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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021

Luísa Braz Teixeira

RESUMOS INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO II


ÍNDICE:

(INTRODUÇÃO AO DIREITO, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA) 3


TÍTULO IV - REGRAS E SISTEMA JURÍDICO 3
13§ CONSTRUÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO 3
CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA 3
COMPONENTES DO SISTEMA 4
AUTONOMIA DO SISTEMA 6
FUNCIONAMENTO DO SISTEMA 7
14§ SITUAÇÕES SUBJETIVAS 9
ENUNCIADO DAS FONTES 9
LÓGICA DA AÇÃO 11

TÍTULO V - APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO 13


15§ DIREITO TRANSITÓRIO FORMAL 13
ENQUADRAMENTO GERAL 13
DIREITO TRANSITÓRIO 14
CRITÉRIOS SUBSIDIÁRIOS GERAIS 15
CRITÉRIO SUPLETIVO ESPECIAL 18

(INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR, JOSÉ


BAPTISTA MACHADO) 19
SECÇÃO I - APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO 19
1§ INTRODUÇÃO 19
2§ TEORIA DA NÃO RETROATIVIDADE DA LEI E SUAS APLICAÇÕES 21

(INTRODUÇÃO AO DIREITO, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA) 24


TÍTULO I - INFERÊNCIA DA REGRA JURÍDICA 24
16§ LINGUAGEM E DIREITO 24
GENERALIDADES 24
DUALIDADE DA LINGUAGEM 25

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REDUÇÃO TIPOLÓGICA 26
DIVISIO E PARTITIO 27
17§ HERMENÊUTICA E DIREITO 28
HERMENÊUTICA NORMATIVA 28
HERMENÊUTICA JURÍDICA 29
18§ INTERPRETAÇÃO DA LEI 32
GENERALIDADES 32
FINALIDADE DA INTERPRETAÇÃO 32
ELEMENTOS DA INTERPRETAÇÃO 34
SIGNIFICADO LITERAL 36
ELEMENTO HISTÓRICO 38
ELEMENTO SISTEMÁTICO 39
ELEMENTO TELEOLÓGICO 41
CONJUGAÇÃO DOS ELEMENTOS 42
19§ RESULTADOS DA INTERPRETAÇÃO 43
GENERALIDADES 43
INTERPRETAÇÃO DECLARATIVA 43
INTERPRETAÇÃO RECONSTRUTIVA 43
DESCONSIDERAÇÃO DA REGRA 45
20§ DETECÇÃO DE LACUNAS 46
DETERMINAÇÃO DA LACUNA 46
CLASSIFICAÇÕES DAS LACUNAS 48
21§ INTEGRAÇÃO DE LACUNAS 49
ENQUADRAMENTO GERAL 49
ANALOGIA JURÍDICA 50
REGRA HIPOTÉTICA 52

TÍTULO II - SOLUÇÃO DE CASOS CONCRETOS 53


22§ CRITÉRIOS DE SOLUÇÃO 53
GENERALIDADES 53
CRITÉRIOS NÃO NORMATIVOS 54
CRITÉRIOS NORMATIVOS 54
23§ TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 56
FUNÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO 56
TEORIA PROCESSUAL 56
DISSENSO RACIONAL E IRRACIONAL 58
24§ ANÁLISE DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 60
ELEMENTOS DA ARGUMENTAÇÃO 60
MATÉRIA DE DIREITO 61
MATÉRIA DE FACTO 62
25§ CONSTRUÇÃO DA DECISÃO 63
GENERALIDADES 63
CORREÇÃO EXTERNA 64
COERÊNCIA INTERNA 67
ACEITABILIDADE DA DECISÃO 68

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(INTRODUÇÃO AO DIREITO, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA)

PARTE I - ELEMENTOS DE TEORIA DO DIREITO


TÍTULO IV - REGRAS E SISTEMA JURÍDICO

13§ CONSTRUÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO

I. CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA
Sistema: Conjunto de elementos que constituem um todo organizado e
consistente que se mantém idêntico num meio ambiente complexo, mutável e
não totalmente dominável. Redução da complexidade.

★ Ideias básicas inerentes ao conceito de sistema: O sistema comporta


um conjunto de elementos, diferencia-se do meio ambiente e de restantes
sistemas através de critérios e têm consistência.

Sistema Jurídico: Apresentando consistência, é constituído por princípios e


regras jurídicas (elementos), diferenciando-se dos restantes sistemas por ter um
critério de validade aplicável a esses princípios e regras.

Pertença vs. Aplicabilidade: O conjunto dos princípios e regras aplicáveis num


sistema é maior do que o conjunto dos princípios e das regras vigentes no
mesmo sistema, fazendo com que as regras que definem a aplicabilidade da lei
em função de critérios temporais (art. 12 e 13 do CC) e espaciais (art. 14 e 65
do CC) não determinem a sua pertença ao sistema, já que regras aplicáveis a
uma caso num dado momento não têm de estar vigentes (já foram revogadas)
nem pertencer ao sistema (fazer parte de um sistema estrangeiro).

★ Exemplo: A validade de um contrato é apreciada tendo em conta a lei


vigente no momento da celebração, mesmo que já não esteja em vigor.

Importância do Sistema: O Direito só pode ser compreendido e aplicado


considerando o próprio sistema jurídico - a sua “unidade” (art. 9/1 do CC) e
“espírito” (art. 10/3).

Paradoxo: O sistema jurídico é composto por princípios e regras, mas, para que
eles sejam jurídicos, é necessário que já exista um sistema.

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★ Visão Evolutiva para resolver o Paradoxo: Os sistemas jurídicos têm


de ser criados e podem deixar de existir, pelo que para que se forme o
sistema jurídico, tem de haver uma regra de produção do sistema, que o
cria e a que pertencem todos os seus elementos - função que tende a ser
desempenhada pela Constituição. Contudo, geralmente os sistemas
jurídicos são fenómenos de receção de anteriores sistemas.

II. COMPONENTES DO SISTEMA


Modalidades dos Princípios Jurídicos:

★ Princípios Programáticos: Têm uma função orientadora, definindo os


fins e os objetivos que devem ser alcançados pelo sistema jurídico. Assim,
obrigam todas as medidas que favoreçam essa finalidade e proíbem as
que constituam um óbice - ex: art. 1 da CRP

★ Princípios Formais: Destinam-se a otimizar a efetividade do Direito na


sociedade, construindo uma ordem jurídica orientada pela justiça
(equidade), confiança (transmita previsibilidade) e eficiência (resultados
máximos para recursos mínimos). São constitutivos e regulativos pois o
Direito não pode ser constituído sem eles e vão regular e fornecer critérios
à resolução de casos concretos.

★ Princípios Materiais: Concretização dos princípios formais, apresentando


apenas funções regulativas.

○ Princípio da Justiça: Concretiza-se nos princípios da igualdade (igual


para o que é igual, desigual para o que é desigual) e da
proporcionalidade (meios adequados para os fins).

○ Princípio da Confiança: Concretiza-se no princípio de que a


alteração da lei se tem de justificar por razões objetivas, de que a
ignorância da lei não justifica a sua violação (art. 6 do CC) ou no da
não retroatividade da lei nova (art. 12/1 do CC)

○ Princípio da Eficiência: Concretiza-se nos princípios da alocação dos


meios necessários e suficientes para alcançar os objetivos
determinados.

Critério de Optimização dos Princípios Jurídicos: O máximo possível que


seja compatível com os restantes princípios.

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★ Princípios Materiais Absolutos: Não admitem exceções por outros


princípios - ex: princípio nulla poene sine lege (art. 26/1 da CRP)

★ Princípios Materiais Relativos: Admitem exceções por outros princípios


formais - ex: princípio da autonomia privada (art. 405/1 do CC) admite
exceções com base no princípio da justiça ou da confiança.

Príncipios vs. Regras Jurídicas:

★ Critério Comum: Os princípios têm “peso” e “importância”, podendo ser


aplicados em maior ou menor medida, assim, em caso de conflito,
prevalece o com mais peso ou importância. Já as regras surgem numa
ideia de “tudo ou nada”, ou são totalmente aplicadas ou não são
aplicadas, em caso de conflito, uma das regras será inválida.

○ Crítica ao “tudo ou nada”: Também os princípios podem estar


sujeitos a esta ideia pois, em alguns casos de conflito têm de ser
totalmente afastados.

○ Crítica à invalidade das regra: Quando as regras entram em


conflito, é possível conciliá-las sem tornar uma delas inválidas,
aplicando uma estrutura de regra especial/excecional - ex:
contratos de compra e venda não exigem escritura pública excepto
os que incidem em bens imóveis

★ Critério Axiológico - Preconizado pelo MTS:

○ Princípios: Referem-se a valores estruturais do ordenamento


jurídico destinados a otimizar a efetividade do Direito na sociedade
segundo critérios de justiça, confiança e eficiência. São
estruturantes e valorativos, determinando a produção e validade de
regras jurídicas. Preenchem melhor a sua função quando o seu
enunciado é “aberto”.
■ PRINCÍPIO “ABERTO”: As restrições aos direitos, liberdades e
garantias têm de ser proporcionais à necessidade (art. 18/2
da CRP).
■ PRINCÍPIO “FECHADO”: Proibição da pena de morte (art.
24/2 da CRP).

○ Regras Jurídicas: Valorativamente neutras por serem a


concretização dos princípios, sendo, por isso, instrumentais.

★ Conflitos entre princípios e regras: Os princípios têm a hierarquia


normativa das regras que os consagram, assim, vai ser o grau hierárquico
atribuído pelo legislador ao princípio que vai revelar a hierarquia.

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Elementos Inferidos:

★ Elementos Implícitos: O sistema jurídico comporta princípios que não se


encontram explicitamente consagrados, geralmente devido ao seu grau de
abstração, pelo que, muitas vezes, estes têm de ser inferidos de
concretizações parcelares em regras jurídicas. Assim, a concretização
legal de um princípios vai se estender a todas as demais possíveis
concretizações do mesmo princípio.

★ Elementos Derivados: Princípios e regras inferidos a partir de elementos


já consagrados por razões puramente lógicas - ex: da regra que obriga o
vendedor a entregar a coisa vendida, deduz-se a regra que concede o
direito ao comprador de a receber.

III. AUTONOMIA DO SISTEMA


Pressupostos: Para um dado sistema jurídico ser autónomo tem de apresentar
princípios e regras cuja validade seja aferida por si próprio

Norma Fundamental de Hans Kelsen: Toda a regra jurídica retira a sua


validade de uma outra regra jurídica de hierarquia superior. A regra de hierarquia
máxima num sistema jurídico (como a Constituição) retira a sua validade de
uma norma pressuposta e não escrita, a norma fundamental, que não integra o
próprio sistema jurídico, sendo uma pressuposição lógica-transcendental que se
não questiona.

Regra de Reconhecimento de Hart: No ordenamento jurídico existem regras


primárias, que impõe deveres de ação ou omissão, e secundárias, que,
conferindo poderes a pessoas ou instituições, permitem criar novas regras
primárias, determinar a sua incidência ou fiscalizar a sua aplicação. Já a regra de
reconhecimento vai ser uma regra secundária que reflete a aceitação social das
regras do sistema, reconhecendo só como direito o que já é assim aceite.

Construção da Autonomia:

★ Regra de Seleção: A autonomia de um sistema normativo perante outros


implica o funcionamento de uma regra de seleção que define o que lhe
pertence - “o direito é o que o direito define como direito”.

○ Costume: O costume, enquanto regra consuetudinária, para ser


válido como fonte de direito, implicaria a existência de uma regra
que consagrasse que as regras de origem consuetudinárias são
válidas dentro do sistema jurídico.

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★ Função da Regra: Para além de identificar o que pertence ao sistema


normativo, não impedindo que a mesma regra seja selecionada para
diferentes sistemas, a regra de seleção vai assegurar a identidade do
sistema jurídico, pois este varia no seu conteúdo, mas permanece idêntico
já que a dinâmica do sistema é compatível com a sua identidade, logo o
sistema só se vai alterar quando a própria regra de seleção mudar, sendo
substituída por uma nova - passam a ser consideradas coisas válidas que
antes não podiam ser.

★ Explicitação da Regra: Resta perceber se a regra de seleção se encontra


positivada no direito português. O art. 203 da CRP consagra que os
tribunais estão apenas sujeito à lei, excluindo, de forma implícita, regras
de outras ordens normativas para fundamento de decisões judiciais, o que
determina o que vale como direito em Portugal.

Limites da Autonomia: Entre os sistemas jurídicos podem existir relações de


subordinação, fazendo com que as fontes que são válidas no sistema
subordinante também o sejam no subordinado e que as fontes produzidas no
sistema subordinado só sejam válidas quando aceites pelo subordinante.
Portugal não tem um sistema jurídico autónomo por aceitar como subordinantes
disposições do direito europeu originário e derivado.

IV. FUNCIONAMENTO DO SISTEMA


Construção do Sistema: Os sistema sociais são sistemas autopoiéticos por se
construírem a si próprios, sendo auto-referenciais, como consequência do papel
da regra de seleção. Contudo, sistemas subordinados, além de não autónomos,
não são autopoiéticos, já que o carácter circular de ser direito aquilo que o
próprio direito valida enquanto direito é quebrado pela introdução de um sistema
subordinante que controla a validade das regras do sistema subordinado.

Consistência do Sistema:

★ Princípio da Consistência: O sistema jurídico é constituído a partir de


certos princípios formais, não podendo comportar elementos
inconsistentes (ou incompatíveis) entre si ou que se não baseiem em
outros elementos do sistema.

★ Tipos de Consistência: Pode se reportar ao conteúdo ou à origem, esta


última falta quando um elemento do sistema for incompatível com a sua
fonte de produção e, por isso, inválido.

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★ Conflito Normativo: Um mesmo caso é subsumível a duas regras que


geram consequências incompatíveis, originando um dilema sobre qual o
comportamento a seguir. Só existe um verdadeiro conflito quando é
impossível revogar, invalidar ou transformar uma das regras conflitantes,
ou seja, decidir por critérios de lei especial-geral, de tempo ou hierarquia.

○ Incompatibilidades jurídicas de Ross:


■ INCOMPATIBILIDADE ABSOLUTA: Nenhuma regra é aplicável,
em nenhuma instância, sem conflituar com uma outra - ex:
R1 impõe a conduta que R2 proíbe.
■ INCOMPATIBILIDADE TOTAL-PARCIAL: Uma das regras não
pode ser aplicada em nenhuma circunstância, mas a outra
apresenta um campo adicional de aplicação que não conflita
com a primeira - lei geral e lei excepcional/especial
■ INCOMPATIBILIDADE PARCIAL-PARCIAL: Uma das regras tem
um campo de aplicação que não conflitua com o da outra,
mas também tem um campo adicional que é conflituante.

★ Resolução do Conflito: Não sendo possível resolver o conflito através da


revogação ou da invalidade de uma das regras conflitantes, é necessário
ponderar os interesses, aplicando a regra que forneça a resolução que
melhor os proteja. Não é possível revogar ambas as regras sem que surja
uma lacuna que iria ser integrada pelo intérprete provavelmente na linha
de uma das regras revogadas, o que iria reintroduzir no sistema uma
regra eliminada.

Abertura do Sistema:

★ Necessidade de Abertura: O sistema jurídico, apesar de autopoiético, é


um sistema aberto por comunicar com outros sistemas normativos, não
existindo nada que o impeça de utilizar tanto conceitos próprios como de
outros sistemas nas próprias operações - ex: utilização dos conceitos de
bons costumes e da boa fé (ordem moral) na ordem jurídica.

★ Flexibilidade do Sistema: Surge com a sua abertura e torna mais


flexível o sistema na solução de casos concretos.

14§ SITUAÇÕES SUBJETIVAS

I. ENUNCIADO DAS FONTES


Conduta: A regra jurídica tem como objeto uma conduta

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★ Dever: O operador deôntico é um comando ou uma proibição. Pode ser


um dever de omissão ou de omissão - ex: “é obrigatório saltar” existe um
dever de saltar.

★ Direito: O operador deôntico é uma permissão - “é permitido saltar”,


existe um direito de saltar.

★ Esquema de Hohfeld sobre condutas:

Direito ↔ Não-direito ↔ (oposição)

↕ 乂 ↕ ↕
(correlatividade)

Dever ↔ Privilégio 乂 (contradição)

○ O direito é correlativo (dependente) ao dever, ou seja, só existe um


direito porque alguém tem um dever de cumprir outra prestação -
ex: se eu tenho o direito de estacionar o carro na rua, é porque o
Estado cumpre o dever de me fornecer o lugar de estacionamento.

○ O privilégio é correlativo (dependente) ao não-direito, ou seja, só


existe um privilégio quando alguém dispõe de um direito que outro
não dispõe - ex: se eu tenho o privilégio de um lugar privado no
parque de estacionamento, então é porque mais ninguém tem
direito de estacionar nesse lugar.

○ O privilégio é contraditório ao direito, ou seja, se alguém tem um


determinado privilégio perante um aspecto, é porque os outros não
têm esse direito.

○ O não-direito é contraditório ao dever, ou seja, se alguém não tiver


um dado direito, então não vai existir um dever para o sustentar.

