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Luciano Vaccaro
Promotor de Justiça MPRS – desde 1998. Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de
Segurança Pública do MPRS desde 2015. Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de
Madri/Espanha (2011). Professor de Direito Penal: Lavagem de Dinheiro e Crime Organizado em cursos
preparatórios às carreiras do Ministério Público e Magistratura, e de cursos de pós-graduação. Palestrante
no PNLD – Programa Nacional para Capacitação e Treinamento para o combate à Corrupção e à Lavagem
de Dinheiro, do Ministério da Justiça e Segurança Pública desde 2016.
Vladimir Aras
Mestre em Direito Público pela UFPE, especialista (MBA) em Gestão Pública (FGV), professor assistente
de Processo Penal na Universidade Federal da Bahia (UFBA), membro do Ministério Público brasileiro
desde 1993, atualmente no cargo de Procurador Regional da República em Brasília (MPF), coordenador
do Grupo de Apoio ao Tribunal do Júri Federal (GATJ) da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
Sumário
CAPÍTULO 1
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL............. 11
1. Legítima defesa.................................................................................................................. 11
2. Pena de multa.................................................................................................................... 13
3. Limite das penas privativas de liberdade........................................................................... 17
4. Livramento condicional..................................................................................................... 21
5. Causas impeditivas da prescrição...................................................................................... 23
6. Crime de roubo................................................................................................................. 28
7. Crime de estelionato......................................................................................................... 34
8. Crime de concussão.......................................................................................................... 37
CAPÍTULO 2
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE LAVAGEM DE
DINHEIRO – LEI 9.613/98......................................................................................... 39
CAPÍTULO 3
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE DROGAS – LEI
11.343/03...................................................................................................................... 43
CAPÍTULO 4
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGA-
NIZADO – LEI 12.850/13............................................................................................ 49
1. Alterações da lei do crime organizado.............................................................................. 57
2. Modificações relativas ao cumprimento da pena e benefícios da execução penal............ 58
3. Modificações relacionadas às formalidades procedimentais prévias à celebração do
acordo de colaboração premiada.................................................................................... 60
4. Modificações relacionadas ao procedimento em juízo para a homologação do acor-
do de colaboração premiada e suas consequências......................................................... 66
5. Modificações relacionadas ao aos direitos do colaborador............................................... 79
6. Infiltração virtual de agentes policiais na internet.............................................................. 80
CAPÍTULO 5
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO NA LEI QUE
DISPÕE SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA – LEI
13.756/18...................................................................................................................... 89
CAPÍTULO 6
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO
PENAL - LEI 7.210/84................................................................................................. 93
1. Considerações iniciais acerca das alterações na Lei Execuções Penais............................. 93
1.1. Da identificação genética.......................................................................................... 93
1.2. Do regime disciplinar diferenciado........................................................................... 97
1.3. Das novas regras acerca da progressão de regime prisional.................................... 104
1.3.1. Considerações gerais....................................................................................... 104
1.3.2. Das principais alterações promovidas pela Lei 13.964/19 no tocante aos
prazos (critério objetivo) para progressão de regime prisional............................ 105
1.3.3. Do critério subjetivo para progressão de regime prisional.............................. 108
1.3.4. Da (im) possibilidade de aplicação dos novos prazos a crimes cometidos
antes da vigência da Lei 13.964/19....................................................................... 110
1.3.5. A progressão de regime no caso do “tráfico de drogas privilegiado”......... 111
1.3.6. Da progressão especial prevista no §3º, do artigo 112, da LEP....................... 112
1.3.7. Da impossibilidade de progressão per saltum.................................................. 113
1.3.8. Da súmula vinculante 56.................................................................................. 116
1.4. Da vedação à saída temporária aos condenados por crime hediondo com
resultado morte......................................................................................................... 117
CAPÍTULO 7
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME na Lei 11.671/08................... 119
1. Considerações gerais......................................................................................................... 119
2. Da competência do juízo federal para os crimes praticados no interior das unidades
prisionais federais............................................................................................................. 119
3. Dos requisitos para inclusão nos estabelecimentos penais federais....................................... 120
4. Disposições gerais............................................................................................................. 122
CAPÍTULO 8
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12.............. 123
1. Considerações gerais......................................................................................................... 123
2. Das inovações trazidas pela Lei 13.964/19........................................................................ 123
ACORDOS DE NÃO PERSECUÇÃO NA LEI ANTICRIME
CAPÍTULO 9
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019................... 129
1. Introdução......................................................................................................................... 129
2. Do princípio da obrigatoriedade ao princípio da oportunidade da ação penal................. 130
3. O consenso no processo penal......................................................................................... 134
4. O ministério público como agente da política criminal do estado.................................... 136
5. Saídas alternativas ao processo penal................................................................................ 139
6. Acordos penais no Brasil................................................................................................... 141
7. Os acordos de não persecução penal da Lei 13.964/2019................................................ 143
7.1. Características gerais do acordo de não persecução penal...................................... 143
7.2. Acordo de não persecução penal e devido processo legal....................................... 146
7.2.1. Voluntariedade da decisão de negociar acordos penais................................... 148
7.2.2. Possibilidade de renúncia ao exercício de garantias processuais...................... 148
7.2.3. Necessidade de efetivo controle judicial sobre o acordo................................ 149
7.2.4. Necessidade de defesa técnica efetiva: os casos Lafler vs. Cooper e Missouri
vs. Frye, da Suprema Corte dos Estados Unidos.................................................. 150
7.3. Audiência de custódia e acordo de não persecução penal....................................... 151
7.4. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e a transação
penal........................................................................................................................... 153
7.5. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e a suspensão
condicional do processo............................................................................................. 154
7.6. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e os acordos
de colaboração premiada........................................................................................... 154
7.7. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e o plea bargain..... 155
7.8. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e o acordo de
não persecução cível.................................................................................................. 155
8. Requisitos do acordo de não persecução penal (ANPP)................................................... 156
8.1. Não ser hipótese de arquivamento.......................................................................... 156
8.2. Não se tratar de crime com violência ou grave ameaça contra a pessoa................. 157
8.3. Crimes nos quais é cabível o ANPP.......................................................................... 157
8.4. Vedações categóricas que não mais se aplicam........................................................ 158
8.5. Como se calcula a pena mínima para o ANPP.......................................................... 159
8.6. A reincidência no ANPP........................................................................................... 160
8.7. A transação penal prefere ao acordo de não persecução penal............................... 160
8.8. A possibilidade de ANPP em crimes com pena mínima igual a 4 anos................ 160
8.9. A confissão do investigado como requisito legal....................................................... 161
8.10. Suficiência do ANPP para a prevenção e repressão do crime................................ 162
8.11. Impossibilidade de ANPP em caso de acordos pretéritos...................................... 163
8.12. Celebração de ANPP quando presente causa de exclusão de ilicitude ou de
culpabilidade ou extintiva de punibilidade.................................................................. 163
8.13. Existência de inquéritos em curso e ANPP............................................................ 164
8.14. Constatação da presença dos requisitos legais....................................................... 164
9. As obrigações a serem cumpridas pelo investigado.......................................................... 166
9.1. A reparação do dano à vítima................................................................................... 167
9.2. Perda de bens, direitos e valores e instrumentos do crime...................................... 167
9.3. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.................................. 168
9.4. Pagamento de prestação pecuniária......................................................................... 168
9.5. Condições inominadas.............................................................................................. 168
9.6. Cumulação de condições.......................................................................................... 169
10. Natureza jurídica do acordo de não persecução penal................................................... 170
11. Natureza jurídica das “condições” impostas em função do acordo de não persecução
penal................................................................................................................................ 171
12. Natureza jurídica da sentença que homologa o acordo de não persecução penal......... 172
13. Legitimidade para o acordo de não persecução penal.................................................... 173
14. Procedimento do acordo de não persecução penal........................................................ 174
14.1. A proposta de ANPP.............................................................................................. 177
14.2. O momento do ANPP............................................................................................ 178
14.3. A negociação do ANPP........................................................................................... 179
14.4. Recusa à formalização do acordo........................................................................... 180
14.5. Formalização do acordo de não persecução penal................................................. 180
14.6. Juízo competente para a homologação e execução do acordo.............................. 181
14.7. A audiência de confirmação do ANPP.................................................................... 182
14.8. A homologação do ANPP....................................................................................... 183
14.9. Repactuação ou retificação do acordo antes da homologação............................... 184
14.10. Rejeição da homologação do acordo.................................................................... 185
14.11. A execução do ANPP........................................................................................... 189
14.12. Cumprimento do acordo...................................................................................... 189
14.13. Descumprimento do acordo................................................................................ 190
14.14. Rescisão do acordo de não persecução penal...................................................... 191
14.15. Consequências do acordo para a vítima............................................................... 191
14.16. Consequências do acordo para o acusado........................................................... 192
14.17. Repactuação do acordo após a homologação....................................................... 193
15. Outras questões relevantes............................................................................................. 193
15.1. Acordos com adolescentes infratores.................................................................... 193
15.2. Acordos com pessoas inimputáveis por motivos psiquiátricos............................... 195
15.3. Acordos com pessoas jurídicas............................................................................... 196
15.4. Acordos em ação penal privada subsidiária da pública........................................... 196
15.5. Acordos em ação penal privada.............................................................................. 197
15.6. Acordos em caso de concurso de pessoas............................................................. 197
15.7. Interações entre o acordo de não persecução penal e o acordo de não persecu-
ção cível...................................................................................................................... 198
15.8. O acordo de não persecução penal e a Lei da Ficha Limpa.................................... 200
15.9. Registro audiovisual da negociação e da confissão.................................................. 201
15.10. Acordo de não persecução penal em caso de desclassificação pelo juiz................... 201
15.11. Atos de comunicação com o investigado e a vítima............................................. 201
15.12. Acordos clausulados............................................................................................. 202
15.13. Acordos de não persecução penal e Justiça Restaurativa..................................... 202
16. Boas práticas em acordos de não persecução penal....................................................... 203
17. Conclusão........................................................................................................................ 204
REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 205
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO
capítulo 1
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO
PENAL
LUCIANO VACCARO
1. Legítima defesa
A primeira alteração produzida pela Lei 13.964/19 no Código Penal foi no insti-
tuto da legítima defesa.
De acordo com o art. 23, inciso II, do CP, não há crime quando o agente pratica
o fato em legítima defesa. Esta é, entre outras, uma causa excludente da ilicitude,
conforme nomenclatura utilizada pelo legislador. E revela as características necessárias
para a definição do que seja um crime no Brasil: de um lado, só há ilícito penal diante de
um fato assim definido anteriormente em lei (princípio da legalidade, previsto nos arti-
gos 5.º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, e 2.º, do Código Penal); de outro, se o
agente pratica um fato amparado em alguma causa excludente da ilicitude igualmente
prevista em lei (art. 23 do CP), não haverá crime1.
Daí por que a maioria da doutrina brasileira considera como características do
crime ser um fato típico e ilícito. Para esta definição, prescinde-se da culpabilidade
para a configuração do crime, que serve apenas como pressuposto para a aplicação da
sanção penal.
1 Há ainda causas supralegais excludentes da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade reconhecidas pela doutrina e
jurisprudência.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO
O art. 2.º da Lei 13.964/19 acrescenta um parágrafo único ao art. 25 do CP, assim
redigido: Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também
em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão
a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Destina-se o novel dispositivo aos agentes de segurança pública, que são os inte-
grantes dos órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal:
polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis; polícias
militares e corpos de bombeiros militares e polícias penais federal, estaduais e distrital2.
Soa um tanto quanto paradoxal que uma lei denominada “Anticrime”, por preten-
der tornar mais eficaz o enfrentamento à criminalidade que assola o país, tenha como
primeira modificação justamente o dispositivo que versa sobre uma causa excludente
da ilicitude e, por consequência, do próprio crime. Entretanto, como mencionado na
própria justificativa do Ministro da Justiça e Segurança Pública, o objetivo da proposição
foi justamente “dar proteção legal” aos agentes policiais, para que assim possam exer-
cer suas funções com tranquilidade, sem a intimidação de se verem processados e sub-
metidos a julgamento por atos praticados em resposta ao crime, dando um equilíbrio
nas “relações entre o combate à criminalidade e à cidadania”.
2 As guardas municipais não são órgãos de segurança pública, mas colaboradores, como possibilidade de atuação
conjunta. Vide art. 144, § 8.º, da CF, c/c art. 5.º, inciso IV e parágrafo único, da Lei 13.022/14.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO
2. Pena de multa
A pena de multa é uma das espécies de sanção penal prevista no art. 32 do CP,
integrando-se ao sistema punitivo conjuntamente com as penas privativas de liberdade
e restritivas de direito. Portanto, a imposição de multa, como sanção penal, ocorre
após a regular tramitação do processo criminal, quando o juiz profere a sentença penal
condenatória (art. 387, III, CPP).
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO
3 O Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) foi criado pela Lei Complementar nº 79/94, e prevê, em seu art. 2º,
V, que constituirão recursos desse fundo as multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito
em julgado. No entanto, por se tratar de matéria vinculada ao direito penitenciário, a própria Constituição Federal
reconhece a competência concorrente dos Estados para legislar sobre o assunto (art. 24, I), desde que autorizados
por Lei Complementar (art. 22, parágrafo único). E a lei que cria o FUNPEN expressamente admite o repasse
de verbas a Fundos estaduais, o que acaba por admitir que os Estados legislem sobre tal tema, com destinação da
sanção pecuniária imposta pela justiça estadual para o fundo estadual. No Estado do Rio Grande do Sul, o Fundo
Penitenciário Estadual, criado pela Lei 5.741/68 - posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 21.213/71 – não
prevê especificamente a destinação das penas de multa, mas estabelece em seu art. 3º, alínea “d”, que o fundo
será constituído por “quaisquer outras rendas que possam ser atribuídas ao FUNDO”. Entretanto, a Consolidação
Normativa Judicial da Corregedoria-Geral da Justiça do TJRS, por sua vez, prevê, no art. 932, o recolhimento ao
Fundo Penitenciário Estadual das multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado
(http://www.tjrs.jus.br/export/legislacao/estadual/doc/2019/CNJCGJ_Provimento_024-2019.pdf).
4 Há crimes cujo preceito secundário já estabelece quantidades mínimas e máximas de dias-multa, diferentemente
dos previstos no art. 49, caput¸ do CP. É o que ocorre, por exemplo, com os crimes definidos da Lei 11.343/06, a
Lei de Drogas. Também há hipótese de lei com especial com cominação da pena de multa no preceito secundário,
mas com previsão de como calcular o seu valor. É o caso doa RT. 99 da Lei 8.666/93, em que o valor da multa é
estabelecido em percentuais sobre o total do contrato licitado ou contratado. Nesses casos, em razão da espe-
cialidade, nos termos do art. 12 CP, aplicam-se os dispositivos da lei especial. À propósito, ainda, da cominação de
pena de multa em lei especial, vale lembrar a Súmula 171/STJ: Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas
privativas de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
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consolidação, no STJ, da posição segundo a qual a multa é dívida de valor, devendo ser
executada pela Fazenda Pública junto ao juízo com competência sobre execução fiscal,
de acordo com o rito previsto na Lei 6.830/805. E assim sendo, ao juízo das Execuções
Penais impunha apenas extrair certidão de dívida dando conta do inadimplemento, com
remessa a Fazenda Pública para fins de execução da dívida. Nesse aspecto, inclusive,
restou sumulado pelo STJ no verbete 521 que: A legitimidade para a execução fiscal de
multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procura-
doria da Fazenda Pública.
Esse cenário, todavia, alterou-se novamente em 13/12/ 2018, quando o STF final-
mente julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral
da República em 26/02/2004 (ADI 3.150/DF), cuja ementa refere:
5 Essa a posição que prevaleceu no STJ, como serve de exemplo o decidido no julgamento do HC 101.216/RS, Rel.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 02/08/2010. “Com a
reforma trazida pela Lei 9.268/96, a pena de multa, após o trânsito em julgado da condenação, passou a constituir
dívida de valor. Desta forma, a sua execução está a cargo da Procuradoria da Fazenda, correndo o feito pela Vara
da Fazenda Pública. Assim, cumprida a pena privativa de liberdade, ou a restritiva de direitos, remanescendo o
pagamento da pena de multa, é de se determinar o arquivamento da execução criminal”.
6 Seguiram a corrente vencedora os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo
Lewandowski e Dias Toffoli (presidente). Restaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que
votaram pela improcedência da ADI por entendem ser competência da Fazenda Pública a cobrança da multa
pecuniária.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO
9.268/96, mantém natureza de sanção penal, conforme art. 5.º, XLVI, ‘c’, da CF; b) o
Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa,
perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos
164 e seguintes da Lei de Execução Penal. Entretanto, o próprio STF admitiu a possibili-
dade de a Fazenda Pública cobrar a dívida de valor, mas de forma subsidiária e diante de
inércia do Ministério Público em executá-la no prazo de 90 dias contados da intimação
para fazê-lo. Se assim proceder a Fazenda Pública, execução do valor da dívida deve ser
na Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/80.
Agora, com a Lei Anticrime volta-se aos tempos em que todas as decisões con-
cernentes ao cumprimento das sanções penais, inclusive o pagamento da pena de multa
– ou as consequências da sua falta – se davam no juízo da execução penal. De acordo
com o novo art. 51 CP: Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será
executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis
as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas
interruptivas e suspensivas da prescrição.
Na justificativa apresentada quando do encaminhamento do PL 882/19 ao parla-
mento, assim se manifestou o Ministério da Justiça e Segurança Pública: “no que toca à
pena de multa (...) retira-se da Vara das Execuções Fiscais, onde as execuções penais se
perdiam em meio a milhares de cobranças fiscais, passando-a para o juízo da execução
penal. Mantêm-se, todavia, as normas da legislação relativas à dívida ativa da Fazenda
Pública.”
Assim, a lógica da alteração produzida com a Lei 13.964/19 é justamente a de
tornar mais efetiva a execução das penas de multa, de maneira a reduzir a sensação
de impunidade que sobre elas impera, com altos índices de inadimplência e prescrição
pelo decurso do tempo para cobrança. Além disso, evidente que quanto mais execução
(cobrança) e efetivo pagamento houver, mais recursos aportarão ao fundo penitenciário
nacional para serem empregados nas necessárias construções ou melhorias de unidades
prisionais no país inteiro7.
E se a competência para a execução da pena de multa, com a nova redação
do art. 51 dada pela Lei Anticrime, é do juízo da execução penal (arts. 65 e 66 da Lei
7.210/84 - LEP), dúvida alguma pode haver acerca da legitimidade do Ministério Público
para ingressar com essa ação, pois consectário lógico do art. 129, I, da CF, e dos arts.
67 e 68 da LEP. Ainda mais a partir da interpretação dada pelo STF na ADI 3.150/DF,
como supramencionado. Mas diferentemente do que decidiu o STF nessa ADI, forçoso
reconhecer que a partir da Lei 13.964/19, todas as ações de execução da pena de multa
são de competência da Vara de Execuções Penais. Por conta disso, a legitimidade para
ingressar com tal ação passa a ser única e exclusiva do Ministério Público.
Ao prever a competência do juiz da execução penal para julgar a execução da
multa, o novo art. 51 CP estabelece que se aplicam as normas relativas à dívida ativa da
7 Além do fundo penitenciário, os valores das penas de multa, em se tratando de crimes previstos na Lei 11.343/06,
devem ser pagos ao Fundo Nacional Antidrogas – FUNAD.
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Fazenda Pública. Assim, o dispositivo afasta a incidência do rito previsto na Lei 7.210/84
(LEP, arts. 164 a 170), para adotar aquele previsto na Lei 6.830/808.
Além disso, em que pese a definição da competência do juízo da execução penal
para a execução da pena de multa integrar uma norma penal – Código Penal – é evi-
dente que se trata de norma com conteúdo processual, razão pela qual se aplica desde
logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior, nos
termos do art. 2.º do Código de Processo Penal9.
8 Por consequência, os arts. 164 a 170 foram tacitamente revogados pela Lei 13.964/19 e o novo art. 51. Nos termos
do art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42), “A lei posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteira-
mente a matéria de que tratava a lei anterior.” O Juízo competente e o rito a ser empregado estão inteiramente
regulados no novo art. 51 CP e, no que tange ao rito a ser empregado, na Lei 6.830/80, não subsistindo, portanto,
os arts. 164 a 170 da LEP.
9 O mesmo raciocínio se aplica às execuções de dívida decorrente de pena de multa em curso nos juízos de execu-
ção fiscal ou da Fazenda Pública, nos termos do art. 14 do Código de Processo Civil.
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Neste caso, isoladamente, nenhuma das penas por crimes praticados antes ou
depois da Lei Anticrime alcança, por si só, o limite respectivo de 30 ou 40 anos. No
entanto, a soma de ambas (20 + 25 = 45), ultrapassa o novo limite, razão pela qual se
impõe a limitação quarentenária.
Exemplo 5: condenado a 20 anos de prisão por crimes anteriores a Lei Anticri-
me, surge nova condenação, a 15 anos, por crime praticado após a entrada em vigor
da Lei 13.964/19.
Em tal hipótese, somam-se as penas (20 + 15 = 35) e nenhuma limitação é ne-
cessária. O condenado terá de cumprir 35 anos de prisão.
Como proceder se o condenado, durante o cumprimento de reprimenda por
crimes anteriores a Lei 13.964/19, é novamente condenado, mas por crimes praticados
a partir de 23/01/2020?
Exemplo: condenado cumpre, há 10 anos, uma pena de 60 anos de prisão por
crimes anteriores a Lei Anticrime, quando surge nova condenação, a 20 anos, por
crime praticado durante o período de prisão, mas após a entrada em vigor da Lei
13.964/19.
Primeiramente, a pena de 60 anos que cumpria já fora unificada em 30 anos, limi-
te aplicável aos crimes praticados antes da Lei Anticrime. Como o crime que redundou
na nova condenação foi praticado após o início da satisfação da reprimenda, incide a
regra do § 2.º do art. 75 CP, ou seja, o tempo de pena já cumprido (10 anos) deve ser
desconsiderado para fins de fixação do novo limite. Desta forma, deve-se somar o que
resta de pena a cumprir (60 - 10 + 20 = 70), procedendo à unificação em 40 anos,
tempo que o condenado deverá cumprir.
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4. Livramento condicional
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b) cumprimento de parte da pena, nas frações de: b.1) mais de 1/3 da pena,
desde que o condenado não seja reincidente em crime doloso e tenha bons anteceden-
tes (art. 83, I)10; b.2) mais da metade da pena, se reincidente em crime doloso (art. 83,
II); b.3) mais de 2/3 da pena, se for condenado por crime hediondo, prática de tortura,
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, desde
que o apenado não seja reincidente específico em crimes dessa natureza11. Se for, não
terá direito ao instituto (art. 83, V).
Ressalte-se que com a Lei Anticrime está vedado o livramento condicional aos
crimes hediondos ou equiparados com resultado morte (incisos VI, “a”, e VIII, do art. 112
da LEP). Portanto, os condenados por crimes hediondos com resultado morte, inde-
pendentemente de reincidência específica, está vedado o livramento, não se lhes apli-
cando mais o 83,V, do CP. Da mesma forma, veda-se o livramento condicional aos con-
denados por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização
criminosa, quando houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do indício
associativo (§ 9.º do art. 2.º da Lei 12.850/13), cujos dispositivos serão objeto de estudo
em outro momento desta obra.
10 Não houve previsão expressa acerca do condenado primário com maus antecedentes. Tal hipótese não se
enquadra no inciso I nem no inciso II do art. 83. Para solucionar tal situação, surgiram posições no sentido de que
devesse ser aplicado o mesmo tratamento dispensado ao reincidente em crime doloso (inciso II), por não se tratar
de hipótese prevista no inciso I. Também há posição no sentido de que na falta de previsão expressa, deve-se
interpretar de forma mais favorável ao condenado, ou seja, reconhecer satisfeito o requisito temporal quando do
cumprimento do prazo previsto no inciso I do art. 83 CP. Essa é a posição adotada pelo STJ por exemplo, no HC
57.300/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2006, DJ 05/02/2007, p. 275.
11 Segundo o STJ, “No que concerne ao conceito de reincidência específica, o crime anterior gerador da reincidência
não necessariamente precisa estar previsto no mesmo tipo penal do que o praticado posteriormente, pois basta a
reincidência específica em crimes dessa natureza”. (HC 511.850/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPO-
SO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 09/10/2019).
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
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Por se tratar de novatio legis in pejus, os novos requisitos para o livramento con-
dicional não alcançam condenados por crimes praticados antes da Lei Anticrime, nos
termos dos arts. 5.º, XL, da CF, e 2.º do CP.
A competência para decidir sobre o livramento condicional é do juízo da execução
criminal, nos termos do art. 66, III, “e”, da LEP.
12 Nesse sentido a justificativa apresentada para a alteração no PL 10.372/18: “Necessária, da mesma maneira, a atuali-
zação dos requisitos para concessão do livramento condicional, adequando o instituto às alterações acima propostas
e, não menos importante, prevendo o bom comportamento (e não apenas o “comportamento satisfatório”) como
requisito à sua concessão, além de estabelecer o cometimento de falta grave nos últimos doze meses como fator
impeditivo do benefício, mecanismo importante para manter a disciplina em estabelecimentos prisionais.”.
13 O “bom comportamento” era um dos requisitos subjetivos previstos para o livramento condicional na versão original do
CP de 1940 (art. 60, II), antes da modificação produzida pela Lei 7.209/84, que alterou toda a parte geral do CP.
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14 O STF, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54, em 07/11/2019, decidiu, por
maioria, não ser possível a execução provisória da pena.
15 A Constituição Federal de 1988 estabelece que são imprescritíveis a prática do racismo, e a ação de grupos arma-
dos, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5.º, incisos XLII e XVIV, da C).
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16 Além dessas, há outras causas impeditivas ou suspensivas da prescrição previstas em lei, como, por exemplo, a
suspensão condicional do processo (art. 89, § 6.º, da Lei 9.099/95); quando o réu, citado por edital, não compa-
rece ao interrogatório (art. 366 CPP); a suspensão de processo de parlamentar após o recebimento da denúncia
(art. 53, § 5.º, da CF); enquanto se aguarda o cumprimento de carta rogatória para citação de réu que reside no
estrangeiro, em lugar sabido (art. 368 CPP); quando o prazo para oferecimento da denúncia de réu colaborador é
suspenso até que sejam cumpridas as medidas de colaboração (art. 4.º, § 3.º, da Lei 12.850/13).
