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163-190, abril-junho/2009
The two methods and the hard core of economics. While methodological sci-
ences have no object and are supposed to adopt a hypothetical-deductive method,
substantive sciences including economics should use an empirical or historical-
deductive method. The great classical economists and Keynes did that and were
able to develop open models explaining how equally open economic systems work.
Thus, the hard core of relevant economics is formed by the classical microeconomics
and the classical theory of capitalist economic growth, and by Keynesian macroeco-
nomics. In contrast, neoclassical economist aiming to build a mathematical science
wrongly adopted the hypothetical-deductive method, and came to macroeconomic
and growth models that do not have practical use in policymaking. The exception is
Marshall’s microeconomics that does not provide a model of real economic systems,
but is useful to the analysis of markets.
Keywords: hypothetical-deductive method; historical-deductive method; open
systems; mathematical economics; new historical facts.
JEL Classification: B10; B20; B41.
O problema teó rico central enfrentado pela economia e pelas outras ciências
sociais é a escolha do método ou abordagem preferidos de investigaçã o.
Economis- tas clá ssicos como Smith, Malthus e Marx usaram essencialmente o
método histó -
* Professor Emé rito da Fundaçã o Getulio Vargas. E-mail: lcbresser@uol.com.br Este trabalho baseia-se
no curso de Metodologia Científica para Economistas que venho ministrando desde 1989. Meus espe-
ciais agradecimentos vã o para Ramó n Garcia Fernandez e José Marcio Rego, que dividem comigo a
responsabilidade por ele. Agradeço també m os comentá rios de Adam Przeworski, Alexandra Strom-
mer de Godoy, Alain Herscovici, Eleuté rio Prado, Gilberto Tadeu Lima, Leda Paulani, Marcos Ribeiro
Ferrari, Paulo Gala, Robert Nicol, Solange Marin, Victoria Chick e Yoshiaki Nakano. Uma primeira
versã o deste trabalho foi apresentada na Reuniã o Anual da Associaçã o Europeia de Economia Política
Evolucioná ria, em Maastricht, em novembro de 2003. A versã o em ingles deste trabalho está sendo
publicado conjuntamente pelo Journal of Post Keynesian Economics.
1 Nesse trabalho, Gregory Mankiw vê a teoria macroeconô mica neoclá ssica baseada na escolha ra-
cional como “científica”, enquanto a teoria econô mica keynesiana seria uma espé cie de “engenharia”.
Ele observa a continuada aplicaçã o da macroeconomia keynesiana, e lamenta a falta de aplicaçã o
prá tica da macroeconomia neoclá ssica; ele alega que seu pró prio grupo, a Escola Neokeynesiana (na
verdade uma escola neoclá ssica) é um pouco mais prá tico, mas nã o muito; e espera que, no futuro, o
fosso entre as realizaçõ es dos “engenheiros” e as nã o-realizaçõ es dos “cientistas” diminua. Alain
Blinder (1998), que també m teve experiê ncia em Washington, chegou a conclusõ es similares, oito
2 Charles Peirce, fundador do pragmatismo, desenvolveu esse critério pragmá tico. Ele costuma ser
visto como um relativista. Na verdade, é um realista pragmá tico. Nã o pode ser considerado um rela-
tivista, a menos que tenhamos uma compreensã o mais ampla de relativismo. Ver Wiener (1958) e
3Como o mé todo hipoté tico-dedutivo e o método empírico ou histó rico-dedutivo comungam da pala-
vra “dedutivo”, essa palavra poderia ser omitida. Mas eu a conservo para enfatizar a importâ ncia da
4Stuart Mill (1836). Sobre a metodologia econô mica de Mill, ver Hausman (1992).
5Essa culpa, no entanto, nã o pode ser atribuída a Walras, que estava efetivamente preocupado com o
mundo real. O equilíbrio racional viria de um difícil processo que ele denominou tâtonnement [tenta-
tiva e erro]. Como ressalta Blaug (2002: 37), foi depois do modelo Arrow-Debreu que a economia se
tornou “puramente formal” – puramente hipoté tico-dedutiva.
