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PREFÁCIO (P.

9)

Questiona-se se a filosofia política existe. Ele apresenta duas razões que


fazem esse questionamento parecer impróprio, a saber:
A primeira é que a reflexão sobre a comunidade e sua finalidade,
sobre a lei e seu fundamento está presente na origem de nossa tradição
filosófica e nunca deixou de inspirá-la. A segunda é que, de algum
tempo para cá, a filosofia política vem afirmando com estardalhaço a
sua volta e sua nova vitalidade. (RANCIÈRE, 1996, p. 9).

Rancière afirma que a filosofia política estaria entravada pelo marxismo por
ter feito da política uma expressão/máscara de relações sociais, que era submetida às
usurpações do social e das ciências sociais. A filosofia política estaria, portanto,
reencontrando sua pureza de reflexão sobre os princípios e as formas de uma política
restituída à sua pureza pelo recuo do social e de suas ambiguidades.
Jacques Rancière aponta alguns problemas com essa volta:
A restauração da filosofia política manifesta-se, assim, ao mesmo
tempo que o ausentar-se da política por parte de seus representantes
autorizados. (RANCIÈRE, 1996, p. 10).

Por evidência primeira da filosofia política, Rancière denomina como a


ausência de prova de que ela é ramo natural da árvore-filosofia por simplesmente ter
existido quase sempre uma política na filosofia. Para isso, ele recorre aos textos de
Descartes, evidenciando que desde lá não existia um tratamento à política, ao contrário,
parece que a medicina e a moral ocupavam as discussões em que as demais filosofias se
deparavam com ela.
O COMEÇO DA POLÍTICA (p. 17)

O DANO: POLÍTICA E POLÍCIA (p. 35)

A RAZÃO DO DESENTENDIMENTO (p. 55)

DA ARQUI-POLÍTICA À META-POLÍTICA (p. 71)

DEMOCRACIA OU CONSENSO (p. 99)

Afirmação: a democracia consensual é um estado idílico (utópico) do


político.

Rancière denomina como estado idílico do político a democracia


consensual. Por democracia consensual ele afirma, já de início, se tratar de uma
conjunção de termos contraditórios, que preferiu chamar de pós-democracia, como uma
forma de aproximar ao discurso dominante atual.

A esse estado idílico do político dá-se geralmente o nome de


democracia consensual. Tentaremos mostrar aqui que esse conceito é,
com todo o rigor, a conjunção de termos contraditórios. Proporemos,
portanto, para refletir sobre esse objeto mais singular do que parece, o
nome de pós-democracia. A justificativa desse nome passa somente
pela explicitação de alguns paradoxos inerentes ao discurso
atualmente dominante sobre a democracia. (p.99).

Verificação:

Expõe que, quando da queda dos regimes totalitários ocorre um duplo


triunfo, tanto por se tratar de uma vitória da “soberania popular” frente ao adversário – o
que tornaria evidente a sua legitimidade e a sua eficácia – quanto pela exposição da
falência dos Estados totalitários pelo confronto e queda do argumento primeiro: da
“eficiência, capacidade do sistema para fornecer as condições materiais de uma
comunidade nova.”. (p. 99)

Decorre desse triunfo um reforço acerca da legitimidade do regime


democrático, qual seja, o de que seria ao mesmo tempo “as formas políticas da justiça e
as formas econômicas de produção da riqueza, de composição dos juros e de otimização
dos ganhos para todos. ” (p.99)

Esse triunfo seria duplo. Seria, primeiro, uma vitória da democracia,


entendida como regime político, sistema das instituições que
materializam a soberania popular, sobre seu adversário, a prova de que
esse regime é ao mesmo tempo o mais justo e o mais eficaz. A
falência dos chamados Estados totalitários é de fato uma falência em
relação ao que era sua legitimação última: o argumento de eficiência,
a capacidade do sistema para fornecer as condições materiais de uma
comunidade nova. Resulta daí uma legitimação reforçada do chamado
regime democrático: a ideia de que ele garante num mesmo
movimento as formas políticas da justiça e as formas econômicas de
produção da riqueza, de composição dos juros e de otimização dos
ganhos para todos. (p. 99)

