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Teoria Democrática Atual: Esboço de Mapeamento

Luis Felipe M igu el

Há mais de cinqüenta anos, no mundo prossegue ele, a indefinição quanto às teorias


ocidental, a democracia tornou-se o horizonte da democracia, que discutem “quanto de de­
normativo da prática e do discurso políticos.' mocracia é desejável ou praticável, e como
Tamanho consenso esconde uma profunda ela pode ser realizada numa forma instituci­
divergência quanto ao sentido da democra­ onal sustentável” (Beetham, 1993, p. 55). No
cia: como é comum em relação a palavras que entanto, sem uma teoria que o sustente, um
se tornam objeto de disputa política, os dife­ conceito não passa de uma casca vazia. O fato
rentes grupos empenhados em ostentar o ró­ é que toda a idéia de democracia é, hoje, con­
tulo promovem sua ressemantização, ade­ troversa; e essa situação não deve ser vista
quando seu significado aos interesses que como passageira ou contingente. É um efei­
defendem. to de seu valor nas disputas políticas contem­
Isso levou, de um lado, à produção de porâneas. .
nítidas contrafações, rejeitadas de forma in­ Apenas como contraponto, não custa
tuitiva, como as “democracias populares” do lembrar que o berço da palavra “democra­
Leste europeu ou a “democracia relativa”, for­ cia” e do ideário que a ela associamos, a Gré­
ma que o general Geisel encontrou para de­ cia antiga, percebia com muito clareza o que
signar o Brasil sob mando militar. Mas o sen­ ela significava. Era o “governo do povo”, cla­
so comum, o discurso da mídia e mesmo as ro - mas esta forma, mais ou menos retórica
ciências sociais encontram pouca dificulda­ e nunca realizada de forma plena na prática,
de para aceitar a denominação de “democra­ revestia um conjunto muito bem definido de
cia” aplicada aos regimes concorrenciais do instituições. A democracia grega incluía a as­
Ocidente, onde, no entanto, as decisões po­ sembléia popular, o sorteio para o preenchi­
líticas são efetivamente tomadas por uma mento dos cargos públicos e o pagamento
pequena minoria e ao povo resta pouco mais pelo exercício de suas funções, a isonomia, a
do que se submeter a elas. isegoria, o rodízio nas posições de governo e
Em suma, não apenas o significado da a crença na igual capacidade de todos os ci­
democracia é polêmico, como também con­ dadãos para a gestão da polis. O pensamento
vivemos com uma contradição patente entre político antigo se punha a favor ou (mais fre­
seu sentido abstrato ou normativo mais cor­ qüentemente) contra a democracia. Num
rente (o “governo do povo”) e as manifesta­ caso ou no outro, havia consenso sobre qual
ções empíricas geralmente aceitas (os regimes era o objeto da discussão.
eleitorais). David Beetham afirma que o con ­ A referência à Grécia não é ociosa. Dela
ceito de democracia é incontestável: é uma herdamos não apenas a palavra, mas também
forma de tomada de decisões públicas que todo um imaginário ligado à democracia. Se
concede ao povo o controle social. Resta, o regime concorrencial contemporâneo, que

BIB, São Paulo, n° 59, Io semestre de 2005, pp. 5-42. 5


um especialista em .história antiga como insuficiências das “democracias realmente
Pierre Vidal-Naquet (2002 [2000], p. 14) existentes” e propõem formas de aprofunda­
prefere classificar como “oligarquia liberal”, mento da presença dos cidadãos comuns na
se esforça tanto em manter o rótulo de de­ arena política. Fortemente ideologizada, a
mocrático, é porque deseja se manter simbo­ taxonomia proposta pelo cientista político ita­
licamente próximo daquela experiência. Não liano relega as teorias críticas à condição de
podemos ter o “governo do povo” como tal, devaneios utópicos - ou “perfeccionistas”,
pois nossas sociedades são muito extensas, como ele prefere - que seriam, na melhor das
muito populosas e muito complexas —e, so­ hipóteses, irrelevantes para a prática, política
bretudo (embora essa componente não e, na pior, perigosos, levando à destruição da
apareça com tanta freqüência no discurso es­ democracia que, bem ou mal, podemos ter.
tilizado que aqui reproduzo), porque a incor­ Isolar uma teoria “empírica” de outra
poração de mais e mais grupos à cidadania “prescritiva”, no entanto, significa ignorar que
multiplicou o nível potencial de conflito. Mas a palavra “democracia” ganhou valor nas dis­
gostamos de imaginar que alcançamos uma putas políticas. Afinal, por que motivo o ar­
espécie de adaptação; que a representação ranjo institucional em vigor nos países capi­
política permite a realização, no mundo atual, talistas desenvolvidos - e não algum outro -
de algo similar ao que existiu na Atenas do merece ganhar o rótulo de democrático? Este
século IV antes de nossa era.2 arranjo realiza, ao menos de forma razoável,
Entre as muitas tentativas de classifica­ as promessas que a democracia historicamen­
ção dos diversos modelos ou teorias, da de­ te carrega? Em suma, nenhuma teoria possui
mocracia, a mais corrente na linguagem co­ fundo normativo neutro; os critérios que de­
mum aponta exatamente a diferença que nos finem o que é uma democracia não são de-
separa da Grécia: é a divisão entre “democra­ dutíveis da observação empírica; passam por
cia direta” e “democracia representativa”. Ela uma definição (implícita) de como d ev e ser
também encontra espaço, ainda que em ver­ uma democracia. Ao negar seu componente
sões modificadas, em certos exemplares do normativo, autores como Sartori contraban­
discurso acadêmico, corno os escritos do so­ deiam uma perspectiva conservadora, que rei-
ciólogo português Boaventura de Sousa San­ fica aquilo que é e nega validade à crítica e às
tos.3 Mas a dicotomia é pouco frutífera, umà alternativas.
vez que a representação política é inelutável Mais promissora é a proposta de C. B.
nas sociedades contemporâneas. A idéia de Macpherson (1977). Seu foco é o que chama
democracia direta serve, quando muito, como de “democracia liberal”, em oposição à “de­
um contraponto, mas não pode guiar proje­ mocracia utópica” anterior ao século XIX, isto
tos de transformação dos sistemas políticos é, uma teoria que pressupõe a existência de
atuais. urna sociedade dividida em classes. Quatro
Outra classificação é a apresentada por modelos sucessivos são apontados: a demo­
Giovanni Sartori (1994 [1987]), distinguin­ cracia protetora, de Bentham e James Mill,
do a “democracia empírica” (descritiva) da centrada na idéia de que o direito de voto
“democracia racional” (prescritiva). Na pri­ servia (apenas) de garantia contra a tirania
meira categoria estão as construções teóricas dos governantes; a democracia desenvolvi-
que buscam sistematizar os traços constituti­ mentista, de John Stuart Mill, voltada à qua­
vos dos regimes eleitorais de tipo ocidental. lificação dos cidadãos por sua imersão na es­
Na segunda, todos os modelos que apontam fera pública; a democracia de equilíbrio, de

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Schumpeter, que se reduz à competição elei­ cracia deliberativa”, inspirada sobretudo pela
toral; e a democracia participativa, propug­ teoria de Jürgen Habermas, que nega o cará­
nada pelo próprio Macpherson. ter privado da formação das preferências, en­
É fácil perceber que os quatro modelos fatizando a necessidade do debate público.5
de Macpherson oscilam, de fato, entre um Instigante como é, o esquema de Elster não
pólo protetor (o que a democracia de fato está isento de problemas. Uma das princi­
pode alcançar é a garantia de alguns direitos pais lacunas, reconhecida pelo próprio autor,
individuais, contra o risco de despotismo dos é que a obra de Schumpeter, com ênfase na
governantes) e um pólo “desenvolvimentis- manipulação das preferências individuais por
ta” (o acesso à esfera pública amplia os hori­ meio da demagogia política, não se classifica
zontes do cidadão, permitindo que suas ca­ em nenhuma das categorias.'Com isto, a con­
pacidades se realizem mais e melhor). De cepção dominante da democracia perde seu
alguma maneira, ele repõe, em novos termos principal fundador. .
e com a valoração invertida, a velha observa­ Esta breve listagem de algumas propos­
ção. de Constant sobre a liberdade dos anti­ tas de classificação dos modelos de democra­
gos e a liberdade dos modernos. David Held cia visa, sobretudo, a indicar a dificuldade de
(1996) inspira-se em Macpherson e são esses se chegar a um esquema abrangente, isento
dois pólos que balizam sua taxonomia, que de ambigüidades e coerente. Delato, não há
contempla nove —ou doze, caso as variações uma taxonomia “correta” —elas são apenas
sejam contadas por si mesmas - modelos de menos ou mais úteis, de acordo com a con­
democracia, da Antigüidade aos nossos dias. tribuição que .podem dar para a compreen­
Outras tentativas de classificação pode­ são da teoria democrática. Aqui, vou optar
riam ser listadas, mas aqui basta citar uma por trabalhar com cinco diferentes corren­
últim a, a do cientista político norueguês tes, sem a pretensão de haver encontrado um
Jon Elster (1997).4 São três modelos: a con­ critério exaustivo ou com valor universal. Ao
cepção dominante de democracia, ligada às contrário, o critério é assumidamente circuns­
“teorias da escolha social”, e duas diferentes tancial: são as correntes que, hoje, encontram
contestações a ela. No modelo dominante, o maior ressonância no debate acadêmico e
processo político é apenas instrumental; o político.
método democrático resume-se a uma forma Todas elas se encontram no campo da
de agregação de preferências individuais, sem­ “democracia representativa”, uma vez que
pre tidas como prévias e construídas na esfe­ qualquer proposta de democracia direta, para
ra privada. A metáfora do "mercado político” as sociedades contemporâneas, é quimérica.
é levada ao pé da letra: os cidadãos escolhem (1) A dem ocracia liberal-pluralista, deno­
entre as ofertas que lhes são apresentadas, minação que amalgama as posições mais “des­
buscando a maior satisfação pessoal. critivas” dos sistemas políticos ocidentais,
A primeira vertente de contestação é o para a qual a realização do projeto demo­
que Elster chama de “democracia participa­ crático passa sobretudo pela vigência de um
tiva”, correspondendo à “desenvolvimentis- conjunto de liberdades cidadãs, competição
ta” na terminologia de Macpherson e Held. eleitoral livre e multiplicidade de grupos de
E uma corrente que rejeita a caracterização pressão, que se envolvem êm coalizões e bar­
da política como possuindo mero valor ins­ ganhas, cada qual tentando promover seus
trumental, apresentando-a como um bem em interesses. A idéia de “governo do povo” é
si mesmo. A segunda contestação é a “demo­ esvaziada, na medida em que aos cidadãos
comuns cabe, sobretudo, formar o governo, dia. Como se vê, não se trata de uma volta à
mas não governar. democracia direta, mas da combinação dos
As outras correntes pertencem todas ao mecanismos representativos com a participa­
campo que Sartori denomina de “democra­ ção popular na base. Influente sobretudo nas
cia racional”, isto é, são correntes críticas em décadas de 1970 e 1980, ela se faz presente
relação ao arranjo institucional estabelecido hoje, com ambições bem mais modestas, em
nos países capitalistas desenvolvidos. iniciativas de reforma da política local, como,
(2) A dem ocracia deliberativa, nascida da entre outras, o “orçamento participativo” expe­
obra de Habermas e, em menor medida, de rimentado em vários municípios brasileiros.
Rawls, aparece hoje como a principal inspi­ A corrente (2) é contemplada no esque­
ração crítica às democracias realmente exis­ ma de Elster, de forma similar à que apre­
tentes. Seu ideal é que as decisões políticas sento aqui. O que ele chama de “democracia
sejam fruto de uma ampla discussão, na qual participativa” engloba, d.e fato, as correntes
todos tenham condições de participar em (3) e (4) indicadas acima. A quinta e última
igualdade, apresentando argumentos racio­ vertente corresponde a desenvolvimentos
nais, e ao fim da qual haja consenso. Em opo­ mais recentes da teoria política.
sição à vertente anterior, liberal, ela conside­ (5) O m ulticulturalism o ou a política da
ra que os agentes não estão presos a interesses diferença, cujo fundamento é a afirmação das
fixos e são capazes de alterar suas preferênci­ características distintivas dos diversos grupos
as em meio ao debate. presentes na sociedade' nacibnal, entendidas
(3) O republicanism o cív ico , que prega a como irredutíveis a uma identidade única e
revalorização da ação na p olis e do sentimen­ fontes legítimas de ação política. A ruptura
to de comunidade, parcialmente inspirado com a perspectiva liberal é profunda, na me­
pelo pensamento de Hannah Arendt. Algu­ dida em que grupos —e não só indivíduos —
mas de suas vertentes desembocam no comu- são considerados sujeitos de direitos.
nitarismo, que polemiza contra o individua­ E evidente que as cinco vertentes aqui
lismo da tradição liberal. E o pertencimento listadas não esgotam a teoria democrática
à comunidade que dota de sentido a ação contemporânea, nem possuem fronteiras bem
humana; e nesse sentido a participação po­ definidas entre si. Boa parte dos pensadores,
lítica pode ser entendida como provida de mesmo os que são considerados representan­
valor em si mesmo (ao passo que, para a ver­ tes emblemáticos de algum dos grupos, li­
tente liberal, a política possui apenas valor dam com outras correntes. Além disso, nem
instrumental, na busca pela realização de in­ todas as correntes apresentam grau similar de
teresses constituídos na esfera privada). elaboração. A preocupação central dos prin­
(4) A dem ocracia participativa, que des­ cipais teóricos do multiculturalismo, por
taca à necessidade de ampliação dos espaços exemplo, não tem sido produzir uma teoria
de decisão coletiva na vida cotidiana. O cha­ da democracia, mas uma teoria da justiça.
mamento episódico à participação nas ques­ Assim, a concepção de democracia que os
tões públicas, no período eleitoral, é julgado anima - e que se tornou relevante para o de­
insuficiente para promoyer a qualificação das bate contemporâneo —ainda possui um ca­
cidadãs e dos cidadãos. E necessário que as ráter fragmentário. Feitas essas ressalvas, no
pessoas comuns estejam presentes na gestão entanto, creio que a divisão proposta serve
das empresas, das escolas, enfim, que a parti­ como guia útil para o entendimento do esta­
cipação democrática faça parte de seu dia-a- do atual da teoria democrática.
A Democracia Liberal-Pluralista se contentar o papel que lhes é cabido: votar
a cada quatro ou cinco anos e, no intervalo,
O ponto de partida para a atual concep­ obedecer sem pestanejar às ordens que, eles
ção liberal de democracia é a doutrina do eco­ imaginam, de alguma forma também ema­
nomista austríaco Joseph Schumpeter, qufe naram de sua vontade.
mudou a história da reflexão política ao lan­ De fato, Schumpeter promove a acomo­
çar seu Capitalismo, socialism o e dem ocracia dação da democracia com uma corrente de
(1984 [1942]). As poucas páginas que dedi­ pensamento que nasceu para negá-la, a teo­
ca à questão da democracia, numa obra vol­ ria das elites (cf. Miguel, 2002a). Os autores
tada sobretudo a uma revisão polêmica do elitistas do começo do século XX, como Mos­
pensamento marxista, tiveram enorme reper­ ca, Pareto e Michels, procuraram demons­
cussão e, de alguma maneira, redefiniram o trar que o socialismo e a democracia eram
sentido da palavra. fantasias sem possibilidade de efetivação. Tra­
O primeiro esforço de Schumpeter é a ta-se de uma perspectiva essencialista, para a
demolição dos mitos que, segundo crê, cer­ qual há uma invariável das relações humanas
cam a política democrática. Os teóricos clás­ e do processo histórico: a impossibilidade de
sicos da democracia previam a presença de uma organização social em que não haja uma
cidadãos interessados e bem-informados, minoria dominante. Todas as mudanças po­
conscientes de suas preferências no mundo líticas seriam, por trás das aparências, repeti­
da política e desejosos de alcançar o bem co­ ções do mesmo processo, com a substituição
mum - em suma, pessoas inexistentes no de uma elite por outra. A massa é apresenta­
mundo real. No entanto, a “doutrina clássi­ da como incapaz de intervir no processo his­
ca da democracia” que Schumpeter pretende tórico; se parece que o faz, é porque está sen­
refutar é uma mistura pouco criteriosa de sen­ do manobrada por outro grupo. A base elitista
so comum e autores clássicos, capaz de jun­ do pensamento de Schumpeter aceita tais
tar vozes tão dissonantes quanto Rousseau e afirmações; ao redefinir a democracia para
os utilitaristas, para criar um adversário mais torná-la compatível com tais “realidades”, ele
adequado (Pateman, 1992 [1970]). deprecia brutalmente seus ideais.
Schumpeter, então, redefine a democra­ O sucesso da democracia concorrencial
cia como sendo simplesmente uma maneira foi favorecido pelo surgimento fortuito, na
de gerar uma minoria governante legítima. mesma época da publicação de Capitalismo,
Outras fórmulas para alcançar tal legitimi­ socialism o e dem ocracia, de evidências empí­
dade, em especial as monarquias hereditá­ ricas que pareciam confirmar elementos cru­
rias, estavam em declínio. O governo, assim, ciais da teoria schumpeteriana. Outro imi­
devia ser formado mediante a luta competi­ grante austríaco, Paul Lazarsfeld, liderara um
tiva pelos votos do povo/' Dessa forma, a teo­ importante estudo sobre o comportamento
ria concorrencial promove uma gigantesca dos eleitores durante a campanha presiden­
redução do alcance da democracia, já que, cial estadunidense de 1940, que sairia em
para ela, o resultado do processo eleitoral não livro pouco depois (Lazarsfeld, Berelson e
indica a formação de nenhum tipo de von­ Gaudet, 1969 [1944]). Os traços definido­
tade coletiva. Trata-se da mera agregação de res da maior parte dos votantes eram a apatia,
preferências manipuladas, preconceitos e de­ a desinformação e o desinteresse em relação
cisões impensadas. E, para que o sistema fun­ à política, tal como o modelo de Schumpeter
cione a contento, os cidadãos comuns devem indicava. A semelhança, porém, escondia