17 Diferentemente do que ocorre com as causas interruptivas da prescrição, previstas no art. 117 CP, quando, ocor-
rida a causa interruptiva, o prazo recomeça a contar do zero, desprezando-se, portanto, o prazo já transcorrido.
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Com a Lei Anticrime duas novas causas suspensivas da prescrição são inseridas
no art. 116 CP.
De acordo com a primeira delas, a prescrição não corre na pendência de embar-
gos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis (inciso III
do art. 116 CP).
Tal dispositivo, com origem no PL 882/19 apresentado pelo Ministério da Justiça
e Segurança Pública, pretende justamente impedir que recursos aos Tribunais Superio-
res sejam utilizados com fins meramente protelatórios.
Em matéria penal, das decisões dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais
de Justiça em sede de apelação cabem Recurso Especial e Extraordinário.
O julgamento do Recurso Especial compete ao Superior Tribunal de Justiça, nos
termos do art. 105, inciso III, da CF, quando o acórdão prolatado em única ou última
instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando estes contrariarem tratado ou lei federal, ou negarem-
lhes vigência (alínea “a”); ou quando derem à lei federal interpretação divergente da
que lhe haja atribuído outro tribunal (alínea “c”).
Já o julgamento do Recurso Extraordinário é de competência do Supremo Tri-
bunal Federal, conforme disposto no art. 102, inciso III, da CF, quando a decisão em
única ou última instância contrariar dispositivo da Constituição Federal (alínea “a”) ou
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal (alínea “b”).
A disciplina dos recursos especiais e extraordinários sofreu significativa modifica-
ção com o advento da Lei 13.105/15, o qual trouxe ao ordenamento jurídico um novo
Código de Processo Civil, que os regulamentou nos arts. 1.029 a 1.041, sendo aplicá-
veis aos recursos especiais e extraordinários em matéria penal por força do art. 3.º CPP.
Assim, de acordo com o art. 1.029 CPC, os recursos especiais e extraordinários
são interpostos perante o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido18, que,
após regular tramitação, procederá a um juízo de admissibilidade dos recursos. E os re-
cursos são inadmitidos, segundo o estatuto processual, em duas hipóteses: uma, que diz
respeito, aos pressupostos recursais como intempestividade, ilegitimidade, ou quando
o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de jul-
gamento de recursos repetitivos (art. 1.030, inciso V, do CPC); outra, quando se nega
provimento (art. 1.030, inciso I, CPC) a) a recurso extraordinário que discuta questão
constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência
de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja
em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime
de repercussão geral; ou b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto
contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de
julgamento de recursos repetitivos.
18 Na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, a competência para decidir sobre a admissibilidade ou não do recurso
especial ou extraordinário, em matéria criminal, é do Segundo Vice-presidente, nos termos do art. 59, V, “a”, do
Regimento Interno do TJRS.
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6. Crime de roubo
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com emprego de arma (inciso I); b) se há o concurso de duas ou mais pessoas (inciso II); c)
se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância
(inciso III); d) se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para
outro Estado ou para o exterior (inciso IV); e e) se o agente mantém a vítima em seu poder,
restringindo sua liberdade (inciso V).
Com a Lei 13.654/18, foi acrescentado um novo parágrafo (§ 2.º-A) ao art. 157
CP, prevendo, em dois incisos, um aumento de 2/3 da pena se a) a violência ou ameaça é
exercida com emprego de arma de fogo; e b) se há destruição ou rompimento de obstáculo
mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
Nenhuma restrição, de nossa parte, aos novos patamares de aumento de pena
para os crimes de roubo, pois se justificam em razão da alta incidência do emprego de
arma de fogo ou de explosivos nessa espécie de delito, fatores que sempre potenciali-
zam a sua prática. Portanto, a pena de 4 a 10 anos prevista no caput do art. 157, majora-
da em 2/3 naquelas hipóteses, inegavelmente confere maior proteção jurídica aos bens
jurídicos tutelados pelo dispositivo, que são o patrimônio e a integridade física da vítima.
Ocorre que o legislador cometeu um equívoco irreparável. Ao mesmo tempo
em que criou uma nova majorante para o emprego de “arma de fogo”, com aumento
em 2/3 da pena, a mesma Lei 13.654/18 revogou o inciso I do § 2.º do art. 157, que pre-
via causa de aumento da pena de 1/3 a metade quando houvesse emprego de “arma”.
Desta forma, somente o emprego de arma de fogo permaneceu como causa
de aumento e em novo patamar (passou de 1/3 a metade para 2/3). A utilização das
denominadas armas brancas (ex.: faca, facão, soco inglês, canivete, porrete, etc.), em
consequência e por interpretação literal dos dispositivos, deixou de constituir causa de
aumento da pena. Tal circunstância gerou muitas críticas em razão da equiparação, ago-
ra como roubo simples e mesmo apenamento, de condutas diferentes como são a de
uma subtração com grave ameaça verbal se comparada com outra em que há emprego
de faca.
Todavia, o grande impacto – neste caso negativo para uma lei que pretendia for-
talecer o combate ao crime, segundo discurso que ressoava no parlamento durante a
tramitação do projeto de lei – foi o imediato reconhecimento da revogação do inciso I
do § 2.º, no que tange às armas brancas, como uma novatio legis in mellius, e a conse-
quente extirpação dessa causa de aumento nos processos criminais em andamento ou
nas condenações com execução iniciada. Com isso, o efeito imediato e devastador da
lei que pretendia recrudescer a punibilidade foi o de beneficiar criminosos que utiliza-
ram uma arma branca em roubos.
Para chamar a atenção de tal absurdo, o Ministério Público, em diversos Estados
da Federação, passou a sustentar perante os tribunais a inconstitucionalidade formal e
material da Lei 13. 654/18, pelos seguintes motivos:
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21 Essa tese chegou a ser acolhida pela 4.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Criminal
n.º 0022570-34.2017.8.26.0050, relatada pelo Des. Edison Brandão, assim ementado: ROUBO SIMPLES IMPRÓ-
PRIO TENTADO – APELAÇÃO – Pleito Ministerial de reconhecimento da causa de aumento do emprego de arma (bran-
ca) - Superveniência da Lei posterior extirpando o inciso I do §2º do art. 157 do CP – RECONHECIDA a inconstitucio-
nalidade formal do art. 4º da Lei nº 13.654, de 23 de abril de 2018 – SUSPENSO o julgamento do mérito do recurso e
DETERMINAÇÃO da instauração de incidente de inconstitucionalidade com remessa ao Órgão Especial para apreciação,
nos termos do art. 193 e seguintes do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça. Entretanto, após regular tramita-
ção do Incidente de Inconstitucionalidade, o órgão Especial do Tribunal de Justiça julgou improcedente o incidente,
concluindo pela mera irregularidade no processo legislativo.
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22 No Rio Grande do Sul, essas teses de inconstitucionalidades foram afastadas, como se vê do julgamento da Ape-
lação Criminal, Nº 70083263152, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator, Dálvio Leite Dias
Teixeira, Julgado em: 18-12-2019, assim ementado: APELAÇÃO. RECURSOS DEFENSIVO E MINISTERIAL. CRI-
ME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO SIMPLES. CONDENAÇÃO MANTIDA. PROVA SUFICIENTE. DO-
SIMETRIA DA PENA. REDIMENSIONAMENTO. - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. LEI Nº
13.654/18. REJEITADA. O Projeto de Lei nº 149 de 2015 já apresentava, desde o princípio, em seu artigo 3º,
a disposição de revogação do inciso I do §2º do art. 157 do Código Penal, referente à majorante de emprego
de arma. E, no curso de sua tramitação, a emenda aditiva apresentada se restringiu a propor modificações tão
somente ao artigo 1º do Projeto de Lei em evidência, sem objetivar qualquer alteração da disposição contida no
artigo 3º Projeto de Lei nº 149 de 2015. E submetido à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o projeto
foi aprovado sem ignorar a emenda nos exatos termos em que foi proposta. O suposto equívoco em relação à
publicação do parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania no Diário do Senado Federal, foi devida-
mente sanado, no curso do processo legislativo. Não verificada vício formal capaz de infirmar a higidez constitu-
cional da Lei nº 13.654 de 2018. Quanto à inconstitucionalidade material, não há que se falar em ofensa ao princípio
da proporcionalidade ou à proibição da proteção insuficiente ou deficiente. Embora o emprego de arma branca tenha
deixado de ser valorado como uma majorante diante da modificação legislativa, tal circunstância, por certo, não deverá
ser desconsiderada no momento da aplicação da pena, tendo em vista ser possível o seu sopesamento durante a primeira
etapa do apenamento. Arguição ministerial rejeitada. - EMPREGO DE ARMA BRANCA (FACA). IMPOSSIBILIDADE
DO RECONHECIMENTO DA MAJORANTE. Em que pese cabalmente comprovado o uso de uma faca na consecução da
prática delituosa, a incidência da causa de aumento descrita no inc. I do § 2 º do art. 157 do CP não pode ser aplicada,
considerando a entrada em vigor da Lei nº 13.654, em 23 de abril de 2018, que revogou o referido inciso, preservando,
na atual redação, a majoração da pena tão somente pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inc. I, do CP).
Aplicação retroativa da lei nova mais benéfica ao agente (novatio legis in mellius). - DISSIMULAÇÃO. AGRAVANTE
MANTIDA. As provas existentes no caderno processual são suficientes para o julgamento de procedência do
pedido condenatório deduzido na denúncia. Materialidade e autoria suficientemente demonstradas pela prova
produzida. Confissão judicial do agente em consonância com o depoimento prestado ela vítima. Presença da
agravante igualmente depreendida dos autos. Uníssonas narrativas do taxista lesado e do réu. Prova oral deixando
assente que o réu contratou a corrida com o firme propósito de facilitar a sua aproximação do motorista de táxi, e
de fazer com que este o conduzisse ao local que entendeu apropriado para a prática do delito, assim dissimulando
a sua pretensão ilícita. - DOSIMETRIA. REDIMENSIONAMENTO. Basilar de 04 anos de reclusão recrudescida em
01 ano, totalizando 05 anos de reclusão, com nota desfavorável atribuída às gravosas circunstâncias do delito, que
foi cometido com o uso ostensivo de uma faca para ameaçar a vítima. Circunstância fática que, embora olvidada
pela Sentenciante, motivou a interposição do recurso ministerial. Pleito ministerial acolhido em parte, no ponto.
Na segunda fase, mantida a benéfica compensação operada diante do concurso de circunstâncias agravantes e
atenuantes, tendo em vista o alto grau de dissimulação do agente. Ausentes outras causas de aumento ou redução
a operar, a pena privativa de liberdade segue redimensionada para 05 (cinco) anos de reclusão. Alterado o regime
prisional para o semiaberto. Pena de multa cumulativa firmada no piso normativo. INCONSTITUCIONALIDADE IN-
CIDENTAL DA LEI Nº 13.654/18 REJEITADA, APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DEFENSIVO
DESPROVIDO.(Apelação Criminal, Nº 70083263152, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio
Leite Dias Teixeira, Julgado em: 18-12-2019).
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
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23 Salvo se, por ventura, ainda venha a ser reconhecida a inconstitucionalidade formal ou material da Lei 13. 564/18,
como sustentado perante os tribunais pelo Ministério Público.
24 O Comando do Exército Brasileiro, através da Portaria n.º 1.222, de 12 de agosto de 2019, estabeleceu os parâ-
metros de aferição e listagem de calibres nominais de armas de fogo e das munições de uso permitido e restrito.
Referida portaria pode ser visualizada no seguinte sítio de internet: http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-
-n-1.222-de-12-de-agosto-de-2019-210735786, visualizado em 02/01/19.
25 As alterações na Lei dos Crimes Hediondos são objeto de comentários em outro momento desta obra.
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7. Crime de estelionato
Estelionato Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem
ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qual- alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qual-
quer outro meio fraudulento: quer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de
quinhentos mil réis a dez contos de réis. quinhentos mil réis a dez contos de réis.
§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno § 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno
valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena
conforme o disposto no art. 155, § 2º. conforme o disposto no art. 155, § 2º.
§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem: § 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
Disposição de coisa alheia como própria Disposição de coisa alheia como própria
I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação
ou em garantia coisa alheia como própria; ou em garantia coisa alheia como própria;
Alienação ou oneração fraudulenta de coisa Alienação ou oneração fraudulenta de coisa
própria própria
II - vende, permuta, dá em pagamento ou em ga- II - vende, permuta, dá em pagamento ou em ga-
rantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou rantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou
litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a tercei- litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a tercei-
ro, mediante pagamento em prestações, silencian- ro, mediante pagamento em prestações, silencian-
do sobre qualquer dessas circunstâncias; do sobre qualquer dessas circunstâncias;
Defraudação de penhor Defraudação de penhor
III - defrauda, mediante alienação não consentida III - defrauda, mediante alienação não consentida
pelo credor ou por outro modo, a garantia pigno- pelo credor ou por outro modo, a garantia pigno-
ratícia, quando tem a posse do objeto empenhado; ratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
Fraude na entrega de coisa Fraude na entrega de coisa
IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade
de coisa que deve entregar a alguém; de coisa que deve entregar a alguém;
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO
26 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2019, p. 557.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO
27 Não pode ser olvidado o art. 182 do CP, que estabelece hipóteses de ações penais condicionadas à representação
a todos os crimes patrimoniais do Título II do CP, quando cometido em prejuízo do cônjuge desquitado ou judicial-
mente separado, de irmão ou de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.
28 No julgamento do Inq. 1055 QO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/1996, DJ
24-05-1996, PP-17412, EMENT VOL-01829-01 PP-00028.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO
8. Crime de concussão
29 De acordo com Cleber Masson, “na proporcionalidade abstrata (ou legislativa), são eleitas as penas mais apro-
priadas para cada infração penal (seleção qualitativa), bem como as respectivas graduações – mínimo e máximo
(seleção quantitativa)”. Em MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral, Vol. I. Ed. Método, São
Paulo. 4.ª Ed., 2011, p. 43.
30 Segundo Rogério Sanches Cunha, “Na exigência feita pelo intraneus há sempre algum tipo de constrição, influência
intimidativa sobre o particular ofendido, havendo necessariamente algo de coercitivo. O agente impõe, ordena,
de forma intimidativa ou coativa, a vantagem que almeja e a que não faz jus. É preciso, porem, não confundir a
exigência com solicitação, por parte do agente, porque, no caso de mero pedido, o crime será outro: corrupção
passiva, previsto no art. 317 do CP.” Em CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal, Parte Especial, Volume
único. Ed. JusPodivm, Salvasor, 10ª edição, p. 823.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO
Esse desvalor da conduta deve refletir na pena cominada ao delito. Desta forma,
a pena anteriormente prevista ao delito de concussão, se comparada à do crime de
corrupção – e mesmo à pena do crime de peculato – era desproporcional à gravidade
do comportamento típico.
Portanto, bem fez o legislador ao modificar a pena máxima cominada à con-
cussão, passando para 2 a 12 anos de reclusão, e equiparando-a, ao menos, às penas
cominadas aos crimes de corrupção passiva e peculato.
A alteração da pena do crime de concussão, por se tratar de novatio legis in pejus,
não retroage. Logo, não alcança crimes praticados antes da entrada em vigor da Lei
Anticrime, nos termos dos arts. 5.º, XL, da CF, e 2.º do CP.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI 9.613/98
LUCIANO VACCARO
capítulo 2
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE
LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI 9.613/98
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI 9.613/98
LUCIANO VACCARO
§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo § 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo
único do art. 14 do Código Penal. único do art. 14 do Código Penal.
§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se § 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se
os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de
forma reiterada ou por intermédio de organização forma reiterada ou por intermédio de organização
criminosa. criminosa.
§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços § 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços
e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto,
facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí- facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-
la, a qualquer tempo, por pena restritiva de la, a qualquer tempo, por pena restritiva de
direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar
espontaneamente com as autoridades, prestando espontaneamente com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzam à apuração das esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais, à identificação dos autores, infrações penais, à identificação dos autores,
coautores e partícipes, ou à localização dos bens, coautores e partícipes, ou à localização dos bens,
direitos ou valores objeto do crime. direitos ou valores objeto do crime.
§ 6º Para a apuração do crime de que trata
este artigo, admite-se a utilização da ação
controlada e da infiltração de agentes.
31 Como refere SUÁREZ GONZÁLEZ, o recurso ao mecanismo de circulação de capitais vem sendo utilizado pelas
organizações criminosas dos mais diferentes setores da delinquência como um dos meios mais idôneos para a
lavagem de dinheiro. Desta forma conseguem fazer aflorar o capital ilicitamente obtido para que seja aceito pela
sociedade. Em Blanqueo de capitales y merecimiento de pena: consideraciones a la luz de la legislación española. Cua-
dernos de Política Criminal, nº 58, 1996, p. 125.
40
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI 9.613/98
LUCIANO VACCARO
32 GARZÓN REAL, B: “Cooperación jurídica internacional en el ámbito del blanqueo de dinero y espacio de se-
guridad, libertad y justicia en la Unión Europea”. Em Prevención y represión del blanqueo de capitales, Estudios de
Derecho Judicial, director Javier ZARAGOZA AGUADO, nº 28, Consejo General del Poder Judicial, Madrid, 2000,
pp. 428 y ss.
33 A possibilidade de atuação do agente infiltrado foi analisada com maior amplitude no comentário à alteração da Lei
de Drogas, para onde se remete o leitor.
41
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE DROGAS – LEI 11.343/03
LUCIANO VACCARO
capítulo 3
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE
DROGAS – LEI 11.343/03
LUCIANO VACCARO
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE DROGAS – LEI 11.343/03
LUCIANO VACCARO
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso
e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e indevido de droga: (Vide ADI nº 4.274)
quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa
previstas no art. 28. de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem
artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento,
a dois terços, vedada a conversão em penas restri- para juntos a consumirem:
tivas de direitos , desde que o agente seja primário,
de bons antecedentes, não se dedique às ativida- Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano,
des criminosas nem integre organização criminosa. e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e
(Vide Resolução nº 5, de 2012) quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas
previstas no art. 28.
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste
artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto
a dois terços, vedada a conversão em penas restri-
tivas de direitos , desde que o agente seja primário,
de bons antecedentes, não se dedique às ativida-
des criminosas nem integre organização criminosa.
(Vide Resolução nº 5, de 2012)
A Lei anticrime prevê uma nova figura típica de tráfico de drogas. Segundo o
inciso IV do art. 33, incorre nas penas do caput quem “vende ou entrega drogas ou
matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem
autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente poli-
cial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal
preexistente”.
Tal previsão tem origem no PL 882/19, proposto pelo Poder Executivo a partir
das sugestões apresentadas pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro.
Com essa nova modalidade de crime, introduz-se no ordenamento jurídico bra-
sileiro a figura do agente policial disfarçado.
De acordo com a justificativa apresentada pelo Ministro Sérgio Moro ao PL
882/19, “o dispositivo visa esclarecer a possibilidade da realização de operações poli-
ciais disfarçadas, o que nos US chamam de undercover operations”.
Além disso, a ação que ora se criminaliza, segue o Ministro em sua justificativa,
“consiste na venda ou a entrega de drogas ou de matéria-prima, insumo ou produto
químico destinado à preparação de drogas, a agente policial disfarçado, quando pre-
sentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal pré-existente. O que se
pretende com este parágrafo é dirimir qualquer dúvida sobre a possibilidade da conduta
ser considerada crime”.
A atuação disfarçada de agentes policiais é comum em investigações de tráfico
de drogas. Ocorre, por exemplo, sempre que policiais se disfarçam de usuários e diri-
gem-se ao ponto de venda de drogas e, em contato direto com o traficante, compram
a droga. Em seguida, efetuam a prisão em flagrante.
Diante de casos assim, consolidara-se entendimento de que havia flagrante pre-
parado na conduta de “vender”, pois, “ao mesmo tempo em que a autoridade policial
induziu o agente à venda da droga, adotou todas as precauções para que tal venda não
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se consumasse34”, fazendo incidir a Súmula 145 do STF: Não há crime, quando a prepa-
ração do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.
Embora a preparação do flagrante em relação a conduta de “vender”, no exem-
plo citado o comportamento não chegava a ficar impune, na medida em que outros ver-
bos nucleares do tipo incidiam, uma vez que antes dessa “venda provocada” inevitável
que o traficante tenha previamente praticado alguma das demais condutas como “ad-
quirir”, “expor à venda”, “ter em depósito”, “trazer consigo” ou “guardar”. Portanto,
ainda que lhe fosse impossível a consumação da “venda” da droga, em razão do flagran-
te preparado, restavam demonstrados outros comportamentos típicos de traficância.
O mesmo ocorre quando, no exemplo citado, estiver sendo utilizada a ação con-
trolada, especial técnica de investigação que permite retardar a intervenção policial.
Não se efetuaria o flagrante, em todo o caso preparado, mas tal situação fática constaria
dos relatórios circunstanciados, com a apreensão da droga e submissão à perícia, a fim
de demonstrar a autoria e materialidade da traficância preexistente.
De qualquer modo, nas hipóteses mencionadas, ainda que tenha sido lavrado
auto de prisão em flagrante (do flagrante preparado), o juiz, seguindo o entendimento
consolidado, deveria relaxar a prisão (art. 5.º, LXV, da CF, e art. 310, I, do CPP), pois
ilegal. Quanto aos preexistentes comportamentos típicos não abarcados pelo flagrante
“preparado”, só se poderia cogitar de decretação de prisão preventiva se presentes os
requisitos legais.
Com o passar dos tempos, a compreensão acerca da atuação dos agentes poli-
ciais disfarçados foi se modificando, pois conforme refere Norberto Avena, “situação
que tem sido considerada como exceção válida às hipóteses de flagrante preparado é
aquela em que o agente provocador induz sujeito ativo à prática do crime visando a
descobrir e autuá-lo por delito preexistente ou contemporâneo ao que foi induzido a
cometer”.35.
Em memorável voto na Apelação Crime Nº 70068262138, o Desembargador
do Tribunal de Justiça gaúcho Jayme Weingartner Neto bem sintetizou a controvérsia e
as diferenças entre agente provocador e agente disfarçado. Vale transcrever trecho do
acórdão36:
34 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Volume único. Ed. JusPodivm, Salvador, 5.ª Ed,
2017, p. 1011.
35 AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Editora Método, 2015, pp. 864-5.
36 Apelação Crime, Nº 70068262138, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingar-
tner Neto, Julgado em: 10-08-2016.
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LUCIANO VACCARO
Distinta, entretanto, a figura do agente encoberto. O policial, que se faz passar por
usuário (ocultando sua real condição de agente da lei) e adquire entorpecente para
produzir prova da materialidade e colher informações úteis ou imprescindíveis no
consequente processo penal, não age de forma a induzir o tráfico de drogas (que
preexiste nas modalidades referidas), evidenciando-se, no suporte fático, que a droga
seria vendida para todo e qualquer usuário que, preenchendo as mesmas condições
de tempo, lugar, hora e modo, solicitasse ou manifestasse interesse na transação. Essa
a figura que identifico no caso dos autos.
(...)
A figura do undercover agent é amplamente utilizada, há tempos, nos países da
Common Law. Trata-se de comprar drogas e prender o vendedor (denominada
“buy-and-bust operation”) – o que é aceito, todavia, com fundamental ressalva, isto
é, desde que não se caracterize o “entrapment”. Há um leading case no Canadá,
uma decisão da Suprema Corte (R. v. Mack) que fornece diretrizes para substanciar
uma prática policial ilegal como “entrapment” (aplicando a “doctrine of abuse of
process”). Não se trata, a rigor, de uma exceção substancial (a desfazer o injusto ou a
culpabilidade), mas de preservar a regular administração da justiça e prevenir abusos.
O abuso ocorre quando a polícia excede limites aceitáveis, como fornecer meios
para oportunizar a ofensa a uma pessoa que não se comportava de maneira a fazer
recair sobre si suspeita razoável de que já estivesse engajada em atividades criminais
ou não fosse previamente objeto de regular investigação (“a bona fide inquiry”); ou,
mesmo no curso de inquérito ou diante de suspeitas razoáveis, se a polícia ultrapassa
a conduta de fornecer a oportunidade e induz o cometimento do crime. A barreira
posta procura evitar/minorar o risco de que a polícia acabe atraindo para o ilícito
pessoas que, de outra forma, não cometeriam crimes; e porque, no fim das contas, não
é função estatal usar o poder de polícia para sair aleatoriamente pelas ruas testando
a virtude das pessoas. Há uma série (não exaustiva) de dez fatores a considerar na
apreciação dos casos concretos. A Suprema Corte do Canadá assentou que a alegação
de “entrapment” é muito grave, pelo que significa em termos de desvio estatal, sendo
certo que a efetiva persecução penal (e o desenvolvimento de correlatas técnicas
investigativas) é dever do Estado na proteção da sociedade, mormente em crimes de
tráfico de drogas. Daí que a exceção só deva reconhecer-se em casos claríssimos, nos
quais a conduta policial tenha violado valores básicos da comunidade.
(...)
Em síntese, atos policiais de investigação, em delitos graves e de perfil insidioso
e sub-reptício, demandam meios de elucidação (e capacidade de neutralização)
diferenciados e eventualmente mais invasivos do que o arsenal tradicional
disponibilizado para a atuação policial, plasmado que foi – no imaginário jurídico-
social da redação original do Código de Processo Penal – num Brasil de escassa
urbanização, de vida predominantemente agrária, pré-industrial, cuja criminalidade
de feitio clássico-individual nenhum influxo sofrera da tecnociência que marcaria o
desenrolar do breve século XX; um país que ainda desconhecia a intensificação de
delitos com características epidêmicas e a necessidade de tutela de bens jurídico-
penais (com refração constitucional) difusos e coletivos, meio ambiente e saúde
pública, por exemplo.
