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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022

Prof. Maria Luísa Duarte

RESUMOS DE DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO

INDÍCE:
CAPÍTULO 1: A IDENTIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 4
SECÇÃO I. O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: RELANCE INTRODUTÓRIO 4
1§ NOÇÃO ADOPTADA 4
3§ DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: UM DIREITO DIFÍCIL DE CONHECER 6
4§ O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E OS SEUS SEMELHANTES 6
5§ O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O DIREITO INTERNO: UMA COMPARAÇÃO
VIRTUOSA 7
6§ O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO OU DIREITOS INTERNACIONAIS PÚBLICOS 8
SECÇÃO II. FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 9
1§ O LONGO PERÍODO DE GESTAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 9
2§ A PAZ DE VESTFÁLIA E O PERÍODO CLÁSSICO (1648-1815) 13
3§ O PERÍODO MODERNO (1815-1945) 15
3§ O PERÍODO CONTEMPORÂNEO (1945 AOS NOSSOS DIAS) 17
SECÇÃO III. A QUESTÃO EXISTENCIAL DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: EXISTE PORQUÊ E
PARA QUÊ 20
1§ COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 20
2§ PRINCIPAIS CORRENTES DOUTRINÁRIAS 20
3§ POSIÇÃO ADOTADA 22
4§ FUNÇÕES SOCIAIS DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 22

CAPÍTULO 2: FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 23


SECÇÃO I. ELEMENTOS DE UMA TEORIA GERAL DAS FONTES INTERNACIONAIS 23
1§ FONTES, OBRIGAÇÕES E ATOS JURÍDICOS NO DIREITO INTERNACIONAL 23
2§ O ARTIGO 38º DO ESTATUTO DO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA E A TIPIFICAÇÃO
DAS FONTES 24
3§ FONTES TIPIFICADAS 25
A CONVENÇÃO INTERNACIONAL 25
CONCEITO 25
c) CLASSIFICAÇÕES 27
O COSTUME INTERNACIONAL 28
FUNDAMENTO DO COSTUME INTERNACIONAL 28
NOÇÃO DE COSTUME INTERNACIONAL 29
RELAÇÃO ENTRE COSTUME E CONVENÇÃO 30
COSTUME E MUTAÇÕES DA COMUNIDADE INTERNACIONAL 30
C. OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO 31
D. A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA 32
E. A FUNÇÃO ATÍPICA DA EQUIDADE (EX AEQUO ET BONO) 32
4§ FONTES NÃO TIPIFICADAS 33
ATOS UNILATERAIS 33
ASPETOS GERAIS 33
ATOS UNILATERAIS DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 34

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ATOS UNILATERAIS DOS ESTADOS 34


O CHAMADO SOFT LAW 35
5§ CODIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO DO DIREITO INTERNACIONAL 35
6§ HIERARQUIA DE FONTES E HIERARQUIA DE NORMAS - ORIGEM E ESTATUTO DAS
“NORMAS FUNDAMENTAIS” NA ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL 36
SECÇÃO II. EM ESPECIAL, O REGIME NORMATIVO DE CELEBRAÇÃO DE CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS - ASPETOS FUNDAMENTAIS SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS 38
1§ DIREITO DOS TRATADOS - FONTES 38
2§ O NASCIMENTO DOS TRATADOS - FONTES 38
CONCLUSÃO DOS TRATADOS 38
AS RESERVAS NO DIREITO DOS TRATADOS 41
ENTRADA EM VIGOR 42
DEPÓSITO, REGISTO E PUBLICAÇÃO 43
3§ A VIDA DOS TRATADOS 43
PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA 43
TRATADOS E TERCEIROS ESTADOS 46
REVISÃO E MODIFICAÇÃO DOS TRATADOS 47
4§ A MORTE DOS TRATADOS 49
ESTABILIDADE E VERDADE DAS RELAÇÕES INTERMEDIADAS POR TRATADOS 49
NULIDADES 50
CESSAÇÃO DA VIGÊNCIA E SUSPENSÃO DA SUA APLICAÇÃO 52
CAUSAS INTERNAS 52
CAUSAS EXTERNAS 53
SECÇÃO III. EM ESPECIAL, O PROCEDIMENTO DE VINCULAÇÃO POR CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS E A CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA 54
2§ NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976 54
AS BASES JURÍDICAS DE ABERTURA INTERNACIONAL 54
A IMPORTÂNCIA DE SE CHAMAR TRATADO - O PROBLEMA DA DISTINÇÃO MATERIAL
ENTRE TRATADO E ACORDO 54
AS QUATRO FASES PRINCIPAIS DO PROCEDIMENTO INTERNO DE VINCULAÇÃO POR
CONVENÇÃO INTERNACIONAL 56
NEGOCIAÇÃO E AJUSTE 56
APROVAÇÃO 57
RATIFICAÇÃO E ASSINATURA 59
PUBLICAÇÃO 60
D. O PROCEDIMENTO INTERNO DE DESVINCULAÇÃO: SIMETRIA E EQUIVALÊNCIA 60
E. ESPECIFICIDADES DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS CELEBRADAS NO
QUADRO DA UNIÃO EUROPEIA 61

CAPÍTULO 3: NORMAS INTERNACIONAIS E EFICÁCIA NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA 62


SECÇÃO I. ARTICULAÇÃO ENTRE DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO 62
1§ CONSTRUÇÕES DOUTRINÁRIAS CLÁSSICAS E MODELOS JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS 62
3§ DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E TRIBUNAIS NACIONAIS: O EFEITO DIRETO 65
4§ DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO: NO ESPAÇO DA INTERNORMATIVIDADE
GLOBAL 65
SECÇÃO II. A CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA E A EFICÁCIA DAS NORMAS INTERNACIONAIS E
EUROCOMUNITÁRIAS 67
1§ A CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA E A ABERTURA AO DIREITO INTERNACIONAL AO DIREITO
DA UNIÃO EUROPEIA 67
2§ INCORPORAÇÃO E EFICÁCIA DO DIREITO INTERNACIONAL E DOS DIREITO DA UNIÃO
EUROPEIA NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA 68
DIREITO INTERNACIONAL GERAL OU COMUM 68
DIREITO INTERNACIONAL CONVENCIONAL 69
DIREITO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 72
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA 73

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O ESTADO E OS OUTROS: QUEM É QUEM NO DIREITO INTERNACIONAL 75


PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO INTERNACIONAL: UMA NOÇÃO CLÁSSICA QUE SE
RENOVA 75
1.1 O CONCEITO DE SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL 75
1.2 O ESTADO E OS OUTROS 76
1.3 SUJEITOS E ATORES. O INSTITUTO DO RECONHECIMENTO 76
CONTEÚDOS TÍPICOS DA SUBJETIVIDADE INTERNACIONAL - EM PARTICULAR O ESTADO 78
2.2 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA ESTADUALIDADE 78
2.2.1 POPULAÇÃO PERMANENTE 79
2.2.2 TERRITÓRIO DETERMINADO 79
2.2.3 GOVERNO EFETIVO 79
2.2.4 CAPACIDADE PARA ESTABELECER RELAÇÕES INTERNACIONAIS 79
2.2.5 CASOS CONVERTIDOS DE ESTADUALIDADE: MICRO-ESTADOS, ESTADOS
DEPENDENTES, ESTADOS FANTOCHES E ESTADOS FALHADOS 79
2.2.6 RECONHECIMENTO DE ESTADOS 80
RAPOSAS E OURIÇOS NO DIREITO INTERNACIONAL 81

A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) 82


ENQUADRAMENTO HISTÓRICO 82
1.1 PRIMEIRAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 82
1.2 PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 82
1.3 SOCIEDADE DAS NAÇÕES 82
1.4 NAÇÕES UNIDAS 83
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS 83
2.1 ESTRUTURA 83
MEMBROS 86
ÓRGÃOS DAS NAÇÕES UNIDAS 86
3.1 TIPOS DE ÓRGÃOS 86
3.2 ÓRGÃOS PRINCIPAIS DA ONU 87
CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DAS NAÇÕES UNIDAS 92
4.1 AUTONOMIA 92
4.2 COMPLEMENTARIDADE 92
4.3 COORDENAÇÃO 92

O DIREITO INTERNACIONAL E CIBERTERRORISMO (ALEXANDRE GUERREIRO) 93


INTRODUÇÃO E CONCEPTUALIZAÇÃO AO TERRORISMO 93
ENQUADRAMENTO DO TERRORISMO NO DIREITO INTERNACIONAL 93
GUERRA JUSTA NO COMBATE AO TERRORISMO 93
AS ESPECIFICIDADES DA CIBERGUERRA E DO CIBERTERRORISMO 94
CONCLUSÕES 95

O DIREITO INTERNACIONAL: TÓPICOS DE MUDANÇA (ANA RITA GIL) 95


INTRODUÇÃO 95
SISTEMA DA CONVENÇÃO DE GENEBRA 95
2.1 ANTECEDENTES 95
2.2 O CONCEITO DE REFUGIADO 96
2.2.1 PERSEGUIÇÃO 96
2.2.2 RECEIO DE PERSEGUIÇÃO 97
2.2.3 MOTIVOS DA PERSEGUIÇÃO 97
2.3 MOTIVOS DE EXCLUSÃO 97
2.4 O PRINCÍPIO DO NON REFOULEMENT 97

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS – HELOÍSA OLIVEIRA 98

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(Direito Internacional Público e ordem jurídica


global do século XXI - MLD)

CAPÍTULO 1: A IDENTIDADE DO DIREITO


INTERNACIONAL PÚBLICO
SECÇÃO I. O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO:
RELANCE INTRODUTÓRIO

1§ NOÇÃO ADOPTADA
Direito Internacional Público: Conjunto de normas e princípios gerais definidos no
quadro da ordem jurídica global que visam regular a existência e o funcionamento da
comunidade internacional. Estatuto jurídico da comunidade internacional

★ “conjunto de normas e princípios”: Disciplina jurídica de base normativa

★ “quadro da ordem jurídica global”: Génese do Direito Internacional Público, de


onde nasce

★ “comunidade internacional”: Objeto do Direito Internacional Público

○ Comunidade ≠ Sociedade: Os agregados humanos podem seguir dois


modelos diferentes: o societário e o comunitário. No modelo societário
estamos perante relações entre iguais de cooperação baseadas na livre
vontade. Por outro lado, o modelo comunitário pressupõe limites da
autonomia decisória que levam à criação de deveres não iguais para todos,
existindo posições superiores e inferiores, ou seja, um quadro de
subordinação.

■ Cartas das Nações Unidas: Ainda que esta dite que todos os estados
têm garantia de igualdade, tal não se verifica, pois a própria carta
estabelece diferenças (ex: existência de membros permanentes no
conselho de segurança e com poder de veto que os outros não têm,
ficando numa posição de maior poder). Daí que o direito internacional
público funcione na base de um modelo comunitário.

Análise do Direito Internacional Público: Três perspectivas complementares

★ Análise Técnico-Jurídica: O objeto de análise são as regras jurídicas, sob a forma


de normas e princípios e que integram o ordenamento jurídico internacional.

★ Análise Axiológica: Os valores que encimam a pauta axiomática de referência no


Direito Internacional Público são a paz e a dignidade da pessoa humana.

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○ ius cogens: Direito imperativo e insuscetível de derrogação, resultado de uma


visão do direito inspirado e modelado por critérios axiomáticos que se podem
sobrepor à vontade dos Estados e à autoridade da norma impositiva.
Impõem-se a todos os Estados via obrigação erga omnes

○ Carta das Nações Unidas: Explicita como o seu primeiro objetivo a


manutenção da paz e da segurança internacionais, definindo procedimentos e
poderes que devem ser acionados para garantir a paz e, se necessário,
sancionar os responsáveis pela violação da regra fundamental de proibição do
uso da força. O lugar central que a organização ocupa no governo da
comunidade internacional resulta da sua condição de guardiã da paz.

○ Direito Internacional dos Direitos Humanos: A crescente afirmação da


importância e autonomia deste direito.

★ Análise Histórico-Sociológica: Realiza a necessária aproximação entre a norma e


os factos que condicionam a sua aplicação efetiva, articulando as dinâmicas próprias
da comunidade internacional atual com o estudo das diferentes fases de evolução das
relações entre os protagonistas da vida internacional (os Estados).

Definição do Direito Internacional Público: Socorre-se de critérios jurídicos, sendo


baseada em três critérios principais e independentes:

★ Origem das Normas: Criadas pelos processos próprios de produção jurídica da


comunidade internacional (através de convenções internacionais ou procedimentos
de manifestação da vontade jurídica por parte da agremiação internacional - ex:
costume)

★ Sujeitos: As normas jurídicas internacionais têm destinatários e é em função deles


que se traçam as linhas da sua identidade reguladora. No direito internacional
público, o elemento subjetivo já não está limitado a um direito de Estados e para
Estados, disciplinando as relações no seio da comunidade internacional, formada por
uma pluralidade de entidades muito diferentes. De acordo com o princípio da
soberania, são as nações que se submetem às regras e as respeitam com base na ideia
de pacta sunt servanda, porque só fica sujeito quem ratifica o tratado.

★ Função: O direito internacional apresenta uma função social que visa enquadrar e
disciplinar as matérias relacionadas com a existência jurídica da comunidade
internacional e o seu funcionamento enquanto realidade institucional de exercício de
poder que está na génese de dinâmicas de relação jurídico-pública.

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3§ DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: UM DIREITO DIFÍCIL DE


CONHECER
Dificuldades do Direito Internacional Público: O direito internacional enquanto
disciplina jurídica é especialmente problemático, uma vez que existem várias razões que
funcionam como obstáculos a uma aproximação bem sucedida ao objeto de estudo:

★ Pluralidade de fontes e a relação incerta entre elas: A pluralidade das fontes


gera enorme incerteza sobre o sentido a dar ao quadro normativo aplicável. A
conhecida ambiguidade das decisões dos tribunais internacionais, especialmente o
Tribunal Internacional de Justiça, resulta da necessidade de fundamentar uma
solução a partir de um conjunto de desgosto e conflito de normas e princípios gerais.
Descobrir qual é a regra e a sua extensão é o tema mais difícil à credibilidade do
raciocínio jurídico aplicativo no Direito Internacional.

★ Dispersão das normas: Consequência da ausência de um decisor normativo de


âmbito universal. Embora existam tratados de âmbito universal, como a Carta das
Nações Unidas, a situação mais comum é a da coexistência de vários tratados. No que
respeita ao Direito Internacional institucional, a comunidade não tem um estatuto
jurídico único codificado, ainda mais devido à existência de normas de fonte
costumeira , que, apesar dos esforços e progressos realizados, ainda apresentam um
longo trabalho de codificação pela frente.

★ Fragmentação do Direito Internacional sob a forma de diferentes


regimes específicos: Falta uma lógica comum de superação de inevitáveis
antinomias produto da complexidade, pluralidade de regimes jurídicos, coexistência
de diferentes fontes, vigência de normas gerais e especiais, da existência de vários
tribunais internacionais e centenas de organizações internacionais que se desdobram
em milhares de órgãos e comités, transmitindo, tudo isto, uma imagem de
fragmentação e desordem.

★ Aplicação: A abordagem metodológica deve combinar o raciocínio técnico jurídico


com a ponderação dos valores no contexto de uma avaliação realista das
condicionantes físicas. O jusinternacionalista tem uma responsabilidade acrescida,
dado que deve propor uma solução que não se limite a ecoar as palavras da lei, o que
pode, contudo, contribuir para cavar a distância entre a norma jurídica e as condições
efetivas da sua aplicação e garantia.

4§ O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E OS SEUS


SEMELHANTES
O direito internacional público não está sozinho, encontrando-se num regime de coabitação
funcional com disciplinas afins e disciplinas aliadas.

Disciplinas Afins: Como o direito internacional privado e o direito comunitário da união


europeia.

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★ Direito Internacional Privado: O direito internacional privado visa regular as


relações jurídicas privadas resultante de situações de vida plurilocalizadas que põem
em contacto várias ordens jurídicas potencialmente competentes. A distinção clássica
entre Direito Internacional Público e Privado baseia-se no critério da natureza
pública ou privada das relações jurídicas em causa. Todavia, esta distinção, tal como
acontece no âmbito do direito interno, tem vindo a ser cada vez mais difícil de traçar
com nitidez.

★ Direito da União Europeia: Este tem uma natureza atípica, porque não é um
Direito Estadual nem um Direito Internacional. Referindo-se ao conjunto de regras e
princípios que regem a existência e o funcionamento da União Europeia, é a
expressão de uma ordem jurídica própria e autónoma. Difere do Direito
Internacional Público na medida em que do ponto de vista estrutural e política, são
distintas a comunidade internacional e europeia. O Direito Comunitário surgiu como
o Direito Internacional de âmbito regional, mas o aprofundamento dos objetivos da
integração económica que envolvem a integração política, bem como o recurso a
instrumentos de integração jurídica, conduziu a um efeito de emancipação do direito
da união europeia em relação aos modelos tradicionais e de aplicação das normas do
Direito Internacional Público. Assim, existe uma relação de influência recíproca entre
o Direito Comunitário e o Direito Internacional Público:

○ Entre as fontes do Direito da União Europeia está o Direito Internacional


Público, sob a forma de convenção e a vinculação a normas não pactícias.

Disciplinas Aliadas: Grupo mais amplo e heterogéneo. São disciplinas que não se
confundem com o direito internacional público, mas que desenvolvem com este uma relação
de cumplicidade científica uma vez que influenciam o raciocínio técnico-jurídico (ex:
economia política, sociologia internacional,...).

★ Para além das relações de afinidade e cruzamento metodológico com diferentes áreas
do saber, a ciência do Direito Internacional Público beneficia, ainda, da proximidade
com o direito constitucional, administrativo, judiciário e com a teoria geral do direito.
Matérias centrais do estudo do direito internacional orientam-nos para o estudo de
regimes jurídicos definidos e interpretados à luz de conceitos e de princípios gerais
aplicados nos sistemas jurídicos dos Estados.

5§ O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O DIREITO INTERNO:


UMA COMPARAÇÃO VIRTUOSA
O direito internacional público não pode ser comparado ao direito interno sem filtros,
porque leva à criação de expectativas desproporcionais e que se caia na ideia errada de que o
direito internacional público não tem juiz, polícia ou legislador e que, por isso, não pode ser
direito.

Legislador: Existe no sentido de centros de decisão normativa, mas não sob a forma
estadual típica de um parlamento mundial ou de um governo mundial. Enquanto que no

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direito interno o legislador está concentrado, no caso do direito internacional está


descentralizado.

Polícia: O encargo de polícia internacional dotado de poderes de controlo e de sanção no


caso da violação da lei internacional foi entregue, pela Carta das Nações Unidas, à
Organização das Nações Unidas, todavia a ONU só de modo intermitente e insuficiente tem
conseguido desempenhar esta função. Na sua ausência, a tarefa de vigiar e policiar o mundo
acaba por ser desempenhada pelos Estados que estão em condições de impor a paz pelo uso
ou ameaça do uso da força.

★ Os EUA perderam a função, havendo agora vários Estados que a desempenham, cada
um por sua área, às vezes à margem do poder internacional (ex: Rússia - países de
leste; china - ásia;...)

Juiz: A comunidade internacional tem instâncias judiciais próprias. Uma tendência de


evolução do direito internacional público tem sido o de criar tribunais internacionais e de
confiar a jurisdições independentes a interpretação e a aplicação do Direito em caso de
litígio. Uma fragilidade assinalada habitualmente à justiça internacional é o seu carácter
facultativo, dependente da aceitação da jurisdição dos respectivos tribunais pelos Estados
(ex: A denuncia B, mas B tem de aceitar a denuncia de A).

6§ O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO OU DIREITOS


INTERNACIONAIS PÚBLICOS
Várias classificações e divisões podem ser adoptadas com o objetivo de ordenar a pluralidade
do direito internacional, em face de uma tal pluralidade marcada pela diversidade dos
regimes jurídicos, alguns autores chegam mesmo a questionar a existência de um direito
internacional público. Não existe, com efeito, um direito internacional público na acepção
comum de ramo do direito, uma vez que este é a expressão de uma ordem jurídica própria e
autónoma, com todas as consequências associadas, nomeadamente a sua divisão em vários
ramos do Direito. São várias as divisões que nos podem ajudar na arrumação
sistematizadora do Direito Internacional, a sua configuração vai variar dos critérios
selecionados, que na opinião da prof. regente são dois:

Critério Geográfico: Limita-se a constatar a existência de um Direito Internacional de


aplicação universal ou para-universal. Por razões históricas, reforçadas por
desenvolvimentos posteriores à segunda guerra mundial, formou-se um direito internacional
europeu, tal como existe um direito internacional americano. Em princípio, o Direito
Internacional Regional pode definir regimes normativos diferentes e mesmo de alcance
derrogatório, salvo se tais matérias foram objeto de “normas imperativas de direito
internacional geral” (ius cogens).

Critério Relativo ao Objeto de Regulação:

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★ Direito Internacional Institucional: Conjunto de regras e princípios que


definem a estrutura da ordem jurídica internacional, designadamente as fontes, os
sujeitos e os meios de garantia e que regulam o funcionamento das organizações
internacionais.

★ Direito Internacional Material: Desdobra-se num conjunto vasto de ramos e


sub-ramos, ora resultantes de necessidades específicas de regulação das relações
internacionais, ora refletindo a projeção no plano internacional de ramos do Direito
de génese estadual.

SECÇÃO II. FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO


DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

1§ O LONGO PERÍODO DE GESTAÇÃO DO DIREITO


INTERNACIONAL PÚBLICO
Cinco Grandes Impérios do Mundo Antigo: Babilónia, Egito, Reino Hitita na Ásia
Menor, Mittanni na Mesopotâmia e a Assíria.

★ Tratados: No mundo antigo da bacia oriental do Mediterrâneo, os tratados


traduziam uma política de alianças entre os cinco grandes reinos ou impérios
relativos à guerra e às condições de paz, incluindo as regras do exercício do comércio.
Os tratados invocavam as divindades supremas das partes, cuja cólera deveria
castigar o infrator. Esta prática tornou-se comum até ao séc. XIX 1.

○ 3010 a.C.: Manifestação mais antiga de tratado internacional. Era um acordo


de paz entre cidades rivais (cidade de Lagash e cidade de Umma na
Mesopotâmia).

○ 1279 a.C.: Tratado de Qadesh entre o Faraó Ramsés II do Egito e Hattusil III,
rei dos Hititas

Grécia Antiga: Adotou duas instituições conhecidas das civilizações orientais: a técnica dos
tratados e a arte da diplomacia.

★ Proxenia: Estabelecia os direitos e os princípios dos estrangeiros através do


contrato de hospitalidade pública entre cidades gregas, antepassada do atual regime
de proteção consular.

★ Lei do Mais Forte: Encontrou a sua expressão máxima no terreno das relações
recíprocas entre cidades com Tucídides 2. Esta lei materializa-se na ideia de que,
enquanto o forte fazia o que queria, o fraco sabia o que devia fazer, desenvolvendo-se
tudo em função da força e não do “dever ser”, consistindo numa negação do direito.

1 “em nome de Deus, todo poderoso”


2 455 a.C. - 399 a.C.

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★ Anfictionias: Alianças ou confederações de cidades-estado. Manifestação


embrionária das atuais organizações internacionais. Eram criadas para gerir, em
comum, os santuários religiosos, sendo que a mais importante foi instituída a VI a.C.
para proteger o santuário de Delfos, congregados 12 cidades-estado

Roma Imperial: As relações com os povos conquistados e com os povos vizinhos eram
definidas no pressuposto da superioridade de Roma sobre os demais.

★ Direito Responsável pela situação jurídica dos estrangeiros:

○ Ius Fetiale: Cuidava da situação jurídica dos estrangeiros. Era de carácter


religioso, confiando a um colégio de sacerdotes, os irmãos feciais, o dever de
procurar a proteção divina para a decisão de Roma de entrar na guerra. Vai
condicionar a distinção entre guerra justa e injusta, distinção essa que vai ser,
mais tarde, desenvolvida pelo Direito Canónico na Idade Média.

○ Ius Gentium: Cuidava da situação jurídica dos estrangeiros. Era aplicado por
um magistrado ou pretor dos estrangeiros e visava regular as relações dos
estrangeiros entre si e com os cidadãos romanos, em substituição do ius
civile, que estava reservado aos cidadãos de Roma. Este direito constituía um
ramo interno do direito privado, estando na origem do Direito das Gentes,
depois designado Direito Internacional. Mesmo após o édito de Caracala em
212 a.C., o ius gentium manteve-se relevante e relativamente autónomo por se
tratar de uma versão menos formalista do ius civile, essencialmente baseado
nos usos comerciais da bacia do Mediterrâneo e nos princípios de equidade e
boa fé.

■ Direito Natural: O ius gentium era um direito flexível e encarnava a


pretensão de ser um direito universal que acabaria por ser
identificado com o Direito Natural. O que o torna natural é o facto de
derivar da natureza humana, impondo padrões de comportamento
ligados à representação de valores comuns.

★ Queda do Império Romano (476): A Europa mergulha no caos e no


desmembramento provocados pelas invasões dos povos ditos bárbaros. Só a partir do
séc. XI, com uma certa estabilização dos reinos cristãos e o aproveitamento das
relações comerciais com o exterior, se verificaram condições políticas e económicas
para o estabelecimento de relações internacionais.

Idade Média (séc. V-XV): Marcada pela disputa entre o Papa e o Santo Império pelo
poder supremo da Civitas Christiana.

★ 800: A supremacia da Igreja Católica e do Papa foi aceite por Carlos Magno ao
reconstituir, no dia de Natal, o Império Romano do Ocidente.

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★ 962: O ceptro imperial é alcançado por Otão I, o Grande, soberano germânico, e o


novo Império Romano-Germânico desafia o poder do Papa para definir o destino dos
homens no seio da Respublica Christiana.

○ Respublica Christiana: Associação dos reinos e nações de filiação cristã que


viveu quase permanentemente em instabilidade provocada pela incerteza dos
limites entre o poder espiritual do Papa e o poder temporal do Imperador.

★ Séc. XII-XIV: Afirmou-se o Direito Canônico, direito comum, de fundamento


religioso, partilhado entre as nações cristãs do Ocidente e o poder de Bizâncio. Uma
outra dimensão deste direito supranacional, resultava do direito romano e constituiu,
enquanto ius commune, um elemento fundamental de unidade funcional.

○ Reflexos da dimensão internacional do ius commune: Através da aplicação de


dois regimes normativos:

■ Lex Mercatoria: Reguladora das trocas comerciais no âmbito da Liga


Hanseática3. Aplicava os usos corporativos e o princípio da boa-fé

■ Lei Marítima de fonte consuetudinária: Inspirada pelos usos


helénicos compilados na Lex Rhodia romana

★ Séc. XV: As tensões no seio da Comunidade de nações cristãs conduziram, primeiro,


ao declínio e, depois, ao colapso da Respublica Christiana. O progressivo declínio do
Papado e do Império coincidiu com a afirmação dos Estados no sentido moderno,
sinónimo de Estado soberano.

★ 1648: O colapso definitivo da ordem dual, mas assimétrica, da Respublica Christiana


verifica-se com o movimento da Reforma Protestante que dará origem a uma nova
ordem europeia negociada no epílogo da Guerra dos 30 anos em 1648 com a
chamada Paz de Vestefália.

Questões que estão na génese do Direito Internacional Público:

★ O impacto do movimento dos Descobrimentos marítimos, em especial da querela em


torno do mare nostrum versus mare liberum

★ O fundamento e os limites da guerra, com a oposição já delineada entre guerra justa e


guerra injusta

★ O fundamento do poder de reis e príncipes fora da alçada tutelar do Papado e do


Império

“Pais” fundadores do Direito Internacional Público:

3 Associação de cidades germânicas situadas ao longo das costas do Mar do Norte, do Báltico e do interior do
território alemão, e também das Cidades-Estado italianos, como Veneza e Génova

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★ Nicolau Maquiavel (1469-1527): Defendia que o objetivo maior de preservar o


Estado contra as alianças e ataques dos inimigos externos justificava o recurso aos
meios mais eficazes, mesmo que contrários à lei e aos juízos morais, mesmo que
contrárias à lei e aos juízos morais, em nome da razão de Estado.