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uma diferença significativa, a respeito do pa­ teresse dos cidadãos pela política não signi­
pel das campanhas eleitorais. Schumpeter, fica que suas vontades deixarão de ser leva­
talvez por efeito da experiência da ascensão das em conta pelo governantes. Já Marcur
do nazismo, via o eleitorado como volátil e Olson (1965), outro pioneiro da chamada
sugestionável, sempre sob a influência dos “teoria da escola racional” na ciência políti­
discursos demagógicos dos candidatos. Já os ca, invertia a acusação de “irracionalidade”
eleitores de Ohio, que foram a matéria-pri­ que Schumpeter dirigia ao eleitor comum.
ma para os surveys de Lazarsfeld e seus colabo­ Desinformação e apatia são a resposta racio­
radores, estavam presos a padrões tradicionais n al num contexto em que o peso do eleitor é
de voto, que dificilmente eram modificados tão pequeno —já que cada um controla ape­
por efeito da campanha ou de informações nas um voto, em meio a milhares ou milhões
transmitidas pelos meios de comunicação de de outros - que não vale o investimento de
massa. tempo e dinheiro necessário para a qualifica­
A visão de Schumpeter é profundamen­ ção política. Seymour Lipset (1963 [1960])
te desencantada quanto às possibilidades de vai além, vendo na apatia e no abstenseísmo
que a democracia cumprisse quaisquer de suas um indício não apenas da racionalidade do
promessas fundamentais —governo do povo, eleitor, mas de sua satisfação com o funcio­
igualdade política, participação dos cidadãos namento do sistema. Por fim, Giovanni Sar-
na tomada de decisões. Vários dos autores tori (1994 [1987]), que continua vinculado
inspirados por ela, no entanto, fizeram es­ à denúncia schumpeteriana da irracionalida­
forços para aproximar a teoria dos valores de­ de do cidadão comum, julga que a baixa par­
mocráticos básicos. Anthony Downs (1957, ticipação política é a chave para a realização
p. 29), por exemplo, declarava se basear nos da democracia como “meritocracia” ou pro­
“brilhantes in sigh t? de Schumpeter, mas con­ cesso seletivo dos mais aptos a governar.
cluía que a combinação entre eleitores pouco A demonstração da impossibilidade de
interessados e políticos competindo pelo voto realização da democracia, num espírito pró­
representava a mais perfeita forma de gover­ ximo ao de Schumpeter, mas de maneira mais
no do povo. formalizada, está no cerne da influente obra
Para tanto, ele transformava uma das de William Riker (1982). Ele enfatiza, por
premissas do economista austríaco, postulan­ um lado, a dependência das decisões em re­
do que os cidadãos têm interesses identifi­ lação aos sistemas, eleitorais, isto é, que a ma­
cáveis e são capazes de perceber se eles estão nipulação dos mecanismos decisórios afeta os
sendo bem atendidos ou não. Como o go­ resultados. Por outro,, aponta as patologias
vernante precisa do voto de todos para per­ da racionalidade coletiva, em especial o cha­
manecer no poder, o seu interesse objetivo é mado “paradoxo de Condorcet”, que mostra
realizar os interesses dos outros (e, assim, como um conjunto de indivíduos racionais
manter sua confiança). O modelo possui gra­ pode chegar a decisões coletivas incoerentes.
ves fragilidades, uma vez que se baseia num A conclusão é que a idéia de um governo do
visão demasiado esquemática do comporta­ povo é sempre ilusória. Conforme já foi de­
mento tanto dos cidadãos comuns como dos monstrado, o edifício teórico de Rikersusten-
políticos (Przeworski, 1995 [1990], pp. 37­ ta-se numa premissa duvidosa, a de que a de­
39; Pizzorno, 1993; Miguel, 2002b). mocracia se resume ao ato de votar (Mackie,
Downs buscou demonstrar que, dado o ' 1988). Quando a discussão é considerada um
mecanismo da competição eleitoral, o desin­ ingrediente necessário do processo democrá-

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tico, tal como fazem os teóricos da democra­ rios em New Haven, Connecticut, apresen­
cia deliberativa, os problemas “insolúveis” tada como cidade “típica” da vida urbana es­
apontados por Riker são, em grande medi­ tadunidense. A pesquisa mostra que, embo­
da, superados. ra uma minoria de líderes monopolizasse as
A vinculação com o legado schumpete- iniciativas políticas nas três questões polêmi­
riano é bem mais complexa na teoria poliár- cas analisadas (nomeações de funcionários
quica de Robert A. Dahl, que influenciou de públicos, reurbanização e educação), havia
forma determinante a concepção liberal cor­ conflito dentro dela e a influência de cada
rente de democracia. Nela, a presunção do líder era, via de regra, especializada, isto é,
desinteresse do eleitorado é relativizada. Os incidia sobre apenas um dos três assuntos
cidadãos são, sim, apáticos quanto à maioria (Dahl, 1961). O estudo de Dahl está sujeito
das questões da agenda política, mas podem a uma série de questionamentos de ordem
se mobilizar no momento em que um de seus metodológica, a começar pela premissa de que
interesses específicos é posto em questão. Se o microcosmo é um retrato fiel, em escala
não podemos contar com o governo do povo menor, do macrocosmo —quer dizer, de que
ou mesmo com o governo da maioria, pode­ o estudo dos processos de decisão em nível
mos ao menos ter um sistema político que local pode servir de evidência para o nível na­
distribua a capacidade de influência entre cional. Afinal, tam anho e distância são fato­
muitas minorias. As eleições ocupam uma res essenciais para explicar a apatia política
posição central num ordenamento poliárqui- popular, que, por sua vez, é um dos elemen­
co não porque introduzam um “governo de tos que favorecem o domínio da elite. Além
maiorias em qualquer maneira significativa, disso, é difícil crer que uma cidade, na época
mas [porque] aumentam imensamente o ta­ com 160 mil habitantes, que sedia a Univer­
manho, número e variedade das minorias, sidade Yale possa ser considerada “típica”, por
cujas preferências têm que ser levadas em con­ mais que muitos de seus indicadores de­
ta pelos líderes quando fazem opções de po­ mográficos sejam medianos. Mas a principal
lítica” (Dahl, 1989- [1956], p. 131). crítica foi formulada por Bachrach e Baratz
Dahl admite que os regimes vigentes no (1962, 1963), que demonstraram que o
Ocidente não são realmente “governos do estudo de Dahl ignorava a determ ina ção da
povo”, mas ao mesmo tempo nega que exista agenda, uma faceta crucial do exercício do
uma classe dominante, como querem os mar­ poder.
xistas, ou uma “elite do poder”, como dizia As poliarquias seriam o resultado dos
Wright Mills (1981 [1956]). Em vez de uma processos de dem ocratização, que Dahl
minoria governante, existem muitas mino­ (1971) desdobra em duas dimensões, a in­
rias que disputam entre si a respeito de ques­ clusividade (ampliação do número de pes­
tões específicas e que devem ser levadas em soas incorporadas formalmente ao processo
conta pelos governantes. Ao seu modelo, o político) e a liberalização (reconhecimento do
autor chama “poliarquia”, a palavra designan­ direito de contestação). Amplamente utiliza­
do a existência de múltiplos centros de poder do na ciência política, o modelo bidimensio­
dentro da sociedade - e se distinguindo da nal também enfrenta críticas recorrentes, a
verdadeira democracia, entendida como ideal começar pela ausência de uma dimensão so­
normativo cuja plena realização é utópica. cia l, que permita que os direitos de partici­
Ele “comprovou” a vigência da poliar­ pação e oposição sejam usados de maneira
quia num estudo sobre os processos decisó­ efetiva (ver, por exemplo, Weffort, 1992). De
fato, como a inclusividade é apenas formal, (Dahl, 1989, p. 182).8 A construção dos in­
reduzindo-se em última análise ao direito de teresses —isto é, das vontades e identidades
voto, ela é compatível com a exclusão políti­ coletivas —é suprimida da política; em seu
ca real dos grupos subalternos. lugar, resta uma agregação mecânica de pre­
Numa trajetória intelectual invulgar, ferências preexistentes. O aspecto comuni­
Dahl tornou-se cada vez mais crítico em re­ cativo da atividade política é esvaziado. São
lação ao sistema político estadunidense —que os democraras deliberativos que vão desen­
a teoria pluralista, a princípio, justificava. Ele volver esta crítica.
se tornou sensível aos problemas que o orde­
namento capitalista apresenta à efetivação da
democracia, passando a advogar por formas A Democracia Deliberativa
de economia autogestionária (Dahl, 1990
[1985]). Passou a expressar simpatia pela A corrente deliberativa tornou-se, nos
abordagem deliberacionista, embora não a últimos vinre anos, a principal alternativa
tenha de fato incorporado em seu modelo. teórica à democracia liberal-pluralista.9 Sua
Independentemente disso, uma versão sim­ principal matriz, embora não a única, é a fi­
plificada do pluralismo liberal, com sua ên­ losofia de Jiirgen Habermas.10 Os democra­
fase em eleições competitivas e em múltiplos tas deliberativos incorporam parte signifi­
grupos de pressão, tornou-se a ideologia ofi­ cativa do ideal participacionista, mas apre­
cial dos regimes democráticos ocidentais. sentam uma nova ênfase nos mecanismos
Dois problemas principais podem ser discursivos da prática política. Segundo a sín­
identificados na corrente. O primeiro, um tese de Joshua Cohen (1998, p. 186), eles
traço característico do liberalismo desde os julgam que as decisões políticas devem ser
seus primórdios, é o isolamento da esfera polí­ tomadas por aqueles que estarão submeti­
tica em relação ao restante do mundo social. dos a elas, por meio do “raciocínio público
As desigualdades presentes na sociedade são iivre entre iguais”. Trata-se de um esforço
“colocadas entre parênteses” (Fraser, 1992), importante para avançar na compreensão
o que sustenta as ficções dos “cidadãos iguais do sentido da democracia,, que transcende o
perante a lei” e dos “contratos entre pessoas pretenso empirismo da vertente hegemôni­
liv res e iguais”. Na verdade, as desigualdades ca, schumpeteriana, por levar em conta, como
materiais e simbólicas transbordam para a diz o próprio Habermas, “o sentido norma­
arena política, contribuindo para impedir que tivo genuíno da compreensão intuitiva da de- .
determinados grupos tenham acesso pleno a mocracia” (1997 [1992], vol. 2, p. 18).
ela ou nela sejam capazes de promover efi­ Em primeiro lugar, a corrente rompe
cazmente seus interesses. Há aqui um ponto com a percepção da democracia como sim­
central da crítica à vertente democrática li­ ples método para a agregação de preferências
beral, que será apresentado com mais minú­ individuais já dadas. Longe de constituírem,
cia nas seções seguintes. elementos prévios, as preferências são cons­
O segundo problema central da percep­ truídas e reconstruídas por meio das intera­
ção pluralista da democracia é a redução da ções na esfera pública, em especial do debate
política a um processo de escolha, no qual, entre os envolvidos. Em segundo lugar, há a
por uma premissa metodológica, considera- ênfase na igualdade de participação, um as­
se que todos os cidadãos são guiados por um pecto constitutivo do sentido clássico da de­
“entendimento esclarecido de seus interesses” mocracia, mas que foi relegado a plano secun­
dário pelas vertentes hegemônicas da teoria pública e o integra num modelo normativo
democrática contemporânea. Por fim, a au­ de funcionamento da democracia.
tonom ia, isto é, a produção das normas so­ No entanto, nesse momento o impulso
ciais pelos próprios integrantes da sociedade, crítico de sua obra já está esvaziado. Haber­
é resgatada como o valor fundamental que mas vai abandonar a preocupação com a co­
guia o projeto democrático. lonização do “mundo-da-vida” pelos ope­
A democracia deliberativa apresenta-se radores sistêmicos - dinheiro e poder - que
como um modelo normativo que produz a coordenam, de maneira crescente, as relações
crítica da política vigente a partir de um pa­ interpessoais. A ação comunicativa passa a ser
râmetro ideal. Esse ideal, porém, remete a vista como garantidora, em última instância,
uma matriz histórica (ou pseudo-histórica), da integração da sociedade, num modelo em
a “esfera pública burguesa' descrita por Ha­ que as tensões entre os diferentes tipos de ra­
bermas em sua influente tese de 1962. A cionalidade e entre as esferas sistêmica e do
partir de uma reflexão sobre o surgimento da “mundo-da-vida” tornam-se bem mais bran­
opinião pública, na França, na Alemanha e, das (ou mesmo desaparecem), dando lugar a
sobretudo, na Inglaterra dos séculos XVIII e uma perspectiva mais harmônica, de mera
XIX, ele apresenta uma visão da “boa polí­ diversificação funcional (Habermas, 1997
tica”, caracterizada pela discussão livre das [1992], vol. 1, p. 45; para uma crítica focada
questões de interesse coletivo (Habermas, neste ponto, ver Cook, 2001). -
1984 [1962]). Contra o pano de fundo des­ Como observou John Dryzek, Habermas
te ideal normativo, Habermas lamenta a de­ inscreve-se no movimento mais geral, den­
cadência atual da esfera pública, manipulada tro da corrente deliberativa, de acomodação
por estratégias públicitárias. com o constitucionalismo liberal. Em D irei­
Em sua obra posterior, Habermas subs­ to e dem ocracia, verifica-se uma “reconcilia­
tituiu o conceito de esfera pública pela teoria ção” com “fatos [pretensamente] imutáveis
análoga, porém mais abstrata, da ação comu­ do mundo moderno”, vinculados à estrutura
nicativa. O ideal normativo que guia sua re­ político-econômica, ê a possibilidade de
flexão é a ação voltada para o entendimento mudança é restrita ao ordenamento legal
mútuo, por intermédio do diálogo, em opo­ (Dryzek, 2Ö00, p. 24)." Isso levaria Haber­
sição à ação estratégicaj que busca apenas o mas, por exemplo, a estabelecer um modelo
sucesso e utiliza caracteristicamente opera­ pelo qual a opinião pública gera influência,
dores sistêmicos como o poder e o dinheiro. que se transforma em “poder comunicativo”
Mas, quando elabora sua teoria da ação co­ por meio de eleições; e este, por sua vez, se
municativa, o filósofo alemão trabalha em tal torna “poder administrativo” por meio da le­
grau de abstração que, a rigor, não é possível gislação (Habermas, 1997 [1992], vol. 1, pp.
falar numa teoria da democracia. A preo­ 189-190). Dryzek (2000, pp. 25-26) obser­
cupação específica com a política - vista de va que é, no mínimo, duvidoso se uma per­
início sob uma perspectiva integralmente cepção tão estilizada do processo político será
negativa, como um dos instrumentos de co­ capaz de captar pelo menos uma parte de sua
lonização da vida cotidiana, o “mundo-da- dinâmica real. O jogo de forças é despido de
vida” —só vai aparecer na última obra impor­ todas as suas condicionantes estruturais e o
tante de Habermas, o livro Direito e democracia, que sobra é uma versão mais sofisticada dos
lançado na Alemanha em 1992, no qual o fi­ manuais escolares de civismo. Em suma, a
lósofo também recupera o conceito de esfera aceitação acrítica da fixação de uma esfera

