Imagem:
A democracia é, por assim dizer, uma oligarquia mais sutil. Na prática, os egoístas
permanecem no poder, mas não podemos culpar a democracia por isso, apenas as
pessoas, os oligarcas insaciáveis. Nesta nova democracia, o poder da oligarquia é
limitado pelo duplo reconhecimento da soberania do povo e das liberdades do
indivíduo, mas essas liberdades foram conquistadas pela ação democrática, e sua
eficácia só é mantida por essa ação, pois democracia pressupõe, sempre, a
existência de oposição e das manifestações, mesmo que estas não agradem quem
governa. A democracia nunca foi e nunca será um regime de consenso, será por
natureza um regime de oposição e pressupõe a existência do outro, o diferente, o
opositor que está ali para questionar. Só há democracia quando há oposição.
Democracias sérias são oligarquias que dão algum espaço para a democracia agir,
e falar de ação democrática é falar da possibilidade daqueles que não têm títulos
ganharem um corpo político por meio de demandas sociais e progressistas, a
possibilidade de se manifestar, se candidatar e se representar. O conflito cresce
nesse cenário. Candidatos considerados "populistas" às vezes ganham eleições e
desagradam as elites que, inclusive, utilizam do termo "populismo" pejorativamente.
Mas esse ódio não vem apenas das elites políticas que visam limitar a democracia,
principalmente por razões econômicas (há uma disputa de poder entre a
democracia e o capital, a democracia é refém do capital). O ódio também vem de
pessoas comuns que exigem um retorno aos valores tradicionais, principalmente
aqueles que costuram os fundamentos religiosos com o tecido social. A democracia
é a desordem, representa o assassinato do "divino pastor", e essa parcela da
população quer a volta desse pastor, essa ordem de volta. O avanço das políticas
progressistas enervou aqueles que acreditam que a democracia foi longe demais. O
novo ódio à democracia pode ser resumido em um argumento simples: só existe
uma boa democracia, aquela que suprime o desastre da civilização democrática.
Mas, como diz o autor, a democracia é um ato contra o egoísmo dos oligarcas:
A democracia não é nem a forma de governo que permite a oligarquia reinar em nome do
povo nem a forma de sociedade regulada pelo poder da mercadoria. Ela é a ação que
arranca continuamente dos governos oligárquicos o monopólio da vida pública e da riqueza
a onipotência sobre a vida (RANCIERE, 2014, p. 121).
Referência da imagem:
https://twitter.com/editoraboitempo/status/1320337074210340864?lang=ja
Referência bibliográfica:
RANCIERE, Jacques. O ódio à democracia. Boitempo. 2014.