★ Francisco de Vitória (1486-1546): Considerava que a comunidade internacional,


formada pelo conjunto de povos, nações e Estados (respublica) tinha, por base o
Direito Natural e possuía um caráter próprio à qual se aplicava esse direito. Pela sua
natureza, a comunidade internacional e os valores comuns prevaleciam sobre as
comunidades políticas particulares, o que sublinha o cariz universal desta unidade e
do direito aplicável. Considerava que o direito das gentes integrava o direito natural.

★ Alberico Gentili (1522-1608): Associava o direito internacional a uma expressão


do Direito Natural de inspiração divina. A sua doutrina apontava novos caminhos na
definição de um regime jusinternacionalista ao defender o estatuto de imunidade dos
embaixadores e, em especial, ao aprofundar a ideia sobre o carácter público da
guerra. Não admitia a conversão religiosa como causa da guerra justa e entendia que
a natureza justa ou injusta da guerra não alterava os direitos das pessoas, devendo a
guerra ser conduzida com sentido de humanidade e especial atenção para as
populações civis.

★ Jean Bodin (1530-1596): Considerava que o Estado deveria deter e exercer a força
soberana, esta caracterizada como poder supremo na ordem jurídica interna e
independente igual na ordem jurídica internacional. Assim, o Estado teria uma
soberania em dois sentidos: no plano interno seria una, indivisível, perpétua e
suprema; e no plano externo da relação do Estado com outros Estados pressuporia
um estatuto de independência com a exigência de igualdade soberana dos Estados. O
Estado estava obrigado a respeitar o direito natural e o direito das gentes.

★ Francisco Suárez (1548-1617): Discípulo de Vitória. Assumia a existência de uma


distinção clara entre direito natural e das gentes, pois, enquanto o primeiro era
necessário e imutável, o direito positivo das gentes era evolutivo e contingente, pois
resultava do juízo dos povos sobre o que deve ser o conteúdo do direito aplicável,
ainda que não pudesse contrariar o direito natural.

★ Frei Serafim de Freitas (1570-1633): Defendia os direitos privativos de


navegação como vantagem dos Portugueses na Índia. Admitia, tal como Grócio, que o
mar era coisa comum.

★ Hugo Grócio (1583-1645):

○ Estado Soberano: Reconhecia o Estado soberano como “aquele cujos atos são
independentes de qualquer outro poder superior e não podem ser anulados
por vontade humana”, sendo que as potências soberanas não se podiam
fechar sobre o seu próprio império da vontade por integrarem uma sociedade
regida pelo direito. Direito esse que é o Direito Natural de raiz secular e
modelado pela razão.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

○ Secularização: A secularização é relevante na sua obra porque corresponde à


vontade de ir ao encontro de uma necessidade do seu tempo, a de garantir um
forte apoio teórico para um direito de tratamento igual das várias facções
religiosas de confronto.

○ Direito Natural vs. Direito Voluntário: Aprofundou, ainda, a doutrina de


Suárez sobre a distinção entre direito natural e direito voluntário, este último
resultante da vontade das nações sob a forma de acordos, embora ligadas pela
obrigatoriedade da palavra dada (pacta sunt servanda), as nações não podem
aplicar direito voluntário contrário ao direito natural.

○ Guerra: Admitia a legitimidade do Estado decidir sobre a guerra, dado que


não existia autoridade superior que o pudesse substituir nessa decisão.
Retomou a distinção trabalhada pela doutrina canonística da Igreja entre
guerra justa e guerra injusta, concluindo que seria justa, a guerra, quando
fosse uma manifestação do Estado de resposta a uma injustiça, cabendo ao
Direito Natural determinar as causas possíveis da injustiça.

2§ A PAZ DE VESTFÁLIA E O PERÍODO CLÁSSICO (1648-1815)


Guerra dos Trinta Anos (1618-1648): Pela sua duração e intensidade foi
particularmente devastadora. Esta guerra foi religiosa e política. A partir de 1653 tornou-se
uma luta de influências entre a França e a Espanha que arrastou consigo as outras nações da
Europa. O imperador Fernando II pretendia aniquilar os hereges protestantes, seguidores de
Lutero e Calvino, e restaurar a autoridade do Sacro Império Romano-Germânico, contando
com a oposição dos Estados protestantes.

★ Tratados de Vestefália: A guerra terminou em 1648 com a celebração dos tratados


de Osnabrück e de Munster entre o Imperador Fernando III e os Príncipes alemães
(os derrotados) e a Rainha Cristina da Suécia e os seus aliados (os vencedores).
Simbolizam o fim da Respublica Christiana e a emergência de uma nova ordem
europeia.

○ Novo quadro geopolítico da Europa:


■ Domínio da França, sob Luís XIV e Napoleão Bonaparte
■ O Império Romano-Germânico mantém-se formalmente até ao séc.
XIX
■ A Alemanha é pulverizada em 355 pequenos estados independentes
■ Reconhecimento da independência da República das Províncias
Unidas dos Países Baixos
■ Ideia de Estados soberanos

Paz de Vestefália: Os tratados de Osnabrück e de Munster definiram um novo quadro de


regulação das relações entre os Estados Europeus, daí que haja doutrina que os intitule de
Carta Constitucional da Europa. A paz de Vestefália representa uma primeira configuração
por via pactícia de corpus iuris gentium europeo, ou seja, o direito internacional europeu.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Afirmou os seguintes princípios:

○ Respeito pelas fronteiras dos Estados


○ Autoridade legislativa, administrativa e judicial dos Estados baseada no
critério da jurisdição territorial e não da jurisdição pessoal
○ Igualdade soberana dos Estados
○ Tolerância religiosa e igualdade confessional entre o catolicismo, luteranismo
e calvinismo
○ Não intervenção nos assuntos internos ou domésticos dos outros Estados,
incluindo o credo religioso dos seus súbditos

★ Apontou os seguintes instrumentos da garantia das relações pacíficas no


futuro:

○ Observância dos tratados pelos Estados celebrantes que os devem respeitar e


cumprir (pacta sunt servanda)
○ Os conflitos que constituem uma ameaça à paz devem ser ultrapassados, de
preferência, pela via da negociação político diplomática
○ Uma guerra iniciada na ausência de causa justa seria contrária ao Direito,
devendo os Estados partes nos tratados de paz zelar pela reposição da ordem,
incluindo o uso da força contra o Estado infractor

★ Sistema de regulação da guerra: Os campos da Europa eram palco de conflitos


violentos, pelo que se acordou um sistema em que só os Estados soberanos, titulares
da suprema potestas, a ela podiam recorrer para resolver conflitos com outros
Estados soberanos.

★ Princípio do Equilíbrio: Visava garantir uma relação equilibrada e negociada


entre as várias potências da época. Conduzia as relações externas dos Estados.

Desenvolvimento da doutrina jusinternacionalista: Dotou o Direito Internacional de


um fundamento próprio, independente de factores religiosos e morais ou de pura
identificação com o direito natural.

★ Fundamento Voluntarista: Consideram que a fonte do Direito das Gentes se


encontra na prática dos Estados.

Paz Perpétua: Mobiliza a convicção humanista dos jurados que, guiados pela vontade
genuína de eliminar a guerra entre as nações europeias, arquitetam planos visionários que, à
partida, padecem de uma relação de incompatibilidade. A manifesta utopia destes projetos
não lhes retira o significado que tiveram na determinação de uma linha primordial de
construção do Direito Internacional Público em torno da garantia duradoura e
institucionalizada da paz que vai influenciar a evolução da jusnormatividade internacional.

★ Ideias de Kant:

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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○ Uma “Federação de Estados Livres”, de acordo com o modelo de constituição


republicana, baseada na separação de poderes e na igualdade perante a lei

○ Ênfase que coloca na relação necessária entre a forma democrática do poder


estadual e a garantia da paz entre os povos.

○ Uma relação entre Estado de Direito, democracia política e respeito pelo


Direito Internacional que, em pleno séc. XXI, constitui a chave para uma
visão integrada e internormativa das comunidades humanas no plano
intraestadual e interestadual.

Acontecimentos do Fim do séc. XVIII na Origem de Fatores de Mudança:

★ Criação dos EUA (1716): E o consequente reconhecimento do direito à


autodeterminação e do princípio das nacionalidades, primeiro nos movimentos
nacionalistas e secessionistas do séc XIX e, mais tarde, com o processo de
descolonização e criação de novos Estados.

★ Revolução Francesa (1789): E a proclamação de direitos do Homem sob uma


perspectiva universalista, enquadrada pelos valores fundamentais da liberdade,
igualdade e fraternidade e de todos os povos livres.

3§ O PERÍODO MODERNO (1815-1945)


Congresso de Viena (1814-1815): Fim das negociações após a derrota definitiva do
Napoleão Bonaparte. As negociações foram conduzidas em comités e pela via informal de
contactos entre os representantes das potências.

★ Assinantes: A Ata Geral aprovada em Viena constitui um tratado multilateral sob a


forma de declaração subscrita pela Áustria, França, Grã-Bretanha, Portugal, Prússia,
Rússia, Suécia e com Espanha a aderir em 1817.

★ Abriu as Portas a Decisões Importantes no Aprofundamento do DIP:

○ Política de Alianças: Conduzida pelo método das consultas periódicas,


congregando as primeiras potências da Santa Aliança4, dando lugar, mais
tarde, ao Concerto Europeu

■ Concerto Europeu: Foi, durante quase um século, um mecanismo


eficaz de prevenção de conflitos

○ Reforço da Negociação: Pela via diplomática

4 Grã-Bretanha, Áustria, Prússia, Rússia e, mais tarde, França também (1818)

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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■ Celebração de Tratados Multilaterais: Sobre o regime de navegação


de rios internacionais

■ Criação das Comissões Fluviais e Uniões Administrativas: Embrião


das primeiras organizações internacionais

○ Direitos Humanos:

■ Abolição da Escravatura (1841)

■ Proteção de Feridos em Tempos de Guerra (1864)

○ Desenvolvimento do DIP de Fonte Convencional: Impulsiona o movimento de


codificação das normas consuetudinárias e o aparecimento de organizações
privadas no âmbito académico e político não governamental, cuja vocação é
favorecer o progresso do Direito Internacional

○ Mantém a sua Estrutura Interestadual: Composta por Estados soberanos e


independentes, mas cresce o número de Estados membros, alargando-se para
além dos tradicionais limites da Europa e dos Estados Unidos.

■ Tipos de Estados: A relativa heterogeneidade da comunidade


internacional no final de Oitocentos levou Franz von Liszt a propor
uma distinção:
● ESTADOS CIVILIZADOS: incluía os Estados europeus e de
matriz europeia
● ESTADOS SEMICIVILIZADOS: incluía, por exemplo, a China e
a Pérsia, pois estavam ligados aos Estados civilizados por
tratados
● ESTADOS NÃO CIVILIZADOS: como os pequenos Estados
árabes ou os países africanos da Libéria e da Abissínia, que não
integram propriamente a comunidade internacional, as nações
civilizadas teriam apenas obrigações de natureza moral.

Tratado Multilateral: Com o Congresso de Viena, este tipo de tratado passou a funcionar
como instrumento privilegiado nas relações internacionais, porque melhor se adequa à
regulação das questões da cooperação internacional no contexto de uma comunidade
internacional que alberga um número maior de Estados e que apresenta um leque muito
mais alargado de interesses que importa decidir e definir em comum.

Primeira Guerra Mundial:

★ Vésperas: O Direito Internacional Público correspondia a um sistema jurídico de


regulação das relações entre Estados Civilizados porque não incluía todos e porque
não admitia uma autoridade superior aos Estados cuja independência era sinónimo
de soberania ilimitada

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Consequências:

○ Impérios: Queda e desmembramento dos Grandes Impérios Centrais 5.

○ Alemanha: Derrotada, recebe uma série de encargos pesados e humilhantes 6

○ Pacto da Sociedade das Nações (SDN): Ideia do Presidente Woodrow, mas


recusada pelo senado americano dada a recusa de ratificação. Foi a primeira
organização de segurança coletiva, com vocação universal. Todavia, não
conseguiu conter as políticas belicistas e de agressão de certos países.

○ Tratado de Versalhes (1919): Pôs fim à guerra. Criou a Organização


Internacional do Trabalho, que ainda hoje existe como organização
especializada do sistema das Nações Unidas. Objetiva a transição de um
Direito Internacional interestadual, que regula relações entre Estados e
interesses dos Estados, para um Direito Internacional que alarga a sua esfera
de proteção à pessoa humana, na sua dimensão individual, social e coletiva

○ Criação do Tribunal Permanente de Justiça Internacional (1921): Com sede


em Haia, precursor do atual Tribunal Internacional de Justiça, interveio em
numerosos diferendos e construiu as bases da doutrina jurisprudencial do
Direito Internacional que ainda são invocadas pela jurisprudência e literatura
jusinternacionalista.

Período Entre Guerras:

★ Pacto Briand-Kellog/Tratado de Renúncia à Guerra (1928): Anuncia um


futuro regime de proibição da guerra e do uso da força como meio de resolução de
conflitos

★ Aplicação do Sistema de Mandatos Internacionais: Confiavam a um Estado,


sob supervisão da SDN, a administração de territórios, antes integrados como
colónias nos impérios derrotados da Alemanha e da Turquia Otomana. Este regime
concretiza já uma conceção de responsabilidade da comunidade internacional pela
sorte destes povos e reconhecimento do seu direito à independência.

3§ O PERÍODO CONTEMPORÂNEO (1945 AOS NOSSOS DIAS)


Carta das Nações Unidas (1945): Cria a organização internacional das Nações Unidas,
representando o virar de página em relação às condições e às causas que estiveram na
origem da Segunda Guerra Mundial. Tem subjacente um projeto muito ambicioso de nova
ordem jurídica mundial cuja expressão mais visível é o sistema de segurança coletiva.

5 Império Alemão, Austro-Hungaro, Otomano e Russo


6 perda de territórios, pagamento de indemnizações,...

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Conselho de Segurança: Órgão de composição restrita e poderes inigualitários


entre os seus membros7. Investido de poderes de autoridade supraestaduais em caso
de violação da segurança e da paz internacionais.

★ Dimensão Ética da Ação Internacional: Outra consequência do trauma


produzido pelas atrocidades cometidas durante a guerra. Vai-se refletir na ideia de
um quadro jurídico assente sobre o respeito dos direitos do Homem e das
liberdades fundamentais para todos (art. ⅓ da CNU), traduzindo-se no
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana

★ Alteração de Paradigma: O Direito Internacional deixa de ser um direito de


Estado e entre Estados, para passar a definir e proteger os direitos das pessoas,
baseados em princípios gerais que dão testemunho de um sentimento jurídico
partilhado pela comunidade internacional.

Dificuldades das Nações Unidas:

★ Guerra Fria: Antagonismo aberto entre o bloco ocidental, liderado pelos EUA, e o
bloco de leste, satelizado pela União Soviética

★ Desigualdades das Relações Internacionais: Divide a comunidade


internacional entre o Norte rico e desenvolvido, e o Sul pobre e colonizado, ou
fortemente dependente dos países desenvolvidos do Norte.

★ Muro de Berlim: Separava Berlim de Leste e Berlim Ocidental, simbolizando a


divisão do mundo da Era da Guerra Fria.

★ Colapso da União Soviética e Desagregação da Jugoslávia: Voltam a trazer a


questão das nacionalidades e do princípio da auto-determinação dos povos

★ EUA enquanto Hiperpotência: Prejudicou o multilateralismo das relações


internacionais e enfraqueceu o papel das Nações Unidas.

Ideia de um Novo Período: Questiona-se se acontecimentos como a Queda do Muro de


Berlim (1989), a criação da web (1991), o 11 de Setembro de 2001 ou a crise financeira de
2008 não terão sido pontos de viragem que marcaram a passagem para um nova dimensão
pós-moderna do Direito Internacional Público.

★ MLD: Considera que, ainda que na viragem do séc. XX para o séc. XXI, se tenha
assistido a um fase de transição do quadro normativo internacional que aprofunda
determinados traços de mudança em detrimento de outros, isso não é suficiente para
considerar o começo de um novo ciclo.

7 Os EUA, a Rússia, China, França e Reino Unido têm estatuto permanente e direito de veto

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

Características Principais do Direito Internacional Público Contemporâneo:

★ Institucionalizado e Multilateral: Devido:

○ Criação de Organizações Internacionais: Vão ter um papel decisivo no


respeitante ao processo de elaboração e aplicação das normas internacionais

○ Exercício comum de poderes de soberania: Como através da criação de


tribunais internacionais competentes para exercer poderes tradicionalmente
associados às prerrogativas internas de soberania

○ Accountability: Os Estados assumem a obrigação de prestar contas pelo


exercício das suas competências perante órgãos de controlo político, judicial
ou administrativo

★ Democrático: Em oposição ao pendor oligocrático do Direito Internacional Clássico


e Moderno.

○ Criação das Nações Unidas, de outras organizações internacionais e a


realização de conferências internacionais sobre questões que interessam à
Humanidade: Refletem um direito de base multilateral e inclusivo.

○ Papel Interventivo da Sociedade Civil Global: através de organizações não-


governamentais e grupos de cidadãos tem servido, também, para limitar
soluções unilaterais e manter abertos canais de negociação entre os Estados e
os restantes atores internacionais.

★ Expansivo: Com a regulamentação internacional a estender-se às variadas áreas de


relevância jurídica transnacional

★ Internormativo e Prevalecente: Sem prejuízo da autonomia inerente a uma


ordem jurídica própria, o Direito Internacional é parte integrante das ordens
jurídicas que asseguram a sua aplicação e garantem, ou deviam garantir, a sua
prevalência em caso de conflito.

★ Humanista e Social:

○ Centralidade do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: Foi desenvolvida


e aprofundada através da celebração de um número vastíssimo de convenções
internacionais sobre Direitos Humanos e da criação de tribunais e órgãos de
controlo.

○ Paz: Avaliada como um objetivo que depende de políticas internacionais de


desenvolvimento económico e social dos povos no contexto do modelo
democrático de governo dos Estados.

○ Reconhecimento do indivíduo como titular de direitos e deveres

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Global: Desenvolvimento de mecanismos internacionais de cooperação


administrativa, judiciária e policial de ação rápida e meios sofisticados de atuação.

★ Universal:

○ Pluralidade de Estados: O Direito Internacional tem por base o conjunto dos


Estados que são membros das Nações Unidas que são o elemento estruturante
da comunidade internacional e a sua cooperação voluntária, permanente e
institucionalizada é fundamental para garantir o respeito e a aplicação das
normas internacionais.

○ Supralegalidade: Sob a forma de ius cogens e obrigações erga omnes, impõe a


todos os Estados deveres em relação à comunidade internacional e valores
comuns

★ Assimétrico: Em função de fatores extrajurídicos, o Direito Internacional apresenta


graus muito diferenciados de regulação e de efetividade, dependendo das matérias e
das regiões.

SECÇÃO III. A QUESTÃO EXISTENCIAL DO DIREITO


INTERNACIONAL PÚBLICO: EXISTE PORQUÊ E PARA QUÊ

1§ COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
Justificação Existencial do Direito Internacional: Coloca-se no plano filosófico e do
debate doutrinário em torno da natureza voluntarista ou não voluntarista do Direito
Internacional

2§ PRINCIPAIS CORRENTES DOUTRINÁRIAS


Voluntarismo Jurídico: As normas jurídicas são produtos da vontade humana e existem
por causa dessa vontade e em função dela.

★ Voluntarismo Estatal: Identifica esta vontade com a vontade do Estado, enquanto


comunidade suprema e protetora.

○ Direito Positivo: Direito imposto pela vontade única do Estado.

○ Direito Internacional8: Dependente da vontade do Estado, o Direito


Internacional não teria autonomia relativamente ao Direito Interno e seria,
por isso, uma forma de Direito Estatal Externo.

■ Teoria da Auto-Limitação9: Na ordem internacional, o Estado não


conhece autoridade superior, mas a prerrogativa soberana da

8 Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça


9 instituição congénere que o precedeu no quadro da SDN e cujo estatuto foi aprovado em 1920

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autodeterminação implica a auto-limitação. Nas suas relações com os


outros Estados, aceita auto-vincular-se e aplica o Direito Internacional
que corresponde ao seu próprio interesse enquanto membro da
comunidade internacional.

■ Teoria da Vontade Comum10: Parte da distinção entre vontade isolada


e comum. No Direito Internacional, esta vontade comum ou conjunta
exprime-se de modo expresso através dos tratados ou de modo tácito
através do costume. Considerando-se a ausência de uma entidade
superior aos Estados, é possível, ainda assim, a conjugação de uma
vontade comum e acima das vontades particulares dos Estados

Teoria Normativista11: Assimila a existência do Estado a um complexo ordenado de


normas, o ordenamento jurídico, pelo que a função primordial do Estado é a unificação e
aplicação do Direito. Estado e Direito não se distinguem.

★ Força Vinculativa do Direito: Pela ideia da ordenação hierárquica das normas,


em que a norma inferior retira a sua força da referência à norma imediatamente
superior, até chegar ao topo da pirâmide normativa.

○ Direito Interno: A norma fundamental é a Constituição.

○ Direito Internacional: O fundamento jurídico convencional é o princípio


pacta sunt servada, enquanto que para o direito costumeiro a
obrigatoriedade advém da regra hipotética ou pressuposta - consuetudo est
servanda.

Correntes Substancialistas:

★ Fileira Sociológica12: Interpreta o Direito Internacional como expressão da relação


de solidariedade que se estabelece entre os membros da sociedade e que são, na sua
dimensão sociológica e biológica, os indivíduos.

★ Fileira Jusnaturalista13: Em versão neojusnaturalista, recupera a ideia original do


Direito Internacional, identificado com o direito natural, para a adaptar a outras
fontes axiomáticas de relevância omnicompreensiva de base institucionalista ou de
base humanista e personalista. Os autores reconduzem o fundamento do Direito
Internacional Público a um conjunto de valores suprapositivos, o que justifica a
autoridade do Direito Internacional e orienta os seus conteúdos normativos.

10 luisa, vai ver o manual do bacelar gouveia (p.147) e o manual do eduardo correia batista (p.66 do vol i) ou o
jorge miranda (p.39)
11 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados
12 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados (1969)
13 Convenção Europeia de Direitos do Homem

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3§ POSIÇÃO ADOTADA
Direito Internacional Público: Consequência necessária da natureza social do Homem e
das exigências normativas, no plano organizatório e no plano substantivo, da sociedade
humana (ubi homo, ibi societas).

★ Fundamentos do DIP:

○ Social: A organização social entre Estados e outros sujeitos internacionais,


baseada em critérios de segurança, previsibilidade e justiça depende de um
quadro jurídico coerente e funcionalmente adequado.

○ Contratual: Passa-se da desordem à ordem legitimada através do contrato que


fundamenta a existência do Estado e da autoridade social exercida e mantida
porque é o Direito. Enquanto membros da sociedade internacional, os
Estados são partes do contrato originário.

○ Racional: Os Estados cumprem porque devem e não porque querem. Trata-se


de uma obrigação existencial de fundamento ético e natureza
heterovinculativa. Os Estados cumprem porque esse é o seu dever,
racionalmente entendido, e não porque seja essa a sua vontade conjuntural ou
a mera conveniência prática.

★ Função: Vincular e limitar a vontade dos sujeitos internacionais. o DIP tem um


dever civilizacional e humanista de obediência aos valores suprapositivos da garantia
da paz e do respeito pela dignidade da pessoa humana, que se reconduzem ao valor
agregador da dignidade individual e social da pessoa humana.

4§ FUNÇÕES SOCIAIS DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO


O Direito Internacional Público vincula os sujeitos mediante regras de tipo societário e
regras de tipo comunitário.

Regras de Tipo Societário: Aplicáveis no quadro de relações de igualdade entre Estados,


desenvolvidas no cenário clássico da coexistência entre soberanias.

★ Função da Cooperação: Compreendida num patamar superior de


desenvolvimento e aprofundamento das relações de tipo societário. Está na base da
criação de organizações internacionais e outras formas de agregação
institucionalizada que conferem um grau superior de eficácia à realização de
interesses comuns.

Regras de Tipo Comunitário:

★ Função de Integração de Interesses e de Autoridade: As normas


internacionais não são a expressão direta da vontade soberana dos Estados, existindo

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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sanções previstas como mecanismos de defesa dos valores comuns contra os Estados
que desafiam a ordem internacional

CAPÍTULO 2: FONTES DO DIREITO


INTERNACIONAL PÚBLICO
SECÇÃO I. ELEMENTOS DE UMA TEORIA GERAL DAS
FONTES INTERNACIONAIS

1§ FONTES, OBRIGAÇÕES E ATOS JURÍDICOS NO DIREITO


INTERNACIONAL
Art. 38 do ETIJ14: Surgem dificuldades na interpretação deste artigo resultado deste ser
um texto quase centenário que não acompanhou a evolução dos procedimentos do Direito
Internacional, resultando na coexistência de conceitos, embora distintos quanto à forma,
estão funcionalmente próximos e são interdependentes no que respeita à produção de efeitos
jurídicos - fontes, obrigações e atos jurídicos.

★ Fontes: Modos e procedimentos de criação do Direito Internacional Público.

○ Distinção entre Formais ou Materiais:

■ Formais: O sistema jurídico reconhece-lhes a propriedade de criar


Direito

■ Materiais: Alheias a um reconhecimento, acabam por influenciar e


modelar o sentido da norma jurídica, contribuindo para erodir a
distinção entre criação e aplicação da norma jurídica - ex:
jurisprudência, doutrina jurídica

○ Distinção baseada no critério relevante da vontade dos sujeitos internacionais

■ Espontâneas: Costume, princípios gerais de Direito

■ Convencionais ou Pactícias: Convenções internacionais

■ Autoritárias ou Unilaterais: Atos dos Estados e das organizações


internacionais

★ Obrigações: As normas jurídicas definem obrigações para os sujeitos do


ordenamento jurídico internacional. Podem resultar de relações bilaterais,
multilaterais ou de carácter universal. A caracterização destas obrigações alicerça a
distinção entre:

○ Direito Internacional Geral e Direito Internacional Particular/Convencional:

14 Triepel, Anzilotti e Tunkin

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■ Direito Internacional Geral: Integrado por normas consuetudinárias


e princípios gerais do Direito

■ Direito Internacional Particular/Convencional: Vincula apenas quem


o aceita

○ Normas Dispositivas e Normas Imperativas/Peremptórias:

■ Normas Dispositivas: Passíveis de substituição por outras de


conteúdo diferente no exercício da vontade normativa dos sujeitos

■ Normas Imperativas/Peremptórias: Protegendo valores e interesses


da comunidade internacional não podem ser derrogadas ou
substituídas

★ Atos Jurídicos: Aplicam as normas internacionais. A sua expressão depende da


natureza da obrigação que vincula o sujeito. Têm eficácia jurídica, e eventualmente
normativa, que condicionam o impacto regulador da norma aplicada. No quadro das
convenções internacionais, é exigida a articulação entre o procedimento contratual de
formação da vontade das partes (Direito dos Tratados) e o mecanismo unilateral de
aprovação interna do acordo, conforme o previsto na Constituição (Estados) ou no
Tratado institutivo (organizações internacionais), verificando-se uma relação de
interdependência entre a fonte internacional e a interna de relevância internacional.

2§ O ARTIGO 38º DO ESTATUTO DO TRIBUNAL INTERNACIONAL


DE JUSTIÇA E A TIPIFICAÇÃO DAS FONTES
Carácter Geral e Universal do art. 38 do ETIJ: Apesar de apenas vincular os Estados
que são membros das Nações Unidas (ONU), este artigo é lido como uma disposição e
alcance geral. O seu texto serve, de modo direto ou indireto, de referência para a redação de
disposições constantes de tratados sobre a resolução pacífica de litígios.