13
política isolada das restantes esferas sociais é A regra (1) garante a ausência de repres­
a própria capitulação diante do constitucio­ são, já que não é possível censurar a partici­
nalismo liberal. pação no debate, e também a ausência de ex­
Ao contrário do que julga Dryzek, tal clusão, já que a discussão está franqueada a
movimento não é uma “virada” imprevista no todos os que possam contribuir para ele. Dois
pensamento de Habermas, mas o aprofun­ problemas evidentes emergem desta formu­
damento de um traço que já está presente em lação. O primeiro e menor deles refere-se à
sua obra desde a tese sobre a esfera pública. qualificação de “pertinente” quanto às con­
A idealização da esfera pública burguesa dos tribuições aceitáveis no debate. Ora, grande
séculos XVIII e XIX demonstra uma notável parte de qualquer debate gira sempre sobre
insensibilidade ao problema da exclusão de a pertinência ou não de determinados fatos
grupos sociais. Trabalhadores e mulheres, para ou especulações. Ou há quem determine a
citar os exemplos mais evidentes, estavam p rio ri a pertinência de cada contribuição, e
ausentes da esfera pública burguesa. É claro aí temos um critério de exclusão, ou é neces­
que Habermas percebe e anota tal ausência. sário abandonar a qualificação e reconhecer
Mas, em M u dança estru tu ra l, ela aparece que toda contribuição é válida até prova em
como algo contingente e não como estrutu- contrário. O segundo problema, que é o de­
radora de características centrais da esfera cisivo e será desenvolvido em maior detalhe
pública burguesa setecentista e oitocentista. adiante, diz respeito à capacidade subjetiva
Assim, Habermas reproduz, em seu mo­ que grupos e indivíduos em diferentes posi­
delo da esfera pública, as premissas dos teó­ ções na estrutura social têm de produzir “con­
ricos liberais do contrato social. A igualdade tribuições pertinentes” a diferentes debates.
substantiva não é importante, na medida em A regra (2) é uma regra de igualdade; na
que todos podem discutir com o se fossem medida em que apenas a argumentação ra­
iguais —isto é, a produção de direitos for­ cional é levada em conta, está neutralizada
mais de cidadania surge como condição sufi­ a diferença de autoridade, de riqueza, de sta­
ciente para a efetivação do debate público tus ou qualquer outra. E claro que isto nunca
ideal. As condições de acesso à esfera pública ocorre: no mundo real, os debates sempre são
não são tematizadas, o que permite deixar de desvirtuados por diferenciais de poder, de
lado, como secundária, a exclusão de traba­ autoridade e mesmo de acesso à fala. E a re­
lhadores e mulheres. ■ gra (3) é uma condição de efetividade do de­
Não qiie Habermas não perceba a ex­ bate, indicando que os participantes estão
clusão política vigente nas sociedades con­ dispostos a assimilar o argumento dos outros
temporâneas: ele a percebe, indica e conde­ e não se prendem a posições prévias.
na de forma explícita, segundo um critério Habermas está ciente de que seus crité­
ético. Mas desenvolve sua teoria sobre o mo­ rios não são preenchidos na vida real e apre­
delo utópico da “situação de fala ideal”, onde senta a situação de fala ideal como sendo, em
a exclusão, por definição, não pode ocorrer. primeiro lugar, um ideal normativo (se bem
Tal situação é caracterizada por três regras: que não arbitrário). O problema é que, na
(1) qualquer contribuição pertinente ao de­ maior parte de sua obra, ele não apresenta ne­
bate pode ser apresentada; (2) apenas a ar­ nhuma ponte entre o ideal e a realidade. Sua
gumentação racional é levada em conta; e “fala ideal” é um pouco como a “posição origi­
(3) os participantes buscam atingir o con­ nal” de John Rawls (em que um “véu da incer­
senso. teza” afasta todas ás desigualdades): um arti-

14
fício que gera uma situação em que todos são pere a mera transferência da soberania po­
abstratamente iguais, elidindo o desafio de pular para uma elite, por intermédio da au­
como gerar uma sociedade igualitária partin­ torização eleitoral.
do de úma condição de radical desigualdade. Mesmo independentemente deste pon­
A situação de fala ideal não é arbitrária - to, que a torna um modelo irrelevante para a
e esta é uma diferença importante em relação construção da ordem política, a comunica­
à posição original de Rawls - porque, para ção face a face está marcada por uma série de
Habermas, a ausência de repressão, a igual­ desigualdades, que a idealização haberma-
dade entre os falantes e a busca pelo consen­ siana ignora. As diferentes posições sociais dos
so são inerentes à natureza da linguagem. A interlocutores contaminam a situação de fala
“ação comunicativa”, direcionada para o en­ que, portanto, é marcada por assimetrias.
tendim ento mútuo, está presente em po­ Status, dinheiro, poder ou o domínio do pa­
tencial em cada ato de fala. E a altern a tiva drão culto condicionam, de formas muito
à linguagem (o uso da força) que prescinde sutis, o acolhimento que é dado à interven­
do entendimento mútuo. As características ção de cada um dos falantes e, na aparência,
igualitárias e mesmo emancipatórias da lin­ não agridem as exigências do “livre debate
guagem apareceriam sobretudo no “mun- entre iguais”.
do-da-vida”, isto é, nas relações interpes­ Os problemas da comunicação face a face
soais cotidianas que escapam à mediação do formam apenas um dos muitos flancos do
dinheiro e do poder. O ideal habermasiano, ideal deliberativo. A crítica mais evidente (e,
assim, inspira-se na comunicação face a face por isso, mais explorada na literatura) diz res­
entre indivíduos privados, o que impõe uma peito à impossibilidade prática de efetivação
nova série de problemas. de um debate envolvendo todos os interessa­
E uma comunicação gerada pelo con­ dos, em sociedades extensas e populosas como
vívio entre indivíduos como tais, isto é, que as contemporâneas. É o problema típico das
não se apresentam como representantes ou fantasias de ressurgimento da democracia di­
porta-vozes de grupos específicos. De fato, reta, das quais o deliberacionismo parece, por
em nossa vida cotidiana, embora tenhamos vezes, ser uma vertente. Trata-se de um traço
consciência de que o indivíduo A é negro e o marcante na obra.de Habermas. Ele vê com
indivíduo B é branco, e mesmo que precon­ suspeita todas as formas de mediação, aí in­
ceitos sobre o caráter de negros e brancos in­ cluídos tanto a representação política como
fluenciem nossa atitude, não imaginamos que os meios de comunicação de massa (Peters,
A e B estão “representando” seus grupos ra­ 1993) - e escapa delas mediante dois recur­
ciais, no sentido político do termo, nem es­ sos. Primeiro, a elevada abstração de sua cons­
peramos que pautem suas ações pela promo­ trução teórica, que permite fugir ao enfren-
ção dos interesses de grupo. tamento com limitações (inclusive físicas) das
O problema é que a comunicação face a sociedades reais. Depois, a distinção entre a
face é um modelo impróprio para o enten­ estrutura administrativa (em que são toma­
dimento da política, exatam ente p o r descar­ das as decisões e operam os mecanismos re­
tar a questão da representação. Nas sociedades presentativos) e a esfera pública discursiva,
contemporâneas, com sua complexidade e que é o pólo carregado de positividade e que
dimensões, a representação é ineludível - e aparentemente prescindiria da representação,
é este o fato que torna complexa a constru­ efetivando-se numa multiplicidade de locais
ção de qualquer ordem democrática que su­ e momentos.

