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RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF.

VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022


Luísa Braz Teixeira

RESUMOS DE DIREITO
ADMINISTRATIVO I
(TRANCRIÇÕES RESUMIDAS)

INDÍCE:
“PSICOPATOLOGIA DA VIDA QUOTIDIANA” DO DIREITO ADMINISTRATIVO 3
1.1 A “INFÂNCIA DIFÍCIL” E OS MODERNOS TRAUMAS DO DIREITO ADMINISRTATIVO 3
1.1.1 “PECADO ORIGINAL” - SURGIMENTO DO CONTENCIOSO ADMINSTRATIVO EM
FRANÇA 3
1.1.2 SEGUNDO “TRAUMA” - CASO DE AGNÈS BLANCO 4
1.1.3 CONSTRUÇÃO AUTORITÁRIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO 5
1.1.4 A DISTINÇÃO “ESQUIZOFRÉNICA” ENTRE ATOS DE GESTÃO PÚBLICA E PRIVADA
5
1.2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DIREITO ADMINISTRATIVO NO ESTADO LIBERAL, NO
ESTADO SOCIAL E NO ESTADO PÓS-SOCIAL 6
1.2.1 1ª FASE - MODELO DE ESTADO LIBERAL 6
1.2.2 2ª FASE - MODELO DE ESTADO SOCIAL (SÉC. XIX-XX) 6
1.2.3 3ª FASE - MODELO DE ESTADO PÓS-SOCIAL 8
MOMENTOS DO ESTADO PÓS SOCIAL 12
1.3 ANÁLISE COMPARADA 13
1.3.1 DISTINÇÃO ENTRE O MODELO FRANCO-GERMÂNICO E ANGLO-SAXÓNICO 13
1.3.2 DIREITO ADMINISTRATIVO SEM FRONTEIRAS 16
DIREITO COMPARADO 16
DIREITO GLOBAL 17
DIREITO EUROPEU 19
1.4 SISTEMAS ADMINISTRATIVOS 21
1.4.1 CONCEITOS PRÉVIOS IMPORTANTES 21
1.4.2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO 22
1.4.3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 23

“TODOS DIFERENTES, TODOS IGUAIS” - OS PARTICULARES COMO SUJEITOS DAS


RELAÇÕES ADMINISTRATIVAS 24
2.1 DE “SUJEITO” A “SÚBDITO”: RECONHECIMENTO DE DIREITOS SUBJETIVOS DOS
PARTICULARES 24
2.1.1 CONCEPÇÕES UNITÁRIAS DOS DIREITOS SUBJETIVOS 26
2.2 RELAÇÕES JURÍDICAS 28

CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA 31


3.1 ANTECEDENTES 31
3.2 CONCEITOS IMPORTANTES 32
3.3 MODOS DE ORGANIZAÇÃO DA ADMINISRTAÇÃO 33
3.3.1 DESCENTRALIZAÇÃO 33
COMPETÊNCIAS DO GOVERNO - ART. 199 CRP 35

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ADMINISTRAÇÃO DIRETA 37
ADMINISTRAÇÃO INDIRETA 38
ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA 40
i) AUTARQUIAS LOCAIS 41
ii) ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS 42
iii) UNIVERSIDADES 43
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOB FORMA PRIVADA 44
ADMINISTRAÇÃO INDEPENDENTE 45

OS SUJEITOS PÚBLICOS DAS RELAÇÕES JURÍDICAS ADMINISTRATIVAS 46


4.1 HIERARQUIA 46
4.2 SUPERINTENDÊNCIA 47
4.3 TUTELA 47

ESQUEMA FINAL 47

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1. “PSICOPATOLOGIA DA VIDA QUOTIDIANA”


DO DIREITO ADMINISTRATIVO
1.1 A “INFÂNCIA DIFÍCIL” E OS MODERNOS TRAUMAS DO
DIREITO ADMINISRTATIVO
Nas instituições, tal como nas pessoas, os traumas são uma fonte de problemas para uma vida
inteira e tais podem ser problemas de natureza patológica, gerando “doenças''.

1.1.1 “PECADO ORIGINAL” - SURGIMENTO DO CONTENCIOSO


ADMINSTRATIVO EM FRANÇA
Direito Administrativo Pré-Revolução Francesa: O Direito Administrativo é uma
realidade muito antiga, mas é costume considerar a revolução francesa e o período que vem
de 1789 até aos nossos dias como sendo o de Direito Administrativo moderno, ou verdadeiro
Direito Administrativo, porque, efetivamente, até essa altura só havia normas dispersas.

Direito Administrativo Pós-Revolução Francesa: Os liberais instauraram um novo modelo


de estado, o Estado Liberal. Simultaneamente, os tribunais, que correspondiam à classe
senhorial do passado, perante a nova burguesia triunfante, foram proibidos de julgar a
administração, devido ao medo dos tribunais e aos limites ao novo poder.

★ Liberalismo Político: Assentava em dois pilares fundamentais: A separação de


poderes e a garantia dos direitos fundamentais.

★ Distorção do Princípio da Separação dos Poderes: Enquanto se declarou uma coisa


(separação dos poderes), aquilo que se fez foi precisamente o contrário: foi
estabelecer a promiscuidade entre administração e justiça, foi o pecado original do
surgimento do contencioso administrativo (a administração pública não é fiscalizada
por uma autoridade independente, ela fiscaliza-se a si própria).

○ Introspeção Administrativa: Este trauma vai chegar quase até aos nossos dias,
porque o resultado desta atitude foi a criação de órgãos administrativos
especiais, responsáveis por fiscalizar a Administração.

Efeitos do “Pecado Orginal” em Portugal: Este foi um trauma difícil de superar e que
ainda deixa vestígios: os juízes administrativos muitas vezes pensam duas vezes antes de
exercer os seus poderes, autolimitando-se.

★ CRP de 1933: Os tribunais administrativos integravam-se na presidência do conselho


de ministros, estando sobre a dependência direta do primeiro-ministro, e as sentenças
dos tribunais só eram executadas se os tribunais assim quisessem, pelo que os
tribunais administrativos eram órgãos do poder administrativo, no exercício da função
jurisdicional.

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○ Prof. Freitas do Amaral (DFA): Não havia, em Portugal, um sistema


jurisdicionalizado de execução das sentenças dos tribunais administrativos, o
que fazia com que estes não fossem verdadeiros tribunais, porque um tribunal
tem de ter um processo de execução das sentenças e estas têm de ser
cumpridas, não podem ser deixadas à vontade do arguido.

★ CRP de 1976: Os tribunais administratativos passaram a integrar-se no poder judicial.


Contudo, os juízes administrativos não passaram a ser juízes iguais aos outros, dado
que continuavam a não ter poderes de condenação ou de dar ordens à Administração,
ou seja, tudo o que correspondesse ao poder administrativo (atos administrativos e
regulamentos) estava fora do alcance dos juízes administrativos.

★ 2005: Os juízes administrativos adquiriram todos os poderes no quadro de um sistema


virado para a tutela dos direitos particulares, permitindo ao juiz a sua atuação, na
medida do necessário, para a tutela desses direitos- artigos 268º/4 e 268º/5 CRP.

1.1.2 SEGUNDO “TRAUMA” - CASO DE AGNÈS BLANCO


Situação: Agnès Blanco era uma criança de 5 anos, que foi atropelada pelo vagão de uma
empresa pública de tabaco em Bordéus, em 1872. Os pais, quando souberam do acidente
(que não devia ter acontecido, pois a criança estava a brincar longe da via férrea) pediram
uma indemnização ao Tribunal de Bordéus.

Processos nos Tribunais:

★ Tribunal de Bordéus: Respondeu que não era competente, por estar em causa uma
entidade administrativa, e que, mesmo se quisesse decidir, não podia, porque não
havia norma jurídica aplicável, pois o Código Civil francês regulava apenas relações
entre iguais

★ Justiça Administrativa: Os pais não se conformam e vão à justiça administrativa,


que diz que não era competente, por não estar em causa um ato administrativo, mas
um acidente fortuito, não cabendo na competência do tribunal administrativo. Além
disso, não existia norma aplicável.

○ Efeitos do Pecado Original: O juiz de primeira instância era um presidente da


câmara, um órgão administrativo, e em segunda instância podia intervir no
Conselho de Estado.

★ Tribunal de Conflitos1: Declara que se deve considerar o tribunal administrativo


competente para decidir2, mas reafirma que não há nenhum direito a regular aquela
situação, pelo que é preciso criar um novo direito para proteger a Administração.

1
Nos países em que há dualidade de jurisdições, como pode haver conflitos entre jurisdições, como quando os
tribunais se declaram incompetentes para resolver o conflito, é chamado o Tribunal de Conflitos, cuja missão é
dizer qual o tribunal que deve decidir o caso
2
Adota a chamada “teoria do serviço público’’ de Maurice Hauriou (o serviço público é aquele que é promovido
por uma entidade integrada na Administração Pública e que tanto pode exercer funções de autoridade, como
funções comerciais, como funções industriais, etc).

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Sentença: É considerada, pela doutrina francesa, como sendo uma espécie de certidão de
nascimento do Direito Administrativo - com a infelicidade, contudo, de negar uma
indemnização a uma criança de 5 anos.

1.1.3 CONSTRUÇÃO AUTORITÁRIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO


Contexto: Na lógica de um liberal do séc. XIX, a Administração Pública tinha uma única
função: garantia da segurança, da liberdade e da propriedade, através da polícia e das forças
armadas, ou seja, esta servia para exercer o poder.

“Administração agressiva”: Por mais paradoxal que pareça, há uma tendência para que o
Direito Administrativo seja visto, exclusivamente, como uma manifestação de autoridade. Tal
fará com que a teorização do ato-polícia seja a teorização do ato administrativo.

★ Manifestações: Os particulares até aos anos 60 do séc. XX não eram considerados


sujeitos de direito, eram objetos do poder, não tinham direitos em face da
Administração. Falar em direitos subjetivos dos particulares em face da
Administração Pública era uma realidade impossível.

1.1.4 A DISTINÇÃO “ESQUIZOFRÉNICA” ENTRE ATOS DE GESTÃO


PÚBLICA E PRIVADA
Distinção no Passado: Os atos de gestão pública correspondiam ao exercício do poder, e a
gestão privada correspondia às funções da Administração de pura execução

Distinção Atual: Hoje em dia não há distinção entre os atos de gestão pública e privada; a
Administração deixou de ser um poder no sentido tradicional. Todos os poderes da
Administração resultam da lei, não se tratando de um poder pré-existente. A questão de estar
ou não em causa uma ordem não faz sentido, pois realmente importante é saber se aquela
entidade ou agente faz ou não parte da Administração 3.

★ Art. 1º da Lei da Responsabilidade Civil: Em 2007 o legislador pretendeu,


aparentemente, acabar, de vez, com a distinção , mas fê-lo de uma forma pouco
esclarecedora, pois substituiu a expressão ‘’gestão pública e privada’’ deste artigo
(que distingue a competência pública da privada), passando a estatuir que o diploma
se aplica aos casos em que haja ‘“prerrogativas de poder público’’.

★ Art. 3 do CPA: Quando se define o âmbito de aplicação das suas normas, diz-se que
os princípios de Direito Administrativo obrigam tanto a atuação técnica como a de
gestão privada da Administração. A regência optou pela expressão ‘‘gestão privada’’,

3
Um exemplo esclarecedor neste ponto é o sucedido com o Ministro da Administração Interna, Eduardo
Cabrita, que circulava num veículo que provocou um acidente mortal. Não foi o Ministro a ordenar ao seu
motorista que provocasse o acidente. O condutor estava a exercer funções administrativas. Racionalmente, não
há nenhuma razão para, do ponto de vista da responsabilidade, afirmar que os atos de gestão pública eram da
competência dos tribunais administrativos e regulados pelo Direito Administrativo, enquanto os atos de gestão
privada eram da competência dos tribunais judiciais e regulados pelo direito civil.

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para conseguir que a norma fosse aprovada em 1991, mas admite hoje que o que faria
sentido seria ter estabelecido uma norma que unificasse toda a Administração Pública
e que permitisse a aplicação geral dos princípios do código a toda a atuação pública.

1.2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DIREITO


ADMINISTRATIVO NO ESTADO LIBERAL, NO ESTADO
SOCIAL E NO ESTADO PÓS-SOCIAL
No que diz respeito à evolução na justiça e do Direito Administrativo, esta pode ser dividida
em três fases

1.2.1 1ª FASE - MODELO DE ESTADO LIBERAL


Em muitas das regras que tinham a ver com a Administração Pública e o seu controle, estava
em causa uma realidade autoritária - trauma do DA.

Modelo do Estado de Polícia: Garantia a segurança interna (forças policiais) e da segurança


internacional - a principal função do estado liberal era a garantia da segurança e da
propriedade, através de uma administração que era autoritária, na lógica de uma
"administração agressiva” , que atuava para agredir os direitos dos particulares.

★ Posição dos Particulares: Os particulares têm direitos subjetivos no quadro dos


direitos comunitários, entre outros, mas perante a administração não têm direitos,
sendo objetos do poder administrativo4.

Organização Adminsitrativa: Estávamos perante um estado concentrado e centralizado:

★ Concentrado: Tudo dependia do Governo - era o centro desta realidade e irradiava


para todo o território as suas decisões na lógica continental de organização
administrativa.

★ Centralizado: Tudo se resumia à pessoa coletiva Estado.

1.2.2 2ª FASE - MODELO DE ESTADO SOCIAL (SÉC. XIX-XX)


Origem do Estado Social: Para responder à crise social dos finais do séc. XIX (miséria
operária), o Estado começou a chamar a si o poder de intervenção5, o que significou uma
transformação radical do modelo de organização do poder político e implicou mudanças
profundas na administração pública e no direito administrativo.

4
Ainda hoje, numa realidade diferente, de Estado de direito, a lei admite o sujeito como "administrado",
expressão que o prof. VPS crítica.
5
Teoria keynesiana: Necessidade da intervenção do estado para equilibrar a oferta e a procura

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Administração Prestadora: A administração deixou de ser agressiva e tornou-se prestadora


(de bens e serviços), desempenhando tarefas da vida económica e social do Estado, que estão
estabelecidas na Constituição. Neste período, a função mais importante do Estado é a função
administrativa. Surgem, assim, inúmeras entidades que vão desempenhar todas estas tarefas,
ou seja, significa que implica que o Estado tenha de, forçosamente, se desconcentrar.

Organização Administrativa: O Estado liberal, concentrado e centralizado, já não existe


mais, a partir do momento em que passamos para o modelo do Estado social, não só do ponto
de vista da organização, mas também do próprio funcionamento da administração. Os
particulares passam a intervir no processo de tomada de decisão da administração (através do
procedimento).

★ Forma de Atuar: Enquanto que no Estado liberal o “protagonista” do direito


administrativo era o ato administrativo a que tudo se reduzia, no Estado Social surgem
outros modos de atuação: regulamentos; contratos; planos.

○ Procedimento: A importância do ato administrativo introduz a necessidade de


considerar o procedimento, e não apenas o resultado da ação administrativa.
Mais importante que o ato é existirem relações jurídicas entre sujeitos, que
têm direitos e deveres diferenciados.

Tribunais: Este momento é caracterizado pela tribunalização/judicialização dos tribunais -


corresponde à mudança de estatuto dos tribunais no quadro da justiça administrativa.