★ Âmbito Parauniversal da ONU: A ONU integra quase todos os Estados


atualmente existentes, mas mesmo os que não são membros das Nações Unidas
podem estar abrangidos pelo Estatuto em caso de autorização do Conselho de
Segurança (art. 35/2 do ETIJ)

Críticas ao art. 38 do ETIJ: Não foi pensado e redigido como uma norma sobre normas,
com o alcance geral e o rigor técnico jurídico que seria exigível no caso de ter sido essa a sua
função originária.

★ Desatualização: O Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça recupera, em


grande parte, o texto do Estatuto do Tribunal Permanente da Justiça Internacional 15.
Com a existência de mais de um século, este artigo não podia, à data, fazer referência

15 Georges Scelle, Charles Vissgher, Luigi Condorelli

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a fontes que não existiam ou que tinham importância escassa, como as decisões das
organizações internacionais. Também a expressão “nações civilizadas” se revela
anacrónica.

★ Desigualdade entre fontes formais e materiais: Apenas as fontes formais são


mencionadas no artigo.

★ Referência à equidade: Ao inserir a equidade no rol das fontes, o artigo estaria a


confundir “verdadeiras fontes” com “pretensas fontes”16

○ Prof. MLD: Desconsidera esta questão, visto que esta disposição é mais
indicativa do que impositiva

Irrelevância Prática da Distinção entre Fontes Formais e Materiais: No campo do


Direito Internacional Público, ainda que as fontes formais apresentem uma vantagem de
certeza jurídica, dado que são normas reveladas de direito positivo, as fontes materiais
garantem a transformação da norma positiva em função das exigências novas e
fundamentais da regulação normativa. Ao intérprete vai competir a identificação da norma
positiva, mas também o dever de procurar a solução mais justa e equilibrada no quadro de
um regime normativo em transformação e formação

3§ FONTES TIPIFICADAS

A. A CONVENÇÃO INTERNACIONAL
a) CONCEITO
Convenção Internacional: Tem por base a prática costumeira antiga e coerente, sendo o
instrumento contratual típico do direito internacional - também se pode designar de acordo,
tratado, convénio, pacto, estatuto, memorando, carta, constituição, compromisso, …

★ Definição da Prof. MLD: Acordo concluído entre dois ou mais sujeitos de direito
internacional, destinado a produzir efeitos jurídicos e redigido pelo Direito
Internacional

★ Definição na CVDT-I17: Acordo internacional concluído por escrito entre Estados


e redigido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento
único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua
denominação particular

○ “Acordo”: Pressupõe uma manifestação de vontades convergentes e


coincidentes

○ “Acordo internacional”: É regulado pelo Direito Internacional que determina


o regime aplicável, pois também existem instrumentos de natureza contratual
que não são tratados, estando a base jurídica no direito interno.

16 ex: Suíça não tem costa não vai criar um costume de direito marítimo
17 existe toda uma discussão dogmática neste ponto

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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○ “Concluído por Escrito”: O requisito da forma escrita condiciona a aplicação


da CVDT-I, mas não proíbe a possibilidade de acordos verbais que continuam
a ter valor jurídico (art. 3, al. a) da CVDT-I), só que não podem ser objeto das
regras da CVDT nem ser invocados perante órgãos das nações unidas como o
TIJ (art. 102/2 da CNU).

○ “Entre Estados”: Entre Estados, entre Estados e organizações internacionais,


ou só entre organizações internacionais.

○ Número de Instrumentos: O corpo do tratado pode ser constituído por vários


acordos conexos, todavia, a pluralidade de instrumentos não deve prejudicar a
unidade do acordo.

○ Produção de Efeitos Jurídicos: Não consta da definição registada pela CVDT-


I, todavia, a produção de efeitos jurídicos deve integrar a noção relevante de
tratado. A eficácia jurídica do acordo pode revestir a forma comum e típica de
criação de direitos e obrigações para as partes, ou limitar-se a confirmar uma
situação jurídica pré-vigente. A qualificação dos efeitos no plano jurídico ou
no plano meramente político suscita dificuldades.

■ “Memorandum of Understanding” (MOU): A prática diplomática


revela uma certa preferência por este modelo informal de acordo que
remete para um compromisso meramente político, pois, além de
permitir controlar a ação externa dos Governos, funciona também
para evitar a intervenção dos parlamentos nacionais e contornar o
procedimento constitucional de vinculação internacional.

■ Princípio de Pacta Sunt Servanda: O princípio fundamental segundo


o qual os pactos ou tratados são para cumprir tem origem
consuetudinária e aparece explicitado no art. 26 da CVDT-I.

★ Distinção de figuras afins: Questão de grande relevância prática pois é decisiva


na determinação de regras aplicáveis, o órgão competente do Estado para aprovar e
quais as condições relativas ao controlo político e judicial de aplicação interna.

○ Contratos celebrados entre estados e outras coletividades de direito público:


É utilizado o direito interno de um dos Estados contraentes ou de um terceiro
- ex: venda de bens e serviços entre Estado A e B

○ Contratos celebrados entre estados e pessoas de direito privado físicas ou


coletivas como empresas comerciais e ONGs: Como um contrato de projeto de
investimento ou desenvolvimento

c) CLASSIFICAÇÕES
Classificação Material: Incide sobre o conteúdo e função jurídica da convenção. Permite
um maior desdobramento:

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Tratados-Lei e Tratados-Quadro:

○ Tratados-Lei: Auto-executável. Estabelece direitos e obrigações

○ Tratados-Quadro: Enunciam um regime geral que apenas estabelece objetivos


gerais e fixa competências para os realizar

★ Tratados-Lei e Tratados-Contrato:

○ Tratados-Lei: Tratados multilaterais com função legislativa internacional

○ Tratados-Contrato: Tratados bilaterais de conteúdo subjetivo e equilíbrio


sinalagmático

★ Tratados Gerais e Tratados Especiais

Classificação Formal: Trabalha os aspectos externos e formais da convenção


internacional

★ Critério da Qualidade das Partes: A tendência de evolução é da uniformização


do regime jurídico aplicável a estas categorias, sem prejuízo de inevitáveis diferenças

○ Celebrados entre Estados: Única categoria a que se aplica a CVDT-I (art. 3)

○ Celebrados entre Estados e organizações internacionais

○ Celebrados entre organizações internacionais

★ Critério do Número das Partes:

○ Tratados Bilaterais: Celebrados entre dois sujeitos. Impõem obrigações


bilaterais relevantes no quadro estrito de uma relação de reciprocidade entre
as partes

○ Tratados Multilaterais: Vinculam mais do que dois sujeitos. Geram obrigações


erga omnes relativas a interesses públicos internacionais e comuns a todas as
partes no convénio.

★ Critério do Procedimento de Conclusão:

○ Tratados sob forma solene: Exigem ratificação. Na nossa constituição a


ratificação é imposta para todos os tratados.

○ Acordos sob forma simplificada: Basta assinatura.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

B. O COSTUME INTERNACIONAL
a) FUNDAMENTO DO COSTUME INTERNACIONAL
Relação com a Vontade dos Destinatários - Correntes Doutrinárias: Ambas
pressupõe a existência de um elemento material e de um elemento psicológico

★ Escola Voluntarista18: A norma só pode existir como manifestação da vontade dos


Estados, neste caso, a vontade expressa dará origem a um tratado e a tácita a um
costume. Apresentando uma natureza próxima da convenção não poderia ser
imposto a um Estado se da sua prática não fosse possível deduzir a aceitação da regra
em causa.

○ Teoria do Objetor Consistente: A aceitação do Estado em estaria claramente


afastada no caso de existir da sua parte uma oposição expressa e reiterada

■ A doutrina não afasta esta teoria apesar de afastar a tese da doutrina desta
escola (↓)

○ Rejeição da Tese desta Escola: Argumentos da vasta maioria da doutrina:

■ Uma norma costumeira pode vincular um Estado mesmo na ausência


da sua participação ou aceitação

■ A formação do costume, quanto à vontade do Estado, não depende de


qualquer manifestação de vontade dos órgãos competentes no
processo de vinculação internacional

■ O costume é de aplicação direta e imediata a todos os Estados, mesmo


aos que não participaram autonomamente no processo de formação
desta norma.

★ Escola Objetivista19: Costume enquanto resposta a uma necessidade social que


nasce do tipo de relações existentes entre os membros da comunidade internacional e
que os leva a atuar entre si sob império de certas regras jurídicas. Prevalece a função
sociológica, designada por sedimentação social.

○ Atualmente: Esta corrente abriu as portas para a conceção atual, com que a
regente se identifica, que classifica o costume como uma resposta cultural e
construída, justificada por uma pauta de valores e princípios de estruturação
societária, absorvida pelo tecido social com necessidade de regulação
normativa.

18 A Prof. MLD considera, contudo, que nada obsta a que seja atribuída relevância jurídica a uma declaração
unilateral emitida por um indivíduo no quadro de, por exemplo, um processo de investigação e acusação de
crimes internacionais.
19 A tem uma obrigação para com B. A tem uma obrigação para com C incompatível com a obrigação que tem
para com B. Estas obrigações vão ser contraditórias, mas válidas e equivalentes.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

b) NOÇÃO DE COSTUME INTERNACIONAL


Costume Internacional: “Prova de uma prática geral aceite como direito” (art. 38 do
ETIJ). O conjunto das normas costumeiras forma o Direito Internacional Geral que
representa a base sobre a qual se desenvolvem as relações internacionais. O costume permite
a formação de um regime jurídico, geral e uniforme que exprime o consenso historicamente
assumido pela comunidade internacional, enquanto que o tratado vai vincular apenas as
partes que o aprovaram (art. 34 do ETIJ). As potências vão ser os Estados mais importantes
na formação do costume. É possível a existência de um costume bilateral, regional ou local 20

★ Elementos do Costume: Para a determinação do costume internacional (Teoria


dos Dois Elementos - apresenta apoio no art. 38 do ETIJ)

○ Elemento Material: Prática continuada

○ Elementos Subjetivo: Convicção de obrigatoriedade.

★ Costume Instantâneo ou Imediato: A prática reiterada não obedece a um


período mínimo ou máximo de repetição dos atos, mas é incompatível com um
critério de formação instantânea que provocaria uma ruptura imediata com o
enquadramento normativo anterior. A ideia deste costume radica na confusão entre
formação e constatação de costume.

★ Consenso vs. Consentimento: O consenso geral da comunidade internacional


não implica o consentimento de todos, sendo estas realidades diferentes e que, aliás,
ajudam a separar o tratado do costume. Nem todos os Estados vão revelar um
comportamento concordante, pois alguns não apresentam condições sequer para
participar na formação da norma costumeira21.

Teoria do Objetor Persistente: A objeção reiterada por parte de um Estado pode não ser
suficiente para impedir a formação do costume, mas garante a sua não vinculação.

★ Oposição por Estado direta ou particularmente interessados: Impedirá a


formação da norma de Direito Internacional Geral ou então permitirá o aparecimento
de uma norma costumeira que não vincula o objetor.

○ Obrigações erga omnes: Ponderando a relevância do direito internacional na


proteção de valores ligados ao fundamento normativo da comunidade
internacional (proteção da dignidade da pessoa humana e a garantia da paz),
a objeção de um Estado pode ser insuficiente para travar o aparecimento de
uma norma geral e imperativa, pois o seu carácter imperativo e cogente pode
fundamentar uma obrigação erga omnes.

○ Momento da Oposição:

■ Antes da formação da norma: O critério do objetor persistente opera

20 Prof. Jorge Miranda e Reis Novais


21 Prof. Gomes Canotilho, Vital Moreira João Mota de Campos, Luís Barbosa Rodrigues

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

■ Depois da formação da norma: A contestação confunde-se com a


situação de violação da norma, sendo que o TIJ considera que práticas
contrárias a normas reconhecidas contribuem para reforçar a
efetividade destas normas.

c) RELAÇÃO ENTRE COSTUME E CONVENÇÃO


Hierarquia:

★ Juspositivistas: Prevalece o tratado

★ Jusnaturalistas: Prevalece o costume

★ Regente: Têm igual hierarquia, aplicando os critérios gerais de sucessão de normas


(critério cronológico e de especialidade)

Derrogação de Normas Dispositivas:

★ Prática Contrária ou Celebração de Tratado: Aplica-se apenas às normas


dispositivas, pois os Estados estão impedidos de aplicar normas convencionais
contrárias, sob pena de nulidade, a normas de ius cogens (art. 53 da CVDT-I).

★ Desuso

d) COSTUME E MUTAÇÕES DA COMUNIDADE INTERNACIONAL


Prevalência do Costume: A comunidade internacional eurocêntrica do séc. XIX e da
primeira metade do séc. XX era suficientemente homogénea para gerar o consenso requerido
pela formação consuetudinária de normas internacionais. Neste período o costume gozou de
uma certa supremacia.

Prevalência da Convenção Internacional: Com a criação da ONU (1945) de vocação


assumidamente mundialista e com a independência de uma série de países fruto da
descolonização, ao consenso social sucedeu a fratura social na nova comunidade
internacional, fracassando a ONU na tarefa de se impor como “governo mundial” ou de criar
consenso mundial. Os Estados passaram a optar por reforçar a cooperação no plano regional
com base em interesses geoestratégicos, ideológicos ou económicos que os aproximam. A
convenção internacional foi, também, utilizada para codificar o costume.

Ressurgimento do Costume: Na era da globalização, o equilíbrio entre os poderes pode


revelar-se favorável ao renascimento do costume. Em vastos domínios das relações
comerciais e do funcionamento dos mercados tem-se verificado uma convergência das
soluções previstas nas legislações nacionais (“prática geral”) e no campo dos direitos

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

humanos existe uma grande de normas costumeiras imperativas de ius cogens baseada no
respeito da dignidade da pessoa humana.

★ Condicionantes do Ressurgimento:

○ Abordagem Positivista: No sentido de demonstrar por razões de certeza


jurídica e efetividade a superioridade funcional da norma convencional sobre
a norma costumeira.

○ Intervenção Institucional na Formação de Normas Internacionais: O


tradicional método diplomático de negociação é substituído pelo processo
tecnocrático de negociação ou consensualização.

C. OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO


Além dos princípios gerais reconhecidos e aplicados pelas “nações civilizadas”, são também
aplicáveis os princípios gerais de Direito Internacional Público, todavia, uma eventual
referência expressa a este conjunto de princípios no art. 38 do ETIJ seria redundante e
inútil, porque o seu conteúdo e função são inerentes ao ordenamento jurídico internacional.

“Nações Civilizadas”:

★ 1920: À data, esta já era uma noção contestada, mas servia para identificar o
conjunto de Estados que, reproduzindo o modelo europeu e vestefaliano de Estado
soberano, integravam a ordem jurídica internacional, partilhando o modelo jurídico
fundamental, derivado do direito romano, no caso do Estados europeus, e derivado
da Common Law, no caso do direito anglo-saxónico.

★ Atualmente: São os Estados democráticos ou liberais identificados com o respeito


pelos direitos humanos e o programa internacional da segurança coletiva. Por
referência ao art. 4º da CNU, relativo às condições de admissão na organização,
poder-se-ia substituir “nações civilizadas” por “nações amantes da paz”

Função dos Princípios: A remissão para os princípios gerais de direito visa assegurar a
autonomia e auto-suficiência normativa do ordenamento jurídico. Deste modo, vão assumir
uma função interpretativa e de integração de lacunas.

Características dos Princípios:

★ Aplicáveis: A generalidade destes princípios pressupõe que sejam comuns aos


Estados, mas não exige universalidade. Todavia, o particularismo de um princípio
partilhado apenas por certos sistemas de direito interno não poderá ser inserido no
art. 38/1c do ETIJ. Tal como vimos no costume, a conclusão acerca do carácter geral
vai depender das circunstâncias do caso concreto e da apreciação do tribunal
internacional.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Transponíveis: A receção e a aplicação na ordem jurídica internacional dos


princípios gerais de direito dos Estados implica que estes sejam transponíveis ou
internacionalizáveis. A transposição do princípio jurídico de direito interno depende
do fator de analogia ou elemento de conexão

Fonte Autónoma: A prof. regente considera que, ainda que tenham uma importante
função de suporte normativo, isso não chega para que sejam considerados uma fonte
autónoma, acabando por se encontrar associados às normas costumeiras ou convencionais.

D. A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA
A jurisprudência e a doutrina científica não são fontes de Direito Internacional, pelo que não
estão habilitadas a criar ou recriar normas internacionais, mas delas se pode esperar uma
ajuda fundamental e diferenciada no processo de determinação e de prova sobre normas
contidas em tratados, normas costumeiras ou princípios gerais de direito.

E. A FUNÇÃO ATÍPICA DA EQUIDADE (EX AEQUO ET BONO)


Equidade: Convoca um juízo valorativo que se apresenta como sinónimo de
imparcialidade, lealdade, benevolência, solicitude pessoal para lá do que é imposto pelo
Direito estrito, ou como o que é imposto pelo sentido de justiça. Justiça do caso concreto.

★ Princípio ex aequo et bono: O julgamento de um litígio com base neste princípio


depende de acordo prévio das partes no processo, pois trata-se de atribuir ao juiz o
poder de substituir a regra restrita pela regra que no caso se mostra a mais justa. Pelo
que a equidade não substitui o direito aplicável, não podendo ser considerada uma
fonte, nem no sentido material nem formal. Todavia, acontece que também nunca fou
celebrado nenhum acordo ao abrigo deste princípio pelo art. 38/2 do ETIJ.

★ Princípios Equitativos: A equidade é um critério geral de aplicação do direito,


inerente ao processo de determinação e de aplicação da regra jurídica existente pelos
tribunais.

4§ FONTES NÃO TIPIFICADAS

A. ATOS UNILATERAIS
a) ASPETOS GERAIS
Não é pacífico na doutrina o tratamento dos atos unilaterais no ponto dedicado às fontes. A
maioria dos autores integra os atos unilaterais no estudo dos modos de formação do Direito
Internacional, enquanto que outros remetem para o capítulo relativo à aplicação do Direito
Internacional.

Atos Unilaterais: Declarações de vontade de sujeitos jurídicos que, por referência aos
princípios e regras do Direito Internacional, produzem efeitos jurídicos, de âmbito geral, de
modo autónomo.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Sujeitos Jurídicos: Entidades dotadas de personalidade jurídica internacional,


tipicamente refere-se aos Estados e Organizações 22

★ Carácter Unilateral: O ato é adotado por um só sujeito e apenas a este deve ser
imputado

★ Efeitos Jurídicos: Os atos são vinculativos para os autores e, eventualmente, para


terceiros, dependendo do seu carácter normativo de conteúdo geral e abstrato. Esta
qualificação suscita dificuldades sérias apenas ultrapassáveis pela via da
interpretação mediante o contexto em que foi anunciado ou conhecido.

Tipos de Atos Unilaterais:

★ Externos ou Internacionais e Internos:

○ Externos ou Internacionais: Adotados com base em normas internacionais


(ex: reconhecimento, protesto,...)

○ Internos: Adotados pelos órgãos de soberania competentes, com projeção


internacional (ex: Resolução da Assembleia da República que aprove um
tratado para a ratificação)

★ Autónomos e Não Autónomos:

○ Autónomos: O ato unilateral não se integra no processo de formação de um


outro ato jurídico internacional

○ Não Autónomos: O ato unilateral integra-se no processo de formação de um


outro ato jurídico internacional - ex: caso de atos praticados no âmbito do
processo de aprovação e vigência de um tratado internacional como uma
assinatura ou reserva

b) ATOS UNILATERAIS DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS


Organizações Internacionais (OI): Pessoas colectivas autónomas de direito
internacional, dotadas de personalidade jurídica e que exprimem uma vontade própria de
decisão, distinta da vontade dos seus membros. Os seus atos de vontade são unilaterais.

★ Tratado Institutivo: As OI são criadas para concretizar um certo desígnio de


utilidade social, cujas finalidades e meios jurídicos de ação estão definidos no tratado
institutivo.

○ Função normativa direta: Fora dos casos previstos no tratado, as resoluções


de âmbito geral das OI não têm eficácia jurídica direta, no sentido em que os

22 Doutrina defendida pelo Prof. Jorge Miranda e Eduardo Correia Baptista

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

seus atos não vão ser obrigatórios, criando direitos e obrigações na esfera
jurídica de um conjunto plural e aberto de destinatários

★ Pacto Fundacional: O âmbito de poderes de cada OI e a forma como elas os devem


exercer dependem das regras inscritas neste pacto

c) ATOS UNILATERAIS DOS ESTADOS


Modalidades:

★ Reconhecimento: Declaração unilateral através da qual um Estado avalia a


existência de factos à luz das regras internacionais existentes e exprime a aceitação
dos correlativos efeitos jurídico-internacionais - ex: proclamação de um novo Estado

★ Protesto: Ato mediante o qual um Estado explicita a sua oposição à legitimidade ou


ilicitude de uma determinada situação ou pretensão invocada por terceiros .

★ Renúncia: Declaração pela qual um Estado assume a vontade de não exercer um


direito, abandona a sua titularidade ou transmitir o respectivo direito a outro sujeito.
Os seus efeitos consideram-se irrevogáveis, pelo que a renúncia tem de ser expressa
ou, pelo menos, inequívoca.

★ Notificação: Ato pelo qual um Estado comunica a outro sujeito de Direito


Internacional, oficialmente, a existência de certos documentos, atos ou situações para
que o notificado não possa alegar desconhecimento.

★ Promessa: Declaração através da qual um Estado se compromete, para o futuro, a


atuar em determinado sentido.

Princípios orientadores aplicáveis à forma, interpretação e eficácia dos atos


unilaterais dos Estados:

★ Carácter Obrigatório: Repousa sobre o princípio da boa-fé. Possibilidade do


Estado interessado exigir o cumprimento das obrigações decorrentes da declaração.

★ Universalidade: Qualquer Estado tem a capacidade de assumir obrigações


jurídicas através destas declarações.

★ Âmbito Jurídico: Depende do conteúdo e das circunstâncias em que as declarações


foram proferidas e das reações que suscitaram.

★ Órgão: Para vincular o Estado, a declaração deve emanar da autoridade interna


competente, em virtude das suas funções ou do mandato especial que lhe foi confiado

★ Forma: Pode ser escrita ou oral

★ Objeto: Tem de ser claro e preciso para criar obrigações para o Estado

34
Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

Limites dos Atos Unilaterais:

★ Nulidade: É nula a declaração unilateral contrária a uma norma de ius cogens

★ Aceitação: A declaração só gera obrigações para outros Estados se da parte deles


existir um declaração de aceitação

★ Revogação: Uma declaração de nulidade geradora de obrigações não pode ser


arbitrariamente revogada pelo Estado declarante.

B. O CHAMADO SOFT LAW


Soft Law: É para os juristas a "virose" de um médico pouco seguro no diagnóstico, isto é,
quando um jurista não está seguro da existência da norma, chama “soft law” que vai ser um
“quase direito” ou “direito indicativo”. Conceito que se aplica em situações de incerteza a
respeito da natureza jurídica ou extra-jurídica de um determinado ato

Hard Law:

★ Normas impositivas comuns

★ Normas impositivas qualificadas: Como o ius cogens do art. 53 da CVDT-I

5§ CODIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO DO


DIREITO INTERNACIONAL
Comissão de Direito Internacional (CDI): Investida de uma missão de alcance duplo e
complementar de codificar e promover o desenvolvimento progressivo do direito
internacional (art. 15 do Estatuto da CDI)

★ Codificação: Formulação precisa e sistematizada das normas de direito


internacional em matérias em que já exista uma prática considerável dos Estados,
assim como precedentes e doutrina.

○ Métodos de Codificação:

■ Método da Declaração: As normas costumeiras são apenas transcritas


ou transpostas para um texto escrito

■ Método da Cristalização: Garante à norma costumeira uma


autoridade que ainda estava em processo de formação

■ Método da Fertilização: Pode ser, em certos casos, considerado o


ponto de partida para o reconhecimento da opinio iuris

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Desenvolvimento Progressivo: Elaboração de projetos de convenções sobre


temas que ainda não tenham sido regulados pelo Direito Internacional ou a respeito
dos quais o direito não esteja ainda suficientemente desenvolvido na prática dos
Estados.

Relação Complementar e Recíproca entre o Costume e o Tratado: A positivação da


norma costumeira através do instrumento pactício tem a vantagem comumente reconhecida
da certeza jurídica sobre o conteúdo e o âmbito de vinculação da norma internacional. A
negociação da convenção internacional pode levar ainda mais além o regime jurídico
aplicável, cujo carácter inovador ficará, todavia, limitado aos Estados que ratifiquem a
convenção ou, hipótese que deve ser considerada, estender-se-á a toda a comunidade
internacional no caso de se verificar a formação de novas regras consuetudinárias.

6§ HIERARQUIA DE FONTES E HIERARQUIA DE NORMAS -


ORIGEM E ESTATUTO DAS “NORMAS FUNDAMENTAIS” NA
ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL
Posições da doutrina face à hierarquia das fontes:

★ Prof. MLD: Considera que existe uma relação de paridade e equivalência


hierárquica entre tratado e costume, alargada aos princípios gerais de direito que
deles emanam.

○ Art. 38 do ETIJ: Limita-se a referir as fontes principais por uma ordem de


consulta natural e lógica. Deste artigo a prof. MLD considera que não se pode
deduzir critérios válidos de relação hierárquica entre as fontes.

★ Positivistas: Apontam na supremacia da convenção

★ Jusnaturalistas: Sustentam a superioridade do costume

Critérios operativos de solução de conflitos normativos:

★ Critério Cronológico: A norma mais recente revoga ou prevalece sobre a norma


anterior

★ Critério da Especialidade: A norma definidora de um regime especial prevalece


sobre a norma de regime geral

★ Critério Hierárquico: A norma superior prevalece sobre a norma de grau inferior

Critérios operativos de solução de conflitos normativos de DIP (MLD):

★ Natureza de Ius Cogens: Uma norma de ius cogens é, por oposição às normas de
ius dispositivum, impositiva, imperativa e insuscetível de transgressão. O seu

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

conteúdo ético valorativo confere-lhe esta autoridade reforçada. Qualquer tratado


incompatível com uma norma de ius cogens será nulo (art. 53 da CVDT-I)

○ Ius Cogens: Norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos


Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só
pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral da
mesma natureza.

■ Prof. MLD: Considera que o ius cogens tem um alcance mais amplo
no sentido de, além de paralisar os efeitos de qualquer norma
contrária, fundamentar responsabilidade por comportamentos
contrários. A figura do ius cogens corresponde ao conceito de ordem
pública internacional e à tutela dos bens jurídicos internacionais,
como a vida humana e a dignidade da pessoa humana.

■ Determinação do Ius Cogens: Fica a questão de quais serão as normas


dotadas de imperatividade máxima. A dificuldade reside no
apuramento desta aceitação e reconhecimento da norma pela
comunidade internacional “no seu todo” e também na distinção entre
a situação típica de violação da norma de ius cogens que dá azo à
nulidade, com a situação atípica de violação da norma que inclua um
processo formativo de uma nova norma de direito internacional geral
● JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL: à luz da
jurisprudência internacional, o reconhecimento expresso de
normas está limitado à proibição da tortura e à proibição do
genocídio.

★ Âmbito das Obrigações Jurídicas (erga omnes): Todas as obrigações jurídicas


decorrentes de ius cogens são obrigações erga omnes, mas também existem
obrigações erga omnes que não resultam destas normas, sendo obrigações perante
todos (erga omnes) e de todos (omnium), prevalecendo sobre as demais obrigações e
direitos. Todavia, o princípio da jurisdição facultativa, expressão da vontade
soberana, já vingou na jurisprudência sobre a obrigação ou direito erga omnes.