1 Revista de Economia Política 29 (2),
ma econô mico que pretendia ser e dever ser puramente coordenado pelo
mercado. Além de legitimar um sistema econô mico misto, coordenado pelo
mercado e pelo Estado, pela primeira vez Keynes e Kalecki ofereceram um
modelo macroeconô mi- co completo das modernas economias capitalistas. A
partir da década de 1970, entretanto, o pensamento econô mico dominante foi
novamente atraído pela con- sistência e precisã o possibilitadas pelo uso do
método hipotético-dedutivo – e o raciocínio neoclá ssico foi restaurado na teoria
econô mica acadêmica. Depois disso, o problema que o pensamento econô mico
dominante enfrentará é, mais uma vez, a falta de capacidade explicativa e de
previsã o. Além de se tornar um conjunto de modelos abstratos, ele se torna
também cada vez mais normativo em lugar de po- sitivo, na medida em que o
método hipotético-dedutivo na ciência social leva a esse resultado. Se deduzimos
algo a partir do pressuposto do agente econô mico racional, isso significa nã o
apenas que o agente econô mico geralmente age assim, mas também que ele
“deveria” agir assim.
Nas outras ciências sociais, particularmente na sociologia e na antropologia,
o método histó rico-dedutivo continuou dominante depois de Marx, Durkheim e
Weber, mas sob ataque. Weber, com sua teoria da açã o, abriu caminho para uma
forma moderada de individualismo metodoló gico baseado em uma busca a poste-
riori de explicaçõ es racionais, mas continuou sendo um analista essencialmente
histó rico (Weber, 1922: cap. 1). O mesmo aconteceu com a escola socioló gica da
modernizaçã o que tem em Talcott Parsons seu principal representante. Na
segunda metade do século XX, porém, juntamente com a restauraçã o neoclá ssica,
a teoria da escolha racional apareceu na ciência política, tendo como inspiraçã o a
microe- conomia neoclá ssica. Como no caso das teorias filosó ficas contratualistas,
ela pos- sibilitou vá rios desenvolvimentos interessantes na discussão das instituiçõ es
políti- cas. No entanto, ela presume radicalmente que os agentes políticos se
comportam como os agentes econô micos, tentando maximizar sua utilidade
pessoal, e estabe- lece uma estreita analogia entre mercado e política.6 Isso nã o faz
sentido na esfera política, onde o interesse pró prio nã o é o critério ú nico das
açõ es, onde os servido- res pú blicos eleitos e nã o eleitos devem também se guiar
pelo interesse pú blico. Quando os pesquisadores da escolha racional estã o
preocupados apenas em encon- trar explicaçõ es racionais a posteriori para
fenô menos sociais e políticos que sã o analisados historicamente, essa abordagem
pode ser proveitosa, particularmente ao atribuir precisã o e coerência interna ao
raciocínio; depois de usar o método histó rico-dedutivo para apreender o sistema
econô mico ou político, o cientista político pode complementar seus achados com
a busca das causas racionais subja- centes.7 Mas, ao fazer isso, os cientistas
políticos (mais do que os economistas)
8É menos aplicá vel à biologia, onde as relaçõ es causais costumam ser substituídas pelas relaçõ es fun-
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cionais.
A economia é uma ciência substantiva que tem por objeto os sistemas econô-
micos, suas propriedades de estabilizaçã o, crescimento e distribuiçã o. O objetivo é
entender e explicar esses sistemas e prever seus desenvolvimentos, de tal forma que
os agentes econô micos possam ou se ajustar a eles, ou influenciá -los por meio da
política econô mica. O estudo da histó ria do pensamento econô mico mostra que
todas as principais escolas econô micas objetivam chegar à compreensã o dos
siste- mas econô micos. Assim, o método adequado à economia é o método
empírico, mais especificamente, o método histó rico-dedutivo. Isso nã o significa
que os eco- nomistas nã o devam usar também o método hipotético-dedutivo, mas
que devem reservá -lo para a elaboraçã o dos conceitos e ferramentas que utilizam
para com- preender os sistemas econô micos coordenados pelo mercado. O
método histó rico- dedutivo é “histó rico” porque parte da observaçã o da realidade
empírica e procu- ra generalizar a partir dela; é “abdutivo” porque desenvolve
hipó teses baseadas em algumas observaçõ es; é “dedutivo” porque envolve uma
série de deduçõ es; e, final- mente, é indutivo porque testa as hipó teses sempre
que possível, com ferramentas econométricas que são intrinsecamente indutivas. O
objetivo é chegar a uma visã o geral do sistema econô mico; é formular modelos
histó ricos que relacionam regula- ridades e tendências observadas de modo a
formar uma teoria.9 A alternativa é
9 Abduçã o é um conceito proposto por Peirce (1878), que via o raciocínio ló gico como sendo com-
posto nã o apenas de induçã o e deduçã o, mas també m de abduçã o. A abduçã o, que Peirce també m
chamou de “método da hipó tese”, é o processo de inferir uma hipó tese partindo de um ou de alguns
fatos – fatos que serã o mais interessantes na medida em que forem surpreendentes para o pesquisador.