Direito Administrativo em França:

★ Acórdão de Carlot: A partir de 1889, do Acórdão Carlot, o Conselho de estado foi-se


transformando num verdadeiro tribunal, e foi sendo visto pelos outros órgãos do
poder político como tal.

★ “Fenómeno de milagre”: Houve uma transformação designada pelos autores


franceses como sendo um fenómeno de um milagre: a administração toda-poderosa, o
estado todo-poderoso admitiu que tinha limites e, consequentemente, admitiu o seu
controle através da lei, autolimitando-se e autorganizando-se.

○ Prof. VPS: Considera que o milagre não é apenas autolimitação jurídica, mas
também o de um órgão quase administrativo se transformar num verdadeiro
tribunal - o Conselho de Estado que se passa a assumir, gradualmente, como
um verdadeiro tribunal e a ser reconhecido como tal.

○ “Milagre Renovado”: Este fenómeno atinge o seu auge nos anos 80 quando o
Tribunal Constitucional, em duas sentenças criadoras da justiça administrativa,
vem dizer, primeiro, que o Conselho de Estado se integra no poder judicial (e
não administrativo, rompendo as amarras entre os tribunais e a administração
pública) e que havia um direito fundamental a ir ao tribunal para a tutela dos
direitos dos particulares, servindo estes para tutelar os direitos dos cidadãos -
este corresponde já a um terceiro momento do direito aminsitrativo.

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Direito Administrativo noutros Países: Entre 1905 e 1907 surgiu esta jurisdicionalização
em Espanha, Itália e outros países europeus.

Direito Admisnistrativo no Direito Anglo-saxónico:O Estado social é uma realidade que


não abrange apenas o continente europeu, sendo, também, o direito anglo-saxónico
"apanhado" por estas transformações, havendo uma aproximação de modelos.

★ Aspetos que antes marcavam a diferença entre a realidade francesa e


anglo-saxónica: Não havia direitos, poderes especiais para a administração ou
tribunais - estas diferenças deixam de existir, ou seja, passam a existir estes aspetos.

★ Tribunals: Surgem poderes de administração - "tribunals" (órgãos da administração),


com poderes de julgamento e execução. A última palavra passa a ser deles.

★ Controlo dos Atos do Rei/Rainha: No âmbito dos tribunais administrativos


("administrative courts") os atos da Rainha começaram a ter este tribunal para serem
analisados, que é, indiretamente, um tribunal administrativo.

1.2.3 3ª FASE - MODELO DE ESTADO PÓS-SOCIAL


Fatores que Contribuíram para a Falência do Estado Social:

★ Reconheciemnto das Limitações do Estado Social: O modelo do Estado-Social


tinha sido preparado para trazer crescimento e desenvolvimento económico, através
do chamado “efeito multiplicador das despesas públicas”. O que é facto, contudo, é
que, depois de um momento inicial, em que as coisas correram bem e houve
crescimento e desenvolvimento, a partir dos anos 70, começaram uma série de crises6
do funcionamento da realidade económica, que afetaram o modelo Keynesiano, que
tinha sido até aí utilizado sem problemas.

○ “Efeito Multiplicador”: Além de introduzir crescimento, veio trazer


estagnação e inflação, levando a situações de déficit do mecanismo que
fizeram com que surgisse um “monstro” que os economistas designavam de
"monstro da estagflação”, uma mistura de estagnação com inflação.

○ Consideração de Outros Fatores: Esta realidade económica obrigou a prestar


atenção a outros fatores além da despesa pública, como as massas monetárias,
os desequilíbrios monetários e financeiros, e a oferta. Começando, então, no
quadro económico, a surgir receitas alternativas ao modelo do Estado Social.

■ RECEITAS ALTERNATIVAS: Surgiram alguns movimentos


neoconservadores, outros liberais extremos, que adotavam uma lógica

6
Em simultâneo, ocorreu, nos anos 70, a grande crise do petróleo, que veio chamar a atenção para um bem
sobre o qual era construído o modelo de sociedade, que é um bem perecível e suscetível de ser controlado pelos
produtores, que foi o que foi feito nos anos 70 - os produtores agiram em quartel, e isso teve consequências no
plano da economia mundial. Hoje o petróleo ainda é um bem cujo custo tem consequências em termos
económicos.

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exclusivamente monetarista, pondo em causa a receita Keynesiana, e


outros que procuravam manter um sistema tal como existia em termos
Keynesianos, mas introduzindo componentes novas.

★ Sociedade dos anos 70: Os anos 70 trazem a destruição do muro de Berlim e uma
crise das ideologias de natureza comunista, originando fenómenos de natureza
cultural e social.

○ Questão Ecológica: É nos anos 60 e 70 do séc. XX que surge a questão


ecológica, obrigando todos os Estados a ter preocupações ambientais, que
podendo ser mais ou menos fortes, estão sempre presentes enquanto condições
constitucionais de proteger a natureza e o meio ambiente, e de estabelecer
políticas públicas ativas de proteção do mesmo.

○ Crise Universitária em França (Maio de 1968): Os estudantes universitários


reinvidicavam por uma alternativa, quer ao modelo capitalista, quer ao modelo
comunista de organização da sociedade.

○ “Terceira Geração” dos Direitos do Homem: Há várias gerações dos direitos


do Homem, que ligam os direitos do Homem aos modelos de Estado, porque,
efetivamente, em cada um destes há um conjunto de direitos que se integram
naquele ambiente jurídico-político.

Bases do Estado Pós-Social: O Estado Pós-Social continua a lógica de Estado de direito e a


componente social que existia no modelo anterior, mas entende que essa dimensão social não
se realiza apenas através da ação dos poderes públicos. Ela resulta da colaboração entre
administração e privado, no exercício da função administrativa.

Adminsitração de Infraestruturas: Modelo do Estado-Pós Social que vai procurar conciliar


a atuação de entidades públicas e privadas no exercício da função administrativa. Não é a
Administração que tem de fazer tudo sozinha através das despesas públicas, devendo criar
infraestruturas e mecanismos de comunicação entre entidades públicas e privadas, para que
elas desempenhem em conjunto a função administrativa. Aquilo que cabe ao Estado é,
portanto, uma função mais reguladora (dos conflitos entre entidades públicas e privadas).

★ Novos Direitos:

○ Direito de autodeterminação informativa e administrativa: Não é apenas o


direito de conhecer o que dizem os media, mas a possibilidade de reagir e
intervir ativamente no âmbito de uma sociedade informática que tem de ser
aberta a todos e dar direitos iguais a todos.

○ De Natureza Procedimental: Estão relacionados com o funcionamento da


administração pública, com as decisões que dizem respeito aos particulares, o
direito da audiência, o direito de serem ouvidos antes de ser tomada uma

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decisão que possa afetar os seus direitos, o direito à fundamentação das


decisões. São novos direitos fundamentais.

■ DIREITO DE PARTICIPAÇÃO: Os cidadãos têm o direito de ser


ouvidos relativamente a qualquer decisão administrativa ou política.

○ De Natureza Processual:

■ DIREITO DE IR A TRIBUNAL: O direito de ir a tribunal, em última


análise, para a tutela de uma ação administrativa que lesou os
particulares.

■ DIREITO DO PARTICULAR USAR MEIOS JUDICIAIS: Para ver


reconhecidos os seus direitos fundamentais no quadro de uma relação
jurídica.

★ Características: O que caracteriza o Direito Administrativo moderno não pode ser,


como tinha sucedido nos tempos da infância difícil, a ideia do poder administrativo,
do poder que se opõe a todos, que determina a executoriedade das decisões, mas sim
os fins que estão a ser realizados e a atividade que está em causa.

Organização Administrativa: A administração pública transforma-se, não apenas no sentido


tradicional da descentralização e da desconcentração, não apenas no sentido de criar outras
pessoas coletivas públicas, ou realidades do género, mas também no sentido de que as
entidades administrativas adquirem natureza privada e atuam segundo o direito privado.

★ Entidades que Exercem a Administração: São, em sua maioria, de natureza privada


ou mista, com capitais públicos e privados. E, mesmo se só têm capitais públicos,
podem organizar-se como entidades privadas, como realidades que atuam segundo o
direito privado7.

○ Entidades Reguladoras: Há cada vez mais entidades reguladoras a todos os


níveis, que estabelecem as regras e verificam se estas estão a ser cumpridas e
acodem aqueles que não as cumprem - em vez de ser a administração
diretamente a realizar toda aquela atividade, ela é realizada pelos particulares.

★ Âmbito de Eficácia - Dimensão Multilateral: Todas as relações passaram a ter uma


dimensão multilateral8, afetando, simultaneamente, uma multiplicidade de sujeito, ou
seja, qualquer decisão administrativa tem efeitos em mais do que apenas os seus
imediatos destinatários9.

7
Esta transformação decorre da aproximação do modelo anglo-saxónico e continental, uma vez que a ideia de
pessoa coletiva pública é uma ideia francesa, é uma ideia do continente.
8
Ex: A atribuição de uma bolsa de estudo a um estudante implica que outros não a recebam, pelo que os
critérios de atribuição das bolsas têm de ser adequados, legais, proporcionais, porque tudo, mesmo aquilo que se
dá, é suscetível de causar lesões a outros.
9
Ex: Se eu tiver uma fábrica e pedir uma licença de funcionamento da mesma, essa licença será passada em meu
nome Mas, este ato, que é individual e concreto, e me concreta e diretamente, afeta todos os vizinhos dessa
fábrica, que são afetados pela produção da fábrica, todos os concorrentes deste ramo de atividade,... Tem,
portanto, uma eficácia que não se limita a mim.

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○ Ato com eficácia múltipla: No âmbito da administração multilateral, temos de


repensar o ato com eficácia múltipla, que afeta em simultâneo uma
multiplicidade de sujeitos que intervêm no quadro da relação jurídica
multilateral.

★ Atuação da Adminsitração: Os poderes de autoridade do direito adminstrativo só


existem nas funções tradicionais (forças armadas e polícia), de resto, a administração,
em regra, não tem poderes de execução das decisões, ou poderes de autoridade.

Movimento de reforma do contencioso administrativo: Há um movimento de reforma do


contencioso administrativo que vai procurar superar os traumas iniciais do início da justiça
administrativa, os mais importantes no quadro da evolução do séc. XVIII e do séc. XIX.

★ Superação dos Traumas: Havia necessidade de superar 1) o trauma da


promiscuidade entre administração e justiça; 2) a ideia de uma administração toda
poderosa que se impuha de forma autoritária, através da força física, aos cidadãos.
Esta superação ocorre com a lei fundamental de Bona, a seguir à segunda guerra, e
com as constituições e os tribunais constitucionais dos anos 70.

○ Disposições constitucionais em Portugal que tratam do contencioso


administrativo:

■ ART. 212/3 - “Os tribunais têm por missão dirimir os litígios


emergentes de relações jurídicas administrativas”: Ou seja, os tribunais
existem para resolver litígios no quadro de relações jurídicas, estando o
particular e a administração em posições de igualdade e estabelecendo
uma relação jurídica, cujos direitos podem ser discutidos no quadro do
tribunal

■ ART. 268/4 268/5: Estabelecem direitos fundamentais de acesso à


justiça administrativa - os meios processuais existem para a proteção
dos direitos dos direitos dos particulares10.

★ “Momento da Confirmação/do Crisma”: Este terceiro momento da história da


justiça administrativa, confirma a natureza jurisdicional do contencioso
administrativo. O contencioso passa a ter como objetivos a tutela dos direitos dos
particulares.

★ Justção Administrativa Atual: A justiça administrativa é uma modalidade do poder


judicial (art. 211º/3 CRP). Os juízes têm a plenitude dos poderes face à administração,
podendo condenar a administração e dar-lhe ordens, de modo a realizar o princípio da
tutela plena e efetiva dos direitos. A função do tribunal já não é de proteger a
administração, mas sim os particulares.

10
O Prof. VPS não aprecia a expressão inicial do art. 268º nº4 que fala em “direitos dos administrados”,
afirmando que este se trata de um problema de psicanálise, já que o particular não é administrado, mas sim um
sujeito de direito, sendo esta expressão um resquício dos traumas da infância difícil, quando o particular era
objeto de direito.

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A. MOMENTOS DO ESTADO PÓS SOCIAL


1º Momento - Momento da constitucionalização: Foi, primeiro, com a constituição alemã11
que os particulares adquiriram direito a uma tutela plena e efetiva dos seus direitos
fundamentais nas suas relações com a administração. As Constituições pegaram nos traumas
da infância difícil e apresentaram um modelo constitucional, um modelo de administração e
um modelo de justiça administrativa que impunha a sua superação dos traumas iniciais.

★ França: Como não há revisões constitucionais há muito tempo, foi o Tribunal


Constitucional que, nos anos 80, estabeleceu:

○ O Conselho de Estado enquanto Tribunal: A secção jurisdicional do Conselho


de Estado passou a ser entendida como um verdadeiro tribunal, e não apenas,
um órgão da administração, gozando de todas as características e realidades
típicas de uma entidade do poder judicial (era autónomo, independente,
imparcial,...)

○ Direito Fundamental de Acesso à Justiça para a Tutela dos Direitos dos


Particulares: Uma outra sentença, também do Tribunal Constitucional, do
Conselho Constitucional, veio dizer que havia um direito fundamental de
acesso à justiça para a tutela dos direitos particulares. Portanto, a ideia da
tutela efetiva dos direitos dos particulares do quadro das relações jurídicas
administrativas.

2º Momento - Momento da Europeização: A partir dos anos 80, vai ser a União Europeia, a
estabelecer regras comuns ao direito processual a todos os estados membros através das
diretivas.

★ Contrato Público: Em matéria de diretivas de contratação pública, a União Europeia


criou o contrato público, o que substitui em Portugal uma distinção esquizofrênica12
entre os contratos ditos administrativos e os contratos ditos privados da administração,
passando todos a ser regulados da mesma maneira no código dos contratos públicos e
a ser competência dos tribunais administrativos.

○ Efeitos da Alteração: Esta alteração substantiva teve alterações processuais: os


Estados criaram mecanismos cautelares em matéria de contratos
administrativos, uma vez que um eventual problema de legalidade do contrato
adminstrativo pode signfificar que o Estado e as autoridades administrativas
tenham de pagar indemnizações às entidades contratadas.
11
Os alemães tinham tido o eclipse do estado de direito durante o nazismo e, portanto, não podiam deixar que
isso voltasse a acontecer, e queriam um controle integral da administração e uma tutela de poderes efetiva dos
direitos dos particulares. Assim, o art.19º/4 da Constituição alemã, é aquilo que os alemães chamam a “norma
perfeita da Constituição alemã”, estabelece esse controlo integral da Administração dos tribunais e estabelece o
princípio que a cada direito corresponde uma ação. Este art.19º/4 depois vai dar origem a artigos da Constituição
portuguesa (como o art.268º/4 e 5), a artigos de outras constituições europeias
12
No direito administrativo tradicional, havia uma distinção esquizofrênica entre os contratos ditos
administrativos e os contratos ditos privados da administração pública. Os primeiros eram regulados pelo direito
administrativo e da competência dos tribunais administrativos, já os segundos, eram regulados pelo direito civil
e da competência dos tribunais judiciais.