★ Determinação Pactícia: A primazia de uma norma internacional pode resultar de


cláusula constante de tratado internacional. O art. 103 da CNU estabelece o primado
da Carta sobre quaisquer outras obrigações de fonte convencional e, dada a sua
reconhecida natureza de carta constitucional da comunidade internacional, admite-se
que as obrigações resultantes da Carta possam prevalecer sobre regras costumeiras,
com exceção das normas de ius cogens. Outro exemplo da prevalência por efeito de
determinação pactícia é o Direito da União Europeia pelo art. 351 do TFUE e pelo
princípio do primado da União Europeia.

★ Diferenciação Material de Funções: Os atos jurídicos de aplicação normativos


ou individuais e concretos, têm a sua validade condicionada pela exigência de
compatibilidade com o tratado institutivo. O critério hierárquico é aplicado como
inerente à distinção fundamental entre, por um lado, função normativa primária e,
por outro, função normativa secundária.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

SECÇÃO II. EM ESPECIAL, O REGIME NORMATIVO DE


CELEBRAÇÃO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS -
ASPETOS FUNDAMENTAIS SOBRE O DIREITO DOS
TRATADOS

1§ DIREITO DOS TRATADOS - FONTES


CVDT-I23: O Direito dos Tratados foi objeto de um processo de codificação nesta
Convenção. Todavia, o Direito de Viena constitui um núcleo essencial do Direito dos
Tratados, sem prejuízo de regimes normativos integrativos ou especiais de fonte
consuetudinária. O próprio preâmbulo desta convenção assume a existência de questões não
reguladas em que deve entrar direito consuetudinário.

2§ O NASCIMENTO DOS TRATADOS - FONTES

A. CONCLUSÃO DOS TRATADOS


Celebração de Tratados: Todo e qualquer Estado tem capacidade para celebrar tratados
(art. 6 da CVDT-I), por ser este um atributo da personalidade jurídica internacional do
Estado Soberano.

★ Representação do Estado: É assegurada pelo plenipotenciário, em favor do qual


foi emitido um documento de plenos poderes (art. 7/1 da CVDT-I), ou cujo estatuto
de representante se presume em virtude das suas funções:

○ Chefes de Estado, Chefes de Governo, Ministros dos Negócios Estrangeiros:


Podem pôr em prática todos os atos relativos para a conclusão de um tratado

○ Chefes de Missão Diplomática: Como o embaixador, podem adotar o texto do


tratado entre o Estado acreditante e o Estado receptor

○ Representantes Acreditados dos Estados numa conferência diplomática:


Podem adotar o texto do tratado nessa conferência (art. 7/2 da CVDT-I)

★ Negociação de um Tratado por uma organização internacional: Vai haver


uma distinção entre os plenos poderes para negociar e o mandato para assinar (7/3)

Procedimento-Padrão da Celebração de um Tratado Internacional:

★ Negociação, adoção e autenticação do texto (art. 9 e 10 da CVDT-I):

○ Negociação: O ajuste da convenção pressupõe a negociação entre as partes.

■ Tratados Bilaterais: A negociação é realizada entre a missão


diplomática e os órgãos do Estado acreditador (art. 3, al. c) da

23 Georg Jellinek

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Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas) ou no quadro de


cimeiras bilaterais entre representantes de Estados.

■ Tratados Multilaterais: A negociação é realizada em conferências


diplomáticas expressamente convocadas para o efeito

○ Adoção do Texto: Significa a sua fixação, vai ser a redação definitiva do texto.
Envolve o consentimento de todos os Estados que participaram na elaboração
do texto (art. 9/1 da CVDT-I)

■ Maioria necessária para aprovar: ⅔, a menos que, pela mesma


maioria, os Estados decidam aplicar uma maioria diferente, como a
maioria simples ou unanimidade (art. 9/2 da CVDT-I)

○ Autenticação do Texto: Depois de autenticado, o texto só pode ser modificado


por acordo das partes ou através do procedimento do art. 79 da CVDT-I. A
autenticação pode ocorrer via:

■ Procedimento previsto no projeto de acordo, definido pelas partes


(art.10, al. a) da CVDT-I)

■ Regra subsidiária, que se divide em três modalidades diferentes


(art.10, al. b) da CVDT-I)
● ASSINATURA
● ASSINATURA AD REFERENDUM: O efeito da autenticação é
provisório, dado que requer a confirmação pelo órgão estadual
competente para o efeito
● RUBRICA: O efeito da autenticação é provisório, pois requer a
confirmação pelo órgão estadual competente para o efeito

○ Texto:

■ Preâmbulo: Enumera as partes e os fundamentos

■ Corpo Dispositivo: Contém as disposições finais sobre as condições de


vigência e aplicação do tratado. Produz efeitos desde a adoção do texto
(art.24/2 da CVDT-I)

■ Anexos: Vão ter disposições técnicas, regras normativas


complementares ou meras declarações políticas. Parte integrante do
tratado, apresentando idêntica força jurídica (art. 51 da TUE)

★ Manifestação do Consentimento (art. 11-17 da CVDT-I): Acordo de vontades


que tem de ser manifestado de um modo juridicamente adequado.

○ Forma de Manifestação: Segue a regra da escolha livre da forma de


manifestação do consentimento (art. 11 da CVDT-I).

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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■ Modalidades: A escolha entre estas modalidades vai depender do


conteúdo das cláusulas constitucionais de cada Estado
● ASSINATURA: Nos procedimentos simplificados vai ter o
efeito de vincular o Estado (art. 12 da CVDT-I).
● TROCA DE INSTRUMENTOS CONSTITUTIVOS DE UM
TRATADO: Consiste na entrega recíproca de textos, é utilizada
no procedimento de acordos bilaterais (art. 13 da CVDT-I).
● RATIFICAÇÃO: Ato pelo qual a autoridade do Estado
competente para concluir tratados internacionais manifesta,
solenemente, que o Estado se vincula, segundo o princípio de
pacta sunt servada, a fazer executar o tratado
● APROVAÇÃO
● ADESÃO: Aceitação de tratados multilaterais vigentes

○ Momento de Produção de Efeitos (art. 16 da CVDT-I):

■ Da troca de instrumentos entre os Estados


■ Do depósito junto do depositário
■ Da sua notificação aos outros Estados Contratantes ou ao depositário

○ Princípio da Unidade Material: O consentimento refere-se ao tratado no


conjunto das suas suas cláusulas.

■ Desvios ao Princípio:
● Admissão de soluções de vinculação seletiva (art. 17 CVDT-I).
● Figura jurídica das reservas (art. 2/1 al. d) e 19-23 da CVDT-I).

★ Entrada em Vigor: (art. 24 e 25 da CVDT-I)

★ Depósito, Registo e Publicação: (art. 76-80 da CVDT-I)

B. AS RESERVAS NO DIREITO DOS TRATADOS


Reserva: Declaração unilateral feita no momento da vinculação pela qual o Estado
manifesta a sua vontade de excluir ou modificar o efeito de certas disposições do tratado na
sua aplicação a esse Estado (art. 2/1, al. d) CVDT-I). O autor da reserva pode tomar a
decisão de a retirar a todo o tempo (art. 22/1 da CVDT-I)

★ Aplicação: Não surge expressamente na CVDT-I, mas este estatuto só se aplica a


tratados multilaterais, nos bilaterais a reserva inviabilizaria a aplicação do convénio

★ Admissibilidade: Depende da previsão do tratado (art. 19 CVDT-I). Está sujeita a


vários tipos de limites:

○ Limites Materiais: Se a reserva for formulada em violação destes limites, a


consequência será a sua ineficácia ou nulidade. Também será nula uma
disposição que autorize uma reserva sobre matéria de direito internacional
geral (art. 53 CVDT-I).

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

■ Expressos: O tratado proíbe ou autoriza a reserva em relação a certas


disposições (art. 19 al. a) e b) da CVDT-I).

■ Implícitos: A reserva é incompatível com o objeto e fim do tratado


(art. 19 al. c) CVDT-I).

■ Em Matéria de Direitos Humanos: A CEDH24 autoriza as reservas no


art. 57, mas proíbe as reservas específicas à identificação da lei interna
que “estiver em discordância com aquela disposição”

○ Limites Temporais: A reserva deve ser comunicada durante o processo de


conclusão do contrato, no momento de assinatura, da ratificação, da aceitação
ou da aprovação (art. 19 da CVDT-I). Depois, o Estado só pode limitar a
eficácia jurídica do tratado através da invocação do art. 46 da CVDT-I, ou por
via de denúncia.

○ Limites Procedimentais: A reserva exige a forma escrita e deve ser


comunicada por escrito aos Estados Contratantes e aos que possam vir a ser
Parte do tratado (art. 23 da CVDT-I), havendo princípio da aceitação ou
rejeição através da objeção (art. 20/2, 3 e 4 da CVDT-I). Se o tratado autorizar
a reserva, esta não precisa de ser aceita pelos outros Estados (art. 20/1 da
CVDT-I). Em tratados constitutivos de organizações internacionais, a reserva
tem de ser aceite pela organização (art. 20/3 da CVDT-I)

★ Efeitos das Reservas: Como declaração receptícia, os seus efeitos jurídicos


dependem da reação dos outros Estados. A reserva só é juridicamente relevante se for
aceite, pelo menos, por um outro Estado Contratante (art. 20/4, al. c) da CVDT-I).
São relativos/relacionais pois apenas se projetam na relação entre o Estado autor da
reserva e os Estados que a aceitaram ou rejeitaram (art. 21/2 da CVDT-I). Se a
reserva exclui uma parte do tratado, os Estados que a aceitaram não podem exigir, do
Estado autor, o cumprimento das obrigações do regime jurídico afastado.

○ Tratado não se aplica nas relações entre os dois Estados: Se a objeção foi
acompanhada de uma manifestação inequívoca de vontade contrária à
entrada em vigor do tratado (art. 20/4 da CVDT-I)

○ Na Aplicação do Tratado: Ainda que facilite o processo de ratificação e


potencie a aceitação por um número mais alargado de Estados, a sua
multiplicação produz um efeito de fragmentação do regime jurídico do
tratado, com prejuízo da sua própria eficácia e com dificuldades práticas de
concatenação das obrigações recíprocas dos Estados.

★ Reservas e Figuras Afins:

24 Heinrich Triepel

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

○ Declaração Interpretativa: Formulada por um Estado ou organização


internacional, visa precisar ou clarificar o sentido ou alcance que o Estado
declarante atribui ao tratado ou a algumas das suas disposições.

○ Declaração Interpretativa Condicional: Apresentadas na mesma altura que as


reservas e as declarações interpretativas. Um Estado ou organização
internacional declara que a sua aceitação depende de uma interpretação
específica sobre o tratado ou alguma das suas disposições. Acaba por ser uma
reserva disfarçada/imperfeita que se transforma em reserva verdadeira se
prevalecer a interpretação que o Estado declarante não aceita.

C. ENTRADA EM VIGOR
Momento: Definido pelo próprio tratado em disposições finais ou em acordo ad hoc (art.
24/1 da CVDT-I)

★ Ausência de Determinação Específica: O tratado entra em vigor depois da


ratificação por parte de todos os Estados que tenham participado na negociação (art.
24/2 da CVDT-I)

★ Nos tratados bilaterais: Costuma coincidir com a data em que se concluiu a troca
de notas

★ Nos tratados multilaterais: Pode ficar dependente de uma condição.

★ Data do início de vigência: Data em que ocorreu o ato de consentimento (art.


24/3 da CVDT-I)

Aplicação Provisória: O tratado, no todo ou em parte, produz efeitos antes da sua entrada
em vigor. Pode resultar de acordo entre os Estados que participaram na negociação ou vir
prevista no tratado (art. 24 da CVDT-I)

★ CRP: Não permite esta aplicação (art. 8/2 da CRP). No entanto, a oposição
expressa do representante português pode não ser suficiente para impedir a
aplicação provisória se esta resultar de uma disposição transitória do próprio
tratado, adotado por maioria de ⅔ (art. 9/2 articulado com o 24/4 in fine da CVDT-
I)

D. DEPÓSITO, REGISTO E PUBLICAÇÃO


São formalidades diferentes, mas unidas pelo propósito de assegurar ao tratado a devida
publicidade e resguardo seguro.

Depositário: Nos tratados multilaterais a prática é de designar um depositário, que será o


Estado em que foi negociado o tratado, uma organização internacional ou o seu secretário
geral no caso de um tratado celebrado sob os auspícios de uma organização internacional

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

(art. 76/1 da CVDT-I). Este exerce um cargo de carácter internacional, devendo agir com
imparcialidade (art. 76/2 da CVDT-I).

★ Funções: Obrigação de custodiar o texto original do tratado, de fazer as devidas


comunicações às partes, incluindo relativa à data de entrada em vigor, de
providenciar o registo do tratado junto do Secretário da Organização das Nações
Unidas (art. 77 da CVDT-I).

Registo e Publicação: Após a sua entrada em vigor, os tratados são transmitidos ao


Secretário das Nações Unidas para efeitos de registo e publicação (art. 80/1 da CVDT-I).

★ Registo: Embora a sua falta não afete a validade e eficácia inter partes do tratado,
ocorre que dele depende o direito da Parte de o invocar perante qualquer órgão das
Nações Unidas, nomeadamente o TIJ no âmbito de um litígio (art. 81/1 da CVDT-I).

3§ A VIDA DOS TRATADOS

A. PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA


Tratado: Contrato celebrado por partes que assumem, de boa fé e com vontade genuína de
cumprir as obrigações inerentes ao compromisso pactício (art. 26 da CVDT-I).

★ Boa-Fé: Espírito de lealdade, respeito do Direito, fidelidade aos compromissos por


parte daquele cuja conduta se avalia, ausência de dissimulação, de logro, de dolo nas
relações com os demais Estados.

○ Limitações ao Comportamento do Estado: Mesmo antes do tratado entrar em


vigor, o Estado que assinou o convénio deve se abster de atos que privem o
tratado do seu objeto ou fim (art. 18/a da CVDT-I), a menos que manifeste a
sua vontade de não ratificar ou que solicite a obliteração da assinatura.

★ Ato Livre: Enquanto manifestação da vontade soberana do Estado ou da autonomia


da vontade nas Organizações Internacionais, o ato de celebrar ou ratificar é, por
natureza, livre.

○ Dever de Ratificar: Pode existir em função de um tratado anterior ou do


resultado de um referendo, contudo não constituem exceções ao carácter livre
do ato político de ratificação.

★ Ininvocabilidade do Direito Interno para Descartar Obrigações: Uma parte


não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o
incumprimento de um tratado (art. 27 da CVDT-I)

○ Exceção: Se a violação for manifesta e a norma interna violada for de


importância fundamental relativa à competência para concluir tratados, a
consequência jurídica para o tratado em causa não tem de ser a nulidade,

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

pode ser a mera ineficácia ou inaplicabilidade, dependendo do regime


previsto na Constituição do Estado Contratante (art. 46 da CVDT-I)

Âmbito de Eficácia dos Tratados:

★ Temporal: Não retroatividade do acordo, salvo se outra for a vontade das Partes
(art. 28 da CVDT-I)

★ Espacial: A obrigatoriedade do tratado estende-se à totalidade do território de cada


uma das Partes, salvo se outra regra resultar do próprio tratado (art. 29 da CVDT-I)

★ Material: O tratado é um ato jurídico autónomo e auto-suficiente.

○ Tratados Sucessivos: Podem existir tratados sobre a mesma matéria, ou que


visem instituir regimes internacionais, celebrados em momentos diferentes e
com divergência de soluções jurídicas.

■ Se as partes dos tratados forem as mesmas: Prevalecem as obrigações


definidas pelo tratado posterior (lex posterior derogat priori), a
menos que a realização com o tratado anterior não for de antinomia ou
incompatibilidade (art. 30/3 da CVDT-I)

■ Se as partes dos tratados não forem as mesmas:


● ENTRE AS PARTES EM COMUM: Aplicam-se as regras
referidas acima (art. 30/3 ex vi 30/4a da CVDT-I)
● ENTRE AS PARTES DIFERENTES: Os direitos e obrigações
recíprocas são regulados pelo tratado no qual os dois Estados
são partes (art. 30/4a da CVDT-I). Uma eventual contradição
entre o um tratamento anterior e um tratado posterior não
implica a invalidade das obrigações assumidas em violação do
compromisso mais antigo25. Todavia, a impossibilidade de
execução de obrigações conflitantes é geradora de
responsabilidade internacional.

Interpretação dos Tratados: Determinação do sentido da norma para o efeito de saber o


que exigir das Partes Contratantes. O art. 31/3 remete para uma visão dinâmica do texto,
com a vontade atualizada das Partes, tendo por referência o momento em que é feita a
interpretação

★ Critérios de Vinculação Interpretativa:

○ Interpretação como Operação Intelectual: Inspirada pelo critérios da boa-fé,


combina e articula os diferentes elementos de trabalho da função
interpretativa - elemento literal, histórico, sistemático e teleológico (art. 31 da
CVDT-I)

25 Dionisio Anzilotti, Friedrich Hegel, Maz Wenzel e Albert Zorn

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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○ Significado da Interpretação: Deve refletir um significado de base objetiva,


dada a importância reconhecida ao contexto (art. 31/2 da CVDT-I) e de base
teleológica que valorize o “objeto e o fim” do tratado (art. 31/1 da CVDT-I),
sem prejuízo de admitir que o “sentido particular” de um termo ou expressão
se possa sobrepor ao sentido corrente se essa for a intenção das partes.

○ Harmonia com o Contexto: A interpretação feita do texto em harmonia com o


“contexto” compreende o articulado, o preâmbulo e os anexos (art. 31/2a e b
da CVDT-I), deve também ser considerado acordos posteriores entre as partes
sobre a interpretação e aplicação do contrato, a prática posterior de aplicação
do tratado e as normas pertinentes de direito internacional aplicáveis às
relações entre as partes (art. 31/3).

○ Função Subsidiária dos Meios Complementares de Interpretação: Só devem


servir para confirmar o sentido apurado nos termos da cláusula geral
interpretativa do art. 31 da CVDT-I, ou para determinar outro sentido quando
aquele se revelar ambíguo ou obscuro ou conduza a uma resultado
manifestamente absurdo ou incoerente (art. 32 da CVDT-I) - trabalhos
preparatórios e circunstâncias em que o trabalho foi concluído.

○ Equivalência do Valor Linguístico: Na interpretação de tratados autenticados


em duas ou mais línguas, a regra é a do valor equivalente dos textos dos
tratados nas diferentes línguas em que foram redigidos e autenticados,
podendo as Partes selecionar um texto que prevalecerá em caso de
divergência (art. 33/3 da CVDT-I).

■ Exceção: Esta presunção é afastada quando a comparação dos textos


evidencia uma diferença de sentido que o procedimento hermenêutico
dos art. 31 e 32 da CVDT-I não permite ultrapassar, devendo se adotar
o sentido que melhor conciliar os textos em causa tendo em conta o
objeto e fim do tratado

★ Efeito Útil da Norma Interpretada: Presume-se que os autores do tratado, com


a vontade moldada pela boa-fé, não gizaram uma norma de sentido ilusório, vã e
incoerente (art. 32 da CVDT-I).

B. TRATADOS E TERCEIROS ESTADOS


Princípio do Efeito Relativos dos Tratados (art. 34 da CVDT-I): Um tratado não
cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento. Este é um
corolário da soberania dos Estados e, em relação a todos os sujeitos jurídicos dotados de
capacidade para celebrar tratados, é uma exigência da autonomia da vontade.

★ “Terceiro Estado”: Estado que não é parte do tratado (art. 2/1, al. h da CVDT-I)

★ "Consentimento": Aceitação expressa e por escrito no caso de obrigações (art. 35


da CVDT-I), se estiver em causa a atribuição de direitos presume-se que existe

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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consentimento enquanto não houver indicação em contrário, consistindo um


exemplo de relevância jurídica do silêncio por parte do Estado terceiro.

Modificação de Obrigações e Direitos de Terceiros Estados (art. 37 da CVDT-I):


A intervenção do terceiro Estado sob a forma explícita ou tácita para a revogação e
modificação das cláusulas que o oneram ou beneficiam, parece confirmar a teoria do acordo
colateral entre os Estados Partes no tratado principal e os Estados Terceiros.

★ Teoria do Acordo Colateral: O consentimento do terceiro Estado gera uma


espécie de um acordo triangular. Os direitos e as obrigações passam a integrar a área
de atuação jurídica do terceiro Estado após o consentimento (art. 35 e 36 da CVDT-I),
e não desde a entrada em vigor do tratado

★ Art. 38 da CVDT-I: Não constitui uma exceção à regra do consentimento


vinculatividade da norma constante do tratado para o Estado ou Estados que
formalmente não ratificaram é uma consequência direta da natureza consuetudinária
da norma em causa.

Exceções à Regra do Consentimento e da Relatividade dos Tratados: Obrigações


de fonte heterovinculativa, baseadas numa ideia comunitária e integradora do Direito
Internacional Público que é incompatível com o dogma da vontade soberana dos Estados

★ Tratados Aplicáveis a “Situações Objetivas” ou Estatuto Territorial: O


acordo sobre regimes jurídicos de neutralidade de um Estado ou de desmilitarização
produzem uma situação objetiva oponível a toda a comunidade internacional (ex:
delimitação de fronteiras)

★ Obrigações de Manutenção da Paz e da Segurança Internacionais: O art. 2,


n.º6 da CNU em conjugação com o 103, impõe aos Estados que não são membros das
Nações Unidas o respeito das obrigações relacionadas com tudo o que for necessário
para a manutenção da paz e da segurança internacionais.

Situações que Extravasam o Perímetro Originário das Partes, mas Não são
Exceções ao Princípio:

★ Cláusula da Nação Mais Favorecida: O Estado A garante ao Estado B, por via de


acordo, todas as vantagens que vier em futuros acordos celebrados com o Estado C. O
âmbito de aplicação do tratado celebrado entre o Estado A e B dica dependente de
um fator de evolução exterior ao próprio acordo.

★ Sucessão dos Estados em Matéria de Tratados:

○ Estados de recente independência (descolonização): O critério é o da tábua


rasa, pelo que o novo Estado não estará obrigado a manter em vigor tratados

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celebrados pelo Estado predecessor (art. 16/1 da Convenção de Viena sobre


Sucessão de Estados)

○ Separação ou Unificação de Estados: O Estado sucessor fica vinculado pelos


tratados em vigor à data da sucessão, celebrados pelo Estado predecessor (art.
31/1 da Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados). Não se pode dizer
que ocorra uma exceção ao princípio do efeito relativo dos tratados, dado que
existe uma relação de continuidade jurídica entre o Estado predecessor e o
Estado sucessor, não devendo este ser considerado como terceiro Estado.

○ Invocação de tratados celebrados entre Estados sobre direitos humanos ou


relações económicas nos tribunais domésticos: Estes tratados, que
estabelecem direitos e obrigações para os cidadãos, podem, graças ao
princípio da aplicabilidade direta, ser invocados em tribunais domésticos ou
internacionais criados para interpretar e aplicar os tratados. Esta situação não
configura um desvio ao princípio do efeito relativo dos tratados porque se
refere ao elenco dos destinatários das normas.

○ Tratados relativos à criação de uma organização internacional: Regulam a


existência jurídica da organização e determinam as regras fundamentais
aplicáveis ao seu funcionamento, sendo o tratado institutivo o fundamento da
sua existência como pessoa coletiva pública de Direito Internacional. A
organização internacional não é parte, nem terceiro, afigurando-se mais
adequado considerá-la como objeto do tratado.

C. REVISÃO E MODIFICAÇÃO DOS TRATADOS


Processos de Revisão (art. 39 a 41 da CVDT-I):

★ Revisão por Acordos das Partes: A regra é a da revisão por acordos das partes
(art. 39 da CVDT-I), corolário do princípio geral de que tratado posterior revoga ou
altera tratado anterior (pactum posterius derogat priori)

○ Adoção da Revisão: A revisão pode ser adotada por acordo entre a maioria dos
Estados Partes, mesmo que o tratado inicial tenha sido aprovado por
unanimidade. Nestes casos, o acordo de revisão só é aplicável nas relações
entre os Estados que o ratificaram. A diferenciação entre o universo das
partes no tratado inicial e o conjunto das partes que aceitaram o tratado de
revisão provoca um efeito complexo de geometria variável quanto à definição
dos direitos e obrigações de incidência bilateral - vão se aplicar os art. 21,
30/4b e 40/4 da CVDT-I

★ Modificação Implícita: Modificação do tratado sem revisão. Pode resultar da


prática subsequente dos Estados ou da superveniência de novas regras de Direito
Internacional. Permite adaptar o tratado e contribui para consolidar a efetividade
entre as partes. Envolve, porém, certos riscos pela incerteza que gera quanto ao texto
escrito vigente e pelo efeito de erosão que provoca na vontade soberana e igual das
partes.

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○ Prática Subsequente dos Estados:

■ Prática Interpretativa: Os efeitos produzem-se desde a entrada em


vigor do tratado

■ Prática Derrogatória: Opera para o futuro, uma vez verificada a


modificação

○ Formação de uma nova regra de Direito Internacional: Ocorre, por exemplo,


quando os conceitos legais ou categorias jurídicas previstas na letra do tratado
passam a ter, no quadro da legalidade internacional, uma acepção diferente.

Limites Materiais de Revisão: A previsão de limites materiais em cláusulas expressas


tem um significado político, dificilmente relevante no plano jurídico. Se os limites em causa
não gozarem de uma vinculatividade reforçada, em virtude da sua natureza consuetudinária
ou imperatividade de ius cogens, uma norma convencional não pode impedir a sua própria
alteração, o que seria contraditório com o princípio da autonomia da vontade e da liberdade
de contratar.

★ Desvalor Jurídico: O Direito de Viena não trata a matéria, não especificando


consequência jurídica para a violação de limites materiais.

○ MLD: Considera que a eventual violação de normas expressas de limites


materiais de revisão não inquina a validade do tratado de revisão e o
problema há-de ser resolvido à luz do princípio geral pactum posterius
derogat priori.

4§ A MORTE DOS TRATADOS

A. ESTABILIDADE E VERDADE DAS RELAÇÕES INTERMEDIADAS POR


TRATADOS
Pacta Sunt Servanda: O regime jurídico aplicável à interpretação e aplicação dos
tratados é dominado pelo princípio da lealdade e fidelidade ao compromisso assumido, de
modo a garantir a estabilidade e previsibilidade das relações internacionais.

Nulidade:

★ Motivos:

○ O compromisso tenha nascido de uma situação ou ligado a um facto que


corrompa a autenticidade e a liberdade da vontade (art. 47 a 52 da CVDT-I)

○ Violação de normas paramétricas de direito interno (art. 46 da CVDT-I) ou de


Direito Internacional Geral (art. 53 da CVDT-I)

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★ Regime: A questão da nulidade é delicada porque a noção em causa e os


instrumentos jurídicos associados ao seu exame nasceram nos direitos nacionais,
pelo que não é, nem pode ser, direto o seu transplante para o Direito Internacional.

○ Irretroatividade (art. 4º da CVDT-I): A CVDT-I estabeleceu o caráter


irretroativo das suas disposições

○ Procedimento: Art. 65 a 68 da CVDT-I

Presunção de Validade e Vigor Jurídico Favorável aos Tratados: A preocupação


com a garantia do equilíbrio entre os deveres de vinculação e o direito à desvinculação está
patente nas soluções acolhidas pela Convenção de Viena que alicerçam esta presunção.

★ Tipicidade das Causas de Invalidade: Enquanto as causas relativas à invalidade


de um tratado ou do consentimento de um Estado em ficar obrigado são de
enunciação taxativa (art. 42/1 da CVDT-I), em relação à extinção do tratado,
denúncia, retirada de uma parte ou suspensão da aplicação, as causas reguladas pela
Convenção não impedem a existência de outras, desde que previstas no tratado em
causa (art. 42/2 da CVDT-I)

★ Princípio da Irrelevância das Violações ao Direito Interno Aplicável ao


Processo de Vinculação Internacional: Salvo no caso de violação grave e
manifesta (art. 46 da CVDT-I).
★ Dever Geral de um Estado Respeitar as Obrigações Decorrentes do DIP às
quais está vinculado: Nem a validade nem outras vicissitudes do tratado não
relacionadas com a questão da validade afetam este dever geral de respeito.

