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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

POLÍTICA I

RESENHA

A POLÍTICA DOS ANTIGOS: DEMOCRACIA, PLATÃO E ARISTÓTELES.

Beatriz da Costa Silva

REFERÊNCIAS:

BOBBIO, Norberto, Dicionário de política I.

DAHL, Robert. A democracia e seus críticos.

BOBBIO, N. A Teoria das Formas de Governo.

PLATÃO. A República.

ARISTÓTELES. Política.
Assim como vários dos conceitos dentro da ciência política, o conceito de democracia
é diacrônico, ou seja, mesmo essa forma de governo, vigente em vários países e possuindo as
mesmas bases, utilizando essa mesma denominação, encontra singularidades quando de um
contexto a outro. Em vista disso, como poderia então a democracia ser a mesma em meio as
extensas conjunturas históricas ao longo dos séculos? A versão primária da democracia, como
forma de governo, surgiu a muito e em um formato que muito se difere da democracia que se
conhece atualmente. Ela passou por diversos Estados, lugares, tempos, pensadores, defensores
e críticos até chegar na forma atual, tanto em formato, quanto em como é vista e entendida. A
democracia é então fruto de experiências históricas, formada por “retalhos”, pois não segue um
desenvolvimento linear, já que não caminha para um fim.

Muitas sociedades já se organizaram de forma democrática, mas o termo democracia


(como forma de governo) na História, surgiu em Atenas na Grécia antiga. A origem da palavra
vem do grego demos (povo) e kratos (poder). A cidade-estado, denominada pólis, “Por Pólis se
entende uma cidade autônoma e soberana, cujo quadro institucional é caracterizado por uma ou
várias magistraturas, por um conselho e por uma assembleia de cidadãos (politai).” (BOBBIO,
2004, p.949), que abrigou a democracia ateniense, se caracterizava por sua dimensão modesta,
proximidade a outras polis e principalmente por uma política menos complexa. Tal democracia
derivou então de uma transição do modelo aristocrático vigente (que sucedia a monarquia), uma
oligarquia timocrática e/ou plutocrática, que se deu por alguns fatores, como: má distribuição
de riquezas (tais em crescimento), emergência de lutas sociais (devido a uma expansão
populacional) e pessoas mais escolarizadas em meio a uma economia escravista, que deixava
mais gente livre de trabalho em anseio pela participação política. Como abordado por Norberto
Bobbio em “Dicionário de Política”, de 1976, a diferença institucional essencial entre os
regimes oligárquico e democrático está na gama de poderes atribuídos aos órgãos da pólis, que
em números eram os mesmos, mas que, em peso, a democracia oferecia poder máximo à
assembleia de cidadãos.

Entendendo-se o contexto de aparecimento da democracia é válido discutir como ela


funcionava na prática. A democracia grega pressupunha um autogoverno, marcado pela
isonomia e isegoria, participação direta, ideais de igualdade e liberdade, público e privado
interligados, decisões políticas tomadas por meio de sorteio, debate e quando sem consenso,
por voto, trazendo uma vida honrada através da polis, como um bom cidadão “[...] um bom
cidadão é aquele que, nos assuntos públicos, sempre busca o bem comum” (DAHL, 2012, p.20).
Ser cidadão não era um direito, mas um dever inerente ao ser homem político. Mas quando se
tratando de poder ao povo se fala na verdade de poder aos cidadãos. Nem todo o povo era
cidadão. Eles eram apenas: homens, maiores de 21 anos, livres e nascidos na Grécia, ou seja, a
cidadania não abarcava mulheres, estrangeiros ou escravizados (o que não dialoga muito bem
com o ideal base de democracia, ou com a ideia de democracia atual, por exemplo).