A atuação de agentes policiais encobertos, neste horizonte e no atual quadro
normativo, não ultrapassado o linde (já discutido) da Súmula nº 145 – consideradas
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37 Conforme Renee do Ó Souza, Rogério Sanches Cunha e Caroline de Assis e Silva Holmes Lins, “a incriminação
resulta da antecipação do comportamento delitivo, fruto de um fracionamento normativo apto a caracterizar sufi-
cientemente um novo injusto penal”. Em A nova figura do agente disfarçado prevista na Lei 13.964/2019, disponível
no sítio de internet https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/27/nova-figura-agente-disfarcado-
-prevista-na-lei-13-9642019/.
38 Em A nova figura do agente disfarçado prevista na Lei 13.964/2019, disponível no sítio de internet https://meusiteju-
ridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/27/nova-figura-agente-disfarcado-prevista-na-lei-13-9642019/.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
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capítulo 4
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CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
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§ 8º O juiz poderá recusar homologação à proposta § 7º-B São nulas de pleno direito as previsões
que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la de renúncia ao direito de impugnar a decisão
ao caso concreto. homologatória.
§ 9º Depois de homologado o acordo, o § 8º O juiz poderá recusar a homologação da
colaborador poderá, sempre acompanhado proposta que não atender aos requisitos legais,
pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do devolvendo-a às partes para as adequações
Ministério Público ou pelo delegado de polícia necessárias.
responsável pelas investigações. § 9º Depois de homologado o acordo, o
§ 10. As partes podem retratar-se da proposta, colaborador poderá, sempre acompanhado
caso em que as provas autoincriminatórias produ- pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do
zidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas Ministério Público ou pelo delegado de polícia
exclusivamente em seu desfavor. responsável pelas investigações.
§ 11. A sentença apreciará os termos do acordo § 10. As partes podem retratar-se da proposta,
homologado e sua eficácia. caso em que as provas autoincriminatórias produ-
§ 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial zidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas
ou não denunciado, o colaborador poderá ser exclusivamente em seu desfavor.
ouvido em juízo a requerimento das partes ou por § 10-A Em todas as fases do processo, deve-
iniciativa da autoridade judicial. se garantir ao réu delatado a oportunidade de
§ 13. Sempre que possível, o registro dos atos de manifestar-se após o decurso do prazo concedido
colaboração será feito pelos meios ou recursos de ao réu que o delatou.
gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica § 11. A sentença apreciará os termos do acordo
similar, inclusive audiovisual, destinados a obter homologado e sua eficácia.
maior fidelidade das informações. § 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial
§ 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador ou não denunciado, o colaborador poderá ser
renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ouvido em juízo a requerimento das partes ou por
ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal iniciativa da autoridade judicial.
de dizer a verdade. § 13. O registro das tratativas e dos atos de co-
§ 15. Em todos os atos de negociação, confirmação laboração deverá ser feito pelos meios ou recur-
e execução da colaboração, o colaborador deverá sos de gravação magnética, estenotipia, digital ou
estar assistido por defensor. técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a
§ 16. Nenhuma sentença condenatória será obter maior fidelidade das informações, garantin-
proferida com fundamento apenas nas declarações do-se a disponibilização de cópia do material
de agente colaborador. ao colaborador.
§ 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador
renunciará, na presença de seu defensor, ao direito
ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal
de dizer a verdade.
§ 15. Em todos os atos de negociação, confirmação
e execução da colaboração, o colaborador deverá
estar assistido por defensor.
§ 16. Nenhuma das seguintes medidas será de-
cretada ou proferida com fundamento apenas nas
declarações do colaborador:
I - medidas cautelares reais ou pessoais;
II - recebimento de denúncia ou queixa-crime;
III - sentença condenatória.
§ 17. O acordo homologado poderá ser rescindido
em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto
da colaboração.
§ 18. O acordo de colaboração premiada pressu-
põe que o colaborador cesse o envolvimento em
conduta ilícita relacionada ao objeto da colabora-
ção, sob pena de rescisão.
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39 O Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organiza-
do Transnacional, após aprovação pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo 231, de 29 de maio
de 2003.
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Com o advento da Lei 12.850/13 preenche-se uma grande lacuna que havia em
nosso ordenamento jurídico, criando o crime de organização criminosa e admitindo o
emprego de especiais técnicas de investigação para o combate essa forma de crimina-
lidade, tudo fortemente inspirado na Convenção da ONU contra o Crime Organizado
Transnacional, que deles tratou nos arts. 5.º e 20, respectivamente.
No entanto, como o próprio crime organizado se modifica e aperfeiçoa com
o transcurso do tempo, buscando superar eventuais obstáculos criados pelo sistema
preventivo e repressivo, estes da mesma forma necessitam evoluir. Para tanto, é neces-
sário reconhecer as dificuldades que se apresentam na persecução penal que envolve
a criminalidade organizada, tanto durante a investigação como na posterior tramitação
de ação penal desencadeada pelo oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.
De acordo com esta perspectiva analisaremos as modificações produzidas pela
Lei Anticrime na Lei 12.850/13.
como preceitua o art. 1.º, a Lei 12.850/13 define organização criminosa e dispõe
sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e
o procedimento criminal a ser aplicado.
A definição do delito que nos ocupa é dada pelo § 1.º do art. 1.º: Considera-se
organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordena-
da e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações
penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional.
Em relação à criminalização de condutas, a Lei 12.850/13 introduziu em nosso
ordenamento jurídico o crime de organizado por natureza (art. 2.º, caput), o crime de
impedimento ou embaraçamento da persecução penal (§ 1.º do art. 2.º), bem como
de crimes que venham a ocorrer durante a investigação ou fase de obtenção de provas,
tais como a revelação da identidade do colaborador (art. 18), a colaboração caluniosa
ou inverídica (art. 19), a violação de sigilo das investigações (art. 20) e a sonegação de
informações requisitadas (art. 21).
Em relação aos crimes previstos no caput (crime de organizado por natureza)
e no § 1.º (impedimento ou embaraçamento da persecução penal) do art. 2.º, a Lei
12.850/13 prevê uma circunstância agravante (§ 3.º) e causas de aumento da pena em
até metade (§ 2.º) ou de 1/6 a 2/3 (§ 4.º).
Além disso, caso haja indícios de que funcionário público é integrante de uma
organização criminosa, é possível o seu afastamento, desde que essa medida se faça
necessária para persecução penal (§ 5.º), com a consequente perda do cargo em caso
de condenação, com interdição para o exercício de cargo ou função pública pelo prazo
de 8 anos subsequentes ao cumprimento da pena (§ 6.º).
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40 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 702.
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45 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime organizado: comentários à nova Lei sobre o Crime
Organizado – Lei n.º 12.850/2013. 2ª. Ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 54 e 56.
46 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 151-152; BITENCOURT, Cezar Roberto,
e BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Ed. Saraiva, São Paulo, 2014, p. 122-124.
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47 Poder-se-ia admitir eventual controle do conteúdo decisório que indefere sumariamente a proposta de colabora-
ção premiada, uma vez que conferiria maior transparência e segurança jurídica aos atos realizados. Vale lembrar
que a Lei Anticrime, ao instituir o chamado acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP), de exclusiva legiti-
midade do Ministério Público, sujeitou-o a controle interno daquela Instituição, na hipótese de recusa em fazê-lo,
facultando ao investigado provocar o reexame da questão ao órgão superior de revisão, na forma do art. 28 CPP,
com redação dada pela Lei 13.964/19. É o que dispõe expressamente o § 14 do art. 28-A do CPP.
Ora, tanto a colaboração premiada como o acordo de não persecução penal são negócios jurídicos fundados no
direito premial, que produzem os efeitos pactuados desde que não violem a legislação, nada impedindo que se
interpretem extensivamente suas normas, com aplicação analógica desses institutos e as regras que os definem,
conforme autoriza o art. 3.º do CPP, de modo a permitir que a parte interessada também possa provocar a instân-
cia revisora do Ministério Público quando houver indeferimento sumário da proposta.
Tal recurso só existiria na hipótese de a proposta de colaboração premiada ter tramitado no âmbito do Ministério
Público, instituição que, pelo Código de Processo Penal, passa a ter instância de revisão de suas decisões de arqui-
vamento de investigações criminais (art. 28 CPP) ou de recusa em propor acordo de não persecução penal (§ 14
do art. 28-A do CPP). Esses dispositivos é que autorizam a interpretação extensiva e aplicação analógica, admitidas
pelo art. 3.º do CPP, aos indeferimentos das propostas de acordo de colaboração premiada.
Diferente, no entanto, seria a solução quando o indeferimento é realizado pelo delegado de polícia. Nesse caso,
não há qualquer regra processual a amparar interpretação extensiva ou aplicação analógica. A única solução para
o interessado em celebrar acordo de colaboração premiada seria ingressar com uma nova proposta, agora direta-
mente no Ministério Público.
Entretanto, em decisão liminar prolatada na véspera da entrada em vigor da Lei Anticrime, o Min. Luiz Fux, do STF,
nos autos da ADI 6.305, suspendeu, sine die, a eficácia deste e de outros dispositivos da Lei 13.964/19. Mas com a
suspensão da eficácia do art. 28 do CPP, não há que se falar, por ora, na criação de instância revisora do Ministério
Público em matéria penal, o que impede sustentar-se possibilidade recursal do indeferimento sumário da proposta
de colaboração premiada.
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Vale lembrar que, por expressa vedação legal, o juiz não deve participar das ne-
gociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração
premiada (§ 6.º do art. 4.º).
a) perdão judicial (art. 4.º, caput): um dos benefícios previstos e que podem
ser pactuados no acordo de colaboração premiada. Com o perdão judicial extingue-se
a punibilidade (art. 107, IX, do CP), não produzindo efeitos penais, nos termos do art.
120 CP, e Súmula 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória de
extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.
Inobstante não constar do acordo, ainda assim, quando considerada relevante a
colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e autoridade policial, nos
autos do inquérito policial, poderão requerer e representar pela concessão do perdão
judicial mesmo que não tenha sido previsto esse benefício quando da celebração do
termo de acordo de colaboração premiada, (§ 2.º do art. 4.º). Embora o dispositivo
refira que o perdão possa ser requerido a qualquer tempo pelo Ministério Público, isso
só pode ser até a sentença, uma vez que depois dela já não se admite perdão. É o que
se extrai da leitura do § 5.º do art. 4.º.
b) redução em até dois terços (2/3) da pena privativa de liberdade (art. 4.º,
caput): um dos benefícios é a possibilidade de redução em até 2/3 da pena privativa de
liberdade a ser fixada pelo juiz por ocasião da sentença condenatória. Deve-se observar
um critério relacionado à eficácia da colaboração, a depender da obtenção de um ou
mais dos resultados previstos, para estabelecer o quantum de diminuição.
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48 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 158. No mesmo sentido: LIMA, Renato
Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 717-718.
49 BITENCOURT, Cezar Roberto, e BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Ob. Cit., p.
134.
50 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 161. No mesmo sentido: LIMA, Renato
Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 718-719.
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51 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 719. No mesmo sentido: MAS-
SON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 159-160.
52 Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990 , e nos
demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666, de 21 de junho
de 1993, e os tipificados no Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina
a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente benefi-
ciário da leniência.
Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes
a que se refere o caput deste artigo.
53 Embora o objeto da decisão não fosse a revogação de acordo de imunidade por força de acordo de não persecu-
ção penal, o Min. Rogério Schietti Cruz, no HC nº 422.122/SP, deixa transparecer a possibilidade de revogação do
benefício e oferecimento da denúncia em caso envolvendo o empresário Joesley Mendonça Batista, ao referir em
sua decisão monocrática publicada em 06/11/2017, a uma possível reversão dos benefícios deferidos em sede de cola-
boração premiada perante a PGR - em especial a ampla imunidade concedida. Cumpre ressaltar que a Procuradoria-
-Geral da República, em expediente administrativo próprio, rescindiu a colaboração premiada entabulada com os
irmãos Joesley Batista e Wesley Batista, no qual lhes havia sido concedido o benefício do acordo de imunidade
previsto no § 4.º do art. 4.º da Lei 12.850/13. Todavia, submeteu essa decisão de rescisão à homologação do Minis-
tro Edson Fachin, do STF, o qual homologara a colaboração premiada. Esse pedido está tramitando, com recente
apresentação de alegações finais pelas partes, e previsão de julgamento para 17/06/2020, conforme informações
colhidas em consulta a PET 7003, no sítio do STF na internet.
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54 Súmula 491 STJ: “É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional”.
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Lei Anticrime deu um importante passo ao prever, no novo art. 91-A do CP, o denomi-
nado confisco alargado, quando, dentro de critérios estabelecidos, pode ser decretada
a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença
entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com seu pa-
trimônio lícito55.
e) localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada:
se na atuação de organização criminosa houver a restrição da liberdade de vítimas, será
importante que a colaboração celebrada apresente informações que permitam a locali-
zação da vítima com sua integridade física preservada.
f) Circunstâncias objetivas e subjetivas ao colaborador e ao fato crimino-
so. Além desses resultados, outro requisito que deve ser levado em conta para a con-
cessão do benefício, é a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a
gravidade e a repercussão social do fato criminoso, bem como a eficácia da colaboração
(§ 1.º do art. 4.º).
55 Evidente que por ser norma penal mais gravosa no que tange aos efeitos da condenação, não retroage, nos termos
do art. 5.º, XL, da CF. Sobre confisco alargado e o novo art. 91-A do CP, remete-se o leitor a capítulo específico
da presente obra.
56 BITENCOURT, Cezar Roberto, e BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Ob. Cit., p. 130.
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Recusa à homologação. Não atendidos aos aspectos previstos nos incisos antes
referidos, o juiz recusará a homologação de proposta de acordo de colaboração pre-
miada, nos termos do § 8.º do art. 4.º.
Restará às partes a reformulação do pactuado, a fim de preencher os requisitos, se
possível, ou, caso discorde o Ministério Público da não homologação, manejar recurso.
Poderia o legislador ter avançado e previsto, com Lei 13.964/19, recurso cabível
contra a decisão que não homologa colaboração premiada. Antes da Lei Anticrime, não
57 Conforme decidiu o STF, “salvo ilegalidade superveniente apta a justificar nulidade ou anulação do negócio jurídico,
acordo homologado como regular, voluntário e legal, em regra, deve ser observado mediante o cumprimento dos
deveres assumidos pelo colaborador, sendo, nos termos do art. 966, § 4º, do Código de Processo Civil, possível
ao Plenário analisar sua legalidade. (Pet 7074 QO, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
29/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-085 DIVULG 02-05-2018 PUBLIC 03-05-2018).
58 Nesse sentido: MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 171.
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Homologação do acordo.
Uma vez homologado o acordo, o colaborador poderá ser ouvido pelo Ministé-
rio Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações (§ 9.º do art.
4.º), em depoimentos que devem ser gravados e disponibilizados ao colaborador (§ 13
do art. 4.º).
Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu
defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso de dizer a verdade (§
14 do art. 4.º). Embora o legislador não tenha sido feliz na redação do dispositivo, este
não viola a garantia constitucional ao silêncio (art. 5.º, LXII, da CF). Assim, a melhor
interpretação a ser feita é no sentido de que voluntariamente o colaborador faz a opção
por não silenciar, ou seja, opta por não exercer o direito ao silêncio e, como desdo-
bramento natural da colaboração premiada homologada, assume um compromisso de
dizer a verdade60.
Em todos esses atos, o colaborador deve estar assistido por defensor (§ 15 do
art. 4.º).
59 Conforme MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 190.
60 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 197-198.
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63 Inq 4483 QO, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNI-
CO DJe-116 DIVULG 12-06-2018 PUBLIC 13-06-2018.
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67 O acórdão do HC 166373/PR ainda não foi publicado. Do extrato da decisão do julgamento realizado em 02/10/19,
extrai-se que “O Tribunal, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, para anular a decisão do juízo de
primeiro grau, determinando-se o retorno dos autos à fase de alegações finais, a qual deverá seguir a ordem
constitucional sucessiva, ou seja, primeiro a acusação, depois o delator e por fim o delatado, nos termos do voto
do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Roberto
Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Marco Aurélio. Prosseguindo no julgamento e após proposta feita pelo Ministro
Dias Toffoli (Presidente), o Tribunal, por maioria, decidiu pela formulação de tese em relação ao tema discutido e
votado neste habeas corpus, já julgado, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco
Aurélio. Em seguida, o julgamento foi suspenso para fixação da tese em assentada posterior. Plenário, 02.10.2019.”
68 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 197-198.
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69 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 199. Parece ter sido nessa condição que
colaboradores prestaram depoimento no âmbito da AP 1015/DF, que tramita no STF, sob relatoria do Min. Edson
Fachin, conforme decisão em 18/09/2017, disponível no sítio do STF na internet, em consulta na movimentação
processual.
70 Conforme decidiu o STF, o “juízo sobre os termos do acordo de colaboração, seu cumprimento e sua eficácia,
conforme preceitua o art. 4º, § 11, da Lei n. 12.850/2013, dá-se por ocasião da prolação da sentença (e no Su-
premo Tribunal Federal, em decisão colegiada), não se impondo na fase homologatória tal exame previsto pela
lei como controle jurisdicional diferido, sob pena de malferir a norma prevista no § 6º do art. 4º da referida Lei
n. 12.850/2013, que veda a participação do juiz nas negociações, conferindo, assim, concretude ao princípio acu-
satório que rege o processo penal no Estado Democrático de Direito”. (Pet 7074 QO, Relator(a): Min. EDSON
FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-085 DIVULG 02-05-2018 PU-
BLIC 03-05-2018).
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Cabe-lhe também mencionar outras pessoas que possam prestar depoimentos desin-
teressados dobre os fatos”71.
Aliás, o STF tem decidido que se deve “excluir do conceito de elemento externo
de corroboração documentos elaborados unilateralmente pelo próprio colaborador”,
pois a “colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, tem aptidão para au-
torizar a deflagração da investigação preliminar, visando à aquisição de coisas materiais,
traços ou declarações dotados de força probatória. Essa, em verdade, constitui sua ver-
dadeira vocação probatória. Todavia, os depoimentos do colaborador premiado, sem
outras provas idôneas de corroboração, não se revestem de densidade suficiente para
lastrear um juízo condenatório”.72
71 ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Ale-
gre, Ed, Verbo Jurídico, 2.ª edição, 2013, p. 534.
72 AP 1003, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado
em 19/06/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-262 DIVULG 05-12-2018 PUBLIC 06-12-2018.
73 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 726-727.
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74 Também há previsão de infiltração de agentes de polícia na Lei de Drogas (art. 53, I). Da mesma forma, na Con-
venção da ONU contra a criminalidade organizada transnacional (art. 20.1, Decreto 5.015/04).
75 Devendo-se seguir o seguinte procedimento: representação de Delegado de Polícia, ouvido o Ministério Público,
ou a requerimento deste (neste caso, se solicitada no curso do IP, haverá manifestação técnica do Delegado de
Polícia), no curso de inquérito policial ou processo judicial, precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa auto-
rização judicial (art. 10). Distribuição sigilosa do pedido (art. 12), que será analisado em 24h, devendo-se adotar
as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado (art. 12, § 1.º). Prazo de
até seis meses, renováveis se comprovada a necessidade (art. 10, § 3.º). Ao fim de cada período, relatório cir-
cunstanciado (art. 10, § 4.º). Relatório da atividade também é possível a qualquer tempo (art. 10, § 5.º). Os autos
da atuação do agente infiltrado acompanharão a denúncia, quando serão disponibilizados à defesa, mantendo o
sigilo da identidade do agente (art. 12, § 2.º). A operação pode ser sustada por requisição do Ministério Público ou
pelo Delegado de Polícia, com ciência imediata àquele ou à autoridade judicial, caso haja indícios seguros de que o
agente infiltrado sofre risco iminente (art. 12, § 3.º). Segundo a lei de regência, necessários os seguintes requisitos
para a infiltração de agentes: indícios de organização criminosa e impossibilidade de a prova ser produzida por
outros meios (art. 10, § 2.º). Demonstração da necessidade da medida, alcance das tarefas dos agentes infiltrados
e, se possível, o nome ou apelido das pessoas investigadas e o local da infiltração (art. 11).
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Com a Lei Anticrime, incorpora-se a Lei 12.850/13 uma variação dessa especial
técnica de investigação, a fim de acompanhar a evolução tecnológica representada pela
internet e os vastos campos que propicia para a atuação do crime organizado em deli-
tos de pedofilia e pornografia infantil; tráfico de drogas, armas e munições, tráfico de
órgãos ou de seres humanos; terrorismo e lavagem de dinheiro76. Enfim, inúmeros são
os crimes que podem ser praticados através da internet, tanto em redes abertas como
fechadas. São os crimes cibernéticos.
Para fazer frente a essa nova realidade é fundamental que se disponibilizem aos
investigadores meios de obtenção de prova adequados, que lhes permitam inserção
no mundo virtual, normalmente impessoal, com facilidades para o anonimato, espe-
cialmente em redes fechadas, que se encontram nas chamadas Deep Web77 ou Dark
Web78. Além disso, e obviamente, essa sofisticação tecnológica já dominada pelo crime
organizado, que canaliza grandes esforços humanos e financeiros na exploração do sub-
mundo virtual, também precisa ser compreendida pelas instituições encarregadas da
persecução penal, que necessitam, cada vez mais, capacitar seus agentes e prepará-los
para os novos tempos e as novas formas de criminalidade.
Como refere Jaqueline Ana Buffon, “ao acessar redes fechadas, é necessário um
convite e/ou a conquista da confiança por parte dos usuários daquele ambiente virtual.
Assim, resta demonstrada a importância do agente infiltrado on-line, o qual deverá es-
tar atento à observância de todos os limites que a lei impõe, para se obter uma prova
válida”79.
Redes abertas na internet também são facilmente utilizadas para a difusão da
pornografia infantil, para a prática de crimes de estelionato, de invasão de dispositivos
informativos, integrar organização criminosa e outros tantos delitos que podem ter suas
execuções determinadas com o uso da rede mundial de computadores.
A utilização de smartfhones, celular inteligente com recursos de computadores
pessoais, está disseminada na sociedade. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas/
SP, em abril de 2019 o Brasil tinha 230 milhões de smartfhones habilitados e em uso80,
o que significa mais de um aparelho por habitante. Há no mercado diversos aplicativos
de mensagens e chamadas de voz para smartfhones que enviam mensagens de texto
imagens, vídeos e documentos em vários formatos. Alguns permitem até fazer ligações
gratuitas, de voz ou vídeo, tudo por meio de uma conexão com a internet. O WhatsApp
provavelmente seja, na atualidade, o mais popular. Mas há outros como Instagram, Fa-
cebook Messenger, Telegram, Hangouts, ICQ, KakaoTalk Messenger, Kik Messenger, Line,
Skype e Viber, que permitem, senão todas, algumas daquelas funcionalidades.
76 ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Ob. Cit., p. 542.
77 É uma parte da rede de internet que não está indexada pelas ferramentas de busca, segundo divisão de conteúdos
da rede mundial de computadores.
78 É uma rede obscura, que abrange servidores de rede inalcançáveis na Internet, pois requererem softwares, confi-
gurações ou autorizações específicas para o acesso.
79 BUFFON, Jaqueline Ana. Artigo: Agente infiltrado virtual, divulgado na coletânea de artigos Crimes Cinernéticos, pelo
Ministério Público Federal, 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, volume 3, em 2018, encontrado no link: http://
www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/coletaneas-de-artigos/coletanea_de_artigos_crimes_ciber-
neticos, p. 83.
80 Conforme divulgado na imprensa: https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/04/brasil-tem-230-
-milhoes-de-smartphones-em-uso.html.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO
Essa tecnologia, portanto, também está à disposição dos criminosos. Não raro
a execução de homicídios é ordenada a partir da utilização desses aplicativos do inte-
rior de estabelecimentos prisionais81. Há notícias da utilização das redes sociais para
formação de grupos integrados por pessoas que compram e vendem produtos ilícitos
de qualquer natureza. Várias fraudes são identificadas no e-commerce ou no sistema
bancário, pelo internet banking. Enfim, a imaginação humana é farta também para as
atividades ilícitas, desafiando maior inteligência do sistema repressivo, com emprego de
técnicas de investigação adequadas, sob pena de submergir.
Portanto, o tratamento legal da infiltração virtual de agentes de polícia na inter-
net, pela Lei 13.964/19, é merecedor de elogios.
Cumpre ressaltar que a Lei Anticrime não chega a inovar em nosso ordenamen-
to, pois possível a infiltração de agentes de polícia na internet desde 2017, com o ad-
vento da Lei 13.441, que introduziu no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
(Lei 8.069/90), os artigos 190-A a 190-E. O objetivo estava atrelado à apuração de
crimes contra a dignidade sexual que vitimam crianças e adolescentes, principalmente
a pedofilia, a exposição de crianças e adolescentes à pornografia, divulgação de fotos e
vídeos com cenas sexuais, criminalidade em muito potencializada com o fenômeno da
internet, justificando plenamente a utilização da infiltração de agente de polícia virtual
com a intenção de prevenir e reprimir tal criminalidade.
Mas mesmo antes da previsão dessa figura no ECA, sustentava-se a possibilidade
jurídica da infiltração virtual, com aplicação dos dispositivos que já tratam da infiltração
de agentes nas leis 12.850/13 e 11.343.06, pois o primeiro não deixa de ser uma moda-
lidade ou espécie do segundo.
Entretanto, a nova previsão, inegavelmente, confere maior segurança jurídica aos
operadores do direito, especialmente aos agentes que atuarão na infiltração.
Os novos arts. 10-A a 10-C da Lei 12.850/13, que tratam da infiltração virtual de
agentes policiais na internet, têm origem no PL 10.372/18, apresentado como resultado
de trabalho realizado por uma Comissão de Juristas nomeada pela Câmara dos Depu-
tados, sob a presidência do Ministro do STF Alexandre de Moraes.
De acordo com o art. 10-A, a finalidade da infiltração virtual de agentes de polícia
na internet é a de investigar os crimes previstos na Lei do Crime Organizado e os a eles
conexos, praticados por organização criminosa.
Portanto, o emprego dessa técnica especial de investigação tem por objetivo
a produção de prova a respeito da autoria e materialidade de crimes praticados por
organizações criminosas, valendo-se estas da internet como um dos meios para a con-
secução de seus objetivos espúrios.