★ Invalidade e outras vicissitudes de aplicação do tratado afetam-no no seu


todo (art. 44/1 da CVDT-I): Salvo algumas exceções, desde que compatíveis com a
divisibilidade das disposições do tratado (art. 44/2, 3, 4 e 4 da CVDT-I)

★ O Estado não pode invocar nulidades ou causas de cessação da vigência,


retirada e suspensão de aplicação, se, tomou conhecimento e depois:

○ Aceitou expressamente a validade e vigência dos tratado

○ Se deva, em razão da sua conduta, concluir que aceitou a validade do tratado


ou a sua permanência em vigor ou em aplicação (art. 45 da CVDT-I)

B. NULIDADES
Desvalores Jurídicos:

★ Ineficácia Jurídica: Inoponibilidade perante a ONU, no caso de falta de registo


(art. 102 da CNU)

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★ Nulidade: Absoluta ou relativa (art. 69 da CVDT-I)

★ Inexistência Jurídica: Nos casos extremos de ausência de aparência de ato


jurídico, insuscetível de proteção pelos princípios da boa-fé - ex: acordo concluído
por um representante de Estado intelectualmente incapacitado.

Nulidade: O ato jurídico nulo não produz efeitos jurídicos desde o início da sua vigência (ex
tunc), As disposições de um tratado nulo carecem de força jurídica (art. 69/1 da CVDT-I).
Nenhum Estado pode invocar em seu favor um tratado nulo ou opô-lo aos outros Estados.
No entanto, alguns dos atos praticados e dos efeitos produzidos podem ser mantidos (art. 69
a 71 da CVDT-I).

★ Cláusula do Possível: A nulidade do tratado fundamenta o direito de solicitar o


restabelecimento da situação que existiria se os atos não tivessem sido praticados,
mas esta projeção retroativa da invalidade só é possível na medida do “quanto
possível” (art. 69/2c da CVDT-I)

★ Causas (art. 46 a 53 da CVDT-I): Comportamentos ilícitos, contrários aos


princípios e regras do Direito Internacional. A convenção menciona 8 causas de
invalidade, sendo que sete se referem a vícios do consentimento (art. 46 a 52 da
CVDT-I) e uma se refere à violação de ius cogens (art. 53 da CVDT-I)

Modalidades das Nulidades:

★ Nulidade Relativa: A causa de invalidade só pode ser invocada pela parte cujo
consentimento foi manifestado ou obtido de modo contrário ao direito. Este tipo de
invalidade não afeta a vigência do tratado, exceto se se tratar de um tratado bilateral,
dado que ele se pode aplicar às outras partes no tratado multilateral. Vício sanável.

○ Causas:

■ Violação das disposições relativas à competência para concluir


tratados - art. 46 da CVDT-I

■ Restrição específica dos poderes de manifestação do consentimento


de um Estado - Apenas é invocável se a restrição tiver sido notificada
aos outros Estados que participam na negociação (art. 47 da CVDT-I)

■ Erros Relativo ao Conteúdo do Acordo: Relevante se respeitar a uma


situação ou facto que o Estado supunha existir no momento de
conclusão do contrato e que funcionou como base essencial do
consentimento em ficar vinculado. De ser analisado à luz de exigências
de boa-fé e diligência (art. 48 da CVDT-I)

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■ Dolo: No caso de um Estado ter sido levado a concluir um tratado em


virtude da conduta fraudulenta de outro Estado que participou na
negociação (art. 49 da CVDT-I)

■ Corrupção do Representante do Estado: Se o consentimento foi


obtido através de aliciamento por outro Estado que participou na
negociação (art. 50 da CVDT-I). Esta situação tende a ser difícil de
provar

★ Nulidade Absoluta: Pode ser invocada em qualquer altura pelo Estado


prejudicado, por qualquer parte no tratado e por Estados e entidades que, não
estando vinculadas pelo tratado nulo, exercem um direito de proteção de interesses
públicos internacionais. Tem como consequência a proibição da divisibilidade do
tratado (art. 44/5). Este vício não é sanável (art. 45 da CVDT-I)

○ Causas:

■ Coação sobre o representante de um Estado: Quando a manifestação


do consentimento foi alcançada por coação exercida sobre o seu
representante, através de atos ou de ameaças dirigidas contra ele (art.
51 da CVDT-I)

■ Coação sobre um Estado: Pela ameaça ou pelo emprego do uso da


força (art. 52 da CVDT-I).
● PROF. MLD: O âmbito da coação ilícita suscita dificuldades
particulares de determinação. Parece razoável concluir que, à
luz da Convenção e da CNU, tal como existem situações de uso
da força militar que não estão abrangidas por esta proibição,
existem situações que, não envolvendo o uso da força militar,
constituem coação ilícita sobre o Estado.

■ Violação de norma imperativa de Direito Internacional Geral:


● NULIDADE ORIGINÁRIA: O tratado que, no momento da sua
conclusão, foi incompatível com uma norma imperativa de
direito internacional geral é nulo (art. 53 da CVDT-I)
● NULIDADE SUPERVENIENTE: O art. 64 da CVDT-I estende a
consequência da nulidade, com cessação de vigência, aos
tratados cuja incompatibilidade resulta da superveniência de
norma norma de ius cogens. As partes vão ser obrigadas a
eliminar os efeitos jurídicos produzidos na medida do possível
(art. 71/1a da CVDT-I), podendo manter direitos e obrigações,
desde que estes não sejam incompatíveis com a nova norma de
ius cogens (art. 71/2b da CVDT-I), o que contraria o art. 44/5
por permitir a divisibilidade das disposições do tratado

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C. CESSAÇÃO DA VIGÊNCIA E SUSPENSÃO DA SUA APLICAÇÃO


Efeitos da Cessação e Suspensão de Vigência do Tratado: Só opera para o futuro,
sendo que os efeitos da suspensão de aplicação do tratado são temporários e limitados (art.
72/1 da CVDT-I)

★ Cessa para as partes a obrigação de continuar a cumprir o tratado (art. 70/a da


CVDT-I)

★ Não prejudica os direitos adquiridos e efeitos produzidos no período de vigência (art.


70/b da CVDT-I)

Princípio da Boa-Fé: Enquadra a obrigação específica da abstenção que recai sobre as


Partes relativamente a qualquer ato tendente a impedir a reentrada em vigor do tratado (art.
72/2 da CVDT-I)

a) CAUSAS INTERNAS
Previsão no Próprio Tratado: Incluindo situações típicas de caducidade que põem fim à
vigência do tratado em virtude do decurso do tempo (art. 54/a da CVDT-I)

Vontade Comum das Partes: De efeito abrogante (art. 54/b da CVDT-I) ou substitutivo
(art. 59 da CVDT-I)

Vontade Unilateral de uma Parte: Sob a forma de denúncia no caso dos tratados
bilaterais ou de retirada no caso dos multilaterais (art. 56 da CVDT-I)

★ Admissibilidade: Esta manifestação da vontade soberana dos Estados pressupõe


que o direito de renúncia retirada só pode ser reconhecido caso seja essa a intenção
das partes e possa o direito ser deduzido da natureza do acordo (art. 56 da CVDT-I).
Para mitigar os efeitos negativos, é necessária uma notificação com a antecedência de
12 meses (art. 56/2 da CVDT-I)

Violação do Tratado:

★ Exceção de Não Cumprimento: Por mor do princípio da igualdade das partes no


contrato e da natureza recíproca dos direitos e obrigações, em caso de violação
substancial do tratado, o art. 60 da CVDT-I prevê a extinção ou a suspensão do
tratado bilateral (60/1) e do tratado multilateral (60/2), no todo ou em parte.

★ Desuso: Extinção do tratado por violação continuada e reiterada do mesmo, com a


consequente substituição pela norma resultante do costume contra legem.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

b) CAUSAS EXTERNAS
Impossibilidade Superveniente de Execução: A impossibilidade de execução deve
corresponder ao desaparecimento ou destruição definitiva de um objeto indispensável ao
cumprimento de regime convencionado (art. 61 da CVDT-I) - cesante ratione legis, cesat
ipsalex.

★ Situação Objetiva e Definitiva de Impossibilidade Superveniente: Confere


à Parte o direito à cessação da vigência do convénio, se for bilateral, ou de retirada, se
for multilateral

★ Impossibilidade Temporária: Constitui um motivo de suspensão de aplicação do


tratado (art. 61/1 da CVDT-I)

Alteração Fundamental das Circunstâncias: (art. 62 da CVDT-I)

★ Posição Clássica da Doutrina: Considera que a conclusão do tratado pressupõe


que as obrigações nele previstas estão sujeitas a uma condição resolutiva que as suas
circunstâncias se mantenham inalteradas - cláusula rebus sic stantibus

○ Requisitos necessários e cumulativos para invocação da cláusula rebus sic


stantibus:

■ A circunstância em causa ser base essencial do acordo

■ A alteração não ter sido prevista pelas partes

■ A alteração ser fundamental, modificando radicalmente a natureza das


obrigações do tratado

■ A alteração fundamental não resultar de uma violação, pela parte que


a invoca, de obrigação decorrente do tratado ou de qualquer outra
obrigação internacional relativa a outra Parte no tratado

■ Não se referir a um tratado sobre fronteiras

○ TIJ: Já reconheceu que o art. 62 da Convenção constitui uma codificação do


direito costumeiro a respeito da cessação de vigência de um tratado por
alteração das circunstâncias

★ Beligerância Armadas na Vigência e Aplicação de Tratados: O clima de


insegurança comprometendo de modo grave a ordem pública interna, a existência de
ações militares de responsabilidade direta das forças armadas do Estado Parte ou de
grupos armados no seu território que o poder estadual não controla, justificam
apenas uma suspensão da aplicação do tratado, posto que a violação grave da ordem
pública interna, como a ameaça à paz e o uso da força são situações necessariamente
transitórias, até à reposição da legalidade interna e internacional.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

SECÇÃO III. EM ESPECIAL, O PROCEDIMENTO DE


VINCULAÇÃO POR CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E A
CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA

2§ NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976


A. AS BASES JURÍDICAS DE ABERTURA INTERNACIONAL
Direito Constitucional dos Tratados: Bloco normativo formado pelas regras aplicáveis
ao processo de de conclusão de tratados, articuladas com as demais disposições
fundamentais.

B. A IMPORTÂNCIA DE SE CHAMAR TRATADO - O PROBLEMA DA DISTINÇÃO


MATERIAL ENTRE TRATADO E ACORDO
Convénio Internacional: Termo mais abrangente (art. 8/2 da CRP). Desdobra-se em
duas categorias, o tratado sob forma solene e o acordo em forma simplificada.

★ Distinção: A doutrina discute muito se a diferença é apenas formal ou se também é


substancial, ou seja, se há mesmo matérias que só podem surgir em tratados

○ Tratado: ○ Acordo:

● Aprovação: Compete ● Aprovação: Pode ser aprovado pela


apenas à Assembleia da Assembleia ou o Governo consoante a
República (art. 161, al. i da matéria regulada (art. 197/1, al. c da CRP)
CRP)

● Ratificação/Assinatura: ● Ratificação/Assinatura: Exigem assinatura


Exigem ratificação como como ato de vinculação (art. 134, al. b da
ato de vinculação (art. 135, CRP)
al. b da CRP)

● Fiscalização Preventiva da ● Fiscalização Preventiva da


Constitucionalidade: Após Constitucionalidade: Os acordo aprovados
pronúncia no sentido da pelo Governo não podem ser confirmados
inconstitucionalidade, a (art. 279/1), todavia, no caso de serem
Assembleia da República aprovados pela Assembleia, o texto
pode confirmar por maioria constitucional é omisso, pelo que a regente
qualificada (art. 279/4 da admite uma aplicação analógica da solução
CRP) dos tratados

★ Reserva Material de Tratado:

○ Doutrina Minoritária26: A reserva material de Tratado não se circunscreve às


matérias que do art. 161 alínea i), devendo abarcar também outras matérias,
existindo uma reserva implícita para o art. 164 e 165.

26 Hans Kelsen

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

■ Justificação:
● O artigo 161º/i) estatui a forma de tratado para convenções
relativas à participação de Portugal em organizações
internacionais, tratados de amizade, paz, defesa, modificação
de fronteiras ou respeitantes a assuntos militares, utilizando
palavra "designadamente” para introduzir uma enumeração, o
que justifica o caráter exemplificativo do tipo de matérias
sujeitas à forma de tratado.
● Só devem ser submetidos a referendo matérias de relevante
interesse nacional e, por isso, matérias que sejam objeto de
tratado, e não de acordo internacional.

○ Doutrina Maioritária27: O governo deve ter a possibilidade de decidir, de


acordo com os limites impostos pelo artigo 161º/i), a forma de vinculação
mais adequada. Além disso, as matérias “importantes”, não escapam ao
veredito parlamentar, pois não são admissíveis autorizações em matéria de
aprovação de convenções (em competência reservada só a AR pode aprovar).

■ Prof. MLD: Não defende a reserva material de tratado pois, não só é o


grau de importância um critério excessivamente fluido e impreciso,
como as matérias mais importantes, do art. 164º e 165º, seja sob a
forma de tratado ou de acordo são da reserva parlamentar, logo,
passam sempre na Assembleia, e isso é que é essencial.

C. AS QUATRO FASES PRINCIPAIS DO PROCEDIMENTO INTERNO DE


VINCULAÇÃO POR CONVENÇÃO INTERNACIONAL
1. NEGOCIAÇÃO E AJUSTE
Negociação: Compete ao Governo da República, enquanto órgão de condução da política
geral do país (art. 182 da CRP), negociar e ajustar convenções internacionais (art. 197/1b da
CRP)

★ Regiões Autónomas: Têm o direito de participar nas negociações de tratados e


acordos internacionais que directamente lhes digam respeito, bem como nos
benefícios deles decorrentes (art. 227/t da CRP). As matérias previstas nesta reserva
de interesse regional são as previstas nas alíneas i), h), r) e s) do art. 227

○ Participação: Compreende a representação na delegação da República


Portuguesa incumbida da negociação, o direito de ser notificada de toda a
documentação relevante e ainda a oportunidade de ser ouvida e de se
pronunciar sobre as questões da negociação (198/3 do RAR).

○ Inconstitucionalidade Formal: Na eventual violação destas prerrogativas, a


prof. MLD entende que se verifica uma inconstitucionalidade formal,
relevante em sede de fiscalização preventiva (art. 279), mas insuscetível de
impedir a aplicação interna da convenção ou de implicar a sua invalidade ao
abrigo do art. 46 da CVDT-I

27 Léon Duggit, Georges Scelle, Robert Ago e Myres McDougal

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Deveres de Informação e Concertação: O incumprimento destes deveres tem


apenas significado no plano da responsabilidade política, não resultando em
qualquer desvalor jurídico-constitucional.

○ Presidente da República: Como não participa diretamente na fase da


negociação, mas continua a ser o representante da República (art. 120), na
fase da negociação deve ser informado do andamento das negociações (art.
201/1c da CRP). Manifestação do princípio da interdependência dos órgãos de
soberania do art. 111/1 da CRP

○ Grupos Parlamentares e Partidos Políticos com Assento na AR: O Governo


tem, para com estes, deveres de informação de conteúdo mais genérico (art.
180/2j da CRP)

Representação na Negociação:

★ Plenos Poderes Sempre: O Presidente da República, o Primeiro-Ministro e o


Ministro dos Negócios Estrangeiros (art. 7/2a da CVDT-I) ou alguém portador de
uma carta ou credencial de plenos poderes, assinada pelo Presidente da República e
pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros

★ Verificadas Certas Condições: Os chefes de missão diplomática, como os


embaixadores ou os representantes acreditados dos Estados numa conferência
internacional (art. 7/2b e c da CVDT-I).

Competências Gerais do Governo: Decidir sobre a abertura das negociações, a


condução das mesmas e decisão final de ajuste, ou seja, a autenticação do texto por rubrica
ou assinatura.

★ Assinatura: Quando o representante assina, deve fazê-lo sob reserva de aprovação,


excluindo o eventual efeito imediato de aplicação a título provisório, contrário ao art.
8/2 da CRP.

2. APROVAÇÃO
Aprovação: Integra-se na fase de manifestação do consentimento, comumente designada
por ratificação. É uma exigência imperativa e aplicável a todas as modalidades de vinculação
internacional através de convenção internacional (art. 8/2 da CRP). Não pode ser substituída
por um qualquer outro meio alternativo ou sucedâneo, ainda que previsto na Convenção de
Viena ou seguido na prática internacional.

★ Acordos Ultrassimplificados: A Constituição Portuguesa exige a aprovação


interna da convenção internacional, não admitindo os chamados acordos em forma
ultrassimplificada, vinculativos após a assinatura do representante do Estado.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Ratificações Implícitas ou Negativas: Alguns tratados institutivos de


organizações internacionais prevêem procedimentos simplificados e céleres de
formação de novas regras convencionais, através das quais um acordo se torna
vinculativo para um Estado se, decorrido um determinado prazo, este não tiver
manifestado a vontade expressa de não ratificar, todavia estes são incompatíveis com
o espírito e letra do art. 8/2 da CRP.

★ Omissão de Aprovação ou Verificação de Falhas Graves no Processo de


Aprovação: Redunda em vício de inconstitucionalidade formal e/ou orgânica, com
o efeito de vedar a aplicação da convenção internacional em causa na ordem jurídica
portuguesa, em sede de fiscalização sucessiva (art. 277/2 da CRP) ou de impedir a
conclusão da vinculação em sede de fiscalização preventiva (art. 279/1 e 4 da CRP)

Competência de Aprovação: A Assembleia da República e o Governo partilham a


competência de aprovação de convenções internacionais.

★ Assembleia da República: Aprova através de resolução (art. 166/5 da CRP). O


procedimento deve-se considerar suspenso com a dissolução da Assembleia (art. 172
da CRP)

○ Tratados: Todas as convenções internacionais com a designação de tratados


ou que versem sobre matérias identificadas pelo texto constitucional como
áreas de particular melindre político e de opção fundamental no domínio das
relações externas.

○ Acordos Internacionais: Cuja designação do texto adotado não seja tratado,


relativos a matérias da competência legislativa reservada (art. 164 e 165) ou
concorrencial que o Governo entenda submeter à apreciação da Assembleia.

★ Governo: Aprova através de ato governamental de aprovação pela forma de decreto


(art. 197/2 da CRP), depois de apreciado e votado em Conselho de Ministros (art.
200/1d da CRP). A demissão do Governo não deve impedir a continuação do
procedimento de aprovação, dado que nada está previsto na CRP nesse sentido.

○ Acordos Internacionais: Sobre as matérias que não integram a reserva de


tratado, nem a competência legislativa parlamentar, salvo se decidir submeter
à Assembleia da República a sua aprovação.

Maioria para Aprovação: A prof. MLD defende que seria preferível uma solução que
exigisse uma maioria qualificada equivalente à da revisão constitucional (art. 286/2 da CRP),
para a aprovação de tratados que visem a construção e o aprofundamento da União Europeia
- estão em causa tratados que envolvem a aceitação de limites aos poderes de soberania, que
migram do decisor nacional para o decisor eurocomunitário, com implicações diretas na
esfera de competência dos órgãos de soberania e na relação de equilíbrio entre eles traçada
pela Constituição. Não fará sentido que a Assembleia da República aprove por maioria
simples um tratado cuja aplicação prevalece sobre a própria Constituição (art. 8/4 da CRP).

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

Referendo (art. 115): A questão submetida a referendo deve versar sobre matérias ou
questões que devam ser objeto de convenção internacional e não sobre a convenção em si,
no seu conjunto. A única exceção admitida a esta regra é o art. 295, relativo aos tratados
europeus.

★ Lex Ferenda28: Os referendos sobre tratados europeus deveriam ser obrigatórios.

★ Iniciativa: Deve ocorrer antes da aprovação da convenção internacional, cujo texto


já tenha sido adotado e submetido para aprovação.

○ Referendos Sobre Tratados Futuros: A prof. MLD considera que parece difícil
sustentar a convocação de referendos sobre tratados futuros, no sentido de
tratados cuja negociação ainda não se iniciou ou está em curso, dado que seria
difícil cumprir com os requisitos de objetividade, clareza e precisão das
perguntas.

★ Efeito Vinculativo: O referendo terá efeito vinculativo se o número de votantes for


superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento (art. 115/11 da CRP)

○ Resposta Negativa: O processo para aprovação da convenção internacional


terá de ser dado como extinto. A proposta só pode ser renovada na sessão
legislativa seguinte (art. 115/10 da CRP e 241 da LORR)

○ Resposta Positiva: Vai impender sobre os órgãos de aprovação e sobre o


presidente a obrigação de concluir o processo de celebração da convenção,
todavia, tal não prejudica a competência fiscalizadora do tribunal
constitucional. Os órgãos de soberania devem completar este procedimento
dentro dos prazos previstos ou, pelo menos, quando não existe previsão,
respeitando um prazo razoável (art. 241 da LORR)

3. RATIFICAÇÃO E ASSINATURA
Presidente da República: Cabe-lhe a ratificação dos tratados solenes (art. 135/b da CRP)
e a assinatura das resoluções da Assembleia da República e dos decretos do Governo que
aprovam acordos internacionais (art. 134/b da CRP), podendo, no exercício de uma
competência não vinculada, requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da
constitucionalidade (art. 278/1 da CRP).

★ Fiscalização: Incide sobre as normas constantes da convenção internacional, e não


sobre a convenção na sua totalidade, devendo uma decisão ser proferida pelo
Tribunal Constitucional no prazo máximo de 25 dias (art. 278/8 da CRP).

○ Declaração de Inconstitucionalidade: Se o acórdão se pronunciar pela


inconstitucionalidade da norma, o Presidente da República deve vetar a

28 André Gonçalves Pereira, Fausto de Quadros, Jorge Miranda, Jónatas Machado, Jorge Bacelar Gouveia,
Wladimir Brito e Eduardo Correia Batista

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

convenção (art. 279/1 da CRP), podendo ratificar o tratado caso ocorra


confirmação pela Assembleia da República.

■ Prof. MLD: Uma conjugação política de vontades entre a Assembleia


da República que reaprova e o Presidente da República que ratifica,
não deveria ser suficiente para obliterar os efeitos da pronúncia no
sentido da inconstitucionalidade, Todavia, mais tarde, em sede de
fiscalização sucessiva, o Tribunal Constitucional pode reiterar o
veredicto de inconstitucionalidade e obrigar o Estado Português a
desaplicar a convenção internacional em causa, com a eventual
violação dos limites previstos pelo art, 46 da CVDT-I.

Ratificação: Declaração solene e final de aceitação do tratado pelo Estado Português que o
faz através da intervenção do Chefe de Estado pela assinatura da carta de ratificação. Este
ato presidencial, embora autónomo, está sujeito a referenda prévia do Governo, cuja falta
determina a inexistência jurídica do ato de ratificação (art. 141 da CRP). O Presidente pode,
legitimamente, recusar a ratificação, com fundamentos em argumentos de discordância
política.

★ Prazo: A Constituição não estipula um prazo para a ratificação, pelo que se deve
aplicar, de acordo com o princípio da cooperação leal, o critério do prazo razoável. A
ratificação tardia, contrária a este critério, carece, segundo a regente, de efeitos
jurídicos, podendo apresentar, todavia, efeitos políticos. Assim, o Presidente pode
adiar a decisão sobre a ratificação do tratado até se esvaziar o alcance útil da
vinculação.

Assinatura: Tem uma função meramente certificativa ou declarativa do consentimento do


Estado Português, não obstante, o Presidente pode recusar a assinatura por motivos de
discordância política. Na eventualidade de tal recusa, a solução poderá passar pela
reaprovação do acordo pela Assembleia da República ou pelo Governo com a formulação de
reservas ou o aditamento de declarações interpretativas que possam acomodar as objeções
do Presidente. Tal como na ratificação, é necessária a referenda ministerial, que não pode ser
recusada e cuja falta determina a sanção da inexistência jurídica (art. 140/2 da CRP).

4. PUBLICAÇÃO
Publicação: Após a publicação, as convenções internacionais vigoram na ordem interna
(art. 8/2 da CRP), pelo que é necessária a publicação para garantir a eficácia jurídica da
convenção na ordem jurídica portuguesa (art. 119/2 da CRP). Todavia, uma convenção
regularmente ratificada e aprovada pode vincular internacionalmente o Estado Português,
mesmo que a publicação, por atraso ou lapso, não tenha ocorrido, ainda que não possa ser
aplicada ou invocada perante a Administração Pública ou os tribunais nacionais, sob pena de
ineficácia jurídica.

★ Atos com Obrigação de Publicação Oficial: Convenções internacionais, os


respeitantes avisos de ratificação e os restantes avisos a elas respeitantes (art. 119/1b
da CRP)

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Critério Geral de Vigência Supletiva: 5º dia após a publicação (art. 2/2 da


LPIFD)

D. O PROCEDIMENTO INTERNO DE DESVINCULAÇÃO: SIMETRIA E EQUIVALÊNCIA


Teoria do Ato Simétrico: Uma vez que não existem regras previstas na constituição sobre
o procedimento para a desvinculação da convenção internacional, as disposições previstas
para a vinculação são invocáveis, com as necessárias adaptações, quando se trata do
procedimento, jurídica e politicamente equivalente, da desvinculação.

★ Competência de Decisão sobre a Desvinculação: Cabe ao órgão que detém,


nos termos da Constituição, o poder de aprovar. Por isso, mesmo que, por exemplo,
um acordo sobre matéria de competência reservada que, contrariamente ao art. 161/i
da CRP, tenha sido aprovado pelo Governo, exige, no respeito da Constituição, a
intervenção da Assembleia da República para a decisão de denúncia/retirada.

○ Governo: Enquanto órgão de condução da política externa do país (art. 182 e


201/a da CRP), tem competência própria de desvinculação. Ainda que,
enquanto decisão política e livre, esta competência não deve ser subtraída à
Assembleia, se ela for o órgão constitucionalmente habilitado para aprovação,
numa situação de vigência ou de efeitos com fundamentos em causas jurídicas
(ex: declaração de inconstitucionalidade de normas ou nulidades dos
tratados), a competência do Governo terá um fundamento objetivo. Assim,
este órgão estará a exercer a sua competência de aplicação e execução das
convenções que vinculam o Estado Português, o que compreende, as decisões
de desaplicação.
■ Prof. MLD: Admite, a título excecional, que o Governo possa decidir
sobre a denúncia/retirada, enquanto expressão de vontade política,
em casos de manifesta urgência

★ Forma: O ato, parlamentar ou governamental, de desvinculação, toma a forma de


resolução ou decreto.

★ Assinatura: O ato segue para o Presidente da República que, conforme a prática


institucional, assina o respectivo decreto presidencial, sujeito a referenda ministerial
(art. 134/b da CRP)

★ Publicação: Necessária tanto para o atos de desvinculação como para os respetivos


avisos (art. 119/1b da CRP)

★ Fiscalização Preventiva e Sucessiva da Constitucionalidade: Por se tratar de


um ato de decisão política, mesmo que eivado de inconstitucionalidade, não está
sujeito nem a fiscalização preventiva nem sucessiva da constitucionalidade.

★ Tribunais Portugueses: Têm competência para decidir sobre a aplicação das


normas da convenção, apesar do ato de desvinculação, dado que estas continuam a

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

vigorar na ordem jurídica portuguesa como “direito internacional geral ou comum”


(art. 8/1 da CRP)

Denúncia/Retirada: Direito do Estado, enquanto parte contratante, a exercer nos limites


da CVDT-I (art. 54 e 56). Este direito é uma manifestação da soberania do Estado, daí que se
justifique uma interpretação conforme a convenção internacional que reconheça o direito de
desvinculação, por este se tratar de uma prerrogativa inerente ao estatuto de Estado
soberano.