Poder: A regra jurídica tem por objeto um poder.

★ Sujeição/Incompetência: O operador deôntico é uma proibição - ex:


art. 877/1 do CC que proíbe pais e avós vender bens a filhos e neto, salvo
consentimento dos outros filhos nessa venda.

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★ Faculdade/Competência: O operador deôntico é uma permissão, surge


muito associado a direitos potestativos1 - ex: art. 1403º e ss. CC que
concede direito de preferência do comproprietário.

★ Esquema de Hohfeld sobre condutas:

Faculdade ↔ Não-faculdade2 ↔ (oposição)

↕ 乂 ↕ ↕
(correlatividade)

Sujeição ↔ Imunidade 乂 (contradição)

○ A faculdade é correlativa da sujeição, ou seja, a faculdade de


exercer um dado ato vai se refletir em consequências a que outro
ficará sujeito - ex: se eu arguir a anulabilidade de um negócio,
aquele com quem eu o tinha celebrado fica sujeito à anulação do
nosso negócio.

○ A imunidade é correlativa da não-faculdade, ou seja, se alguém não


tem nenhuma faculdade sobre um dado sujeito, então é porque ele
lhe é imune - ex: se eu não poder arguir a anulabilidade do
negócio, aquele com quem eu o celebrei é imune a essa anulação.

○ A imunidade é contraditória com a faculdade, ou seja, se alguém é


imune a um dado sujeito este não tem qualquer faculdade para com
ele.

○ A não-faculdade é contraditória da sujeição, ou seja, se alguém não


tem nenhuma faculdade sobre um dado indivíduo, então esse
indivíduo não está sujeito a nada dessa pessoa.

Situações Relativas e Absolutas:

★ Direitos relativos: Direitos correlativos a deveres - ex: o direito do


credor a receber a prestação está dependente do dever do devedor de a
pagar

★ Direitos absolutos: Direitos que implicam deveres - ex: O proprietário


tem o direito de cultivar o seu terreno, todos os demais estão proibidos de
cultivar no terreno dele (têm o dever de não o fazer).

1
direito de capacidade exclusiva do seu titular de constituir, modificar ou extinguir uma situação
jurídica
2
ou incompetência

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II. LÓGICA DA AÇÃO


Sistema Consistente: Qualquer obrigação pode ser cumprida sem violar
nenhuma outra.

★ Incoerências Pragmáticas: Mesmo nestes sistemas, é impossível


assegurar que todos os direitos e obrigações possam ser exercidos em
simultâneo. Causam conflitos, por fenómenos de colisão de direitos ou
deveres - ex: Fazer a frequência e ir ao médico são duas condutas
compatíveis, contudo não é possível realizá-las ao mesmo tempo.

Espécies de Conflitos:

★ Colisão de Direitos: Vários sujeitos são titulares de direitos


incompatíveis entre si.

○ Colisão de Direitos homogéneos: Os direitos incompatíveis são


todos da mesma espécie - ex: Todos os condóminos são titulares de
utilizar as partes comuns do imóvel (art. 1420/1 do CC)

○ Colisão de Direitos heterogéneos: Os direitos incompatíveis são de


espécies distintas - ex: direito à liberdade de expressão (art. 37/1
da CRP) pode colidir com o direito ao bom nome e reputação (art.
25/1 da CRP).

★ Conflito de Deveres: Recaem deveres3 incompatíveis sobre dado sujeito.

○ Colisão de Deveres homogéneos: Os deveres incompatíveis são


todos da mesma espécie - ex: médico com dois doentes, mas só
consegue salvar a vida de um deles

○ Colisão de Deveres heterogéneos: Os deveres incompatíveis são de


espécies distintas - ex: Trabalhador que tem um prazo para
entregar uma tarefa e um filho doente para cuidar.

Solução de Conflitos:

★ Direito Positivo:

3
Nos conflitos de deveres estes surgem são supra-rogatórios: a sua prática é louvada, mas a sua
omissão não pode ser censurada - ex: bombeiro entra na casa em chamas para salvar a criança, a
sua prática é louvada, mas nada lhe aconteceria se não tivesse ido salvar a criança

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○ Hierarquização dos direitos conflituantes - ex: legítima defesa que


permite a lesão de terceiros
○ Prioridade do direito ou do seu exercício - ex: o direito real inscrito
no registo em primeiro lugar prevalece sobre os que lhe seguirem
relativamente ao mesmos bens

○ Preferência na satisfação do direito - os direitos reais de garantia


(como a hipoteca) atribuem ao credor uma preferência face aos
demais na satisfação dos seus créditos (art. 604/1 e 2 do CC)

★ Fórmula de Ponderação: Na falta de um critério legal, o conflito deve


ser solucionado pela ponderação e hierarquização de interesses. Todos os
direitos/deveres apresentam uma medida ótima de gozo/cumprimento,
assim quando é necessário escolher, deve prevalecer aquele em que o
gozo ou o comprimento for superior. Em casos de ser igual, deve ser
escolhido a favor da importância do interesse a que respeita.

○ Direito/dever superior prevalece:


■ Apenas é gozado o direito/dever prevalecente (art. 335/2 do
CC) - ex: direito ao bom nome e reputação inibe totalmente
a liberdade de expressão para difamar
■ O cumprimeito o do dever prevalecente não afasta o
cumprimento do inferior - ex: por ter de cuidar do meu filho
que está doente em casa não deixo ter de entregar a tarefa,
ainda que possa de o ter de fazer mais tarde

○ Nenhum direito/dever prevalece por serem equivalentes:


■ Os direitos/deveres são cumpridos, ainda que de forma
sub-otimizada (art. 335/1 do CC) - ex: se é impossível que
todos os condóminos utilizem a todo o tempo os espaços
comuns do prédio, então cada um deles deve ceder, na
proporção que seja necessária, para que os demais possam
desfrutar também dessas partes comuns
■ SÓ NO ÂMBITO DOS DEVERES: é impossível cumprir todos os
deveres conflitantes, podendo qualquer deles ser cumprido -
ex: médico que tem duas vidas para salvar, mas só tem
recursos para salvar uma

★ Valor Prima Facie: A ponderação de interesses subjacentes à resolução


da colisão de direitos ou deveres mostra que nenhuma situação subjetiva
pode ser considerada absoluta, pois é sempre possível que o gozo de um
dado direito impeça o gozo de outro no futuro, e o mesmo com os
deveres. Daí, as situações subjetivas valerem apenas prima facie.

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○ Condição Pragmática: Fica definido que a decisão face ao gozo ou


cumprimento de um direito ou dever deve ser analisada na situação
concreta em que o titular se encontra

TÍTULO V - APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

15§ DIREITO TRANSITÓRIO FORMAL

I. ENQUADRAMENTO GERAL
Problemática: Com o início da vigência da LN (lei nova) a LA (lei antiga) é
revogada (art. 7/2 do CC) de modo a assegurar a consistência do sistema, já
que de outra forma teríamos mais do que uma norma a regular a mesma
situação. Todavia, surge um problema relativamente à lei aplicável à situação
jurídica criada antes da revogação da LA - ex: A e B celebram um casamento
católico, 3 semanas depois sai uma LN a permitir o divorcio do casamento
católico, que à data era proibido. A e B podem se divorciar?

★ Solução Possível: Continuar a aplicar a LA, mesmo tendo o seu tempo


de vigência terminado. Daqui retira-se que as fontes aplicáveis aos casos
concretos não são, necessariamente, aquelas que constam vigentes no
sistema jurídico e, por isso, que o tempo de aplicabilidade das fontes não
coincide necessariamente com o seu tempo de vigência.

Referências da LN: Situações em que problemas relativos à aplicação da lei no


tempo podem surgir.

★ Factos Jurídicos: Acontecimentos que ocorreram num determinado


momento e lugar.

○ Factos Instantâneos: Factos de verificação instantânea como a


celebração de um negócio jurídico ou a morte de uma pessoa.

○ Factos Duradouros/Situações de Facto: Factos que perduram no


tempo como o decurso dos prazos de prescrição.

★ Efeitos Jurídicos:

○ Efeitos Instantâneos: Consequências momentâneas de factos


jurídicos como o efeito translativo do contrato de compra e venda
(art. 879, al. a) do CC).

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○ Situações Jurídicas: Consequências duradouras de factos jurídicos


como a situação de arrendatário.

Princípios Orientadores:

★ Princípio da Não Retroatividade da LN: Constitui um reflexo do


“interesse na estabilidade”4 e uma emanação do princípio da confiança
por assegurar que factos passados e efeitos já produzidos e extintos
durante a vigência da LA não são abrangidos pela LN.

★ Princípio da Aplicação Imediata da LN: Constitui um reflexo do


“interesse na adaptação”5 e uma exigência do Estado de Direito e do
carácter tendencialmente abstrato e genérico das regras jurídicas. A LN
vai se aplicar a todos os factos e efeitos jurídicos que ocorram durante a
sua vigência e aos factos e situações jurídicas que tenham começado o
seu curso durante a vigência da LA, desde que ainda estejam a decorrer.

II. DIREITO TRANSITÓRIO


Direito Transitório/Intertemporal: Resolve conflitos de leis no tempo.

★ Direito Transitório Material: Fixa um regime específico que não


coincide nem com o da LA nem com o da LN para determinados factos ou
efeitos jurídicos - ex: art. 6 a 23 do CC)

★ Direito Transitório Formal: Escolhe de entre a LA e a LN a aplicável ao


facto ou efeito jurídico em causa.

○ Regimes:
■ ESPECÍFICOS: Vigoram em alguns ramos do direito - ex: no
Direito Penal vale o princípio na aplicação LA ou LN que for
mais favorável ao agente (art. 29/4 da CRP)
■ ESPECIAL: art. 297 do CC relativo à alteração de prazos.
■ GERAL: Art. 12 e 13 do CC. É, também, o subsidiário.

○ Regras de Conflitos: Regras que determinam através de uma


escolha de LA e LN qual a lei competente para regular um certo
facto ou efeito jurídico. Comportam uma previsão e uma estatuição
■ PREVISÃO: Contém dois elementos

4
assim nomeado na doutrina do Prof. Baptista Machado
5
assim nomeado na doutrina do Prof. Baptista Machado

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● Objeto de Conexão: define o campo de aplicação da


regra de conflito - o facto, efeito ou situação jurídica.
● Elemento de Conexão: aquilo que vai ligar a LA à LN -
existência de um facto, efeito ou situação jurídica na
vigência da LA ou da LN
■ ESTATUIÇÃO: determinação da lei competente a regular
III. CRITÉRIOS SUBSIDIÁRIOS GERAIS
Aplicação Imediata da LN:

★ A factos jurídicos: Quando tenham ocorrido durante a vigência de LN


ou que, iniciando-se na vigência na LA, ainda duram (art. 12/1, 1ª parte
do CC).

★ A efeitos jurídicos instantâneos: Quando se constituam, extinguem ou


modifiquem depois do início da vigência de LN, independentemente desses
efeitos serem consequências de factos jurídicos que tenham ocorrido
durante o curso da LA ou da LN (art. 12/1, 1ª parte do CC).

★ A situações jurídicas: Quando se constituem durante a vigência de LA,


mas LN dispõe diretamente sobre o seu conteúdo, independentemente dos
factos que lhe deram origem, ou seja, abstraindo-se do seu título
constitutivo, já que não vai modelar a situação jurídica - ex: o conteúdo
do direito de propriedade é o mesmo independentemente da forma como
é obtido (aquisição, usucapião,...). (art. 12/2, 2ª parte do CC).

Sobrevigência da LA: Sempre que a LN se refira às condições de validade de


um ato jurídico ou ao conteúdo de situações jurídicas que não possam abstrair
do seu título constitutivo, pois este modela a situação jurídica (art. 12/2, 1ª
parte do CC) - ex: o conteúdo definido pelas partes de um contrato de comodato
ou mútuo determina os correspondentes direitos e deveres.

★ Condições de Validade: Quando a LN dispõe sobre as condições de


validade substancial ou formal de quaisquer factos entende-se que só visa
os factos novos, os restantes são regulados pela LA - ex: a LA não exigia
forma escrita para celebrar o negócio χ, a LN já exige, os negócios χ que
foram celebrados verbalmente durante a vigência de LA permanecem
válidos.

★ Conteúdo das Situações: Quando a LN incide sobre o conteúdo de uma


situação jurídica, aplica-se LA, se o título constitutivo tiver um efeito
modelador sobre o seu conteúdo - ex: os efeitos de uma conduta ilícita
são definidos pela lei em vigor à data da realização da conduta.

15
RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

Retroatividade da LN: A LN é retroativa quando se aplica a factos que já


ocorreram ou a efeitos produzidos antes da sua entrada em vigor - ex: a LN que
determina o montante indemnizatório por um facto ilícito anterior à sua vigência
é uma lei retroativa. Uma LN também é retroativa se produzir ou extinguir um
efeito jurídico produzido com base num título modelador anterior à sua vigência.
★ Admissibilidade da Retroatividade: Princípio da não retroatividade da
LN (art. 12/1, 1ª parte do CC), contudo, exceptuando dois casos:

○ Art. 12/1, 2ª Parte do CC: A LN pode ter eficácia retroativa

○ Art. 13/1 do CC: A lei interpretativa é, em regra, retroativa

★ Limites à Retroatividade:

○ Art. 18/3 da CRP: Não retroatividade a leis restritivas de direitos,


liberdade e garantias

○ Art. 19/6 e 29/1 da CRP: Não retroatividade da lei penal

○ Art. 32/9 da CRP: Não retroatividade da lei que regula as


competências dos tribunais criminais

○ Art. 103/3 da CRP: Não retroatividade da lei que cria os impostos

★ Lei Retroativa: Quando LN é retroativa os efeitos já produzidos ficam, na


mesma, ressalvados (art. 12/1, 2ª parte do CC.

★ Lei Interpretativa: Lei que realiza a interpretação de um ato normativo,


integrando-se dentro da lei interpretada, ou seja, define-se que o
conteúdo da lei interpretada, é aquele criado pela lei interpretativa, sendo
único6 (art. 13/1 do CC).

○ Limites à Retroatividade da Lei Interpretativa:


■ CASOS CONSTITUCIONALMENTE EXCLUÍDOS: como quando
afeta leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias (art.
18/3 da CRP)
■ CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
■ TRANSAÇÃO: Contrato pelo qual as partes previnem ou
terminam o litígio mediante concessões recíprocas (art.
1248/1). Este acordo é “intocável” pela lei interpretativa.

6
exemplo para ajudar a concretizar: lei interpretada (L1) - “não se pode saltar”, lei interpretativa
(L2) - “não se pode saltar quando o pavimento está molhado”. entende-se que, na prática, L1=L2
e que isto sempre foi assim, isto é, saltar sempre foi apenas proibido quando o pavimento está
molhado, ainda que isso não esteja escrito

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

■ ATOS DE NATUREZA ANÁLOGA: como a confissão do pedido


da iniciativa do réu (art. 293/1 do CC) ou a desistência da
confissão, mas, se não tiver sido homologada pelo tribunal da
causa, a confissão pode ser revogada pelo confitente se
surgir uma lei interpretativa que lhe seja mais favorável (art.
13/2 da CRP).
○ Lei Falsamente Interpretativa: Lei qualificada como interpretativa,
mas que tem conteúdo inovador. Salvo situações de
inconstitucionalidade, é-lhe atribuída a retroatividade do 13/1.

★ Retroatividade in mitius: Por vezes, a LN vai ser menos exigente do


que a LA, permitindo a validade de mais atos jurídicos. Nestes casos, a
menos que a LN disponha expressamente que os atos jurídicos praticados
na vigência da LA são, agora, válidos, sendo uma lei confirmativa com
retroatividade in mitius, estes permanecem inválidos (art. 12/2, 1ª Parte
do CC).

○ Possibilidade de retroatividade in mitius tácita: Ou seja, ser possível


atribuir retroatividade a uma LN que não a confirme:
■ NÃO HÁ RETROATIVIDADE: Atos jurídicos que quando a LN
entra em vigor não estão a produzir efeitos - ex: O negócio
jurídico nulo nunca foi cumprido por nenhuma parte, logo
não faz sentido abrir qualquer retroatividade in mitius à LN.
■ HÁ RETROATIVIDADE: Atos jurídicos que quando a LN entra
em vigor estão a produzir efeitos - ex: O negócio jurídico
nulo está a ser cumprido pelas partes, logo faz sentido abrir
retroatividade in mitius à LN.

★ Graus de Retroatividade: O art. 12/1 2ª parte no CC ressalva à


retroatividade da LN os efeitos jurídicos já produzidos. Contudo, quando
contrapomos este artigo ao 13/1 que permite que a lei interpretativa afete
efeitos jurídicos produzidos durante a vigência da LA, podemos
estabelecer que a retroatividade pode ser mais ou menos ampla
consoante os factos ou efeitos passados produzidos que possa abranger.

○ Retroatividade Ordinária: Os efeitos são todos ressalvados (art.


12/1 2ª parte no CC). Limite geral.