Assim, como Hands (2001: 224) observa, a “abduçã o é a maté ria de qualquer ‘insight’ […] é uma
noçã o relativamente frouxa de inferê ncia”. Abduçã o é parte da ló gica da descoberta. Como diz Chong
Ho Yu (2005: 7), “para Peirce, o progresso da ciê ncia depende da observaçã o dos fatos corretos por
mentes providas das ideias apropriadas. Definitivamente, o julgamento intuitivo feito por um intelec-
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tual é diferente daquele feito por um estudante do ensino mé dio”.
10 Refiro-me, por exemplo, à s curvas de oferta e demanda, aos conceitos marginais, aos conceitos
de elasticidade, aos conceitos de curto e longo prazo etc. – em suma, a todas as ferramentas presentes
11Isso naturalmente nã o impede que certos marxistas desenvolvam métodos totalmente hipotético-
dedutivos. Esses sã o meros desvios, assim como a teoria econô mica neoclá ssica é um desvio da teoria
realizado por Rosenstein-Rodan (1943), que o criaram, mas por Murphy, Shleifer e Vishny (1989),
que o formalizaram.
16 Devo essa observaçã o a Alain Herscovici.
17Esta visã o da metodologia econô mica foi particularmente desenvolvida por Sheila Dow (1996) e
Victoria Chick (2004). A primeira define o sistema aberto como um sistema em que “nem todas as
variá veis constitutivas e relaçõ es estruturais sã o conhecidas ou passíveis de serem conhecidas, e por-
18 Pensemos, por exemplo, em Schumpeter, que gostava de dizer que o modelo do equilíbrio geral
era a maior conquista da teoria econô mica, mas baseou sua pró pria teoria da inovaçã o e do
empresá rio na crítica do fluxo circular – uma simplificaçã o daquele modelo.
19 Habermas (1967: 19) estuda essa abordagem metodoló gica proposta por Weber e lembra que
Weber começa seu livro de 1922 afirmando que: “a sociologia é uma ciência que pretende compreender
inter- pretativamente a açã o social para chegar assim a uma explicaçã o causal de seu curso e de seus
efeitos”. E Habermas (1967: 19) resume a visã o metodoló gica de Weber afirmando que: “Weber analisou
parti- cularmente a articulaçã o entre explicaçã o e compreensã o [...] As teorias gerais possibilitam deduzir
hipó teses relacionadas à s regularidades empíricas. Essas leis hipotéticas têm uma funçã o explicativa.
Ao contrá rio dos processos naturais, porém, as regularidades da açã o social têm a característica de
serem compreensíveis. As açõ es sociais pertencem à classe das açõ es intencionais, que apreendemos ao
reconstruir seu significado”.
20 Nã o acredito que Schumpeter (1959, vol. 3: 80) tenha sido injusto com Schmoller quando
afirma que ele utilizava um aparelho conceitual mas “teorizava de forma deficiente”. De acordo com a
ob- servaçã o de Schefold (1987: 257), “o principal trabalho de Schmoller, o Grundrisse, continuava
sendo bastante tradicional em sua parte teó rica – o tratamento do valor e do preço nã o se afastava
muito da teoria econô mica neoclá ssica dominante”.
A teoria econô mica neoclá ssica geralmente se distingue da teoria econô mica
clá ssica pela substituiçã o do valor da utilidade marginal ou de seu cará ter “margi-
nalista” pela teoria do valor-trabalho. Esse critério de classificaçã o é vá lido, mas
segundo a abordagem deste estudo, a distinçã o essencial é metodoló gica. A escola
clá ssica utilizou principalmente o método histó rico-dedutivo, enquanto a neoclá s-
sica, o método hipotético-dedutivo. Embora os economistas saibam que os
agentes econô micos nem sempre agem racionalmente para maximizar sua
utilidade, apesar do fato de o conceito de racionalidade limitada de Herbert Simon
ser bem demons- trado, nã o obstante todas as recentes pesquisas experimentais
demonstrarem em- piricamente que o comportamento dos agentes nã o segue a
ló gica racional que a teoria econô mica neoclá ssica atribui aos agentes
econô micos, a teoria econô mica neoclá ssica nã o rejeita o pressuposto do homo
economicus porque toda sua estru- tura teó rica depende da racionalidade dos
agentes.25 Esse é o pressuposto que lhe permite construir seu modelo central.