★ Prof. MLD: Admite a denúncia/retirada, mesmo quando tal seja proibido pelo
tratado ou contrário à sua natureza e vontade das partes, sem prejuízo de poder
incorrer em responsabilidade internacional por ato ilícito.

E. ESPECIFICIDADES DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS CELEBRADAS NO


QUADRO DA UNIÃO EUROPEIA
Relativamente às Exigências Constitucionais na Celebração de Convenções:

★ Teoria Constitucionalista: A intervenção da República Portuguesa deve seguir, de


modo estrito, as disposições da Lei Fundamental sobre a celebração de convenções
antenupciais.

★ Teoria Eurocomunitária: Invocando o princípio do primado do Direito da União


Europeia e a suprema vinculatividade das obrigações enquanto Estado-membro, a
Constituição não deveria representar um obstáculo à aplicação de modalidades
procedimentais de decisão da União Europeia sobre questões internacionais.

Convenções Internacionais Celebradas no Quadro da União Europeia: Podem se


apresentar sob formas distintas de procedimento em função do tipo de matérias que
regulam.

★ Acordos da União Europeia: Por ser dotada de personalidade jurídica (art. 47 da


UE), é reconhecida à União Europeia, pelos tratados, a competência para celebrar
com Estados terceiros e organizações internacionais convenções sobre matéria da sua
competência exclusiva ou partilhada (art. 216/1 do TFUE), que vinculam as
instituições eurocomunitárias e os Estados-membros (art. 216/2 do TFUE),
produzindo efeitos através do art. 8/3 da CRP na ordem jurídica portuguesa. A parte
contratante é a União Europeia, estando os Estados-membros obrigados a respeitar o
acordo por efeito da sua conclusão por decisão do Conselho.

★ Acordos da União Europeia e dos Estados Membros (Acordo Misto):


Implica a celebração do acordo com país terceiro ou organização internacional por
decisão paralela e autónoma da União Europeia e dos Estados membros. Nos acordos
mistos sobre matérias que, em parte, ainda permanecem na esfera reservada ou
residual de competência dos Estados-membros, a vinculação é um procedimento
complexo que envolve, de um lado, a União Europeia, cuja competência é exercida

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

nos termos do art. 218 do TFUE e, do outro lado, cada um dos Estados-membros, no
quadro definido pelas respectivas normas constitucionais.

○ Prof. MLD: Não considera possível uma interpretação do art. 7/6 da CRP no
sentido de conferir obrigatoriedade à aprovação/ratificação de acordos mistos

CAPÍTULO 3: NORMAS INTERNACIONAIS E


EFICÁCIA NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA
SECÇÃO I. ARTICULAÇÃO ENTRE DIREITO
INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO

1§ CONSTRUÇÕES DOUTRINÁRIAS CLÁSSICAS E MODELOS


JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS
Dualismo: Filiado na corrente voluntarista e estatista. A teoria dualista concebe a relação
entre Direito Internacional e Direito Interno como uma relação entre diferentes e separados.
Assim, o Direito Internacional vai regular as relações entre Estados, titulares exclusivos de
personalidade jurídica internacional, enquanto o Direito Interno vai regular as relações
sociais entre os indivíduos, cuja personalidade jurídica está limitada às instituições internas.
Não existe comunicação entre fontes internas e internacionais.

★ Duplo Mecanismo de Recepção e Transformação: Consequência do dualismo.


A norma internacional carece de, para ser introduzida no ordenamento estadual, um
ato interno específico para depois ser transformada ou transposta por um ato
normativo interno, fazendo com que a norma internacional não tenha autonomia,
devendo a sua eficácia interna ao ato de transposição, apresentando o valor
hierárquico do mesmo.

Monismo: Ficção simplificadora que pressupõe uma unidade fundamental entre


ordenamento internacional e ordenamento interno. Existem várias versões do monismo.

★ Monismo com Primado do Direito Interno: Concepção assente na visão


unitária entre Direito Internacional e Direito Interno. As normas internacionais e as
normas internas coexistem, sendo aplicadas pela estrutura instituída do poder
estadual, ou seja, os tribunais. Em situação de conflito, a lei interna prevalece sobre a
internacional. No plano lógico-formal, esta maneira de ver o problema é muito
próxima do dualismo, dada a falta de autonomia do direito internacional, cuja
relevância vai depender do grau de tolerância consentido pela Constituição e
legislação de cada Estado. Construção profundamente marcada pelo voluntarismo
radical e estatista.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

○ Prof. MLD: Considera um anacronismo. Menciona que o art. 27 da CVDT-I


exclui a relevância do direito interno como fator de desaplicação ou de
desvalor da norma internacional de fonte convencional.

★ Monismo com Primado do Direito Internacional: O Direito Internacional tem


prevalência sobre o Direito Interno, dado que as normas internacionais, de sua uma
natureza objetiva independente da vontade dos Estados, visam regular as relações
entre Estados que são, juridicamente, iguais.

○ Fundamento do Primado do Direito Internacional:

■ Concepção Normativista de Kelsen: As regras internas derivam das


regras internacionais que determinam as competências dos Estados e
não as podem contrariar. Tendo por base a norma fundamental, é o
critério hierárquico que estrutura as relações entre norma
internacional e norma interna, sendo este critério, também, que
resolve os conflitos internormativos.

■ Concepção Objetivista e Sociológica de Scelle: O pressuposto lógico-


formal não chega para explicar ou impor a regra da subordinação. A
sua conceção é mais militante que a analítica, porque projeta o Direito
Internacional como expressão necessária de um federalismo universal,
que não existe, no qual os Estados atuariam como estruturas
descentralizadas de aplicação do Direito Internacional, garantes da
sua efetividade.

○ Modalidades deste tipo de monismo:

■ Monismo Moderado: Sem prejuízo da unidade essencial que integra o


ordenamento internacional e interno, em eventuais situações de
conflito entre normas, não se gera a nulidade da norma subordinada
divergente, mas antes acontece que vai ser ineficaz a norma interna
contrária, devendo o Estado assegurar a sua desaplicação, no caso
concreto e para os casos futuros através da revogação ou modificação.

■ Primado Moderado do Direito Internacional Público: Como se infere


do art. 46 da CVDT-I, nas condições e limites previstos, um Estado
pode invocar uma norma fundamental do seu Direito Interno como
fundamento legítimo para não aplicar a norma constante do tratado.

Técnicas de Inserção da Norma Internacional no Ordenamento Interno:

★ Transformação ou Transposição: Corrente que faz jus ao dualismo. A norma


internacional é sujeita a um processo interno, de acordo com o estabelecido na
Constituição, que “nacionaliza” o seu conteúdo e transforma a norma internacional
em norma interna - ex: transposição de directiva do Direito da União Europeia
através de lei, decreto-lei, ou decreto-legislativo regional (art. 112/8 da CRP)

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Receção: Corrente que faz jus ao monismo. A norma internacional “entra” na ordem
jurídica interna sem necessidade de procedimentos prévios de reconhecimento,
validação ou qualificação. A norma internacional vigora como norma internacional,
com todas as consequências relevantes no plano da aplicação preferente e da
interpretação.

○ Tipos de Disposições Constitucionais Relativas à Incorporação Direta da


Norma Internacional:

■ Cláusula de Recepção Automática Plena: Permite a vigência interna


da regra internacional por força do instrumento normativo ou fonte,
dispensando qualquer ato de intermediação ou incorporação. Esta
cláusula será plena se tiver alcance global, aplicável ao conjunto das
normas internacionais ou a parte das normas internacionais de fonte
determinada.
● ≠ de aplicabilidade direta ou self-executing: a norma
internacional direta e automaticamente incorporada na ordem
jurídica internacional depende, em muitos casos, de normas
internas de execução, gerais ou específicas, vigentes ou a
adotar, daí que alguns autores falem de receção automática
condicionada

■ Cláusula de Receção Automática Semi-Plena ou Parcial: Limita o seu


campo de aplicação a um setor material definido da normatividade
internacional - ex: tratados sobre direitos humanos.

Direito Internacional Enquanto Obrigação de Resultado: O direito internacional é


uma obrigação de resultado, pelo que o modo de fazer consiste numa competência interna
exercida através da respectiva Constituição.

Lugar da Norma Internacional na Ordem Jurídica Interna:

★ Posição de Paridade (ex: Constituição Britânica)

★ Valor Supralegal dos Tratados: A norma interna de grau infraconstitucional não


pode contrariar, alterar ou revogar os tratados (ex: Constituição Portuguesa)

★ Prevalência da Norma Internacional Dependendo do Objeto (ex:


Constituição Alemã)

Princípio do Primado do Direito Internacional: Consagrado no art. 27 da CVDT-I.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

3§ DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E TRIBUNAIS NACIONAIS:


O EFEITO DIRETO
Efeito Direto da Norma Internacional: Permite ao indivíduo a invocação da disposição
normativa junto dos tribunais nacionais. O direito de ação depende da natureza da norma
internacional, exequível por si mesma, fonte direta e suficiente de direitos para os
particulares e da existência de vias processuais adequadas no foro doméstico. Assim, desde
que a norma se apresente clara e precisa, deve poder ser invocada, adquirindo o particular o
estatuto de destinatário ativo e direto das normas internacionais.

★ Reações de Defesa: A tendência para fazer do efeito direto uma regra de eficácia
da norma internacional provoca, em certos casos, estas reações da parte dos Estados
que, fiéis à tradição dualista, pretendem a separação entre a dimensão externa e a
dimensão interna das suas obrigações normativas

★ Prof. MLD: Como os Estados, de modo unilateral ou concertado no quadro da


União Europeia, não hesitam, com base na representação dos seus interesses, em
excluir o efeito direto, a prof. não considera que seja acertado concluir que a
invocabilidade contenciosa da norma internacional possa representar, ou implicar,
em si, uma limitação negativa da soberania do Estado.

4§ DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO: NO ESPAÇO


DA INTERNORMATIVIDADE GLOBAL
“Novo Dualismo”: Com expressão no mundo académico anglo-saxónico, alguns autores
defendem a soberania jurídica dos Estados e a legitimidade para rejeitar ou “filtrar” a
entrada da norma internacional no ordenamento interno, não beneficiando o Direito
Internacional Público de uma superioridade automática e irrestrita, independente do seu
conteúdo.

Tribunal de Justiça: No exercício da sua competência de controlo da legalidade e de


garantia dos direitos fundamentais, esta entidade preocupa-se em excluir qualquer dúvida
sobre o modo como funciona o controlo das resoluções do Conselho de Segurança. O objetivo
de fiscalização não é a própria resolução, mas o ato comunitário que, no quadro da ordem
jurídica interna da UE, aplica o acordo internacional

Relação Direito Interno - Direito Internacional:

★ Debilitação do Direito Interno: Um dos traços distintivos do Direito


Internacional dos nossos dias é a sua vocação material expansiva e, potencialmente
exaustiva, de regulação sobre todas as matérias juridicamente relevantes,
contribuindo para esvaziar, ou pelos menos debilitar, o conceito de domínio
reservado ao legislador nacional.

★ Concorrência Normativa: As diferentes ordens jurídicas (internacional, nacional


e europeia) estão, entre si, numa relação de concorrência normativa e, em parte, de

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

sobreposição de estruturas institucionais de aplicação, o que obriga a uma


coexistência entre tribunais nacionais, internacionais e de âmbito regional.

Critérios de Articulação Sistemática: Em caso de conflito, conseguem definir a norma


aplicável

★ Hierarquia: Prevalências das normas de ius cogens

★ Competência: Embora não existam propriamente matérias vedadas à regulação


internacional, no caso das normas de fonte pactícia e dos atos das organizações
internacionais, a vinculação dos Estados não pode extravasar os limites do seu
consentimento. Por mais importante que possa ser o regime material previsto no
tratado, este vai apenas obrigar as partes contratantes.

★ Subsidiariedade: Em áreas de sobreposição material, verificada a existência de


regimes normativos de fonte internacional e de fonte interna ou regional
incompatíveis, a preferência aplicativa, uma vez esgotadas as soluções de
interpretação conforme, deve garantir a eficácia da norma que assegura uma
proteção mais elevada dos valores ou interesses visados pelo regime jurídico em
causa. Este critério limita a preferência pelo Direito Internacional, e
consequentemente a sua prevalência, aos casos em que a resposta no plano nacional
ou regional não seja suficiente para alcançar os objetivos definidos pela comunidade
internacional.

SECÇÃO II. A CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA E A EFICÁCIA


DAS NORMAS INTERNACIONAIS E EUROCOMUNITÁRIAS

1§ A CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA E A ABERTURA AO DIREITO


INTERNACIONAL AO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Abertura Histórica ao Direito Internacional: A doutrina portuguesa, com expressão
maioritária e superior autoridade científica, caracteriza-se pela defesa de uma interpretação
do direito interno relevante no sentido de pressupor a existência de uma cláusula geral de
recepção plena.

Característica do Modelo de Abertura ao Direito Internacional Previsto na CRP:


A Constituição Portuguesa de 1976 é um exemplo de abertura ao ordenamento jurídico
internacional e aos respectivos valores fundamentais

★ Cosmopolita: Reconhece princípios e finalidades que regem as relações


internacionais

★ Procedimental e Diferenciadora: Em vez de uma cláusula geral, a Constituição


especifica regras de incorporação e eficácia das várias fontes do Direito Internacional
e do Direito da União Europeia (art. 8 da CRP)

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Positivista e Exaustiva no Enquadramento Constitucional

Disposições Constitucionais que mostram a Relevância Paramétrica do DIP:

★ Remissão para os Princípios Gerais e Objetivos Fundamentais que


Orientam Portugal nas Relações Externas: Correspondem a uma visão
generosa dos fins das relações internacionais.

★ Abertura ao Direito Internacional dos Direitos Humanos: No domínio dos


direitos fundamentais, o art. 16 consagra duas soluções para esta abertura

○ Art. 16/2 da CRP: Os preceitos internos relativos aos direitos fundamentais


devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem.

○ Art. 16/1 da CRP: Os direitos fundamentais consagrados e tipificados na


Constituição não excluem quaisquer outros constantes das regras aplicáveis
de direito internacional.

Cláusula Geral de Recepção Plena da CRP: Segundo a regente, é o art. 8º.

2§ INCORPORAÇÃO E EFICÁCIA DO DIREITO INTERNACIONAL E


DOS DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA NA ORDEM JURÍDICA
PORTUGUESA

A. DIREITO INTERNACIONAL GERAL OU COMUM


Teoria da Adoção: O direito internacional geral ou comum, sem perder a sua natureza
originária e própria de normativo internacional, é adotado pela ordem jurídica que passa a
integrar, de acordo com o sentido e a relevância normativa que o ordenamento internacional
lhe atribui e renova ao sabor da evolução ditada pelas transformações da realidade
internacional.

★ Direito Internacional ou Geral Comum: Normas e princípios de alcance geral


partilhados pela comunidade internacional (normas de fonte costumeira e princípios
de alcance geral reconhecidos pelo direito interno - art. 38 do ETIJ)

Alcance Integrador do Art. 8 da CRP:

★ Interpretação da Prof. MLD: Permite ultrapassar lacunas que resultem da letra


do preceito à luz de dois critérios fundamentais:

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

○ Critério da Exaustividade: O art. 8º funciona como uma cláusula de recepção


plena que regula a incorporação de toda e qualquer norma, ato ou princípio
de Direito Internacional e Direito da União Europeia.

○ Critério da Supletividade: Na relação entre os quatro números do art. 8, ao


n.º1 assiste uma função supletiva que fundamenta a incorporação de normas
ou princípios cuja natureza não se adequa ao âmbito de abertura das cláusulas
específicas dos restantes números.

★ Art. 8/1 Incorpora: O costume regional, local ou bilateral, assim como os atos
unilaterais dos Estados.

Posição Hierárquica do DIP: Falta no art. 8.º da Constituição uma indicação expressa
sobre a posição do Direito Internacional na estrutura escalonada da ordem jurídica
portuguesa. A ausência de indicação expressa não significa que a Constituição seja neutra
sobre este ponto.

★ Direito Internacional Geral ou Comum: Estas normas e princípios gozam de


relevância supraconstitucional ou equivalente à força das normas constitucionais

★ Normas ou Princípios de Ius Cogens: São imperativos para todos os Estados,


não podendo ser contrariados ou derrogados pela Constituição

★ Normas Garantidoras da DUDH Dotadas de Força de Ius Cogens: Têm


relevância supraconstitucional. Mesmo admitindo que nem todas as normas da
DUDH beneficiam desta imperatividade qualificada, o art. 16/2 acaba por assegurar à
DUDH, no seu todo, função equivalente.

★ Ius Cogens não Diretamente Relacionado com a Proteção da Dignidade


da Pessoa Humana: A Constituição deve ser interpretada no sentido da
conciliação prática com os valores fundamentais da comunidade internacional.

B. DIREITO INTERNACIONAL CONVENCIONAL


Condições de Vigência Interna e Eficácia das Normas de Fonte Convencional
(art. 8/2 da CRP):

★ Conclusão regular do processo de ratificação e aprovação


★ Publicação no Diário da República
★ Vinculação internacional do Estado Português

Receção Automática e Plena de Convenções Internacionais:

★ Receção Automática: A norma convencional, observados os pressupostos da sua


vigência na ordem jurídica internacional e da sua eficiência na ordem jurídica

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

interna, vigora de modo automático, como norma internacional, dispensando atos de


intermediação ou conversão.

○ Natureza não Diretamente Aplicável da Norma (non self-executing): A sua


aplicação e invocação pelos particulares junto dos tribunais portugueses
requer a aprovação de regulamentação interna.

★ Recepção Plena: O artigo 8º, nº2 da CRP aplica-se a todas as convenções


internacionais, tratados e acordos, incluindo atos típicos de natureza análoga.

Receção de Convenções Celebradas por Organizações Internacionais: Como


membro da organização internacional, em virtude e nos termos previstos no tratado
institutivo, Portugal está obrigado a aplicar as convenções internacionais por ela celebradas.

★ Vigência das Convenções na Ordem Jurídica Portuguesa: A vigência das


convenções internacionais concluídas pelas organizações internacionais de que
Portugal é parte na ordem jurídica portuguesa resulta da conjugação da cláusula de
recepção do art. 8/2 da CRP, que enquadra a aceitação por Portugal da capacidade
jurídica internacional da organização, com a cláusula de recepção do nº3 do art. 8 da
CRP que determina a vigência automática e direta dos atos adotados pelas
organizações internacionais, incluindo a aprovação de convenções internacionais.

○ Desvinculação e Reservas: Não sendo Portugal parte contratante destas


convenções internacionais de fonte institucional, não pode opor reservas ou
decidir, unilateralmente, sobre a desvinculação. Eventuais dificuldades terão
de ser colocadas e decididas nos órgãos competentes da organização.

○ Acordos Mistos no Quadro da União Europeia: Exigem uma celebração


conjunta e concertada entre a União Europeia, os Estados-membros e os
Estados terceiros ou organizações internacionais. Assim, o acordo é celebrado
por Portugal ao abrigo do art. 8/2 da CRP na parte que respeita às
competências mantidas pelos Estados-membros e é internamente aplicado,
via art. 8/3 da CRP, em relação às matérias da esfera de competência da UE.

Vigência Interna da Convenção Internacional (final do 8/2 da CRP): Tal como o


tratado ou acordo só passa a produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa se já tiver
entrado em vigor na ordem jurídica internacional e, concretamente, em relação a Portugal,
também deixará de obrigar Portugal caso caduque ou deixe de cumprir um qualquer critério
de vigência.

★ Vigência da Legislação Interna Adotada na Sequência da Celebração do


Tratado: Nada impede a vigência da legislação interna adotada na sequência da
celebração do tratado para garantir a sua execução na ordem jurídica portuguesa. A
vigência desta legislação, doravante desligada do compromisso internacional que
esteve na sua origem, dependerá unicamente da vontade do Legislador que a pode,
livremente, alterar ou revogar.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

Ratificação Imperfeita: No processo interno de celebração de convenções internacionais,


podem ocorrer irregularidades. As “convenções internacionais regularmente ratificadas ou
aprovadas” do art. 8/2 da CRP têm de ser sistematicamente interpretadas com o art. 277/2
da CRP e o 46 da CVDT-I. Assim, em virtude do princípio pacta sunt servanda, apenas as
inconstitucionalidades mais graves ocorridas durante o procedimento de vinculação
internacional podem ser consideradas um obstáculo à vigência interna da convenção
internacional. A decisão sobre a não-vigência da convenção internacional por irregularidade
na ratificação ou aprovação está dependente de declaração de inconstitucionalidade pelo
Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral (art. 282 da CRP)

Direito Internacional Convencional na Hierarquia Ordem Jurídica Nacional:

★ Posição Infraconstitucional: À partida, quem representa o Estado Português nas


várias fases de vinculação não deve aprovar, ratificar ou negociar convenções
contrárias à Constituição.

○ Aplicação de Convenções Inconstitucionais: É possível a eventual aplicação de


uma convenção ferida de inconstitucionalidades, desde que estas não violem
as disposições fundamentais (art. 277/2).

○ Interpretação: À luz do princípio pacta sunt servanda é desejável uma


interpretação conforme as normas internacionais existentes sobre a matéria,
se tal não for possível, então cumpre aceitar o critério da prevalência
hierárquica da Constituição, sem prejuízo de eventual responsabilidade
internacional do Estado Português.

★ Posição Supralegal: A convenção internacional ocupa uma posição intermédia na


ordem jurídica portuguesa, situando-se um degrau abaixo da Constituição, mas um
acima do direito interno ordinário de fonte legislativa ou regulamentar.

○ Argumentos Favoráveis a esta Posição:

■ Princípio Pacta Sunt Servanda: Princípio geral de boa fé e a sua


concretização neste princípio, impedindo o Estado Português de, por
ato unilateral, violar ou limitar os compromissos assumidos

■ Cláusula da Receção Automática e Plena: Esta cláusula e a abertura


internacional da CRP opõe-se a uma solução de eventual prevalência
da norma interna

■ Expressão da Parte Final do art. 8/2 da CRP: “Enquanto vincularem


internacionalmente o Estado Português” é um elemento literal de peso
porque toma como pressuposto que a vinculação existe e permanece
enquanto tal se verificar no plano internacional, pelo que vicissitudes
internas como a aprovação de lei interna contrária ou de efeito

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

suspensivo, não afetarão a vigência prevalecente da norma


internacional

■ Argumentos Literais: O art. 119 elenca as convenções internacionais a


seguir às leis constitucionais e antes dos atos legislativos e o art. 280/3
que dá primazia às convenções internacionais.

■ Sistema de Fiscalização da Constitucionalidade: Admite recurso para


no Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a
aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na
sua contrariedade com uma convenção internacional (art. 70/1i da
LTC)

Inconstitucionalidade de Convenções Internacionais:

★ Consequência Jurídica: Não afeta a validade da convenção, a consequência é a do


desvalor jurídico de ineficácia, pelo que a norma constante de tratado ou acordo
internacional contrária à Constituição não pode ser aplicada pelos tribunais nos
pleitos submetidos a julgamento (art. 204 da CRP) e pode ser objeto de declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional (art.
277/1, 280/1 e 281/1 da CRP), da qual resulta um dever de desaplicação.

★ Aplicação de Convenções Internacionais Inconstitucionais: A limitação dos


efeitos típicos da inconstitucionalidade está definida em relação à
inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados regularmente ratificados, desde
que não esteja em causa uma disposição fundamental da Constituição, ressalvando o
princípio da reciprocidade (art. 277/2 da CRP e 46 da CVDT-I)

○ “Inconstitucionalidade Orgânica ou Formal de Tratado Regularmente


Ratificado”: A prof. MLD encontra apenas 2 exemplos: a aprovação e um
tratado pela Assembleia da República por lei em vez de resolução (art. 166/5
da CRP) e a aprovação pelo Governo de uma convenção internacional sob a
forma de tratado e não de acordo, sobre matéria da competência partilhada
(art. 161/i).

★ Fiscalização da Constitucionalidade: O art. 277/2 não impede a fiscalização


orgânica e formal, em sede sucessiva, das convenções internacionais pelos tribunais,
mas, verificados os pressupostos da irrelevância do vício, exclui, em fiscalização
abstrata, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e, em
fiscalização concreta, derrogando o art. 204 da CRP, veda aos tribunais a
desaplicação da norma convencional.

Ilegalidade de Convenções Internacionais: A desconformidade entre uma norma


legislativa (ou infralegislativa) e uma convenção internacional não afeta a validade da
convenção. Mesmo admitindo, como faz a regente, que a Constituição reconhece o primado

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

do DIP, a violação de normas constitucionais sobre hierarquia é qualificada como


ilegalidade (art. 280/2b, c, e d da CRP)

★ Ilegalidade sui generis: Não está expressamente prevista na Constituição e


apresenta relevantes especificidades ao nível do controlo e dos efeitos jurídicos

C. DIREITO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS


Condições Para a Aplicabilidade Direta e Imediata dos Atos Jurídicos das OIs:

★ Que os atos tenham sido adotados pelos órgãos competentes das organizações
internacionais
★ Que a vigência direta e automática na ordem jurídica dos Estados membros se
encontre estabelecida nos respectivos tratados institutivos

Validade do Ato Normativo da OI: A prof. MLD admite que existe uma presunção
favorável à validade do ato normativo da OI, sem prejuízo do direito de accionar os
competentes meios de verificação da validade. No caso de tais mecanismos existirem no seio
da própria OI, as eventuais questões de validade devem aí ser suscitadas. Se tais mecanismos
não existirem ou forem insuficientes não é descartado o recurso aos tribunais nacionais, por
iniciativa dos particulares afetados nos seus direitos pela aplicabilidade direta das
resoluções.

Relação entre Atos Jurídicos das OIs, Direito Internacional Geral ou Comum e
Direito Convencional:

★ Ato Jurídico da OI e Direito Internacional: Deve ser tentada a solução da


interpretação conciliatória, uma interpretação do ato jurídico da OI em harmonia
com o Direito Internacional que vincula o Estado Português. Se for inviável uma
solução hermenêutica, o critério operativo será o reconhecimento da prevalência da
norma ou princípio de Direito Internacional Geral ou Comum sobre o ato jurídico da
OI.

★ Ato Jurídico da OI e Direito Convencional: Estamos perante uma situação de


conflito entre as obrigações resultantes de convenções internacionais distintas que
vinculam o Estado Português. A norma adotada pela OI tem por fundamento a regra
habilitadora do tratado constitutivo, o que representa um estádio superior de
institucionalização das relações internacionais e deve, por isso, prevalecer sobre
outras obrigações fictícias, sem prejuízo da eventual responsabilidade internacional.

D. DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA


Eficácia das Normas e Atos Jurídicos da UE: As disposições dos tratados que regem a
UE (Direito Primário) e as normas (todos os atos jurídicos) emanadas das suas instituições,
são aplicáveis na ordem interna nos termos definidos pelo direito da União (art. 8/4 da CRP)

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Prevalência: A norma eurocomunitária prevalece sobre a norma interna em


situação de colisão com a norma interna

★ Aplicação: A norma eurocomunitária é diretamente aplicável e passa a vigorar na


ordem jurídica portuguesa assim que se inicia a sua vigência na ordem jurídica da
União, com exclusão de atos internos de receção ou transposição.

★ Fonte de Direitos e Deveres: Verificados os pressupostos do efeito direto,


designadamente a sua natureza clara, precisa e incodicional, a norma
eurocomunitária é fonte de direitos e deveres para os particulares que a podem
invocar junto dos tribunais nacionais no âmbito de litígios em que são parte.