15
As respostas dadas por outros teóricos da O problema da escala é uma faceta do ir-
corrente ao desafio da escala da deliberação realismo que contamina boa parte da teoria
também são insatisfatórias.12 Cohen (1997, deliberacionista. Ao postular determinadas
p. 84) diz simplesmente que trabalha num “condições ideais” e trabalhar com elas, obs­
nível de generalidade tal que objeções de táculos do mundo real somem como num
caráter prático não se aplicam. Aqueles que passe de mágica. E o caso, notadamente, da de­
buscaram gerar modelos efetiváveis de demo­ sigualdade material e do controle dos meios
cracia deliberativa postulam, em geral, a re­ de comunicação de massa, canais essenciais do
dução drástica da população a ser abrangida, processo comunicativo nas sociedades con­
muitas vezes por meio do uso de sorteios. O temporâneas (Chambers e Kopstein, 2001,
ideal seria efetivado apenas no microcosmo, p. 858; Dean, 2001, pp. 624 e 628; Schauer,
pequeno o suficiente para evitar a contami­ 1999, p. 23; Miguel, 2000a, pp. 63-64).
nação pela representação política e pela mí­ Outro ponto da crítica diz respeito à
dia - isto é, capaz de se guiar pela comunica­ valorização do consenso. Para os delibera-
ção face a face (Dahl, 1990, pp. 122-125, cionistas, a busca da concordância também
1989, p. 340; Barber, 1984; Fishkin, 1991; é uma característica própria da ação discur­
Burnheim, 1996). Mas se trata da simples siva; conforme diz Carol Gould, “o telos do
transferência da questão, já que o principal discurso, o que caracteriza seu objetivo e seu
problema levantado pela representação (a vin- método, é a concordância. [...] Diversidade
culação entre representantes e representados) pode ser a condição original de um discurso
ressurge na relação entre o povo e sua amos­ polivocal, mas a univocidade é seu princípio
tra aleatória. normativo” (1996, p. 172). Independente­
O mesmo se pode dizer daqueles que res­ mente da avaliação que se faça desta obser­
tringem o espaço da deliberação a fóruns já vação sobre a natureza do discurso, ela repre­
constituídos de representantes. Outras al­ senta um ponto de partida pouco confiável
ternativas incluem privilegiar o aspecto de­ para a compreensão dos embates políticos,
liberativo em detrimento do democrático, que possuem um acentuado caráter agonís-
julgando que o ideal se efetiva na ação de ór­ tico, em que o êxito vale mais do que a har­
gãos como a Suprema Corte dos Estados monia. Sobretudo, desconsidera o fato de que
Unidos ou de “elites capazes e virtuosas” (Bell, os interesses, muitas vezes, falam mais alto
1999); confiar nas novas tecnologias da in­ do que as razões (Schauer, 1999; Shapiro,
formação como ferramentas que transcende­ 1999) - por sinal, um tema recorrente da re­
riam as limitações de espaço que impedem flexão sobre a política, desde a Antigüidade.
a democracia direta;13 ou, aind.a, enfatizar o Nem todos os democratas deliberativos
aspecto “interno” do processo deliberativo, partilham dessa valorização exclusiva do con­
pelo qual cada indivíduo busca considerar senso. Gutmann e Thompson (1996), que
as razões de todos os outros dentro de sua pertencem a uma vertente refratária à in-
mente (Goodin, 2000). Embora engenhosa, • fluência de Habermas, inspirando-se antes
esta última solução compromete o funciona­ em Rawls, julgam que a deliberação reduz a
mento do principal benefício esperado com zona de discordância sobre questões polêmi­
a deliberação coletiva: o contato com argu­ cas, mas não a ponto de eliminá-la, gerando
mentos e perspectivas alheios, o que exige sobretudo respeito mútuo entre os defensores
interação real, não apenas imaginária, com de posições divergentes. John Dryzek (2000,
os outros. p. 170) acredita que a meta é um consenso

16
mitigado, em que todos concordam quanto capital econômico ou cultural - são, uma vez
ao curso de ação a ser seguido, “mas por dife- mais, privilegiados. Mais do que postular a
- ” 14
rentes razoes . superioridade da ação comunicativa e exor­
É diferente a posição de Bernard Manin, cizar a ação estratégica ou, ainda, fantasiar um
que defende a ampla participação na discus­ espaço em que a racionalidade pura dos indi­
são como um método de legitimação, valio­ víduos dialogue consigo mesma até alcançar
so justamente por escapar da exigência (im­ o consenso, é necessário entender que desi­
plícita) de unanimidade presente na vontade gualdades estruturais desequilibram as inte­
geral de Rousseau (e mesmo nas decisões to­ rações entre os diferentes agentes sociais.
madas pela regra da maioria, já que elas per­ E possível identificar três dimensões nas
dem legitimidade à medida que são menos quais se manifestam os vieses da deliberação
unânimes): “uma decisão legítima não repre­ pública, ligados a desigualdades socialmen­
senta a vontade de todos, mas é aquela que te estruturadas quanto a: (1) capacidade de
resulta da deliberação de t o d o f (Manin, 1987, identificação dos próprios interesses; (2) ca­
p. 352). Outros enfatizam que, num contexto pacidade de utilização das ferramentas dis­
de deliberação coletiva, a barganha é um ins­ cursivas; e (3) capacidade de “universaliza­
trumento alternativo à argumentação, e igual­
ção” dos próprios interesses.
mente aceitável (Elster, 1998, p. 6; Gambetta,
O primeiro ponto está ligado ao próprio
1998, p. 19). Isto é, o compromisso é uma
conceito de “interesse”, crucial para o enten­
opção ao consenso.
dimento das práticas políticas e alvo de tan­
Por fim, em vez de promotor da eman­
tas polêmicas. O conceito não encontra so­
cipação, o ideal deliberativo pode se revestir
lução satisfatória em nenhuma das estratégias
de um caráter profundamente conservador.
mais correntes daqueles que tentam defini-
A exigência de consenso, em especial, para­
lo. Não é possível depreender um interesse
lisa a ação política, preservando o statu quo.
Mas a própria deliberação também pode ser “objetivo”, a partir das condições sociais do
paralisante e protelatória. Por exemplo, con­ agente, como quer o marxismo convencio­
vites para que representantes de movimentos nal —sobretudo nas sociedades contemporâ­
sociais participem de fóruns deliberativos neas, onde os cidadãos desempenham múlti­
podem implicar na legitimação de institui­ plos papéis, cujos interesses “óbvios” podem
ções injustas, levar à desmobilização e ao ser contraditórios. Também não é aceitável
abandono de formas de intervenção mais efi­ afirmar um interesse único universal —a ma­
cazes e ser, muitas vezes, uma via de coopta- ximização da própria satisfação, segundo os
ção. Na verdade, o ativismo político - que foi, utilitaristas - ignorando as condições sociais
historicamente, o principal meio de promo­ de geração das preferências. Afinal, tais in­
ção dos interesses dos grupos dominados - teresses não são dados da natureza. Eles são .
com freqüência exige a interrupção do pro­ construídos, num processo que depende tanto
cesso deliberativo e a adoção de medidas ime­ dos recursos cognitivos de que dispõe o su­
diatas (Young, 2001). jeito como de códigos sociais compartilha­
Cabe observar, enfim, que os mecanis­ dos. Por fim, a resposta liberal padrão, mais
mos de deliberação pública também possuem uma vez de raiz utilitarista, segundo a qual
vieses e favorecem o atendimento de deter­ “cada um é o melhor juiz de seus próprios
minado tipo de interesse. Os grupos domi­ interesses”, descarta qualquer possibilidade
nantes —isto é, aqueles que possuem maior de crítica dos constrangimentos cognitivos e

17
da manipulação ideológica a que estão sub­ que ele prevê, nas situações concretas de fala-
metidas as pessoas. a identidade do emissor não é irrelevante
Taís dificuldades não indicam que o me­ para a consideração que é dada a seu dis­
lhor caminho seja descartar a noção de in­ curso. As diferentes posições na sociedade
teresse (como fazem, por outros motivos, conferem diferentes graus de eficácia dis­
algumas concepções deliberativas), mas sim cursiva a seus ocupantes. Pesam, sobretudo,
que é necessário entender os interesses como o reconhecimento social de cada posição e
produ tos sociais. Grupos subalternos ou do­ a capacidade de impor sanções negativas ou
minados têm menor condição de produzir positivas, fatores que estão estreitamente
autonomamente seus próprios interesses associados ao exercício do poder político e
por conta de diversos mecanismos cumula­ econômico.
tivos. Eles são mais suscetíveis às pressões Ainda quando a identidade do falante é
cruzadas, evidenciadas por Offe e Wiesenthal ignorada, a fala carrega marcas que a valori­
(1984 [1972]) para a classe trabalhadora, mas zam ou desvalorizam: prosódia, sintaxe, so­
que estão presentes também para outros gru­ taque; e o mesmo pode ser dito, a fortio ri, da
pos subalternos, dificultando a determinação linguagem escrita (Bickford, 1996, pp. 97­
de um interesse unívoco (em especial o dile­ 98). Trata-se de problema que não recebe res­
ma entre assimilação individual e progresso posta adequada dos teóricos deliberativos;
coletivo). afinal, “preconceito e privilégio não surgem
Além disso, os grupos subalternos têm nos cenários deliberativos como razões más e
menor acesso aos espaços de produção social não são revidados por bons argumentos. Eles
de sentido, em especial (mas não só) o apare­ são demasiado furtivos, invisíveis e pernicio­
lho escolar e a mídia. Isto significa que eles sos” (Sanders, 1997, p. 353). A visão racio-
estão constrangidos a pensar o mundo, em nalista do processo político leva a ignorar ou
grande medida, a partir de códigos empres­ minimizar o carátér de im perm ea bilid ade à
tados, alheios, que refletem mal sua experiên­ discussão racional de boa parte dos obstácu­
cia e suas necessidades. Estreitamente ligado los que impedem a efetivação do seu próprio
a isso há o fato de que eles possuem menor ideal. E infundada a crença de John Dryzek
disponibilidade de tempo e espaços próprios (2000, pp. 169-172) de que “mecanismos
nos quais poderiam pensar seus próprios in­ endógenos” à deliberação racional exorcizam
teresses e construir projetos políticos coleti­ seus inimigos (o discurso intolerante, a aver­
vos. Por fim, os grupos dominados possuem são à diferença, o auto-interesse mesquinho).
uma perspectiva limitada do mundo social, Ela pressupõe que intolerantes, xenófobos,
própria de uma vivência à qual é negada a racistas e egoístas estariam abertos à discus­
possibilidade de participação nas principais são. E pressupõe, também, que tais compor­
tomadas de decisão, tanto políticas como eco­ tamentos nocivos se manifestam sempre em
nômicas, enquanto os dominantes ficam a suas formas extremas, abertas, ostensivas —e,
cavaleiro do restante da sociedade (Bourdieu, portanto, sujeitas à interpelação alheia.
1979, p. 520). O terceiro viés do ideal da democracia
A assimetria é agravada pela inferiori­ deliberativa corresponde a um aspecto espe­
dade dos grupos dominados no manejo efi­ cífico do problema da eficácia discursiva: a
caz das ferramentas discursivas exigidas - o capacidade diferenciada de “universalização”
que corresponde ao segundo viés do ideal dos próprios interesses. Uma das vantagens
democrático-deliberativo. Ao contrário do alegadas do procedimento deliberativo é que

18
obriga ao uso do vocabulário do bem comum. envolvidos e de ausência de desigualdade for­
Não é razoável entrar numa discussão dizen­ mal e de coação - , mas ignora vieses que vi­
do “quero porque é melhor para mim’ , argu­ ciam seus resultados. Da mesma maneira que
mento com pouca possibilidade de gerar a a igualdade formal nas eleições, proclamada
simpatia ou a adesão dos interlocutores. E pela máxima liberal “um homem (ou uma
necessário apelar a normas universais de jus­ mulher), um voto”, não garante paridade de
tiça ou a benefícios coletivos. influência política, o mero acesso de. todos
No entanto, isto não significa, como por à discussão é insuficiente para neutralizar a
vezes os teóricos deliberativos parecem pen­ maior capacidade que os poderosos têm de
sar, que o interesse egoísta está banido. O fato promoverem seus próprios interesses.
de que uma preferência vinculada a benefí­
cios particulares se traduz num discurso uni-
versalista, sem que deixe de ser auto-interes- O Republicanismo Cívico ,
sada, é banal e constatável nos embates políti­
cos cotidianos. A defesa do capitalismo pelos Embora de forma mais sutil do que na
capitalistas, por exemplo, raras vezes é feita vertente liberal-pluralista, também para os
em nome dos privilégios de que usufruem. democratas deliberativos a política aparece
Em geral, apela-se à prosperidade geral, à como uma atividade instrumental.1'’ Ela é um
inovação tecnológica, à criação da abundân­ meio para se alcançar o consenso, talvez seja
cia e de novas oportunidades, enfim, a sub­ indispensável para o cumprimento de certas
produtos da busca do lucro que terminariam funções, mas não é um bem em si mesmo.
por beneficiar a todos. O caráter secundário da política é nega­
Mas os grupos dominados têm menor do por uma longa tradição, que vai exaltar a
capacidade de traduzir seus interesses numa cidade grega e romana como ideal a ser imi­
retórica universalista. Isto se deve, em pri­ tado - um local em que a participação nos
meiro lugar, à premência de suas demandas negócios públicos era tida como o ápice da
específicas, que os faz exigir mudanças ime­ realização humana. Como sintetizou Hannah
diatas, com beneficiários e prejudicados mui­ Arendt (1987 [1957], p. 40), a p olis era a ■
to evidentes, como é o caso das políticas re- esfera da liberdade, enquanto a necessidade
distributivas ou de ação afirmativa. Deve-se, imperava na esfera familiar-econômica, onde
também, ao fato de que os interesses de tais transitavam mulheres e escravos, responsá­
grupos se posicionam contra as visões de veis pelas tarefas de produção (e reprodução)
mundo hegemônicas, e precisam realizar o es­ do mundo material.
forço extra de desnaturalizar categorias so­ O republicanismo traz, assim, a marca
ciais e propor modelos de sociedade alterna­ da revalorização de um elemento presente
tivos. O resultado é que a retórica universal no pensamento político clássico e moderno,
tende a ser monopolizada por alguns grupos, mas que o individualismo liberal descartou.
enquanto outros têm suas preocupações es­ Parte significativa do seu impulso, deriva da
tigmatizadas como “particulares, parciais ou obra de historiadores das idéias, como Quen­
egoístas” (Bickford, 1996, p. 16). tin Skinner (1996 [-1978], 1998) e J. G. A.
Fica claro que o modelo deliberativo pos­ Pocock (1975). Eles foram importantes so­
tula uma forma legítima de produção de de­ bretudo por recolocarem o pensamento de
cisões coletivas —legítima por preencher seus Maquiavel em- relação à sua época (ao lado
próprios critérios, de inclusão de todos os de Guicciardini e outros), em relação aos seus