Quando essa racionalidade é empiricamente rejeitada, o método hipotético-
dedutivo se torna inú til. Agentes ambíguos e con- traditó rios ou racionalidade
limitada nã o permitem deduzir teorias.
Minha crítica central à teoria econô mica neoclá ssica, entretanto, nã o é
quanto à racionalidade dos agentes econô micos, mas quanto ao uso que foi feito
desse pressuposto. Ainda que a falta dessa racionalidade esteja amplamente
demonstrada pelas pesquisas econô micas comportamentais, o que estou propondo
não é substituir o homo economicus por um indivíduo mais realista, mas atribuir a
ele um papel mais modesto – explicar a posteriori a racionalidade dos modelos
derivados da observaçã o da realidade – usando ao mesmo tempo principalmente
o método his- tó rico-dedutivo. Minha crítica é quanto ao caráter dedutivo radical
da teoria eco- nô mica neoclá ssica, quanto à sua tentativa de chegar a modelos a
partir de umas poucas condiçõ es iniciais, e também quanto à substituiçã o dos
critérios de corres- pondência e previsibilidade pela consistência. Como a
economia é uma ciência subs- tantiva, o raciocínio sobre ela deve partir da
observaçã o de fatos histó ricos, nã o de um modelo abstrato de homem. O
economista deve generalizar modelos a partir dessas observaçõ es histó ricas. A
busca de motivos racionais nã o é abandonada, mas ela virá para explicar o que foi
observado, para compreender por que os compor- tamentos econô micos
observados sã o racionais ou, pelo menos, razoá veis.
Os economistas neoclá ssicos em parte percebem isso. Essa é a razã o pela
qual eles se apropriam de ideias e modelos que não têm microfundamentos, mas sã o
ú teis. É por isso que alguns analistas dizem que o pensamento econô mico
dominante nã o
25Herbert Simon (1957) mostrou que a racionalidade econô mica é “limitada”, e que os agentes
econô micos sã o capazes de obter resultados “satisfató rios” [satisficing] em lugar de resultados má xi-
26Isso nã o significa que os economistas neoclá ssicos nã o tenham oferecido contribuiçõ es positivas.
Mas provavelmente a mais relevante de todas – a teoria das expectativas adaptativas de Friedman –
só foi possível na medida em que Milton Friedman adotou uma abordagem histó rica ou empírico-
deduti- va, e buscou os microfundamentos a posteriori, não a priori como acontece quando o
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raciocínio é predominantemente hipoté tico-dedutivo.
27Desenvolvi inicialmente essa ideia em um trabalho que, entretanto, acabou apenas como esboço
(Bresser-Pereira e Lima, 1996). Alé m de ampliar a discussã o dos dois mé todos, no presente trabalho
adoto termos mais apropriados, substituindo “histó rico-indutivo” por “histó rico-dedutivo”, e “ló gico-
dedutivo” por “hipotético-dedutivo”. Elimino somente um elemento tautoló gico que prejudicava a
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terminologia anterior; alé m disso, esclareço que o mé todo histó rico a que estou me referindo é dedu-
tivo, como todo processo de construçã o de teorias.
28 À qual ofereci uma aná lise alternativa, mantendo a taxa de lucro constante a longo prazo, e
fazendo a taxa de salá rios, o resíduo, crescer com o aumento da produtividade e o tipo de progresso
De acordo com essa alternativa, o nú cleo da teoria econô mica continua a ser
a teoria econô mica e a teoria macroeconô mica keynesiana na medida em que são
pro- duto da análise empírico-dedutiva e formulam hipó teses refutáveis ou falseá veis
– hi- pó teses a serem testadas –, mas acrescentamos à lista das ciências
metodoló gicas as- sociadas à economia (econometria e teoria dos jogos) a
microeconomia da escolha.
CONCLUSã O
Resumindo, minha afirmaçã o central neste trabalho é que, por ser uma
ciência social substantiva que visa a explicar e prever sistemas econô micos
complexos, a economia deveria usar principalmente o método histó rico-dedutivo,
e nã o o hipo- tético-dedutivo, que é adequado às ciências metodoló gicas. As
ciências substantivas têm em seu critério de verdade a adequaçã o das teorias à
realidade, ou sua capaci- dade de previsã o para orientar a açã o – um critério que
só pode ser razoavelmente satisfeito se o pesquisador partir da observaçã o da
REFERÊ NCIAS