Cláusula de Recepção Automática - art. 8/4 da CRP:

★ Duas Condições:

○ “Nos termos definidos pelo Direito da União”: Fórmula suficientemente vaga


para consentir o primado, ainda que este não esteja previsto nos tratados
institutivos

○ “No exercício das respetivas competências”

★ Uma Ressalva:

○ “Respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”

Cláusula de Aceitação de Limitações à Soberania para Objetivos de Construção


Europeia - art. 7/6 da CRP:

★ Limites ao âmbito de vinculação europeia do Estado Português:

○ “Respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”:


Formulação que o art. 8/4 da CRP retoma

○ Forma de Aceitação das Limitações de Soberania: A atribuição de poderes


necessários aos órgãos da União, com vista ao seu exercício comum ou em
cooperação, será convencionada, o que, nos termos do art. 161/i da CRP,
exigirá a forma de tratado solene.

Primado do Direito Europeu: O primado não engendra uma relação típica de infra e
supra-ordenação entre normas, nem vale como exigência de prevalência hierárquica. A
norma eurocomunitária prevalece sobre a norma interna, não porque lhe seja superior, mas
porque é materialmente competente para regular o litígio concreto. A relação entre Direito
da União Europeia e os Direitos dos Estados-membros constrói-se com base no princípio da

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

competência atribuída e por referência ao princípio da colaboração ou da


complementaridade funcional entre ordenamentos autônomos.

★ Relação da Constituição Face ao Primado: Tem um duplo efeito: um efeito


legitimador (relativo às competências necessárias à construção da União Europeia) e
limitador ou de reserva

★ Risco do Primado: O presumido risco do primado relaciona-se com o tipo de


derrogação constitucional, isto é, com a natureza da norma constitucional
desaplicada e com a extensão do desvio ao padrão constitucional resultante da
solução comunitária preferida, o problema não reside no afastamento de de
disposições concretas da constituição, mas do seu núcleo essencial, ou seja, do seu
conjunto de princípios estruturantes e valores fundamentais.

★ Cláusula de Suícidio Constitucional: O art. 8/4 da CRP não pode, na opinião da


Prof. MLD, ser considerado como uma autorização constitucional para violar e
ignorar a Lei Fundamental, porque, em termos jurídico-constitucionais, tal seria
incompatível com a própria ideia de Constituição. Assim, o verdadeiro risco para a
autoridade normativa não é a exigência e aplicação do primado, mas os
constrangimentos de natureza financeira e orçamental, embora apresentados como
corolário do primado e da exigência jurídica de prevalência dos Tratados

★ Princípio da Aplicação Preferente do Direito Comunitário: Todos os órgãos


internos do Estado Português, competentes para a realização do direito, no âmbito da
função legislativa, da função executiva ou da função judicial, estão vinculados, no
quadro do princípio da cooperação leal, a decidir de harmonia com o critério da
aplicação preferente da norma eurocomunitária do direito ou do direito derivado

○ Violação do Princípio: Uma eventual violação deste princípio ou dos atributos


associados à aplicabilidade direta e ao efeito direto é geradora de
responsabilidade do Estado em causa.

Relação entre Direito Convencional e Direito Eurocomunitário: Prevalência do


Direito da União Europeia, apesar do art. 8/4 não o declarar expressamente

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

(Ordem jurídica global do século XXI – sujeitos e


actores no palco internacional - MLD)

O ESTADO E OS OUTROS: QUEM É QUEM NO


DIREITO INTERNACIONAL
1. PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO
INTERNACIONAL: UMA NOÇÃO CLÁSSICA QUE SE
RENOVA

1.1 O CONCEITO DE SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL


Noções Introdutórias:

★ Personalidade Jurídica: Suscetibilidade de ser titular de direitos e de estar


vinculado por obrigações, ou seja, de ser sujeito de relações jurídicas

★ Capacidade Jurídica: Medida ou conjunto dos direitos e deveres que integram


esfera jurídica de atuação de certo sujeito jurídico, à luz do direito aplicável.

★ Capacidade Jurídica de Exercício: Idoneidade ou aptidão para, por ato próprio


ou através de representação legal, exercer direitos e cumprir deveres

Subjetividade Internacional: Assenta numa acepção clássica de personalidade jurídica


entendida como a susceptibilidade de ser titular de direitos e estar sujeito a deveres
decorrentes de normas de Direito Internacional.

★ Dificuldade de Determinação dos Sujeitos: Não coloca em causa o carácter


adquirido desta noção clássica, o problema está em avaliar se outras entidades, para
além do Estado, podem ser consideradas sujeitos, ou se essas entidades têm um
carácter meramente utilitário, sendo admitidas a exercer direitos ou obrigadas a
cumprir deveres no quadro das relações internacionais

★ Personalidade Jurídica Objetiva ou Relativa:

○ Personalidade Jurídica Objetiva: Oponível aos demais Estados e sujeito como


consequência do princípio da igualdade soberana

○ Personalidade Jurídica Relativa: Sujeitos de Direito Internacional limitados


pela dependência de uma conduta expressa ou indiciária de reconhecimento.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

1.2 O ESTADO E OS OUTROS


Estado Soberano: Sujeito originário de Direito Internacional. Está em condições de
desenvolver todos os atributos tradicionalmente associados à personalidade jurídica, exercer
todos os direitos e cumprir todos os deveres que o Direito Internacional enquadra,
beneficiando de uma personalidade jurídica plena, ainda que existam direitos e deveres que
não se adequem à esfera estadual.

★ Sujeitos Atípicos: Mesmo no período em que o Estado beneficiou do estatuto de


sujeito único de Direito Internacional, emergiam outras entidades como sujeitos
atípicos, como a Santa Sé, com a qual as potências católicas celebravam acordos.

Sujeitos não Estaduais: Como as organizações internacionais e o indivíduo. Estão em


clara oposição à personalidade jurídica pela do Estado, apresentando graus diferentes de
restrições, dependentes de uma personalidade jurídica funcional que limita a respectiva
capacidade jurídica de agir na ordem internacional.

Capacidade Jurídica de Exercício: Varia em função do sujeito e de fatores político-


ideológicos.

★ Organizações Internacionais: A sua capacidade depende do ato constitutivo,


completado pela prática institucional

★ Indivíduo: Titular de um alargado conjunto de direitos previstos nos instrumentos


universais e regionais sobre direitos humanos, apresentando, contudo, um acesso
muito limitado aos meios judiciais ou processuais de invocação de tais direitos em
situações de violação

1.3 SUJEITOS E ATORES. O INSTITUTO DO RECONHECIMENTO


Responsabilidade Internacional: As normas internacionais não podem exigir
responsabilidade a uma entidade que, à luz do Direito Internacional, não seja reconhecida
como sujeito, pois, a personalidade jurídica funciona como uma condição prévia necessária
da atuação jurídica.

Reconhecimento de Sujeitos: Questão política com um duplo alcance, dado que certifica
a legitimidade dos sujeitos enquanto grupo e garante a respetiva autonomia de decisão
contra eventuais interferências de terceiros.

★ Noção: Ato unilateral de natureza discricionária através do qual o governo de um


Estado ou o órgão representativo de uma organização internacional exprimem o seu
acordo relativamente à existência de um novo sujeito de Direito Internacional. É
considerado inadequado em relação ao indivíduo e desnecessário em relação às
organizações internacionais de âmbito parauniversal.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

○ Indivíduo: A prof. MLD defende que o indivíduo, pela natureza das coisas, é
sujeito de Direito Internacional e que um tal estatuto não se discute,
dispensado de qualquer forma de reconhecimento, por razões jurídicas,
diretamente ligadas à evolução do próprio Direito Internacional no sentido de
um compromisso com a defesa da dignidade do ser humano e a garantia dos
seus direitos

★ Forma de Reconhecimento:

○ Reconhecimento Expresso: Ato formal que visa comunicar ao reconhecido e,


indiretamente, à comunidade internacional - ex: declaração pública de
congratulação de independência do novo Estado

○ Reconhecimento Implícito: A vontade de reconhecimento é suscetível de ser


inferida, com razoável certeza, de uma ou várias condutas concordantes - ex:
tratado bilateral celebrado com o novo Estado

★ Tipos de Reconhecimento:

○ Reconhecimento de jure: Definitivo e tendencialmente irrevogável

○ Reconhecimento de facto: Provisório e revogável

★ Efeitos do Reconhecimento:

○ Declarativo: Limita-se a certificar e admitir a realidade jurídica do sujeito que,


presume-se, existir por si, sendo uma mera formalidade. Este tipo de
reconhecimento tem a vantagem de ser (ou parecer) menos permeável a juízos
políticos sobre a existência de um novo Estado pois, uma vez preenchidos os
requisitos da estadualidade (população permanente, território determinado,
governo efetivo, capacidade de entrar em relação com os demais Estados 29), o
Estado adquire o estatuto de sujeito estadual.

○ Constitutivo: O ato de reconhecimento é conditio sine qua non de


possibilidade de uma determinada entidade exercer, no todo ou em parte, os
direitos, deveres e competências que integram o núcleo formador da
subjetividade internacional

2. CONTEÚDOS TÍPICOS DA SUBJETIVIDADE


INTERNACIONAL - EM PARTICULAR O ESTADO

2.2 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA ESTADUALIDADE


Estado: Organização de governo de uma determinada comunidade territorial, sendo isso o
que individualiza o Estado enquanto sujeito de Direito Internacional.

29 Convenção de Montevidéu de 1933, artigo 1º

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

★ Soberania: Poder político de determinação primária das formas de organização e de


representação da comunidade política, incluindo a definição dos meios e
procedimentos do exercício dos correlativos poderes de autoridade.

○ Soberania Interna e Externa:

■ Soberania Interna: No sentido em que o Estado tem de estar em


condições (políticas, legislativas e judiciais) de impor as suas decisões
aos demais níveis internos de decisão

■ Soberania Externa: Ou independência do Estado na sua relação com


os outros Estados e demais sujeitos internacionais que exclui relações
baseadas ou desenvolvidas no quadro de uma dinâmica de
independência jurídica, económica ou política. A independência é a
condição e o critério de identificação do Estado soberano.

○ Soberania na CNU: Conforme determina o art. 2º, nº1 da CNU, a Organização


é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros. Não
se trata de pretender para os Estado um estatuto de soberania absoluta e
incondicional, mas sim da ideia de igualdade soberana. Um Estado é
independente na medida em que o Direito Internacional lhe reconhece o
direito de exercer a plenitude das suas competências, internas e externas, nos
mesmos termos que os outros Estados são admitidos a fazê-lo.

Requisitos da Estadualidade: Positivados na Convenção de Montevidéu, são de


verificação cumulativa, ainda que a falta temporária de um deles não prive o Estado de
personalidade jurídica.

★ População permanente
★ Território determinado
★ Governo
★ Capacidade de entrar em relação com os demais Estados

2.2.1 POPULAÇÃO PERMANENTE


Este requisito refere-se apenas à existência de um conjunto de indivíduos a residir, ou que se
desloquem, no território, não havendo um número mínimo nem exigências de
homogeneidade

2.2.2 TERRITÓRIO DETERMINADO


A exigência de um território determinado refere-se a um núcleo territorial definido, mesmo
que uma parte, menor ou maior das suas fronteiras, seja objeto de disputa

78
Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

2.2.3 GOVERNO EFETIVO


Embora o texto da Convenção de Montevidéu não use o adjetivo “efetivo”, a doutrina tende a
considerar como necessário um governo que esteja em condições de garantir a ordem e a
aplicação da lei no respectivo território.

Teoria da Efetividade: O Governo tem de apresentar um controlo efetivo sobre o


território do Estado onde o Governo se insere, numa perspetiva duradoura.

Teoria da Legitimidade: Funda o direito de avaliar um governo na perspetiva de saber se,


pressupostos certos padrões de democracia representativa e respeito pelos direitos humanos,
seria um governo legítimo e democrático.

★ Prof. MLD: Considera importante separar a capacidade do governo garantir a


ordem e a lei no respectivo território da legitimidade e efetivo exercício do poder pelo
governo. Assim, governos autocráticos e sanguinários não devem afetar a existência
internacional do Estado em causa.

2.2.4 CAPACIDADE PARA ESTABELECER RELAÇÕES INTERNACIONAIS


A capacidade de entrar em relação com os demais Estados através da celebração de tratados
internacionais e outros meios de estabelecimento da relação jurídico internacional pressupõe
que a entidade em causa seja independente. Nesse sentido, esta capacidade acaba por ser
uma consequência da Estadualidade, e não tanto um requisito.

2.2.5 CASOS CONVERTIDOS DE ESTADUALIDADE: MICRO-ESTADOS, ESTADOS


DEPENDENTES, ESTADOS FANTOCHES E ESTADOS FALHADOS
Estados Exíguos e Micro-Estados: Caracterizados pela exiguidade do território que está
na origem da capacidade jurídica limitada de alguns destes Estados que dependem de
Estados vizinhos maiores ou outros com os quais têm relações de afinidade para o exercício
das respectivas prerrogativas de representação internacional.

★ Estados Exíguos: A sua limitação jurídica é formal (ex: São Martinho em relação a
Itália, Mónaco em relação a França, Liechtenstein em relação à Suíça)

★ Micro-Estados: Países soberanos e independentes, pelo menos no plano jurídico


formal, confinados num território muito limitado com tendência a diminuir.
Assumem, por si, os direitos de representação internacional (ex: Tuvalu e Quiribati)

Estados Dependentes: Historicamente seriam Estados vassalos desprovidos de


independência formal e, mais tarde, Estados que dependiam de outros para participar na
vida internacional. Atualmente, correspondem aos novos Estados que ficam sujeitos a um
conjunto de exigências das Nações Unidas, durante e depois da presença das forças de
manutenção da paz e construção das estruturas estaduais, até ao reconhecimento da
independência.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

Estados Fantoche ou Estados Satélite: A imagem de um Estado que atua como


fantoche ou satélite de outro serve para vincar o grau consentido ou inexorável de ingerência
por parte de uma potência estrangeira.

Estados Falhados: Por razões internas (ex: guerra civil) ou externas (ex: ocupação), um
Estado pode deixar de ter condições para garantir a função primordial de aplicar a lei e
manter a ordem, ficando fragilizado ou mesmo impossibilitado de exercer os direitos
associados à subjetividade internacional.

2.2.6 RECONHECIMENTO DE ESTADOS


Reconhecimento de Estados: Ato unilateral que produz efeitos no plano das relações
bilaterais entre Estados.

★ Organização das Nações Unidas: A decisão de admitir um novo Estado na ONU


funciona como uma espécie de reconhecimento coletivo.

Incerteza no Exercício do Direito de Autodeterminação: Quando o novo Estado se


formou com origem na separação de um Estado preexistente (secessão), no exercício deste
direito de autodeterminação, a incerteza resulta da necessidade de articular este direito com
o princípio fundamental do DIP, uti possidetis, princípio que traduz uma preocupação antiga
e legítima com a inviolabilidade de fronteiras internacionalmente reconhecidas.

★ Prof. MLD: Considera que o direito internacional não tem uma solução clara para
este tipo de conflito.

Reconhecimento do Governo: Exprime uma posição de concordância política em


relação à autoridade instituída

★ Teoria Objetivista ou Pragmática: O Estado reconhece o novo governo apoiado


em considerações de ordem objetiva e factual (controlo efetivo), sem atender a juízos
sobre a legitimidade do poder das novas autoridades

★ Teoria Subjetivista: O Estado reconhece o novo governo porque este corresponde


à ideia de um governo legítimo ou, simplesmente, é o governo que interessa aos
interesses do Estado que o reconhece, apresentando-se o reconhecimento como
instrumento de pressão política.

★ Doutrina Estrada: Exclui a necessidade de reconhecimento, sendo suficiente para


o Direito Internacional que o novo governo exerça poderes de controlo efetivo sobre o
território nacional.

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

○ Prof. MLD: Considera que esta doutrina parte da premissa correta, revelando-
se como a mais adequada ao princípio da não ingerência nos assuntos
internos.

3. RAPOSAS E OURIÇOS NO DIREITO INTERNACIONAL


“A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante”

★ Contexto Literário: Existe um grande abismo entre os que associam tudo a uma
visão central e única de um sistema mais ou menos coerente e articulado (ouriços),
dos que perseguem muitas pontas, frequentemente não relacionadas e até
contraditórias, apresentando um pensamento disperso ou difuso que se move em
muitos níveis e se agarra à essência de uma vasta diversidade de experiências
(raposas).

★ Interpretação da Prof. MLD: Distingue um conhecimento plural e aberto de um


conhecimento unívoco e dogmático. No domínio específico da teoria da subjetividade
internacional, o pensamento típico do ouriço, ainda que coerente e sistemático, não é
suficiente ou adequado para enquadrar as muitas coisas que ocupam o espaço desta
matéria. A unidade do conceito afasta-nos do pensamento crítico e da análise
contextual, daí que a o DIP precise de académicos como as raposas, capazes de
identificar o risco dogmático de um modelo teórico fechado, para assim estabelecer
uma construção sincrética que alargue os nossos horizontes.

(A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS -


MANUEL DE ALMEIDA RIBEIRO)

A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU)


1. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

1.1 PRIMEIRAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS


Foi no período que se seguiu à queda de Napoleão (1815 ) que a permanência da paz e
a necessidade de assegurar a gestão conjunta de certos interesses comuns criou as condições
para a constituição das primeiras formas de organização internacional. No período que
decorreu entre o Congresso de Viena (1814/1815) e a Primeira Guerra Mundial (1914) foram
criadas uma série de organizações internacionais. Contudo, a eclosão da Primeira Guerra
Mundial veio alterar o quadro em que a sociedade vivia desde o Congresso de Viena.

1.2 PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL


No período que decorreu entre o Congresso de Viena e a eclosão da Primeira Guerra
Mundial criou-se a convicção de que a paz era suscetível de ser garantida através de um jogo

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

de alianças que mantivesse os necessários equilíbrios de poder, através de alianças militares,


não sendo o desarmamento considerado um pressuposto da não beligerância. Em 1914, com
o assinato do Arquiduque Francisco Fernando da Áustria, deu-se uma série de
acontecimentos que culminaram com a guerra.
O mundo pós-guerra surgiu completamente diferente do mundo de 1914. As ideias do
Presidente Woodrow Wilson sobre a paz representavam uma ruptura com os princípios que
tinham prevalecido até ao momento nas relações entre os Estados europeus. O princípio
segundo o qual a preservação da paz dependia do equilíbrio de poderes entre os Estados
deveria, segundo a doutrina norte-americana, ser substituído por dois pilares essenciais: a
autodeterminação e a segurança coletiva. As situações de ameaça à paz deveriam ser
denunciadas por uma organização internacional, a Sociedade das Nações.
Ao contrário da prática comum das conferências da paz internacional, a Conferência
de Versalhes não foi uma reunião entre vencedores e vencidos, mas antes uma conferência
entre vencedores para definir os termos da paz a impor ao inimigo. Pode-se dizer que a Paz
de Versalhes foi o oposto da Paz de Viena, pois, enquanto no congresso de Viena se
procuraram fixar três pilares para uma paz duradoura, em Versalhes os termos eram
excessivamente onerosos para promoverem a reconciliação, e insuficientemente severos para
garantirem a subjugação.

1.3 SOCIEDADE DAS NAÇÕES


Não se tendo concretizado a paz sem vencedores que Wilson desejava, o presidente
americano depositou a sua esperança na Sociedade das Nações. Todavia o senado norte-
americano não se mostrou preparado para ratificar o tratado, o que constituiu um grande
desequilíbrio no funcionamento da organização uma vez que este país tinha sido o principal
impulsionador.
O fracasso do sistema de segurança coletiva da Sociedade das Nações não demoveu
de recriar uma Organização Internacional Geral que visasse a garantia da paz após a II
Guerra Mundial.

1.4 NAÇÕES UNIDAS


Com as Nações Unidas, pretendeu-se criar uma organização que, pelo consenso das
principais potências vencedoras, assegurasse condições para uma paz efetiva através de,
essencialmente, da prevenção dos conflitos, mas também que dispusesse de meios para
responder eficazmente aos que viessem a eclodir. Pretendia-se também a criação dos
mecanismos indispensáveis para assegurar a reconstrução e o desenvolvimento de
dispositivos de cooperação necessários para assegurar o funcionamento eficaz da sociedade
internacional.
O Sistema das Nações Unidas existe desde 1945 e compreende o conjunto formado
pela própria ONU, pelos seus órgãos subsidiários e organizações especializadas criadas por
iniciativa dos órgãos, assim como outras organizações com que estabelece laços
institucionais, através de acordos de vinculação (art. 63 da CNU).

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

2. CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS


A Carta das Nações Unidas foi aprovada em 26/07/1945, ainda antes de a Segunda
Guerra Mundial acabar, entrou em vigor a 25/10/1945, tendo sido assinada em São
Francisco.
Foi concebida como o repositório dos grandes princípios das relações entre todos os
Estados, tendo primazia sobre quaisquer outras obrigações internacionais (art. 103 da CNU)

2.1 ESTRUTURA
Estrutura da Carta das Nações Unidas:

★ Preâmbulo: Enuncia, de forma solene, as razões que presidiram à constituição da


organização, afirmando as ideais e objetivos comuns dos povos e os meios tendentes
à realização desses objetivos

★ 19 Capítulos: Que subdividem um articulado de 111 artigos

○ Capítulo I: Objetivos e princípios

■ Art 1: Objetivos da ONU


■ Art 2: Princípios e regras de conduta base da ONU

○ Capítulo II: Membros

■ Art 4: Processo de admissão


■ Art 5: Suspensão do exercício de direitos e privilégio do membro
contra o qual for levada a cabo qualquer ação preventiva ou coercitiva
por parte do Conselho de Segurança
■ Art 6: Expulsão de membros por violação dos princípios da Carta

○ Capítulo III:
■ Art 7: Enumera os 6 órgãos constitucionais das Nações Unidas

○ Capítulo IV: Assembleia Geral


■ Art 9: Assembleia Geral e a sua composição
■ Art 10 a 17: Funções e poderes
● Art. 12 - Primado do Conselho de Segurança - impede a
AGONU de efetuar qualquer recomendação acerca de qualquer
situação ou controvérsia que esteja a ser analisada pelo CS
■ Art 18 e 19: Sistema de votação
■ Art 20 a 22: Procedimento

○ Capítulo V: Conselho de Segurança


■ Art 23/1: Composição e membros permanentes
■ Art 24 a 26: Funções e poderes
■ Art 27: Sistema de votação com o recurso ao mecanismo do veto
reservado aos cinco membros permanentes

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

■ Art 28 a 32: Regras de procedimento

○ Capítulo VI: Mecanismos de solução pacífica de conflitos

○ Capítulo VII: Medidas a adotar em caso de ameaça à paz, ruptura da paz e ato
de agressão que o conselho de segurança tem à sua disposição no exercício da
sua competência principal de manutenção da paz e da segurança
■ Art 51: Exclusão à ilicitude do recurso à força armada nas relações
internacionais, pois cada membro mantém o seu direito inerente de
legítima defesa individual e coletiva

○ Capítulo VIII: Acordos regionais


■ Art 52: Têm de ser compatíveis com os objetivos e princípios da
organização

○ Capítulo IX: Sobre a Cooperação Económica Social e Internacional, estipula


os princípios sobre os quais se baseará a ação das Nações Unidas na busca de
condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações amistosas entre
Nações
■ Art 57: Prevê as organizações especializadas criadas por acordos
intergovernamentais e com responsabilidades internacionais

○ Capítulo X: Ocupa-se do Conselho Económico e Social, órgão das Nações


Unidas que, em conjunta da AGONU, tem as principais responsabilidades na
instalação da cooperação
■ Art 61: Composição
■ Art 62 a 66: Funções e Poderes
● Art. 63 - Mecanismo de vinculação através do qual uma
organização interessada se vincula às Nações Unidas
■ Art 67: Sistema de votação
■ Art 68 a 72: Funcionamento do Conselho

○ Capítulo XI: Declaração relativa aos territórios não autónomos (sustenta uma
política anti-colonialista, apoiada no princípio da autodeterminação)

○ Capítulo XII: Regime internacional de tutela


■ Art 76: Finalidades básicas do regime
■ Art 79 a 81: Categorias básicas de território a que pode ser aplicado o
regime ou acordos de tutela
■ Art 82 e 83: Funções da Organização a ser exercidas pelo Conselho de
Segurança, relativamente a estes acordos

○ Capítulo XIII: Conselho de Tutela


■ Art 86: Composição
■ Art 87 e 99: Funções e poderes
■ Art 89: Sistema de votação
■ Art 90 e 91: Regras de procedimento

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

○ Capítulo XIV: Prevê a criação do TIJ, desenvolvido no estatuto anexo à carta


■ Art 92: Principal órgão judicial das Nações Unidas

○ Capítulo XV: Secretariado


■ Art 97: Composição (Secretário geral e pessoal exigido pela
organização)
■ Art 99: Dota o Secretário Geral de poderes políticos

○ Capítulo XVI: Disposições diversas


■ Art 102: Consagra o fim da diplomacia secreta por obrigar ao registo e
publicação pelo secretariado de quaisquer tratados e acordos
internacionais concluídos por qualquer membro das nações unidas
■ Art 103: Garante a primazia do articulado da Carta pois, na
eventualidade de conflito entre as obrigações dos membros,
prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da CNU.
■ Art 104 e 105: Capacidade da Organização e dos seus representantes
usufruírem de direitos, imunidades e privilégios no território de cada
um dos seus membros

○ Capítulo XVII: Disposições transitórias sobre segurança


■ Art 106: Mecanismos possíveis de manutenção da segurança
internacional até à entrada em vigor dos acordos especiais do art. 43

○ Capítulo XVIII: Processo de revisão e de introdução de emendas à carta

○ Capítulo XIX: Mecanismo de ratificação e assinatura da Carta


■ Art 111: Línguas oficiais da Carta

3. MEMBROS
Estados: Só os Estados podem ser membros das Nações Unidas. Vão integrar, através dos
seus representantes diplomáticos, os órgãos deliberativos, participando em acordos relativos
a forças armadas internacionais (art. 43 da CNU), nos acordos que criem instituições
especializadas (art. 57 e 59 da CNU) ou que fixem a constituição ou termo do regime de
tutela (art. 77 e 89 da CNU).

★ Membros Originários (art. 3 da CNU)

★ Membros Admitidos (art. 4/1 da CNU)

★ Observadores: Existem entidades internacionais com o estatuto de “observadores”,


como a Santa Sé e a Autoridade Nacional da Palestina.

Admissão: Compete à Assembleia Geral, precedendo recomendação do Conselho de


Segurança (art. 4/1)

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

Suspensão ou Expulsão: Compete à Assembleia Geral, precedendo recomendação do


Conselho de Segurança (art. 5/6), correspondendo à consequência pela violação dos
princípios constantes na Carta pelos membros.

Direito de Voto: Pode ser privado aos Estados que não cumpram as suas obrigações de
cumprir para as despesas da Organização

4. ÓRGÃOS DAS NAÇÕES UNIDAS

3.1 TIPOS DE ÓRGÃOS


Órgãos Intergovernamentais: Órgãos compostos por Estados

★ Órgãos Intergovernamentais Plenários: Todos os Estados membros têm


assento

★ Órgãos Intergovernamentais Restritos: O número de Estados membros com


assento no órgão é inferior à totalidade de membros.

○ Escolha dos Estados: Pode tanto ocorrer por eleição, geralmente pelo órgão
plenário (ex: Conselho de Segurança), como por critérios objetivos (ex: OIT
em que são escolhidos os Estados mais industrializados)

Órgãos Integrados: Constituídos por pessoas singulares designadas nessa qualidade

★ Classificação: De acordo com a função que levam a cabo - administrativos,


judiciários, militares, judiciais e técnicos

★ Escolha das Pessoas: Pode ocorrer mediante recrutamento, eleição ou nomeação.