○ Retroatividade Agravada: Os efeitos são ressalvados, exceptuando


alguns casos (art. 13 do CC)

○ Retroatividade Quase-Extrema: Apenas são ressalvados os efeitos


jurídicos do caso julgado obtidos antes da vigência da LN

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

○ Retroatividade Extrema: Não ressalva quaisquer efeitos,


apresentando um carácter altamente excepcional e só sendo
admissível em matéria sancionatória e caso a LN seja mais
favorável.

Retroconexão da LN: Preenchimento da previsão da LN com factos ou efeitos


já produzidos, não alterando o passado, mas sim o presente em funções de
factos do passado.

★ Modalidades:

○ Retroconexão Total: O facto ou ou efeito que serve de previsão já


se verificou totalmente no passado - ex: A LN encurta o prazo de
separação de facto por divórcio de 6 anos para 1, a aplicação da LN
a um prazo que já se encontre totalmente cumprido no ínicio da sua
vigência implica a retroconexão total

○ Retroconexão Parcial: A previsão da LN engloba tanto factos ou


efeitos que ocorreram na vigência da LA como da LN - ex: Ocorre
um acidente de trabalho durante a vigência da LA, mas o direito à
pensão só surge na vigência da LN

★ Limites: Semelhantes aos da retroatividade

○ Impossibilidade de extrair consequências penais a uma conduta que


era lícita - art. 29/4 da CRP analogicamente

○ Impossibilidade de retirar quaisquer consequências do exercício


lícito de um direito ou do gozo legítimo de uma liberdade ou
garantia - art. 18/3 da CRP analogicamente

○ Impossibilidade de ignorar o caso julgado para o futuro - art. 282/3


da CRP analogicamente

★ Consagração: Art. 12/1, 1ª Parte do CC, contudo, de forma implícita

IV. CRITÉRIO SUPLETIVO ESPECIAL


Art. 297 do CC: Regra especial para a sucessão de leis sobre prazos, só se
aplica a prazos que estejam em curso no momento de entrada em vigor da LN.

★ Aplicação:

○ 297/1 - Diminuição do Prazo: Se a LN definir um prazo mais curto


do que a LA, a LN é aplicada aos prazos que já estão em curso, mas

18
RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

este só vai contar a apartir da entrada em vigor da LN, a menos


que falte menos para o prazo de LA se completar, aí aplica-se a LA.
ex: Se a LA definia um prazo de 5 anos, e a LN de 2 anos
■ Faltam 3 anos para findar, aplica-se a LN e passam a faltar 2
■ Faltam 6 meses para findar, continua-se a aplicar a LA
○ 297/2 - Aumento do Prazo: Se a LN definir um prazo mais longo do
que a LA, a LN é aplicada aos prazos que já estão em curso,
sendo-lhes computado o tempo que já decorreu desde o seu
momento inicial (coincide com a aplicação imediata da LN no 12/1,
1ª Parte) - ex: a LA definia um prazo de 5 anos, a LN define de 7,
já passaram 4 anos, agora ainda faltam 3 anos.

★ Campo de Aplicação:

○ 297/3 - Extensão: Determina que as regras relativas à sucessão de


leis sobre prazos são igualmente aplicáveis aos prazos fixados pelos
tribunais ou outras autoridades

○ Limites:
■ Se as partes definiram o prazo ou se, não estipulando
nenhum prazo, tenham aceite os prazos legais supletivos,
pode-se aplicar, analogicamente, a solução que vale para as
estipulações negociais de sobrevigência da LA
■ Se, num caso em que a LN viria diminuir o prazo, se verificar
que, com isso vai criar um desequilíbrio entre as partes,
beneficiando uma em detrimento da outra, aplica-se o art.
297/1 que acautela os interesses das duas partes.

(INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR, JOSÉ


BAPTISTA MACHADO)

CAPÍTULO VIII - LIMITES À APLICAÇÃO DA LEI


NO TEMPO
SECÇÃO I - APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

1§ INTRODUÇÃO
Art. 7 do CC: Princípio lex posteriori derrogat legi priori. Previne que haja um
conflito intra-sistemático

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

Princípio da Não Retroatividade: Princípio universal de direito que decorre da


essência da lei, pois o direito tem como função estabilizar as expectativas das
pessoas que nele confiam.
Graus de Retroatividade:

★ Grau Máximo: A LN não respeita sequer as situações definitivamente


decididas por sentença transitada em julgado (ou outro título equivalente)
ou as causas em que o direito de ação já teria caducado.

★ Grau Alto: A LN, respeitaria apenas os casos extremos referidos acima


como a sentença transitada em julgado, mas não respeitaria os efeitos
jurídicos que não chegaram a ser objeto de uma decisão judicial ou de
consolidados por um título equivalente - ex: A LA definia máximo legal dos
juros de 10%, a LN vai definir máximo de 7%. Aqueles que pagaram mais
de 7% durante a vigência da LA recebem os seus juros de volta.

★ Grau Normal: Respeita os efeitos das situações jurídicas ocorridos na


vigência da LA (art. 12/1 do CC) - A LA definia máximo legal dos juros de
10%, a LN vai definir máximo de 7%. Aqueles que pagaram mais de 7%
durante a vigência da LA não recebem os seus juros de volta.

Retroatividade e a Constituição: Fora do domínio penal, o legislador não está


constitucionalmente impedido de conferir retroatividade às leis que edita, salvo
se violar princípios, direitos ou garantias fundamentais com tutela constitucional

Lei Penal Incriminadora:

★ Retroatividade Proibida: Nos casos em que a lei venha agravar ou


instituir novas penas ou medidas de segurança (art. 29 nº1, 3 e 4 da CRP)

★ Retroatividade Permitida: Nos casos em que a lei tenha um conteúdo


mais favorável ao para o arguido - princípio da retroatividade in mitius
(art 29, nº4 da CRP). Existe uma certa tendência para alargar este
princípio a outros domínios (ex: fiscal)

Direito Transitório:

★ Formal: Disposições que determinam qual das leis, LA ou LN, é aplicável.

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

★ Material: Disposições que estabelecem uma regulamentação própria, não


coincidente com LA ou LN, para as situações que se encontram na
fronteira entre as duas leis. Geralmente, o seu conteúdo é uma adaptação
do regime da LN.

2§ TEORIA DA NÃO RETROATIVIDADE DA LEI E SUAS APLICAÇÕES


Problema da definição do conceito de retroatividade:

★ Doutrina dos Direitos Adquiridos: É retroativa toda a lei que viole


direitos já constituídos (adquiridos), devendo a LN respeitá-los - teoria
posta de lado pelos autores modernos devido à sua imprecisão

○ Tribunais: Continuam, contudo, a utilizá-la para resolver problemas


concretos de aplicação da lei no tempo, geralmente quando
estamos perante situações jurídicas constituídas na vigência da LA.

★ Doutrina dos Factos Passados: É retroativa toda a lei que se aplique a


factos passados antes do seu início de vigência, só se aplicando a LN a
factos futuros - complementada pelo princípio da aplicação imediata da LN
às situações em curso, é a teoria predominante, inspirando o art 12 do CC

○ Reformulação7 da doutrina: A LN não se aplica a factos que ela


considere constitutivos, modificativos ou extintivos de situações
jurídicas verificados antes do início de vigência da LN, ou seja, a LN
será retroativa sempre que a estes factos se aplicar. Contudo,
determinada a competência da LN face à circunstância do facto,
nada a impede de ser aplicada se este facto não for constitutivo,
extintivo ou modificativo.

Art. 12 do CC:

★ 12/1: Ao consagrar que “a lei só dispõe para o futuro quando lhe não
seja atribuída eficácia retroativa pelo legislador”, presume ressalvados os
efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular - ex: A LA
definia máximo legal dos juros de 10%, a LN vai definir máximo de 7%,
mesmo que o legislador lhe dê eficácia retroativa, aqueles que pagaram
mais de 7% não recebem os seus juros de volta.

★ 12/2: À constituição das situações jurídicas aplica-se a lei do momento


em que a constituição se verifica, ao conteúdo das das situações jurídicas

7
A doutrina passa a ser relativa a um critério determinativo da competência da LN face aos factos,
em vez de se cingir a um critério para a situação dos factos.

21
RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

que subsistam à data de início de vigência da LN aplica-se imediatamente


esta lei, exceptuando as situações de origem contratual8 em que pode
haver uma sobrevigência da LA. Distingue dois tipos de leis ou normas:
○ 1ª parte do art: Normas que dispõem sobre os requisitos de
validade de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou
sobre os efeitos de quaisquer factos. Só se aplicam a factos novos

○ 2ª parte do art: Normas que dispõem sobre o conteúdo de certas


situações jurídicas e o modelam sem olhar para os factos que a tais
situações deram origem. Aplicam-se a relações jurídicas
constituídas antes de LN mas em curso no seu início de vigência.

Retroconexão: Para determinar a medida e amplitude de um dado efeito, a lei


reporta-se a um evento ou facto anterior (retroconexão), não estando em caso a
validade ou os efeitos de um facto passado, pois apenas se pretende definir a
amplitude do efeito de um facto presente.

Lei Aplicável às Situações Jurídicas Contratuais: Os contratos estão


submetidos, em princípio, à lei vigente no momento da sua conclusão, que será
competente para o reger até à extinção da relação contratual. Assim, pode se
considerar que ocorre uma sobrevigência da LA, ou como o Prof. BM prefere, que
a LA se considera incorporada no contrato (lex transit in contractum). O
fundamento deste regime estaria no respeito das vontades individuais expressas
nas suas convenções pelos particulares, assim, uma alteração naquilo que foi
definido seria um grande abalo à segurança jurídica das partes no contrato.

★ Base Legal (art. 12/2): As disposições da LN relativas aos contratos e


que sejam interpretativas ou supletivas não dispõem sobre o conteúdo da
situação jurídica, subtraindo dos factos a que lhe lhe deram origem (2ª
parte do art), logo, através delas, a lei dispõe sobre os efeitos de um certo
facto (1ª parte do art). Contudo, quando se referem à validade do
contrato, dispõem sobre a validade substancial ou formal do facto, de
modo a que não só a validade como os efeitos dos contratos deveriam ser
localizados no momento de conclusão destes. Ou seja, a LN só poderá,
sem retroatividade, reger efeitos futuros dos contratos em curso quando
tais efeitos possam ser dissociados do facto da conclusão do contrato

8
Olhando por estatutos: o pessoal, o real (regime das pessoas e dos bens) e o sucessório estariam
sujeito à aplicação imediata da LN, o contratual (quando não em conflito com o regime das
pessoas e dos bens) seria regulado pela lei vigente no momento de conclusão do contrato. A
responsabilidade extracontratual estaria também sujeita à LN.

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

Exceções à aplicação da LA: O princípio da aplicação da LA está sujeito a


exceções como à aplicação imediata das leis de ordem publicada9. Estando
também o estatuto contratual numa posição subordinada ao estatuto legal, pelo
que também seriam de aplicação imediata, mesmo quando conflituassem com
cláusulas contratuais anteriores, aquelas disposições da LN que visassem
modelar um novo regime geral das pessoas e dos bens, resolver problemas de
política, social ou económica.
Leis Sobre Prazos (art. 297 do CC):

★ Nº1: Hipótese da LN encurtar um prazo. Fica estabelecido que a LN se


aplica aos prazos em curso, mas que o novo prazo só se conta a partir do
seu início de vigência, salvo quando falte menos tempo para o prazo da LA
se completar. Se a LN vier antecipar o momento a partir do qual o prazo
se começa a contar também se aplica esta regra.

○ Impossibilidade de aplicação: Casos em que a disposição legal se


refere ao decurso de dado período de tempo como pressuposto que
deve acrescer a um facto principal para que este se torne relevante
e produza certa consequência de direito. Em nada interessa o facto
do “prazo” ter decorrido em parte sobre a vigência da LA, pois o
decurso, per si, não é causa de qualquer efeito jurídico

★ Nº2: Hipótese da LN alongar um prazo. Fica estabelecido que a LN é


igualmente aplicável aos prazos em curso, mas que se contará todo o
prazo decorrido desde o momento inicial. Se a LN vier adiar o momento a
partir do qual o prazo se começa a contar também se aplica esta regra.

○ Relação com o direito transitório: O decurso global do prazo tem o


valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou
situação jurídica, se tal prazo ainda estava em curso no momento
do início de vigência da LN então a situação jurídica ainda não
estava constituída (ou extinta) nesse momento. Logo, cabe à LN a
competência de determinar os requisitos para a constituição da
mesma situação jurídica. Estando uma situação jurídica em curso
de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar
imediatamente subordinado à LN.

Leis Interpretativas (art. 13): A lei interpretativa integra-se na lei


interpretada, não tendo, então, de ser aplicado o princípio da não retroatividade.
A sua retroatividade justifica-se pelo facto de não violar expectativas fundadas

★ Requisitos para a lei ser interpretativa: São de natureza


interpretativa aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as
9
leis imperativas que visam tutelar um interesse social particularmente imperioso ou fundamental

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

regras jurídicas aplicáveis são incertas ou com com sentido controvertido,


vem consagrar uma solução que os tribunais podiam ter adotado.

○ A solução nova tem de se situar dentro dos quadros da


controvérsia, de modo a que o intérprete a ela pudesse chegar sem
ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e
aplicação da lei. Se o intérprete, face a textos antigos, não se puder
sentir autorizado a adoptar a solução da LN, então é inovadora
○ A solução do direito anterior tem de ser controversa ou incerta

★ Lei Inovadora: O legislador pode declarar interpretativa certa disposição


da LN, mesmo quando essa disposição é, na realidade, inovadora, casos
em que estamos perante um disfarce da retroatividade. Se não existir
nenhuma norma de hierarquia superior a proibir a retroatividade, a
qualificação do legislador deve ser aceite para o efeito de dar a tal
disposição um efeito equivalente ao de uma lei interpretativa, nos termos
do art. 13.

★ Limites: À "retroatividade” formal da lei interpretativa não atinge os


efeitos já produzidos pelo cumprimento das obrigações, por sentença
passada em julgado, por transacção ainda que não homologada ou por
atos de natureza análoga

Leis Confirmativas: A LN vem aligeirar formalidades havidas por demasiado


pesadas exigidas pela lei antiga como requisitos de validade de certos negócios,
ou vem eliminar impedimentos cuja verificação era considerada pela LA
dundameri de nulidade do ato, ou vem admitir atos que eram inadmissíveis pela
lei anterior. Como a lei da validade ou invalidade de quaisquer factos é a lei
vigente ao tempo da sua prática, por princípio a LN não se deveria aplicar.
Contudo, o prof. Batista Machado, preconiza a ideia de uma retroatividade in
mitius, paralela àquela que conduz à aplicação da lei penal mais branda, sempre
que a LN seja mais favorável aos interesses do particular sem prejuízo do
interesse da contraparte ou de terceiros

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

(INTRODUÇÃO AO DIREITO, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA)

PARTE II - ELEMENTOS DE METODOLOGIA DO


DIREITO
TÍTULO I - INFERÊNCIA DA REGRA JURÍDICA

16§ LINGUAGEM E DIREITO

I. GENERALIDADES
Dimensões da Linguagem:

★ Extensional/Conceptual/Classificatória: Realidade extralinguística a


que um conceito se refere

★ Intencional/Tipológica/Ordenatória: Sentido ou valor informativo de


um dado conceito

II. DUALIDADE DA LINGUAGEM


Conceitos Determinados (ou Descritivos): Conceitos que possuem uma
extensão determinada, pertencendo a uma hard language, já que é sempre
possível distinguir a quê que ela se refere e a quê que ela não se refere.

★ Conceito Determinado Normativo: Próprios de uma ordem normativa


(nomeadamente a jurídica) por só terem significado nesse âmbito, como
divóricio e facto jurídico, e ainda conceitos que, apresentando uma aceção
extrajurídica, para o direito só podem ser considerados no seu sentido
jurídico, como obrigação (397 do CC) ou domicílio (82/1 do CC)

★ Conceito Determinado Empírico: Próprios de uma realidade não


normativa, como águas (1385 do CC), enxame de abelhas (1322 do CC),..

Conceitos Indeterminados: Conceitos vagos de extensão variável que


comportam um núcleo de significado certo e um halo de significado que se
dissipa gradualmente, ou seja, estes conceitos são próprios de uma fuzzy
language em que, por vezes, é claro aquilo a que ela se refere, e, por outras,
não - ex: abuso de direito (334 do CC), boa fé, bons costumes,...

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

★ Preenchimento: O conceito indeterminado está preenchido quando a


situação concreta se inclui tanto no núcleo do conceito como no seu halo.
Assim, um juízo sobre um conceito indeterminado pode conduzir a um de
três resultados:

○ Conceito indeterminado indiscutivelmente aplicável: A situação


concreta integra-se no núcleo do conceito - ex: conduta que viole
claramente a boa fé

○ Conceito indeterminado manifestamente não aplicável: A situação


concreta está para além do que pode ser abrangido pelo seu halo -
ex: comportamento de um dado trabalhado é irrepreensível, logo
não lhe pode ser imputada nenhuma violação grave e culposa dos
seus deveres profissionais.

○ Conceito indeterminado nem manifestamente aplicável nem não


aplicável: Sendo certo que a situação concreta não cabe no núcleo
do conceito, não é certo que não possa ser abrangida pelo seu halo
- ex: uma alteração das circunstâncias que ocorra depois da
conclusão do contrato não é manifestamente inesperada mas
também não pode ser considerada completamente previsível.