Embora a infiltração virtual em comento seja na internet, os novos dispositivos
inseridos na Lei 12.850/13 não definiram o que se compreende por internet, como se
fez, por exemplo, em relação a dados de conexão ou dados cadastrais (§ 1.º do art. 10-A).
81 Assim: https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/09/presos-suspeitos-de-matar-e-traficar-a-mando-
-de-lider-de-faccao-detido-no-central-ck0hvyuck030c01tg1wmkop0u.html.
82
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Ainda que a difusão dos meios digitais na vida das pessoas as tenham tornado
praticamente dependentes da internet e, portanto, possuam uma compreensão, ainda
que superficial, do seu significado, é importante a definição legal para delimitar o cam-
po de atuação da infiltração virtual. Apesar da omissão na reforma legislativa operada,
deve-se socorrer da definição existente na Lei 12.965/14, conhecida como “marco civil
da internet”, e que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da
internet no Brasil.
E de acordo com o art. 5.º, inciso I, da Lei 12.965/14, a internet é um sistema
constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso pú-
blico e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais
por meio de diferentes redes82.
Assim como já fizera em relação ao agente infiltrado físico, os novos dispositivos
tratam dos requisitos, prazos, legitimidade e procedimento para a autorização judicial
da infiltração virtual, a seguir analisados.
Legitimados. A atuação de agentes de polícia virtuais pode ser provocada por
representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público, ou a requerimento
deste (§ 2.º do art. 10-A).
Requisitos.
82 Em pesquisa livre no sítio Wikipédia para internet, o resultado indicou que “a Internet é um sistema global de redes
de computadores interligadas que utilizam um conjunto próprio de protocolos (Internet Protocol Suite ou TCP/IP)
com o propósito de servir progressivamente usuários no mundo inteiro. É uma rede de várias outras redes, que
consiste de milhões de empresas privadas, públicas, acadêmicas e de governo, com alcance local e global e que está
ligada por uma ampla variedade de tecnologias de rede eletrônica, sem fio e ópticas. A internet traz uma extensa
gama de recursos de informação e serviços, tais como os documentos inter-relacionados de hipertextos da World
Wide Web (WWW), redes ponto-a-ponto (peer-to-peer) e infraestrutura de apoio a correio eletrônico (e-mails).
As origens da internet remontam a uma pesquisa encomendada pelo governo dos Estados Unidos na década de
1960 para construir uma forma de comunicação robusta e sem falhas através de redes de computadores. Embora
este trabalho, juntamente com projetos no Reino Unido e na França, tenha levado a criação de redes precursoras
importantes, ele não criou a internet. Não há consenso sobre a data exata em que a internet moderna surgiu, mas
foi em algum momento em meados da década de 1980”. Em https://pt.wikipedia.org/wiki/Internet.
83 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 311.
84 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 751-752.
83
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO
c) indispensabilidade da infiltração.
A infiltração de agentes é um meio e obtenção de prova com alto grau de risco.
Ainda que na forma virtual, poderá expor o agente infiltrado, caso haja a necessidade,
no decorrer da infiltração, de algum contato físico dele com algum integrante da organi-
zação criminosa investigada. Além disso, é uma técnica invasiva da privacidade das pes-
soas com as quais o infiltrado mantém relações e, com isso, vai adquirindo a confiança.
Por isso só pode ser empregada em último caso, quando as provas não puderem ser
produzidas por outros meios disponíveis (§ 3.º do art. 10-A).
Duração da infiltração.
A infiltração será autorizada quando comprovada sua necessidade, mediante or-
dem judicial fundamentada, pelo prazo de 6 meses, podendo ser renovada por mais de
uma vez, desde que no total não se ultrapassem 720 dias (§ 4.º do art. 10-A). O legisla-
dor foi mais restritivo na infiltração virtual, pois, ainda que permita renovações, fixa um
limite de 720 dias, o que não ocorre em relação à física (§ 3.º do art. 10).
Relatório circunstanciado.
Findo o prazo previsto no § 4.º deste artigo, o relatório circunstanciado, junta-
mente com todos os atos eletrônicos praticados durante a operação, deverão ser regis-
trados, gravados, armazenados e apresentados ao juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (§ 5.º do art. 10-A).
85 Idem, p. 752.
84
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
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Procedimento em juízo.
Além da distribuição sigilosa do pedido, todas as informações da operação de
infiltração virtual devem ser encaminhadas diretamente ao juiz responsável pela autori-
zação da medida, que zelará por seu sigilo (art. 10-B).
Para manutenção do sigilo, enquanto não se conclua a operação da infiltração, o
acesso aos autos será reservado ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia
responsável pela operação (parágrafo único do art. 10-B).
E uma vez concluída a investigação, todos os atos eletrônicos praticados durante
a operação deverão ser registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz
e ao Ministério Público, juntamente com relatório circunstanciado (art. 10-D). Esses
os atos eletrônicos devem ser reunidos em autos apartados e apensados ao processo
criminal juntamente com o inquérito policial, assegurando-se a preservação da identi-
dade do agente policial infiltrado e a identidade dos envolvidos (parágrafo único do art.
10-D).
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
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como se omitiu o legislador, surgiram posições tanto no sentido de considerar uma cau-
sa excludente da ilicitude (estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de
direito) como de exclusão da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa).
Com a Lei 12.850/13, o legislador fez claramente uma opção quando previu, no
art. 13, parágrafo único, uma causa excludente da culpabilidade para os crimes eventual-
mente praticados pelo agente infiltrado, desde que inexigível conduta diversa. Há crime,
portanto, mas não é punível, exceto se houver excesso.
Agora, de modo diverso, a Lei Anticrime estabeleceu, no art. 10-C, que não
comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher
indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos no art. 1.º desta Lei (art. 10-C).
E caso o agente policial deixe de observar a estrita finalidade da investigação, responde-
rá pelos excessos praticados (parágrafo único do art. 10-C). Optou, portanto, por uma
causa excludente do crime.
Vê-se que esse novo dispositivo não se refere aos crimes que o agente de polícia
infiltrado virtual comete durante as atividades de investigação, mas sim ao policial que
oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materia-
lidade dos crimes.
Evidente a falha do legislador, pois se omitiu no tratamento jurídico para hipó-
teses não incomuns na infiltração. E não reconhecer uma causa excludente da culpa-
bilidade ou da ilicitude a crimes que os agentes infiltrados sejam obrigados a praticar
é condenar ao desuso essa especial técnica de investigação, pois nenhum policial se
sujeitará a tamanho ato de heroísmo.
Assim, não resta alternativa senão reconhecer-se a aplicabilidade do art. 13 e seu
parágrafo único também em relação ao art. 10-A. Como antes mencionado, a Lei An-
ticrime inseriu os artigos que tratam da infiltração virtual na seção III da Lei 12.850/13,
logo depois do art. 10. Portanto, podem ser aplicáveis todos os dispositivos subsequen-
tes, dentro da seção, desde que com eles não sejam incompatíveis. Nessa linha de ra-
ciocínio, inegável que são reconhecidos ao agente infiltrado virtual os mesmos direitos
previstos à infiltração física (art. 14).
Dessa forma, pode-se sustentar que se aplicam aos agentes policiais infiltrados na
internet o disposto no art. 13, caput e parágrafo único, que prevê a exclusão da punibilidade
por inexigibilidade de conduta, com responsabilização por eventuais excessos, na medida
em que não é incompatível com o novo art. 10-C. Pelo contrário, são complementares.
Provas produzidas.
É nula a prova obtida sem a observância do disposto no art. 10-A (§ 7.º).
Identidade fictícia.
Indispensável a preservação da identidade real do policial infiltrado, tanto para
garantir a continuidade das investigações, como para preservar o próprio policial e sua
família.
de; BECHARA, Fábio Ramazzini. Agente infiltrado: reflexos penais e processuais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10,
n. 825, 6 out.2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7360>. Acesso em: 19/03/2014.
86
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO
Assim, de acordo com o parágrafo único do art. 11, os órgãos de registro e ca-
dastro público poderão incluir nos bancos de dados próprios, mediante procedimento
sigiloso e requisição da autoridade policial, as informações necessárias à efetividade da
identidade fictícia criada, nos casos de infiltração de agentes na internet. Com isso, é
possível a criação de uma identidade fictícia, por exemplo, para permitir a infiltração
sem gerar suspeitas.
88 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 756.
89 BITENCOURT, Cezar Roberto, e BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Ob. Cit., p. 166.
90 ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. Ob. Cit., p. 543.
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO NA LEI QUE DISPÕE SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA – LEI 13.756/18
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capítulo 5
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO NA
LEI QUE DISPÕE SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA
PÚBLICA – LEI 13.756/18
LUCIANO VACCARO
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO NA LEI QUE DISPÕE SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA – LEI 13.756/18
LUCIANO VACCARO
A Lei Anticrime alterou o art. 3.º da Lei 13.756/18, que trata do Fundo Nacional
de Segurança Pública, prevendo novas fontes de financiamento.
Vale lembrar que essa alteração não constava do PL 882/19, proposto pelo Po-
der Executivo a partir da iniciativa do Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio
Moro, mas, sim, do PL 10.372/18, como resultado de uma Comissão de Juristas presi-
dida pelo Ministro do Alexandre de Moraes, do STF.
Os recursos canalizados para o Fundo Nacional de Segurança Pública possuem
destinação prevista em lei (art. 5.º), a saber: a) construção, reforma, ampliação e mo-
dernização de unidades policiais, periciais, de corpos de bombeiros militares e de guar-
das municipais; b) aquisição de materiais, de equipamentos e de veículos imprescindí-
veis ao funcionamento da segurança pública; c) tecnologia e sistemas de informações e
de estatísticas de segurança pública; d) inteligência, investigação, perícia e policiamento;
e) programas e projetos de prevenção ao delito e à violência, incluídos os programas de
polícia comunitária e de perícia móvel; f) capacitação de profissionais da segurança pú-
blica e de perícia técnico-científica; g) integração de sistemas, base de dados, pesquisa,
monitoramento e avaliação de programas de segurança pública; h) atividades preven-
tivas destinadas à redução dos índices de criminalidade; i) serviço de recebimento de
denúncias, com garantia de sigilo para o usuário; j) premiação em dinheiro por infor-
mações que auxiliem na elucidação de crimes, a ser regulamentada em ato do Poder
Executivo federal; e k) ações de custeio relacionadas com a cooperação federativa de
que trata a Lei nº 11.473, de 10 de maio de 2007.
Na justificativa apresentada quando do encaminhamento do PL 10.372/18,
ponderou o Ministro Alexandre de Moraes que “o real e efetivo financiamento para
a área de segurança pública é a medida primordial para possibilitar o desenvolvi-
mento do setor de inteligência e melhor estruturação e remuneração das policias
de todo o País. A presente proposta traz, principalmente, uma readequação de
distribuição de recursos já existentes, priorizando uma das áreas mais demandadas
pela sociedade”.
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Passam a ser recursos do FNSP, com o acréscimo dos incisos V a VIII ao art. 3.º,
os recursos provenientes de convênios, contratos ou acordos firmados com entidades
públicas ou privadas, nacionais, internacionais ou estrangeiras; os recursos confiscados
ou provenientes da alienação dos bens perdidos em favor da União Federal, nos termos
da legislação penal ou processual penal; as fianças quebradas ou perdidas, em conformi-
dade com o disposto na lei processual penal; e os rendimentos de qualquer natureza,
auferidos como remuneração, decorrentes de aplicação do patrimônio do FNSP.
Inegavelmente, a segurança pública carece de investimentos. Desenvolver o se-
tor de inteligência e perícias, promover a capacitação de agentes, recuperar e ampliar
as vagas no sistema prisional, entre outras necessidades, são medidas que requerem
alta capacidade de investimento.
Assim, a modificação da Lei 13.756/18, prevendo novas fontes de financiamento
para o Fundo Nacional de Segurança Pública, é positiva.
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ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
capítulo 6
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EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
91 Para além das diversas Leis que promoveram alterações na LEP no curso dos anos, é de se destacar o projeto de
lei oriundo do Senado Federal (PLS 513/2013), o qual tem como propósito instituir uma nova Lei de Execuções
Penais no país.
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Penais já continha em sua redação original diversas previsões com o propósito de dife-
renciar os apenados. Não à toa, o artigo 5º, da Lei 7.210/84, determina que “os conde-
nados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar
a individualização da execução penal”92.
Para além de outras classificações, a Lei 12.654/201293 instituiu a obrigatorieda-
de da identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, do condenado por
crime que tenha sido praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra
pessoa ou por crime hediondo.
Esta previsão, de caráter, diga-se de passagem, obrigatório, tem sido aceita pelo
STJ94, entendendo-se que os condenados pelos crimes enquadrados no artigo 9º-A, da
LEP, devem ser submetidos à identificação do perfil genético. Esta também é posição
de Guilherme de Sousa Nucci, para quem a identificação pelo perfil genético é válida,
desde que, no entendimento do autor, seja “usada para futuros delitos”95.
Agora, porém, a Lei 13.964/2019 promoveu maior disciplina quanto à regulamen-
tação do ato de identificação do perfil genético, bem como do armazenamento dos res-
pectivos dados. Em verdade, o projeto aprovado pelas Casas Legislativas continha nova
redação para o caput do artigo 9º-A, o qual foi vetado pelo Presidente da República sob
o argumento de que a alteração do texto promoveria um descompasso no que tange à
natureza dos crimes que tornariam obrigatória a identificação do perfil genético96.
É que, de acordo com o caput do artigo 9-A, que fora vetado, seria suprimida da
redação original do dispositivo a menção expressa aos crimes hediondos, situação esta
que, em conformidade com o veto presidencial, violaria o interesse público, na medida
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97 Cf. RENATO BRASILEIRO DE LIMA, Manual de Processo Penal: volume único. 6ª ed. rev., ampl. e atual. – Salvador:
JusPodvm, 2018, pág. 150.
98 Cf. “Repercussão geral. Recurso extraordinário. Direitos fundamentais. Penal. Processo Penal. 2. A Lei 12.654/12
introduziu a coleta de material biológico para obtenção do perfil genético na execução penal por crimes violentos
ou por crimes hediondos (Lei 7.210/84, art. 9-A). Os limites dos poderes do Estado de colher material biológico de
suspeitos ou condenados por crimes, de traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os perfis em bancos de
dados e de fazer uso dessas informações são objeto de discussão nos diversos sistemas jurídicos. Possível violação
a direitos da personalidade e da prerrogativa de não se incriminar – art. 1º, III, art. 5º, X, LIV e LXIII, da CF. 3. Tem
repercussão geral a alegação de inconstitucionalidade do art. 9-A da Lei 7.210/84, introduzido pela Lei 12.654/12,
que prevê a identificação e o armazenamento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou hediondos.
4. Repercussão geral em recurso extraordinário reconhecida”. (RE 973837 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
julgado em 23/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-2016 )
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Neste sentido, pela dicção do novel dispositivo, em se tratando dos crimes de-
finidos no caput, do artigo 9º-A (natureza do delito), a identificação do perfil genético
deverá ser realizada até o cumprimento final da pena, não estando restrito tal procedi-
mento apenas àqueles que estiverem reclusos nos estabelecimentos prisionais.
Assim, ainda que o indivíduo tenha sido beneficiado com eventual progressão de
regime ou mesmo livramento condicional, até o cumprimento final da pena deverá ser
procedida a identificação do seu perfil genético.
Em face desta obrigatoriedade, o apenado que se recusar a se submeter ao pro-
cedimento de identificação do perfil genético incorrerá em falta grave, na forma do
§8º, do artigo 9º-A, consequência esta por demais danosa no curso da execução da
pena, já que a prática de falta grave gera uma série de prejuízos ao apenado, na forma
da Lei 7.210/84, como revogação de trabalho externo (art. 37), submissão às sanções
disciplinares (art. 57), revogação da progressão de regime especial para mulheres (art.
112, §4º), regressão de regime prisional (art. 118, I), revogação da saída temporária
(art. 125), revogação do tempo remido (art. 127), etc.
Aliás, a Lei 13.964/19 também alterou o artigo 50, da Lei de Execuções Penais,
fazendo incluir naquele dispositivo o inciso VIII, segundo o qual também comete falta
grave o condenado à pena privativa de liberdade que “recursar submeter-se ao proce-
dimento de identificação do perfil genético”.
99 Embora reconheça a constitucionalidade, Guilherme de Sousa Nucci entende que o melhor seria buscar o fiel
cumprimento “às leis penais e de execução penal”, aplicando-se corretamente os regimes fechado, semiaberto e
aberto. Cf. GUILHERME DE SOUSA NUCCI, in op. cit., p. 1041.
100 Veja-se, à guisa de ilustração, o entendimento do STJ já no ano de 2005: “HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLI-
NAR DIFERENCIADO. ART. 52 DA LEP. CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRO-
PORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDA-
DE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA. 1. Considerando-se que
os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência
das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao
princípio da proporcionalidade. 2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003, que alterou
a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos pe-
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É bem verdade que o debate jurídico ainda é muito presente, notadamente pela
alegação de que as regras impostas ao indivíduo sujeito ao regime disciplinar diferen-
ciado violam a dignidade da pessoa humana101, haja vista a severidade de suas medidas,
notadamente a restrição de convívio social e reduzido tempo de exposição ao sol. Con-
tudo, diante dos valores contrários a serem protegidos, sobretudo a segurança interna
do estabelecimento penal e da ordem social, tem sido reconhecida a constitucionalida-
de do RDD.
Considerando desta premissa, deve-se observar, como ponto de partida, que
o caput do artigo 52 sofreu pequena modificação em sua redação, basicamente para
tornar expresso que o regime disciplinar diferenciado pode ser aplicado tanto ao preso
“nacional ou estrangeiro”, independente de ser provisório ou condenado.
Como tem sido observado na prática, os Tribunais Superiores não titubeavam na
aplicação do RDD também para os presos estrangeiros, até porque a redação anterior
não fazia distinção ou restrição a qualquer nacionalidade102. Contudo, carecia o artigo
52 desta previsão expressa, tendo o Legislador aproveitado a reforma do instituto para
tornar clara a possibilidade de aplicação do regime mais severo a todos os presos que
se enquadrem nas situações descritas na Lei.
De qualquer sorte, também merece atenção o fato de o regime disciplinar di-
ferenciado não se confundir com os regimes prisionais de cumprimento da pena (fe-
chado, semiaberto e aberto). Em verdade, apesar de a nomenclatura causar certa con-
fusão, o RDD consiste apenas em um novo sistema de aplicação de sanção disciplinar
carcerária ao preso que comete crime doloso, subvertendo a ordem ou disciplina do
estabelecimento prisional.
nais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados,
continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional ? liderando
rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos ? e,
também, no meio social. 3. Aferir a nulidade do procedimento especial, em razão dos vícios apontados, demanda-
ria o revolvimento do conjunto fático-probatório apurado, o que, como cediço, é inviável na estreita via do habeas
corpus. Precedentes. 4. A sentença monocrática encontra-se devidamente fundamentada, visto que o magistrado,
ainda que sucintamente, apreciou todas as teses da defesa, bem como motivou adequadamente, pelo exame
percuciente das provas produzidas no procedimento disciplinar, a inclusão do paciente no Regime Disciplinar Di-
ferenciado, atendendo, assim, ao comando do art. 54 da Lei de Execução Penal. 5. Ordem denegada. (HC 40.300/
RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 312)
101 Cf. RENATO BRASILEIRO DE LIMA, in op. cit., p. 151.
102 Veja-se, sobre o assunto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL.
ARTIGO 52 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. INCONSTITUCIONA-
LIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMPO DE DURAÇÃO. LEGALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. É constitucional o
artigo 52 da Lei nº 7.210/84, com a redação determinada pela Lei nº 10.792/2003. 2. O regime diferenciado, afora
a hipótese da falta grave que ocasiona subversão da ordem ou da disciplina internas, também se aplica aos presos
provisórios e condenados, nacionais ou estrangeiros, “que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do
estabelecimento penal ou da sociedade”. 3. A limitação de 360 dias, cuidada no inciso I do artigo 52 da Lei nº
7.210/84, é, enquanto prazo do regime diferenciado, específica da falta grave, não se aplicando à resposta execu-
tória prevista no parágrafo primeiro do mesmo diploma legal, pois que há de perdurar pelo tempo da situação que
a autoriza, não podendo, contudo, ultrapassar o limite de 1/6 da pena aplicada. 4. Em obséquio das exigências ga-
rantistas do direito penal, o reexame da necessidade do regime diferenciado deve ser periódico, a ser realizado em
prazo não superior a 360 dias. 5. Ordem denegada”. (HC 44.049/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA,
Rel. p/ Acórdão Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2006, DJ 19/12/2007, p.
1232)
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Aliás, o §1º, do artigo 52, também permite a inclusão no regime disciplinar dife-
renciado do preso, provisório ou condenado, nacional ou estrangeiro, que apresente
“alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade”
(inciso I) ou mesmo “sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou par-
ticipação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia
privada, independentemente da prática de falta grave” (inciso II).
Esta extensão do RDD já era possível, em grande parte, na redação anterior dos
§§ 1º e 2º, do artigo 52. Contudo, a parte final do inciso II, do §1º foi além do agora
revogado §2º, já que o regime disciplinar diferenciado poderá ser aplicado aos presos
independente da prática de falta grave, desde que recaiam sobre o mesmo a suspeita
de participação em “organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada”.
Para melhor entendimento, veja-se o quadro comparativo do artigo 52, da Lei de
Execuções Penais, antes e após a Lei 13.964/19:
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Para além disso, a Lei 13.964/19 afastou o limite de repetição da medida pelo
prazo de 1/6 (um sexto) da pena aplicada, pelo que a repetição da sanção por nova falta
grave encontrará limite apenas no prazo máximo de 02 (dois) anos.
Ademais, diversamente da disposição anterior, que inadmitia prorrogação do re-
gime disciplinar diferenciado pelo mesmo fato, a nova Lei fez incluir, no §4º, a possibi-
lidade de prorrogação do RDD por 01 (um) ano, desde que existam indícios de que o
preso “continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimen-
to penal de origem ou da sociedade” (inciso I) ou mesmo que “mantém os vínculos com
organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados também
o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação
duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do
tratamento penitenciário”(inciso II).
Quanto ao funcionamento do regime disciplinar diferenciado, o “pacote anticrime”
contido na Lei 13.964/19 procurou trazer maior rigor e limitação aos direitos do preso.
Com efeito, além de manter o recolhimento do preso em cela individual (inciso
II) e o direito ao “banho de sol” por apenas 02 (duas) horas diárias (IV), o direito de vi-
sita passou a ser previsto apenas de forma quinzenal, vedando-se, ainda, a possibilidade
de qualquer contato físico ou entrega de objetos de qualquer natureza. Aliás, à exceção
dos membros da família do preso, qualquer outro visitante dependerá de autorização
judicial para visitar o preso, conforme consta no inciso III103.
É claro, por óbvio, que o Advogado do apenado não se enquadra nas limitações
contidas no inciso III, do artigo 52, não dependendo, portanto, de autorização judicial
para audiência com o preso no estabelecimento penal. Contudo, ainda se tratando de
visita do Advogado, é vedado o contato físico e a entrega de qualquer objeto, sendo
possível, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, que a Administração Penitenciá-
ria, por razões de segurança, discipline a forma da visita do Advogado104.
103 Guilherme de Sousa Nucci adverte ser incabível a vedação da visita, em caráter permanente, seja pela impossibili-
dade de punição de caráter perpétuo, seja pela necessidade da visita para ressocialização do preso. Cf. GUILHER-
ME DE SOUSA NUCCI, in op. cit., p. 1037.
104 Sobre o direito de o Advogado ter acesso ao cliente, mesmo em unidade prisional, veja-se o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO. RESOLUÇÃO SAP 49 DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO
NORMATIVO REGULADOR DO DIREITO DE VISITA E ENTREVISTA COM CAUSÍDICO NOS ESTABELECI-
MENTOS PRISIONAIS. RESTRIÇÃO A GARANTIAS PREVISTAS NO ESTATUTO DOS ADVOGADOS E NA LEI
DE EXECUÇÕES PENAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Hipótese em que a OAB/SP impetrou Mandado de Segurança,
considerando como ato coator a edição da Resolução 49 da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado
de São Paulo, norma que, disciplinando o direito de visita e de entrevista dos advogados com seus clientes presos,
restringe garantias dos causídicos e dos detentos. 2. O prévio agendamento das visitas, mediante requerimento
à Direção do estabelecimento prisional, é exigência que fere o direito do advogado de comunicar-se com cliente
recolhido a estabelecimento civil, ainda que incomunicável, conforme preceitua o art. 7º da Lei 8.906/1994, norma
hierarquicamente superior ao ato impugnado. A mesma lei prevê o livre acesso do advogado às dependências de
prisões, mesmo fora de expediente e sem a presença dos administradores da instituição, garantia que não poderia
ter sido limitada pela Resolução SAP 49. Precedente do STJ. 3. Igualmente malferido o direito do condenado à
entrevista pessoal e reservada com seu advogado (art. 41, IX, da LEP), prerrogativa que independe do fato de o
preso estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado, pois, ainda assim, mantém ele integralmente seu direito
à igualdade de tratamento, nos termos do art. 41, XII, da Lei de Execuções Penais. 4. Ressalva-se, contudo, a pos-
sibilidade da Administração Penitenciária - de forma motivada, individualizada e circunstancial - disciplinar a visita
do Advogado por razões excepcionais, como por exemplo a garantia da segurança do próprio causídico ou dos
outros presos. 5. Recurso Especial provido”. (REsp 1028847/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 12/05/2009, DJe 21/08/2009)
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Um assunto mais desafiador nesta temática tem a ver com o monitoramento das
entrevistas do preso e a fiscalização do conteúdo de correspondências. Isso porque, em
que pese a novel redação dos incisos V e VI, do artigo 52, da LEP, o inciso XII, do artigo
5º, da Constituição Federal dispõe que “é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal”.
É bem verdade, como adverte o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que a leitura
do dispositivo constitucional poderia conduzir à conclusão de que somente poderia ser
excepcionada a inviolabilidade das comunicações telefônicas, já que o constituinte não
teria deixado expressa a possibilidade de quebra do sigilo das correspondências105.