3.2 ÓRGÃOS PRINCIPAIS DA ONU


Assembleia Geral: Órgão intergovernamental plenário. Os Estados têm plena igualdade.
Ocupa-se predominantemente da cooperação, limitando-se a sua ação a um plano
puramente político através da aprovação de resoluções sem carácter imperativo, Rege-se
pela Carta das Nações Unidas e pelo seu regimento que ela própria aprova (art. 21 da CNU)

★ Representação: Os Estados podem ser representados por um número máximo de 5


individualidades, mas estas podem se fazer acompanhar por um número ilimitado de
conselheiros
○ Direito ao Voto: Cada Estado tem direito a um voto (art. 18/1 da CNU)

■ Maiorias Necessárias:

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

● ⅔ dos membros presentes e votantes: Para as questões


importantes (art. 18/2 da CNU)
● Simples dos membros presentes e votantes: Para as restantes
questões (art. 18/3 da CNU)

★ Agenda: Geralmente existem vários pontos na ordem de trabalhos, daí a


necessidade de desdobramento em comités mais especializados

○ Discussão de uma Situação a ser avaliada pelo CS: A Assembleia Geral pode
discutir o tema, mas não pode emitir qualquer recomendação, a menos que tal
seja, pelo Conselho de Segurança, solicitado (art. 12/1 da CNU)

★ Reuniões:

○ Sessões ordinárias: Anuais

○ Sessões extraordinárias: Podem ter lugar nos intervalos entre as sessões


ordinárias, mediante convocação pelo Secretário-Geral, a pedido da maioria
dos membros da Organização ou do Conselho de Segurança. Só podem ser
debatidas questões referentes à questão da convocatória

■ Sessões de Emergência: Têm lugar nas 24h seguintes à convocatória

★ Funções:

○ Na ordem interna:
■ Constitucionais (em conjunto com o Conselho de Segurança) - art. 10
e 19 da CNU
■ Administrativas - art. 21 e 22 da CNU
■ Orçamentais - art. 17/1 e 2 e 19 da CNU
■ Financeiras

○ Na ordem internacional: Obriga a Organização no plano do direito


internacional, designadamente na celebração de acordos de tutela, salvo em
zonas estratégicas em que a competência é do Conselho de Segurança - art. 83
da CNU (art. 16 e 86 da CNU) e nos acordos com instituições especializadas
(art. 17/3, 57 e 63 da CNU)

○ Específicas e Exclusivas da AGONU:


■ Apreciação dos relatórios do Conselho de Segurança (art. 15 da CNU)
■ Aprovação do orçamento da organização (art. 17 da CNU)
■ Eleição dos membros não permanentes do CS (art. 23 da CNU)
■ Eleição dos membros do Conselho Económico e Social (art. 61 da
CNU)
■ Aprovar acordos com as organizações especializadas depois de
ajustados pelo CES (art. 63 da CNU)
■ Autorização de pedidos de parecer ao TIJ (art. 96/2 da CNU)

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

■ Definição do regime dos funcionários da Organização (art. 101 da


CNU)
■ Aprovação de emendas à Carta (art. 108 da CNU)

○ Específicas a ser Exercidas em Conjunto com o CS:


■ Admissão de membros (art. 4 da CNU)
■ Suspensão de membros (art. 5 da CNU)
■ Exclusão de membros (art. 6 da CNU)
■ Nomeação do Secretário-Geral (art. 97 da CNU)
■ Decisão sobre as condições de acesso de Estados não membros a
partes ao Tribunal Internacional de Justiça (art. 93/2 da CNU)
■ Nomeação de membros do TIJ (art. 4 do ETIJ)

Conselho de Segurança: Órgão integrado. Assegura às grandes potências um direito de


controlo sobre a evolução da organização, bem como a sua preponderância no domínio da
paz e da segurança internacional (art. 24 da CNU). Órgão político central de decisão. Os
membros da ONU ficam adstritos a aceitar e aplicar as decisões do CS (art. 25 da CNU).

★ Composição (art. 23 da CNU):

○ Membros Permanentes: São 5 (China, França, Rússia, Reino Unido e EUA)

○ Membros Não Permanentes: São 10 que são eleitos pela Assembleia Geral por
maioria qualificada para mandatos de dois anos, estando vedada a reeleição
imediata para um segundo mandato (23/2 da CNU)

■ Critérios de Eleição:
● Os membros têm de contribuir para a paz e segurança
internacional, bem como para os outros fins da Carta
● Deverá estar assegurada uma representação geográfica
equilibrada e equitativa - princípio da unidade do mundo e da
indivisibilidade da paz

★ Reuniões: Tem funcionamento permanente.

○ Convocadas pelo Presidente do Conselho de Segurança: Têm de ter um


intervalo mínimo de 14 dias

○ Convocadas por um membro: O Conselho pode se reunir a qualquer


momento, a requerimento de um dos seus membros, e ainda para discutir
uma questão concreta a pedido de um Estado membro (art. 35/1 da CNU)
para analisar qualquer questão que este considere constituir uma ameaça à
paz e à segurança internacionais (34 da CNU)

○ Convocadas por um não membro: O Conselho pode se reunir para analisar


uma controvérsia em que este seja parte, desde que aceite previamente as
obrigações da solução pacífica previstas na Carta (art. 35/2 da CNU)

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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★ Direito de Veto: Atribuído às grandes potências. Não se aplica a questões de


procedimento30 (art. 27/2 da CNU)

○ Duplo Veto: O veto trata-se, em rigor, de um duplo veto, dado que a


qualificação da questão entre processual não processual é, per se, considerada
não processual e sujeita a veto.

■ Justificação: Enquanto que na Assembleia rege o princípio da


igualdade de todos os Estados, a qualificação de uma questão como
importante ou não depende da maioria, no Conselho prevalece o
princípio aristocrático/da supremacia dos membros permanentes,
pelo que a qualificação de uma questão como processual ou não
processual implica direito de veto

○ Restrição: o Estado que for parte de uma controvérsia deverá abster-se de


votar quando se trate de decisões tomadas nos termos do Capítulo VI e do art.
52/3 da CNU (27/3 CNU)

■ Costume Contra Legem: Apesar de o art. 27/3 resultar


inequivocamente a necessidade do voto afirmativo de todos os
membros permanentes para a aprovação de deliberações sobre
questões substantivas, importantes decisões têm sido tomadas na
ausência, ou com a abstenção de membros permanentes, em especial
quando estamos perante uma situação de restrição do veto.

■ Manutenção do Veto: As emendas à Carta dependem da ratificação de


todos os membros permanentes (art. 108)

★ Primado: O carácter mais genérico das competências da Assembleia não obsta ao


primado do Conselho, assegurado pela preponderância que o art. 12 lhe assegura e
pelo facto de dispor do exclusivo do poder de tomar decisões coercivas.

★ Competências:

○ Supervisão do regime de tutela (art. 82 e 83 da CNU)


○ Regulamentação de armamentos (art. 26 da CNU)
○ Intervenção em situação de crise política ou militar
○ Intervém em todas as competências da Assembleia suscetíveis de influenciar
os equilíbrios políticos da Organização, como a admissão (art. 4 da CNU),
suspensão (art. 5 da CNU) e exclusão de membros (art. 6 da CNU), nomeação
do Secretário-Geral (art. 97 da CNU) e de membros do TIJ (art. 4 do ETIJ)

★ Meios de Ação:

30 tem-se entendido que estas questões como a aprovação de um regime interno, a criação de órgãos
subsidiários, o convite a um Estado para participar num debate e a inscrição de uma questão na ordem do dia

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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○ Favorecer uma regulação pacífica dos diferendos (Cap. VI da CNU)


○ Tomar as medidas necessárias para pôr termo a uma ameaça à paz (Cap. VII
da CNU)
○ Executar um arresto do TIJ

Secretariado: Órgão administrativo integrado. Apesar da Carta falar em secretariado, não


é o secretariado que deve ser considerado órgão da ONU, é sim, o Secretário-Geral

★ Designação (art. 97 da CNU): O Secretário-Geral é designado pela Assembleia


geral, através de uma maioria de ⅔ (art. 18/2 d CNU), sob recomendação do
Conselho de Segurança

★ Funções: Cabe-lhe assegurar todo o apoio administrativo e logístico da ONU

○ Administrativas e Políticas:

■ Administrativas:
● O Secretário-Geral é o mais alto funcionário das Nações
Unidas (art. 97 da CNU)
● Nomeação do pessoal e exercício do poder disciplinar (art. 101
da CNU)
● Organização e regulação do funcionamento de todos os
serviços no quadro orçamental estabelecido pela Assembleia
Geral e das diretivas dos órgãos intergovernamentais
● Direção da atividade dos serviços

■ Políticas:
● REPRESENTATIVAS:
○ Celebração de acordos de sede através dos quais a ONU
estabelece com um Estado a instalação de órgãos ou
organismos no território desse Estado
○ Celebração de acordos com outras organizações, na
sequência das deliberações nesse sentido dos órgãos
intergovernamentais competentes como a AGONU
○ Celebração de outros acordos de natureza funcional -
ex: acordos de passagem de forças pelo território de um
Estado
○ Envio de representantes pessoais
● DIPLOMÁTICAS: Faculdade de chamar a atenção ao Conselho
de Segurança para situações de crise (art. 99 da CNU) e de
inserir pontos na ordem de trabalhos da Assembleia Geral
● OPERACIONAIS: Quer o Conselho de Segurança, quer a
Assembleia Geral podem encarregar o Secretário Geral de
desempenhar missões diplomáticas com um mandato definido
em termos muito vagos, guiando-se pelo próprio
entendimento, daí que o Secretário possa agir sem a
autorização prévia do órgão intergovernamental, considerando

90
Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
Prof. Maria Luísa Duarte

que tal iniciativa se insere no quadro das suas competências, já


que se trata de uma competência administrativa

○ Características das Funções:

■ Heteronomia: Orientada para o exterior, com fins exteriores e


recursos exteriores

■ Atividade de Serviço: Implica o consumo de bens financeiros e a


acumulação de bens materiais e de recursos financeiros para
prosseguir tarefas muito diversas

■ Auto-Adminstração: Assegura, por si própria, os serviços necessários,


sendo a autonomia, em certa medida, contraditória à heteronomia

Tribunal Internacional de Justiça (TIJ): Herdeiro do tribunal permanente de Justiça


Internacional. Integrado na estrutura da organização, o seu estatuto é declarado parte
integrante da Carta (art. 92 da CNU) e sujeito a revisão nos mesmos termos (art. 69 do
ETIJ). Um Estado que não seja membro das Nações Unidas pode tonar-se parte do Estatuto
em condições a determinar pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de
Segurança (art. 93/2 da CNU)

5. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DAS NAÇÕES UNIDAS

4.1 AUTONOMIA
Cada organização tem origem num tratado específico e independente. Nesse sentido,
as agências especializadas gozam de autonomia jurídica, constitucional e financeira e de
imunidades garantidas por convenções internacionais próprias. Estas agências podem,
também, incluir membros que não façam parte da organização, e estes podem se retirar
livremente das agências especializadas sem terem de sair das Nações Unidas.

4.2 COMPLEMENTARIDADE
A complementaridade consiste na reserva, para uma organização ou organismo, de
uma esfera de atividade própria, evitando-se a duplicação e a concorrência das estruturas e
privilegiando-se a especialidade como meio de promover a economia. Todavia, a busca da
não sobreposição de fins não obsta a que o mesmo problema seja objeto de análise por mais
do que uma instituição em perspetivas diferentes.
Ao carácter geral da ONU contrapõem-se as finalidades específicas das agências
especializadas. A articulação entre as agências especializadas e a ONU está prevista nos
artigos 55, 57 e 63 da Carta. O art. 55 prevê as ações que a ONU deverá promover no âmbito
da cooperação económica e social, o 57 a criação de organizações especializadas por
iniciativa da ONU e o 63 o exercício das competências que cabem à ECOSOC e à AGONU na
celebração de acordos de vinculação e na coordenação das organizações ao Sistema.

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4.3 COORDENAÇÃO
Existe um regime de representação mútua em que é reconhecido à ONU o papel de
coordenador, todavia, não existem instrumentos jurídicos que façam prevalecer a sua
vontade. Nesse sentido, celebrado o acordo entre um agência e a ONU, esta reconhece a
competência especializada da agência em determinada área, e a agência constitui-se na
obrigação de prestar à ONU a assistência que esta solicitar no domínio específico dessa área,
assegurando-se, para ambas as partes, a possibilidade de representação recíproca entre os
órgãos respectivos.

(O Direito Internacional e o uso da Força no


século XXI – MLD)

O DIREITO INTERNACIONAL E
CIBERTERRORISMO (ALEXANDRE
GUERREIRO)
1. INTRODUÇÃO E CONCEPTUALIZAÇÃO AO
TERRORISMO
O terrorismo constitui uma ameaça à existência dos Estados. À partida existe logo um
desafio que o terrorismo impõe às diferentes sociedades do séc. XXI que se prende com a
elasticidade terminológica que os Estados pretendem atribuir a este conceito que tem sido
alvo de uma multiplicidade de definições. A opção dos Estados pela definição individual do
significado pelo conceito de terrorismo tem como corolário a ausência de uma estratégia
comum capaz de combater eficazmente o terrorismo.

2. ENQUADRAMENTO DO TERRORISMO NO DIREITO


INTERNACIONAL
As estratégias dos Estados têm assentado em dois vetores: a prevenção, inspirada na
máxima camoniana "adivinhar perigos e evitá-los”, e a reação, enquanto forma de punir e
reduzir a manifestação da ameaça no futuro.
Apesar da já referida ambiguidade em torno do significado de terrorismo, isso não
significa que o fenómeno seja ignorado pelo direito internacional, este tem procurado
colmatar as vulneralibidades de uma abordagem fragmentada ao fenómeno com a adoção de
instrumentos e a tomada de posições direcionadas a regular condutas proibidas em
contextos concretos.
Assim, desde 1963, foram adoptados 19 instrumentos, entre convenções e protocolos,
que incidem sobre aspectos da atividade terrorista passíveis de sancionamento internacional.
As áreas de incidência são relativamente variáveis, repartindo-se por domínios como a
aviação, proteção de pessaos gozando de proteção internacional,a tomada de reféns, o uso
de material nuclear, o finaciamento do terrorismo e o terrorismo nuclear.

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3. GUERRA JUSTA NO COMBATE AO TERRORISMO


Num quadro em que o direito internacional tende a não reconhecer os Estados como
agentes terroristas, é importante salientar que lhes reconhece capacidade para conduzir atos
(ilícitos) de terror em situações excepcionais. Já o terrorismo é prosseguido por atores não
estatais contra interesses dos Estados, à margem dos conflitos armados, ameaçando a paz e a
segurança internacionais.
Neste contexto, cabe a cada Estado desencadear as ações necessárias para combater e
evitar a propagação de atividades terroristas a partir do seu território, no domínio do
primado da soberania dos Estados para atuarem no território sob a sua jurisdição, sob pena
de concorrer para um quadro de ameaça generalizável.
Deste modo, uma intervenção militarizada de um Estado no território de um outro
com o objetivo de combater agentes terroristas poderá ocorrer, em respeito pelo direito
internacional, em quatro situações:

★ No âmbito do Capítulo VI da Carta das Nações Unidas: O Conselho de


Segurança pode autorizar uma intervenção num terceiro Estado se
determinar a “existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz, ou ato de
agressão”

★ No contexto de uma intervenção humanitária: Obedece a um conjunto de


formalidades que implicam o envolvimento do Conselho de Segurança na
concessão e nos termos da autorização com vista a este fim

★ Em sede da intervenção por convite: O poder político de um Estado solicita a


intervenção de um ou mais Estados para combater uma ameaça ilícita no seu
território

★ No exercício da legítima defesa: Ao abrigo do art. 51 da CNU. Esta é a hipótese


mais complexa e que tem constituído uma das bases do fundamento jurídico
de atores estatais como os EUA para conduzirem ações extraterritoriais contra
agentes qualificados como terroristas.

4. AS ESPECIFICIDADES DA CIBERGUERRA E DO
CIBERTERRORISMO
A emergência de ameaças associadas à ciberatividade é diretamente influenciada pela
tentativa desencadeada por agentes da ameaça com vista à exploração das vulnerabilidades
geradas pela evolução de plataformas digitais com limites ainda desconhecidos, não sendo
ainda o meio da ciberatividade assistido da regulação e proteção devidas.
Consequentemente, os Estados deparam-se com um novo desafio às suas
capacidades, podendo ser obrigados a responder a ataques em contexto de ciberespaço, o
que poderá degenerar numa situação de ciberguerra, ora como frente paralela a uma guerra
já travada no plano físico, ora como palco exclusivo de hostilidades,
Não obstante, a ausência de instrumentos concretos que regulam a definição e
condução de ciberguerra, à luz do entendimento do TIJ, os “princípios e regras de direito

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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humanitário estabelecidos aplicáveis aos conflitos armados (...) aplicam-se a todas as formas
de guerra e a todos os tipo de armas, as do passado, as do presente e as do futuro”.
É, assim, possível constatar que a ciberguerra não se desenvolve num quadro de
anarquia absoluta e defini-la como tratando-se da guerra conduzida no ciberespaço, entre
Estados ou entre Estados e agentes não estatais representantes dos Estados, através de
cibermeios e cibermétodos destinados ou aptos a causar danos físicos e materiais a pessoas,
bens e estruturas sensíveis, fenómenos que corresponde a um ataque ao qual são aplicáveis
os princípios e regras de direito humanitário.

5. CONCLUSÕES
Se, por um lado, “os membros (da ONU) deverão abster-se nas suas relações
internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força”(art. 2/4 da CNU) contra outro
membro, poderá assistir aos Estados o direito à legítima defesa quando forem alvos de
ataques armados. O alcance de “ataque armado” incorpora atos terroristas, desde que os
meios e o método escolhidos sejam suficientemente aptos a produzir danos contra vidas
humanas e contra patrimônio e se o autor desses ataques, mesmo não tendo natureza estatal,
seja controlado, patrocinado ou reconhecido pelo Estado a partir do qual é preparado o
ataque.
Fora deste quadro, o terrorismo não constitui um tipo de crime tão especial ao ponto
de ter corresondência no jus ad bellum e beneficiar de um regime semelhante ao da
legítimida defesa, privilegiando-se, antes, os mesmos mecanismos aplicáveis a ilícitos de
natureza puramente criminal que favoreçam o respeito pelo princípio da iguldade de
soberanias e pela cooperação judiciária internacional

O DIREITO INTERNACIONAL: TÓPICOS DE


MUDANÇA (ANA RITA GIL)
1. INTRODUÇÃO
O conjunto normativo formado pela Convenção de Genebra e pelo Protocolo de Nova
Iorque constitui o instrumento central do Direito Internacional dos Refugiados. Não
obstante, outros instrumentos têm surgido que vêm contribuir para enriquecer este ramo do
direito.
A vida real tem vindo a demonstrar à doutrina e jurisprudência que existem mais
situações que reclamam também uma necessidade de proteção internacional, uma vez que a
proteção internacional dos refugiados é, ainda hoje, uma proteção imperfeita

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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2. SISTEMA DA CONVENÇÃO DE GENEBRA

2.1 ANTECEDENTES
Até à Convenção de Genebra, havia já, pois, vários arranjos destinados a proteger grupos
específicos de pessoas, mas foi no pós IIª Guerra Mundial que se vieram a dar os passos
definitivos para se lançar as bases de um verdadeiro “Direito Internacional dos Refugiados”.

Em 1951 surge, então, a Convenção de Genebra sobre o estatuto de refugiado. Ela não
consagra um direito de asilo proprio sensu, mas é ainda, até hoje, considerada o instrumento
central em direito internacional dos refugiados, por ser aquele que define quem pode ser
considerado refugiado, através de uma formulação genérica e universal, independentemente
da pertença a um grupo pré-determinado, e por garantir um estatuto jurídico a essas
pessoas. Ela consagrou, ainda, a pedra basilar do sistema de proteção de refugiados: a
proibição de refoulement.

2.2 O CONCEITO DE REFUGIADO


Refugiados serão todas as pessoas que, receando, com razão, ser perseguidas em virtude da
sua raça, religião, nacionalidade ou das suas opiniões políticas, se encontrem fora do país de
que têm nacionalidade e não possam, ou em virtude do dito receio, não queiram, pedir a
proteção daquele país (art. 1º da Convenção). Decorrem, então, três elementos:

★ A pessoa em causa está fora do seu país


★ Tem receio de ser perseguida
★ A perseguição decorre de um dos motivos enumerados

2.2.1 PERSEGUIÇÃO
A perseguição corresponderá a uma privação intencional, grave e discriminatória de direitos
fundamentais. No que respeita à privação intencional, visa-se afastar a violação de direitos
humanos motivada por circunstâncias fortuitas ou naturais (como desastres naturais). No
entanto, não se exige que exista uma perseguição individualmente dirigida a certa pessoa em
específico, sendo também relevantes os atos que se dirijam a um conjunto de pessoas
identificado como pertencente a um grupo pré-definido.

A privação deve ser grave, ou por atingir aqueles direitos intrinsecamente ligados à
dignidade humana, ou por consubstanciar uma medida de natureza de tal forma reprovável
ou desproporcional que choca com as convicções do Estado de acolhimento. Não tem,
também, de ser sistemática, podendo consistir num só ato.

A perseguição pressupõe necessariamente dois ou três elementos: a vítima e o agente


perseguidor. O agente perseguidor é normalmente o Estado, mas o direito internacional
evoluiu no sentido de estender a proteção a situações em que as medidas atentatórias dos
direitos humanos provêm de agentes privados. Neste caso há, porém, que demonstrar que o
Estado de origem não oferece a necessária proteção, ou porque não quer, ou porque não
pode. No caso do agente ser um ator não estatal, ainda assim, o Estado será um elemento da
relação de perseguição por não desempenhar as funções protetoras que lhe incumbiam, dado

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Luísa Braz Teixeira TB; 2021/2022
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que a necessidade de proteção de refugiados decorre sempre da ideia de que o Estado falhou
o seu dever básico de proteção da própria população.

Por último, a privação grave dos direitos fundamentais terá de ser discriminatória, o que leva
à conclusão de que os os chamados “refugiados de guerra” não são, ao fim ao cabo,
“refugiados” para os efeitos da Convenção de Genebra.

2.2.2 RECEIO DE PERSEGUIÇÃO


O refugiado tem de demonstrar existirem motivos fundados para possuir um receio de
perseguição, que deve ser interpretado de forma objetiva (respeitado a motivos suficientes
para se considerar plausível uma perseguição), e deve ser reportado à atualidade.

2.2.3 MOTIVOS DA PERSEGUIÇÃO


O conceito de refugiado encontra-se adstrito à necessidade de que a perseguição se faça em
função de determinados motivos, os quais são taxativamente enumerados: a raça, a religião,
a nacionalidade, filiação em certo grupo social, ou das opiniões políticas do perseguido.

Fala-se, nesse sentido, de motivos individuais e motivos de grupo. Os primeiros relacionam-


se com as qualidades intrínsecas ou com atividades de determinada pessoa em concreto, os
segundos, baseiam-se em motivos de grupo em que a simples pertença da pessoa ao grupo
visado pelo agente perseguidor, independentemente da sua atividade específica, é motivo de
perseguição.

Tem se considerado que, para que uma pessoa pertença a um “grupo social determinado”, a
mesma tem de possuir uma característica pessoal distintiva, não temporária, ou terá de fazer
parte de um conjunto de pessoas em relação às quais exista uma percepção social de
partilharem uma determinada característica diferenciadora. Não é necessário que,
efetivamente, a pessoa perseguida tenha a característica em causa, bastando que a mesma
lhe seja atribuída pelos agentes perseguidores.

Uma das questões que neste contexto se colocava era a de saber se haveria necessidade de
proteção internacional caso os requerentes de asilo pudessem esconder as suas
características no país de origem e, assim, evitar perseguição. Hoje em dia, esta questão já
não se coloca, dado que implicaria a necessidade de esconder permanentemente algo que
pertence à identidade individual, numa autocontenção opressiva.

2.3 MOTIVOS DE EXCLUSÃO


O estatuto de refugiado não pode ser concedido contra quem tenha cometido um crime
contra a paz, de guerra, contra a Humanidade ou grave de direito comum fora do país que
deu guarida, ou, então, que tenha praticado atos contrários aos objetivos e princípios das
Nações Unidas (art. 1º/f da Convenção).

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2.4 O PRINCÍPIO DO NON REFOULEMENT


O princípio de non refoulement …

(POWERPOINT)

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS – HELOÍSA


OLIVEIRA
Falamos sobre as alterações climáticas no DIP pois o problema climático é uma situação
necessariamente internacional (art. 2/7 CNU), devendo ser uma preocupação da
humanidade.

As alterações climáticas geram um conflito entre a proteção ambiental e a soberania e


territorialidade. Definindo o ambiente como bem jurídico público, este é insuscetível de
apropriação individual, por sua vez, sendo a territorialidade um poder de determinação
jurídica de pessoas e situações nos limites do seu território, como cada Estado define a
utilização dos seus recursos, então vai ter controlo sobre as emissões para o meio natural.
Outro problema associado é a poluição transfronteiriça que causa danos nos territórios de
outros Estados, pois apesar da existência de uma norma costumeira que proíbe danos
ambientais transfronteiriços, estes são estruturalmente difusos, à distância e no tempo.

Os atores não-estaduais participam, através das ONGs, na criação, implementação e


monitorização do cumprimento do direito internacional, funcionando estas empresas e
comunidades epistêmicas como uma administração pública internacional ambiental. Vão
monitorizar o cumprimento de obrigações convencionais, podendo até assumir
compromissos novos, como o Protocolo de Montreal, e desenvolver standards e critérios de
avaliação do cumprimento, aplicando regras próprias de direito administrativo.

No âmbito do direito ambiental vai se observar a um esbatimento das fronteiras entre a hard
law e a soft law, através do recurso a tratados-quadro (que apenas anunciam um regime
geral que estabelece objetivos gerais e fixa competências para os realizar), à
procedimentalização (que presume a cooperação, avaliação, informação e análise-custo
benefício), a princípios de direito do ambiente (que desempenham um papel crucial de
precaução, avaliação de impacto climático e de desenvolvimento sustentável) e na definição
de responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Todavia, torna-se difícil fundamentar a sua
natureza jurídica. As inúmeras declarações políticas, pactos e compromissos, criam, através
de tratados-quadro, então, objetivos genéricos, sem compromissos substantivos específicos,
que são desenvolvidos mediante conferências entre as partes, protocolos e outros modos de
soft law,

Foi, primeiro, a United Nations Framework Convention on Climate Change (1992 – 1994)
definiu alterações climáticas e efeitos adversos, princípios da solidariedade intergeracional,
responsabilidades comuns mas diferenciadas, dando ênfase à necessidade de precaução,

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desenvolvimento sustentável e cooperação, através do recurso a mecanismos de informação,


aprovação de programas nacionais de mitigação e de adaptação, promoção de cooperação e
transferência de tecnologias, práticas, processos, conhecimento, e gestão integrada, com
comunicação de políticas com objetivo de diminuir as emissões poluentes, criando um dever
dos países desenvolvidos de financiamento.

Atualmente, através dos protocolos de Quioto e de Paris, foram especificados objetivos, como
o de manter o aumento da temperatura abaixo de 2oºC, idealmente 1,5º, e, também deveres,
como o de preparar e comunicar sucessivamente e o de progressividade, pedindo que os
Países Desenvolvidos assumam a liderança na redução das emissões e no apoio aos países
menos desenvolvidos.

Esta disciplina está intimamente ligada aos direitos humanos, uma vez que o direito ao
ambiente é reconhecido como um direito humano. Nesse sentido, ao mesmo tempo que vão
existir deveres ambientais, também vamos observar a presença de refugiados climáticos.
Este reconhecimento advém da, há muito declarada, ligação entre problemas ambientais e
direitos humanos, tendo, até, sido já entendida no Comité de Direitos Humanos, no de
Direitos Económicos, Sociais e Culturais, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e na
Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Assim, os deveres ambientais dos Estados prendem-se com deveres de respeito, proteção,
adaptação e promoção de direitos humanos, limitando o seu uso aos recursos disponíveis, o
que corre de um dever de redução e captura de emissões.

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