Essa democracia por muitas vezes romantizada atualmente, mas que na verdade era
exclusiva, adquiriu um teor negativo nos séculos posteriores ao seu declínio. Ela, além de
envolver contradições como a de cidadania e escravização, foi se degenerando enquanto o
individualismo foi prevalecendo, a isegoria não se fazia tão plena já que bons oradores, com
dons de persuasão, tinham mais voz ou quando nobres dominavam mais, por exemplo. O
estopim para decadência da democracia Ateniense veio com sua derrota na Guerra do
Peloponeso e o sistema democrático entrou em profunda depreciação. Entre os maiores críticos
da democracia nesse período, teremos antidemocratas como Platão e críticos moderados como
Aristóteles.

Platão, ateniense discípulo de Sócrates na Grécia Antiga, em sua obra “A República”


do século IV a.C, traz um diálogo sustentado pela maiêutica (Método Socrático) construída por
dialética, que expõe algumas concepções do mesmo sobre o tema aqui referido: a democracia.
Para chegar nesse ponto é importante entender que Platão estava situado no cenário de
decadência da democracia ateniense, do lado perdedor da guerra. Como exposto por Noberto
Bobbio, em "A Teoria das Formas de Governo’, de 1997, Platão possuía uma concepção
pessimista da história, de que só se sucedem historicamente formas más de governo, em que
cada uma é pior do que a precedente, “Vê a história não como progresso indefinido, mas, ao
contrário, como regresso definido [...]” (BOBBIO, 1997, p.46). Sendo um conservador,
acreditava que a solução em meio a essa história degradada estaria então fora dela. À vista
disso, ele defende o modelo ideal de governo, o Estado perfeito que contrapõe todos os Estados
reais (que são corrompidos), que seria o governo dos sábios (filósofos). Então, para ele, todas
as formas de governos são más (timocracia, oligarquia, democracia e tirania), justamente
porque não se ajustam à constituição ideal (monarquia/aristocracia governada pelos sábios).
Seus critérios para diferenciar uma forma boa da má se dão por violência e consenso, legalidade
e ilegalidade.

Platão usa a Alegoria da Caverna como metáfora para a defesa do seu governo ideal.
Em suma, uma caverna com uma única entrada de luz, homens acorrentados desde a infância
sem possibilidade de vê-la diretamente, enxergando a realidade apenas distorcida pelas sombras
de uma fogueira. Se alguém se libertasse e visse a luz, poderia desprezar quem ficou nas
sombras e quem ficou nas sombras, poderia ridicularizar quem falasse sobre a luz. A luz seria
o conhecimento e as sombras a ignorância. Então a metáfora é sobre o papel da educação e sua
ligação ao fazer política. O governo dos filósofos teria esse papel de trazer a luz para quem está
nas sombras, trazer o conhecimento aos ignorantes, estes, que são inaptos a governar. Mas o
entrave é que “[...] os que têm de governar são os menos empenhados em ter o comando[...]”
(PLATÃO, 2001, p.324).

A democracia em Platão é então vista como uma das formas degeneradas, que pode
levar à tirania (a pior forma, baseada na violência), pela passagem geracional e/ou pela
corrupção, que se dá pelo excesso do princípio que inspira os governos (como ocorre na
passagem de uma constituição para outra em todos os casos). Nesse caso em específico, o
excesso de liberdade (que não suportaria leis e regras), a corrupção pela destituição da unidade
e implantação da discórdia (que pode ser dentro da classe dirigida ou entre a classe dirigente e
a classe dirigida), que demandaria por tirania e levaria a anarquia. Entretanto, elucida que a
democracia é a pior das formas boas, e, no entanto, a melhor das más. Todavia, o governo dos
filósofos nunca chegou a existir.

