura migratória, pelo menos em parte responsável por mobilizar contin-
gentes expressivos em direção à “América”, onde quer que fosse compreendida.
De fato, a acolhida por redes foi muito comum e bastante importante, pois, desse
modo, o grosso dos imigrantes não chegava aqui sem nenhuma referência.
A República trouxe inicialmente esperança, que logo deu lugar à decepção, àqueles
que buscavam obter a regulamentação do trabalho e a garantia de direitos políticos
e sociais através da organização dos trabalhadores. Mesmo a parca legislação
aprovada visando à melhoria das condições de trabalho — como o decreto 1.313
de 1891 regulamentando o trabalho de menores nas fábricas do Distrito Federal —
ficou só no papel, pela falta de vontade política e de uma estrutura de fiscalização
para seu cumprimento.
Referências
BATALHA, C. H. M. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Zahar,
2000.
COSTA, E. V. Da monarquia à república: momentos decisivos. São Paulo: Editora UNESP,
1999.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10. ed. São Paulo: EDUSP, 2002.
GERALDO, E. O combate contra os “quistos étnicos”: identidade, assimilação e política
imigratória no Estado Novo. LOCUS: revista de história, v. 15, n. 1, 2009. Disponível em:
https://periodicos.ufjf.br/index.php/locus/article/view/31799. Acesso em: 18 nov. 2020.
GÓES, A. D. T.; ASSUMPÇÃO, T. A. A.; SANCHEZ, R. B. A contribuição tecnológica dos
imigrantes japoneses para o Brasil. Brasil para Todos, v. 8, n. 1, p. 5–12, 2020. Disponível
em: https://ojs.eniac.com.br/index.php/Anais_Sem_Int_Etn_Racial/article/view/699/
pdf. Acesso em: 18 nov. 2020.
HOLANDA, S. B. (org.). História geral da civilização brasileira - O Brasil monárquico:
reações e transações. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2004. v. 5, t. 2.
HUTTER, L. M. Imigração italiana: aspectos gerais do processo imigratório. Revista
do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 27, p. 59–73, 1987. Disponível em: https://www.
revistas.usp.br/rieb/article/view/69906. Acesso em: 18 nov. 2020.
IBGE. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. Disponível em: https://
brasil500anos.ibge.gov.br/estatisticas-do-povoamento/imigracao-por-nacionali-
dade-1884-1933. Acesso em: 18 nov. 2020.
LARA, S. H. Escravidão, Cidadania e História do Trabalho no Brasil. Projeto História, v.
16, p. 25–38, 1998. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/11185.
Acesso em: 18 nov. 2020.
LIMA, A. B. A imigração para o Império do Brasil: um olhar sobre os discursos acerca dos
imigrantes estrangeiros no século XIX. Revista Acadêmica Licencia&acturas, v. 5, n. 2, p.
26–36, 2017. Disponível em: http://www.ieduc.org.br/ojs/index.php/licenciaeacturas/
article/view/155. Acesso em: 18 nov. 2020.
MAGALHÃES, M. D. B. Alemanha, mãe-pátria distante: utopia pangermanista no sul do
Brasil. 1993. 327 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual de Campinas,
16 Classe trabalhadora brasileira
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 1993. Disponível em: http://
www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/279984. Acesso em: 18 nov. 2020.
PACIFIC STEAM NAVIGATION COMPANY. Lista de Passageiros do Kasato Maru. 1908. In:
WIKIPEDIA. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lista_de_Passa-
geiros_do_Kasato_Maru.jpg. Acesso em: 18 nov. 2020.
SANTOS, M. O. Reescrevendo a história: imigrantes italianos, colonos alemães, por-
tugueses e a população brasileira no sul do Brasil. Revista Tempo e Argumento, v. 9,
n. 20, p. 230–246, 2017. Disponível em: https://periodicos.udesc.br/index.php/tempo/
article/view/2175180309202017230. Acesso em: 18 nov. 2020.
SILVA, D. A. Japoneses no Brasil: uma análise histórica. In: BUENO, A. et al. (orgs.). Vários
Orientes. Rio de Janeiro: Edições Sobre Ontens/LAPHIS, 2017.