19
antecessores, os filósofos morais romanos, que percebem a sociedade como mera agre­
como Cícero, Lívio e Salústio, e em relação gação, ou seja, um estabelecimento instru­
àqueles que seriam influenciados por ele nos mental para a realização de interesses priva­
séculos XVII e XVIII, sobretudo nos países dos. Em seu lugar, ele apresenta o projeto de
de língua inglesa, dos dois lados do Atlânti­ uma associação, onde se cria uma verdadeira
co, isto é, radicais ingleses como Harrington identidade coletiva (Rousseau, 1964 [1762],
e M ilton e os promotores da Revolução p. 359). Essa associação não é guiada pela
Americana. busca do bem individual ou pela expressão
O M aquiavel dos D isco r si (1979 de um interesse majoritário, mas pela vonta­
[1513]),16 assim, ocupa uma posição central de geral, a categoria mais complexa do pen­
no republicanismo, ao lado de Jean-Jacques samento de Rousseau. Não é a vontade ma­
Rousseau, que no século XVIII apresentou a nifesta pela maioria, nem mesmo a “vontade
mais importante alternativa à teoria demo­ de todos”, que o autor desdenha como não
crática liberal. Tanto um como o outro se sendo mais do que “uma soma de vontades
encontram no pólo oposto da concepção in­ particulares” (Idem , p. 371). É a vontade do
dividualista e liberal, que localiza o exercício tpdo social, do “eu-comum” que nasce com a
da liberdade na esfera privada, que deve ficar associação.
imune, tanto quanto possível, da interferên­ A vontade geral não é, para o filósofo
cia repressiva do Estado. Eles entendem a li­ genebrino, a resultante do debate público de
berdade como “ausência de dominação”; por­ todos, como acreditam alguns intérpretes que
tanto, ela exige a participação ativa na vida tentam ver nele um “democrata deliberati­
pública. Como diz Skinner, ao defender a vo” (Wokler, 1995, p. 117). A vontade geral
atualidade de tais pensadores, o risco de tira­ possui um caráter metafísico. Gerada no mo­
nia sempre estará presente se não formos ca­ mento do estabelecimento da associação, ela
pazes de dar “prioridade aos nossos deveres permanece sempre pura e certa, ainda quan­
cívicos sobre os nossos direitos individuais” do a coletividade toma decisões erradas. É que
(1992, p . 223). Rousseau a diferencia da deliberação políti­
Ao mesmo tempo, ambos consideram ca, que tem por objetivo id en tifica r (e não
que tal participação deve ser marcada pelo produzir) a vontade geral, podendo ser me­
compromisso com interesses gerais da comu­ nos ou mais feliz no cumprimento da tarefa.
nidade, que estão acima dos interesses pri­ A discussão pública é útil como processo edu­
vados de cada um de seus integrantes. Ma­ cativo dos cidadãos, mas nada cria; a vonta­
quiavel, seguindo os autores clássicos, usa o de geral lhe precede e é superior a ela.
vocabulário da “virtude cívica”. Rousseau está Além disso, a abordagem que Rousseau
mais próximo da expressão contemporânea, faz da comunicação é peculiar. Em seus nu­
o “bem comum”. Num caso como no outro, merosos textos autobiográficos e sobretudo
o substrato é o mesmo, com ciaro' conteúdo no mais importante deles, as Confissões, fica
normativo. A ação política não pode se resu­ patente que uma das experiências decisivas
mir à barganha ou ao compromisso entre em sua formação foi o sentimento^ia opaci­
preferências individuais; ela deve pensar no dade de cada indivíduo em relação ao outro,
benefício da coletividade. que a linguagem era incapaz de superar
A expressão mais elaborada desta posi­ (Rousseau, 1959 [1770]). Já foi demonstra­
ção está na obra madura de Rousseau, em da a importância deste dado para a com­
sua crítica aos autores contratualistas liberais, preensão de sua teoría política (Starobinski,

20
1991 [1971]; Baczko, 1974 [1970]). É pos­ mocrática, sobre a fundamentação da moral
sível dizer que aré mesmo o isolamento qua­ e sobre a constituição do “eu”. Contra o uti­
se perfeito dos indivíduos no estado de na­ litarismo e o individualismo liberal, a cor­
tureza, tal como descrito no Segundo discurso rente afirma o encaixe (em beddedness) do ser
(Rousseau, 1964 [1755]), é a externalização humano no meio social (Maclntyre, 1981;
desta realidade íntima. Diante de tal descon­ Walzer, 1983;Taylor, 1997 [1989]). A iden­
fiança em relação às possibilidades da comu­ tidade pessoal e a concepção do bem dos in­
nicação, fica claro que Rousseau não seria divíduos são geradas na sociedade e só são
capaz de produzir uma teoria deliberativa da inteligíveis dentro desta moldura.
democracia. O alvo é Rawls (1997 [1971]) e, de fato,
Por outro lado, não é difícil traçar uma muito da corrente nasce como uma resposta
genealogia ligando o autor do Contrato tan­ a Uma teoria da ju stiça . Para apresentar sua
to aos republicanistas como aos participa- concepção de. uma sociedade bem ordenada
cionistas, o que será discutido na próxima como sendo aquela a que chegariam indiví­
seção. Dentro do republicanismo cívico, é es­ duos racionais desprovidos de preconceitos,
pecialmente marcante sua vinculação com Rawls cria o artifício da “posição original”.
uma subcorrente específica, o chamado “co- Nela, todos debateriam cobertos pelo “véu
munitarismo”; que valoriza a comunidade da incerteza”, isto é, desconhecendo suas ca­
como fonte de identidade, de valores e do racterísticas particulares - o que inclui desde
bem comum. sexo, orientação sexual e raça até a geração
A fusão que faço aqui, entre republica­ ou a própria concepção do bem. Assim, como
nistas e comunitaristas, não está isenta de meras encarnações de uma mesma Razão
arestas. Michael Walzer (1992), por exem­ universal kantiana, as pessoas deveriam che­
plo, divide diferentes correntes do pensamen­ gar aos dois princípios da justiça que o pen­
to político de acordo com o local que indicam sador estadunidense enuncia em seu tratado.
para a realização da “boa vida”: o mercado, No vocabulário dos comunitaristas, acu­
espaço da escolha e da liberdade, para o libe­ sa-se Rawls (e o liberalismo como um todo)
ralismo; o trabalho criativo, em que se obje­ de trabalhar com um concepção do indiví­
tiva a essência humana, para o marxismo; a duo como “separado” de suas características.
pátria, onde estão presentes os laços “reais”, Quer dizer, não leva em conta que “eu” só
de sangue, para o nacionalismo. E distingue sou “eu” porque tenho certas características,
o republicanismo, que localiza, a “boa vida” inclusive certa “concepção de bem”, que an­
na polis, onde os cidadãos afirmam sua li­ coram minha personalidade. Se as caracte­
berdade pelo ato de debater e decidir, do co- rísticas fossem outras, eu simplesmente não
munitarismo, para quem ela está na socieda­ seria eu: seria uma outra pessoa. Isto não quer
de civil, espaço da solidariedade. Mas creio dizer que o indivíduo não possa se trans­
que existem boas razões para fundir as duas formar, às vezes de forma radical, mas sem­
perspectivas, conforme pretendo demonstrar pre mediante um processo específico, de uma
adiante. . trajetória d e vida determinada. Como diz
A idéia subjacente à valorização da ex­ Maclntyre (1984, pp. 140-141), é preciso ver
periência comunitária é que, sem o sentimen­ o .^^constituído como parte de uma história
to de pertencimento a uma coletividade, ne­ de vida, situado numa trajetória, em relação
nhuma sociedade pode subsistir - o que aos outros, com suas outras trajetórias. E
combina discussões sobre a organização de­ Rawls, em suma, levaria às últimas conse­
qüências uma característica de todcro li­ da coletividade. Sandel afirma que os ativis­
beralismo, que considera o indivíduo uma tas dos direitos civis têm direitos porque pro­
abstração. movem uma sociedade melhor, ao contrário
A vertente comunitarista parece flertar, dos neonazistas. •
muitas vezes, com o discurso da direita mais Em última análise, porém, os direitos
tradicional, que enfatiza a necessidade de pro­ concedidos aos indivíduos seriam aqueles vin­
teger determinados “valores” (em geral fami­ culados aos valores compartilhados pela co­
liares e religiosos) contra os riscos do indivi­ munidade, que delimitaria os parâmetros da
dualismo. A obra.de Christopher Lasch, em diferença legítima —já que não há outro juiz
particular, exemplifica tal posição —num au­ para determinar quais fins são moralmente
tor que se considerava à esquerda no espec­ bons e quais são nefastos. Nas sociedades con­
tro político estadunidense. Ao lado da defesa temporâneas, marcadas pela pluralidade de
de uma concepção tradicional de família estilos de vida, de valores, de culturas, é difí­
(Lasch, 1991 [1978]), aparecem os vilões que cil imaginar que um tal consenso ou quase-
destroem as comunidades, uma lista que in­ consenso seja possível (ou mesmo desejável).
clui em primeiro lugar o mercado, mas tam­ Diante do desafio do m ulticulturalismo,
bém o feminismo, o declínio da autoridade Sandel (1994, p. 7) sustenta que a intolerân­
na escola e até a dessegregação racial n©s bair­ cia nasce do abandono das tradições e da per­
ros. Com isso, estariam sendo destruídas a da de raízes. Ou seja, a comunidade seria a
família, a vizinhança, a igreja e a escola, isto solução, não o problema. Mas isso é mais
é, as instituições que fornecem a “disciplina w ishful think ing do que uma conclusão sus­
formadora de caráter” e também o sentimento tentada em evidências.
de comunidade (Lasch, 1995, p. 117).r Por outro lado, como ainda observa San­
Mas os autores mais interessantes da cor­ del (1994, 1998), a solução de Rawls (e dos
rente se preocupam em assegurar que não liberais em geral) é buscar a “neutralidade”
negam os direitos individuais, nem julgam quanto a valores e concepções do bem. Mas
que. as minorias devem se curvar aos valores tolerância, liberdade e equanimidade são va­
da maioria. Michael Sandel (1998, pp. ix- lores também, e não podem ser defendidos
xvi), em especial, explica que o que ele com­ com a pretensão liberal de isenção de valo­
bate é a visão liberal de que os indivíduos res. A questão do aborto é o melhor exemplo
possuem direitos a p rio ri, independentemen­ de uma discussão ética em que fica claro que
te de sua concepção de bem. Para ele, trata- direito e valores não podem ser considerados
se do inverso: um direito é reconhecido como separadamente. -
tal quando serve a algum fim moralmente im­ Mais do que apresentar uma construção
portante. Essa regra ajuda a resolver alguns teórica que supere o liberalismo e, assim, aju­
casos espinhosos para a concepção liberal de de a construir uma teoria aprimorada da de­
justiça; permite, por exemplo, que se conce­ mocracia, o comunitarismo é útil para assi­
da liberdade de manifestação para ativistas nalar as aporias do pensamento liberal. O tom
pelos direitos civis dos negros, mas não para retrógrado que tinge suas abordagens tam­
neonazistas. Um liberal diria que todos pre­ bém reduz sua utilidade para o enfrentamen-
cisariam ter direitos iguais, independente­ to dos desafios da ordem política contem­
mente de seus objetivos. Um comunitarista porânea. Segundo Gorz, um crítico desta cor­
estrito observaria que somente teriam direi­ rente, há “a nostalgia de um mundo simples,
tos os que comungam nos ideais da maioria transparente, pré-moderno, no qual a socie-

22
dade funcionaria à maneira de uma comu­ tervenção corretiva do Estado, a comunidade
nidade originária' (1997, pp. 190-191; ver pode ser um viveiro da desigualdade e da pre­
também Mouffe, 1992). A aproximação com cariedade das condições materiais. O resul­
Rousseau, desta vez com o romantismo do tado é, muitas vezes, a tutela da comunidade
filósofo genebrino, mais uma vez é possível. por um “poderoso”, çomo revelam os esque­
Um dos alvos da vertente comunitarista mas políticos clientelistas e neoclientelistas.
é o Estado de bem-estâr social; de fato, a co­ Para quem está na periferia do capitalis­
munidade, entendida como o terreno da “so­ mo, fica claro que a crítica do Estado de bem-
lidariedade concreta”, opõe-se tanto ao neo- estar social exige antes a existência de um.
liberalismo como à intervenção estatal. O Não há dúvida de que a intervenção estatal
mercado promove o egoísmo e rompe a soli­ permanente desorganiza redes comunitárias,
dariedade social, mas o Estado de bem-estar induz à passividade, faz com que o sentimento
promove a passividade, rompe com o senti­ de responsabilidade mútua, que existe entre
do de responsabilidade social, substitui a so­ pessoas que vivem-em comum, seja substi­
lidariedade horizontal pela assistência verti­ tuído pela dependência em relação à insti­
cal e burocratizada. tuição protetora. Aliás, tudo isso já está em
Lasch (1995) extrai um exemplo eluci­ Tocqueville. Mas será que a “comunidade” é
dativo do livro clássico de Jane Jacobs (1993 a solução?.A interação “quente” entre mu­
[1961], p. 108) contra o planejamento ur­ lheres das favelas brasileiras, que cuidam dos
bano modernista - livro que, aliás, se tornou filhos umas das outras devido à ausência de
uma das grandes fontes de inspiração dessa atendimento pré-escõlar, pode ser vista sim­
corrente. Uma criança atravessa a rua sem paticamente como uma demonstração de so­
olhar para os lados e leva uma bronca do pi- lidariedade comunitária. Mas não seria me­
poqueiro da esquina. Muito mais importan­ lhor garantir a todas o atendimento “frio”
te do que a regra de segurança no trânsito, o proporcionado por uma creche sustentada
pipoqueiro está ensinando à criança uma li­ pelo Estado e operada por seus funcionários?
ção subjacente, pelo simples fato de ralhar com Aliás, o exemplo mostra também que a críti­
ela: as pessoas são responsáveis umas pelas ca ao Estado de bem-estar, que não é exclusi­
outras, sem que.sejam formalmente encarre­ vidade dos comunitaristas, possui um viés de
gadas disso. Tal lição é im possível de ser dada gênero: ela costuma ignorar o fato de que o
pelo Estado de bem-estar. Uma babá ou assis­ peso da “solidariedade comunitária” recai
tente social que ficasse plantada na rua cuidan­ quase todo sobre as mulheres (Fraser, 1989).
do dos moleques não poderia transmiti-la, já Em suma, a crítica comunitária oscila
que a força reside na gratuidade do gesto. . entre dois pólos: ou condena o liberalismo
Portanto, o sentimento de comunidade pela atomização do indivíduo, como faz
promoveria a cooperação entre seus integran­ Lasch, ou aponta como incorreta a visão li­
tes por meio de interações “quentes” e não- beral de uma sociedade de indivíduos atomi-
burocratizadas. E algo muitíssimo compli­ zados, mostrando a permanência e a impor­
cado, pois insinua que os serviços públicos tância dos laços comunitários, como fazem
podem ser dissolvidos nestas formas de coope­ os críticos de Rawls. Há, é claro, uma im­
ração —e, de fato, uma tintura comunitarista possibilidade lógica de que ambas as críticas
costuma aparecer em certos discursos de des­ sejam consideradas integralmente corretas.
monte do Estado, sobretudo na exaltação do Tanto quanto a teoria deliberacionista,
mítico “terceiro setor”. Mas, na ausência de in­ a democracia republicana se situa, em pri­