★ Concretização: Os conceitos indeterminados só podem ser


compreendidos e aplicados através de uma concretização pela qual se
defina o que neles é integrável e o que deles está excluído.

Tipos Legais: Enquanto algo de paradigmático ou modelar

★ Tipo Médio (ou de frequência): Descreve aquilo que se verifica com


maior frequência, o que acontece normalmente, que é mais comum ou
usual - ex: temperatura média.

★ Tipo Constitutivo (ou de totalidade): Descreve uma realidade de


acordo com os seus traços característicos, elementos essenciais ou notas
distintivas - ex: casa típica portuguesa.

III. REDUÇÃO TIPOLÓGICA


Classificação vs. Ordenação:

★ Classificação: Procura distinguir realidades - conceito.

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

★ Ordenação: Visa ordenar realidades de acordo com as suas


características ou qualidades - tipo.

Conceito vs. Tipo:

★ Conceito: Vai ser “fechado” por exigir a verificação de todos os seus


elementos constitutivos, já que tudo é essencial.

★ Tipo: É “vago” ou “poroso” no sentido em que pode estar preenchido


ainda que os seus elementos se verifiquem em diferentes configurações
ou ainda que esses elementos se combinem com elementos acessórios ou
atípicos. Vai ser a manifestação de um conceito, não podendo ser definido,
apenas descrito - um carro a todo o terreno pode ter várias características
especiais (desenho, mudanças automáticas, cor,...) mas vai ser sempre
um carro a todo o terreno.
Prevalência do Tipo: Na linguagem quotidiana o tipo é muito mais
prevalecente. No caso da linguagem jurídica cabe ao legislador escolher entre
uma dimensão conceptual e tipológica. A escolha frequente da dimensão
tipológica ocorre porque o legislador procura, normalmente, fornecer o
enquadramento jurídico de certas matérias, daí que a previsão das regras
relativas a condutas ou ao exercício de poderes seja, quase sempre, constituída
por tipos, tal como acontece com as definições legais. A prevalência do tipo
sobre o conceito também se mostra com particular evidência no âmbito dos
conceitos indeterminados, já que esta indeterminação surge quanto aos casos
que os conceitos abrangem, pelo que esses conceitos são, afinal, tipos.

IV. DIVISIO E PARTITIO


Divisio vs. Partitio: Acompanha a diferença entre conceito e tipo.

★ Divisio: Divisão da extensão de um conceito mais extenso (género), em


conceitos menos extensos (espécies) que ele comporta, daí que cada
parte resultante da divisio contenha, além de características próprias,
todas as características do conceito dividido.

○ Dimensão conceptual da linguagem e de um sistema fechado: Se


um conceito descreve uma realidade com as características a, b, e
c, só podem ser considerados espécie desse conceito aqueles que,
além das características específicas, comunguem igualmente as
características a, b e c.

27
RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

○ Exemplo: Conceito “abc” sofre divisio e gera os conceitos, menos


extensos, “abc+d”, “abc+e” e “abc+f”.

★ Partitio: Decomposição de um conceito nos seus elementos


característicos, daí que nenhum membro resultante da partitio contenha
todas as características do conceito. Primeira operação necessária para
passar do conceito para o tipo.

○ Dimensão tipológica da linguagem e de um sistema aberto: Se um


conceito comportar as características x, y e z, isso permite
relacionar o conceito repartido com todos os conceitos que, além
das suas características próprias, possuam a característica x, y ou
z, daí que não seja usual que os membros provenientes da partitio
tenham todas as características do respetivo género.

○ Exemplo: Tipo “abc” sofre partitio e gera os elementos “a”, “b” e “c”

○ Construção do tipo:
■ 1. Decomposição, através da partitio, do conceitos nos seus
elementos típicos
■ 2. Conjugação desses elementos com elementos semelhantes
de outros conceitos

17§ HERMENÊUTICA E DIREITO

I. HERMENÊUTICA NORMATIVA
Noção: Hermenêutica normativa enquanto a interpretação das normas

Premissas Fundamentais:

★ Não há significados, mas antes atribuições de significados com base em


certas regras - “meanings have to be given, not found"

★ Carácter prático da interpretação e de ligação ao caso

★ O significado de uma palavra é o seu uso na linguagem, estando isso


dependente daquilo que está implícito na prática social

★ Compreender uma regra é saber aplicá-la

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

Interpretação: Interpretar uma fonte é determinar o seu significado, ou seja,


inferir a regra da fonte, só sendo possível através da determinação dos casos,
reais ou hipotéticos, a que a fonte for aplicável. Se a fonte F for aplicável aos
casos C1, C2 e C3, então a regra que ela contém é aquela que regula os casos C1,
C2 e C3. Aquilo que está fora do campo de aplicação da fonte, também está fora
do resultado da interpretação.

★ Regra: Significado prático da fonte, uma vez que a interpretação de uma


fonte pressupõe a sua aplicação. A interpretação da fonte termina no
momento em que surge a regra.

Pré-Compreensão: Toda a compreensão tem como pressuposto uma


pré-compreensão, pois que, sem se formar um pré-juízo sobre o que se
pretenda compreender, nada é possível compreender, sendo, daí, necessário,
saber o quê e como se pretende compreender.

★ Gadamer: Considera que a pré-compreensão será legitimada pela história


e pela tradição pois a antecipação do sentido que orienta o nosso
entendimento de um texto não é ato de subjetividade, antes se determina
através da comunhão que nos liga com a tradição. A compreensão é
condicionada pela fusão de horizontes entre passado e presente.

II. HERMENÊUTICA JURÍDICA


Noção: Atividade através da qual se compreende uma fonte de direito. Meio
pelo qual se chega à regra contida na fonte. A tarefa da interpretação é a da
concretização da lei em cada caso, ou seja, a tarefa da aplicação, pois para
extrair a regra da fonte é necessário conhecer os casos a que a fonte é aplicável.

★ Corolários:

○ A fonte não tem significado em si mesma: O significado da fonte é


aquele que lhe é dado pelo intérprete

○ Entre a fonte e a regra só se interpõem os casos: A fonte é o modo


de revelação da regra e esta revela-se através da aplicação da fonte
a casos. Interpretar uma fonte é qualificar um caso como jurídico,
pelo que a interpretação e a qualificação são realidades correlativas
entre si, ou seja, os casos a que a fonte é aplicável não são
determinados depois da construção da regra, mas antes desta.
■ O conhecimento prático que resulta da interpretação da fonte
(o que se pode fazer com a fonte) antecede o teórico (aquilo
que a fonte prescreve), já que só é possível saber aquilo que
a fonte prescreve sabendo os casos a que ela é aplicável.

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Normatividade da Interpretação: A interpretação jurídica nunca é um fim em


si mesmo, antes está ao serviço da aplicação do direito, sendo aplicativa e nunca
apenas reconstrutiva. Nenhuma fonte assegura, ela mesma, a correção da sua
interpretação, essa correção só pode ser avaliada em função de elementos
estranhos à fonte interpretada, daí que seja necessário recorrer a regras na
interpretação das fontes de direito

★ Vinculação do intérprete à lei: A vinculação à lei, enquanto emanação


do princípio da separação de poderes (111/1 CRP), abrange
necessariamente uma vinculação ao método da sua interpretação, pois
significa que nenhum intérprete pode assumir as funções que cabem ao
legislador. A subordinação do intérprete ou aplicador à lei não pode deixar
de se refletir na atribuição de um caráter normativo aos critérios de
interpretação da lei, designadamente aos que constam do art. 9 do CC.
Subsunção: Como a regra só pode ser extraída da fonte através da aplicação
desta a casos concretos, a subsunção deve ser entendida como o juízo que
permite determinar os casos abrangidos pela fonte e que possibilita inferir a
regra da fonte. Assim, quando se chega à regra, já se passou pela subsunção,
pelo que esta não é um elemento da aplicação da regra, mas antes um elemento
da construção da regra aplicável.

★ Problema da integração de um facto concreto na previsão geral e


abstrata da fonte: MTS considera que há um "abismo entre o concreto e
o abstrato” logo não é possível integrar um caso concreto numa previsão
legal. A aplicação da lei é criar uma regra individual. Todavia, o problema
não está na existência do abismo, mas em saber a forma de o transpor.

★ Operação de Subsunção: Implica uma comparação entre o facto


concreto e o tipo legal utilizado na lei. Pode ser analógica ou tipológica.

○ Tipológica: Um conceito determinado é subsumível em vários


conceitos determinados de menor extensão (ex: veículo - mota,
carro,...)

○ Analógica: A um conceito indeterminado são subsumíveis todas as


condutas que possam ser consideradas concretizações desse
conceito.

★ Natureza da Subsunção: A subsunção é um juízo valorativo que utiliza


como critério a analogia, dado que a comparação entre a realidade que se
procura subsumir e o tipo a que se refere a fonte exige um raciocínio
analógico. Assim, para ultrapassar a dificuldade de comparar o caso
concreto com o típico constante da previsão, há que comparar este facto

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com os factos análogos a que a lei é indubitavelmente aplicável. Se o


facto for análogo aos factos a que a lei é aplicável então será subsumível
à lei. Neste sentido, a subsunção não é a integração de um elemento
concreto num abstrato, mas a comparação entre vários concretos

★ Subsunção e concretização: A interpretação de uma fonte é uma


atividade de concretização por permitir inferir a regra jurídica que nela se
encontra. Pode afirmar-se, então, que as regras são construídas no plano
do caso, logo sem ele não é possível extrair a regra contida na fonte.

Interpretação Jurídica:

★ Perspetiva do intérprete: A interpretação jurídica só pode ser realizada


por quem adote um ponto de vista interno ao sistema em que se insere a
fonte a interpretar.
★ Objeto: Sabendo que a lei pode ser decomposta em estatuição (elemento
com significado determinado) e em previsão (elemento com significado
indeterminado), as dificuldades da interpretação recaem, normalmente,
sobre a previsão legal. Daí se retira que o significado que deve ser
atribuído à previsão só pode ser um que seja compatível com o significado
da estatuição, devendo a interpretação ser efetuada no sentido inverso ao
da regra, da estatuição para a previsão.

★ Necessidade: Sem a interpretação não é possível compreender a fonte.


Esta concepção contraria orientações que pretendem dispensar
interpretação quando não houver que resolver ambiguidade do texto,
como no sistema francês ou nos anglo-saxónicos10, todavia, assentam no
pressuposto erróneo de que a interpretação se destina apenas a tornar
claro o obscuro, mas antes da interpretação não é possível saber se o seu
significado é claro.

Dificuldades da Interpretação:

★ Ambiguidade Sintática: A construção da expressão origina dúvidas


sobre o seu significado, para ultrapassar esta ambiguidade, o intérprete
tem de escolher entre atribuir à expressão o significado S1 ou S2.

★ Ambiguidade Semântica (ou Polissemia das Palavras): A mesma


palavra pode ter vários significados, dependendo do contexto em que é
aplicada, para ultrapassar esta ambiguidade, o intérprete tem de escolher

10
“se as palavras da lei são elas mesmas precisas e não ambíguas, então não pode ser necessário
interpretar essas palavras no seu sentido natural e comum.

31
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entre atribuir à expressão o significado S1 ou S2. Decorre de um excesso


de significado e é bastante frequente nas palavras “e” e “ou”.

★ Vagueza ou Porosidade: Ocorre quando as palavras possuem um


significado indeterminado, isto é, há objetos a que as palavras são
indiscutivelmente aplicáveis, objetos a que talvez sejam aplicáveis e
objetos a que não são aplicáveis indiscutivelmente. A vagueza decorre de
uma falta de definição de limites ou fronteiras, pelo que se distingue da
ambiguidade na medida em que nela há um “excesso de significado” e
nesta uma “falta de determinação de significado”. Perante uma expressão
vaga, o intérprete tem de escolher se, além do significado S1, a expressão
pode ter o significado S2, pois, pequenas diferenças entre os objetos não
fazem nenhuma diferença quanto à atribuição a eles de um mesmo
significado. Predicados vagos são próprios de conceitos indeterminados e
de uma linguagem tipológica

★ Modificabilidade do Significado: As palavras podem variar de


significado ao longo do tempo - ex: “bons costumes”

★ Dificuldades Específicas: Complicações próprias da realidade jurídica

○ Proliferação Legislativa: A enorme produção legislativa dificulta a


interpretação das fontes porque nunca há a certeza de que, na
interpretação de uma fonte, não seja descurada uma outra fonte
determinante para a interpretação.

○ Hermetismo da Linguagem Jurídica: Apesar de as leis terem como


últimos destinatários os cidadãos, a linguagem utilizada pode
dificultar a compreensão por não juristas.

★ Resolução das Dificuldades: Elementos de interpretação - art. 9 do CC

18§ INTERPRETAÇÃO DA LEI

I. GENERALIDADES
Aspetos relevantes da interpretação da lei:

★ Escolha da finalidade: Descobrir a intenção do legislador ou o


significado objetivo da lei

★ Seleção dos elementos de interpretação

★ Inferência da regra jurídica: Resultado da interpretação

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★ Caráter normativo

II. FINALIDADE DA INTERPRETAÇÃO


Subjetivismo vs. Objetivismo: Esta dicotomia só vai ter interesse prático
quando a intenção do legislador não coincidir com o significado objetivo da lei,
sendo que a orientação escolhida não é indiferente para, depois, a regra que se
vai inferir da fonte.

★ Orientação Subjetivista: Pretende reconstituir a intenção do legislador


subjacente à produção da lei. Orientação prevalecente durante o
absolutismo e até ao séc. XIX. Pretende determinar a voluntas legislatoris.
Esgota-se na dimensão semântica

★ Orientação Objetivista: Pretende determinar o significado objetivo da lei


(voluntas legis), qualquer que tenha sido a intenção do legislador.
Corrente prevalecente atualmente. Move-se numa dimensão pragmática

○ Justificação:
■ IGUALDADE PERANTE A LEI (art. 13/1 da CRP): Qualquer
leitor pode fazer uma ideia do significado da lei, todavia a
investigação sobre a vontade do legislador exige um esforço
e uma preparação que não estão ao alcance de todos
■ IMPOSSIBILIDADE DE DETERMINAR A INTENÇÃO DO
LEGISLADOR HISTÓRICO: Nota-se, por exemplo, na
insusceptibilidade de definir uma vontade comum a todos os
intervenientes no processo legislativo (como os deputados, o
Primeiro-Ministros, o Presidente, os ministros)
■ NECESSIDADE DE INTEGRAR A LEI NO SEU AMBIENTE
SOCIAL: O que deve contar não é o que o legislador quis
quando elaborou a lei, mas o que a lei vale quando é
interpretada, pois “o código pode ser mais largo de vistas do
que o seu autor”.
■ ART. 9/2 DO CC: Afasta pretensões subjetivistas ao declarar
que o que conta é o que está expresso na lei

○ Consequências:
■ COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR NÃO COINCIDE COM A
COMPETÊNCIA PARA INTERPRETAR
■ PODER JURISDICIONAL PREVALECE SOBRE O LEGISLATIVO:
O direito não é o que o legislador quis que fosse, mas o que
o juiz considera que é. Realça a importância das regras sobre
a interpretação da lei por serem as únicas que podem limitar
o juiz na sua atividade de interpretação

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■ NÃO IMPLICA A IRRELEVÂNCIA DA INTENÇÃO DO


LEGISLADOR: O legislador pode ter expresso adequdamente
o seu pensamento. Mais recente a lei, maior a probabilidade
do seu significado objetivo coincidir com a intenção

Direito Português:

★ Art. 9/1 do CC: A interpretação tem a finalidade de reconstituir o


pensamento legislativo a partir do texto da lei. A expressão “pensamento
legislativo” é algo ambígua, podendo significar “pensamento do legislador”
(significado subjetivista) ou “pensamento da lei” (significado objetivista)

★ Art. 9/2 do CC: Pede um mínimo de correspondência verbal, pelo que


reconduz “pensamento legislativo” a “pensamento da lei”
Atualismo vs. Historicismo:

★ Atualismo: O que conta é o significado atual da lei

○ Orientação Objetivista Atualista: O significado da lei é o que ela tem


na atualidade
■ ATUALISMO PROJETIVO: Implica a projeção na atualidade do
significado objetivo histórico
■ ATUALISMO PROSPETIVO: Implica a prospeção do significado
legislativo atual

○ Orientação Subjetivista Atualista: O significado da lei é aquele que


o legislador lhe daria se estivesse a legislar na atualidade
■ ATUALISMO PROJETIVO: Implica a projeção na atualidade da
vontade do legislador histórico
■ ATUALISMO PROSPETIVO: Implica a prospeção da vontade
do legislador atual

★ Historicismo: O que releva é o significado que a lei tinha ao momento da


sua criação

○ Orientação Objetivista Historicista: O significado da lei é aquele que


ela tinha no seu momento de criação

○ Orientação Subjetivista Historicista: O significado da lei é aquele


que o legislador lhe deu no momento de elaboração

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III. ELEMENTOS DA INTERPRETAÇÃO


Elementos de Interpretação: Regras que possibilitam escolher entre várias
interpretações possíveis da fonte interpretada e determinar se a interpretação é
realizada de forma correta ou incorreta.