Porém, Rancière aponta para uma dúvida persistente que surge a partir dessa
vitória democrática, que tem sua origem na suspeita de existir uma democracia,
aparentemente formal, e que só se faz real quando da falência do sistema totalitário. (p.
99)

Mas é também, ao que parece, uma vitória da democracia, como


prática do político a seus próprios olhos.
[...]
A democracia nunca deixou de estar sob suspeita até aos olhos dos
próprios democratas. Aqueles que lutavam com mais vigor pelos
direitos democráticos eram muitas vezes os primeiros a suspeitar de
que esses direitos eram apenas formais, não eram mais que a sombra
da verdadeira democracia. Ora, a falência do sistema totalitário parece
levantar finalmente a hipoteca de uma democracia "real" que
alimentava a suspeita sobre a democracia. (p. 99)

Entende existir, portanto, uma viabilidade para que a democracia seja


interpretada como a figura ideal por meio das “formas da democracia”, a saber: os
dispositivos institucionais da soberania do povo, a relação Estado de direito x
democracia; Estado de direito e liberalismo; etc. (p. 100)

“Parece, portanto, possível valorizar sem reservas as


formas da democracia, entendidas como os
dispositivos institucionais da soberania do povo,
identificar simplesmente democracia e Estado de
direito, Estado de direito e liberalismo e reconhecer
na democracia a figura ideal de uma realização da
physis do homem que empreende e deseja enquanto
nomos comunitário. ”(p. 100)

O sucesso da democracia é atribuído à ideia de povo, cujo poder seria


negado por ela mesma atualmente ao próprio povo. Ele explica que ocorreria um
abandono tanto da “identificação rousseauniana do povo ao sujeito da soberania, quanto
a identificação marxista ao trabalhador como figura social empírica e ao
proletário/produtor como figura de uma superação da política em sua verdade.”
(RANCIÉRE, 1996, p. 100)

“Esse sucesso da democracia se atribui com


frequência à retirada de uma segunda hipoteca,
aquela colocada pela ideia de povo. A democracia
hoje renunciaria a colocar-se como o poder do povo.
Ela abandonaria a dupla figura do povo que pesou
sobre a política na era das revoluções modernas: a
identificação rousseauniana do povo ao sujeito da
soberania, e a identificação marxista — e mais
amplamente socialista — ao trabalhador como figura
social empírica e ao proletário ou produtor como
figura de uma superação da política em sua verdade.”
(p. 100)

O funcionamento que legitima a democracia através da catástrofe totalitária


e apresenta um paradoxo, que é quanto a ocorrência de dúvidas e contestações acerca
das instituições da representação parlamentares pela ideia de serem apenas formas ao
passo que estavam sob a vigilância da militância superior. (p. 100).

“O paradoxo é o seguinte: na época...” (p. 100)

A este paradoxo ele responde que a sabedoria democrática reside, não


em garantir o poder do povo através de instituições representativas, mas sim nas
“formas de exercício do político ao modo de ser de uma sociedade, às forças que a
movem, às necessidades, interesses e desejos entrecruzados que atendem...” (p.
101)

Ele encontra nesta resposta dois problemas que tratam do argumento da


“democracia real” e a “perde de afeição”, esta que seria consequência da tentativa de
busca por uma coincidência entre sua forma política e seu ser sensível, sendo o fruto,
portanto, da “democracia-real”.

Ranciere define muito bem tal paradoxo quando afirma que seria uma forma
da experiência sensível, mas uma forma da experiência sensível que a seus olhos não foi
sentida: como se houvesse paixão somente pela ausência...”(p. 101)

Denomina-se democracia consensual, portanto, a pós-democracia, que é


“um modo de identificação entre os dispositivos institucionais e a disposição das
partes e das parcelas da sociedade apta a fazer desaparecer o sujeito e o agir
próprio da democracia. É a prática e o pensamento de uma adequação, sem resto,
entre as formas do Estado e o estado das relações sociais.” (p. 105)

 A POLÍTICA EM SUA ERA NIILISTA (p. 123)

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