Contudo, como reconhece sua Excelência, “a restrição aos direitos fundamentais
pode ocorrer mesmo sem autorização expressa do constituinte, sempre que se fizer
necessária a concretização do princípio da concordância prática entre os ditames cons-
titucionais”106. De fato, a colisão no campo dos direitos fundamentais é algo inevitável e
inerente ao próprio constitucionalismo moderno, sendo precisa a afirmação de Robert
Alexy no sentido de que “não existe um catálogo de direitos fundamentais sem colisão
de direitos fundamentais”107.
Esta compreensão acerca dos direitos fundamentais é indispensável na análise
dos incisos V e VI, do artigo 52, da LEP, já que a redação dada pela Lei 13.964/19 permi-
tiu que as entrevistas dos presos em regime disciplinar diferenciado sejam monitoradas,
assim como suas correspondências sejam fiscalizadas.
Como dito, embora o sigilo das correspondências seja garantido como direito
fundamental no inciso XII, do artigo 5º, da Carta Magna, em casos de conflito entre
normas de direitos fundamentais pode haver cedência de qualquer das normas, pois,
como adverte Jorge Reis Novais, quando os direitos fundamentais são tratados pelo
Legislador Constituinte, “as normas constitucionais não assumem natureza de regras,
mas antes de princípios”108.
Nestas condições, ainda que se alegue que o sigilo das correspondências do pre-
so ou seu direito à intimidade configuram direitos fundamentais, os incisos V e VI, do
artigo 52, da LEP, não guardam qualquer mancha de inconstitucionalidade, haja vista que
diante do eventual conflito normativo com a norma de direito fundamental que confere
aos demais indivíduos o direito à vida, à integridade física e à segurança pode haver
cedência dos direitos fundamentais do preso, sendo constitucional, portanto, a novel
disciplina do regime disciplinar diferenciado introduzida pela Lei 13.964/19.
Evidentemente, como bem excepciona o próprio inciso V, do artigo 52, da LEP,
esta cedência do direito fundamental do preso não se justificaria quando se tratar da en-
trevista pessoal a que tem direito com seu Defensor. Neste caso, por estar em questão
105 Cf. GILMAR FERREIRA MENDES, Curso de Direito Constitucional. 10. Ed. Ver. E atual. – São Paulo : Saraiva, 2015,
pág. 293.
106 Cf. GILMAR FERREIRA MENDES, op. cit., pág. 293.
107 Cf. Robert Alexy, Constitucionalismo Discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. 2a ed. rev. Porto Alegre. Livraria do
Advogado, 2008, pág. 57.
108 Cf. JORGE REIS NOVAIS, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático, 1ª edição.
Coimbra. Coimbra Editora. 2012, pág. 91.
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a norma que garante ao preso o direito à ampla defesa, princípio de maior envergadura
neste conflito, a entrevista do preso não poderá ser monitorada.
O mesmo raciocínio aqui apresentado se aplica à previsão contida no §6º, do
artigo 52, da LEP. Assim, embora o preso em regime disciplinar diferenciado tenha
assegurado o direito de visita, na forma estabelecida no inciso III, do artigo 52, da LEP,
o certo é que o tempo de visitação poderá ser gravado em sistema de áudio e vídeo,
sendo possível a fiscalização por agente penitenciário.
A diferença nesta hipótese reside na necessidade de autorização judicial para
inspeção do material gravado pelo agente penitenciário, algo que a Lei tornou desne-
cessário nas hipóteses descritas nos incisos V e VI.
Um outro ponto que merece reflexão no tocante à dinâmica do regime discipli-
nar diferenciado tem a ver com a redação novo inciso VII, do artigo 52, da Lei de Execu-
ções penais, segundo o qual as audiências judiciais dos presos em RDD serão realizadas,
preferencialmente, por videoconferência, sendo garantida “a participação do defensor
no mesmo ambiente do preso”.
Inicialmente, deve-se registrar que a realização de audiências judiciais por siste-
ma de videoconferência já está prevista no Código de Processo Penal desde a alteração
introduzida pela Lei 11.900/09, conforme artigo 185, §2º, do CPP, sendo, inclusive,
bastante difundida na prática forense do cotidiano.
O detalhe nesta questão não está, por óbvio, na novidade do ato, mas sim na
parte final do inciso VII, do artigo 52, haja vista a garantia de participação do Defensor
no mesmo ambiente do preso.
Numa leitura mais desavisada, talvez fosse o leitor induzido a compreender que a
audiência judicial deverá ser feita por videoconferência, somente sendo válido o ato se o
Defensor estiver no mesmo ambiente do preso. Em que pese a possibilidade desta interpre-
tação, não parece ser este o significado preciso da norma, primeiro porque se trata de uma
garantia para o Advogado, o qual tem o direito de acompanhar pessoalmente seu cliente
durante a audiência judicial, ainda que este ato aconteça por videoconferência.
Segundo, porque, ao confrontar o inciso VII, do artigo 52, da LEP, com o §5º, do
artigo 185, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.900/09, per-
cebe-se que as audiências judiciais por videoconferência podem ser realizadas seja com
a presença do Advogado junto ao preso na sala adequada no estabelecimento penal,
seja o Advogado presente no local onde a audiência acontece fisicamente, devendo-
se, tão somente, garantir “ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu
defensor.
Neste último caso, o §5º, do artigo 185, do Código de Processo Penal, determina
seja oportunizado o acesso de comunicação suficiente entre o Defensor e o preso.
Nestas condições, interpretando-se o atual inciso VII, do artigo 52, da LEP, com
o §5º, do artigo 185, do Código de Processo Penal, percebe-se que a participação do
Advogado no mesmo recinto do preso por ocasião da audiência por videoconferência
somente será necessária quando o Defensor assim o desejar, inexistindo qualquer nu-
lidade do ato quando o preso e seu Defensor estiverem participando da audiência em
locais diversos, mas conectados pela videoconferência.
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Por fim, deve-se fazer um último registro acerca das novidades implantadas no
regime disciplinar diferenciado.
Trata-se da previsão contida no §3º, do artigo 52, da Lei 7.210/84, o qual criou
verdadeira causa objetiva de transferência de preso para estabelecimento prisional fe-
deral. De acordo com o texto legal, caso seja do conhecimento a simples existência de
indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação crimi-
nosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da
Federação, torna-se obrigatória a transferência do preso para estabelecimento prisional
federal, a fim de cumprir o regime disciplinar diferenciado.
Evidentemente, o propósito do Legislador leva em consideração a existência de
maior segurança e estrutura no estabelecimento prisional federal, a fim de que seja
evitado o contato do preso com membros da organização criminosa ou mesmo com
grupos rivais, conforme disposto no §5º, do artigo 52, da LEP.
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V - não ter integrado organização criminosa. c) condenado pela prática do crime de constituição
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta de milícia privada;
grave implicará a revogação do benefício previsto VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o ape-
no § 3º deste artigo. nado for reincidente na prática de crime hediondo
Prazos fixados na Lei 8.072/90 (Lei dos crimes he- ou equiparado;
diondos) VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o ape-
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, nado for reincidente em crime hediondo ou equi-
o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o parado com resultado morte, vedado o livramento
terrorismo são insuscetíveis de: condicional.
I - anistia, graça e indulto; § 1º Em todos os casos, o apenado só terá
direito à progressão de regime se ostentar boa
II - fiança.
conduta carcerária, comprovada pelo diretor
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será do estabelecimento, respeitadas as normas que
cumprida inicialmente em regime fechado. vedam a progressão.
§ 2º A progressão de regime, no caso dos § 2º A decisão do juiz que determinar a progressão
condenados aos crimes previstos neste artigo, dar- de regime será sempre motivada e precedida de
se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da manifestação do Ministério Público e do defensor,
pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três procedimento que também será adotado na
quintos), se reincidente. concessão de livramento condicional, indulto
e comutação de penas, respeitados os prazos
previstos nas normas vigentes.
(...)
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado,
para os fins deste artigo, o crime de tráfico de
drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343,
de 23 de agosto de 2006.
§ 6º O cometimento de falta grave durante
a execução da pena privativa de liberdade
interrompe o prazo para a obtenção da progressão
no regime de cumprimento da pena, caso em que
o reinício da contagem do requisito objetivo terá
como base a pena remanescente.
§ 7º (VETADO).” (NR)
Como se observa, a Lei 13.964/19 trouxe nova redação para o artigo 112, da Lei
de Execuções Penais, fixando novos prazos para o alcance da progressão de regime, em
geral diferenciando o critério objetivo em função da natureza do crime e da condição
pessoal do apenado.
Assim, seguindo-se um padrão progressivo de gravidade do delito, se praticado
com violência ou grave ameaça ou mesmo se o crime for hediondo ou equiparado, bem
como fazendo diferenciação entre apenado primário ou reincidente, a artigo 112, da
LEP, inicia a possibilidade de progressão com apenas 16% (dezesseis por cento) da pena
aplicada (réu primário condenado por crime cometido sem violência ou grave ameaça),
podendo, na pior das hipóteses, ser necessário o cumprimento de 70% (setenta por
cento) de cumprimento da pena no regime anterior (apenado reincidente condenado
por crime hediondo ou equiparado), tudo a depender da natureza do crime e das con-
dições pessoais do apenado.
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Importante destacar que o novo artigo 112, da LEP, disciplinou todas as hi-
póteses e prazos de progressão de regime prisional, razão pela qual o artigo 19, da
Lei 13.964/19, revogou expressamente o §2º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90, haja
vista que os prazos para obtenção da progressão de regime, mesmo nos casos de
crimes hediondos ou equiparados, estão, agora, previstos nos incisos V a VIII, do
artigo 112, da LEP.
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109 Sobre o assunto, veja-se o entendimento do STJ: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO
PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. INDEFERIMENTO. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO SUBJE-
TIVO. HISTÓRICO PRISIONAL CONTURBADO. PRÁTICA DE QUATRO FALTAS GRAVES. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DECISÃO MANTIDA. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. 1. Nos termos do dis-
posto no art. 112 da Lei de Execução Penal, para que o reeducando faça jus à promoção carcerária é necessário o
preenchimento de requisitos objetivo e subjetivo. 2. O requisito subjetivo, aferido também por meio de atestado
de bom comportamento carcerário expedido pelo diretor do estabelecimento prisional, não obsta a que o magis-
trado da execução indefira o benefício quando entender não preenchida a exigência, desde que aponte peculiarida-
des da situação fática que demonstrem a ausência de mérito do condenado, como no caso. 3. Na hipótese, foram
indicados pela Corte a quo fatos concretos ocorridos no curso do resgate da pena que demonstram o histórico
prisional conturbado do paciente, com a prática de “quatro infrações disciplinares de natureza grave, em clara
demonstração de que sua periculosidade ainda não sofreu a atenuação necessária, para que possa cumprir o res-
tante da reprimenda em regime semiaberto” (e-STJ fl. 66). 4. Mantém-se a decisão singular que não conheceu do
habeas corpus, por se afigurar manifestamente incabível, e não concedeu a ordem de ofício em razão da ausência
de constrangimento ilegal a ser sanado. 5. Agravo regimental desprovido”. (AgRg no HC 518.057/SP, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 10/10/2019)
110 Súmula 534 -A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de
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cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração. (STJ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado
em 10/06/2015, DJe 15/06/2015).
111 Veja-se ementa do Recurso Repetitivo: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART.
543-C DO CPC). PENAL. EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. PROGRESSÃO DE REGIME. INTERRUPÇÃO. PRAZO.
LIVRAMENTO CONDICIONAL. AUSÊNCIA DE EFEITO INTERRUPTIVO. COMUTAÇÃO E INDULTO. RE-
QUISITOS. OBSERVÂNCIA. DECRETO PRESIDENCIAL. 1. A prática de falta grave interrompe o prazo para a
progressão de regime, acarretando a modificação da data-base e o início de nova contagem do lapso necessário
para o preenchimento do requisito objetivo. 2. Em se tratando de livramento condicional, não ocorre a interrup-
ção do prazo pela prática de falta grave. Aplicação da Súmula 441/STJ. 3. Também não é interrompido automati-
camente o prazo pela falta grave no que diz respeito à comutação de pena ou indulto, mas a sua concessão deverá
observar o cumprimento dos requisitos previstos no decreto presidencial pelo qual foram instituídos. 4. Recurso
especial parcialmente provido para, em razão da prática de falta grave, considerar interrompido o prazo tão
somente para a progressão de regime”. (REsp 1364192/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 17/09/2014)
112 Neste julgamento, o Superior Tribunal de Justiça não apenas firmou o entendimento em relação à repercussão
da falta grave na progressão, mas também afastou tal sanção do cômputo do prazo para o livramento condi-
cional, senão veja-se: QUESTÃO DE ORDEM. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRÁTICA DE FALTA
DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. REINÍCIO DA CONTAGEM DOS PRAZOS PARA A AQUISIÇÃO DE
BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DA CORTE. APLICAÇÃO. EXCEÇÃO
DO LIVRAMENTO CONDICIONAL, COMUTAÇÃO DE PENAS E INDULTO. RECURSO EXTRAORDINÁ-
RIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXAME PELO STF. POSSIBILIDADE. JUÍZO DE RETRATAÇÃO EXERCIDO
PARA DENEGAR A ORDEM. 1. O entendimento firmado nesta Sexta Turma era no sentido de que a falta grave
não interromperia o cômputo dos prazos para a aquisição de benefícios da execução. Essa compreensão las-
treava-se, fundamentalmente, no fato de que a interrupção do lapso para nova progressão, em razão da prática
de falta grave, não teria previsão legal. E mais: que o princípio da reserva legal, insculpido no art. 5º, XXXIX, da
Constituição Federal, estender-se-ia, também, à fase de execução penal. 2. No julgamento do Recurso Especial
Repetitivo n. 1.364.192/RS, processado nos moldes do art. 543-C do CPC, a Terceira Seção desta Corte firmou
o entendimento no sentido de que: 1. A prática de falta grave interrompe o prazo para a progressão de regime,
acarretando a modificação da data-base e o início de nova contagem do lapso necessário para o preenchimento
do requisito objetivo. 2. Em se tratando de livramento condicional, não ocorre a interrupção do prazo pela
prática de falta grave. Aplicação da Súmula 441/STJ. 3. Também não é interrompido automaticamente o prazo
pela falta grave no que diz respeito à comutação de pena ou indulto, mas a sua concessão deverá observar o
cumprimento dos requisitos previstos no decreto presidencial pelo qual foram instituídos (REsp n. 1.364.192/
RS, de minha relatoria, Terceira Seção, DJe 17/9/2014). 3. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o RE n.
1.082.376/DF, reconheceu a possibilidade de recontagem do requisito temporal para obtenção do benefício da
progressão de regime, quando do cometimento de falta disciplinar de natureza grave pelo apenado. 4. Ordem
denegada, em juízo de retratação. (HC 209.831/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA,
julgado em 03/09/2019, DJe 10/09/2019)
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113 Neste sentido, veja-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS.
PROGRESSÃO DE REGIME. (1) REQUISITO OBJETIVO. CRIMES HEDIONDOS. LEI Nº 11.464/2007. LAPSOS
TEMPORAIS MAIS GRAVOSOS. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. SÚMULA Nº 471/STJ. IRRETROATIVIDADE. IM-
POSSIBILIDADE. (2) REQUISITO SUBJETIVO. GRAVIDADE DOS DELITOS E LONGEVIDADE DAS PENAS.
FALTAS GRAVES VETUSTAS. JUSTIFICAÇÃO GENÉRICA E FORA DOS PARÂMETROS LEGAIS. IMPOSSIBILI-
DADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. (3) WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA
DE OFÍCIO. 1. A Lei nº 11.464/2007 estabeleceu lapsos temporais mais gravosos, aos condenados pela prática
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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
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Nestas condições, considerando-se que o artigo 112, da LEP, com a redação es-
tabelecida pela Lei 13.964/19, agravou a maior parte das frações penais necessárias para
o alcance da progressão de regime, sua incidência somente será possível para os fatos
cometidos após 23 de janeiro de 2020, data da vigência da nova Lei.
É claro, como já antecipado, que eventual fração nova mais vantajosa para o in-
divíduo deverá ser observada, ainda que para os fatos anteriores a Lei, em homenagem
ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Este é o caso, por exemplo, do inci-
so I, do artigo 112, que fixou em 16% (dezesseis por cento) o prazo para progressão
quando o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência ou grave
ameaça. É que, pela redação anterior, o prazo seria de 1/6 (um sexto) da pena, o que
alcança 16,6% do montante, revelando que a nova Lei trouxe suave redução para aque-
les que se enquadrarem na descrição do inciso I.
Assim, mesmo nas de guias de execução penal definitivas já existentes, enqua-
drando-se o caso na situação mais benéfica contida no inciso I, do artigo 112, da LEP,
caberá ao juízo da execução penal, até mesmo de ofício, proceder a correção da fração
necessária para o alcance da progressão de regime, na forma do artigo 66, I, da Lei de
Execuções Penais.
de crimes hediondos, para obtenção da progressão de regime prisional, constituindo-se, neste ponto, verdadeira
novatio legis in pejus, cuja retroatividade é vedada pelos artigos 5º, XL, da Constituição Federal e 2º do Código
Penal, aplicáveis, portanto, apenas aos crimes praticados após a vigência da novel legislação, ou seja, 29 de março
de 2007. 2. A teor do que prevê o atual art. 112 da Lei de Execuções Penais, com a redação que lhe deu a Lei nº
10.792/2003, ao indeferir a progressão de regime prisional, porque não cumprido o requisito subjetivo, o julgador
deve fazê-lo de forma motivada em dados concretos da execução da pena, não podendo cercar-se de elementos
ou circunstâncias imprevistos na lei de regência. 3. O Tribunal de origem não logrou fundamentar o inadimplemen-
to do requisito subjetivo para a progressão carcerária, fazendo apenas referência à gravidade abstrata do crime
cometido pelo paciente, à sua longa pena a cumprir e à existência de faltas de natureza grave antigas, cometidas
há mais de 5 (cinco) anos, das quais o reeducando já está reabilitado, tendo atualmente bom comportamento car-
cerário e exame criminológico favorável. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reestabelecer
a decisão do Juízo das Execuções, proferida em 12/6/2015, que concedeu a progressão ao regime aberto para
o paciente”. (HC 373.503/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
07/02/2017, DJe 15/02/2017)
111
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Ocorre, porém, que a Lei 11.343/06, que revogou expressamente as duas leis
anteriores que tratavam do tráfico de drogas114, na forma do artigo 75, após tipificar a
conduta do tráfico ilícito de entorpecente no caput e no §1º do artigo 33, dispôs no §4º,
do mesmo dispositivo, que nos delitos definidos no caput e no §1º do artigo, as penas
poderiam ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de
bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas, nem integre organização
criminosa.
Em face da abordagem bem mais benéfica, as situações enquadradas no referido
§4º passaram a ser consideradas como uma espécie de “tráfico privilegiado”, já que a
conduta bem mais leve do agente permitiria uma punição muito mais branda, o que
justificaria uma abordagem menos gravosa no curso processual e na própria execução
da pena aplicada.
Com efeito, ainda que o STJ tenha se mostrado de certa forma vacilante em um
primeiro momento, mantendo a equiparação ao crime hediondo no caso de “trafico
privilegiado”115, o certo é que desde 23 de novembro de 2016, no julgamento da QO na
Pet 11.796-DF, em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos, o STJ reviu
seu posicionamento, passando a entender que “o tráfico ilícito de drogas na sua forma
privilegiada (art. 33, §4º, do artigo 33, da Lei 11.343/2006) não é crime equiparado a
hediondo”.
Seguindo este entendimento jurisprudencial, a Lei 13.964/19, inovou ao discipli-
nar no próprio artigo 112, §5º, da LEP, que o crime de tráfico de drogas previsto no
§4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06, não é considerado como hediondo ou equiparado.
Assim, a execução da pena do condenado pela prática do chamado “tráfico privilegia-
do”, na forma do dispositivo acima, estará sujeita aos prazos previstos nos incisos I ou II,
do artigo 112, da LEP, a depender, somente, se o apenado for primário ou reincidente.
Por esta razão, e considerando o que foi defendido no item 1.3.4, acerca da
retroatividade da lei mais benéfica, caso o indivíduo tenha sido condenado com base
no artigo §4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06, e a sentença tenha reconhecido o delito
como equiparado a hediondo, deverá a guia de execução penal ser retificada pelo juízo
das execuções penais para corrigir a fração penal mais benéfica ao apenado.
114 Nos termos do artigo 75, da Lei 11.343.06, foram revogadas a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, e a Lei nº
10.409, de 11 de janeiro de 2002.
115 Súmula 512 - A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta
a hediondez do crime de tráfico de drogas. A Terceira Seção, na sessão de 23 de novembro de 2016, ao julgar a
QO na Pet 11.796-DF, determinou o CANCELAMENTO da Súmula n. 512-STJ.
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116 Conforme súmula 491, do STJ: é inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional.
117 Sobre a evolução e diversidade do sistema progressivo de pena, cf. JÚLIO FABBRINI MIRABETE, in op. cit., p. 386.
118 Observe-se que não foi feito no caso o cálculo separado da fração necessária do regime semiaberto para o aberto,
optando-se por somar as duas frações para facilitar o exemplo.
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Ainda assim, por considerar que o artigo 83, do Código Penal, não faz esta exi-
gência, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado no sentido de ser
possível a passagem direta do regime fechado para o livramento condicional119. Con-
tudo, esta não nos parece ser a compreensão mais adequada, especialmente diante da
natureza do sistema progressivo de cumprimento de pena adotado pela Lei de Execu-
ções Penais.
Isto posto, a despeito de não haver previsão expressa no artigo 83, do Có-
digo Penal, nem mesmo com a reforma introduzida pela Lei 13.964/19, o cer-
to é que o próprio artigo 112, da Lei de Execuções Penais, ao apresentar o de-
senho do sistema, estabelece que a execução da pena privativa de liberda-
de atenderá à forma progressiva, “com a transferência para regime menos ri-
goroso”, desde que, além do prazo exigido, comprove o apenado “ostentar
boa conduta carcerária”, conforme dispõe o §1º, do mesmo dispositivo.
Ora bem, se para a progressão para regime mais brando é exigida comprovação
da aptidão do apenado para ingresso ao convívio social com menor vigilância, quanto
mais seu ingresso no livramento condicional, o qual se configura como modalidade de
cumprimento da pena bem mais leve do que mesmo o regime aberto.
Ademais, sem ingressar nos regimes mais brandos (semiaberto e aberto), não
há como o Estado avaliar se o apenado detem as condições subjetivas necessárias para
retornar ao convívio social sem vigilância, consistindo tal procedimento em via indis-
pensável para comprovação da ressocialização gradual.
Aliás, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no tocante à impossibi-
lidade de alcance do livramento condicional quando as condições subjetivas do apenado
forem desfavoráveis, demonstrando claramente que tal requisito é fundamental para a
evolução no cumprimento da pena. Assim, em face da necessidade de comprovação da
evolução do indivíduo no curso da pena, em especial através da condição subjetiva, não
se mostra razoável conceder livramento condicional “per saltum”, ou seja, salteando
regimes intermediários120.
119 EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LIVRAMENTO CONDICIONAL. IN-
DEFERIMENTO. JUSTIFICAÇÃO UNICAMENTE NA IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO PER SALTUM.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Preambularmente,
registro que, das decisões proferidas em sede de execução criminal cabe agravo em execução penal. 2. No caso, a
defesa impetrou habeas corpus, que foi indeferido pelo Tribunal a quo, sob alegação de inadequação da via eleita.
3. Assim, seria inviável a análise meritória do tema, sob pena de supressão de instância. Todavia, em homenagem
ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangi-
mento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício. 4. Na espécie, foi indeferido o benefício do
livramento condicional pelo Juízo das Execuções Criminais, tão somente em virtude da necessidade de observar-se
o comportamento do sentenciado durante o cumprimento da pena em regime semiaberto antes de lhe propiciar
a liberdade condicional. 3. Sobre a matéria, a jurisprudência deste Tribunal consolidou entendimento no sentido
de que não há obrigatoriedade de o apenado passar por regime intermediário para que obtenha o benefício do
livramento condicional, ante a inexistência de previsão no art. 83 do Código Penal. 4. Recurso em habeas corpus
não provido. Contudo, ordem concedida de ofício para determinar que, afastada a exigência do cumprimento da
pena em regime semiaberto, o Juízo das Execuções Criminais reaprecie o pedido de livramento condicional do
apenado, à luz dos requisitos legais e do comportamento carcerário. (RHC 116.324/SP, Rel. Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 18/09/2019)
120 Neste sentido, veja-se o entendimento do STJ: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO
PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO SUBJETIVO. NÃO PREENCHIDO. HISTÓRICO PRISIO-
NAL. PRÁTICA DE FALTA GRAVE RECENTE. BENEFÍCIO INDEFERIDO. DECISÃO MANTIDA. INSURGÊN-
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CIA DESPROVIDA. 1. Nos termos da jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, a prática recente de falta
grave pelo apenado no curso da execução penal (em 9/1/2018) - posse de aparelho celular - constitui motivo
idôneo para indeferir o livramento condicional, por ausência do preenchimento do requisito subjetivo previsto no
art. 83, III, do Código Penal. Precedentes. 2. Embora a prática de falta disciplinar grave não interrompa a contagem
do prazo para fins de livramento condicional (Súmula n. 441), impede a concessão da benesse por evidenciar a
ausência do requisito subjetivo relativo ao comportamento satisfatório durante o resgate da pena, nos termos do
que exige o art. 83, III, do Código Penal. 3. O citado dispositivo legal não determina um período específico de
aferição do requisito subjetivo, de modo que o bom comportamento carcerário deve ser analisado em todo o
tempo de execução da pena. 4. Mantém-se a decisão singular que não conheceu do habeas corpus, por se afigurar
manifestamente incabível, e não concedeu a ordem de ofício, em razão da ausência de constrangimento ilegal a
ser sanado. 5. Agravo regimental desprovido”. (AgRg no HC 529.885/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 23/10/2019)
121 Pela decisão do STF, devem ser seguidos alguns parâmetros na hipótese de ausência de vagas em estabelecimentos
prisionais, sendo a prisão domiciliar, ainda que monitorada eletronicamente, apenas uma das alternativas à dispo-
sição do juízo das execuções penais. Contudo, pela carência de viabilidade dos parâmetros anteriores, a prisão
domiciliar caba por ser a alternativa mais viável. Veja-se, por oportuno, os parâmetros aplicados em decisão do STJ:
“... 4. Os parâmetros mencionados na citada Súmula são: a) a falta de estabelecimento penal adequado não autori-
za a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os Juízes da execução penal poderão avaliar
os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para verificar se são adequados a tais regimes,
sendo aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como colônia agrícola, industrial (regime semiaberto),
casa de albergado ou estabelecimento adequado - regime aberto - (art. 33, § 1º, alíneas “b” e “c”); c) no caso de
haver déficit de vagas, deverão determinar: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;
(ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao preso que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar
por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao
regime aberto; e d) até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão
domiciliar ao sentenciado. 5. Dessa forma, consoante entendimento do STF, a prisão domiciliar não pode ser a
primeira opção, devendo-se antes adotar as outras medidas acima propostas, a fim de se evitar prejuízo aos exe-
cutados que já estariam, há mais tempo, cumprindo pena em determinado regime e que devem ser beneficiados,
prioritariamente, com a saída antecipada. 6. Habeas corpus não conhecido, com determinação, de ofício, ao Juízo
da Execução, caso persista a ausência de vagas no regime intermediário, para que promova a saída do apenado
com menor saldo de pena a cumprir no regime semiaberto, dando vaga ao paciente. (HC 500.915/RS, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 03/06/2019).