12
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

■ EFEITO STAND STILL: Deve-se pensar primeiro nas possíveis


consequências e prever os danos, e só depois assinar qualquer contrato,
de forma a evitar indemnizações desnecessárias.

1.3 ANÁLISE COMPARADA

1.3.1 DISTINÇÃO ENTRE O MODELO FRANCO-GERMÂNICO E


ANGLO-SAXÓNICO
Estes modelos correspondem a realidades que nasceram nos antípodas, com construções
jurídicas e realidades jurídicas muito diferentes, e portanto, tiveram uma história diferente
até, nos nossos dias, se encontrarem.

Aspetos Principais de Distinção:

★ Prof. DFA: Considera que há quatro elementos de distinção:

○ Corpo de Normas Autónomas: Existência, ou não existência de Direito


Administrativo, enquanto um corpo de normas autónomo, regulador da
atividade administrativa.

○ Tribunais Administrativos: Existência, ou inexistência, de tribunais


administrativos, enquanto tribunais encarregados de julgar a administração

○ Poderes Especiais de Natureza Executiva da Administração: A questão da


existência, ou da inexistência, de poderes especiais de natureza executiva para
a administração, ou seja, de saber se há autotutela, podesndo a administração
decidir e executar ela própria, ou se há heterotutela, e os poderes da
administração devem passar pelo crivo do tribunal, podendo a administração ir
a tribunal para solicitar a execução daquele ato que ela quis13.

■ EXECUÇÃO DAS DECISÕES PELO TRIBUNAL: Contrariamente


ao que diz o Prof. DFA, o Prof. VPS não considera que a administração
tenha de ir a tribunal para executar as suas decisões, pois, em regra,
essas decisões são voluntariamente executadas pelos tribunais. Só vai,
então, a tribunal se houver um litígio, se um particular se recusar a
cumprir.

○ Organização Administrativa: O modo de organização administrativa:


diferenciada, concentrada e centralizada no caso francês, desconcentrada e
descentralizada no caso inglês.
13
O DFA usa a expressão “sistema de administração executiva/sistema de administração judiciária", com a qual
o Prof. Vasco P. da Silva não está de acordo, pois, nos dias de hoje, a administração só tem poderes de execução
quando a lei, diretamente, lhe atribui esses poderes e apenas na medida da atribuição desses poderes. E, em
segundo lugar, porque o sistema de adminstração anglosaxónnica não é um sistema de administração judiciária.

13
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Luísa Braz Teixeira

★ Prof. VPS: Considera que há apenas três elementos, não sendo o quarto relevante

Modelo Francês Modelo Britânico

★ Direito Administrativo: Havia um ★ Direito Administrativo:


direito administrativo, que resultava da
atuação do Conselho de Estado e que ○ Séc. XVIII e XIX: Não havia porque se
ganhou a sua autonomia, como já considerava que a administração era igual
vimos, no acórdão Blanco. aos particulares, exercendo os seus poderes
nos mesmos termos que qualquer particular.
O direito comum era aquele que se aplicava
tanto às relações privadas como às relações
administrativas.

○ Com o Surgimento do Estado Social: O


Estado passou a chamar para si novas
funções da vida económica, social e
cultural, que se tornaram tarefas
fundamentais constantes da Constituição.
Uma vez que estas tarefas eram novas, a
administração não estava habituada a
desempenhá-las: não cabiam no costume,
nem no direito jurisprudencial, pelo que vão
ter uma dimensão estatutária: vão
corresponder a leis escritas que regulam o
funcionamento da Administração Pública
no quadro das suas tarefas. Assim surigiu o
direito administrativo britânico.

★ Tribunais: Sempre houve tribunais ★ Tribunais:


administrativos.
○ Séc. XVIII e XIX: Como não havia direito,
○ Séc. XVIII e XIX: Estes não eram não havia poder de autoridade perante a
verdadeiros tribunais, mas sim administração, logo também não havia
órgãos administrativos funcionais. nenhum tribunal especial. A administração
era julgada como qualquer cidadão no
○ Séc. XX: Com a passagem do quadro dos tribunais comuns
século, estes órgãos
administrativos transformaram-se ○ Séc. XX: Com o advento do Estado Social e
em verdadeiros tribunais. Pós-Social, e consequente aumento da
complexidade das questões administrativas
levou ao sugimento dos administrative
courts14

14
Primeira instância do poder judicial especializado em matéria da competência do governo e este fiscaliza,
basicamente, aquilo que, na linguagem tradicional inglesa, se chama “os poderes de sua majestade”; os quais
correspondem ao controle do governo, porque os poderes não são exercidos por sua majestade.

14
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Luísa Braz Teixeira

★ Natureza Executiva: ★ Natureza Executiva:

○ Séc. XVIII e XIX - Autotuela: ○ Séc. XVIII e XIX - Heterotutela: Como não
Construiu-se uma noção de ato havia Direito Administrativo, a
administrativo assente na ideia de administração, que era uma ou várias
auto execução: a administração entidades, estava submetida ao mesmo
não apenas toma as decisões, direito que qualquer dos privados (o direito
como também as executa, comum), não beneficiando de nenhum
aplicando-as ao caso concreto. Ou estatuto especial para a administração, pelo
seja, não é necessário recorrer ao que não podia executar as suas decisões.
tribunal para executar as suas Assim, das duas uma, ou o particular
decisões. realizava, por sua vontade, o ato em
questão, ou a Administração precisava de ir
○ Séc. XX - Limitações: a um tribunal para executar a decisão.
Começaram a surgir limitações
aopoder de execução e, hoje em ○ Séc. XX - Autotutela: Começaram a surgir
dia, diz-se que tal poder só existe órgãos administrativos especiais, os
quando a lei expressamente o Administrative Tribunals15 com poderes de
estabelece. Assim, deixa de ser um execução nas suas decisões, (autotutela),
poder que pertence à nas condições em que a lei o permitia -
administração e que ela pode obediência ao princípio da legalidade16
exercer quando assim o entender e
passa a ser um poder atribuído nos
termos da lei

Especialidade dos Administrative Court: No Reino Unido, os tribunais especializados em


matéria administrativa são ao nível da primeira instância e apenas desta: quando se recorre da
decisão do tribunal, vai-se parar a tribunais comuns e, portanto, a especialização existe só no
primeiro nível de fiscalização.

★ Países de Sistema Romano-Germânico: Em países como França, Alemanha e em


Portugal há uma administração autónoma que corresponde à justiça administrativa.

★ EUA: Adotaram o sistema britânico, mas não criaram um Tribunal Administrativo


enquanto tal: têm órgãos especializados de natureza administrativa, mas não há
verdadeiramente uma jurisdição administrativa. O que não significa que não faça
sentido falar em justiça administrativa nos Estados Unidos: o Tribunal Federal é a
jurisdição administrativa, porque aquilo que ela trata são de litígios entre entidades
públicas e, portanto, ao nível de topo, nos Estados Unidos temos também
especialização jurisdicional.

○ Agencys: Correspondem aos tribunals, sendo realidades independentes com


alguns poderes de julgamento e, sobretudo, com poderes de autotutela;
contudo, na primeira instância não há tribunais especiais, há apenas ao nível
do tribunal federal.

15
É importante salientar que os tribunals não são courts, não são tribunais, são órgãos administrativos.
16
Ponto de semelhança entre o dirieito administrativo britânico e francês.

15
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Luísa Braz Teixeira

1.3.2 DIREITO ADMINISTRATIVO SEM FRONTEIRAS


O direito administrativo sem fronteiras implica uma tripla dimensão comparativa. Há 3
vertentes que são, então relevantes: a vertente do direito comparado (i), a do direito europeu
(ii) e a do direito global (iii).

Direito Administrativo - Realidade Internacional: O direito administrativo nasceu ligado


ao Estado e com uma dimensão nacional, todavia, nos nossos dias, torna-se uma realidade
internacional - ex: A Organização Mundial da Saúde (OMS) exerce a função administrativa
em escala global, dando indicações técnicas para o exercício da função administrativa, que
são seguidas por todos os países do mundo. Isso deve-se ao facto de esta ser uma entidade
técnica que exerce a função administrativa.

A. DIREITO COMPARADO
Primórdios do Direito Administrativo: Há uma ideia de que era preciso criar o direito novo
e para assim o fazer, era necessário “ir beber à fonte”.

★ Otto Mayer: O pai do Direito Administrativo alemão, antes de escrever a sua obra
“O direito administrativo alemão” escreveu sobre o Direito Administrativo francês, a
que dedicou o seu estudo, durante anos. Ele afirmava ser absolutamente essencial
estudar o direito adminsitrartivo francês por ter sido lá que nasceu o direito
adminstrativo: sem perceber essa evolução, ele não seria capaz de criar o Direito
Administrativo alemão.

★ Édouard La Ferriere: Outro pai fundador do direito administrativo francês. O autor


disserta, na primeira parte da obra, sobre as noções gerais e legislação comparada, na
qual estuda a Espanha, Alemanha, Prússia, Áustria, Hungria, Suíça, Bélgica, Itália,
Inglaterra e Estados Unidos da América. É um verdadeiro manual de direito
comparado, antes de construir o direito francês.

★ Roger Bonnard: Outro pai do direito administrativo francês que no seu “Le contrôle
juridictionnel de l'administration: étude de droit administratif comparé”, estuda o
direito da Inglaterra e dos Estados Unidos, da França, Jugoslávia, Bélgica, Itália,
Grécia, Roménia, Alemanha, Suíça, Áustria e Polónia.

“Morte” da Preocupação com o Direito Comparado:

★ Maurice Haurou: Um dos pais fundadores do direito administrativo francês, no seu


manual de Direito Administrativo e Direito Público, sustenta que o direito francês é o
melhor e que o direito comparado serve como comprovação; esta manifestação de
xenofobia jurídica do senhor Maurice Hauriou vai-se generalizar ao longo do século
XIX e do século XX em todos os países.

○ “Xenofobia Jurífica”: Assenta na ideia de que o Direito Administrativo é


exclusivamente nacional e, por isso, não se faz necessário saber acerca do
direito do vizinho, porque não há necessidade de fazer direito comparado.

16
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

○ Crítica do Prof. VPS: Nos dias de hoje, a declaração de Hauriou não faz
sentido, pois os problemas jurídico-administrativos em todos os Estados são
idênticos e a forma como eles o resolvem diz muito das características do país
e permite também a tal lógica comparativa de procurar fazer igual ou melhor,
evitar os problemas no quadro desta realidade.

Preocupação com o Direito Comparado em Portugal: É costume dizer que a Universidade


de Coimbra depende do direito alemão e que a Universidade de Lisboa depende do direito
francês; isto foi assim no início do século, realidade que já não se verifica mais.
Presentemente, o que é facto é que a doutrina portuguesa não só conhece o direito italiano, o
francês, o alemão, o espanhol,...

Direito Comparado como Fonte de Direito: Atualmente, o direito comparado não serve
apenas como elemento de ciência, mas também como fonte, porque à escala internacional,
quando um tribunal arbitral ou constituído nos termos do direito internacional tem que tomar
uma decisão para a qual não há norma aplicável, utiliza o direito comparado dos países que
estão envolvidos para encontrar a melhor solução - filosofia do TJUE.

★ Acórdão Brasserie du pêcheur: A União Europeia veio dizer que, quando haja
dúvidas quanto ao direito aplicável, e não haja nenhuma norma jurídica da União
Europeia que possa ser utilizada para resolver diretamente aquele problema, o juiz
deve construir uma norma de acordo com o espírito do direito comparado de cada um
dos países que estão envolvidos no litígio e de acordo com as normas europeias,
valendo esta regra igualmente para todos os tribunais globais.

B. DIREITO GLOBAL
O direito global surgiu nos anos 70, quando foram apresentadas duas sentenças no âmbito do
Direito do Mar, consideradas as fundadoras do Direito Global ou do Direito da União
Europeia e que constituem uma realidade diferente no domínio em que hoje em dia se insere
este Direito Administrativo sem fronteiras.

Alterações na Perceção do Direito que Permitram o Surgimento do Direito Global: O


reconhecimento de outros sujeitos de direito internacional além dos Estados mudou a
perceção, característica da época no Direito Internacional Público, de que só os Estados eram
sujeitos de direito, passando, progressivamente, a serem consideradas identidades ao lado de
outros sujeitos, igualmente válidos, tais como os indivíduos (que possuem direitos em face do
seu próprio Estado e que podem ser tutelados perante Tribunais Internacionais) e, ainda,
identidades muito diversas (nas quais se incluem as tão conhecidas organizações não
governamentais).

★ Consequências - Aplicabilidade Direta das Normas: Esta realidade vem


transformar o Direito Internacional na medida em que as suas normas se tornam em
normas diretamente aplicáveis às relações jurídicas (outrora afirma-se que as normas
de Direito Internacional apenas se aplicavam aos Estados, sendo que eram estes que
respondiam pela sua aplicação). Atualmente, diz-se que as normas são diretamente

17
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

aplicáveis, isto é, não são aplicáveis apenas por vontade dos Estados, nem dependem
da intermediação dos mesmos17.

○ Primazia: Em norma, os professores de Direito Internacional Público


defendem que as normas internacionais têm primazia sobre as nacionais,
enquanto os professores de Direito Constitucional tendem a defender que essa
primazia não é superior à Constituição. Relativamente ao quadro do Direito
Administrativo global as normas (globais) prevalecem sobre as internas, razão
pela qual temos atualmente este fenómeno de Direito Administrativo global.

“Caso das Gambas e das Tartarugas”: Em 1997, os Estados Unidos resolveram boicotar a
importação de gambas com o argumento de que os países asiáticos que as exportavam (tais
como o Japão, a Coreia do Sul ou o Taiwan) não protegiam as tartarugas e que, enquanto não
o fizessem, não poderiam ser importadas gambas desses países18. No seguimento disto, surge
um tribunal arbitral composto por juízes norte-americanos que, ao julgarem o caso,
consideram a decisão dos Estados Unidos ilegal, isto é, violadora das regras de Direito
Administrativo global.

★ Ilegalidade da Decisão: Efetivamente, a decisão era ilegal devido a duas razões:

○ Preterição do “Process of Law”: A decisão tinha sido tomada abruptamente


sem a consideração de um “process of law” (do devido processo legal), sendo
que a falta do mesmo era nefasta, pois não tinha existido uma audiência dos
principais países afetados por esta decisão.

■ RESPOSTA DOS ADVOGADOS DOS PESCADORES DOS EUA:


Os advogados dos pescadores norte-americanos protestaram,
afirmando que não era possível chamar a juízo os pescadores dos
países asiáticos.

■ RESPOSTA DO TRIBUNAL: Afirma que seria possível chamar os


pescadores dos países asiáticos, uma vez que é sempre concretizável
colocar em jornais internacionais um apelo para que as pessoas
prestem e recebam declarações por escrito e que havia cidadãos
norte-americanos que tinham o mesmo interesse que os exportadores
de gambas (todos aqueles cidadãos e empresas norte-americanas que
importavam gambas) e que, pelo menos esses, deveriam ter sido
ouvidos.