23
meiro lugar, no plano normativo. A política na” é comunitário, mas “compatível com for­
d eve perseguir o bem comum, o que ecoa o mas pluralistas modernas de sociedade”, e
Maquiavel dos Discorsi, sem dúvida o “he­ valoriza a participação, não como bem em si
rói” desta corrente. Em O prín cip e, por sua mesma, mas por ser necessária para o gozo
vez, somos constantemente lembrados daqui­ da liberdade como não-dominação. No en­
lo que a política é. Mesmo sob risco de sim­ tanto, muitas dessas distinções parecem ser
plificação excessiva, é possível dizer que a oobretudo retóricas. O apelo à participação
ponte que uniria os dois extremos —da reali­ cívica e à busca do bem comum tem pouca
dade ao dever ser —seria o reavivamento do substância se não se explica em que se emba-
sentido de comunidade, com a reafirmação saria tal civismo, ou seja, em que se fundaria
dos laços de solidariedade e identidade que o “‘comum’ do bem ”. A resposta estaria, pois,
ligam o indivíduo a seu grupo. na história, na cultura e nas tradições com­
Com a valorização da esfera pública, a partilhadas, na sensação de pertencimento em
concepção democrática republicana apresenta comum, na identidade construída; numa pa­
um campo mais fértil para o reconhecimen­ lavra, na comunidade.
to da importância da comunicação no pro­
cesso político. No entanto, também os auto­
res desta corrente tendem a ignorá-los. Em A Democracia Participativa
primeiro lugar, há a idéia de que a vontade
geral (ou o bem comum) é preexistente, algo Um dos problemas mais evidentes dos
que Rousseau afirma de forma explícita e regimes eleitorais, para quem busca resgatar
que está presente também entre os cornuni- o sentido ideal da democracia, é a baixa par­
taristas. Ao exaltarem o consenso social e os ticipação da maior parte dos cidadãos e das
valores compartilhados na comunidade, eles cidadãs na condução dos negócios políticos.
ignoram o fato de que não se trata de cons­ Embora a influência difusa da “opinião pú­
truções neutras, mas construções vinculadas blica” possa se fazer sentir nas decisões go­
a interesses de determinadas camadas; a pro­ vernamentais, é apenas esporadicamente, no
teção e o desafio a tal consenso fazem parte momento das eleições, que o povo comum
da luta pela hegemonia na sociedade. dispõe de poder efetivo. Os democratas par­
Com isso, ocorre uma redução da esfera ticipativos focam essa questão e propõem al­
da comunicação que é semelhante à promovi­ ternativas, que incrementem a presença po­
da pelos teóricos da democracia liberal. Tanto pular na política.
num caso como no outro, não há espaço para Mais do que qualquer outra das corren­
a construção coletiva das preferências. A co­ tes críticas aqui estudadas, a teoria da demo­
municação é, antes de tudo, informação - cracia participativa —que floresceu sobretu­
embora, para a vertente republicana, ela tam­ do nas décadas de 1960 e 1970 - se aproxima
bém possa desempenhar um papel significa­ de um modelo institucional a ser implemen­
tivo como parte de um processo educativo. tado. Deliberacionistas e republicanistas, co­
Cumpre assinalar, por fim, que nem toda mo visto, apresentam sobretudo normas gerais
a concepção republicana adota necessaria­ e critérios de apreciação dos sistemas políti­
mente uma posição comunitarista. Pelo con­ cos existentes, mas pouco avançam no dese­
trário, alguns autores preferem demarcar sua nho de instituições que pudessem efetivar seus
diferença. Pettit (1997, p. 8), por exemplo, ideais. Em menor medida, esse é também o
afirma que seu ideal de “liberdade republica­ caso dos multiculturalistas. Já os que defen­

24
dem a concepção de democracia participa­ universal. Chamado a tomar parte no pro­
tiva indicam, com razoável nitidez, que tipo cesso decisório, graças a seu direito de voto,
de ordenamento político deveria ser adota­ o cidadão ou a cidadã comuns teriam incen­
do para se alcançar uma democracia digna de tivos para ampliar seu conhecimento do mun­
seu nome. do social, escapando dos estreitos limites de
Em primeiro lugar, é necessário assina­ sua vida pessoal e de seu trabalho específico.
lar que —ao contrário do que afirmam al­ O resultado se faria sentir não apenas na po­
guns de seus críticos, como Sartori (1994 lítica, mas em todas as esferas da sociedade:
[1987]) - os participacionistas não vislum­ pessoas com horizontes mais amplos seriam
bram o retorno da democracia direta. O ar­ melhores profissionais. A introdução do su­
ranjo institucional que propõem, bem mais frágio universal, no entanto, logo destruiu
complexo, aponta para a possibilidade de as ilusões alimentadas pelo filósofo inglês.
aprimoramento da representação por meio O direito de voto mostrou-se um incentivo
da qualificação política dos cidadãos e das demasiado frágil para a qualificação cidadã,
cidadãs comuns. dado o intervalo entre as eleições e, em es­
Ao contrário dos comunitaristas, eles não pecial, o peso ínfimo de cada decisão indi­
vêem uma “comunidade” já formada, mas vidual para o resultado geral.
tampouco recaem na atomização social típi­ Os participacionistas entendem, assim,
ca da perspectiva liberal. A democracia vai que, para se alcançar a cidadania competen­
ser percebida e valorizada como um processo te almejada por Stuart Mill, é necessário am­
ed u ca tivo; por isso, mais ainda do que qual­ pliar os incentivos —isto é, as possibilidades
quer outra, a corrente participacionista rei­ de participação. Como o problema de escala
vindica Rousseau e John Stuart M ill como se revelou crucial (quanto mais pessoas in­
seus precursores intelectuais. cluídas, menor o peso da presença de cada
Na obra de Rousseau, é central a visão uma), um passo decisivo seria reduzir o âm­
de que a participação política possui um ca­ bito das decisões políticas, de forma a permi­
ráter eminentemente educativo. Participan­ tir a participação direta de todos os envol­
do da busca pela vontade geral, cada cidadão vidos. Rousseau pode ser incluído, mais uma
se aprimora na arte de identificá-la; há aí uma vez, entre os inspiradores dessa corrente. Se­
aproximação com a defesa da democracia na guindo o pensamento político antigo e, em
Grécia antiga, quando se argumentava que a especial, Montesquieu (1951 [1748], p. 362),
virtude cívica era fruto de um aprendizado ele considerava que a democracia só seria
prático (ver Wood, 1995, pp. 193-194). A possível em pequenas cidades-Estado.
glorificação da ampla participação política, Já os participacionistas contemporâneos,
com destaque para seu caráter educativo, ga­ que não advogam a redução do tamanho dos
nhou nova versão na obra de Stuart Mill (1995 Estados nacionais, se insurgem contra a rí­
.[1861]). Não se trata mais de descobrir uma gida separação entre Estado e sociedade civil
vontade geral, mas de ampliar os horizontes e advogam a implantação de mecanismos
dos cidadãos comuns, de outra forma limi­ democráticos nos espaços da vida cotidia­
tados por seu ambiente imediato. Da par­ na, notadamente bairros, escolas, locais de
ticipação política nasceriam indivíduos mais trabalho e famílias. Como afirmou Bobbio
capazes e competentes. (1987 [1984]), já foi resolvido o problema
Stuart M ill julgava que o grande meca­ de quem vota, com o sufrágio universal; falta
nismo da participação política era o sufrágio enfrentar o problema de on d e s t vota.18 Mais

25
próximos dos cidadãos, estes novos espaços a raiz da desigualdade de riqueza; por ou­
de decisão democrática promoveriam a par­ tro, a propriedade implica necessariamente
ticipação política. o controle sobre o processo produtivo, blo­
Mas é difícil imaginar um mundo em que queando a efetividade da participação dos tra­
todas as decisões mais importantes seriam balhadores. Se as decisões cruciais sobre in­
tomadas em fóruns pequenos e próximos dos vestimento, lucro e salário permanecem nas
cidadãos. Mesmo se regredirmos para peque­ mãos dos capitalistas, qualquer introdução
nas economias autárquicas, o que está longe de mecanismos democráticos-na empresa se­
de ser desejável, a gama de questões que não rá limitada e, em última análise, contribuirá
podem ser resolvidas em plano local é imen­ mais para legitimar a exploração do traba­
sa:19 trocas entre as comunidades, comuni­ lho. Assim, os teóricos participacionistas são
cações, transportes, epidemias, poluição etc. levados a afirmar, ainda que de forma im­
Assim, a participação na base precisará, neces­ plícita, a incompatibilidade do aprofunda­
sariamente, ser combinada com uma estru­ mento da democracia com a manutenção do
tura representativa piramidal; um dos efeitos capitalismo.
benéficos esperados do incremento partici- O modelo de planejamento centraliza­
patório é, aliás, a ampliação da capacidade do, típico dos países do “socialismo real ', tam­
de controle sobre os representantes. bém é contra-indicado, pois se amplia a
Há um ponto adicional, em que a in­ igualdade material, oferece, em contraparti­
fluência de Rousseau também é detectável: a da, pouco espaço para a participação efetiva
sensibilidade para as desigualdades concretas dos trabalhadores na tomada de decisões co­
que existem na sociedade e o reconhecimen­ tidianas. Mesmo que o plano econômico fosse
to de que elas interferem na esfera política. a resultante de gestões democráticas, uma vez
Com os participacionistas, o mundo material adotado apareceria como uma imposição ex­
faz-se presente na teoria política. Por isso, o terior (Gorz, 1988, pp. 56-61). A lógica da
problema da relação entre democracia e capi­ participação ampliada exige descentralização
talismo é central aqui, ao passo que é negado do poder. Assim, em geral os participacionis­
no pluralismo liberal (o mercado competiti­ tas inclinam-se para propostas de economia
vo é visto como fragmentador do poder, por­ autogestionária, que não excluem o merca­
tanto benéfico para a democracia), abstraído do, mas dão aos trabalhadores a administra­
no deliberacionismo e, no republicanismo, ção de cada empresa.
sublimado na questão dos efeitos nocivos, do Uma defesa abrangente das vantagens
comportamento egoísta que a economia ca­ p o lítica s da autogestão é apresentada por
pitalista exige. A democracia participativa, Robert Dahl (1990 [1985]), no livro em que
pelo contrário, traz à tona a constatação que alcança a distância máxima em relação a seu
já fazia Rousseau (1964 [1762]): é impossí­ liberalismo anterior. Contudo, os autores
vel manter a igualdade política em condições mais representativos da corrente participa-
de extrema desigualdade material, quando cionista foram a inglesa Carole Pateman.e o
uns são tão pobres que precisam se vender, canadense C. B. Macpherson —o verbo está
outros são tão ricos que podem comprá-los. no passado porque Macpherson faleceu e
Os dois pontos —a necessidade da práti­ Pateman há muito anos se dedica exclusiva­
ca cotidiana da democracia e a busca da igual­ mente à teoria feminista. O ponto de partida
dade material —convergem na discussão so­ da discussão, para ambos, é pensar se a de­
bre a propriedade privada. Por um lado, ela é mocracia precisa ficar limitada a uma com-

26
petição entre elites. Uma vez dada a resposta qualificação da cidadania. Uma proposta si­
negativa, cumpre analisar p o r que, historica­ milar é indicada pelo últim o Poulantzas
mente, isto aconteceu. A resposta, também (1985 [1978]).
para os dois, é que isto ocorreu devido ao ca­ Macpherson aponta que, para vigorar, o
samento instável entre mercado capitalista e modelo participativo exige não apenas uma
democracia m udança d e m entalidade, eliminando a ana­
O modelo esboçado por Pateman (1992 logia da política com o mercado e a autovi-
[1970]) enfatiza a introdução de instrumen­ são do eleitor como consumidor, mas tam­
tos de gestão democráticos na esfera da vida bém a redução das desigualdades econômicas,
cotidiana, sobretudo nos locais de trabalho que levam à disparidade de influência polí­
(a chamada “democracia industrial”, que exi­ tica. Como se pode observar, há um círculo
ge formas de autogestão). Com isso, haveria vicioso entre as. duas premissas, qual seja, as
tanto uma ampliação significativa do contro­ desigualdades promovem a apatia do elei­
le da própria vida, como do entendimento torado, de um lado, a apatia impede uma
sobre o funcionamento da política e da so­ participação no sentido de diminuir as de­
ciedade, o que permitiria maior capacidade sigualdades, de outro. Escrevendo em mea­
de interlocução com seus representantes e dos da década de 1970, Macpherson julgava
maior fiscalização destes. Em outras palavras, que esse círculo tinha pontos fracos, o que
a a ccou ntab ility (responsividade do represen­ lhe dava esperança quanto à possibilidade de
tante perante os representados), que na demo­ haver uma ruptura; hoje, talvez, não fôsse­
cracia eleitoral tende a funcionar precaria­ mos tão otimistas.
mente, seria aprimorada com o treinamento A corrente participacionista não con­
oferecido pela participação na base. A com­ testa o fato de que a maioria das pessoas, na
preensão deste vínculo entre os níveis micro maior parte do tempo, é apática, desinfor-
e macro, que recupera o caráter educativo da mada e desinteressada, mas ressalta que, em
atividade política apontado por Rousseau e p o ten cia l, todos temos condições para en­
Stuart M ill, entre outros, é essencial para que tender e ter um papel ativo na discussão e na
o modelo participativo ganhe sentido. gestão dos negócios públicos. Rompe-se com
Fica claro que a participação na base tem, a idéia, presente de forma aberta ou oculta
erítre suas funções, a de ser um meio para o na teoria democrática liberal, de que agir po­
aprimoramento das instituições representa­ liticamente é um dom da “elite”. Ainda as­
tivas. O modelo sugerido por Macpherson sim, ao julgar que a apatia seja somente um
(1978 [1977]) também julga que a amplia­ efeito da ausência de oportunidades e do de-
ção das oportunidades de participação gera­ sestímulo estrutural, a aposta na disposição
ria um salto na qualidade da representação. das pessoas para o envolvimento político é
Ele dá ênfase menos à democracia industrial talvez excessiva. -
do que a instituições de tipo soviético, isto é, Estudos sobre processos de tomada de
comitês a um só tempo deliberativos e exe­ decisão em nível local revelaram certas des-
cutivos, Com a participação de todos, para funcionalidades, bem como a permanência
gerir o cotidiano no bairro, no trabalho, na de desigualdades, que a teoria em geral igno­
escola etc. Além disso, administrando as es­ rava. Em especial, as relações interpessoais no
truturas maiores da sociedade, permanece­ ambiente de participação democrática inibem
riam os mecanismos da democracia liberal, a expressão de discordâncias; por outro lado,
só que providos de mais conteúdo, graças à o poder de quem faz a agenda de deliberação