★ Elemento Gramatical: Sentido literal da lei - “letra da lei” do art. 9/1 e 2


do CC

★ Elemento Teleológico: Finalidade da lei - “condições específicas do


tempo em que [a lei] é aplicada” do art. 9/1 do CC

★ Elemento Sistemático: Conexão sistemática entre as diversas regras


que constam da lei - “unidade do sistema jurídico” do art. 9/1 do CC

★ Elemento Histórico: Circunstância que motivou a elaboração da lei -


“circunstâncias em que a lei foi elaborada” do art. 9/1 do CC

Enunciado:

★ Letra e Espírito: Pretende-se que o intérprete encontre o espírito da lei a


partir da sua letra com base na sua história, sistemática e teleologia (9/1)

★ Hierarquia dos Elementos:

○ Sistema Móvel: Sistema em que os elementos têm uma importância


distinta em situações diferentes, logo não existe nenhuma
hierarquia rígida entre eles - não é o caso do sistema português

○ Solução do Ordenamento Português:


■ HIERARQUIA RELATIVA AO MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO:
Pelo art. 9/1 do CC, a interpretação deve reconstituir o
pensamento legislativo a partir dos textos, daí que tenha o
elemento gramatical primazia em relação aos restantes não
literais. Só depois de determinado o significado literal da lei e
a sua dimensão semântica é que é possível reconstituir o
pensamento legislativo através dos elementos não literais e
procurar a dimensão pragmática da lei.
■ HIERARQUIA RELATIVA AO RESULTADO: Pelo art. 9/1 do CC,
o intérprete deve reconstituir o pensamento legislativo a
partir do texto da lei com base nos elementos não literais e
porque qualquer divergência entre a letra da lei e o seu
espírito deve ser resolvida pela prevalência deste último, pelo
que prevalecem os elementos não literais (metodológicos)

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○ Meta-regra de prevalência do Prof. MTS: A dimensão pragmática da


lei prevalece sobre a sua dimensão semântica, daí que o que o
intérprete faz prevaleça sobre o que a letra da lei diz.

Valor dos Elementos: Todos os elementos de interpretação apresentam um


valor próprio. A relevância de cada um desses elementos é inevitavelmente
distinta na interpretação de cada fonte.

★ Princípio da exaustividade dos elementos de interpretação: Todos


os elementos devem ser utilizados na interpretação.

★ Princípio da exclusividade dos elementos de interpretação: Só os


elementos referidos no art. 9 do CC podem ser utilizados.

Modelos de Interpretação: A interpretação pode estar já “formatada” por


precedentes jurisdicionais ou teorias elaboradas pela doutrina.

IV. SIGNIFICADO LITERAL


Noção: Base textual da interpretação. Ponto de partida da interpretação -
análise e tentativa de compreensão do significado da letra da lei

Historicismo vs. Atualismo:

★ Historicismo: O intérprete tem de atribuir à letra da lei o significado que


ela tinha no momento de formação da fonte.

★ Atualismo: O intérprete tem de atribuir à letra da lei o significado que ela


tem no momento da interpretação.

○ Prof. MTS: Apesar de não estar no art. 9, defende esta orientação,


já que só assim as leis permanecem adequadas ao tempo em que
são aplicadas

Concretização do Elemento:

★ Dimensão Sintática: Respeita a estrutura gramatical da lei e considera-a


na totalidade do seu enunciado - relevante para a compreensão de uma
oração relativa ou de uma exceção à regra

★ Dimensão Semântica: Refere-se ao significado das palavras utilizadas


na lei no contexto da sua estrutura, dependendo das palavras utilizadas.

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○ Regras relevantes desta dimensão:


■ O INTÉRPRETE NÃO PODE DEIXAR DE ATRIBUIR UM
SIGNIFICADO A TODAS AS EXPRESSÕES DA LEI: Não pode
considerar nenhuma como inútil ou redundante
■ EVITAR A ATRIBUIÇÃO DE SIGNIFICADOS INCOMPATÍVEIS:
Evitar atribuir significados que não respeitam relações de
implicação ou equivalência entre palavras ou expressões ou
que são atribuídos a palavras ou expressões iguais ou
semelhantes
■ IRRELEVÂNCIA DO GÉNERO E DO NÚMERO
■ DISTINÇÃO DAS PALAVRAS DA LINGUAGEM JURÍDICA: As
palavras próprias da linguagem jurídica devem ser
interpretadas com o significado que possuem no direito geral
ou no ramo do direito em que se insere a lei interpretada
■ DISTINÇÃO DAS PALAVRAS DA LINGUAGEM TÉCNICA: As
palavras da linguagem técnica devem se interpretar com o
seu significado no ramo do conhecimento em que se inserem
■ DISTINÇÃO DAS PALAVRAS DA LINGUAGEM CORRENTE: As
palavras próprias da linguagem quotidiana devem ser
interpretadas com o significado que elas possuem na
comunidade, a menos que o legislador a tenha utilizado com
um significado diferente.

Valor da Letra: A letra da lei tem um valor próprio que não pode ser ignorado
pelo intérprete e que impõe limites.

★ Limites Legais:

○ Art. 9/2 do CC: Não pode ser considerado pelo intérprete um


significado que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal
■ A letra da lei vai constituir um limite para todos os outros
elementos de interpretação
■ Não pode ser qualificada como interpretação a conclusão do
intérprete que não for compatível com a letra da lei

○ Art. 9/3 do CC: Presunção de que o legislador consagrou as


soluções mais adequadas e de que soube exprimir o seu
pensamento da forma mais apropriada

★ Limite Mínimo: A letra da lei nunca constitui um obstáculo a que se


possa ir além dela, o que se exige é uma correspondência mínima com a
letra da lei, não que a letra não possa ser ultrapassada pelo espírito da lei.

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A correspondência exigida pelo 9/2 do CC impõe um limite mínimo, não


um máximo, assim a letra da lei não constitui uma fronteira
inultrapassável pelo resultado da interpretação, mas antes um ponto de
partida para a obtenção deste resultado.

○ Alcance da interpretação numa orientação objetivista: Pode-se ir


até onde os elementos não literais da interpretação permitirem, isto
é, qualquer dos extremos da interpretação, a restritiva ou a
extensiva.

Significado Provisório: O intérprete, depois de determinar o significado da


letra da lei, deve reconstituir o pensamento legislativo, aplicando os elementos
não literais da interpretação, sendo o significado literal apenas o primeiro degrau
de interpretação da lei, fornecendo uma hipótese de interpretação. Se é verdade
que a letra da lei condiciona o que pode resultar dos elementos não literais da
interpretação da lei, também é verdade que estes elementos são igualmente
relevantes para confirmar ou infirmar o seu significado literal.

V. ELEMENTO HISTÓRICO
Noção: “Circunstâncias em que a lei foi elaborada” (9/1 do CC). Trata de saber o
que motivou a produção da fonte.

Aspectos Objetivos: Respeitam a situação social e jurídica existente no


momento da formação a lei

★ Precedentes Normativos: Antecedentes da lei

○ Precedentes normativos históricos: Referem-se às leis que


antecederam a lei que se interpreta e que esta substituiu

○ Precedentes normativos comparativos: Referem-se às leis vigentes


em outros ordenamentos jurídicos no momento de formação da lei

★ Precedentes Doutrinários: Ambiente doutrinário no momento de


elaboração da lei

★ Occasio Legis: Condicionalismo que rodeou a formação da lei


(“Circunstâncias em que a lei foi elaborada”).

Aspectos Subjetivos: Intenção do legislador que produziu a lei. Não se refere à


vontade real do legislador, mas ao que pode ser inferido dos meios auxiliares
como a sua hipotética vontade. Construção do intérprete, não verificar um facto.

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★ Exposições oficiais de motivos

★ Trabalhos preparatórios: Comportam os estudos elaborados para a


preparação da lei, os anteprojetos e a discussão nos órgãos legislativos

★ Preâmbulos dos diplomas legais

★ Relatórios explicativos das convenções internacionais

Aspeto Evolutivo: Não estando referido no art. 9º do CC, trata-se de saber


qual a interpretação que tem sido dada pela jurisprudência e pela doutrina a
uma determinada lei depois do seu início de vigência, procurando averiguar
novas necessidades, diferentes que justificaram a produção da fonte.

VI. ELEMENTO SISTEMÁTICO


Noção: Os institutos jurídicos constituem um sistema e apenas em conexão com
o mesmo podem ser completamente compreendidos, estando na base o
pressuposto de que o significado de uma lei resulta, normalmente, do seu
contexto. Consequência e postulado da unidade do sistema jurídico, pois visa
que nenhuma fonte seja interpretada em divergência com o mesmo. Todavia,
este elemento não garante que o resultado da interpretação seja conforme ao
sistema, pois o intérprete é suscetível de concluir que nenhuma interpretação da
lei vai assegurar conformidade com o sistema, caso em que terá de ocorrer a
revogação ou invalidade de uma das regras conflituantes.

Importância:

★ Princípio da Igualdade (13 da CRP): O que é igual deve ser tratado


por igual em todo o sistema jurídico. Considerar o enquadramento da lei
ajuda a evitar contradições valorativas.

★ Resolve um dos problemas da interpretação: O da polissemia ou


ambiguidade semântica das palavras, já que só através do contexto é
possível determinar o verdadeiro significado

Historicismo vs. Atualismo:

★ Perspetiva Historicista: O intérprete tem de considerar a integração


sistemática que existia no momento de formação da lei

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★ Perspetiva Atualista: O intérprete tem de considerar a integração


sistemática da lei na atualidade

○ Posição do Prof. MTS: Defende esta perspetiva já que considera que


qualquer lei deve ser consistente com os princípios e as demais leis
do sistema jurídico durante toda a sua vigência, pelo que a lei deve
ser interpretada de acordo com sucessivas integrações sistemáticas

Concretização do Elemento:

★ Contexto: O intérprete só pode interpretar a lei depois de a ter


enquadrado no conjunto mais vasto em que ela se integra

○ Contexto vertical: Conexão da lei com outras leis de hierarquia


superior sobre a mesma matéria. Implica que, na interpretação da
lei, se considere a sua coordenação com a respectiva fonte de
produção. Existe em várias modalidades:
■ INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO: Implica que
o direito ordinário seja interpretado de acordo com os
respectivos preceitos constitucionais, para evitar
interpretações inconstitucionais de leis constitucionalmente
válidas. Permite evitar a inconstitucionalidade da lei a
interpretar, servindo de controlo antecipado de normas
■ INTERPRETAÇÃO CONFORME AO DIREITO EUROPEU: Decorre
do primado do direito europeu sobre os Estados-membros. O
direito nacional deve ser interpretado em consonância com o
direito europeu, dado que as diretivas europeias devem ser
transpostas para as ordens jurídicas dos Estados-membros e
que as leis que procedem a esta transposição devem ser
interpretadas de acordo com a respetiva diretiva. Previne a
violação do direito europeu.
■ INTERPRETAÇÃO CONFORME AO DIREITO ORDINÁRIO:
Determina que a lei deve ser interpretada de acordo com a
respectiva fonte de produção ordinária.

○ Contexto horizontal: Conexão da lei com outras leis da mesma


hierarquia sobre idêntica matéria. Implica que a interpretação da lei
considere outras leis da mesma hierarquia (contexto intertextual)
ou com outros preceitos da mesma lei (contexto intratextual). A
interpretação da lei remissiva deve considerar o significado da lei
para a qual ela remete para assegurar a harmonia entre ambas as
leis. Especialmente relevante para casos de lei-geral e lei-especial

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★ Princípio da Consistência: Consequência da unidade do sistema jurídico


como um postulado da construção dessa unidade. Vale duplamente por
ser indispensável para encontrar o significado da lei na unidade do
sistema e para afastar significados incompatíveis com essa unidade.

★ Duas Regras Interpretativas:

○ Regra de carácter positivo: O significado a atribuir à lei deve ser o


que melhor se harmoniza com outras fontes ou preceitos da mesma
fonte
○ Regra de carácter negativo:
■ REGRA DA CONSISTÊNCIA DA FONTE: Impede que o
intérprete atribua à lei um significado que não seja
consistente com outras fontes ou preceitos da mesma fonte
■ REGRA DO APROVEITAMENTO DA FONTE: Impede que o
intérprete atribua à lei um significado que seja redundante
em relação a outras fontes

VII. ELEMENTO TELEOLÓGICO


Noção: Respeita a finalidade da lei, procurando determinar os objetivos que a
lei pretende prosseguir, ou seja, a finalidade que justifica a vigência da lei.
Impõe que o intérprete procure descobrir a ratio legis e utilizá-la na
determinação do espírito da lei, estando-lhe vedado o pensamento de que a
fonte não prossegue a realização de nenhum fim. Para determinar a teleologia
da lei é necessário compreender a sua estatuição.

Historicismo vs. Atualismo: O direito positivo atual considera que se devem


levar em conta, para determinar a finalidade da lei, as circunstâncias políticas,
sociais, económicas, culturais ou outras existentes no momento da sua
interpretação, seguindo, por isso, uma abordagem atualista objetiva

★ Historicismo:

○ Subjetivo: O intérprete tem de procurar encontrar a finalidade que


o legislador intentava prosseguir com a lei

○ Objetivo: Finalidade que a lei podia realizar no momento da sua


elaboração

★ Atualismo:

○ Subjetivo: O intérprete tem de procurar encontrar a finalidade que


o legislador lhe atribuiria no momento da sua interpretação

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○ Objetivo: Finalidade que a lei podia realizar no momento da sua


interpretação.

Concretização do Elemento: A finalidade que a lei realiza é aquela que ela


pode prosseguir em função de fatores que lhe são estranhos, sendo
indispensável atender ao ambiente sócio-económico, político e cultural em que a
fonte é interpretada, assim como a fatores jurídicos.

★ Fatores sistémicos: A relevância do elemento teleológico manifesta-se


principalmente na interpretação conforme aos princípios, segundo a qual a
lei deve ser interpretada em consonância com os princípios materiais e
formais que ela concretiza. O intérprete deve procurar descobrir o
princípio formal ou material que fundamenta a lei e visar a sua otimização
através da interpretação. A melhor interpretação vai ser aquela que
conseguir a melhor otimização do princípio subjacente à lei. Pode suceder
que o intérprete se defronte com a dificuldade de determinar o princípio
formal que o deve orientar na interpretação da lei, a escolha desse
princípio exige uma ponderação entre os princípios de justiça, de
confiança e de eficiência, devendo o intérprete escolher o que melhor se
adequar ao interesses que a lei visa proteger.

★ Avaliação das consequências: Havendo duas ou mais teleologias


possíveis, há que evitar aquelas que sejam incompatíveis com o sistema e
escolher a que melhor com ele se coadunar. Geralmente, a interpretação
que melhor se insere no sistema é aquela que lhe acrescenta algo,
permitindo proteger interesses que antes não estavam acautelados.

★ Regras da experiência: Este elemento exige frequentemente o recurso


a regras da experiência, ou seja, ao acervo de experiência da vida
quotidiana. Estas são fundamentais por atribuírem ao intérprete o
necessário background de vivência que lhe permite realizar a
interpretação da lei de acordo com parâmetros que melhor correspondam
à normalidade da vida em sociedade. O que a maioria dos membros da
sociedade não espera do legislador não deve ser escolhido como resultado
da interpretação.

Importância do Elemento: Sendo o elemento que menos provém do sistema e


que mais apela ao intérprete, permite controlar a correção da interpretação e
detetar situações de fraude à lei. Apresenta uma dimensão consequencialista na
medida em que a finalidade da lei não é independente das consequências
resultantes da aplicação.

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VIII. CONJUGAÇÃO DOS ELEMENTOS


Nenhum dos elementos em si mesmo é suficiente para determinar o significado
da lei, mas cada um dá um contributo para a sua determinação. Podem existir
divergências entre o texto da lei e os vários elementos de interpretação, mas
não entre estes.

19§ RESULTADOS DA INTERPRETAÇÃO

I. GENERALIDADES
A interpretação da lei não se esgota no seu significado literal, importando
reconstituir o pensamento legislativo a partir do texto da lei, com base no
significado literal e aplicando os elementos da interpretação. Pode originar
situações de coincidência ou não coincidência entre o significado literal e o
espírito da lei, levando a diferentes tipos de interpretação.

II. INTERPRETAÇÃO DECLARATIVA


Noção: O significado literal e o espírito da lei coincidem, pois o espírito que
resulta dos elementos não literais é compatível com o significado. Interpretação
secundum litteratum pois a dimensão semântica coincide com a pragmática.

Modalidades:

★ Interpretação declarativa lata: Significado literal mais extenso possível


- ex: filho também inclui filha no art. 1798 do CC

★ Interpretação declarativa média: Significado mais frequente da


palavra

★ Interpretação declarativa restrita: Significado literal menos extenso


possível - ex: culpa no art. 492/1 do CC vai significar apenas negligência e
não dolo

III. INTERPRETAÇÃO RECONSTRUTIVA


O significado literal e o espírito da lei podem não coincidir, havendo que
reconstruir o significado da lei a partir do seu texto com apoio no seu espírito,
observando o limite imposto pela letra da lei - só pode valer como espírito da lei
o que tenha um mínimo de correspondência com a sua letra, ainda que
imperfeitamente expresso (art. 9/2 do CC).