○ Problema do Fim Jurídico: As normas que existiam para proteger as tartarugas


não poderiam ser utilizadas para proibir a importação de gambas, dado que
não é pelo facto de os americanos não importarem gambas que os asiáticos
17
Consequentemente, surge assim no quadro dos Direitos Humanos a ideia de que os indivíduos possuem
direitos contra o próprio Estado e que esses mesmos direitos podem, como anteriormente mencionado, ser
tutelados por um Tribunal Internacional. Contudo, e para além desta realidade dos Direitos Humanos, também
se começou a afirmar em outros domínios.
18
Esta atuação unilateral dos Estados Unidos violava as regras internacionais do GET (um acordo internacional
que regula as tarifas do comércio internacional) e que nem mesmo a administração Trump, por muito que se
afirmasse como nacionalista, alguma vez as pôs em causa, pois as normas do tratado eram, de facto, obrigatórias

18
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

passam a proteger as tartarugas. Não há, por isso, entre uma coisa e outra o
mesmo fim. Neste caso, proteger as tartarugas é um fim jurídico aceitável, mas
aceitável apenas se estiverem em causa realidades relacionadas com as
tartarugas.

“Caso do Atum Azul” (Tuna Fish Blue): Este caso tem como ponto central uma Comissão
Mista19, tratando-se de um conflito entre vários Estados (de grandes dimensõescomo o Japão,
os Estados Unidos, a Austrália, o Canadá e outras identidades supremas). A Comissão, no
quadro de uma mistura entre auto e heteroregulação, estabelecia regras que eram obrigatórias
para a pesca do atum e que podiam originar sanções quando eram violadas. O Japão foi
condenado e cumpriu essas regras porque estava em causa o comércio internacional e a
articulação internacional no quadro da proteção do ambiente. Se este conflito fosse resolvido
pela via do Direito Internacional, seria irresolúvel, pois estava se perante dois países grandes
que protestavam e não concordavam, sem haver norma de Direito Internacional Público que
resolvesse o litígio. Tal como se costuma dizer, quando há um conflito entre um país pequeno
e um país grande, desaparece o primeiro; quando é entre um país grande e um país médio,
desaparece o segundo, e quando é entre dois países pequenos “desaparece o conflito”, o que
demonstra, a falta de eficácia do Direito Internacional Público.

★ Áreas em que o Direito Internacional Público: Área dos direitos humanos e certas
áreas de direito privado, pois aqui aplicam-se as normas como se de Direito
Administrativo se tratasse, e as autoridades administrativas respeitam-nas, pois tal é
condição desta lógica global e ninguém põe em causa esta realidade nos domínios em
que ela hoje é dominante. Destacam-se neste campo:

○ Aviação: Os países têm direito de sobrevoo sobre o seu próprio território, mas
as regras das companhias de aviação são feitas por uma autoridade
internacional composta pelas próprias companhias de aviação, que
inicialmente estavam sozinhas, mas que hoje admitem a presença de
representantes de alguns Estados.

○ Saúde: Quando presenciamos, por exemplo, a Organização Mundial de Saúde


a tomar decisões sobre que vacinas podem ser recebidas, quais as normas a
seguir ou quais os critérios a ter em conta, estamos perante Direito
Administrativo Global, não por estar em causa a ONU, mas sim porque aquele
organismo estabelece relações em rede com todas as instituições públicas do
mundo e toma as decisões depois de as ouvir e consultar. Não se estranha,
pois, que a OMS oiça e contacte diariamente com a Direção Geral de Saúde
portuguesa e com as suas semelhantes espanholas, americanas, francesas ou
sul africanas (entre outras), determinando orientações que são seguidas por
todas essas administrações.

19
A Comissão Mista corresponde a um organismo internacional que nasceu dos acórdãos feitos entre os
Estados na sequência do acórdão das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. É, assim, uma identidade composta
por membros administrativos dos Estados que assinaram o tratado e por pescadores que se encontram em
igualdade de posições na tomada de decisões administrativas. É o órgão administrativo que determina as quotas
pesqueiras em todos os países-membros do tratado.

19
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Luísa Braz Teixeira

C. DIREITO EUROPEU
União Europeia: Não é uma organização internacional como as outras, nem um Estado
federal, contudo, tem algo que muitos Estados federais não têm: um direito próprio, um
direito comum. É uma organização de Estados que se fundou segundo o Direito
Internacional, mas que funciona em termos que não são os típicos de uma Organização
Internacional.

★ Tratado de Lisboa: Constituição material da União Europeia, e estabelece


claramente o princípio da primazia do Direito Europeu20.

○ Poder Constituinte: O poder constituinte que deu origem ao Tratado de Lisboa


é um poder constituinte difuso. O poder constituinte material é uma realidade
fluida e, o facto de este poder não estar estabilizado, significa que há
permanentemente conflitos de natureza constitucional no quadro da UE.

Lógica do Quadro da UE: Os Estados participam na criação do Direito, mas ao abrigo da


UE aceitam todo o sistema jurídico, e não apenas o Direito no qual participaram.

Dimensão administrativa do Direito Europeu: O dirieto europeu estabelece políticas


públicas em vários domínios - ex: regras relativas à concorrência, à criação de mercados, à
pesca, ao ambiente,…

★ Primazia do Direito Europeu: No quadro da UE, por um lado, o Direito Europeu


prevalece sobre o Direito dos Estados-membros, numa ideia de hierarquia, mas, por
outro lado, também se mistura, gerando mecanismos diferentes em cada país que
podem corresponder a realidades diferentes dentro do direito que é comum.

★ Lógica Integradora da União Europeia: O Direito Administrativo português,


alemão, francês (…) é parte integrante do Direito Administrativo Europeu, lógica que
faz com que o Tribunal Constitucional diga que, na ausência de norma aplicável, se
usa o direito comparado

Principais atos legislativos da União Europeia:

★ Regulamentos: Imediatamente aplicáveis e produzem efeitos diretamente.

★ Diretivas: Forma normal de exercício, dependem de transposição - os Estados podem


adaptar desde que não contrariem o conteúdo; cada Estado pode adaptar conteúdo das
normas comuns, que não deixam de ser comuns. Se não o fizerem dentro do prazo (2
anos), passam a ter eficácia direta e entram em vigor.

20
Não existe, na União, uma Constituição formal, nem há normas formalmente constitucionais, mas há Direito
Constitucional material, composto por regras que tratam de separação de poderes (não apenas entre os órgãos da
União, mas entre estes e cada um dos Estados-membros – princípio geral de subsidiariedade) e da garantia dos
direitos individuais (decorrentes da Carta dos Direitos Fundamentais europeia).

20
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

Dependência do Direito Administrartivo:

★ Do Direito Constituiconal: Atualmente, há a ideia de que o Direito Administrativo é


Direito Constitucional concretizado, no sentido de uma dupla dependência: O Direito
Administrativo depende do Direito Constitucional, porque consagra as regras e os
princípios essenciais deste último e o Direito Constitucional depende do Direito
Administrativo, porque, se o Direito Constitucional não for aplicado ao nível da
Administração Pública e dos tribunais administrativos, “morre enquanto realidade
jurídica”.

★ Do Direito Europeu: A lógica anteriormente mencionada vale igualmente para a


relação entre o Direito Europeu e o Direito Administrativo, há, também, uma dupla
dependência - o Direito Administrativo nacional depende do Europeu, porque tem que
concretizar as grandes opções do Direito Administrativo Europeu, adaptando-o e
aplicando-o no quadro do ordenamento jurídico, mas, simultaneamente, há uma
dependência europeia, pois a UE não tem órgãos, nem um aparelho administrativo.

○ Plano de Recuperação e Resileência: Conjunto de fundos nunca antes obtidos


a nível Europeu, que resultam de empréstimos feitos pela UE à disposição dos
Estados Membros, com o objetivo de relançar a economia, sendo esta uma
oportunidade de relançamento da UE e da economia de todos países membros.
Estabelecem regras comuns, novos domínios de atuação administrativa e
recentram princípios fundamentais do estado pós-social

■ ESTE PRR TROUXE CONSIGO:


● Novos valores fundamentais Europeus que se conjugam com os
valores fundamentais dos países. Portugal já tinha esses valores
na CRP, mas agora assumem uma função de primazia no
quadro da aplicabilidade do PRR.
● Políticas administrativas que vão ser feitas a cada país
destinadas a realizar estes princípios.

1.4 SISTEMAS ADMINISTRATIVOS


1.4.1 CONCEITOS PRÉVIOS IMPORTANTES
Administração Pública: Conjunto de entidades de natureza muito diversificada, que podem
ser públicas, privadas, públicas sob forma privada, etc. São entidades administrativas de
forma muito diversa e assumem configurações muito diversas, contrariando a realidade
tradicional do Direito Administrativo clássico.

Atuação administrativa: Atividade de prossecução contínua, duradoura e permanente de


satisfação de necessidades públicas - em vários domínios; atuação realizada por todas as
entidades que correspondem à Administração - todas elas exercem a função administrativa.
Utiliza cada vez mais normas de Direito público e privado.

21
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
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Caracterização Atual do Direito Adminsitrativo: O direito administrativo regula o


exercício da função administrativa

★ Séc. XIX: As definições de Direito Administrativo eram de natureza autoritária

○ Otto Mayer: Caracterizava a AP em razão de poder administrativo, que


consistia em definir a situação jurídica dos súbditos no caso concreto-
particulares eram administrados, objeto do poder.

Função Administrativa: Satisfação das necessidades públicas/sociais, tratando-se de uma


das funções estaduais que têm vindo a ser abordadas desde os primórdios.

1.4.2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO


A função administrativa surgiu, pela primeira vez, no tempo dos Gregos, mas tem vindo a
assumir diferentes facetas no quadro das variadas sociedades, dado que a organização de uma
própria sociedade implica consequências no exercício desta função, no quadro da lógica
liberal. As opções políticas assumidas por um Estado na sua própria Constituição ou atuação
(na falta da mesma) permitem definir Administração e o Direito Administrativo.

Estado Liberal: Nos primórdios da democracia e do Estado de Direito, a Administração


Pública limitava a sua atividade à garantia da segurança, da liberdade e da propriedade. Os
Liberais entendiam que a função legislativa, cujo papel passava por definir os direitos dos
cidadãos enquanto liberdades contra o próprio poder do Estado, correspondia à função
essencial do Estado.

★ Função Administrativa: Encontrava-se limitada à garantia, da segurança, da


liberdade e da propriedade dos cidadãos.

★ Administração Agressiva21: A administração, quando atuava, era com o objetivo de


colocar em causa os direitos dos particulares. Tinha um papel quase insignificante e
muito pouco desenvolvido, estando bastante centralizada e concentrada na figura do
Estado, com alguma dimensão autárquica na vertente da garantia da segurança da
sociedade.

★ Ato Administrativo: Enquanto ato de polícia, ou seja, um ato que correspondia ao


exercício máximo dos poderes públicos.

Estado Social: Com o alargamento no quadro constitucional de novas tarefas e finalidades,


no âmbito da responsabilidade Estadual, aumentou-se a ótica do fins Estado, que passou a
intervir em diferentes fatores da vida social, fomentando a noção de Administração Pública e
o conceito de função administrativa. Revelou a importância preponderante da função
administrativa, que constitui a dimensão principal do Estado

★ Função Administrativa: As necessidades coletivas iam desde a vertente económica


(regular o funcionamento da “mão invisivel”), à social e cultural, passando por todas
21
Designação por Otto Bachof “Eingriffsverwaltun”

22
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

as manifestações societárias em que o Estado entendia que tinha um papel a


desempenhar.

★ Divina Providência: O Estado Social, remete-nos à aplicação humana da “Divina


Providência”, ou seja, a uma lógica de atribuição ao Estado de uma função essencial
na vida, não só da comunidade, mas também dos indivíduos.

Estado Pós-Social: Há uma diferenciação mais flexível de funções, que procura evitar uma
confusão entre as mesmas. A expressão utilizada pela Constituição da República Portuguesa
é “divisão e interdependência dos diferentes poderes do Estado”. E esta ideia de divisão, por
um lado da separação de funções, e por outro lado da interdependência, explica que haja um
fenômeno de interações entre os diferentes poderes e funções da lei.

1.4.3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Noção:

★ Prof. VPS: Tarefa contínua e permanente de realização da tarefa da satisfação das


necessidades coletivas - necessidades estas que são definidas pela Constituição dos
diferentes países, dependendo do modelo de Estado adotado.

○ Direito Adminsitrativo: Por estar intimamente relacionado com o modelo de


Administração Pública que existe num determinado país/lugar, o Direito
Administrativo é o direito que se encarrega de regular o exercício da função
pública.

○ Poder Público: A Administração Pública é um poder público, e, enquanto


poder público, adota posições, que correspondem a privilégios, privilégios de
execução prévia do modelo. A Administração Pública atua através de poderes
de autoridade, contudo, apenas uma uma reduzida parte da tarefa
administrativa corresponde, efetivamente, ao exercício de funções policiais.

★ Prof. Sérvulo Correia (SC): O Direito Administrativo é um direito estatutário, uma


vez que consagra um estatuto especial da administração

○ Crítica do Prof. VPS: Esse “estatuto” só existe quando a Administração goza


de poderes de autoridade ou atua no domínio do direito policial, porque
sempre que a administração está a satisfazer necessidades públicas (atuando
no domínio do ambiente, da saúde, ou do consumo) não se apresenta num
estatuto de autoridade. A noção de direito estatutário, mesmo sendo capaz de
ser a dominante aqui em Portugal, é uma noção que é totalmente insatisfatória.

★ Prof. Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) + André Salgado Matos (ASM): Conjunto
de atuações que têm por finalidade a satisfação primária, imediata do interesse
coletivo.

23
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

Função Administrativa (VPS): Fins que são realizados pela Administração Pública (esta
Administração Pública, na maior parte dos casos, tem natureza privada). A maior parte da
Administração utiliza meios e normas do Direito Privado, e portanto, dái que a ideia de uma
atuação dotada de poder não serve para explicar o que é o Direito Administrativo.

2. “TODOS DIFERENTES, TODOS IGUAIS” - OS


PARTICULARES COMO SUJEITOS DAS
RELAÇÕES ADMINISTRATIVAS
Estamos a falar de direitos que são todos diferentes e são todos iguais, correspondem todos à
mesma categoria jurídica. São posições de vantagem garantidas pelo ordenamento, que
atribuem ao particular uma posição de vantagem em face da administração. E, estes direitos
são direitos que integram uma relação jurídica em que há direitos equivalentes.

2.1 DE “SUJEITO” A “SÚBDITO”: RECONHECIMENTO DE


DIREITOS SUBJETIVOS DOS PARTICULARES
Teorias Negacionistas22 - Séc. XVIII-XX: O particular não podia ter nenhum direito face à
administração. Correspondem à fase da infância traumática do direito administrativo.

★ Visão de Otto Mayer: É manifestamente inconcebível que o particular possa ter um


direito a que a administração faça qualquer coisa. A administração prossegue o
interesse público, apresentando privilégios de execução prévia, um particular não
pode ter um poder perante a administração.

★ Papel do Contencioso Administrativo: O particular ia a tribunal apenas para


colaborar com a justiça e a Administração, não tinha direitos, não era parte, nem em
sentido substantivo, nem em sentido processual e estava apenas para “ajudar” a
Administração a descobrir a verdade e a justiça, quase que sendo um “bom escuteiro”,
que cumpria a sua boa ação indo a tribunal para ajudar o juiz.