Aristóteles por sua vez, era discípulo de Platão e ele expõe suas noções relacionadas ao
assunto aqui referido através de sua obra “A Política”. É importante frisar que esse livro é na
verdade um conjunto de fragmentos de escrita do mesmo, com a intenção de definir uma
organização coerente, mas que por isso pode ser complexo e até contraditório. Aristóteles utiliza
da teoria das seis formas de governo, em que para cada forma boa, governada por determinado
número de pessoas, terá uma forma má correspondente, ligada a forma que se é governada.
Seriam nessa relação: reino-tirania (um), aristocracia-oligarquia (poucos: melhores ou ricos) e
politia/democracia boa-democracia má (muitos/todos). Para ele, as constituições (governo,
poder soberano da cidade), podem ser constituições retas, as que exercem o poder buscando o
interesse comum ou desvios, que exercem no seu interesse privado. Ou seja, seus critérios de
distinção de uma forma boa ou má se dão por interesse comum ou interesse pessoal.

Encontra-se alguns problemas de definições em “A Política”, incluindo o de governo de


muitos bom, como é abordado por Noberto Bobbio em “A Teoria das Formas de Governo”, já
que politia é um termo genérico. A politia seria um governo misto, uma forma boa que se daria
por uma fusão de duas formas más: democracia com oligarquia. Esse seria um governo que visa
assegurar uma paz social pela união dos ricos e dos pobres, utilizando uma “engenharia
política”, gerando menos conflito entre classes e proporcionando estabilidade, que é primordial
para um bom governo em Aristóteles. Diferente de seu mestre Platão, Aristóteles não defendia
necessariamente o governo dos filósofos. Por mais que tivesse esse teor quando defendia ideais
como do “escravo por natureza” ou o cidadão virtuoso que não podia ter profissões vulgares,
distingue sabedoria teórica de sabedoria prática. Contudo um governo de filósofos não
alcançaria uma satisfação apenas por seus saberes teóricos. Para ele a melhor forma de governo
seria aquela que combina Politia e Aristocracia, com o objetivo da felicidade. Todavia,
Aristóteles enxerga a democracia boa como a forma mais moderada, o desvio menos ruim.

“Estabelecida assim a ordem hierárquica, observamos que o maior afastamento é o


que existe entre "monarquia" (a melhor constituição, dentre as que são boas) e
"tirania" (a pior, dentre as más); o menor é o que existe entre a "politia" (a pior das
formas boas) e a "democracia" (a melhor das más).” (BOBBIO, 1997, p.58)

É possível perceber até aqui como a democracia nasceu e como entrou em declínio, o
que levou a um longo tempo de críticas, como sendo uma forma de governo turbulenta,
demagoga, de violência popular e instabilidade, através inclusive da crítica de filósofos
clássicos referenciais. Após esse longo período, a democracia teve seu "renascimento” na
modernidade, influenciado pela revolução francesa e os ideais iluministas de liberdade, que
elevaram a democracia ao centro do discurso político novamente, como uma palavra de luta e
teor mais positivo.

Contrapondo a visão de democracia contemporânea à democracia antiga “As diferenças


são tão profundas, portanto, que se nosso cidadão ateniense hipotético vivesse entre nós, ele
certamente afirmaria que uma democracia moderna não é uma democracia de modo algum.”
(DAHL, 2012, p.29). Em “A democracia e seus críticos”, de 1989, Robert Dahl demonstra um
pouco sobre como as condições para uma ordem democrática grega representam uma
contradição às realidades de todas as democracias modernas. De forma geral, essas diferenças
se dão primordialmente pelas democracias se localizarem em um Estado nacional e não mais
em uma cidade-Estado, o que por questões dimensionais possui uma população extremamente
maior, por isso muito mais heterogênea e menos harmoniosa. Por ser tão numerosa impede a
participação direta, sendo substituída pela participação representativa. O ser político agora é
profissional e não existe autonomia política, por Estados menores serem subordinados a um
sistema maior. “E, conquanto a visão dos gregos não tenha se perdido totalmente para o
pensamento democrático, ela foi substituída por uma nova visão de uma democracia mais
ampla, agora extensiva ao perímetro gigantesco do Estado nacional.” (DAHL, 2012, p.34). A
democracia atual pode suportar muitas ideias, inclusive contrapostas.

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