27
permanece inconteste (Mansbridge, 1983). claro, mas a teoria pressupõe que a experiên­
Ademais, o entusiasmo com experiências de cia na gestão direta de poder na base amplia
autogestão, sobretudo as da antiga Iugoslá­ a capacidade de compreensão acerca da polí­
via, recuou à medida que se obtiveram dados tica em geral e de escolha dos representantes.
mais acurados sobre seu real funcionamento Fica claro que a participação do orça­
(Pateman, 1989). mento participativo está muito mais ligada
A partir do começo dos anos 1980, a teo­ ao sentido fraco do que ao sentido forte da
ria participativa da democracia perde fôlego palavra. Embora ocorram variações de local
no debate acadêmico. No Brasil, no entanto, para local e ao longo do tempo, trata-se tipi­
vai ganhar força, associada sobretudo às ex­ camente de uma estrutura delegativa pirami­
periências de “orçamento participativo” mu­ dal. A princípio, todos os moradores têm a
nicipal, consideradas as mais exitosas inova­ possibilidade de participar das discussões em
ções na gestão do poder local. Tal associação assembleias de base (embora apenas uma
reside, a meu ver, num equívoco de interpre­ minoria o faça), que culminam com a elei­
tação. Não se trata de negar a importância ção de uma lista de prioridades e de um nú­
de várias iniciativas de orçamento participa­ mero de delegados. Esses delegados, por sua
tivo na renovação de práticas políticas locais, vez, escolhem outros, num processo que ter­
na ruptura com esquemas clientelistas crista­ mina por produzir um “conselho” com po­
lizados e na abertura das instâncias decisó­ deres para negociar, amalgamar e substituir
rias aos movimentos populares urbanos. Mas as prioridades votadas. É o conselho que, no
é necessário perceber que o orçamento parti­ final das contas, elabora a proposta orça­
cipativo não é um instrum ento d e dem ocracia mentária - na verdade, um adendo à pro­
participativa. Vale analisar, ainda que breve­ posta orçamentária, já que o grosso dos re­
mente, o sentido da “participação política”. cursos públicos pertence a rubricas fixas e não
Por um lado, qualquer forma de engajamen­ passa pelo conselho de representantes da base.
to na.esfera política pode ser considerada uma Em todo o processo, a participação popular
participação; é a percepção que orienta a cons­ consiste sobretudo na escolha de delegados;
trução dos “índices de participação”, que pas­ nesse sentido, não é qualitativamente dife­
sam pelo voto, da presença em comícios, pela rente da participação eleitoral. As experiên­
contribuição financeira a partidos e candi­ cias de orçamento participativo promovem,
datos, pela discussão de temas políticos etc. assim, uma duplicação d e instâncias represen­
No seu modelo de democratização, Dahl tativas, sem a transferência de poder decisó­
(1971) apresenta a “participação” como uma rio real para os cidadãos comuns. E trata-se
das dimensões relevantes a ser considerada, de uma representação complexa, em vários
mas, como já visto, o termo, para ele, indica níveis, não só por causa da estrutura pirami­
apenas a expansão do direito de voto. Por dal de escolha de delegados, mas também
outro lado, a “participação” pregada pelos porque é necessário entender os participan­
teóricos da democracia participativa está vin­ tes das assembléias de base como represen­
culada a um sentido mais forte da palavra — tantes da população mais ampla, que na sua
significa o acesso a locais de tomada final de maioria não comparece.2()
decisão, isto é, implica a transferência de al­ A definição do orçamento participativo
guma capacidade decisória efetiva do topo como forma de política representativa reco­
para a base. Parte importante das decisões loca a democracia participativa em seus de­
ainda seria tomada por delegados eleitos, é vidos termos. Na medida em que engloba

28
necessariamente a transferência de capaci­ um rótulo que evita a discussão de fundo so­
dade decisória para os cidadãos comuns den­ bre racismo, sexismo, homofobia e outras
tro de espaços da vida cotidiana, ela não tem formas de discriminação negativa por vezes
como se esquivar do problema da reorgani­ “invisíveis” no mundo social. ■■
zação das relações de produção. Isto é, um Na arena especificamente política, o
ordenamento democrático participativo per­ multiculturalismo assume a forma da “polí­
manece incompatível com a manutenção do tica da diferença”, para usar parte do título
capitalismo. de um importante livro de íris iMarion Young
(1990). O deslocamento essencial que a po­
lítica da diferença faz, em relação ao libera­
O Multiculturalismo lismo dominante, é a inclusão à os gru p os so­
ciais numa reflexão política que, marcada pelo
O ponto de partida do multiculturalis­ individualismo, tende a exilá-los. Um grupo
mo —corrente de pensamento crítico que social não é simplesmente uma coleção de
floresceu nas últimas décadas, sobretudo no indivíduos, determinada de forma arbitrária;
ambiente acadêmico estadunidense —é a ele se define por um sentido de identidade
constatação de que as sociedades contempo­ compartilhada. Em suma, as pessoas podem
râneas são e serão, cada vez mais, marcadas formar associações, mas os “grupos, por outro
pela convivência entre grupos de pessoas com lado, constituem os indivíduos” (.Idem , p. 45).
estilos de vida e valores diferentes, por vezes Embora a filosofia liberal clássica não
conflitantes: A rigor, vivemos o prolongamen­ negue, em abstrato, a possibilidade de um
to de uma situação que se constituiu no prin­ interesse de grupo (que sempre será redutível
cípio da era moderna, quando os desdobra­ aos interesses de seus integrantes),, ela nega
mentos da. Reforma protestante sepultaram que os grupos possam ter direitos - o único
a possibilidade de efetivação da velha divisa: sujeito de direito é o indivíduo. Tal indivi­
“une foi, une loi, un roi’’ (uma fé, uma lei, dualismo é um traço constitütivo do liberalis­
um rei). mo desde seus primórdios. Quando Hobbes
O problema que se apresenta é a manu­ (1980 [(1651)) e Locke (1998 [1690]), por
tenção de uma mesma lei e de um mesmo rei exemplo, formulam suas teorias do contrato
para súditos' que professam diferentes fés; social, no século XVII, também delineiam
dito de uma forma atualizada, como garantir uma imagem atomística da sociedade. Seu
a unidade política e a igualdade de direitos fundamento é o bem individual, sem consi­
para cidadãos cujas origens, crenças e valores deração pela comunidade (termo, aliás, des­
fundamentais são tão diversos. De acordo provido de sentido para os dois autores). O
com o diagnóstico dos autores multicultura- único móvel para a constituição da socieda­
listas, existem muitos vieses nas sociedades de política é a vantagem pessoal —a preserva­
contemporâneas, que fazem com que idéias ção da vida, no caso de Hobbes, ou da pro­
e valores de determinados grupos sejam des­ priedade, no caso de Locke, ambas ameaçadas
qualificados de forma sistemática. A preo­ pela ausência de poder coercitivo imperante
cupação voltou-se, em grande medida, para no estado de natureza.
a denúncia dos preconceitos ocultos na lin­ Com Hobbes, há um desvio na direção
guagem, na mídia e no sistema educacional. do absolutismo. Em Locke, porém, a doutri­
Os exageros dessa denúncia foram folclori- na liberal ganha uma expressão inicial bas­
zados na fórmula do “politicamente correto”, tante satisfatória, isto é, o filósofo inglês de-

29
lineou com precisão as linhas mestras que representação mais efetiva. Além disso, acres­
guiaram o liberalismo político pelos séculos centa W illiams, a força moral da reivindi­
seguintes. O pressuposto indispensável é a cação está vinculada aos processos históricos
existência de direitos individuais, em geral que levaram à exclusão: “Os grupos em mais
considerados naturais (jusnaturalismo), que profunda desvantagem na sociedade contem­
restringem o âmbito do poder estatal (Bob­ porânea também foram sujeitos à exclusão
bio, 1988 [1986], p. 17). A idéia de direito legal da cidadania e à discriminação patro­
individual passa a ser a marca do Estado li­ cinada pelo Estado” (Id em , p. 17). Trata-se
beral. Nesse sistema de pensamento, é difícil de um critério que inclui trabalhadores, mu­
abrir espaço para a idéia de “direitos coleti­ lheres, minorias étnicas e homossexuais, pelo
vos” (salvo quando são entendidos como a menos.
mera agregação de direitos de diferentes in­ As propostas de mecanismos reparado­
divíduos). Basta observar a tensão permanen­ res, que incluam tais grupos na arena políti­
te entre o chamado “direito de autodeter­ ca, passam por formas específicas de finan­
minação dos povos”, um direito coletivo por
ciamento e apoio à auto-organização, por
excelência, e os direitos humanos individuais.
cotas eleitorais, partidárias ou parlamentares,
O multiculturalismo, portanto, opõe-se a
e mesmo, como propôs Young (1990, p. 184),
essa premissa do pensamento liberal, afirman­
pela fixação de p o d er d e veto sobre políticas
do a relevância e a legitimidade dos grupos
que os afetem.21
na arena política. Dentre os diversos gru­
A preocupação inicial dessa corrente,
pos identitários presentes na sociedade, alguns
convém salientar, é menos com uma teoria
estão em posição de desvantagem estrutural,
da democracia e mais com uma teoria da jus­
sendo sistematicamente oprimidos e domi­
nados - para Young (1990, p. 38), o termo tiça. A democracia é, de certa forma, deriva­
opressão refere-se aos processos institucionais da, como o arranjo político mais propício à
que impedem as pessoas de desenvolver suas realização da justiça. Vale introduzir aqui, pela
capacidades, ao passo que a dom inação de­ clareza expositiva, o esquema de Nancy Fra­
signa as condições institucionais que impe­ ser (1997, 2003), que aponta dois eixos para
dem as pessoas de participar na determina­ a realização da justiça: redistribuição (para al­
ção de suas ações. São esses grupos, oprimidos cançar maior igualdade material entre gru­
e dominados, que precisam ser protegidos por pos e indivíduos) e recon hecim en to (garan­
direitos que lhes garantam, entre outras coi­ tindo a todos os grupos o mesmo grau de
sas, um acesso efetivo aos espaços de repre­ respeito social). Os grupos subalternos ca­
sentação política. recem de redistribuição, de reconhecimento
Vale introduzir a contribuição de Melis­ ou, como é mais freqüente, de alguma combi­
sa Williams (1998, pp. 15-16), que define nação entre ambos. A perspectiva de Fraser,
os “grupos marginalizados imputados” como que gerou enorme polêmica com pensadores
sendo aqueles que sofrem com padrões de em posições próximas, como Butler (1998),
desigualdade estruturados de acordo com o Young (1997) ou ainda Feldman (2002), afir­
pertencimento de grupo, o qual não é expe­ ma tanto a estreita interdependência entre re­
rimentado Como voluntário, nem como mu­ distribuição e reconhecimento, como sua ir-
tável, e quando a cultura dominante atribui redutibilidade mútua. Opõe-se, assim, tanto
um sentido negativo à identidade dò grupo. ao .marxismo clássico, que tende a julgar que
São esses os grupos que podem reivindicar o reconhecimento deriva da redistribuição,