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Interpretação Extensiva: O resultado da interpretação é mais amplo do que o


significado literal da lei, o espírito vai mais além do que a letra, pelo que essa
fonte permite inferir uma regra não abrangida na letra. Interpretação praeter
litteram pois a dimensão pragmática vai mais além que semântica. Subjacente
está um juízo de agregação - o que vale para a parte deve valer para o todo.

★ Delimitação:

○ Interpretação declarativa lata: A interpretação extensiva difere


desta na medida em que vai além da letra da lei, enquanto que esta
se mantém, apenas no significado literal mais extenso possível.

○ Aplicação da lei a uma situação não prevista: A aplicação da lei a


uma caso não previsto, mas análogo aos casos tipificados ou
enumerados não decorre de nenhuma interpretação extensiva, dado
que ela está em completa correspondência com a previsão aberta
da lei.

Intepretação Restritiva: O resultado da interpretação é mais restrito do que o


significado literal da lei, pois o espírito fica mais aquém do que a letra da lei. É
uma interpretação citra litteram pois que a dimensão pragmática da lei fica
aquém da sua dimensão semântica. Verifica-se sempre que a letra da lei respeita
ao género e o seu significado se deve limitar, por imposição dos elementos de
interpretação, à espécie. O intérprete é levado a reduzir a uma das espécies ou a
uma das concretizações a um regime que se reporta a um género ou a um tipo,
dado que o que está estabelecido para o todo só deve valer para a parte.

★ Delimitação:

○ Interpretação declarativa restrita: A interpretação restritiva difere


desta na medida em que fica aquém da letra da lei, enquanto que
esta se mantém, apenas, no significado literal menos extenso
possível.

○ Redução Teleológica (MTS): A interpretação restritiva consiste na


exclusão de certos casos do âmbito de aplicação da lei e a redução
teleológica na não aplicação de uma lei a um caso que é abrangido
pela sua letra, isto é, na construção de uma exceção ao regime
legal. No entanto, a distinção entre a interpretação restritiva e a
redução teleológica torna-se discutível quando se conclui que toda a
interpretação da lei é pragmática e quando se concebe a
interpretação como inseparável da aplicação da lei a casos
concretos. Nesta perspetiva, a construção de qualquer exceção a

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Luísa Braz Teixeira

uma lei através da redução do seu campo de aplicação é, ao mesmo


tempo, interpretação restritiva e redução teleológica, pelo que não
há qualquer justificação para a autonomização da redução.

★ Consequências: Conduz à inaplicabilidade da lei a factos ou a situações


que são abrangidas pela sua letra. Comporta várias hipóteses:

○ Espaço livre de direito: A interpretação revela que o caso não tem


relevância jurídica e pertence ao espaço livre do direito

○ Aplicação de uma outra lei: A interpretação deixa espaço para a


aplicação de uma outra lei também vigente no ordenamento - casos
como o típico lei geral/especial

○ Construção de uma regra excecional: A interpretação não conduz à


aplicação de uma outra lei vigente no ordenamento, porque este
não comporta nenhuma lei aplicável aos factos a situações que não
são abrangidos pela lei interpretada. Tem como resultado a
construção de uma regra excepcional aplicável aos casos que não
são abrangidos por essa lei que é construída com base numa
interpretação restritiva da lei, em que o que não cabe na lei é
regulado, na falta de outra regra aplicável, por uma regra
excecional de significado contrário à lei.

IV. DESCONSIDERAÇÃO DA REGRA


Vinculação à Lei: O art. 203 da CRP estabelece a vinculação dos tribunais à lei,
servindo de importante garantia do Estado de direito e da separação de poderes
(art. 111/1 CRP). O que se afirmou sobre a interpretação permite concluir que a
vinculação do juiz não é à letra da lei, mas ao resultado da interpretação.

Interpretação ab-rogante: Imposta por um ato de comunicação falhado.

★ Modalidades:

○ Singular: A fonte não é inteligível em si mesma, não podendo o


intérprete atribuir-lhe qualquer significado

○ Sistémica: A fonte remete para um regime que não existe no


sistema jurídico, existe uma remissão vazia de sentido.

★ Efeitos: Pode originar uma “lacuna oculta”, pois onde se pensava haver
um regime jurídico, não há nenhum, havendo que proceder à integração
dessa lacuna.

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Luísa Braz Teixeira

Interpretação Corretiva: Pode manifestar-se na aplicação da lei a um caso


que ela exclui (eliminação de uma exceção prevista na lei) como na não
aplicação da lei a um caso que ela abrange (construção de uma exceção prevista
na lei). É justificada pela incompatibilidade da fonte com valores jurídicos
fundamentais como os princípios formais da justiça, confiança e eficiência. Não
se confunde com a interpretação restritiva ou extensiva, já que desconsidera
tanto a letra como o espírito da lei.

★ Concretização: Foi entendida por Aristóteles como a base da equidade


enquanto retificadora do defeito da lei. A generalidade das ordens
jurídicas exclui a interpretação corretiva, como é o caso do direito
português, conforme se dispõe no art. 8/2 do CC, o dever de obediência à
lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo
do preceito legal. Uma interpretação corretiva pode ter algum sentido em
ordens jurídicas em que a letra da lei ou a vontade do legislador sejam os
elementos determinantes para a interpretação da lei, todavia essa não é a
orientação do direito português, em que são utilizados os elemento
teleológico e sistemático para determinar o espírito da lei, pelo que uma
interpretação corretiva os poderia pôr em causa, daí que uma
interpretação corretiva seria uma interpretação contra legem em duplo
sentido por também ir contra os critérios do art. 9 do CC. Além disso, a lei
é produzida pelos órgãos competentes e democraticamente legitimados,
pelo que não pode ser afastada pelo juiz, que se encontra vinculado à lei
(art. 203 da CRP).

20§ DETECÇÃO DE LACUNAS

I. DETERMINAÇÃO DA LACUNA
Falta de Regulamentação: A lacuna decorre da inexistência de uma regra para
regular um caso jurídico. Implica que falte uma regra jurídica, não uma regra
legal já que não existe lacuna quando a regra é inferida de outra fonte ou, ainda,
se o caso puder ser resolvido por um princípio implícito ou por uma regra
derivada, já que a lacuna não é a falta de regulamentação expressa, mas a falta
de qualquer regulamentação. Para que exista lacuna não basta uma lacuna legis,
mas antes que se verifique uma lacuna iuris, ou seja, só existe lacuna quando
não der, de nenhuma fonte de direito, para inferir uma regra para regular o caso

★ Lacuna Legis vs. Insuficiências axiológicas do sistema jurídico: Nas


insuficiências algo deve estar regulado, mas não porque a completude do
sistema o exija como nas lacunas, mas porque se entende que, em nome

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
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de qualquer valor, o sistema deve conter uma solução para um caso ou


não deve dar a um caso a mesma solução que fornece a outro - ex:
eutanásia
★ Causas da Falta:

○ O legislador considera que a solução ainda não se encontra


suficientemente amadurecida para poder ser consagrada na lei

○ A técnica legislativa pode ser deficiente e o legislador não ter


regulado uma matéria que deveria ter regulado

○ A fonte pode não ter valor jurídico

○ A evolução social ou tecnológica pode cirar uma lacuna que não


existia anteriormente

Incompletude no Sistema: A lacuna só existe quando, para um caso com


relevância jurídica, falte a respetiva regulamentação. Pelo que pressupõe um
fator negativo (ausência de regulamentação) e um fator positivo (exigência
dessa regulamentação)

★ Possibilidade da Incompletude: A lacuna é uma incompletude no


sistema jurídico, pressupondo que é possível tal incompletude. Kelsen
defendeu a completude do sistema com base na ideia de que quando a
ordem jurídica não estatui o dever do indivíduo realizar uma dada
conduta, a permite - o que não é proibido é permitido. Todavaia, a
circunstância do sistema jurídico não proibir uma conduta não significa
que ele seja completo: existe uma incompletude no sistema se ele exigir
uma regulamentação diferente da não proibição da conduta, ou seja, se
requiser que a conduta seja obrigatória ou não permitida.

★ Sentido da Incompletude: Tomando como parâmetro de análise o


direito português, o art. 10º do CC fornece os critérios para a integração
de lacunas: a analogia (10/1) e a regra hipotética criada dentro do
espírito do sistema (10/3). Estes critérios apenas podem completar o
sistema jurídico, não o podendo desconsiderar ou violar. Os sistemas
jurídicos podem ser incompletos ao nível das fontes, daí as lacunas, mas
são sempre completos ao nível das regras quando admitem critérios de
integração de lacunas extraídos deles próprios.

★ Deteção da Incompletude: Um caso concreto pode não encontrar


nenhuma resposta no ordenamento sem que isso indicie uma lacuna,
havendo, antes do mais, delimitar o espaço livre de direito que engloba
tudo o que para o direito é irrelevante. A lacuna, em contrapartida,

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pressupõe uma incompletude no ordenamento jurídico, pois assinala a


falta regulamentação exigida pelo sistema jurídico, ou seja, vamos estar
perante casos com relevância jurídica, mas sem solução no sistema.
★ Indícios da Incompletude: Para determinar se este requisito está
preenchido há que verificar se o ordenamento está incompleto pela falta
de uma regulamentação de casos análogos a outros que estejam
previstos. A regulamentação de casos semelhantes ao caso omisso
constitui indício de uma lacuna, pois isso implica uma violação do princípio
da igualdade perante a lei (art. 13/1 da CRP). A analogia constitui o
primeiro critério de integração de lacunas (art. 10/1 do CC).

★ Exclusão da Incompletude: Se a analogia pode ser utilizada como


indício de uma incompletude no sistema, então um sistema que não
admite analogia não pode comportar nenhuma incompletude, como é o
caso do direito penal (art. 3/1 do CP), do domínio do direito fiscal (11/4
LGT), das regras jurídicas cuja previsão se refere a um facto que é o único
que pode desencadear a aplicação da sua estatuição, pois que para que a
aplicação analógica de uma regra seja admissível é necessário que outros
factos, que não apenas aqueles que constam da sua previsão, possam
desencadear a aplicação da sua estatuição, quando o sistema é completo,
ou seja, quando não há nenhuma caso que não encontre solução, ou
quando é fechado porque este tipo de sistema não admite a sua aplicação
a casos omissos, pelo que tudo o que não é proibido é permitido.

II. CLASSIFICAÇÕES DAS LACUNAS


Normativas vs. de Regulação:

★ Lacunas Normativas: Falta uma regra jurídica

★ Lacunas de Regulação: Falta todo um regime jurídico

Intencionais vs. não Intencionais:

★ Lacunas Intencionais: Resultam da circunstância do legislador não ter


querido regular uma determinada matéria por ter considerado que ela
deve ser regulada por soluções desenvolvidas primeiro pela jurisprudência
ou pela doutrina.

★ Lacunas não Intencionais: Decorrem do facto do legislador, por


equívoco ou perícia, não ter regulado uma determinada matéria

Iniciais vs. Subsequentes:

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★ Lacunas Iniciais (ou Primárias): Verificam-se desde o início da


vigência de um regime jurídico
★ Lacunas Subsequentes (ou Secundárias): Sobrevêm, por razões de
evolução social, técnica económica ou outra, ao início de vigência de um
regime jurídico

Patentes vs. Ocultas:

★ Lacunas Patentes: Resultam da falta de uma regra ou de um regime


jurídico que é imediatamente detectada

★ Lacuna Oculta: Decorre de uma interpretação ab-rogante, por se


verificar que, afinal, nenhuma regra é aplicável à situação.

21§ INTEGRAÇÃO DE LACUNAS

I. ENQUADRAMENTO GERAL
Necessidade de Integração: Perante a existência de uma lacuna são possíveis
duas soluções:

★ O juiz considera que o caso não pode ser resolvido por falta de
regulamentação aplicável e abstém-se de proferir uma decisão. O tribunal
verifica a situação de non liquet e, por falta de regra aplicável, não está
em condições de proferir nenhuma decisão

★ O juiz tem de proferir uma decisão sobre o caso omisso (principle of


unavoidability), solução do art. 8/1 do CC e que vigora no ordenamento
jurídico português, bem como na generalidade das ordens jurídicas. O
juiz, depois de detetar a lacuna tem de a integrar, para depois decidir. A
obrigação de decidir casos omissos e a possibilidade de completar o
sistema são realidades correlativas, dado que aquela obrigação só pode
ser cumprida se esta possibilidade existir.

Critérios de Integração (art. 10 do CC):

★ Analogia Jurídica: A analogia é o primeiro critérios de integração de


lacunas, pois que os casos omissos são regulados segundo a regra
aplicável aos casos análogos (art. 10/1 do CC)

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★ Regra Hipotética: Quando não é possível fazer analogia, procede-se à


integração através de um regra hipotética que é aquela que o próprio
intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema
(art. 10/3 do CC)
II. ANALOGIA JURÍDICA
Analogia: Assenta na partilha de, pelo menos, uma qualidade, pois, segundo
Aristóteles, ela exige que duas coisas possuam “mais igual do que diferente”.

★ Art. 10/2 do CC: Há analogia quando, no caso omisso, há as razões


justificativas da regulamentação do caso previsto. Pressupõe identidade
de razões da regulamentação legal do caso previsto e do caso omisso.

Proibição da Analogia:

★ Regras Penais: Baseia-se no princípio nullum crimen sine lege (ou nulla
poena sine lege do art. 29/3 da CRP) do qual decorre que não é permitido
o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um
estado de perigosidade ou determinar uma pena ou uma medida de
segurança (art. 3/1 do CP).

★ Regras Fiscais: As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas


na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de
integração analógica (art. 11/4 da LGT)

★ Regras Excepcionais:

○ Art. 11 do CC: Dispõe que as regras excepcionais não comportam


aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva. Esta
solução poderia ser justificada pela circunstância de o conjunto
constituído pela regra geral e excecional não poder admitir
nenhuma lacuna, dado que o que não fosse abrangido pela regra
excepcional seria, necessariamente, regulado pela regra geral.
Contudo, esta solução não é plenamente satisfatória porque o
carácter excecional de uma regra pode resultar apenas da
formulação escolhida pelo legislador - “é proibido estacionar exceto
aos domingos” = “é permitido estacionar aos domingos”

○ Critério que justifique a proibição da analogia: Assenta na distinção


entre excepcionalidade substancial e formal.
■ EXCEPCIONALIDADE SUBSTANCIAL: Constrói um ius
singulare, ou seja, um direito que é introduzido por razões de
utilidade particular contra a razão geral. Só esta é
incompatível com a analogia.

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

■ EXCEPCIONALIDADE FORMAL: Contraria uma regra geral


sem contrariar os valores fundamentais do sistema jurídico
ou que, apesar de contrariar os valores fundamentais da
regra geral, se apoia em outros valores fundamentais
★ Tipologias Taxativas: Só comportam concretizações do tipo que nela
estiverem previstas. São bastante frequentes, dado que o sentido
regulativo do direito atribui frequentemente carácter taxativo às tipologias
legais. As tipologias taxativas são tipologias fechadas, pelo que elas não
admitem a aplicação analógica a subtipos não previstos, embora nada
impeça, se os elementos da interpretação assim o impuserem, a
interpretação extensiva de um ou de vários subtipos dela constantes

Comunhão de Qualidades: Há analogia sempre que, no caso omisso,


procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. Se
a razão subjacente ao regime do caso previsto for igualmente adequada para o
caso omisso, então os casos são análogos, algo que é imposto pelo princípio da
igualdade do art. 13 da CRP.

★ Analogia e Tipo: A relação de semelhança pressupõe que as realidades


comparadas sejam simultaneamente idênticas e diversas. Sendo assim, o
problema reside em saber qual é o critério que permite aferir as
semelhanças entre o caso previsto e o caso omisso. O critério é o
seguinte: os casos são semelhantes se eles apresentarem as mesmas
características essenciais, isto também pode ser visto na medida em que o
caso previsto e o caso omisso são análogos se eles pertencerem a um
mesmo tipo, ou seja, se forem subtipos do mesmo tipo. A lacuna é
preenchida através da aplicação analógica da regra que é aplicável aos
casos análogos.

★ Analogia e Valoração: Na integração de lacunas a analogia jurídica tem


de assentar num juízo valorativo porque a escolha entre o que é
considerado essencial e o que é tido por acidental no caso omisso e no
caso previsto exige um juízo valorativo e porque a ponderação sobre as
características essenciais do caso omisso e do caso previsto são
suficientemente próximas para que os casos possam ser considerados
análogos é igualmente valorativa.