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Assim, negar a progressão por ausência de vagas no regime mais brando configu-
raria verdadeiro requisito adicional para o alcance da progressão, o que, por óbvio, não
poderia ser aceito. Aliás, como destaca Renato Marcão, satisfeitos os requisitos legais, a
progressão de regime se reveste de verdadeiro direito subjetivo do preso, integrando
o “rol dos direitos materiais penais”122.
Inobstante o posicionamento da Suprema Corte seja irretocável do ponto de
vista de sua legalidade, o problema reside no chamado “efeito colateral” da decisão. É
que, em face da decisão em análise, e considerando a omissão estatal quanto à criação
de novas vagas sobretudo nos regimes mais brandos, a prisão domiciliar tem sido enca-
rada como verdadeiro “regime supralegal” de cumprimento da pena, desvirtuando-se
completamente os regimes semiaberto e aberto, assim como, é claro, o instituto da
prisão domiciliar.
122 Cf. RENATO MARCÃO. Curso de Execução Penal. 10 ed. rev., ampl. e atual. de acordo com as Leis 12.403/2011.
São Paulo : Saraiva, 2012, p. 159.
117
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
É bem verdade que a Lei 8.072/90, no artigo 2º, equipara o tráfico ilícito de en-
torpecente, a prática da tortura e o terrorismo aos crimes hediondos123. Contudo, é
importante ter em mente que a “equiparação” não os torna “hediondos”, mas apenas
“equiparados”, tanto que sempre que o Legislador quer tratar de ambos assim o faz
de forma expressa. É o caso por exemplo, das alterações introduzidas pela mesma Lei
13.964/19 no artigo 112, da Lei de Execuções Penais.
Na nova redação, houve mais detalhamento dos prazos e condições quando o in-
divíduo houver sido condenado por crime “hediondo ou equiparado”, conforme clara-
mente consta nos incisos de V a VIII, do referido Diploma Legal. Aliás, o §5º, do mesmo
artigo 112, da Lei, dispõe que não configura crime “hediondo ou equiparado” o tráfico
de drogas disposto no §4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06.
Ademais, nem se há falar que ambos devem ser tratados da mesma forma, sim-
plesmente pela equiparação geral, já que é princípio de hermenêutica a vedação de
interpretação extensiva de norma restritiva, sobretudo em se tratando de norma de
natureza penal, sobre a qual vigora o princípio da reserva legal.
118
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
capítulo 7
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME na Lei 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
1. Considerações gerais
A Lei 11.671/08 dispõe acerca da inclusão (transferência) de presos em estabe-
lecimentos penais federais de segurança máxima, cabendo ao juízo federal da seção ou
subseção judiciária onde se encontra o referido estabelecimento penal a competência
para aceitar e acompanhar a execução da pena daqueles que lá se encontram, bem
como, além de outras providências inerentes ao acompanhamento da pena, autorizar a
transferência de novos presos para a unidade federal.
124 Cf. RENATO BRASILEIRO DE LIMA, op. cit., p. 455. Neste sentido, tem sido consolidado o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, senão veja-se: “AGRAVO REGIMENTAL EM CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENA
119
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
120
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
Com a inclusão do §1º, no artigo 3º, da Lei 11.671/08, promovida pela Lei
13.964/19, foram especificadas as características do cumprimento da pena, em regime
fechado, nos estabelecimentos penais, senão veja-se o quadro comparativo abaixo:
121
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
4. Disposições gerais
No mais, merece destaque apenas a alteração do prazo a que o preso está sujeito
à permanência no presídio federal. Segundo a antiga previsão do §1º, do artigo 10, da
Lei 11.671/08, o período de permanência do preso não poderia superar 360 dias, prazo
este que poderia ser renovado, em caráter excepcional, desde que fosse justificado
pelo juízo de origem.
Com a Lei 13.964/19, o prazo de permanência em estabelecimento penal federal
foi aumentado para 03 (três) anos, com possibilidade de renovação por “iguais perío-
dos”, enquanto persistirem os motivos que a determinaram, pelo que se pode concluir
que o prazo, embora determinado, poderá se estender de forma indefinida, desde que
as razões de segurança continuem presentes.
Por fim, a Lei 13.964/19 fez constar na Lei 11.671/08, artigo 11-A, a possibilida-
de de as decisões acerca da inclusão e permanência dos presos em estabelecimentos
penais federais serem tomadas por órgão colegiado de juízes, de acordo com a orga-
nização dos Tribunais, a fim, claro, de preservar a segurança dos julgadores, como tem
sido prática comum.
126 Súmula 639 - Não fere o contraditório e o devido processo decisão que, sem ouvida prévia da defesa, determine
transferência ou permanência de custodiado em estabelecimento penitenciário federal. (Súmula 639, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 02/12/2019)
127 EXECUÇÃO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PRESÍDIO FEDERAL DE SEGURANÇA MÁXIMA.
MANUTENÇÃO DO PRESO. PERMANÊNCIA DOS FUNDAMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE QUESTIO-
NAMENTO DAS RAZÕES PELO JUÍZO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIVRAMENTO
CONDICIONAL. 1. Consoante o entendimento da Terceira Seção desta Corte, permanecendo inalterados os
fundamentos que justificaram a transferência de preso para presídio federal de segurança máxima, não cabe ao
Juízo federal questionar as razões do Juízo estadual, sendo a renovação da permanência do apenado providência
indeclinável, como medida excepcional e adequada para resguardar a ordem pública. Da mesma forma, incabível
a concessão de livramento condicional enquanto persistirem os fundamentos. 2. Conflito conhecido, com a decla-
ração da competência do Juízo federal, devendo o preso continuar a cumprir a pena no presídio federal, afastada,
temporariamente, a possibilidade de concessão de livramento condicional. (CC 143.634/RJ, Rel. Ministro GURGEL
DE FARIA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2016, DJe 07/03/2016)
122
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
capítulo 8
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI
12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
1. Considerações gerais
A Lei 12.694/12 é responsável por inaugurar no Brasil a possibilidade de julga-
mento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações
criminosas, com vistas, sobretudo, à segurança e proteção do julgador.
Desde então, tornou-se comum os Tribunais por todo o Brasil adotarem colegia-
dos de julgadores, na forma disciplinada no artigo 1º, da referida Lei, avançando, inclu-
sive, para criação da Varas especializadas de combate ao crime organizada, compostas
por um colegiado permanente de magistrados de primeiro grau de jurisdição.
128 Registre-se que o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre a criação destas Varas
Colegiadas, reconhecendo, em geral, a constitucionalidade da unidade jurisdicional. Neste sentido, veja-se ementa
do julgado: “Ementa: Direito Processual penal. Direito Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Cria-
ção, por Lei estadual, de Varas especializadas em delitos praticados por organizações criminosas. – Previsão de
conceito de “crime organizado” no diploma estadual. Alegação de violação à competência da União para legislar
sobre matéria penal e processual penal. Entendimento do Egrégio Plenário pela procedência do pedido de decla-
ração de inconstitucionalidade. – Inclusão dos atos conexos aos considerados como Crime Organizado na compe-
tência da Vara especializada. Regra de prevalência entre juízos inserida em Lei estadual. Inconstitucionalidade. Vio-
lação da competência da União para tratar sobre Direito Processual Penal (Art. 22, I, CRFB). – Ausência de ressalva
à competência constitucional do Tribunal do Júri. Violação ao art. 5º, XXXVIII, CRFB. Afronta à competência da
123
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
União para legislar sobre processo (art. 22, I, CRFB). – Criação de órgão colegiado em primeiro grau por meio de
Lei estadual. Aplicabilidade do art. 24, XI, da Carta Magna, que prevê a competência concorrente para legislar so-
bre procedimentos em matéria processual. Colegialidade como fator de reforço da independência judicial. Omis-
são da legislação federal. Competência estadual para suprir a lacuna (art. 24, § 3º, CRFB). Constitucionalidade de
todos os dispositivos que fazem referência à Vara especializada como órgão colegiado. – Dispositivos que versam
sobre protocolo e distribuição. Constitucionalidade. Competência concorrente para tratar de procedimentos em
matéria processual (Art. 24, XI, da CRFB). – Atividades da Vara Criminal anteriores ou concomitantes à instrução
prévia. Alegação de malferimento ao sistema acusatório de processo penal. Interpretação conforme à Constitui-
ção. Atuação do Judiciário na fase investigativa preliminar apenas na função de “juiz de garantias”. Possibilidade,
ainda, de apreciação de remédios constitucionais destinados a combater expedientes investigativos ilegais. – Atri-
buição, à Vara especializada, de competência territorial que abrange todo o território do Estado-membro. Suscita-
ção de ofensa ao princípio da territorialidade. Improcedência. Matéria inserida na discricionariedade do legislador
estadual para tratar de organização judiciária (Art. 125 da CRFB). – Comando da lei estadual que determina a re-
distribuição dos inquéritos policiais em curso para a nova Vara. Inexistência de afronta à perpetuatio jurisdictionis.
Aplicação das exceções contidas no art. 87 do CPC. Entendimento do Pleno deste Pretório Excelso. – Previsão, na
Lei atacada, de não redistribuição dos processos em andamento. Constitucionalidade. Matéria que atine tanto ao
Direito Processual quanto à organização judiciária. Teoria dos poderes implícitos. Competência dos Estados para
dispor, mediante Lei, sobre a redistribuição dos feitos em curso. Exegese do art. 125 da CRFB. – Possibilidade
de delegação discricionária dos atos de instrução ou execução a outro juízo. Matéria Processual. Permissão para
qualquer juiz, alegando estar sofrendo ameaças, solicitar a atuação da Vara especializada. Vício formal, por invadir
competência privativa da União para tratar de processo (art. 22, I, CRFB). Inconstitucionalidade material, por
violar o princípio do Juiz Natural e a vedação de criação de Tribunais de exceção (art. 5º, LIII e XXXVII, CRFB). –
Atribuição, à Vara especializada, de competência para processar a execução penal. Inexistência de afronta à Carta
Magna. Tema de organização judiciária (art. 125 CRFB). – Permissão legal para julgar casos urgentes não inseridos
na competência da Vara especializada. Interpretação conforme à Constituição (art. 5º, XXXV, LIII, LIV, LXV, LXI e
LXII, CRFB). Permissão que se restringe às hipóteses de relaxamento de prisões ilegais, salvante as hipóteses de
má-fé ou erro manifesto. Translatio iudicii no Processo Penal, cuja aplicabilidade requer haja dúvida objetiva acerca
da competência para apreciar a causa. – Previsão genérica de segredo de justiça a todos os inquéritos e processos.
Inconstitucionalidade declarada pelo Plenário. – Indicação e nomeação de magistrado para integrar a Vara especia-
lizada realizada politicamente pelo Presidente do Tribunal de Justiça. Inconstitucionalidade. Violação aos critérios
para remoção e promoção de juízes previstos na Carta Magna (art. 93, II e VIII-A). Garantias de independência da
magistratura e de qualidade da prestação jurisdicional. – Estabelecimento de mandato de dois anos para a ocupa-
ção da titularidade da Vara especializada. Designação política também do juiz substituto, ante o afastamento do
titular. Inconstitucionalidade. Afastamento indireto da regra da identidade física do juiz (art. 399, § 2º, CPP). Prin-
cípio da oralidade. Matéria processual, que deve ser tratada em Lei nacional (art. 22, I, CRFB). – Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. Modulação dos efeitos temporais da decisão”. (ADI 4414,
Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG
14-06-2013 PUBLIC 17-06-2013).
124
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
tratando-se de crime arrolado nos incisos I, II ou III, do artigo 1º-A, da Lei em alusão,
caberá à Vara Criminal Colegiada a competência para todos os atos jurisdicionais, des-
de a investigação até a execução da pena, passando-se, naturalmente, pela ação penal,
conforme §1º, do mesmo dispositivo.
Este detalhe é relevante na medida em que o §1º, do artigo 1º-A, da Lei 12.694/19,
excluiu expressamente a competência do Juiz das Garantias do procedimento a ser
adotado pelas Varas Criminais Colegiadas em todo o Brasil, haja vista que a redação do
referido dispositivo atribui às referidas unidades jurisdicionais a competência desde a
investigação até a execução da pena.
Aliás, ainda que a Lei 13.964/19 não tenha promovido a exclusão expressa do Juiz
das Garantias no procedimento das Varas Criminais Colegiadas por ocasião do artigo
3º-C, do CPP, é de se observar que foi a mesma Lei Anticrime que consignou o §1º, no
artigo 1º-A, da Lei 12.694/12, atribuindo aos juízes da Vara Colegiada de primeiro grau
a competência “para todos os atos jurisdicionais no decorrer da investigação, da ação
penal e da execução da pena, inclusive a transferência do preso para estabelecimento
prisional de segurança máxima ou para regime disciplinar diferenciado”.
No mais, não fossem estes argumentos já plenamente suficientes para a conclu-
são aqui apresentada, é importante ter em mente, ainda, que as Varas reportadas pela
Lei 12.694/12 se revestem de juízos colegiados, formados por mais de um magistrado,
aplicando-se, às referidas unidades, a nosso entender, o mesmo princípio da colegiali-
dade sustentado na decisão do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual o colegiado
já proporciona a independência e a imparcialidade judicial129.
Por tais razões, não cabe a atuação do Juiz das Garantias nos procedimentos in-
vestigativos de competência das Varas Criminais Colegiadas destinadas ao combate aos
crimes descritos nos incisos I, II e III, do artigo 1º-A, da Lei 12.694/12.
Ademais, caberá à referida unidade jurisdicional, além da investigação e da
ação, acompanhar a execução da pena daqueles que tenham sido condenados pela
respectiva Vara Colegiada, não podendo haver remessa para as Varas normais de
execução penal, conforme vedação expressa contida no §3º, do artigo 1º-A, da cita-
da Lei, inclusive para os processos que tenha chegado à Vara Colegiada por declínio
de competência.
No mais, em razão da competência especializada, o § 2º, do artigo 1º-A, da Lei
12.694/12, dispõe que os processos ou procedimentos instaurados para apurar os cri-
mes mencionados no caput do artigo em outra unidade deverão ser encaminhados para
a Vara Criminal Colegiada, por declínio de competência, independente da fase em que
se encontre.
Assim, seja antes ou depois da denúncia, com ou sem sentença, ou mesmo por
ocasião da execução da pena, deverá o feito passar pelo declínio de competência em
favor da Vara Criminal Colegiada.
129 Cf. Decisão do Ministro Dias Toffoli na Medida Cautelar lançada na ADI 6298.
125
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA
127
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS
capítulo 9
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS130
1. Introdução
Fruto de projetos de lei apresentados à Câmara dos Deputados em 2018 e 2019,
a Lei 13.964/2019, conhecida como Lei Anticrime, modificou mais de uma dezena de
diplomas legislativos brasileiros.
Um de seus principais eixos volta-se à ampliação da justiça consensual no Brasil.
Lá se vão mais de duas décadas desde que a Lei 9.099/1995 disciplinou nossos primei-
ros acordos penais, então limitados às infrações de pequena e média lesividade, com os
institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo.
Na década seguinte, acordos penais começaram a ser testados em crimes de
maior gravidade. Em 2003, formalizou-se o primeiro acordo de colaboração premiada
do Brasil, em forma de contrato, com cláusulas, que foi homologado pela Justiça Federal
em Curitiba. Mas foi somente um decênio depois que a Lei 12.850/2013 regulou deta-
lhadamente os acordos penais de colaboração premiada.
A justiça consensual já se impunha noutros segmentos do direito brasileiro e
tornou-se uma realidade incontornável no processo criminal. Inspirado pelo princípio
da oportunidade da ação penal, que ganhou seu espaço na jurisdição brasileira desde
a Constituição de 1988, em 2017 o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
regulamentou os acordos de não persecução penal (ANPP).
Quando a novidade veio à lume por meio da Resolução 181/2017, não foram
poucas as críticas ao CNMP, com acusações de inconstitucionalidade e de usurpação de
funções do Poder Legislativo. Nada disso me parecia coerente com o caminho percor-
rido pelo processo penal brasileiro, que vinha dando passos largos rumo ao consenso.
Tampouco as críticas pareciam corretas num país que clamava por mais justiça, por
justiça mais rápida, mais economia e menos encarceramento. Também não conseguia
divisar a suposta inconstitucionalidade da Resolução 181/2017, diante da clareza da an-
tiga redação do art. 28 do Código de Processo Penal, com sua exuberante expressão
“razões invocadas”.
130 Professor Assistente de Processo Penal (UFBA), Professor de Direito Penal (IDP), Professor de especializações em
ciências penais (anticorrupção, cooperação internacional, crime organizado, técnicas de investigação e negociação,
lavagem de dinheiro, competência), doutorando em Direito (UNICEUB), mestre em Direito Público (UFPE), MBA
em Gestão Pública (FGV), procurador regional da República (MPF), ex-promotor de Justiça, ex-Secretário de
Cooperação Internacional da PGR (2013-2017), editor do Blog juridico vladimiraras.blog.
129
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS
Não custa recordar que o acordo de não persecução penal não foi a primeira
criação extralegal do direito brasileiro. Antes, entre 2003 e 2013, vimos o desenvol-
vimento do procedimento da colaboração premiada, que tampouco estava previsto
em lei, mas foi chancelado pelos tribunais. Vimos também a regulamentação, pelo
CNJ, da audiência de custódia, que só agora passou a ser prevista no CPP, graças à Lei
13.964/2019. Não podemos esquecer do auxílio direto em cooperação internacional,
que era largamente aplicado no País até ser primeiro acolhido pela Resolução 9/2005,
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), só vindo a ser normatizado por lei com o Código
de Processo Civil (CPC), de 2015.
Felizmente, a posição do CNMP se mostrou acertada131. O impacto da criação
do ANPP foi tão positivo que o ministro da Justiça Sergio Moro e a comissão de juristas
presidida pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, prepararam anteprojetos de lei
para disciplinar o acordo de não persecução penal (ANPP). Tais versões eram ligeira-
mente diferentes, mas ambas claramente se inspiraram na Resolução 181/2017. Ao final
do processo legislativo, prevaleceu a proposta da comissão Alexandre de Moraes. Foi
esta a versão que acabou incluída pela Lei 13.964/2019 no novo art. 28-A do Código de
Processo Penal.
Neste texto, examinarei os contornos e características do instituto, seu procedi-
mento, suas dificuldades e desafios, não sem antes trabalhar alguns dos seus postulados.
131 E isto muito se deve ao então Corregedor Nacional Cláudio Portela e ao promotor de Justiça do Paraná e profes-
sor Rodrigo Leite Ferreira Cabral, que lideraram a comissão do anteprojeto da Resolução 181/2017.
132 BINDER, Alberto M. Sentido del principio de oportunidad en el marco de la reforma de la justicia penal de Amer-
ica Latina. Disponível em: http://inecip.org/wp-content/uploads/INECIP-Binder-Principio-de-oportunidad-1.pdf.
Acesso em 10.out.2017.
130
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS
133 Com a redação que lhe deu a Lei 13.964/2019. Em 22 de janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux, do STF, concedeu
medidas cautelares na ADI 6298 MC / DF, e suspendeu sine die a eficácia das regras sobre o juiz das garantias e seus
consectários (arts. 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E, 3º-F, do Código de Processo Penal); e sobre o novo procedimento
de arquivamento do inquérito policial (ar. 28 do CPP).
134 Que se mantém vigente em razão da medida cautelar na ADI 6298/DF, de 22 de janeiro de 2020, que suspendeu
a eficácia da Lei 13.964/2019 nesta parte.
131
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS
das funções de acusar e julgar, característica do sistema acusatório, não podia ele mes-
mo dar início ex officio à ação penal nem determinar que o Ministério Público o fizesse,
sem ferir gravemente o art. 129, inciso I, da Constituição Federal.
A discricionariedade não pode subsistir sem controle. A solução preconizada pela
lei é aplicação do art. 28 do CPP, que, ainda mais agora, consagra a revisão obrigatória
da decisão de não acusar e adensa o princípio da unidade institucional, entronizado no
art. 127, §1º da Constituição.
A nova redação do art. 28 do CPP, dada pela Lei 13.964/2019, trata do arquiva-
mento do inquérito policial e, sem infirmar o que antes se disse, continua a permitir,
agora com maiores razões, que o Ministério Público defina a parte que lhe cabe na
política criminal do Estado, podendo, sem ingerência judicial, tomar a decisão de não
acusar. Mas antes já era assim.
Por “não acusar” entenda-se o poder-dever de determinar o arquivamento da in-
vestigação criminal (art. 28 do CPP), propor transação penal (art. 76 da Lei 9.099/1995),
formalizar acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP) ou oferecer imunidade
em acordo de colaboração premiada (art. 4º, §4º, da Lei 12.850/2013). Nota-se que to-
das as formas de delinquência, desde as mais leves até as mais insidiosas, podem agora
ser objeto de alguma espécie de saída consensual, o que está a exigir um regulamento
uniforme no CPP.
Esse espaço de consenso foi sendo construído aos poucos, desde 1995, receben-
do influxos do direito administrativo, com os acordos de leniência do sistema brasileiro
de defesa da concorrência (Leis 10.149/2000 e 12.529/2011) e depois os ajustes da Lei
Anticorrupção Empresarial (Lei 12.846/2013) e da Lei da Mediação (Lei 13.140/2015).
Os influxos também vieram do direito processual civil, com seus termos de ajustamen-
to de conduta (TACs) em matéria de direitos coletivos e difusos, tão importantes para
a tutela de interesses previstos na Lei de Ação Civil Pública, de 1985, e do Código de
Processo Civil, de 2015, com seu princípio do consenso.
No percurso da obrigatoriedade ao modelo de oportunidade, vimos um espas-
mo legislativo na Lei 10.409/2002, cujo art. 37, inciso IV, permitia ao Ministério Público,
justificadamente, “deixar de propor ação penal contra os agentes ou partícipes do deli-
to”, nos crimes da Lei de Antidrogas.135
Em face de contingências econômicas do Estado e de legítimas aspirações de
justiça mais rápida e eficiente, sem violação de direitos fundamentais, é inevitável a
modificação do modelo conflitivo de processo penal, o que se alcançará com a paulatina
mitigação da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal, prevista esta no art.
42 do CPP. Seu tempo passou, seu âmbito é cada vez mais reduzido, sua utilidade e
pertinência escasseiam.
Outros elementos normativos que permitem concluir pela inadequação do prin-
cípio da obrigatoriedade ao moderno processo penal surgem da análise da estrutura da
ação penal privada e da ação penal pública condicionada.
O brocardo Nec delicta maneant impunita somente se aplica inteiramente à ação
penal pública incondicionada. Para a ação penal privada e para a ação penal pública
132
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS
condicionada, este dogma não tem qualquer influência, pois a propositura delas fica a
depender da vontade (autonomia privada) do indivíduo ofendido ou da requisição do
Ministro da Justiça, que agirá animado com razões políticas de Estado.
Consideradas a ação penal privada e a ação penal pública condicionada, vale a não
obrigatoriedade da ação penal; nelas o âmbito de atuação da autonomia privada é ab-
soluto. Vale dizer, sem a vontade do indivíduo não haverá ação civil, não será proposta
ação penal privada, e o Ministério Público não poderá oferecer denúncia em crime de
ação penal pública condicionada.
Adepto do sistema da oportunidade, LOPES faz severa crítica ao princípio da
obrigatoriedade, assinalando a hipocrisia de sua adoção rigorosa. Assegura o referido
autor, apoiando-se na exposição de motivos da Lei 9.099/1995, que:
E isso é a mais pura e cristalina verdade. Na maior parte dos casos, é a Polícia
Judiciária que dispõe da ação penal, “porque sempre esteve em vigência clandestina o
princípio da oportunidade, mas sem qualquer controle da discricionariedade e fragmen-
tado pelos diversos órgãos de atuação estatal, desde a Polícia até o Poder Judiciário”137.
Assim, ao exercer as atribuições cometidas ao órgão pelo art. 28 do CPP ou pelo
art. 62, IV ou art. 136, IV ou art. 171, IV da Lei Complementar 75/1993138, o órgão revi-
sor competente do Ministério Público – seja ele o Procurador-Geral de Justiça ou uma
das Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público da União – não pratica
ato jurisdicional; apenas recusa-se a exercer o direito de ação, numa legítima opção de
mérito administrativo.
Com precisão, MEIRELLES ensina que poder discricionário “é o que o Direito
concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos admi-
nistrativos com liberdade de escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo”.139
O princípio da obrigatoriedade jamais foi e jamais poderá ser levado às últimas
consequências, porque há toda uma gama de infrações penais que não chegam a ser
conhecidas; outras que, mesmo conhecidas pelas vítimas, não são comunicadas à Justi-
ça e ao aparelho de enforcement; e outras ainda que, mesmo conhecidas pelo Estado,
não são apuradas ou punidas, constituindo o que se denomina “cifra oculta”, que é a
demonstração matemática da existência de discricionariedade sem controle ou da in-
viabilidade concreta da obrigatoriedade.