30
como à teoria de Axel Honneth (2003), que Afinal, os grupos não são apenas oprimidos
faz o movimento inverso. e dominados pela sociedade; eles também po­
Entre os problemás que a perspectiva da dem oprimir e dominar parte de seus inte­
política da diferença apresenta, três são espe­ grantes. Este ponto é destacado pela teórica
cialmente relevantes. O primeiro diz respei­ feminista Susan Moller€)kin (1999), em tex­
to à determinação dos grupos que merecem to que, tendo por alvo principal ô filósofo
os direitos compensatórios. Afinal, é possível canadense W ill Kymlicka (1995), discute a
pensar que os setores mais necessitados de relação entre o multiculturalismo e os direi­
proteção especial seriam aqueles cuja impo­ tos das mulheres. Não é uma questão de in­
tência política é tão grande que são incapa­ teresse apenas acadêmico; de fato, nos países
zes até mesmo de colocar em pauta sua pró­ capitalistas avançados, parte dos grupos cul­
pria privação. Não há uma solução “técnica” turalmente dominados mantém atitudes ex­
para a questão, que é política, mas um es­ tremamente repressivas em relação às mu­
boço de resposta, já visto acima, é dado por lheres. Okin afirma, então, que a ênfase nos
Young e Williams: são grupos que estão numa direitos das minorias culturais prejudica as
posição, historicamente constituída, de opres­ mulheres, retirando delas o apoio contra a
são e dominação. opressão que podiam encontrar num padrão,
O segundo problema é a relação da dife­ cultural dominante menos machista. A res­
rença com a igualdade. A posição progres­ posta de Kymlicka (1999) é incorporar “res­
sista “clássica”, que empunhava a bandeira trições internas” aos direitos de grupo, restri­
da igualdade, transforma-se na descoberta das ções ligadas à manutenção das liberdades e
vantagens da diferença. Como demonstrou dos direitos individuais. Mas as liberdades
Pierucci (1999), trata-se de um deslocamen­ e os direitos individuais não são decorrentes
to repleto de “ciladas”, uma vez que a afir­ da natureza, e sim construídos a partir de um
mação da diferença - entendida como si­ determinado conjunto de valores —que seria
nônimo de desigualdade ou, dito de outra imposto a todos, violando o princípio que se
forma, como diferença de mériro - é, desde desejava fazer progredir. Em outras palavras,
há alguns séculos, a bandeira da direita. A a distinção, que Kymlicka (1996, p. 159) ela­
tentativa de conciliação entre os valores di­ bora, entre “restrição interna” e “proteção
vergentes da igualdade e da diferença exi­ externa” só resolve o problema no nível retó­
ge contorcionismos teóricos e retóricos, e, rico. A primeira corresponderia ao direito do
quando traduzida para a linguagem mais .chã direito de o grupo impedir dissidências in­
da prática política, dá margem a equívocos. ternas, gerando tensões com as. liberdades in­
Slogans vazios (“diferentes mas não desiguais”, dividuais. A segunda refere-se ao direito de o
por exemplo) não suprem a necessidade de grupo se proteger das pressões da sociedade
enfrentamento da questão, que passa pela com­ mais ampla, e poderia ser maximizada sem
preensão da diferen ça en tre as próprias d ife­ contra-indicações. No entanto, uma e outra
renças, algumas das quais (como a diferença estão, na maioria dos casos, imbricadas.
de classe ou status) devem ser minimizadas Cumpre observar, de passagem, que há
ou abolidas, enquanto outras devem flores­ uma diferença de base entre a perspectiva
cer (Fraser, 1997, pp. 203-204)'. . de Kymlicka e a de autores como Young.
O terceiro problema, o mais gravè de to­ Kymlicka preocupa-se sobretudo com países
dos, diz respeito à acomodação entre os di­ como Canadá ou Bélgica, às voltas com na-
reitos de grupos e os direitos individuais. cionalismos minoritários. O multiculturalis-

31
mo de Young refere-se ao modelo estaduni­ campo mais amplo da teoria democrática
dense, com grupos identitários muito mais atual. E, também, evidenciar alguns dos ei­
fluidos e dispersos. A transposição do mode­ xos principais da discussão contemporânea
lo estadunidense, diz Kymlicka (1998), com­ sobre o significado e as possibilidades da
promete a compreensão das outras reali­ democracia.
dades.22 Kymlicka afirma estar solidamente Um destes eixos é o sentido e o valor atri­
posicionado dentro da tradição liberal, embo­ buídos ao consenso. Trata-se de uma questão
ra proponha adaptações, como, por exemplo, importante e complexa. A harmonia social é
a concessão de direicos excepcionais para um bem comumente exaltado pelo discurso
grupos minoritários. Young, por sua vez, ma­ político (Miguel, 2000b) e algum grau de
nifesta simpatia pela visão deliberativa da unidade é imprescindível para a manutenção
democracia, embora critique alguns dos fun­ da sociedade; entretanto, a democracia se fun­
damentos da teoria de Habermas, em espe­ da, como diz Claude Lefort, no reconheci­
cial a crença numa razão universal, capaz de mento da legitimidade do conflito. Para a
levar ao consenso. E a corrente multicultu- percepção liberal, o consenso relevante é pro­
ralista, como um todo, mantém uma relação cedimental - os interesses privados estão em
contraditória com o comunitarismo, já que permanente disputa e o ganho da democra­
incorpora a percepção da importância dos cia é proporcionar formas de solucionar tais
laços identitários primários - com destaque disputas, aceitas por todos e que excluem o
sobretudo nas formulações de Kymlicka —ao uso da violência física. De forma diversa, a
mesmo tempo em que contesta a visão de um idéia de consenso procedimental vai ser in­
“bem comum” único. corporada pelo multiculturalismo, mas aí os
agentes não são indivíduos com interesses
privados conflitivos, mas grupos com valores
Conclusão divergentes.
Deliberacionistas e republicanistas apre­
Da discussão acima, fica claro que as sentam uma visão bastante diversa do consen­
fronteiras entre as cinco vertentes são fluidas so. Ambas as correntes consideram o consenso
e imprecisas. Um autor como Robert Dahl substantivo, sobre políticas, mais do que o
flerta com o participacionismo e proclama mero consenso procedimental. Para a verten­
sua simpatia pela visão deliberativa da demo­ te deliberativa, o consenso genuíno é a meta
cracia, sem nunca abandonar uma perspecti­ da interação política. Para a republicana, um
va pluralista; Young e outros teóricos da di­ consenso sobre o bem “comum” que se bus­
ferença enxergam o debate público como ca é necessário para todos os que ingressam
mecanismo ideal para o funcionamento da de boa fé na arena pública. Os participa-
democracia em sociedades multiculturais e cionistas, enfim, possuem uma posição mais
assim por diante. Dentro de cada corrente, complexa. O que está em jogo não é tanto o
as diferenças também são muitas, como exem­ consenso ou o dissenso, mas a possibilidade
plificam os contrastes entre Downs e Dahl, de construção da autonomia coletiva. Um
entre Lasch e Sandel ou entre Kymlicka e acordo torna-se mais factível à medida que
Young. aumenta a igualdade de condições entre os
Portanto, a classificação apresentada ob­ participantes.
jetivou apenas indicar balizas que permitam Um segundo eixo reside na questão da
situar os diferentes autores e obras dentro do igualdade, termo que esteve associado à de­

32
mocracia desde seus primórdios - e ainda na A riqueza e a diversidade das teorias refor­
metade do século XIX, Tocqueville (1835­ çam a idéia da democracia como um projeto
1840) usava “democracia’ e “igualdade” pra­ inacabado ou, ainda mais, como horizonte
ticamente como sinônimos. Para os liberais, normativo cuja realização plena sempre nos
a igualdade relevante é a igualdade perante a escapará. No cerne de muitas das dificuldades
lei; em outras palavras, o reconhecimento de está a representação política, inevitável nas
um mesmo conjunto de direitos e liberdades sociedades contemporâneas, rfias que impõe
para todos os cidadãos. Nenhuma das outras grandes desafios - Como garantir a vincula-
correntes questiona a importância da igual­ ção de representantes e representados? Como
dade liberal. De fato, todas elas se movem den­ impedir a autonomização dos interesses dos
tro do universo do liberalismo, entendido governantes? Como manter a igualdade? - e
como respeito a direitos individuais inalie­ que exige ser reconhecida como uma realida­
náveis, desfrutados por todos os integrantes de complexa, multifacetada, que não se es­
da p olis, diante dos quais está limitado o ar­ gota no processo eleitoral (Miguel, 2003a).
bítrio do Estado. Mas acrescentam novas fa­ Por fim, cabe lembrar que, dada a divi­
cetas à questão. são internacional do trabalho intelectual, a
Os deliberacionistas enfatizam a igual­ quase totalidade das teorias influentes da de­
dade no debate público, que exige mais do mocracia é produzida na América do Norte e
que as liberdades formais: exige a abertura na Europa Ocidental, o que gera novos de­
deste debate a múltiplas vozes. O republica­ safios, quando são confrontadas com a reali­
nismo cívico postula uma igualdade identi- dade dos países periféricos (Miguel, 2003b).
tária, fonte dos valores comuns que possi­ Nossos problemas são mais básicos, mas nos­
bilitam a ação política. Mais do que as outras sas sociedades e instituições talvez sejam tam­
correntes, a democracia participativa se pre­ bém menos enrijecidas, permitindo novos
ocupa com a igualdade substantiva, nas con­ e mais ousados experimentos democráticos.
dições materiais, sem a qual o experimento Pois esta é, afinal, a razão da reflexão teórica
democrático estará fadado a se transformar sobre a democracia: não apenas entender o
em farsa. A posição multiculturalista é a mais mundo, mas contribuir para transformá-lo,
complexa, trabalhando permanentemente a no diálogo permanente com as forças sociais
tensão entre igualdade e diferença. em movimento.

Notas

1. Uma versão preliminar deste texto foi discutida no Grupo de Pesquisa “Democracia e
Democratização” (Demodê) da Universidade de Brasília. Agradeço as sugestões e comen­
tários dos participantes,^bem como de Regina Dalcastagnè.
2. Por ingênua que seja essa visão, ela encontra guarida, por exemplo, em Dahl (1989).
3. Ele usa os termos “democracia representativa” e “democracia participativa”, mas a segunda
reflete claramente o anseio por presença direta do cidadão nos espaços decisórios (Santos
e Avritzer, 2002; Santos, 2004).
4. Usei uma adaptação das categorias de Elster em texto anterior, que, em alguma medida,
serviu de primeira aproximação à elaboração que agora apresento (Miguel, 2000a).

33
5. Shapiro simplifica o modelo de Elster, identificando duas grandes correntes: “agregativa”
(vertente hegemônica) e “deliberativa”. Mas sua afirmação de que ambas partilham da
posição rousseauniana de que “a tarefa da democracia é expressar uma vontade geral que
reflita o bem comum” (Shapiro, 2003, p. 3) indica uma leitura insustentável da vertente
agregativa.
6. Uma antecipação do núcleo da tese schumpeteriana está em Weber (1993 [1918]).
7. Hoje, Dahl está claramente à esquerda da maior parte dos deliberacionistas, por suas críti­
cas ao capitalismo, por sua consciência das limitações do ordenamento liberal e mesmo
por sua denúncia dos aspectos regressivos da Constituição dos Estados Unidos (Dahl,
2002). Já os deliberacionistas, como procuro mostrar na próxima seção, caminharam para
uma crescente acomodação com o capitalismo, com o constitucionalismo liberal e, enfim,
com o modelo político estadunidense.
8. A idéia é que a negação de tal premissa levaria à legitimação de ditaduras paternalistas, que
dariam aos indivíduos aquilo que, embora eles não soubessem, melhor corresponderia a
seus “verdadeiros” interesses.
9. Esta seção está baseada em texto anterior (Miguel, 2002c).
10. Gutmann e Thompson (1996) são os principais autores de uma vertente alternativa, que
descarta explicitamente a influência de Habermas e toma Rawls como principal referência
filosófica. Rawls, no entanto, dificilmente pode ser tomado por um autêntico democrata
deliberativo. Em Uma teoria da ju stiça (1997 [1971]), ele postula uma razão supra-indivi­
dual que termina afastando a necessidade ou a possibilidade de deliberação coletiva, con­
forme já observaram vários críticos. Em O liberalism o p olítico (2000 [1993]), sua posição
é deliberativa, mas não democrática, na medida em que privilegia a deliberação em insti­
tuições exclusivas como a Suprema Corte dos Estados Unidos.
11. James Bohman (1996, p. 14) prefere ver, nos últimos escritos de Habermas, um “crescente
pessimismo” quanto à possibilidade de aprofundamento da democracia, mas trata-se de
generosidade sua: acomodação seria o termo mais adequado.
12. Parte destas respostas é discutida em Dryzek (2001, pp. 652-657).
13. Mas as limitações de tempo permanecem.
14. Dryzek não usa a palavra “consenso” para seu arranjo, que chama de “concordâncias ope­
rativas” (workable agreem ents). ■
15. Esta seção beneficiou-se da discussão sobre teoria republicana, conduzida no Grupo de
Pesquisa “Democracia e Democratização” (Demodê) da Universidade de Brasília por Ga­
briela Cavalcanti Cunha, a quem agradeço.
16. Embora seja possível argumentar, como faz Held (1996, pp. 50-55.), que Maquiavel pos­
. sui' uma visão de “democracia protetora”, isto é, que a participação política obedece à
necessidade de proteger interesses privados, seu comprometimento com o ideal cívico re­
publicano está bem evidenciado pela literatura (ver Skinner, 1996 [1978], pp. 178-182;
Viroli, 1998).
17. Cumpre observar que um dos núcleos da tese de Lasch -.qual seja, a cosmopolitização dos
grupos de elite tornou desprovidas de sentido as comunidades às quais o restante da popu-

34
lação permanece preso - está traduzido, de forma sociologicamente mais sofisticada e sem
ranço nostálgico, na discussão sobre a globalização realizada por Bauman (1999 [1998]).
Walzer (1990, p p./11-12), por sua vez, sintetiza a percepção da falência dos vínculos
tradicionais na idéia das “quatro mobilidades” contemporâneas - mobilidade geográfica
(migrações), mobilidade social, mobilidade conjugal (fim da crença na indissolubilidade
do matrimônio) e mobilidade política (declínio das lealdades partidárias).
18. Ver, também, a esse respeito Pateman (1970), Bachrach (1980), Macpherson (1977),
Gorz (1987 [1980]) e Dahl (1990 [1985], 1990).
19. Este argumento, na verdade trivial, é desenvolvido em Dahl (1991 [1982], pp. 24-25).
20. Um esboço de sustentação teórica para a compreensão da relação entre presentes e ausentes
como sendo uma relação de representação é dado por Mansbridge (1983, pp. 248-251).
21. A autora recuou da proposta em sua reflexão mais recente (Young, 2000). ■
22. A crítica à “importação” da discussão estadunidense está presente também em autores
latino-americanos, que negam relevância local ao que Beatriz Sarlo chamou de “identida­
des com hífen” (afro-americano etc.) e ligam a visibilidade do multiculturalismo ao “declí­
nio da crítica socialista ao capitalismo [que] contribuiu para desvalorizar as exigências
redistributivas” (García Canclini, 1999, p. 111).

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Resumo

Teoria dem ocrática atual: esboço d e m apeam ento

Este artigo discute e contrasta as diferentes teorias da democracia presentes no debate acadêmi­
co contemporâneo, agrupando-as em cinco correntes principais: pluralismo liberal, teoria de­
liberativa, republicanismo cívico, participacionismo e multiculturalismo.

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