★ Analogia e Ratio Legis: A consequência jurídica que é atribuída ao caso


previsto deve ser igualmente adequada para o caso omisso (art. 10/2 da
CRP). Daí que só se considere o caso omisso análogo ao previsto quando
os princípios que orientam a regulação do caso previsto puderem ser
transpostos para a solução do caso omisso

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Luísa Braz Teixeira

★ Distinção entre analogia e interpretação: A interpretação destina-se a


extrair a regra da fonte, pressupondo a subsunção de casos a essa fonte,
enquanto que a aplicação analógica consiste em aplicar a regra a um caso
que ela não prevê. Mais difícil pode ser traçar a distinção entre a
interpretação extensiva e a aplicação analógica da regra. No entanto, é
possível proceder a essa distinção porque mesmo com a interpretação
extensiva da fonte imposta pelos elementos não literais da interpretação,
a fonte não abrange o caso omisso, só podendo ser resolvida através da
aplicação analógica da regra inferida da fonte. Para além disso, a
interpretação extensiva da fonte possibilita a construção de uma regra
para além do significado literal dessa fonte que tem, como todas as
regras, um âmbito de aplicação, enquanto que a aplicação analógica da
regra que foi inferida da fonte reporta-se a um caso que está fora desse
âmbito, sendo utilizada para integrar uma lacuna.

★ Modalidades da Analogia:

○ Analogia Legis (ou “analogia particular”): Utiliza, na procura dos


princípios orientadores de um regime jurídico, apenas a regra
jurídica que regula um caso análogo. Existe uma regra jurídica que
regula um caso semelhante.

○ Analogia Iuris (ou “analogia geral”): Utiliza, na procura dos


princípios orientadores de um regime jurídico, uma pluralidade de
regras jurídicas. Não existe uma regra jurídica que regule um caso
semelhante, decorrendo essa regra do ordenamento jurídico.
■ CRÍTICA DO MST: Como esta analogia pressupõe que vigore
no ordenamento jurídico um princípio que seja aplicável ao
caso em apreciação, não há sequer uma lacuna que deva ser
integrada, dado que afinal há um princípio que regula aquele
caso. O mais que se pode dizer é que, enquanto na analogia
legis há uma regra que é aplicada como analogicamente, na
analogia iuris a aplicação analógica é de um princípio jurídico.
Deste modo, a admissibilidade da analogia iuris como critério
de integração de lacunas implicaria negar que os princípios
jurídicos possam ser critérios de decisão de casos concretos,
o que permite concluir que a analogia iuris não pode ser
incluída na analogia prevista nos art. 10/1 e 2 do CC, pois se
há um princípio que abrange o caso, então o caso não é
omisso.

III. REGRA HIPOTÉTICA


Noção: Na falta de um caso análogo ao caso omisso, a lacuna é preenchida
através da regra que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do

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espírito do sistema (art. 10/3 do CC). A construção da regra hipotética está


excluída quando o sistema é fechado ou não comporta nenhuma lacuna.

Construção da Regra:

★ Abstração e Generalidade: A integração da lacuna através da


construção de uma regra hipotética deve orientar-se pelos valores de
abstração e de generalidade que são característicos das regras jurídicas.

★ Espírito do Sistema: O intérprete tem de construir a regra hipotética


com observância do espírito do sistema (art. 10/3 in fine do CC). Implica
uma atividade de prospecção, dado que o aplicador deve procurar
descobrir nesse sistema o princípio formal e o princípio material que o
devem orientar naquela integração.

★ Comparação das Soluções: Quando a lacuna não for resolvida através


da aplicação analógica da regra que regula o caso previsto porque os
princípios que a orientam não são os adequados para regular o caso
omisso, verifica-se mesmo uma dupla relevância daqueles princípios:
primeiro esses princípios relevam para obstar à aplicação analógica de
uma regra, depois aqueles princípios relevam para orientar a construção
da regra hipotética.

Características da Regra: Não cria direito porque não é uma fonte de direito

TÍTULO II - SOLUÇÃO DE CASOS CONCRETOS

22§ CRITÉRIOS DE SOLUÇÃO

I. GENERALIDADES
Enunciado: Um caso com relevância jurídica pode ser resolvido através de
critérios normativos ou não normativos. Os critérios normativos baseiam-se em
leis abstratas e gerais e assentam num princípio de universalização, já os não
normativos são critérios que se baseiam num princípio de especialidade em que
cada caso deve ser decidido atendendo às suas particularidades.

Ponderação: A escolha entre os critérios normativos ou não normativos é, no


essencial, uma escolha entre duas opções: a confiança (critério normativo) ou a
justiça (critério não normativo)

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II. CRITÉRIOS NÃO NORMATIVOS


Discricionariedade: Atribui ao órgão decisório a possibilidade de decidir
segundo o que mais for conveniente e oportuno para a prossecução de um
determinado interesse.

Equidade: Justiça do caso concreto

★ Antecedentes: O primeiro teorizador da equidade foi Aristóteles que


defendia que a justiça e a equidade eram o mesmo, só que a equidade era
mais poderosa por ser retificadora do defeito da lei, defeito que resulta ser
da sua característica universal. Em contraposição ao caráter abstrato e
geral da lei, a equidade atende às especificidades do caso concreto e
procura encontrar uma solução justa considerando essas mesmas
especificidades.

★ Direito Vigente: O art. 4º do CC, relativamente à relevância da


equidade, integra-a nas fontes de direito. Todavia, a equidade não pode
ser considerada fonte de direito já que não possui as características de
abstração ou generalidade que são características normais da lei.

★ Critério de Decisão: A equidade pode ser um critério exclusivo ou


concorrente de solução de casos concretos. A equidade não pode ser
utilizada fora do enquadramento do sistema jurídico ou da vontade das
partes, nomeadamente para corrigir qualquer solução decorrente daquele
sistema.

○ Critério único de solução: Quando haja disposição legal que o


permita (art. 4/a do CC), acordo das partes e a relação jurídica não
seja indisponível (art. 4/b do CC) ou as partes tenham
convencionado que a apreciação da causa seja realizada por um
tribunal arbitral e que este julgue segundo a equidade (art. 4/c do
CC)

○ Critério concorrente de decisão: Situações em que a equidade se


conjuga com um critério normativo - ex: casos de responsabilidade
civil para proceder à quantificação dos danos

III. CRITÉRIOS NORMATIVOS


Noção: Conduzem à aplicação de uma regra jurídica na resolução de um caso
concreto

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

Determinação da Regra: Se, no ordenamento jurídico, só há uma regra que


regula o caso, ela vai ser aplicada na solução. Todavia, pode acontecer que
existam várias regras potencialmente aplicáveis. Podendo surgir três situações:

★ Cumulação de Regras: Todas as regras são aplicadas ao caso, porque


elas definem diferentes efeitos jurídicos que são compatíveis entre si. É
bastante frequente porque é uma consequência da circunstância de a
ordem jurídica analisar por diferentes ângulos uma única situação da vida.
Raramente um caso é resolvido através da aplicação de uma única regra
jurídica, normalmente há uma regra que fornece a qualificação principal e
várias outras que atribuem qualificações acessórias.

★ Concurso de Regras: Qualquer das regras pode ser aplicada ao caso


porque todas elas definem o mesmo efeito jurídico. Implica uma relação
de alternatividade entre as regras concorrentes, pelo que qualquer uma
delas pode ser utilizada para resolver o caso em apreciação.

★ Conflito de Regras: Só uma das regras pode ser aplicada ao caso porque
elas são incompatíveis. A escolha da regra é feita através de critérios de
especialidade, excepcionalidade, subsidiariedade e consumpção.

○ Critério de Especialidade: Se uma das regras for geral e a outra


especial, prevalece a especial sobre a geral (lex specialis derogat
legi generali) - ex: regra da interpretação do testamento prevalece
à da interpretação dos negócios jurídicos.

○ Critério de Excepcionalidade: Se uma das regras for geral e a outra


excepcional, prevalece a excepcional sobre a geral - ex: forma dos
contratos onerosos face ao princípio de liberdade de forma.

○ Critério de Subsidiariedade: Se uma das regras for principal e outra


subsidiária, a regra subsidiária só se aplica quando a principal não
for aplicável ao caso - ex: prisão preventiva não deve ser decretada
quando for possível medidas mais suaves

○ Critério de Consumpção: Se uma das regras consumir uma outra


regra, só se aplica a regra consumptiva - ex: se alguém mata
alguém com dolo e antes agride a pessoa, só conta o homícidio

Princípios Jurídicos: Sejam formais ou materiais, também são critérios


normativos de decisão de casos concretos. É mais comum o recurso aos (mais
concretos) princípios materiais, do que aos (mais abstratos) princípios formais,
mas não está excluído que uma decisão se possa fundamentar nos princípios
formais de justiça, confiança ou eficiência.

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
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23§ TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

I. FUNÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO
Argumentação Jurídica: Visa criar uma convicção num destinatário. Provém
de um interessado e tem, pelo menos, um destinatário, mas, muito
frequentemente, tem ainda um outro destinatário, o juiz com competência para
a decisão do caso concreto. Os interessados procuram influenciar a construção
da decisão recorrendo a argumentos que possam levar a formar no julgador a
convicção de que o caso deve ser resolvido pela regra jurídica que pretendem
que seja aplicada e da forma como pretendem que seja aplicada.

★ Argumentação Jurídica Aberta: O interessado pode argumentar sobre


qualquer tema.

★ Argumentação Jurídica Fechada: A lei limita os temas sobre os quais


pode recair a argumentação.

II. TEORIA PROCESSUAL


Generalidades: Alexy construiu uma teoria processual da argumentação com
base na premissa de que as questões práticas (de âmbito valorativo ou
normativo) podem ser resolvidas através da argumentação, porque qualquer
juízo de valor ou de dever ser tem uma pretensão de correção e porque se esta
pretensão for questionada é possível distinguir entre bons e maus fundamentos
e entre argumentos válidos e inválidos.

Premissas da Teoria:

★ Premissas Gerais:

○ A teoria do discurso é uma teoria processual da correção prática.


Segundo ela, uma norma é correta e, por isso, válida quando puder
ser o resultado de um determinado processo, nomeadamente o de
um discurso prático e racional. O processo do discurso é um
processo argumentativo
○ A racionalidade da argumentação é assegurada através da
utilização de um sistema de regras e de formas de argumentação
próprias do discurso prático.

○ A razão prática é a faculdade de chegar a conhecimentos práticos


através do sistema de regras próprias do discurso, daí que o
discurso jurídico seja um caso especial do discurso prático, pois a
argumentação jurídica ocorre sob uma série de condições

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RESUMOS IED II - REGÊNCIA PROFESSOR JOSÉ LAMEGO - TB - 2020/2021
Luísa Braz Teixeira

limitadoras como a sujeição à lei, a consideração obrigatória dos


precedentes, o enquadramento na dogmática elaborada pela ciência
jurídica organizada institucionalmente e as limitações impostas
através das regras das leis processuais. Todavia, não há diferença
entre o discurso prático e o jurídico face ao objeto, pois ambos
procuram determinar o que é correto e permitem aferir o que deve
ser realizado ou omitido. O discurso jurídico é, por isso, um
discurso prático com uma racionalidade própria.

★ Relatividade da Correção: A correção de uma decisão pode ser obtida


através de um discurso prático, mas isso não significa que esse discurso
conduza necessariamente à obtenção de um consenso entre os
participantes, nem da única decisão que possa ser correta pois, segundo
Alexy, isso nem sequer sucede num discurso ideal. Qualquer correção que
seja obtida num discurso é necessariamente relativa em função das
regras, dos participantes e da ocasião em que ele ocorre.

Condições do Discurso: O ponto de partida do discurso prático é constituído


pelas convicções dos participantes sobre o modo como há que resolver uma
questão prática, mas essas convicções podem ser alteradas através de uma
argumentação racional desenvolvida durante a discussão.

★ Regras do Discurso por Alexy:

○ Regras Básicas: Relativas às condições prévias que possibilitam


qualquer comunicação

○ Regras de Racionalidade: Garantem a igualdade da posição dos


participantes no discurso, a universalidade da argumentação e a
liberdade desses participantes perante qualquer coerção

○ Regras sobre o Ónus da Argumentação: Regras de carácter técnico


que repartem pelos participantes o ónus de argumentar e justificar

○ Regras de Justificação: Relativas aos argumentos utilizados no


discurso

○ Regras de Transição: Baseiam-se na circunstância dos resultados de


um discurso prático poderem depender dos resultados conseguidos
noutras espécies do discurso, nomeadamente no discurso
linguístico-analítico e no discurso teórico sobre o discurso.

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Justificação do Discurso:

★ Justificação Interna: Respeita à questão de saber se a decisão decorre


logicamente das premissas constantes da fundamentação.

★ Justificação Externa: Tem por objeto a correção das premissas que


constituem a fundamentação

○ Argumentação Dogmática: Baseia-se em proposições dogmáticas

○ Argumentação Empírica: Baseia-se me afirmações dogmáticas

○ Formas Especiais de Argumentação Jurídica: Comportam a


analogia, o argumento a contrario, a fortiori e ad absurdum.

III. DISSENSO RACIONAL E IRRACIONAL


Regras Propostas por Aarnario11:

★ Regras de Consistência: O discurso prático deve ser consistente e


isento de contradições

★ Regras de Eficácia: O discurso prático deve conduzir a uma conclusão

★ Regras de Sinceridade: Permitem que todos possam participar no


discurso de forma honesta sem quaisquer tabus

★ Regras de Generalização: Um participante no discurso não pode emitir


um juízo de valor que não seja aplicável a casos similares.

★ Regras de Fundamentação: Qualquer proposição deve ser justificada


mediante tal seja solicitado.

★ Regras de Ónus da Prova: Exige, em certas situações, uma justificação


de determinado tipo ou com um certo conteúdo

Apreciação da Teoria Processual:

★ Insuficiência do Discurso: Para a teoria processual da argumentação, o


resultado de um discurso é considerado correto quando tenham sido
observadas as regras da argumentação racional. No entanto, o
reconhecimento de que qualquer discurso racional está submetido a

11
em contraposição às regras propostas por Alexy

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determinadas regras não pode conduzir à aceitação irrestrita de qualquer


resultado desse discurso, pois o discurso é um meio para a obtenção da
verdade, mas a sua utilização não garante a obtenção da verdade. Isto
decorre do facto de que a decisão pode ser completamente correta em
face do que as partes discutiram e dos factos que foram apurados em
juízo, mas resta sempre saber se as partes discutiram o que deviam e
como deviam, se os factos apurados correspondem aos verdadeiros e se
não ficaram por apurar factos relevantes.

★ Eventualidade do discurso: A discussão nem sempre pode ocorrer em


condições ideais ou pode verificar-se só com um número restrito dos
interessados. As orientações processuais pressupõem uma realidade que,
atendendo às condições do caso concreto, é, quase sempre, contrafactual.

Consenso vs. Dissenso:

★ Importância do Dissenso: A teoria processual da argumentação visa


definir as condições de um discurso racional com vista a obter um
consenso sobre uma solução. Esta teoria acerta no método (definir
condições de racionalidade), mas equivoca-se quanto ao objetivo
(consenso), pois o normal não é uma discussão terminar em consenso,
mas sim em dissenso. Daí que em vez de procurar uma teoria consensual
da verdade ou da correção, o que importa é construir uma teoria do
dissenso irracional, o que é relevante não é pensar que pode haver
consenso sobre tudo, mas demonstrar que uma discordância pode ser
irracional.

★ Racionalidade do Dissenso: Existe um consenso sobre a racionalidade


do dissenso numa série de matérias, pois que ninguém achará irracional
que nem todos partilhem dos mesmos gostos, crenças, ideologias, desejos
ou aspirações. Estas são matérias em que é possível discutir com base em
argumentos racionais e em que a única posição racional é aceitar que todo
o dissenso sobre elas é racional.

★ Irracionalidade do Dissenso: A argumentação racional não se destina a


obter a racionalidade do consenso mas a irracionalidade do dissenso,
sendo que se for garantida a racionalidade da discussão, está igualmente
assegurada a irracionalidade do dissenso.

○ Regras na Discussão:
■ REGRA DA UNIVERSALIDADE: Tudo o que for passível de
discussão será discutido
■ REGRA DA EXAUSTÃO: Todos os argumentos passíveis de
discussão devem poder ser invocados e discutidos.

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■ REGRA DA IGUALDADE: Todos os argumentos que um


interessado pode invocar podem ser invocados por qualquer
contra-interessado.
■ REGRA DO CONTRADITÓRIO: Tudo o que for argumentado
por um interessado pode ser contrariado por um
contrato-interesseiro.
■ REGRA DO ÓNUS DA PROVA: Tudo o que for afirmado por um
contra-interessado deve ser provado
■ REGRA DA INDISCUTIBILIDADE: Tudo o que for provado ou
não provado é indiscutível.

24§ ANÁLISE DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

I. ELEMENTOS DA ARGUMENTAÇÃO
Noção de Argumento: Meio de fundamentação da relação entre uma premissa
e uma conclusão. Proposição que permite transformar uma “opinião em
conhecimento”.

Estrutura do Argumento (Toulmin): O dado D implica a conclusão C com


base na razão R que se alicerça no fundamento F, a menos que se verifique a
exceção E.

★ C: Conclusão - claim ou conclusion

★ D: Dados que conduzem à conclusão - data

★ R: Razões que justificam a relação entre os dados e a conclusão -


warrants

★ E: Exceções à relação entre os dados e a conclusão - exceptions ou


rebuttals

★ F: Fundamento que alicerça as razões - backing

Âmbito dos Argumentos: Os argumentos permitem construir premissas que


passam dos factos e do direito para a decisão.