★ Atribuição de benefícios ao particular: O particular é beneficiado, no entanto, de


uma forma indireta. Reflexamente, se a Administração cumprir a lei, o particular
ganha um benefício de facto. Todavia, não tem nenhum direito a exigir o
cumprimento da lei, nem nenhuma posição substantiva de vantagem. Não tem um
direito subjetivo; tem um reflexo do direito objetivo na sua esfera jurídica.

“Posição Intermédia”23: O particular tinha um direito objetivo e abstrato: um direito à


legalidade

22
Ou objetivistivas
23
O prof. VPS considera que, embora esta teoria se afirme como subjetivista, é claramente objetivista, devido ao
facto de negar a existência de direitos. Surgiu em França e foi adotada em Portugal pelo Professor Marcello
Caetano, tendo constituído durante bastante tempo a consciência social dominante nesta temática.

24
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

★ Crítica do Prof. VPS: Este não é um direito subjeto. O particular tinha um direito
objetivo e abstrato: um direito à legalidade, mas que não é direito nenhum em
concreto, pois não se encontra na esfera de ninguém e não se pode exigir o seu
cumprimento

Atualmente - Posição de Equilíbrio Relativo24: A administração tem poderes como o


particular tem direitos, os poderes administrativos devem ser realizados como regras do
interesse público e, o particular, em última análise, tem direitos fundamentais que obrigam
todos os poderes do Estado. O particular é titular de posições potestativas em relação à
Administração.

★ Concepção Trinitárias25: Defende a ideia de que existem três tipos de direitos


caracterizados por um menor grau de proteção em termos relativos: os direitos
subjetivos, interesses legítimos e interesses difusos26.

○ Contencioso Administrativo: Desde desde 1998 que a legislação do


Contencioso Administrativo e a própria lógica constitucional ultrapassou esta
distinção, criando áreas a que chamou de “jurisdição exclusiva”, que são áreas
como a saúde, consumo, ambiente, urbanismo e realidades de natureza social,
que estão identificadas na Constituição e nas leis, e no quadro destas situações
de jurisdição exclusiva, é irrelevante a distinção.

★ Concepção Binária27: Defende os direitos subjetivos e interesses legítimos.

○ Distinção entre direitos subjetivos e interesses legítimos: Em alguns casos, o


legislador outorga diretamente uma posição de vantagem e aí não há dúvidas
que estamos perante um direito subjetivo. Outras vezes, o legislador pode
estabelecer apenas um dever para a administração. Pode dizer que a
Administração tem de atuar daquela maneira. De acordo com esta construção,
esta norma jurídica está feita a pensar no funcionamento da administração, não
nos direitos dos particulares, e só protege indiretamente o particular.

■ A NÍVEL LEGISLATIVO: Apesar desta distinção por um lado, o


legislador nunca distingue o direito subjetivo do interesse
supostamente legítimo: fala em direitos subjetivos e interesses
legalmente protegidos e trata os dois por igual e, do ponto de vista
jurídico, o interesse legalmente protegido é um direito subjetivo.

■ RAZÃO DE SER DA DISTINÇÃO: Para os Prof. DFA e MRS é uma


questão de “amor à verdade”, uma vez que, na sua perspetiva, no caso
do direito subjetivo, há uma proteção direta por parte do ordenamento
jurídico, e que no caso do interesse legítimo, há uma proteção
meramente indireta.

24
Teorias Subjetivistas
25
A ideia de “trindade” é defendida pelo Prof. Freitas do Amaral, mas também pelos Professores Rui Machete e
Sérvulo Correia.
26
Realidades objetivas em que há uma proteção objetiva de um bem que não é apropriável (ex: ambiente)
27
Defendida pelo Prof. MRS

25
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Luísa Braz Teixeira

● Crítica do Prof. VPS: Não faz sentido esta distinção: estamos


perante uma proteção jurídica num caso e no outro.O único
sentido, podem ser os traumas da infância difícil. A única
forma de diferenciação que parece existir entre o direito
subjetivo e o interesse legítimo, é o modo como a norma atribui
a posição de vantagem.

★ Concepção Unitária: Falam num único direito subjetivo, que pode ser reativo ou o
direito de acordo com a teoria da norma de proteção que é reconhecido pela ordem
jurídica sempre que há um dever de atuação da administração ou sempre que há uma
posição garantida pela ordem jurídica.

○ Preconizada pelo Prof. VPS: A ideia de que há uma tripartição ou uma


repartição de direitos subjetivos e interesses difusos – direitos de primeira, de
segunda ou terceira – é algo que não tem qualquer justificação, seja teórica: o
que está em causa é o modo de atribuição do direito pela norma e em qualquer
dos casos estamos perante um direito. Há uma permissão normativa de
aproveitamento, independentemente de se tratar de um bem público. Há um
verdadeiro direito subjetivo.

Direito Subjetivo Público: No quadro do Direito Administrativo, não se trata apenas de


uma novidade do ponto de vista do ordenamento jurídico, corresponde também a uma
transformação do Direito Público em geral e do Direito Administrativo em particular.

★ No quadro da ordem jurídica portuguesa: Os direitos subjetivos públicos resultam


da Constituição de 76 (sobretudo depois das revisões de 89 e 97).

○ Direitos Fundamentais: A CRP consagra direitos fundamentais que vinculam


entidades públicas, havendo a ideia de que há dois lados e que se a
Administração tem de realizar o interesse público, o particular é protegido
através de direitos fundamentais.

○ Art. 1 da CRP: Fala da organização do poder como objetivo da CRP,


afirmando que a base da organização política é a dignidade da pessoa humana.
Esta lógica, reconhecer uma dimensão personalista do particular que goza de
direitos face à Administração e que depois se vai manifestar a todos os títulos

○ Funcionamento da Administração Pública: Os artigos que regulam a atuação


administrativa dizem expressamente que há uma necessidade de realizar o
interesse público no respeito pelos direitos e interesses dos particulares.

○ Tribunais (art. 212/1 + 268/4 e 5): Em Portugal, é um direito fundamental o


acesso à justiça para a tutela dos direitos dos particulares. Esta é uma
realidade que corresponde ao Estado Moderno Pós-Social onde vivemos

26
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Luísa Braz Teixeira

2.1.1 CONCEPÇÕES UNITÁRIAS DOS DIREITOS SUBJETIVOS


Direito Reativo: A ideia do direito reativo como direito subjetivo corresponde a uma lógica
unificada, em vez de dizer que há várias espécies de posições jurídicas subjetivas, umas que
são direitos e outras que não, a ideia do direito reativo que foi teorizada pelo Prof. espanhol
García de Enterría. Esta lógica significa o olhar para o poder de ir a tribunal, para o direito de
reagir contenciosamente, e considerar esse o único direito em causa no Direito
Administrativo. Ninguém põe em causa que o direito de ir a juízo seja um direito subjetivo,
agora é um direito com uma função instrumental. Serve para proteger os outros direitos.

★ Vantagens: Trata de um direito dos indivíduos que decorre da norma e decorre de


uma situação que a cria. Assim, esta construção, permite uma construção unitária da
figura de direito subjetivo e permite não desvalorizar a posição do particular em
relação à Administração Pública, porque não existem direitos de primeira, segunda ou
terceira – têm todos o mesmo regime jurídico, como decorre da nossa ordem jurídica.

★ Crítica do Prof. VPS:

○ Visão Redutora: O que aqui se faz é a valorização do direito a reagir, seja a


reação contra lesão ou a reação jurisdicional. Concentrar tudo no direito a
reagir significa esquecer tudo o que está para trás. A questão é que se vai a
juízo para tutelar uma relação jurídica substantiva composta por direitos e
deveres que foram violados. O direito de agir é o direito instrumental dos
direitos subjetivos que foram violados.

○ Desvantagem Processual: Confunde a relação jurídica processual com a


relação jurídica substantiva, porque se o direito se constitui no momento da
lesão, há uma relação processual que decorre de ser ter usado o direito de ação
e essa relação processual é igual à relação substantiva, porque a substituí –
introduz uma distorção.

Teoria da Norma de Protação:

★ Buehler (fim do séc. XIX): Falava em 3 condições para a existência de um direito


subjetivo: 1) haver uma norma jurídica vinculativa; 2) essa norma deveria estar
estabelecida no interesse do particular; 3) a existência dessas duas condições atribuiria
o direito de ir a juízo (o tal direito reativo), que seria algo que acrescentaria ao que
resultava das primeiras duas condições28.

★ Otto Mayer: Tem de se considerar que há uma presunção de que qualquer norma
jurídica no quadro do Estado social de direito existe para proteger os cidadãos e não
apenas a Administração. O direito reativo não é um elemento do direito, mas sim uma

28
À época, tinha um âmbito de aplicação algo limitado. O modelo de Estado ainda era o modelo liberal, pelo
que era discutido quem possuía direitos ou não – na altura dizia-se que só se aplicava aos cidadãos nacionais e,
como tal, os outros não eram titulares de direitos (apátridas, estrangeiros, refugiados). Também ficavam de fora
os direitos de natureza económica, social e cultural, já que o contexto era o da Administração agressiva e não
prestadora, pelo que a teoria incidia, sobretudo, sobre as omissões administrativas.

27
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

consequência da existência do direito subjetivo, pelo que o que vale são as condições
1 e 2 (os pressupostos da teoria)29.

★ Schmidt-Asmann e Bauer (anos 60/70): Vieram dizer que esta teoria estava
relacionada com todas as situações do particular com a Administração Pública, pelo
que incluía, de forma direta, tanto as situações da Administração agressiva como
situações da Administração prestadora, e que os direitos dos particulares no âmbito
desta última podiam ser direitos relativos a uma conduta por parte da Administração
(acentua a dimensão positiva do conteúdo de direito).

★ “Quarta Fase da Teoria”30 (desde os anos 70): A última discussão acerca da teoria
da norma de proteção foca-se na ideia de esta se estender ao Direito Constitucional,
em que ainda se tende a olhar para o direito subjetivo com a sua dimensão meramente
negativa. A noção de "direito subjetivo não tem apelido”, significa que os direitos são
todos iguais, não é público ou privado, pelo que implica sempre uma tutela do
particular perante os poderes públicos. A única coisa que podia distinguir figuras
diferente, seria o modo como a ordem jurídica atribui esses direitos, mas esse modo é
sempre idêntico: tanto existe um direito perante uma norma que imediatamente
outorga algo a um particular, como uma norma que atribui um dever de atuar à
Administração, que corresponde a um direito subjetivo do particular. Assim, não faz
sentido distinguir direito subjetivo de interesse legalmente protegido ou ainda falar de
interesses difusos, que são direitos de terceiro.

○ Crítica do Prof. DFA: Para concluir que esta posição não é a correta e que
deve ser adotada outra, o Prof. dá o exemplo de distinção entre direito
subjetivo e interesse protegido: o direito à reforma de um funcionário público,
é um direito subjetivo, porque a lei diz que X pessoa tem direito à reforma ao
fim de uma quantidade de anos de serviço. Por outro lado, o exemplo de
interesse legítimo é o de um concurso público para o lugar de professor
catedrático numa faculdade, em que havia 4 candidatos - o Professor diz que
os candidatos estão submetidos a um tratamento de acordo com normas
jurídicas objetivas que protegem o particular, mas apenas indiretamente;
depois, relativamente ao que ganha ao concurso, tem o direito a ser provido do
cargo, que é um direito mais amplo

■ CRÍTCA DO PROF. VPS: Segundo o professor VPS, O que está


errado aqui é que todas as normas protegem os particulares: o
particular que participe no concurso tem direito a participar, a ser
tratado em condições de igualdade, em condições proporcionais,
direito à verificação da sua capacidade e, se ganhar, o direito de ter o
cargo. Não há apenas um direito máximo, que corresponde à
integralidade da posição do particular, mas há um conjunto de direitos
que vão desde o momento em que entrega os papéis até ao momento
em que toma posse. O particular tem direitos, que correspondem aos
aspectos vinculados dessa atuação, e não tem apenas um direito final.

29
Isto explica o facto de as Constituições terem consagrado um direito fundamental de acesso à justiça aos
particulares, como consequência do Estado de direito e não condição da existência de Direito.
30
Segundo o Prof. VPS

28
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Luísa Braz Teixeira

2.2 RELAÇÕES JURÍDICAS


Referências na Legislação Nacional:

★ Constiuição: Se tivermos em conta a Constituição, veremos diferentes referências à


ideia da relação jurídica, desde logo porque a própria organização do poder político se
baseia na vontade das pessoas e na dignidade da pessoa humana, mas também porque
há direitos fundamentais e estes vinculam diretamente a Administração Pública. O
mesmo acontece se olharmos para o Código de Procedimento Administrativo. O
interesse público deve ser realizado com o respeito pelos direitos dos particulares, não
há, na lógica constitucional a ideia da oposição entre direitos do particular e
prossecução do interesse público, as duas coisas devem estar correlacionadas

★ Código do Processo Administrativo: Se tivermos em conta o Código de Processo


Administrativo vemos que, no contencioso administrativo, há duas partes e essas
partes têm deveres e poderes idênticos, atuam fornecendo aos juízes os factos e as
qualificações jurídicas dos factos de modo a que o juiz possa decidir - desde de 2004
que existe esta lógica de partes em que os particulares e a administração estão em
posições equiparadas. A dignidade não é afetada pela prossecução do interesse
público, porque essa prossecução existe e tem de existir sempre, a administração não
pode nunca deixar de prosseguir o interesse público.

Modalidades (3):

★ Relação Jurídica Substantiva: Decorrem do ordenamento jurídico, ou seja, da


norma jurídica resulta posições de vantagem atribuídas aos cidadãos que se colocam
no âmbito de aplicação da norma, sejam particulares, sejam entidades administrativas
a realidade é a mesma.

★ Relação Jurídica Procedimental31: As decisões administrativas são resultado de um


procedimento e são reguladas não apenas, para, materialmente, serem as mais corretas
na lógica jurídica substantiva, mas também, para que o modo de chegar a essas
decisões seja o mais correto. As decisões não vem de uma realidade material, são
construídas no procedimento.

○ “Decision Making Process”: Não há apenas a decisão em si, a decisão tem um


conteúdo material, que é o direito substantivo que obriga as decisões a ser
justas ponderadas equitativas. Para chegar a essas decisões é preciso que as
regras procedimentais sejam adequadas à administração - ex: a Administração,
antes de decidir se concede ou não uma autorização de construção tem que
averiguar vários aspetos, como, o terreno em questão, os planos para essa
construção,...

○ Evolução da Teoria do Procedimento: Entre os anos 80 e os nossos dias, a


Teoria do procedimento teve alguma evolução, no sentido de que, hoje em dia
as Constituições consagram esses direitos de natureza procedimental: status
activus processualis - cidadão tem uma posição ativa de intervir na tomada de

31
Nova dimensão do direito administrativo nascida só a partir dos 60 do Século XX

29
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Luísa Braz Teixeira

decisões administrativas. A Constituição impõe a existência de um Código de


Procedimento Administrativo, essencial num estado de direito democrático,
não apenas para que as decisões sejam boas do ponto de vista substantivo,
material e procedimental, mas também para que sejam mais participadas.

■ CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO: Regula todo o


intérprete da formação da vontade na Administração, desde que ela
decide atuar, por sua iniciativa ou a pedido de um particular, até à
decisão final - há uma sequência na lógica de funcionamento da
administração. Caso o particular não fique satisfeito ou caso existam
particulares que têm interesses diferentes ao do particular que viu o seu
interesse satisfeito, em situação de ilegalidade é sempre possível
recorrer a tribunal para tutelar os direitos respectivos.

★ Relação Jurídca Processual32: Situação de igualdade entre todos (particulares e


administração), na medida que todos intervêm nos mesmos momentos do
procedimento, nas mesmas fases com os mesmos poderes e deveres. Surge nas
situações em que há conflitos de direitos, de posições que não são satisfeitas e de
litígios, cabendo aos tribunais olhar para a lei e ver quem tem razão e decidir qual a
melhor solução para o caso concreto. Resulta das normas constitucionais (art. 203/4 e
ss, e art 221/). Simultaneamente, no CPTA temos os Tribunais Administrativos, onde
são regulados os meios processuais, os poderes do juiz, tudo aquilo que as partes
podem pedir e todos os conteúdos que as sentenças podem ter.

○ Dimensão Multilateral: No quadro do Direito Administrativo é necessário


enquadrar a dimensão multilateral nos seus diferentes níveis. No nível
substantivo, há direitos de pessoas em posições diferentes, que são protegidas
no quadro daquela mesma atuação e, de um ponto de vista procedimental,
todas estas entidades têm que se pronunciar no procedimento para tomarem a
decisão mais adequada, mesmo em caso de litígio, conflito de interesses e
direitos, quanto à solução tomada no processo. Estamos perante dois pólos: de
um lado estão os particulares e do outro lado está a administração pública, a
entidade que exerce a função administrativa.

32
Um dos novos ramos do Direito Administrativo nasceu assim, sendo um excelente exemplo disso o Direito do
Ambiente. O Direito do Ambiente nasceu na Alemanha com o caso do pescador de chalupa. Havia um pescador
que costumava pescar num rio na Alemanha, mas que um dia se deparou com os peixes todos mortos devido aos
despejos de resíduos tóxicos de uma fábrica para o rio. O pescador decidiu ir a tribunal afirmando que aquela
fábrica estava a funcionar ilegalmente e que estava, também, a pôr em causa o seu direito ao trabalho, o seu
direito a ter uma relação equilibrada com o meio ambiente e a qualidade de vida dele, bem como de todos os
pescadores daquele rio. A primeira coisa que o tribunal decidiu fazer foi perguntar o porquê de o pescador
impugnar isto em tribunal. Isto porque ele não era um dos sujeitos da relação jurídica bilateral, a mesma
somente correspondia à autorização dada ao dono da fábrica pela autoridade do Estado no norte da Alemanha.
Desta forma, a primeira coisa que o tribunal fez de inovador foi reconhecer legitimidade ao pescador e, para
além disso, reconheceu o direito do ambiente decorrente do seu direito ao livre desenvolvimento da
personalidade, considerando o direito ao ambiente como sendo também um direito fundamental que tem que ser
compatibilizado com todos os outros direitos. Assim, ficamos perante uma lógica de compatibilização de
interesses antagônicos, porque por um lado tínhamos o direito do pescador ao ambiente e à sua qualidade de
vida, e do outro tínhamos o direito de propriedade do dono da fábrica e o direito ao trabalho dos trabalhadores
da mesma. Nestes termos, a solução não é acabar com a fábrica, mas obrigá-la a produzir de forma mais
ecológica.

30
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Luísa Braz Teixeira

3. CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA PORTUGUESA

3.1 ANTECEDENTES
Direito Francês - Lógica Tradicional:

★ Composição - Trilogia Clássica: Podemos falar na administração como sendo


composta por pessoas coletivas, órgãos e serviços.

○ Pessoas Coletivas: Entidades criadas pelo direito, com natureza pública que
atuam no quadro do exercício da função administrativa (Governo, Ministros,
Autarquias Locais, Institutos Públicos,...), que atuam através dos órgãos que a
compõem, esses que exercem as competências que a lei lhes atribui - Em
termos da teoria geral do direito, poderíamos dizer que as pessoas coletivas
têm personalidade jurídica e que os órgãos têm capacidade

○ Órgãos: Conjunto de poderes jurídicos que atuando por intermédio de uma


pessoa singula, criam uma vontade que é imputável à pessoa coletiva. Os
órgãos tomam as decisões em nome das pessoas coletivas. Há, assim, uma
lógica da ligação das competências do fecho de poderes funcionais que
permitem a tomada de decisões públicas com as pessoas que exercem essas
funções e que tomam as decisões que são imputáveis às pessoas coletivas.

○ Serviços: Conjunto de meios que estão ao serviço dos órgãos e que ajudam os
órgãos a tomar decisões, preparando-as e executando-as.

★ Realidades que Permitem que os Órgãos Manifestem a sua Vontade:

○ Atribuições: Finalidades que devem ser prosseguidas, são as tarefas que


cabem aos órgãos do poder administrativo.

○ Competências: Poderes funcionais, que permitem a tomada de decisões

Introdução do Direito Privado no Direito Administrativo:

★ A nível da Composição: Enquanto a lógica tradicional era fácil de perceber, a


realidade complicou-se. As pessoas coletivas, que eram essencialmente públicas,
agora são privadas. Desempenham a função administrativa, usam o dinheiro
administrativo, estão sujeitas às regras do direito administrativo, mas organizam-se
segundo o direito privado.Para além disso há também formas de exercício privado nas
funções administrativas, ou porque se negoceia com os particulares chamando-os a
desempenhar determinadas tarefas. Portanto, há uma realidade que foi alvo de

31
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
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transformações, passando a administração atual a misturar entidades públicas e


privadas.

★ A nível da manifestação da Vontade: Antes era fácil distinguir que as atribuições


eram das pessoas coletivas e que as competências eram dos órgãos. Contudo,
pensando na realidade atual, as atribuições também passaram a ser dos órgãos (ex:
cada Ministro é um órgão do Governo e o Governo é um órgão do Estado).

3.2 CONCEITOS IMPORTANTES


Pessoas Coletivas: A pessoa coletiva é a entidade que está em jogo, sendo a elas que são
imputadas as decisões dos seus órgãos. Enquanto no Direito Privado os sujeitos agem
horizontalmente, uns em relação aos outros, no direito administrativo as regras assentam num
princípio de legalidade e de competência.

★ Tipos de Pessoas Coletivas: Este conceito, à luz da realidade, tem de ser relativizado,
pois, não temos apenas pessoas coletivas públicas, mas também privadas: fenómeno
que se relaciona com a privatização da administração que pode corresponder à criação
de órgãos e entidades administrativas criadas e reguladas segundo o direito privado.
Tal é evidenciado pelo artigo 51° do CPA. São exemplos:

○ Empresas Públicas: Entidades que integram a administração pública, as quais


podem inclusive não ser de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.

○ Parcerias público-privadas: Mecanismo de cooperação entre entidades


privadas e públicas;

○ Transferências de atividades: Não obstante terem regulação pública,


encaixam-se no setor privado.

★ Razão de ser da Privatização: Esta realidade acentuou-se com a União Europeia,


resultando da aproximação dos sistemas francês e anglo-saxônico: as entidades
privadas que exercem a função administrativa são típicas do sistema anglo saxónico,
que não conhecem a noção de pessoa coletiva pública – há apenas pessoas coletivas.

Órgãos Administrativo Competente: Fechos de poder que permitem atuação ao designar


um indivíduo ao exercício daquele órgão. De acordo com o modelo anglo saxónico, seria o
“colocar do chapéu” da pessoa coletiva, atuando um determinado sujeito como órgão da
mesma. Tomam decisões que são imputadas à pessoa coletiva e que não a obrigam, mas sim a
outros órgãos dessa pessoa, ou a outras pessoas coletivas porque há relações intra-orgânicas
(da mesma pessoa coletiva) e interorgânicas (de pessoas coletivas distintas) - o Prof. VPS
considera que são os verdadeiros sujeitos das relações jurídicas administrativas.

Serviços: Entidades organizadas que preparam e executam as decisões dos órgãos - ex: a
Divisão Académica, que é um serviço da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que
executa as decisões que, a priori, os órgãos já tomaram.

32
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
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3.3 MODOS DE ORGANIZAÇÃO DA ADMINISRTAÇÃO


Separação de Poderes:

★ Governo: A administração pública está regulada, em relação aos seus aspetos


fundamentais, na CRP, e esta tem regras relativamente ao governo. O Governo,
principal órgão do Estado-Administração (Prof. DFA) apresenta uma realidade tão
ampla, que não se sabe exatamente quais as suas funções e competências: é possível
dizer que a natureza esquizofrênica do governo, órgão político e legislativo e órgão da
função administrativa, está regulada de forma a conseguir uma separação entre as
duas competências.

○ Competência:

■ POLÍTICA: artigo 197° CRP

■ LEGISLATIVA: artigo 198° CRP

■ ADMINISTRATIVA: artigo 199° CRP

★ Ato Administrativo: Se um ato administrativo estiver contido num regulamento ou


numa lei, a CRP elucida que este ato é ainda um ato administrativo controlável (e
anulável) pelo tribunal administrativo, enquanto que as leis são fiscalizadas pelo
tribunal constitucional que as pode afastar. Apesar da esquizofrenia, o legislador
separou estas duas competências inconfundíveis, passando elas a ter um duplo
controlo: do Tribunal Administrativo, porque materialmente são atos administrativos,
e do Tribunal Constitucional sobre as leis.

3.3.1 DESCENTRALIZAÇÃO
O Prof. DFA afirma que, do ponto de vista jurídico, é o sistema descentralizado que permite
que a Administração seja feita não só pelo Estado, como também por outras pessoas
colectivas. Do ponto de vista político-administrativo, a descentralização coincide com o
conceito de auto-administração, uma vez que cabe à população eleger os órgãos das suas
autarquias locais, havendo certa independência no que toca a designação de competências e a
tutela administrativa for branda. O Governo, face às diferentes modalidades da administração,
terá diferentes poderes (art. 199 CRP).

Diferententes Administrações:

★ Administração direta: A Administração direta do Estado está sob o poder de


coordenação do Governo. Tal significa que há um conjunto de relações no qual o
Governo encontra-se no topo enquanto órgão máximo de coordenação, detentor de
poderes que garantam a possibilidade de sobrepor-se aos órgãos que dele dependem;
poder de direção, ao qual cabe a capacidade de dar ordens aos órgãos de
administração direta.

★ Administração indireta: Realizada por pessoas coletivas distintas do Estado ou da


pessoa colectiva em causa, as quais, todavia, prosseguem fins do estado. Neste caso já

33
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
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não há poder de direção, mas outro que advém de expressão constitucional feliz de
“superintendência” que corresponde a três poderes. O primeiro é o de dar orientações
genéricas (o que se deve fazer, que objectivos se devem atingir – não são ordens
diretas), o segundo é o poder de legalidade e, por fim, o mérito (poder de caso a
mérito). Existe neste tipo que está umbilicalmente afeto ao Estado por prosseguir os
seus interesses.

★ Administração autónoma: Prossegue fins próprios e o Estado só pode intervir com


as entidades que aqui se encaixam mediante tutela. Ele pode, por exemplo, em relação
às autarquias locais, fiscalizar o cumprimento da legalidade e, se entender que há uma
ilegalidade, pode comunicá-la ao Ministério Público para que o órgão seja afastado.

★ Administração sob forma privada: Feita por meio do direito privado; há uma lógica
de exercício privado de funções públicas. Isto é, quando o Estado cria sociedades
comerciais para desempenhar determinadas funções públicas com estatuto muito
diferenciado33, atua como acionista que intervém na gestão da administração pública.

★ Administração independente: o Estado atua através da lei, mas do ponto de vista


jurídico-administrativo apenas coordena a sua atuação com outras entidades
independentes.

Governo: Dada a exposição das diferentes manifestações da administração, verificamos a


complexidade das modalidades, pelo que se questiona se a atividade do Governo poderia,
eventualmente, ser dispensada. Conclui-se que não, uma vez que o mesmo introduz harmonia
entre diferentes níveis de setores nos termos da lei, apresentando uma função que tem mais a
ver com a coordenação do que com a direção efetiva.

★ Diferentes Configurações de Governo: A tradição portuguesa é a de que, para além


dos casos em que haja uma competência específica do Conselho de Ministros, nos
restantes ela é exercida a nível individual.

○ Órgão administrativo de topo da Administração Direta

○ Órgão Colegial (Conselho de Ministros)

○ Ógão Individual (composto por diferentes Ministros ou Secretários de Estado)

★ Composição: Na Constituição da República Portuguesa encontra-se explicitado que o


Governo se constitui pelo Primeiro Ministro (órgão individual), pelos Ministros e pelo
Secretários de Estado, podendo, no entanto, existir Subsecretários de Estado e
Vice-Primeiros Ministros. Todos estes órgãos encontram-se no topo, não havendo
qualquer relação de hierarquia entre eles.

○ Secretários de Estado: Houve uma tradição portuguesa (anos 50-80) que


atribuía aos Secretários de Estado competências próprias. Entretanto, sendo a
competência e organização de cada governo matéria exclusiva do mesmo, a
partir da década de 80, generalizou-se a tendência de não atribuir aos

33
Exemplos: Banco de Portugal e TAP.

34
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Secretários de Estado senão competência delegada e tal significa que entre


Secretários e Subsecretários deixa de haver diferença, o que resulta a
existência quase nula de Subsecretários de Estado.

○ Vice Primeiro-Ministro: Isto porque Como o Primeiro Ministro poderia


entender ser visto como concorrente, designando alguma intriga, desde os anos
80, não há vice-primeiro ministro nem Conselho de Ministros especializado;
são normalmente genéricos.

○ Primeiro-Ministro: Tem tarefas de coordenação e controle das atividades do


membro do Governo, do ponto de vista jurídico. No quadro das políticas que
são definidas, estabelece orientações genéricas para o que está em causa. Há a
tradição, também, de que o Primeiro Ministro tenha um ministério próprio,
que, em Portugal, se trata da Presidência do Conselho de Ministros – é o
ministério mais importante por ser o do Primeiro Ministro.

■ PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS: Há uma certa


tradição de que ir a despacho com o Primeiro Ministro é algo que
atribui importância maior às medidas e políticas que estão a ser
apreciadas, o que levou a que, durante muitos anos (e ainda), a
Presidência do Conselho de Ministros se transformasse num grande
ministério na qual havia dezenas de secretários de Estado com funções
delegadas pelo Primeiro Ministro que despachavam estas decisões.
● Crítica do Prof. VPS: Esta realidade não faz sentido uma vez
que levou a outra prática, mais atual, que é a da existência de
outros ministros no quadro da Presidência do Conselho de
Ministros, a quem o Primeiro Ministro delega funções de
gestão – existe o Ministro da Presidência, secretários de Estado
da Presidência. Esta última prática consolida a ideia de que o
Primeiro Ministro acaba por já não ter intervenção nas decisões
que são tomadas, não intervém no processo de análise.

A. COMPETÊNCIAS DO GOVERNO - ART. 199 CRP


O artigo 199.º da CRP estabelece a competência administrativa do Governo, função que é
realizada de forma direta pelo Estado. O que distingue os vários ministros são terem
competências diferentes, já que as funções do Estado são múltiplas.