Daí é que o princípio da oportunidade vem-se impondo paulatinamente, ga-
nhou assoalho constitucional em 1988 e foros de legalidade com as Leis 9.099/1995,
9.807/1999, 10.409/2002, 12.850/2013 e 13.964/2019, e assumiu corpo de instituto
136 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Direito penal, estado e constituição, São Paulo: Boletim IBCCrim, 1997, p. 157.
137 LOPES, op. cit.
138 Aplicáveis respectivamente ao MPF, ao MPM e ao MPDFT.
139 MEIRELLES, HELY L. Direito administrativo brasileiro, São Paulo: Malheiros, 17ª edição, p. 102.
133
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Também assim se deu com a Lei 9.099/1995, que cometeu ao Parquet uma nova
função ativa, a de transacionar na ação penal pública, na defesa dos interesses da cole-
tividade, como alternativa à persecução penal tradicional.
140 SÁNCHEZ, Jésus-Maria Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-indus-
triais. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
141 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 2.
134
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[...] fala o texto citado em ‘razões invocadas’, para pedir o arquivamento, pelo
órgão do Ministério Público, – razões que o juiz examinará se são procedentes ou
improcedentes. Não esclarecendo a regra legal quais essas razões, nada impede que o
Promotor Público invoque motivos de oportunidade que, se forem relevantes, podem
ser atendidos ou pelo juiz, ou pelo chefe do parquet. Tais motivos são examinados
pelo juiz e pelo procurador-geral. Devem ser ponderáveis e baseados na absoluta
inconveniência da propositura da ação penal pública. Além disso, só se compreende
em infrações de pequena gravidade: de minima non curat praetor.
142 Custódio da Silveira (1908-1967) chegou a desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
143 Alterada pela Lei 13.964/2019, cuja eficácia foi suspensa em 22 de janeiro de 2020, na ADI 6298 MC /DF, Rel. Min.
Luiz Fux.
144 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 338/339.
145 MARQUES, José Frederico. Op. cit.
146 MARQUES, José Frederico. Op. cit.
147 Embora situado no capítulo reservado ao Parquet, o art. 129, inciso I, da CF não é uma garantia corporativa, mas
verdadeiramente uma garantia do cidadão, irmã daquela que veda juízos e tribunais de exceção. Um Ministério
Público independente e encarregado da persecução criminal garante a imparcialidade do juiz e o devido processo
legal, evitando também a titularidade difusa da ação penal, facilitadora de vinditas processuais e promotora de
insegurança jurídica.
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pela propositura ou pela não propositura da ação penal pública, cabendo-lhe motivar
sua decisão sempre que decidir por não fazê-lo. O princípio da oportunidade da ação
penal permite ao Parquet deixar de agir nos casos de mínima reprovabilidade ou escassa
lesividade e também quando houver o integral restabelecimento do status quo ante ou
uma expectativa disto.
Diz o art. 18, §11º da Resolução 181/2017 que o Ministério Público deve promo-
ver o arquivamento da investigação, caso o acordo de não persecução não seja cumpri-
do pelo investigado. Por que é assim? Porque na essência o acordo de não persecução
criminal é um negócio processual, um pactum de non petendo, que mantém em stand-by
a decisão de arquivamento da investigação. O envio da apuração ao arquivo depende
do cumprimento voluntário das obrigações acordadas com o Ministério Público, que se
vale do princípio da oportunidade da ação penal, para sustar o oferecimento da denún-
cia, enquanto o indivíduo cumpre o programa com o qual se conformou. É assim um
arquivamento condicional. A condição a ser atendida é o adimplemento do conjunto de
obrigações de fazer ou não fazer a serem chanceladas pelo juiz, na simples verificação
da autonomia da vontade da parte privada (art. 18, §5º, da Resolução 181/2017, e art.
28-A, §6º do CPP).
Este desenho foi ligeiramente alterado pelo legislador em 2019, com um adendo.
De fato, o §13 do art. 28-A do CPP determina agora que o juiz decretará a extinção
da punibilidade do investigado, se o acordo de não persecução penal for integralmente
cumprido. Na prática, o Ministério Público continuará promovendo o arquivamento da
investigação, tão logo verifique o adimplemento do acordo, perante o juízo competen-
te. O reconhecimento judicial da extinção da punibilidade é um plus, que vem em favor
da segurança jurídica.
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(...) entre praticar o ato ou dele se abster, entre praticá-lo com este ou aquele
conteúdo (p. ex: advertir, apenas, ou proibir), ela (a Administração) é discricionária.
Porém, no que concerne à competência, à finalidade e à forma, o ato discricionário
está tão sujeito aos textos legais como qualquer outro.150
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151 Vide o art. 581, inciso XXV, do CPP, que prevê nova hipótese de manejo do recurso em sentido estrito, quando o
juiz de garantias “recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal”. Vide também os §8º do
art. 28-A do CPP. Tais dispositivos precisam ser compatibilizados com o princípio acusatório (art. 3º-A do CPP), o
que procuramos fazer adiante.
152 MEIRELLES, op. cit., p. 66/67.
153 Op. cit., p. 73.
154 MEIRELLES, op. cit., p. 573.
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Para as situações de falta de justa causa para a ação penal, há ao menos três solu-
ções para que não se dê início à persecução criminal em juízo. Compreendem as promo-
ções de arquivamento pelo Ministério Público – verdadeiras decisões de não proceder
nas quais a última palavra é da instituição156 –; a rejeição da denúncia ou da queixa-crime
pelo juiz ou tribunal; e os habeas corpus para trancamento de inquérito policial.
Paulatinamente, foram sendo construídas saídas alternativas ao processo penal
tradicional, para abranger situações nas quais há justa causa para o processo penal e
viabilidade condenatória. Deste tipo são os acordos de transação penal e de suspen-
são condicional do processo da Lei 9.099/1995, além de outras duas formas moder-
nas de não judicialização de causas penais mediante a substituição do conflito pelo
consenso.
A primeira delas engloba as práticas de Justiça Restaurativa, incentivadas pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP), por um sem-número de entidades acadêmicas e da sociedade civil e por or-
ganismos internacionais. As soluções restaurativas são possíveis em casos criminais.
155 Por motivos de difícil compreensão, a eficácia do princípio acusatório (art. 3º-A do CPP) também foi suspensa pela
medida cautelar na ADI 6398/DF, proferida pelo min. Luiz Fux em 22 de janeiro de 2020. Contudo, prevalece no
sistema por força da Constituição.
156 Vide o art. 28 do CPP, o art. 29, VII, da Lei 8.625/1993, o art. 62, IV, da Lei Complementar 75/1993 e copiosa
jurisprudência do STF. Por todos, vide o Inq. 510/DF, rel. min. Celso de Mello, de 1991. No STJ, vide o HC 95.917/
SC, 6ª Turma, rel. min. Nilson Naves, de 2010.
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de Direitos Humanos (art. 8º, 2, ‘g’) lhe asseguram o direito ao silêncio e a não-
autoincriminação. Trata-se, no entanto, de uma faculdade processual, o que implica
reconhecer que se o acusado assim quiser, poderá cooperar ativamente na relação
processual, seja pela confissão, pelo fornecimento de informações, pela disposição
a submissão aos meios probatórios, enfim, quaisquer atos que contribuam para o
esclarecimento da imputação.160
160 SILVA, Franklin Roger Alves. A construção de um processo penal cooperativo e a instalação do contraditório como
direito de influência. In: CABRAL, Antônio do Passo; PACELLI, Eugenio; CRUZ, Rogério Schietti. Repercussões do
novo CPC: processo penal. Salvador: JusPodivm, 2016, vol. 13.
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161 Na ADI 6398 MC / DF, o ministro Luiz Fux do STF suspendeu a eficácia de alguns de seus dispositivos.
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Regulada pelo art. 28-A do CPP e pelo art. 18 da Resolução CNMP 181/2017,
tal convenção tem seu fundamento constitucional nos arts. 5º, inciso LXXVIII162, 37163 e
129, inciso I, da CF, que sedimenta o princípio da oportunidade da ação penal. Relacio-
na-se com o instituto da confissão espontânea (art. 65, III, ‘d’, do CP) e tem fundamen-
to, para o investigado, no princípio da autonomia da vontade.
Essencialmente, o acordo de não persecução criminal é um arquivamento con-
dicionado ao cumprimento de obrigações não penais (de fazer, de não fazer ou de
dar). Por isso, dialoga com o art. 28 do CPP, que regula o arquivamento de investiga-
ções criminais pelas razões que o Ministério Público invocar. Entre tais razões está, por
exemplo, a falta de interesse de agir que, no contexto dos acordos de não persecução,
resulta da suficiência da solução empregada no caso concreto, mediante ajuste. Uma
vez cumprido o acordado, a persecução penal torna-se desnecessária porque o melhor
resultado alcançável, na perspectiva do investigado, do Ministério Público e da vítima,
será ou já terá sido obtido mediante consenso, sendo inútil movimentar a pesada má-
quina jurisdicional para o mesmo fim.
Como, em função do acordo, a ação penal não é proposta, o cumprimento da
avença acarreta invariavelmente o arquivamento da investigação, com a decretação da
extinção da punibilidade do agente. Por isto, é correto afirmar que o acordo de não
persecução penal é um arquivamento condicional, fundado na falta de interesse de agir
do Estado. Uma vez adimplidas as condições, vem o arquivamento.
O Judiciário, cuja atuação é marcada pela inércia, é provocado a controlar o acor-
do nos seus aspectos de voluntariedade e legalidade. Sua presença na etapa da homo-
logação garante que não sejam feitos ajustes em detrimento dos interesses da vítima ou
com violação a garantias processuais do suspeito. Por sua vez, a participação da vítima
na negociação ou na formalização ou no cumprimento do acordo assegura um maior
controle finalístico da atividade do Ministério Público, na medida em que o ofendido
poderá rechaçar o acordo, mediante petição de não homologação apresentada ao juiz
ou diretamente ao órgão revisional do Ministério Público, para a correção de eventual
ilegalidade ou insuficiência.
Em varas sentidos, o acordo de não persecução penal (ANPP) assemelha-se a um
termo de ajustamento de conduta (TAC), mas pertinente ao campo criminal, mediante
o qual o Ministério Público, como titular privativo do direito de ação do Estado, e o sus-
peito de uma infração penal, com o seu defensor164, convencionam o não exercício da
ação penal em troca da aceitação pelo investigado de obrigações de fazer, não fazer ou
entregar coisa. Não há imposição de pena sem processo, mas aceitação de obrigações
de natureza civil, como o dever de reparar o dano e o pagamento de prestação pecu-
niária. O acordo de que cuidamos é um híbrido entre a composição civil e a transação
penal da Lei 9.099/1995, porque serve ao mesmo tempo à vítima (tal como a compo-
162 “A todos, no âmbito judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.”
163 Princípio da eficiência.
164 Art. 18. §3º. O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará de
modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para cumprimento, e será firmado
pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e seu defensor.
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167 O ajuste deverá ser submetido a homologação por um juiz ou tribunal (nos casos de competência originária), na
forma dos §§4º, 5º e 6º da Resolução 181/2017. Se necessário, sucessivamente, será reexaminado pelo colegiado
de coordenação e revisão, na forma do art. 28 do CPP ou dos arts. 62, IV, 136, IV, ou 171, IV, da Lei Complementar
75/1993 (Lei Orgânica do MPU), ou pelo órgão estadual com poder de revisão, na forma da Lei 8.625/1993 e das
leis orgânicas dos Ministérios Públicos Estaduais.
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168 Art. 16 do Código Penal (arrependimento posterior). Há também o art. 66, CP (atenuante inominada), ainda mais
abrangente em relação às circunstâncias que podem ser levadas em consideração pelo juiz para mitigar a pena,
mesmo que tais circunstâncias não estejam previstas em lei.
169 Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão
de mérito justa e efetiva. (CPC de 2015).
147
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170 ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Caso Brady vs. United States, 1970.
171 A medida cautelar na ADI 6298/DF suspendeu a eficácia deste artigo em 22 de janeiro de 2020.
172 Vide o §92 da Sentença da Corte Europeia no caso Natsvlishvili e Togonidze vs. Geórgia (2014). CONSELHO DA
EUROPA. Corte Europeia de Direitos Humanos. Natsvlishvili and Togonidze v. Georgia. Estrasburgo, Sentença
de 29 de abril de 2014. Disponível em: https://hudoc.echr.coe.int/eng#{“itemid”:[“001-142672”]}. Acesso em:
10.jan.2020.
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pode nascer sem que tenha havido qualquer incentivo por parte de agente público. O
acusado é livre para confessar, restituir a coisa subtraída, submeter-se a exames foren-
ses, reparar o dano. Pode também deixar de recorrer. Em regra, quando a renúncia173
a garantias processuais acontece como efeito de acordo, o acusado fica sujeito a um
julgamento sumário ou acelerado ou antecipado.
O não exercício de faculdades processuais pelo acusado deve ser considerado
válido quando expressado à luz de um consentimento voluntário, pleno e específico,
dado de maneira inequívoca, com ciência das consequências legais e sujeito a verifica-
ção174 por um órgão superior de controle ou por um juiz. Para a CEDH, “This cannot be
a problem in itself, since neither the letter nor the spirit of Article 6 prevents a person
from waiving these safeguards of his or her own free will.”175
Quanto à suposta violação do direito de apelar, conforme o art. 2º do Protocolo
7 à Convenção Europeia, a CEDH considerou não haver qualquer irregularidade no
tocante à sua limitação. Em outras palavras, o direito ao duplo grau é restringido no
tocante ao princípio devolutivo, uma vez que os fatos confessados no acordo não serão
reexaminados inteiramente por um tribunal recursal. Essa circunstância deve ser levada
ao conhecimento do acusado por seu advogado ou defensor. Ao aceitar um acordo
penal, se o faz voluntária e conscientemente, o réu renuncia ao direito de apelar da
decisão judicial para a qual concorreu:
The Court is of the opinion that by accepting the plea bargain, the first applicant, as
well as relinquishing his right to an ordinary trial, waived his right to ordinary appellate
review. [...] the Court considers that the waiver of the right to ordinary appellate review
did not represent an arbitrary restriction running afoul of the analogous requirement of
reasonableness cointained in Article 2 of Protocol No. 7 either.176
The Court finds this factor to be important, as it made it possible to have the exact terms
of the agreement, as well as of the preceding negotiations, set out for judicial review in a
clear and incontrovertible manner.177
149
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Segundo a Corte, o controle judicial dos acordos penais deve ocorrer em sessão
pública178 e permitir, por exemplo, que o juiz decida pela sua rejeição integral, ou pela
redução da pena proposta pelas partes, tendo em vista o interesse público e a existência
de justa causa contra o investigado179.
No modelo brasileiro de homologação judicial de acordos penais, nos quais exis-
ta confissão, a Lei 12.850/2013 “exige como condição de validade do acordo de cola-
boração a sua homologação judicial, que é deferida quando atendidos os requisitos de
regularidade, legalidade e voluntariedade.”180. Em 2015, a STF já havia afirmado que “a
homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade
de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo,
não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador”.181
Pelo §2º do art. 18 da Resolução CNMP 181/2017 a confissão dos fatos e as
tratativas do acordo devem ser registrados em vídeo182, para garantir a maior fidelidade
das informações e facilitar o controle hierárquico ou judicial. E, conforme o §3º, o acor-
do será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará
de modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para
cumprimento e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e
seu advogado.
Conforme os §§4º e 5º, do art. 18 da Resolução 181, os acordos de não perse-
cução penal devem ser encaminhados ao juiz natural para apreciação, do que poderá
resultar a homologação direta ou a sujeição do ajuste a revisão pelo próprio promotor
natural ou pelo órgão superior competente do Ministério Público (art. 18, §6º). Os
dispositivos equivalem aos §§ 4º a 8º do art. 28-A do CPP.
178 Diferentemente do que determina a Lei 12.850/2013, que prevê audiência sigilosa de confirmação do acordo de
colaboração premiada (art. 4º, §7º), pelas razões contidas no §2º do art. 7º da mesma Lei.
179 Vide o §95 da Sentença da Corte Europeia no caso Natsvlishvili e Togonidze vs. Geórgia (2014).
180 STF, Pet 5952, rel. min. Teori Zavascki, j. 14/03/2016.
181 STF, Pleno, HC 127.483/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 27/08/2015.
182 Esta exigência não está na lei e deveria ser flexibilizada pelo CNMP, para admitir outras formas de registro da
negociação.
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Nos dois casos julgados em 2012, a Suprema Corte Americana procurou respon-
der a uma questão crucial: o que fazer quando um réu torna-se indefeso porque seu
defensor o orientou erroneamente a recusar um acordo penal? A conclusão a que se
chegou é que sem defesa técnica real, efetiva um julgamento é inválido. E sua anulação
pode resultar até mesmo da recusa de um acordo penal pelo advogado do acusado, se
a rejeição da proposta realizar-se de forma negligente.
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incompatibilidade com o propósito dessa audiência188, uma vez que, feito o acordo, não
haverá processo penal. Por outro lado, o aproveitamento desta etapa procedimental
contribui para a duração razoável do processo e, concretamente, para que não exista
processo penal algum, o que é, evidentemente, uma solução alternativa de processo
penal muito benéfica ao suspeito preso em flagrante.
Se há consenso entre as partes para a solução da violação ao direito material
penal, não haverá a convolação do flagrante em prisão preventiva nem a aplicação de
medidas cautelares pessoais diversas da prisão. O investigado deverá ser solto. Caberá
ao juiz, ouvidas as partes e a vítima, se presente, simplesmente homologar a resolução
consensual do conflito entre o Estado e seu súdito, nos termos da lei.
A negociação pode ser feita na própria audiência, com solicitação de prazo ao
juiz, ou pouco antes do seu início.
Diz o art. 4º da Resolução CNJ 213/2015 que a audiência de custódia é bilateral,
pois realizada na presença do Ministério Público, do advogado do preso ou da Defen-
soria Pública. É, portanto, um ambiente que favorece o diálogo e que pode facilitar o
consenso. Pelo art. 8º, §1º, inciso IV, desse ato infralegal, após a oitiva da pessoa presa
em flagrante delito, o juiz deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica reperguntas
compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao méri-
to dos fatos que possam constituir eventual imputação, permitindo-lhes, em seguida,
requerer a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa
presa, entre as quais se inclui a negociação189 para a não persecução criminal. Conju-
gam-se neste ponto a Resolução CNJ 213/2015 e a Resolução CNMP 181/2017, com o
art. 28-A do CPP.
Está claro que, na audiência de custódia, agora prevista nos arts. 287 e 310 do
CPP, o Ministério Público pode formar sua opinio delicti, já que ali mesmo pode haver
a determinação de arquivamento imediato do inquérito policial190. Portanto, se pode
decidir pela não propositura da ação penal por falta de justa causa, falta de condições
de procedibilidade ou por causa extintiva de punibilidade ou excludente de ilicitude, a
fim de arquivar o inquérito, pode também o promotor de Justiça ou o procurador da
República firmar seu convencimento pela desnecessidade de persecução criminal, me-
diante convenção de não acusação.
Observe-se, contudo, que o acordo só será legítimo se o investigado estiver re-
presentado por defensor, a negociação com o Ministério Público for feita na sua presen-
188 No fluxograma da audiência de custódia, o CNJ aponta a possibilidade de adoção de medidas não judiciais como
a mediação. Disponível em http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/
perguntas-frequentes. Acesso em 10.out.2017. Essas providências são baseadas nos §§2º e 3º do art. 9º da Reso-
lução CNJ 213/2015 e, tal como o acordo de não persecução penal proposto pelo MP, dependem da vontade do
investigado.
189 Negociar saídas abreviadas é um direito subjetivo processual penal desde a Lei 9.099/1995.
190 Na Resolução CNJ 213/2015, vide o §5º: Proferida a decisão que resultar no relaxamento da prisão em flagrante,
na concessão da liberdade provisória sem ou com a imposição de medida cautelar alternativa à prisão, ou quando
determinado o imediato arquivamento do inquérito, a pessoa presa em flagrante delito será prontamente
colocada em liberdade, mediante a expedição de alvará de soltura, e será informada sobre seus direitos e obriga-
ções, salvo se por outro motivo tenha que continuar presa.
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ça ou com sua anuência e apenas depois de ser concedido tempo suficiente ao defensor
para consultar os autos, acessar todas as provas colhidas e entrevistar-se reservada-
mente com seu assistido ou cliente. O juiz de garantias191 deve velar por esses direitos.
Em estando presentes essas condições, o juiz de garantias – que é o mesmo da
audiência de custódia (art. 3º-B, inciso II, do CPP) ou o plantonista – poderá confirmar
oralmente a voluntariedade do infrator e a legalidade do ANPP, para homologá-lo, na
forma do §4º e 6º, do art. 28-A do CPP e do art. 3º-B, inciso XVII, do mesmo código.
191 Enquanto estiver vigente a medida cautelar na ADI 6296/DF, as competências do juiz de garantias serão exercidas
pelo juiz criminal competente para a investigação e o julgamento.
192 STF, Pleno, RE 795.567 RG / PR, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 28/05/2015.
193 STF, Pleno, RE-QO-RG 602072, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 19/11/2009.
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195 Lei 9.099/1995: Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada,
não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de
direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
156
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Deve haver justa causa para a persecução criminal, mediante a propositura da denúncia,
para que o Ministério Público opte por outra saída processual que não a ação penal. Em
outras palavras, o arquivamento prefere aos acordos penais de não persecução. Se o Mi-
nistério Público tiver elementos para denunciar, pode, antes, optar pelo ANPP.
Uma vez afastada a hipótese de arquivamento, deve-se examinar se é cabível ou
não a proposta de transação penal. Diz o art. 28-A do CPP que o ANPP só pode ser
celebrado quando não for cabível a transação penal da Lei 9.099/1995. Esta é viável nas
infrações penais de menor potencial ofensivo, que abrangem todas as contravenções
penais e os crimes cuja pena máxima não seja superior a 2 anos de prisão. Este esca-
lonamento já constava do inciso I do §1º do art. 18 da Resolução 181/2017, do CNMP.
196 SILVA, Luís Felipe Carvalho. As perspectivas de aplicação do acordo de não persecução penal na Justiça Militar da
União: uma solução possível e efetiva. In: CUNHA, Rogério Sanches; BARROS, Francisco Dirceu; SOUZA, Renee
do Ó; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Acordo de não persecução penal: resolução 181/2017 do CNMP. 2.ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
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Anoto, contudo, que, para o STF197 e o STJ, é constitucional o art. 90-A da Lei n.
9.099/1995, que veda sua aplicação aos crimes militares.198
O ANPP também é cabível em crimes hediondos e nos delitos a eles equiparados,
previstos na Lei 8.072/1990, desde que cometidos sem violência ou grave ameaça contra
a pessoa e que a pena seja compatível com o art. 28-A do CPP. A vedação constante do
inciso V do §1º do art. 18 da Resolução 181/2017 tornou-se ilegal com a entrada em vigor
da Lei 13.964/2019. A única maneira de justificar o não cabimento de ANPP, ainda assim
de modo casuístico, para crimes hediondos está na aferição da sua suficiência, em concre-
to, para a prevenção e a repressão, nos termos do caput do art. 28-A do CPP.
No entanto, o ANPP não será possível nos crimes praticados no âmbito de vio-
lência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por motivo relacionado à
condição de sexo feminino, nos termos do inciso IV do §2º do art. 28-A do CPP. Não vejo
razão para a exclusão desses delitos em dispositivo próprio, uma vez que a existência de
violência contra a pessoa, qualquer pessoa, por si só já impediria a formalização do ANPP.
A lei porém interdita o ANPP quando o crime for praticado “contra a mulher por
razões (sic) da condição de sexo feminino”, o que pode excluir do âmbito de incidência
do acordo alguns delitos praticados sem violência ou grave ameaça contra mulher, mas
motivados por questões de gênero. Não fecho questão quanto ao tema, mas a consti-
tucionalidade dessa restrição pode ser contestada, inclusive porque um dos objetivos
do ANPP é atender interesses da vítima.
Lembro ainda que o STJ firmou o entendimento de que não é possível aplicar
a transação penal e a suspensão condicional do processo nos crimes praticados com
violência doméstica e familiar contra a mulher. É o que também diz a Súmula 536 da
Corte. Ademais, o STF considerou constitucional o art. 41 da Lei 11.340/2006, que, nos
crimes de violência doméstica contra a mulher, afasta a incidência da Lei 9.099/1995.199
No tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, não se admite o
ANPP, tendo em conta a pena mínima abstrata. Porém, o acordo é cabível nos casos do
art. 28 da mesma lei, aplicando-se por analogia o entendimento do STJ para os acordos
de transição penal e suspensão condicional o processo.200
197 STF, 1ª Turma, HC 80.173/AM, Rel. Min. Sidney Sanches, j. 13 de junho de 2000.
198 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 96, Tese 7, Brasília, 2018.
199 STF, Pleno, ADC 19, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 9 de fevereiro de 2012.
200 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 96, Tese 12, Brasília, 2018.
201 Via esta vedação com reserva, porque estabelece um teto arbitrário.
202 O Ministério Público presenta o Estado na persecução criminal. Nenhum outro órgão ou poder estatal está le-
gitimado a provocar o exercício da Justiça criminal para a concretização do poder punitivo. Neste sentido, o MP
realiza a política criminal do Estado na ponta final, levando às barras do Judiciário apenas aqueles indivíduos sobre
os quais, segundo sua convicção jurídica, deve recair o poder punitivo.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS
203 Existência de condenação definitiva por crime anterior, ter sido o agente beneficiado por outro acordo nos cinco
anos anteriores, ou se os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente ou os motivos e circunstân-
cias da infração penal não recomendarem a adoção da medida como necessária e suficiente.
204 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 96, Tese 2, Brasília, 2018.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Incide aqui, ainda, analogicamente, o disposto no art. 44, §3º, do CP: Se o condenado
for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação
anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha
operado em virtude da prática do mesmo crime. A reincidência não é, pois, uma
vedação legal absoluta, mas relativa.205
205 QUEIROZ, Paulo. Acordo de não persecução penal: lei n° 13.964/2019. Brasília, 15 de janeiro de 2019. Dispo-
nível em: https://www.pauloqueiroz.net/acordo-de-nao-persecucao-penal-primeira-parte/. Acesso em:
19.01.2020.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou
grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.