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II. MATÉRIA DE DIREITO


Argumento a simile (ou argumento com base na analogia): Baseia-se na
analogia entre dois ou mais casos, alicerçando-se na unidade do sistema jurídico
e, em particular, no princípio da igualdade (art. 13 da CRP), segundo o qual o
que é igual deve ser tratado de forma igual.

★ Concretização:

○ Integração de Lacunas: O argumento a simile permite integrar, por


analogia, lacunas (art. 10/1 e 2 do CC), daí que só possa ser
utilizado quando a analogia for admissível, excluindo, nos termos
gerais da proibição da analogia, sempre que a regra define um ius
singulare ou contenha uma tipologia ou enumentação taxativa

○ Delimitação do Campo de Aplicação de uma Regra: O legislador


pode prevenir a lacuna através da inclusão dos casos análogos na
previsão de uma mesma regra, recorrendo a uma remissão para
outra regra, uma tipologia, uma enumeração enunciativa ou
estender o campo de aplicação da regra aos casos análogos

Argumento a contrario: Assenta no princípio de que se a regra só abrange um


determinado caso então se pode concluir que todos os casos que não sejam
análogos ao caso regulado são abrangidos pela regra de sentido contrário. A sua
grande dificuldade consiste em saber se a regra, ao regular um caso, exclui do
seu âmbito todos os outros casos (aplicação do argumento a contrario) ou se,
apesar de referir apenas um caso, deve ser aplicada a outros casos não previstos
(aplicação da analogia).

★ Em Sentido Forte ou Fraco:

○ Sentido Forte: A sua base é uma regra excepcional. A regra que


fundamenta tem de ser uma regra insusceptível de aplicação
analógica aos casos nela não previstos. Ocorre nas regras que
definem um ius singulare, que contém uma tipologia taxativa ou
que são submetidas a uma interpretação restritiva. Baseia-se na
inadmissibilidade da analogia
■ IUS SINGULARE: Analogia vedada pelo art. 11 do CC
■ TIPOLOGIA TAXATIVA: Para determinar a modalidade da
tipologia há que considerar os elementos fornecidos pelo
direito positivo, interpretados de acordo com a regras gerais
da matéria de interpretação.
■ INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA FONTE: Sempre que esta
interpretação não implique a aplicação de outra regra.

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○ Sentido Fraco: A sua base é o silêncio legal. Assim, se uma regra


jurídica determina que só um dado facto produz um efeito
específico, então outro facto, não subsumível à regra, não vai
produzir tal efeito. Assenta na alternatividade entre dois contrários.

★ Delimitação do Argumento: O argumento a contrario só pode ser


utilizado quando se não possa recorrer ao argumento a simile.

Argumento a fortiori:

★ Argumento a minori ad maius: Se o “menos” é suficiente para produzir


certos efeitos jurídicos, então o “mais” produz necessariamente os
mesmos efeitos.

★ Argumento a maiori ad minus: Se a regra permite o “mais”, também


permite o “menos”.

III. MATÉRIA DE FACTO


Tipos de Argumentos:

★ Base do Argumento: Num processo jurisdicional, o que é conhecido


sobre a matéria de facto pode ser uma premissa ou uma conclusão de
facto. Se for conhecida uma premissa de facto, o argumento vai pretender
fundamentar uma conclusão que possa ser retirada dessa premissa.

★ Presunção e Abdução: Quando for conhecida a premissa de facto, o


argumento que pode conduzir à conclusão de facto é de carácter
presumptivo, quando for conhecida a conclusão de facto, o argumento que
pode conduzir à premissa de facto é de carácter abdutivo.

Argumentos Presumptivos: Partindo de um facto, procura justificar uma


conclusão de facto (esquema de Toulmin: D-R-F-C).

Argumentos Abdutivos: A abdução é o processo de formação de uma hipótese


explicativa, introduzindo uma ideia nova. Partindo de uma conclusão de facto,
procura encontrar o facto que a justifica da forma mais plausível possível
(esquema de Toulmin: C-R-F-D). Importante por permitir encontrar as causas.

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25§ CONSTRUÇÃO DA DECISÃO

I. GENERALIDADES
Discovery vs. Justification:

★ Contexto da Descoberta (Context of Discovery): Refere-se à


formulação de uma teoria. No contexto da decisão do caso concreto vai se
reportar à decisão.

★ Contexto da Justificação (Context of Justification): Respeita à


demonstração da teoria. No contexto da decisão do caso concreto vai se
reportar à fundamentação da decisão12.

Precedência da Regra: Em teoria, a decisão só deve ser tomada depois de


estarem apurados os factos relevantes e determinada a regra aplicável. Todavia,
frequentemente, o aplicador do direito começa por tomar a decisão e, só depois,
a procura fundamentar. A precedência da descoberta da decisão não constitui
nada de preocupante, apenas implica que tem de ser encontrada uma
justificação para a decisão. Contudo, tal não quer dizer que a justificação possa
ser influenciada pela descoberta, dado que a aplicação de uma regra a um caso
concreto implica sempre a conjugação de um ato de conhecimento (determina
os factos relevantes), um ato de valoração (determina a regra aplicável) e um
ato volitivo (constrói a decisão), o apuramento daqueles factos e a extração da
regra da sua fonte não deve ser justificada pela vontade de proferir uma certa
decisão.

Fundamentação da Decisão:

★ Necessidade: As decisões dos tribunais, constituindo o paradigma das


decisões de aplicação do direito a casos concretos por órgãos para tal
competentes, aplicam uma regra a um facto, conjugando matéria de
facto, constituída pelos factos juridicamente relevantes, e matéria de
direito, constituída pela regra jurídica que é aplicada a esses factos. Daí
que a decisão comporte matéria de facto, relativa a factos relevantes e
alegada pelas partes, e matéria de direito, relativa à regra aplicável e
reconhecida sempre oficiosamente pelo tribunal.

★ Importância: A fundamentação da decisão é essencial para o controlo da


sua racionalidade, dado que a racionalidade da decisão só pode ser aferida
pela sua fundamentação.

12
A descoberta da decisão e a justificação da decisão não podem ser vistas como atividade
separáveis pois que a decisão tem sempre de ser justificada.

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★ Tipos:

○ Coerência interna da decisão: Reporta-se à sua coerência com as


respectivas premissas de facto e de direito, já que a decisão não
pode ser logicamente válida se não for coerente com aquelas
premissas.

○ Correção externa da decisão: Respeita à correção da construção


das suas premissas de facto e de direito, ainda que a decisão seja
coerente com aquelas premissas e ainda que, por isso, seja
logicamente válida, a decisão não pode ser correta se aquelas
premissas não tiverem sido obtidas corretamente. Parte mais difícil.

II. CORREÇÃO EXTERNA


Generalidades: A justificação externa da decisão respeita à correção da
construção das premissas de facto e de direito. Como a regra jurídica comporta
uma previsão e uma estatuição, a correção externa da decisão refere-se à
determinação dos factos relevantes, à correspondência desses factos com a
previsão da regra escolhida e à determinação do efeito jurídico que decorre da
estatuição da regra aplicável. Implica que, na construção da decisão, se
conjugam elementos cognitivos, valorativos e volitivos:

★ Elementos Cognitivos: Respeitam à determinação das premissas de


facto

★ Elementos Valorativos: Respeitam à determinação das premissas de


facto e à concretização do efeito que decorre dessa regra

★ Elementos Volitivos: Tomada de decisão

Premissas de Facto:

★ Necessidade da Prova: No âmbito dos processos jurisdicionais é


frequente que cada parte forneça uma versão diferente de um
acontecimento, criando dúvida sobre a sua veracidade que só pode ser
resolvida através da prova.

★ Noção de Prova: Visa demonstrar a realidade dos factos (341 do CC),


recaindo sobre um determinado facto e utilizando certos meios para ser
valorada pelo tribunal

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★ Procedural Defeasibility: Um argumento diz-se “derrotável” quando a


sua força pode ser questionada por factos que não põem em questão as
suas premissas, sendo bastante frequentes (ex: argumentos indutivos)

○ Distribuição do ónus da prova: Baseia-se no postulado que é


possível derrotar um argumento sem pôr em causa as suas
premissas. Uma das formas encontradas para solucionar o
problema da distribuição do ónus da prova entre as partes de uma
ação, foi a de distinguir os factos constitutivos, que vão ter de ser
provados pelo autor, dos impeditivos, modificativos ou extintivos,
que vão ter de ser provados pelo réu.

★ Valoração da Prova:

○ Prova Legal ou Tarifada: O valor da prova encontra-se tarifado pela


lei - ex: documentos exarados pelos notários

○ Prova Livre: A prova não tem nenhum valor pré-fixada, sendo


livremente valorada pelo julgador de acordo com a sua prudente
convicção, revelando frequentemente regras da experiência - ex:
prova testemunhal

★ Resultado da Prova:

○ A prova realizada conduz a que se considere que o facto foi


provado: Não se levantam problemas quanto ao sentido da decisão,
havendo um facto que pode ser incluído na previsão de uma regra.

○ A prova realizada leva a concluir que o facto não provado: Não se


levantam problemas quanto ao sentido da decisão, não havendo
qualquer facto que possa ser incluído na previsão de uma regra

○ A prova realizada foi includente ou insuficiente: Não há motivos


para avaliar o facto como verdadeiro ou não verdadeiro e, dado que
o art. 8º do CC não permite que o tribunal se deixe de pronunciar
invocando uma dúvida sobre os factos relevantes, há que encontrar
um critério que permita ultrapassar essa dúvida.
■ CRITÉRIO NA GENERALIDADE DOS PROCESSOS JUDICIAIS:
O tribunal decide contra a parte sobre a qual recai o ónus de
de provar o facto controverso
■ CRITÉRIO NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL: Em
consequência da presunção da inocência do arguido (art.
32/2 da CRP), vale o princípio in dubio pro reo, pelo que a
insuficiência da prova sobre um facto desfavorável ao arguido
é sempre resolvida ao seu favor

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Premissas de Direito: A decisão é construída a partir da regra aplicável ao


caso concreto, pelo que a seleção da regra aplicável deve anteceder a
construção da decisão.

★ Seleção da Regra: Um facto só pode ser juridicamente relevante se


preencher uma previsão legal. A determinação da relevância jurídica do
facto coexiste com a construção da regra que o inclui na sua previsão,
pois que uma vez determinada a fonte que o qualifica como jurídico, está
também encontrada regra que o regula.

★ Fórmula de Ponderação I: A decisão pode exigir uma aturada


valorização recíproca de princípios e de regras conflituantes. Ponderar
pressupõe, primeiro, comparar e, depois, escolher um dos termos de
comparação. Assim, quando se trata de escolher entre dois princípios ou
duas regras conflitantes , não se pode deixar de considerar a influência
que cada um dos princípios ou das regras exerce na aplicação do outro
princípio ou da outra regra. A escolha do princípio ou da regra conflitante
vai se basear no postulado de que qualquer princípio ou regra pode ser
derrotado por um outro princípio ou regra, pelo que estes nunca são
escolhidos pelo que valem em si mesmos, mas pelo que valem em
confronto. A escolha resultante implica a exclusão de outras opções.

★ Fórmula de Ponderação II: Quando há que optar por uma das várias
alternativas constantes da estatuição de uma regra jurídica (ex: pena de
prisão de 4 a 6 anos). Deve se comparar a razão que a alternativa fornece
para a sua escolha com a contra-razão para a sua não escolha que é
fornecida pelas demais alternativas legalmente estabelecidas, após esta
comparação, prevalece a alternativa que “derrotar” a contra-razão
fornecida pelas demais alternativas.

★ Ausência de Regra: A decisão pode ser construída a partir da ausência


de uma regra aplicável ao caso concreto:

○ O caso concreto tem relevância jurídica: Estamos perante uma


lacuna que terá de se integrar mediante a aplicação analógica de
uma regra (art. 10/1 do CC) ou da construção de uma regra
hipotética (art. 10/3 do CC).

○ O caso concreto não tem relevância jurídica: O decisor deve rejeitar


o pedido do autor da ação.

Determinação dos Efeitos: Depois de o tribunal ter escolhido a regra aplicável


através da seleção e da subsunção dos factos, são conhecidos, através da
estatuição dessa regra, os efeitos jurídicos que decorrem do facto.

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★ Modalidades dos Efeitos:

○ Efeitos jurídicos determinados: Completamente definido pela


estatuição da regra - ex: maioridade

○ Efeitos jurídicos indeterminados: Admitir uma concretização pelo


aplicador da regra - ex: quantificar a medida da pena de prisão

III. COERÊNCIA INTERNA


Generalidades: Respeita a sua adequação com as premissas de facto e de
direito. Os efeitos jurídicos definidos têm de ser coerentes com os factos
apurados e com a regra aplicável.

Silogismo Judiciário:

★ Estrutura:

○ Premissa Maior: Regra jurídica

○ Premissa Menor: Facto incluído na previsão da regra

○ Conclusão: Efeito decorrente da aplicação da regra jurídica ao facto

★ Consagração: As decisões dos tribunais devem comportar os


fundamentos de facto e de direito e concluir pela decisão final, pelo que
essas decisões devem ser estruturadas segundo o esquema do silogismo
judiciário. A falta de coerência entre a decisão e as suas premissas é um
vício lógico a que corresponde um desvalor jurídico, a nulidade.

Esquema Alternativo:

★ Críticas ao Silogismo Judiciário:

○ O silogismo encerra uma inversão metodológica, porque o ponto de


partida de qualquer entidade ou órgão de aplicação do direito não é
a regra jurídica, mas a situação de vida que lhe cabe apreciar

○ A premissa menor não é apenas a descrição de um facto, antes


encerra um facto qualificado como juridicamente relevante pela
regra enunciada na premissa maior, por conter a integração do
facto na regra, a premissa menor não é independente da maior

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★ Esquema Proposto: A passagem de um antecedente para um


consequente é mediada por uma regra jurídica:

○ Antecedente: Verificação do facto F1

○ Regra Jurídica: Aplicação da regra R1 ao facto F1

○ Consequente: Produção do efeito E1

IV. ACEITABILIDADE DA DECISÃO


Generalidades: A decisão não pode abstrair do ambiente extrajurídico em que
o caso concreto é decidido, como os aspetos éticos, sociais ou culturais. A
consideração destes fatores externos permite assegurar à decisão a sua
aceitabilidade racional.

Carácter Universalizável: Qualquer decisão deve poder ser universalizável, ou


seja, o que ela impõe deve poder valer para qualquer caso análogo. A
observância deste critério marca os limites da consideração das especificidades
do caso concreto pelo decisor, pois que a uniformidade na interpretação e
aplicação do direito implica que não podem ser consideradas as particularidades
que sejam irrelevantes nessa universalização.

Critério de Optimização:

★ Valorização das Consequências: A aplicação da regra é


consequencialista porque tem de tomar em conta os efeitos que vão ser
desencadeados por essa aplicação. Qualquer orientação consequencialista
é uma orientação utilitarista pois, ao atender às consequências, deve
procurar minimizar os efeitos inconvenientes e maximizar os desejáveis.

★ Escolha do Critério: Na concretização de efeitos indeterminados há que


dar relevância aos princípios formais e aos respectivos princípios materiais
que estão subjacentes à regra aplicável. A decisão deve otimizar o
princípio de justiça, confiança ou de eficiência que subjaz à regra
aplicável, pelo que tudo se resume a saber qual a decisão mais correta em
termos de justiça, confiança ou eficiência. Também há casos em que a
construção da decisão requer uma ponderação entre vários princípios que
fornecem soluções opostas.

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“No right answer?”:

★ Apresentação do Problema: Quando o efeito jurídico definido pela regra


jurídica for indeterminado, o aplicador dessa regra tem de o concretizar
através de uma ponderação, colocando-se a questão de saber se o direito
permite concluir que há uma única resposta correta para cada caso
concreto.

○ Dworkin: Baseado no postulado de que o direito não é


indeterminado, defende que o juiz não exerce qualquer
discricionariedade, sendo capaz de encontrar a única resposta
correta. Num plano estritamente jurídico, isto só é possível se se
admitir que o método jurídico é capaz de fornecer um critério que
permite controlar se a decisão se afasta daquela que deveria ter
sido proferida.
■ CRÍTICA DE WOOZLEY, SUPORTADA POR MTS: Ainda que
haja um “método infalível”, pode sempre discutir-se se ele foi
efetivamente seguido na decisão do caso, pelo que nunca
pode haver certeza de que a decisão proferida era a única
correta.

★ Certeza vs. Razoabilidade:

○ O entendimento de que há uma única resposta correta mostra-se


bastante próximo da orientação defendida pelo positivismo mais
radical de que o sistema já contém a resposta correta e de que o
juiz só tem de descobrir, tornando-se incompatível esta teoria com
orientações não positivistas.

○ Aceitando que é possível atingir uma única solução correta do caso,


a discussão sobre a correção de qualquer decisão fica restrita a
uma opção entre uma resposta favorável e uma resposta
desfavorável, diminuindo a margem de legitimação das decisões e
aumentando as hipóteses de elas serem consideradas incorretas.
Este inconveniente pode ser evitado se se utilizar um mais
abrangente e facilmente controlável critério de “aceitabilidade
racional” ou de razoabilidade da decisão.

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