Competências Administrativas:

★ Elaborar os planos, com base nas leis das respetivas grandes opções, e fazê-los
executar. O Governo, através dos planos, fixa grandes objetivos, estabelece os meios
de os atingir e depois vai procurar executá-los34 (al. a)

○ Tarefa de planeamento (económica, cultural,...): Função típica do Governo,


embora conte com a repartição de competências ao nível regional e local - ex:

34
Esta tarefa relaciona-se com a transformação administrativa de Estado social para Estado pós-social, em que o
Estado não necessita de prestar tudo, mas sim regular todos os aspetos e depois verificar o cumprimento dessas
planificações

35
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

as autarquias têm competências ao nível do ordenamento do território, embora


seja o Governo que, de forma central, que elabora estes planos.

★ Fazer executar o Orçamento do Estado: O Orçamento de Estado é um instrumento


em que há colaboração da AR, mas que pertence ao Governo (prepara o OE,
apresenta-o à AR, a AR tem de o aprovar – é essencial). Neste artigo, a execução
resporta-se e ao momento a seguir a este à aprovação, que tem a duração de um ano,
pelo Governo (ou, como ocorrerá em 2021, a execução em duodécimos do Orçamento
anterior, porque um novo diploma não foi aprovado). (al. b)

★ Fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis: Estes são os chamados
“regulamentos de execução”, porque tem uma relação com a lei, que estabelece o seu
regime jurídico, mas é o regulamento que diz tudo, que a complementa. (al. c)

★ Em relação às diferentes modalidades de administração (al. d)

○ Dirigir os serviços e a atividade da administração direta

○ Superintender na administração indireta e exercer tutela

○ Exercer tutela sobre a administração autónoma

★ Defender a Legalidade Democrática: Cabe a todas as instituições. Todos os atos e


providências do Governo são tomados de acordo com a legitimidade democrática, que
está relacionada com a realidade governamental (al. f)

★ Praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do


desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas:
Feitura de “regulamentos autónomos ou independentes”, que, tendo uma base legal,
não complementam uma determinada lei – há uma hipótese de inovação por parte do
Governo. (al. g)

○ Nesta alínea, cabem duas coisas:

■ ATOS ADMINISTRATICOS (individuais e concretos);


■ REGULAMENTOS (gerais ou35 abstratos)

○ Lei de Habilitação: Esta alínea gerou uma discussão:

■ PROF DFA E VPS:Esta previsão para fazer regulamentos autónomos


não se substitui à lei de habilitação, ou seja, é necessário que exista
uma lei, para além da CRP, que defina a competência objetiva e
subjetiva deste regulamento

■ PROF. SC: Basta ao Governo invocar a CRP para ter competência


genérica para exercer regulamentos autónomos.

35
O CPA diz que são gerais e abstratos, mas o professor VPS entende que na nossa ordem jurídica devem ser
gerais ou abstratos, porque basta uma destas para haver uma norma – por exemplo, uma norma da CML que
determine que todos os comerciantes têm de colocar um cravo no dia 25 de abril como celebração é uma norma,
apesar de ser concreta

36
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Luísa Braz Teixeira

★ Competência Genérica da Prática de Atos Administrativos, típicos da função


legislatva: Praticar todos os atos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e
agentes do Estado e de outras pessoas coletivas públicas (al. e)

B. ADMINISTRAÇÃO DIRETA
Órgãos e Serviços de Natureza Central: Estão situados na dependência do Governo, como
os Ministérios.

★ Ministérios: São compostos por Direções Gerais

○ Direções Gerais: Atribuições dos departamentos ministeriais.

■ DIRETOR DE SERVIÇO: Responsável pela Direção Geral

○ Secretário Geral: “Dona da casa”, ou seja, quem toma todas as decisões sobre
despesas e manutenção

○ Outras Repartições no quadro da organização do Ministério

○ Serviços Jurídicos e de consultadoria

Órgãos da Administração Desconcentrada do Estado, Espalhados pelo Território: Cada


Ministério tem órgãos nos municípios ou nas zonas correspondentes às províncias

★ Não Regionalização: Em Portugal não existe nenhum órgão de natureza regional,


apesar de previsto na Constituição. Todos os órgãos que existem são de natureza
estadual ou local. Existem depois órgãos de natureza regional nas chamadas
“províncias” ou em organizações similares, isto é, circunscrições administrativas que
não têm qualquer valor jurídico.

○ Problema: Por falta de regulação, cada Ministério escolhe planificações


diferentes: os ministérios económicos introduzem uma classificação
relacionada com as regiões-plano; o Ministério da Justiça com as comarcas;
etc. No plano da União Europeia, é também problemático, porque esta se
encontra organizada com uma vertente regional administrativa, pelo que há
uma realidade que é um défice de funcionamento em Portugal.

Órgãos no Exterior do País: Como os Consulados e as Embaixadas, que funcionam noutro


país e que exercem competências estaduais.

★ “Administração Perfiérica do Estado”: Começou a suceder que estes órgãos de


natureza externa, para além de terem serviços que correspondem aos existentes no
território nacional (sobretudo, representações dos Ministérios), passassem a ter
também atuações de representantes de Institutos Públicos (integrantes na
Administração Indireta do Estado). Por isso, o Prof. João Caupers (JC) começou a
usar-se esta expressão para se referir aos dois tipos de administração.

37
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

○ “Administração Perfiérica Interna”: O Prof. JC também fala, no plano interno,


em Administração periférica interna, juntando a Administração Indireta e
Direta.

■ PROF. VPS: Não concorda com este conceito, porque como estamos
no quadro da desconcentração, não há qualquer ligação entre órgãos
estaduais e órgãos da administração indireta (não se encontram no
mesmo lugar, ao contrário do que acontece nos órgãos externos).

C. ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
A Administração indireta mostra a ligação umbilical deste modelo de Administração ao
Estado ou à pessoa coletiva que fundou aquela entidade pública. Embora exista personalidade
de direito público, património próprio, autonomia administrativa e financeira, estas entidades
existem para a realização das funções do Estado ou da entidade pública que as criou, ou seja,
é uma lógica que tem este cordão umbilical diretamente ao Estado e à entidade criadora.
Existem diferentes entidades que compõem a Administração indireta (os Institutos Públicos e
as Empresas Públicas).

Entidades que Compõem a Administração Indireta:

★ Prof. DFA: Falava em Institutos Públicos, Estabelecimentos Públicos, Fundações


Públicas e em Empresas Públicas - modelo dos anos 80

★ Prof. MRS e VPS: Falam em Institutos Públicos, Estabelecimentos Públicos,


Fundações Públicas e em Empresas Públicas e em “Entes ou Organismos
Personalizados do Estado”.

Institutos Públicos: Têm uma grande autonomia e independência, sendo regulados pela
LQIP (Lei Quadro dos Institutos Públicos). Existem em muitas formas e modelos de
organização administrativa. Estes institutos existem para prosseguir, de forma própria, fins do
Estado.

★ Entes ou Organismos Personalizados do Estado: Institutos públicos intimamente


ligados ao Estado, funcionando como uma Direção Geral, embora com uma ligeira
autonomia administrativa e financeira.

○ Exemplos:

■ INSTITUTO OU AGÊNCIA DA JUVENTUDE: Instituto integrado no


Ministério, que entendeu que para a realização dessas funções são
necessários montantes que devem estar disponíveis no imediato (isto
porque ao nível central a contabilidade é muito mais lenta), pelo que
achou melhor ter funções da Direção Geral que fossem exercidas por
um Instituto Público – ora, não é um verdadeiro instituto público.

■ AGÊNCIA NACIONAL DO AMBIENTE: É uma entidade que, na


lógica da União Europeia, é a responsável pelas avaliações e

38
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

declarações de impacto ambiental, pelo que necessita de


independência. Em Portugal, o Ministério do Ambiente libertou-se dos
seus serviços de Direção Geral, delegando-os à Agência em questão –
criou uma realidade que funciona como uma Direção-Geral, que
depende do Ministério, mas que, ao mesmo tempo, tem o nome de
“agência”36.

★ Fundações Públicas: Institutos públicos com um substrato de natureza fundacional.


Conjunto de ativos financeiros com um património público que é colocado ao serviço
de uma determinada tarefa administrativa que era do Estado, mas que este transferiu
para uma pessoa coletiva própria37

○ Exemplos:

■ ADSE: Entidade destinada ao apoio dos servidores do Estado em


matéria do Direito à Saúde. Conjunto patrimonial que decorre das
contribuições das pessoas que estão ao serviço do Estado, que é
atribuído, ou é afetado, a uma tarefa de auxílio do Estado no âmbito da
função da saúde e que os cidadãos podem, através da ADSE, ter
regimes especiais de utilização dos serviços de saúde, mecanismos de
não pagamento de certas prestações de natureza médica, entre outros.

Empresas Públicas38:

★ EPE (Entidades Públicas Empresariais): Empresas de capitais públicos que o


Estado entende que estão mais ligadas ao exercício da respetiva função, e que têm
uma entidade administrativa de natureza pública. Pessoas coletivas de direito público
e capital estatutário, que só podem ser detidas pelo Estado.

○ Direito Privado: Estas entidade têm uma natureza especial, visto são entidades
públicas, ou seja, de capitais públicos, mas geridas de forma a satisfazer as
necessidades coletivas, sendo reguladas pelo Estado e pelas instituições
criadoras e são criadas para a realização de operativos de raiz público, no
entanto, organizam-se e funcionam de acordo com regras de direito privado.

36
Assim, percebe-se o porquê de quase todas as decisões de impacto ambiental relacionadas com o Governo
serem benéficas para o mesmo – houve um aprisionamento desta entidade. Este tipo de estrutura está mais
próximo de um “organismo personalizado do Estado” do que de um IP. Para o Professor Vasco P. da Silva, seria
benéfico para o Governo que alterasse esta realidade.
37
Esta ideia da fundação pública não é aplicável a realidades que não sejam ativos financeiros, e, portanto, é
completamente desadequado classificar Universidades como fundações públicas, continuam a ser entidades da
Administração autónoma. A lei das Universidades que fala em “Universidades fundacionais” é descabida,
porque não é o dinheiro que faz uma universidade, independentemente da riqueza que esta tenha, são os grupos
de professores qualificados e de estudantes que fazem uma universidade.
38
Há um conjunto de outras empresas que integram o chamado Setor Empresarial do Estado e que já não se
podem considerar como entidades da administração indireta, porque são entidades da administração pública sob
forma privada, porque o Estado não tem a totalidade do capital, são sociedades de capitais públicos sem que o
Estado tem um poder que corresponde à respetiva intervenção no quadro do mercado, e estas entidades ainda
que diferentes das outras embora se enquadrem no quadro do exercício da função administrativa já não têm uma
gestão predominantemente pública, logo vão procurar conciliar os interesses públicos com privados.

39
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

★ EP (Empresas Públicas em Sentido Estrito): Representando a maioria, são pessoas


coletivas de direito privado que têm capital social divisível, público ou privado, que
podem ser detidas pelo Estado ou por privados.

○ Direito Privado: As EP são entidades públicas, mas como produzem para o


mercado atuam sob o direito privado, as empresas públicas também se
organizam pelo direito privado, ou seja, são privadas no quadro da atuação e
da organização.

★ Distinção (↑): Atualmente uma das questões que se coloca é a de saber qual é a
distinção entre as EP e as EPE, pois os seus regimes jurídicos são praticamente iguais,
pelo que, muitas vezes não há mais do que uma mera distinção de natureza
substantiva. Porém, se observarmos a Lei-Quadro das Empresas Públicas o critério
deveria ser aquele que desempenham funções administrativas tradicionais (funções no
quadro da defesa, da administração interna), as funções essenciais do Estado que vêm
do tempo do liberalismo político, e que aí se justifica a distinção. Contudo, em relação
ao que é a atividade normal de uma empresa pública que é uma atividade de natureza
económica, aí pelo contrário, as razões da lógica do funcionamento e de mercado
apontam para a necessidade de ser uma empresa de natureza privada.

★ Necessidade de Lucro: Uma questão que era muito discutida antigamente, era se as
empresas públicas deveriam ter lucro. No entanto, o Prof. VPS considera que este
pensamento não tem lógica, pois elas têm natureza económica, existem efetivamente
para prosseguir interesses que são públicos, mas precisamente para que esses
interesses sejam bem prosseguidos é necessário haver lucro. Caso não haja lucro elas
acabam por ser extintas ou integralmente privatizadas e o Estado deixa de realizar
aquelas tarefas que são essenciais. Logo, os encarregados da gestão das empresas
públicas devem garantir que haja lucro.

★ Natureza (Simultânea) Pública e Privada: Esta realidade resulta do facto do Estado


invocar, para si, funções de intervenção na vida económica e social democrática, no
quadro das quais atua como entidade privada, realizando tarefas de direito público. É
uma realidade esquizofrénica do ponto de vista de como estas realidades são
concebidas, pois estão sujeitas à gestão pública, podendo ser controlados os objetivos
que prosseguem, de acordo com os princípios do CPA, e estando submetidas à
fiscalização do Tribunal de Contas, mas, simultaneamente, têm uma margem de
atuação de acordo com as regras de mercado e com o direito privado que lhes dá uma
quase total autonomia no exercício das funções de natureza económica.

D. ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA
Temos, para além de pessoa coletiva de autonomia administrativa e financeira, algo mais, que
é a ideia de autorregulação. Estas entidades são autoadministradas e prosseguem fins próprios
de forma própria, e, portanto, a realidade que acresce às outras modalidades de
administração, é que estamos perante fins que são próprios. Já não são fins do Estado ou de
outras entidades públicas, são fins daquela pessoa coletiva que está em causa e que é
autoadministrada

40
RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
Luísa Braz Teixeira

i) AUTARQUIAS LOCAIS
Pessoas coletivas de natureza territorial, habitantes de uma determinada autarquia, que têm o
poder de eleger os respectivos representantes para os órgãos. São pré-existentes aos Estados.
As autarquias locais, de natureza municipal, são as primeiras a surgir na nossa ordem
jurídica, tendo um papel preponderante em termos históricos e até na atualidade.

Municípios: Possuem diversos poderes e competências, em certos casos até rivalizam com as
competências estaduais, quando estas são competências comuns. Apesar de Portugal possuir
uma estrutura centralizada, os municípios possuem um elevado grau de discricionariedade
administrativa39.

★ Composição:

○ Presidente da Câmara: Eleito conjuntamente com outro órgão, a Câmara


Municipal. É o executivo da autarquia presidido pelo Presidente da Câmara e a
sua composição é autónoma do poder legislativo (AR).

○ Câmara Municipal: Assembleia municipal eleita pelos munícipes, sendo os


seus lugares determinados através do sistema de Hondt. Logo, há distinção dos
vereadores com pelouro e sem pelouro, em outras palavras, aqueles que são os
que ganharam maioria na Câmara e são responsáveis pelos ramos da
administração municipal, por exemplo, saúde, educação e meio ambiente.

○ Freguesias: Autarquias locais próprias que se integram nos municípios e que


tem uma importância muito reduzida, possuindo serviços de urbanização,
como a manutenção de jardins e cemitérios.