Dizem Douglas Araújo e Laura Balbi que, “para guardar correlação lógica entre
os dois institutos e não frustrar os objetivos do ANPP, há que se permitir o seu cabi-
mento quando a pena mínima for igual a quatro anos”.206 Estou de acordo com essa
conclusão.
Para efeito do acordo, não necessariamente para outros fins (v.g., reconhecimento
da atenuante da confissão espontânea), temos que somente a confissão simples
permite a realização do ANPP. Ou seja, confissão formal e circunstanciada (a lei fala,
em verdade, de confissão circunstancial) deve ser entendida como confissão simples.
Confissão formal e circunstanciada é, portanto, uma confissão simples e voluntária em
que o investigado menciona o essencial da infração cometida, narrando a motivação
e as circunstâncias relevantes. A lei exige que seja circunstanciada inclusive para a
aferição judicial de sua consistência e verossimilhança.208
206 ARAÚJO, Douglas; BALBI, Laura. Primeiras impresses sobre o acordo de não persecução penal. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/78760/primeiras-impressoes-sobre-o-acordo-de-nao-persecucao-penal. Acesso em:
19.01.2020.
207 § 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio
e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.
208 QUEIROZ, Paulo. Acordo de não persecução penal: lei n° 13.964/2019. Brasília, 15 de janeiro de 2019. Dispo-
nível em: https://www.pauloqueiroz.net/acordo-de-nao-persecucao-penal-primeira-parte/ . Acesso em:
19.01.2020.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Para os fins do art. 65 do CP, a confissão do réu é uma atenuante. Para o ANPP, a
confissão do agente é um pré-requisito para um benefício processual: a não sujeição a
um processo penal para o qual há justa causa. Em ambos os casos, a confissão redunda
em colaboração voluntária do infrator, que acarreta a atenuação da pena, no primeiro
caso, ou a não propositura da ação penal, no segundo caso. O ANPP, por esse motivo,
também compreende um benefício premial, em sentido amplo, no âmbito dos incenti-
vos penais ao consenso.
É discutível se a confissão deve ser plena e cabal ou se seria possível a confis-
são parcial, mediante ajuste entre as partes, de maneira a permitir o enquadramen-
to da conduta na hipótese legal. Lembremos que a confissão é sempre divisível. Di-
zendo de outro modo, o Ministério Público poderia aceitar a confissão de infração
penal menos grave para viabilizar a celebração do ANPP? Se esta última hipótese for
admissível – e é duvidosa –, estaremos diante de ajuste semelhante ao plea bargain
neste ponto. Três de suas modalidades – count bargain, fact bargain e charge bargain
– aproximam-se do que seria uma confissão parcial, mas, nestes casos, ajustada
entre as partes.
Usualmente, a confissão deve ser voluntária. Não é necessário que seja espontâ-
nea, pois pode haver persuasão e incentivos à sua expressão. Não se toleram ameaças,
torturas ou abuso de autoridade ou outro ato ilegal para obter a confissão.
A autoridade competente para receber a confissão será a autoridade policial ou
o Ministério Público, de preferência oralmente, com redução a termo ou gravação. A
confissão feita à autoridade policial deve ser confirmada presencialmente ou por te-
lecomparecimento ao membro do Ministério Público oficiante. A verosimilhança da
confissão e sua compatibilidade com a prova dos autos devem ser verificadas pelo pro-
motor natural e, posteriormente, pelo juiz.
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Presentes os requisitos exigidos pelo art. 28-A do CPP, pode haver proposta de
ANPP de iniciativa do Ministério Público ou do investigado, com assistência de seu ad-
vogado ou defensor público.
O juiz criminal, que será o juiz de garantias (art. 3º-B, do CPP)211, não pode
tomar a iniciativa do acordo, mas pode suscitá-lo, cabendo às partes decidir pelo ajus-
tamento ou não de seus interesses. Ao juiz caberá o exame da presença dos requisitos
legais, para fins de homologação.
À mingua de faculdade legal, não pode haver acordo entre o investigado e a
Polícia, mas nada impede que a autoridade policial apresente tal sugestão ao Ministério
Público, se verificar a presença das condições legais, cabendo ao promotor natural e ao
investigado decidir se haverá ou não a celebração do acordo.
A vítima também pode provocar o Ministério Público para a formalização do
acordo de não persecução penal, já que tem interesse na reparação do dano, material
ou moral, e na recuperação da coisa.
A tabela a seguir registra as diferenças entre o art. 28-A do CPP e o art. 18 da
Resolução 181/2017 do CNMP, quanto aos requisitos do ANPP num e noutra:
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V – o delito for hediondo ou IV - nos crimes praticados no âmbi- Não há no art. 28-A do CPP
equiparado e nos casos de inci- to de violência doméstica ou fami- restrição a ANPP em crimes he-
dência da Lei no 11.340, de 7 de liar, ou praticados contra a mulher diondos ou a eles equiparados.
agosto de 2006; por razões da condição de sexo
feminino, em favor do agressor.
VI – a celebração do acordo não Art. 28-A. (…) propor acordo A condiçãoo foi deslocada para o
atender ao que seja necessário de não persecução penal, des- caput do art. 28-A do CPP.
e suficiente para a reprovação e de que necessário e suficiente
prevenção do crime. para reprovação e prevenção
do crime
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IV – pagar prestação pecuniária, a IV - pagar prestação pecuniária, a A competência para indicar a en-
ser estipulada nos termos do art. ser estipulada nos termos do art. tidade beneficiária da prestação
45 do Código Penal, a entidade 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de pecuniária passa ao juiz da exe-
pública ou de interesse social a ser 7 de dezembro de 1940 (Códi- cução.
indicada pelo Ministério Público, go Penal), a entidade pública ou
devendo a prestação ser destinada de interesse social, a ser indicada
Vincula-se a condição ao regime
preferencialmente àquelas enti- pelo juízo da execução, que tenha,
do art. 45 do CP.
dades que tenham como função preferencialmente, como função
proteger bens jurídicos iguais ou proteger bens jurídicos iguais ou
semelhantes aos aparentemente semelhantes aos aparentemente
lesados pelo delito; lesados pelo delito; ou
V – cumprir outra condição es- V - cumprir, por prazo determi- Inclui-se cláusula de prazo deter-
tipulada pelo Ministério Público, nado, outra condição indicada minado para o cumprimento de
desde que proporcional e com- pelo Ministério Público, desde outras condições.
patível com a infração penal apa- que proporcional e compatível O novo texto passa a referir-se à
rentemente praticada. com a infração penal imputada. “infração penal imputada”, e não
mais a “infração penal aparente-
mente praticada”.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Assim, deve-se ter em conta as condições cominadas nos cinco incisos do art.
28-A do CPP, para que se selecione uma, algumas ou todas elas. Deve-se também esti-
pular, de forma proporcional, a extensão de tais condições, tendo em conta prazo e va-
lores. No tocante à prestação pecuniária, deve-se levar em conta a situação econômica
do investigado. Circunstâncias agravantes e atenuantes previstas em lei também podem
ser usadas como parâmetro de fixação da resposta estatal.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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213 ARAS, Vladimir. Suspensão condicional do processo: direito subjetivo do acusado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-
4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1083. Acesso em: 20 jan. 2020.
214 STF, 1ª Turma, RE 468.161/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 14 de março de 2006.
215 STF, 1ª Turma, INQ 3438/SP, Rel. Min. Rosa Weber, j. em 11 de novembro de 2014.
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A similitude, todavia, é flagrante, tal como se vê no inciso III do art. 28-A do CPP,
que prevê a obrigação de prestar serviços à comunidade ou a entidades públicas por
período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois ter-
ços, em local a ser indicado pelo juízo da execução. A lei manda aplicar o regulamento
da sanção alternativa similar, prevista no art. 46 do Código Penal.
No inciso IV, a semelhança se repete, com a previsão da obrigação de pagar
prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 Código Penal, a entidade
pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, prefe-
rencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparen-
temente lesados pelo delito.
A obrigação de reparação do dano, que aparece no inciso I do art. 28-A do CPP,
tem no Código Penal a natureza de efeito automático da condenação criminal, cons-
tante do art. 91, inciso I, do CP.218 Já no Código Civil, o dever de reparar o dano é a
consequência da responsabilidade civil por ato ilícito.
Por sua vez, o inciso II do art. 28-A do CPP assemelha-se a um confisco penal
(perdimento), tal como previsto no art. 91, inciso II, alíneas `a` e `b` do CP, que diz ser
efeito da condenação a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de
terceiro de boa-fé, dos instrumentos do crime e do seu produto ou proveito.
No inciso V do art. 28-A do CPP, vemos uma cláusula geral que permite a inserção
de condições inominadas nos ANPP. Estas terão natureza variada, mas nunca serão penas.
Este debate não é novo. Discussão semelhante foi travada por ocasião da entrada
em vigor da Lei 9.099/1995, que introduziu no Brasil a transação penal e a suspensão
condicional do processo. No primeiro instituto, tem-se aplicação imediata de “pena”
não privativa de liberdade, sem que o Ministério Público ofereça uma denúncia. No
segundo, há imposição de condições, que devem ser adimplidas para que a ação penal
seja extinta.
Contudo, entendeu-se que não há pena na transação penal. É que, em 2015,
no RE 795.567, com repercussão geral, o STF fixou a compreensão de que a sentença
que homologa transação penal não contém “juízo sobre a responsabilidade criminal do
aceitante”:
218 Art. 91 - São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Penal são decorrentes de sentença penal condenatória. Tal não se verifica, portanto,
quando há transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95), cuja sentença tem natureza
homologatória, sem qualquer juízo sobre a responsabilidade criminal do aceitante.
As consequências da homologação da transação são aquelas estipuladas de modo
consensual no termo de acordo. 2. Solução do caso: tendo havido transação penal
e sendo extinta a punibilidade, ante o cumprimento das cláusulas nela estabelecidas,
é ilegítimo o ato judicial que decreta o confisco do bem (motocicleta) que teria
sido utilizado na prática delituosa. O confisco constituiria efeito penal muito mais
gravoso ao aceitante do que os encargos que assumiu na transação penal celebrada
(fornecimento de cinco cestas de alimentos). 3. Recurso extraordinário a que se dá
provimento.219
219 STF, Pleno, RE 795.567 RG / PR, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 28/05/2015.
220 STF, 2ª Turma, HC 79572, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/02/2000.
221 STF, Pleno, ADI 5508/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 20 de junho de 2018.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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222 Tais artigos do CPP tiveram sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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COMO ERA O ANPP COM A COMO FICOU O ANPP COM DIFERENÇAS ENTRE A
RESOLUÇÃO CNMP 181/2017 A LEI 13.964/2019 RESOLUÇÃO E O CPP
§ 2º A confissão detalhada dos Não há regra semelhante no art.
fatos e as tratativas do acordo 28-A do CPP. O texto da Reso-
serão registrados pelos meios lução 181 é compatível com o
ou recursos de gravação audio- código.
visual, destinados a obter maior
fidelidade das informações, e o
investigado deve estar sempre
acompanhado de seu defensor.
§ 3º O acordo será formalizado § 3º O acordo de não persecu- A previsão da Resolução
nos autos, com a qualificação ção penal será formalizado por 181/2017 é mais detalhada do
completa do investigado e es- escrito e será firmado pelo mem- que a do art. 28-A do CPP e com
tipulará de modo claro as suas bro do Ministério Público, pelo ela compatível.
condições, eventuais valores investigado e por seu defensor.
a serem restituídos e as datas
para cumprimento, e será firma-
do pelo membro do Ministério
Público, pelo investigado e seu
defensor
§ 4º Realizado o acordo, a vítima § 9º A vítima será intimada da A Resolução do CNMP manda
será comunicada por qualquer homologação do acordo de não intimar a vítima já no momento
meio idôneo, e os autos serão persecução penal e de seu des- da celebração do ANPP, ao passo
submetidos à apreciação judicial. cumprimento. que o art. 28-A do CPP ordena
sua intimação quando da homo-
logação.
§ 4º Para a homologação do Não havia previsão de audiência
acordo de não persecução penal, na Resolução 181/2017. A inova-
será realizada audiência na qual o ção privilegia a oralidade.
juiz deverá verificar a sua volun-
tariedade, por meio da oitiva do
investigado na presença do seu
defensor, e sua legalidade.
Vide o §6º, inciso II. § 5º Se o juiz considerar inade- Havia previsão semelhante no
quadas, insuficientes ou abusivas inciso II do §6º do art. 18 da Re-
as condições dispostas no acordo solução 181/2017.
de não persecução penal, devol-
verá os autos ao Ministério Pú-
blico para que seja reformulada
a proposta de acordo, com con-
cordância do investigado e seu
defensor.
§ 5º Se o juiz considerar o acordo § 6º Homologado judicialmente O art. 28-A do CPP especifica
cabível e as condições adequadas o acordo de não persecução pe- que o ANPP deve ser executado
e suficientes, devolverá os autos nal, o juiz devolverá os autos ao perante o juízo de execução pe-
ao Ministério Público para sua Ministério Público para que inicie nal, e não simplesmente imple-
implementação. sua execução perante o juízo de mentado pelo MP.
execução penal.
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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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§ 6º Se o juiz considerar incabível § 7º O juiz poderá recusar ho- O art. 28-A do CPP trata do
o acordo, bem como inadequa- mologação à proposta que não tema em dois parágrafos e de
das ou insuficientes as condições atender aos requisitos legais ou forma distinta da Resolução
celebradas, fará remessa dos au- quando não for realizada a ade- 181/2017. Esta é também mais
tos ao procurador-geral ou órgão quação a que se refere o § 5º completa no ponto e compatível
superior interno responsável por deste artigo. com o princípio acusatório (art.
sua apreciação, nos termos da 3º-A do CPP).
§ 8º Recusada a homologação,
legislação vigente, que poderá
o juiz devolverá os autos ao Mi-
adotar as seguintes providências:
nistério Público para a análise da
I – oferecer denúncia ou designar necessidade de complementação
outro membro para oferecê-la; das investigações ou o ofereci-
II – complementar as investiga- mento da denúncia.
ções ou designar outro membro
para complementá-la;
III – reformular a proposta de
acordo de não persecução, para
apreciação do investigado;
IV – manter o acordo de não
persecução, que vinculará toda a
Instituição.
§ 7º O acordo de não perse- Não há regra semelhante no art.
cução poderá ser celebrado na 28-A do CPP, mas o código agora
mesma oportunidade da audiên- disciplina a audiência de custodia.
cia de custódia A previsão da Resolução é com-
patível com tais audiências.
§ 4º Realizado o acordo, a vítima § 9º A vítima será intimada da A Resolução do CNMP manda in-
será comunicada por qualquer homologação do acordo de não timar a vítima já no momento da
meio idôneo, e os autos serão persecução penal e de seu des- celebração do ANPP, ao passo que
submetidos à apreciação judicial. cumprimento. o art. 28-A do CPP ordena sua in-
timação quando da homologação
§ 8º É dever do investigado co- Não há previsão semelhante no
municar ao Ministério Público art. 28-A do CPP, mas o próprio
eventual mudança de endereço, acordo pode estipular essa obri-
número de telefone ou e-mail, gação.
e comprovar mensalmente o
cumprimento das condições, in-
dependentemente de notificação
ou aviso prévio, devendo ele,
quando for o caso, por iniciativa
própria, apresentar imediata-
mente e de forma documentada
eventual justificativa para o não
cumprimento do acordo.
§ 9º Descumpridas quaisquer das § 10. Descumpridas quaisquer
condições estipuladas no acordo das condições estipuladas no O art. 28-A do CPP prevê a ne-
ou não observados os deveres acordo de não persecução pe- cessidade de prévia decisão de
do parágrafo anterior, no prazo nal, o Ministério Público deverá rescisão do ANPP, antes do ofe-
e nas condições estabelecidas, o comunicar ao juízo, para fins de recimento da denúncia.
membro do Ministério Público sua rescisão e posterior ofereci-
deverá, se for o caso, imediata- mento de denúncia.
mente oferecer denúncia.
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to. Mas deverá também ser intimado da própria proposta de negociação e das etapas
do procedimento, para ampliar a accountability do procedimento negocial e sua capaci-
dade de acomodação dos diversos interesses contrapostos.
Neste aspecto, o Ministério Público deve também observar o art. 17 da Resolução
181/2017, do CNMP, que trata dos direitos da vítima.
223 Ou o juiz criminal comum, enquanto estiver vigente a medida cautelar na ADI 6298/DF.
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224 Cabe ao juiz de garantias “decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração
premiada, quando formalizados durante a investigação”, na forma do art. 3º-B do CPP. Este dispositivo teve sua
eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
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225 Vide a propósito o novo art. 3º-C da Lei 12.850/2013: “A proposta de colaboração premiada deve estar instruída
com procuração do interessado com poderes específicos para iniciar o procedimento de colaboração e suas trata-
tivas, ou firmada pessoalmente pela parte que pretende a colaboração e seu advogado ou defensor público. Este
dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
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226 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020. Assim,
a competência é do juiz criminal “comum”.
227 Diz o art. 2º da Lei 8.038/1990: “O relator, escolhido na forma regimental, será o juiz da instrução, que se realizará
segundo o disposto neste capítulo, no Código de Processo Penal, no que for aplicável, e no Regimento Interno do
Tribunal. Parágrafo único. O relator terá as atribuições que a legislação processual confere aos juízes singulares.”
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228 Vide o art. 34, inciso IX, do Regimento Interno do STJ. Cabe ao relator homologar pedidos de autocomposição das
partes.
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229 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
230 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
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231 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020, mas
tais vedações são em quase tudo compatíveis com o sistema acusatório.
184
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232 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
233 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
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Assim, o §8º do art. 28-A do CPP tem de ser compatibilizado com o art. 129,
inciso I, da Constituição e com o art. 3º-A do CPP234, do que resulta a seguinte solução.
Se o juiz discordar das partes, quanto à homologação do ANPP, deve devolver os autos
ao Ministério Público, sim, mas não ao promotor natural. Deve proceder na forma do
art. 28 do CPP e remeter os autos ao Procurador-Geral ou à câmara de coordenação e
revisão do MPU, para que ali se avalie se há necessidade de complementação da apura-
ção, se é caso de denúncia, se a proposta de acordo será reformulada, ou se a proposta
de acordo será mantida.
234 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
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O recurso em sentido estrito previsto no art. 581, XXV, do CPP tem cabimento
apenas nas hipóteses de não homologação por motivo de ilegalidade, abusividade ou
falta de voluntariedade.
A solução acima apontada está em harmonia com o princípio acusatório e encon-
tra símile no direito brasileiro. No procedimento negocial para concessão de remissão
pelo Ministério Público (art. 126 c/c o art. 180, II, do ECA), havendo discordância do
juiz, este deve submeter o caso à instância revisional do Ministério Público. Diz o §2º
do art. 181 do ECA:
Mutatis mutandi, este é o procedimento que deve valer para a situação análoga
envolvendo o acordo de não persecução penal. Além de assegurar ao acusado uma
espécie de “duplo grau” de natureza extrajudicial, a acomodação do art. 28 do CPP236
à mecânica dos acordos de não persecução penal tem a vantagem de permitir à Admi-
nistração Superior do Ministério Público traçar uma política de persecução criminal uni-
forme para a instituição, visando a encaminhar seus membros a uma atuação orientada
235 STJ, 6ª Turma, REsp 1392888/MS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 30 de junho de 2016.
236 Em 22 de janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux suspendeu sine die a eficácia da nova redação do art. 28 do CPP,
instituída pela Lei 13.964/2019, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020. Vide a ADI 6298 MC / DF e ADI
apensas.
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237 Que foi repristinado por força da decisão do ministro Luiz Fux na ADI 6298 MC / DF, de 22 de janeiro de 2020.
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238 Salvo os de colaboração premiada, não mencionados no texto da lei como impeditivos de um ANPP.
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239 A Lei 13.964/2019 não define claramente esta competência. No entanto, se a homologação se deu pelo juiz de ga-
rantias ou o juiz criminal comum (enquanto vigente a medida cautelar na ADI 6298/DF), a rescisão também deveria
competir-lhe. O problema é que o acordo estará sob acompanhamento do juiz da execução penal, parecendo
contraproducente esse vaivém processual.
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legal, promover seu cumprimento no juízo civil, nos termos do CPC.240 Na pior das
hipóteses, para fins cíveis, na dimensão da obrigação de indenizar (art. 927 do CC)241,
o ANPP é um documento público assinado pelo devedor, constituindo um título exe-
cutivo extrajudicial (art. 784, II, CPC), ou um instrumento de transação referendado
pelo Ministério Público e pelo advogado do transator, com essa mesma natureza e força
(art. 784, IV, CPC). Esta é mais uma razão para que a vítima tenha assegurados os seus
direitos de ciência e participação.
O art. 935 do CC estabelece que a responsabilidade civil é independente da
criminal, mas estatui que não se pode mais questionar sobre a existência do fato, “ou
sobre quem seja o seu autor”, quando estas questões se acharem decididas no juízo
criminal. A confissão judicial do investigado no âmbito do ANPP torna certa a obrigação
de reparação do dano causado pelo ato ilícito e também certifica o seu autor.
240 Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o
efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
241 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
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O investigado também deve, quando for o caso, por iniciativa própria, apresentar
imediatamente e de forma documentada eventual justificativa para o não cumprimento
do acordo.
Tais obrigações não estão previstas em lei, mas podem ser ajustadas como cláu-
sulas do acordo de não persecução penal.
Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a
qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante
legal, ou do Ministério Público.
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242 Art. 188. A remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, poderá ser aplicada em qualquer fase
do procedimento, antes da sentença.
243 TJMG, Rel. Des. Fernando Brandt, Apelação Criminal 10084170027571001, publicado em 28 de agosto de 2019.
244 STF, 2ª Turma, RE 248018, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 6 de maio de 2008.
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245 STF, 2ª Turma, HC 96.659/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 28 de setembro de 2010.
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246 Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo
ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do
processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante,
retomar a ação como parte principal.
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247 STJ, Corte Especial, APn 634/RJ, Rel. Min. Félix Fischer, j. em 21 de março de 2012.
248 STJ, Corte Especial, APn 390/DF, Rel. Min. Félix Fischer, j. em 6 de março de 2006.
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249 BRASIL. Presidência da República. Mensagem 726, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em: http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Msg/VEP/VEP-726.htm. Acesso em: 19.01.2020.
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250 Todos os dispositivos do CPP atinentes ao juiz de garantias, inclusive o art. 3º-B do CPP, tiveram sua eficácia
suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, de 22 de janeiro de 2020.
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251 Esta exigência não está na lei e deveria ser flexibilizada pelo CNMP, para admitir outras formas de registro da
negociação.
252 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 3, Tese 5, Brasília, 2013.
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253 MAZZOCO, Carlos F. Parâmetros para fixação de valores em ANPP. Vitória, 2020. Arquivo PDF em poder do
autor.
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17. Conclusão
A formalização de um acordo de não persecução pelo Ministério Público equivale
a à decisão de não promover a acusação. E da acusação, pelas regras do art. 129, inciso
I e do art. 3º-A do CPP, da Constituição Federal, somente o Ministério Público é titular.
Com a introdução dessa medida, fundada em ideias de política criminal orientada
à eficiência, a critérios de necessidade, utilidade, conveniência e à intervenção mínima,
não há qualquer ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV,
Constituição), à legalidade (art. 28-A do CPP), ao devido processo legal, ao juiz natural,
à garantia contra a autoincriminação ou à ampla defesa. Diversas salvaguardas foram
previstas pela lei.
O Poder Judiciário é sempre chamado a verificar em cada caso, se o acordo deve
ser homologado, ou se, por outro lado, eventual denúncia será aceita para julgamento.
O investigado tem sua autonomia da vontade resguardada, e sua decisão de acordar é
livre e orientará por defesa técnica. Há também o controle de arquivamento da inves-
tigação.
O ANPP tem base no art. 28-A do CPP e na Resolução 181/2017 do CNMP, de-
vendo aplicar-se por analogia princípios, súmulas e julgados referentes aos arts. 76 e 89
da Lei 9.099/1995, aos arts.126 e 181 da Lei 8.069/1990 e ao art. 4º da Lei 12.850/2013,
por analogia.
Da análise do direito brasileiro, comparativamente ao leading case europeu Nats-
vlishvili e Togonidze vs. Georgia, da Corte Europeia de Direitos Humanos, e aos precedentes
Lafler vs. Cooper e Missouri vs. Frye, da Suprema Corte dos Estados Unidos, percebe-se
a adequação desse acordo de não acusar aos preceitos de direitos humanos que carac-
terizam um processo penal garantista, minimamente intervencionista e que valoriza os
interesses de investigados e vítimas.
Não custa repetir. O acordo de não persecução tem íntima identidade com uma
prática restaurativa, no que tange ao consenso, à consideração dos interesses de ofendido
e ofensor e à resolução extrajudicial do conflito. Assemelha-se também a uma compo-
sição civil que faz desaparecer o interesse de agir para a persecução penal. Formata-
do pelo CNMP em 2017, foi alçado ao plano legislativo em 2019, especificando uma
nova atribuição do Ministério Público (art. 129, I) no art. 28-A do CPP: a atribuição de
não denunciar um suspeito, invocando as razões que lhe pareceram meritórias, justas,
apropriadas, econômicas e/ou oportunas, à luz do interesse público balanceado pelas
expectativas da vítima e pela política criminal adotada pela instituição.
Do ponto de vista constitucional (art. 5º da Constituição) ou do prisma convencional
(art. 7º da CADH e art. 14 do PIDCP), o art. 28-A do CPP e o art. 18 da Resolução
CNMP 181/2017 regulam ferramenta perfeitamente adequada ao desempenho das
funções institucionais do Ministério Público e ao exercício da ampla defesa e da auto-
nomia da vontade do investigado, abrindo, ao lado da Justiça Restaurativa, uma nova
vereda para o princípio da oportunidade e o consenso, cuja expansão e consolidação no
processo penal brasileiro são tão necessárias quanto inevitáveis.
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206
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