SOUZA, B. G. W. Imigração alemã e mercado de trabalho na cafeicultura paulista – um
estudo quantitativo dos contratos de parceria. História Econômica & História de
Empresas, v. 15, n. 2, p. 81–109, 2012. Disponível em: https://www.hehe.org.br/index.
php/rabphe/article/view/232. Acesso em: 18 nov. 2020.
SUZUKI, T. A imigração japonesa no Brasil. Revista de Estudos Brasileiros, n. 39, p.
59–65, 1995. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/72056.
Acesso em: 18 nov. 2020.
TRUZZI, O. Sírios e libaneses no oeste paulista – décadas de 1880 a 1950. Revista
Brasileira de Estudos de População, v. 36, p. 1–27, 2019. Disponível em: https://www.
rebep.org.br/revista/article/view/1373/1012. Acesso em: 18 nov. 2020.
Leituras recomendadas
ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
BATALHA, C. H. M. A história do trabalho: um olhar sobre os anos 1990. História, n. 21,
p. 73–87, 2002.
BATALHA, C. H. M. Identidade da classe operária no Brasil (1880–1920): Atipicidade ou
Legitimidade? Revista Brasileira de História, v. 12, n. 23-24, p. 111–124, 1992. Disponível em:
http://encontro2012.mg.anpuh.org/resources/download/1245325050_ARQUIVO_clau-
diobatalha.pdf. Acesso em: 18 nov. 2020.
BATALHA, C. H. M. Sociedade de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX: algumas
reflexões em torna da formação da classe operária. Cadernos AEL, v. 6, n. 10-11, p.
41–67, 2010. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ael/article/
view/2478. Acesso em: 18 nov. 2020.
BIONDI, L. A greve geral de 1917 em São Paulo e a imigração italiana: novas perspectivas.
Cadernos AEL, v. 15, n. 27, p. 264–308, 2009. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.
br/ojs/index.php/ael/article/view/2577/1987. Acesso em: 17 nov. 2020.
BRESCIANI, M. S. M. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna
entre intérpretes do Brasil. São Paulo: Ed. Unesp, 2005.
FERRERAS, N. História e Trabalho: Entre a Renovação e a Nostalgia. Revista Trajetos,
v. 1, n. 2, p. 1–13, 2002. Disponível em: http://www.revistatrajetos.ufc.br/index.php/
Trajetos/article/view/53. Acesso em: 18 nov. 2020.
Classe trabalhadora brasileira 17
GOMES, Â. C.; SILVA, F. (org.). A Justiça do Trabalho e sua história. Campinas: Ed. Uni-
camp, 2013.
GONÇALVES, P. C. Escravos e imigrantes são o que importam: fornecimento e controle
da mão-de-obra para a economia agroexportadora Oitocentista. Almanack, n. 17, p.
307–361, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/alm/n17/2236-4633-alm-17-307.
pdf. Acesso em: 18 nov. 2020.
HALL, M. M. Reformadores de classe média no Império Brasileiro: a Sociedade Central
de Imigração. Revista de História, v. 53, n. 27, p. 148–160, 1976.
LESSER, J. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela
etnicidade no Brasil. São Paulo: Editora da Unesp, 2001.
LIMA, Valéria. J.-B. Debret, historiador e pintor. A viagem pitoresca e histórica ao Brasil
(1816–1839). Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
PETERSEN, S. Repensar a História do Trabalho. Espaço plural, v. 17, n. 34, p. 13–36, 2016.
Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/espacoplural/article/view/14945.
Acesso em: 18 nov. 2020.
SEYFERTH, G. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, n. 53, p.
117–149, 2002. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/33192.
Acesso em: 18 nov. 2020.
SILVA, R. R. Imprimindo a resistência: a imprensa anarquista e a repressão política em
São Paulo (1930–1945). 2005. 193 f. Dissertação (Mestrado em História). Campinas: Uni-
camp, 2005. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/281753/1/
Silva_RodrigoRosada_M.pdf. Acesso em: 18 nov. 2020.