■ FREGUESIAS COM MAIOR IMPORTÂNCIA:


● Em “grandes” munícípios: As funções das freguesias podem
aumentar por meio da delegação de poderes do município o
que, proporcionalmente, faz com que a sua importância
aumente, também
● Em municípios “grandes”: Podemos notar uma diferença entre
as freguesias urbanas e as rurais, onde estas possuem maior
relevância, porque devido a se tratarem de territórios afastados,
são o único elemento de contato com a Administração pública
para aqueles habitantes.

■ COMPOSIÇÃO:
● Presidente da Junta de Freguesia
● Junta de Freguesia

Regiões Administrativas: Apesar de termos a possibilidade de criar regiões Administrativas


na Constituição da República Portuguesa (art. 255), possuímos poucos órgãos regionais, que
atuam sobretudo no setor do urbanismo, planificação económica e turismo.

39
Uma determinada visão da ciência política diz que as regiões administrativas não foram criadas por causa da
interferência dos municípios, que com sua força política barraram o processo de formação dessas entidades, as
quais poderiam acabar por mitigar os poderes dos municípios

41
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Luísa Braz Teixeira

★ Problema: O Prof. VPS considera esse facto um problema em Portugal:

○ 1) Porque existem necessidades no plano regional que seriam melhor


administradas por uma administração equivalente

○ 2) Por causa da integração de Portugal na União Europeia (esta possui uma


organização regionalizada e até possui órgãos de caráter regional). Assim,
Portugal, para ser representado nas reuniões da União Europeia com as
regiões, somente pode levar os representantes das Regiões Autónomas, que
possuem uma realidade própria diferente das regiões administrativas e, como
substituição, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento (CCDR).

○ 3) Devido à falta de harmonia de atuação dos Ministérios que exercem as suas


funções regionais de acordo com critérios próprios, por exemplo, o Ministério
de Justiça usa as comarcas, o Ministério da Administração Interna utiliza o
critério dos distritos, mesmo que esses nem existam mais, desse modo, não há
uma uniformização da administração.

★ Criação de Regiões Administrativas: Para que estas existam no procedimento


legislativo, é necessário uma lei geral que cria em simultâneo todas as regiões
administrativas que, sendo lei orgânica, possui maioria agravada para a aprovação.
Aprovada a lei, é preciso que cada uma das regiões seja criada por lei autónoma, que
deve ser referendada. O referendo pode ter duas questões: 1) se a população é a favor
do processo de regionalização e 2) se é favorável à criação da região em causa

○ Crítca do Prof. VPS a este Processo de Formação: Este processo foi feito de
modo a que, na prática, fosse quase impossível a sua criação, pois o legislador
não quis tomar posição sobre a disputa entre regionalistas e não regionalistas.

○ Uniões Autárquicas: Por medo da autonomia excessiva, os municípios


opuseram-se às regiões administrativas, criando as uniões de autarquias (falso
mecanismo regional), pois são municípios limítrofes, não correspondem a uma
região e não possuem fins próprios de modo próprio.

ii) ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS


O Estado atribuiu funções de gestão a determinadas atividades profissionais, nomeadamente
as atividades liberais. Há aqui uma lógica em que o Estado espera que estas associações
públicas colaborem com ele, no exercício da função administrativa.

Tipo de Administração em que se Inserem: As associações públicas são também entidades


da Administração Autónoma, e não entidades da Administração Indireta, porque elas
prosseguem fins próprios, de forma própria, através de órgãos e leis. Elas não são entidades
de natureza territorial, como são as autarquias locais. São entidades autoadministradas.

★ Situação de transição: A realidade portuguesa ainda está numa situação de transição,


porque o anterior regime de natureza autoritária afirmava-se corporativo. Não era um
Estado corporativo, à maneira do sistema italiano, mas dizia que o era, e tinha uma

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estrutura organizada, de natureza corporativa e as ordens profissionais correspondiam


à manifestação dessa realidade corporativa.

○ Resquícios da Realidade Corporativa: Uma questão crónica é a da inscrição


obrigatória, que vem desses tempos. É verdade que o que aqui está em causa
não é uma realidade sindical, uma vez que não é a defesa dos interesses
económicos e financeiros que está em causa, mas sim a profissão e o modo de
exercício da profissão.

Caracterização: Se as ordens profissionais são auto-organizadas, elas então devem ter


autonomia e independência. Deve haver um órgão autónomo, composto pelos próprios
membros, resultantes de uma votação.

iii) UNIVERSIDADES
Em 1975, havia na Faculdade a ideia de que os professores que não sabiam nada e
tinham de ser substituídos, pelo que foram postos de fora muitos Professores desta casa e
primeiro que a Universidade se reorganizasse, foi preciso esperar uns anos. Tanto que, nos
anos 80, foi por causa desses problemas que surgiu a Universidade Católica. Havia uma ideia
de que não estávamos numa realidade universitária, porque os professores não ensinavam.
Eram os alunos que se ensinavam uns aos outros. Quanto muito, havia uns assistentes que, no
quadro de uma lógica dialética marxista aplicada à Universidade, eram aqueles que
substituíram os Professores. Foi a crise total do ensino universitário.
A Universidade tem funções distintas, e tem regras, que também geram a mudança. É
por isso que, diferentemente do ensino secundário e do ensino primário, os programas são
feitos pelos Professores e não estão sujeitos a apreciação do Ministério. É função do
Professor catedrático fazer o programa da respetiva disciplina. É função do Professor
assistente auxiliá-lo no exercício dessa tarefa e acompanhar a atividade letiva do Professor.

Prof. VPS: Na sua perspetiva, as Universidades são entidades que integram a Administração.
Não são Administração Indireta, porque os fins não são fins estaduais. Os fins da
Universidade são fins próprios, que ela prossegue também de forma própria. As
Universidades existem desde sempre, com uma posição de autonomia científica e académica,
a qual é reconhecida e gerou, também, todas as outras realidades no âmbito da
autoadministração. É, contudo, uma realidade especial, por resultar de uma agregação de
pessoas (elemento associativo), relacionada com uma relação de ensino e investigação.

★ Caracterização da FDUL: A Faculdade de Direito de Lisboa é uma pessoa colectiva,


autónoma, que se integra numa outra pessoa coletiva, que é a Universidade (composta
pelos seus órgãos próprios), pelo que estamos perante uma realidade
autoadministrada. Prossegue fins próprios, de forma própria, através de órgãos
livremente eleitos pela estrutura da Universidade.

★ Fundações Públicas: A dicotomia que aparece na lei, de haver algumas


Universidades que podem ser Fundações Públicas, não faz sentido. A Universidade
faz-se da ligação entre professores e alunos. Quando o legislador fala das
Universidades que são Fundações Públicas, está a pensar num modelo de

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RESUMOS DIREITO ADMNISTRATIVO I - PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA - 2021/2022
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Universidade do modelo, mais virado para o mercado, com uma lógica de interação
com a sociedade, que tem ainda mais autonomia pedagógica e científica. Isso pode
fazer sentido que exista, mas existindo, é outra forma de associação.

Prof. MRS: Aquilo que caracteriza a Universidade é o facto de esta não ser uma Associação
comum, pelo que não se identifica com as ordens profissionais. O Prof. defende que estas são
uma espécie de Associação Pública, porque estão entre a Administração Indireta e a
Administração Autótonoma. A Universidade é feita para aprender e ensinar, o que implica
uma ligação, determinada pela relação pedagógica. Nas ordens profissionais, há uma lógica
de funcionamento de uma atividade privada, ao contrário do que acontece nas Universidades,
que são instituições de natureza científica e pedagógica.

E. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOB FORMA PRIVADA


Inicialmente, os juristas contrariavam a admissão desta modalidade no elenco da
Administração Pública. Contudo, a partir dos anos 80, estas entidades começaram a ser
integradas no seio da Administração Pública, uma vez que a Administração Pública é uma
nova forma de administração. O exercício da função administrativa é repartido com os
particulares e com outras entidades de natureza privada, o que faz com que o Estado
intervenha de uma forma que é muito mais flexível e que não cabe nos quadros tradicionais.

Setor Empresarial: Composto por sociedades de capitais públicos em que o Estado não tem
a totalidade do capital, apresentando um poder que corresponde à respetiva intervenção no
quadro do mercado. O Estado tem funções de gestão, em razão das ações que tenha nessa
sociedade, ou nessa realidade institucional que aqui aparece - ex: TAP, que tem oscilado entre
ser uma sociedade de capitais públicos, como é hoje.

★ Funções de Gestão: Como estamos no quadro de uma realidade construída e


regulada pelo Direito Privado, estamos perante uma nova realidade, que é a
Administração Pública sob forma privada. E no quadro desta administração, os
poderes de intervenção das entidades públicas são diferentes dos da Administração
tradicional: o Estado toma decisões, em função do respetivo capital. Se o Estado tem
10% das ações, ele influencia a empresa, através de uma lógica puramente
administrativa, a usar 10 % do respetivo capital.

○ “Gestão”: Gerir é algo que é feito, também, por uma empresa ou entidade
privada. Aquilo que distingue a gestão pública da gestão privada é apenas os
fins: fins públicos, que têm a ver com a lógica da satisfação das necessidades
coletivas, e os fins do lucro privado, que têm os respetivos acionistas, ou os
membros de uma determinada organização

Fundações Integralmente Privadas: Colaboram com o Estado, no exercício da função


administrativa, pelo que estão sujeita a regras de Direito Público. Mas, como são
integralmente privadas, o Estado não “manda” nada, não tendo nenhuma interferência do
capital - ex: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Grande Diversidade e Figuras: No quadro desta Administração existe uma grande


diversidade de figuras, que vão desde as sociedades comerciais (em que a Administração
Pública tem cotas e ações), até às associações que desempenham fins de natureza cultural,
desportiva - a Fundação Portuguesa de Futebol é uma entidade administrativa, mesmo a Liga
recebendo os seus poderes disciplinares sobre o futebol da fundação (que resultam da mesma)
também é uma entidade administrativa.

CPA: No artigo 3º do CPA, quando se delimita o âmbito da proteção das normas, faz-se
referência a toda a atuação administrativa, incluindo a meramente técnica e a gestão privada
está regulada no direito administrativo e se submetem aos princípios gerais do CPA. Desta
forma, estamos perante uma realidade mista, em que há normas de Direito Privado que
respondem ao modo normal de atuação, mas os princípios, os fins, o modo de gestão, o
dinheiro que está em causa, os capitais – tudo isto é de natureza pública e, portanto, tudo isto
tem que ser regulado pelo Direito Administrativo.

F. ADMINISTRAÇÃO INDEPENDENTE
Nos dias de hoje surgiram órgãos autónomos do Estado que, não sendo pessoas coletivas,
regulam uma determinada entidade. Cabe, assim, distinguir as entidades tradicionais das
novas que nasceram com a miscigenação entre o direito administrativo francês e o direito
administrativo anglo-saxónico.

Entidades Tradicionais:

★ Procuradoria-Geral da República: Regula a intervenção do ministério público no


quadro do poder judicial. Os procuradores exercem, com base nas suas convicções,
funções públicas de defesa do interesse público, garantindo a intervenção do Estado
no funcionamento judicial.

○ Independência: Órgão superior que não se integra em nenhuma pessoa


coletiva, não é do Estado e não depende de orientações do Governo.

○ Entidades Subgénero: São uma entidade que está à margem da administração


tradicional, mas que também se integra na função administrativa

★ Tribunal de Contas: O mesmo (↑) se pode dizer, contudo, os TC é diferente


("esquizofrênico"), pois tem uma parte que é tribunal, pelo que não é administração
independente, e outra que faz controlo da atividade administrativa, sendo nesses
termos que pode ser considerada uma entidade de administração independente.

Novas Entidades - Entidades Reguladoras Independentes: Advém das diferentes


atividades económicas e sociais (ex: ANACOM e o Banco de Portugal). Estas entidades têm
funções diferentes das tradicionais.

★ Poderes: A sua origem anglo-saxónica explica que elas, em alguns casos, estejam
limitadas no nosso sistema, uma vez que exercem simultaneamente poderes

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legislativos, administrativos e judiciais. Isto é típico nos países anglo-saxónicos, onde


a ideia da separação de poderes nunca existiu e nunca criou esta realidade continental

○ Poderes Legislativos: A regulação do exercício daquela atividade em termos


administrativos é feita por estas entidades - contudo, fazem regulamentos, não
leis.

○ Poderes Administrativos: Gerem e administram aquele setor de atividade


económica - Estas entidades têm uma capacidade de intervenção da vida
económica, social e cultural, que é muito maior que as entidades normais e até
mais que o próprio Governo.

○ Poderes judiciais: Em que algumas situações julgam antes dos tribunais, mas a
última palavra é dos tribunais, contudo caso os particulares se conformaram
com a decisão daquela entidade pública, esta entidade pode mesmo decidir
questões de natureza judicial - Em Portugal não podem julgar, não têm
poderes de julgamento, mas têm poderes de sancionamento, multas de milhões
de euros pagos porque violam as regras da concorrência, as regras de
funcionamento do mercado

4. OS SUJEITOS PÚBLICOS DAS RELAÇÕES


JURÍDICAS ADMINISTRATIVAS
4.1 HIERARQUIA
Corresponde a uma lógica em que os poderes se concentram no topo e as decisões são
tomadas do topo para a base, portanto assenta na ideia de, por um lado, o poder de direção e,
por outro, o dever de obediência. As funções é que determinam o modo de atuação e,
portanto, a lógica não é a da ordem sem mais, mas uma ordem que se impõe por corresponder
à melhor solução.

Poder de Direção: Compreende a prerrogativa de dar ordens e instruções, ou seja, no


primeiro caso, comandos numa situação individual e concreta, e, no segundo caso, comandos
numa situação geral e abstrata

Dever de Obediência: Não é um dever absoluto. É por isso que a Constituição diz, e bem,
que se há um crime não há dever de obediência e, segundo o Prof. DFA (e VPS, que
concorda), quando estamos perante uma ilegalidade de tal maneira grave, que corresponda a
uma nulidade, esse ato nulo também não está submetido ao dever de obediência.

★ Relações Especiais: Tradicionalmente, falava-se em relações especiais no seio do


poder da Administração. Estas pressuponham um poder num quadro de uma relação
entre o superior hierárquico e o subalterno, na medida em que era possível dar ordens
que tinham que ser cumpridas sem qualquer discussão, não havendo princípio da
legalidade, nem direitos fundamentais. Esta realidade nos dias de hoje já não faz
sentido, tudo o que corresponde ao interior da administração é regulado pelo Direito.

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4.2 SUPERINTENDÊNCIA
Corresponde à lógica da Administração Indireta, consistindo no poder de nomear e demitir os
órgãos gerentes, de dar orientações genéricas e de controlo, numa lógica de tutela.

4.3 TUTELA
A tutela é um poder de controlar atos específicos.

Diferentes Formas de Tutela: A tutela pode ter dimensões e características muito diferentes:

★ Tutela Integrativa: O ato pode estar sujeito a aprovação ou a retificação

★ Tutela Inspetiva: O ato está sujeito a controlo

★ Tutela Sancionatória: O ato é sancionado, caso haja incumprimento da lei

★ Tutela Revogatória: Pressupõe um poder de revogar a decisão

★ Tutela Substitutiva: Pressupõe um poder de substituir o órgão.

5. ESQUEMA FINAL DA AP

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