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sobre os autores

André Clark Nunes Cavalcante


Promotor de Justiça do Estado do Ceará. Coordenador criminal, controle externo da atividade policial e
segurança pública do MPCE. Coautor dos comentários do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais
aos projetos de lei anticrime.

Antônio Edilberto Oliveira Lima


Juiz de Direito do TJCE. Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa. Doutorando em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Igor Pereira Pinheiro


Promotor de Justiça do MPCE; Especialista, Mestre e Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela ULIS-
BOA; Autor dos livros “Legislação Criminal Eleitoral Comentada” (ed. JusPodivm) e “Condutas Vedadas
aos Agentes Públicos em Ano Eleitoral” (ed. Fórum); Coordenador das Pós-Graduações em Compliance/
Direito Anticorrupção e Direito Político/Eleitoral da Faculdade CERS; Foi Professor da Escola Superior do
MPCE na área de combate à corrupção; Foi Membro do Grupo de Atuação Especial de Defesa ao Patri-
mônio Público do Ministério Público do Estado do Ceará (GEDPP); Foi Coordenador do Grupo Auxiliar da
Procuradoria Regional Eleitoral do Ceará.

Luciano Vaccaro
Promotor de Justiça MPRS – desde 1998. Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de
Segurança Pública do MPRS desde 2015. Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de
Madri/Espanha (2011). Professor de Direito Penal: Lavagem de Dinheiro e Crime Organizado em cursos
preparatórios às carreiras do Ministério Público e Magistratura, e de cursos de pós-graduação. Palestrante
no PNLD – Programa Nacional para Capacitação e Treinamento para o combate à Corrupção e à Lavagem
de Dinheiro, do Ministério da Justiça e Segurança Pública desde 2016.

Vladimir Aras
Mestre em Direito Público pela UFPE, especialista (MBA) em Gestão Pública (FGV), professor assistente
de Processo Penal na Universidade Federal da Bahia (UFBA), membro do Ministério Público brasileiro
desde 1993, atualmente no cargo de Procurador Regional da República em Brasília (MPF), coordenador
do Grupo de Apoio ao Tribunal do Júri Federal (GATJ) da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
Sumário

CAPÍTULO 1
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL............. 11
1. Legítima defesa.................................................................................................................. 11
2. Pena de multa.................................................................................................................... 13
3. Limite das penas privativas de liberdade........................................................................... 17
4. Livramento condicional..................................................................................................... 21
5. Causas impeditivas da prescrição...................................................................................... 23
6. Crime de roubo................................................................................................................. 28
7. Crime de estelionato......................................................................................................... 34
8. Crime de concussão.......................................................................................................... 37

CAPÍTULO 2
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE LAVAGEM DE
DINHEIRO – LEI 9.613/98......................................................................................... 39

CAPÍTULO 3
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE DROGAS – LEI
11.343/03...................................................................................................................... 43

CAPÍTULO 4
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGA-
NIZADO – LEI 12.850/13............................................................................................ 49
1. Alterações da lei do crime organizado.............................................................................. 57
2. Modificações relativas ao cumprimento da pena e benefícios da execução penal............ 58
3. Modificações relacionadas às formalidades procedimentais prévias à celebração do
acordo de colaboração premiada.................................................................................... 60
4. Modificações relacionadas ao procedimento em juízo para a homologação do acor-
do de colaboração premiada e suas consequências......................................................... 66
5. Modificações relacionadas ao aos direitos do colaborador............................................... 79
6. Infiltração virtual de agentes policiais na internet.............................................................. 80
CAPÍTULO 5
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO NA LEI QUE
DISPÕE SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA – LEI
13.756/18...................................................................................................................... 89

CAPÍTULO 6
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO
PENAL - LEI 7.210/84................................................................................................. 93
1. Considerações iniciais acerca das alterações na Lei Execuções Penais............................. 93
1.1. Da identificação genética.......................................................................................... 93
1.2. Do regime disciplinar diferenciado........................................................................... 97
1.3. Das novas regras acerca da progressão de regime prisional.................................... 104
1.3.1. Considerações gerais....................................................................................... 104
1.3.2. Das principais alterações promovidas pela Lei 13.964/19 no tocante aos
prazos (critério objetivo) para progressão de regime prisional............................ 105
1.3.3. Do critério subjetivo para progressão de regime prisional.............................. 108
1.3.4. Da (im) possibilidade de aplicação dos novos prazos a crimes cometidos
antes da vigência da Lei 13.964/19....................................................................... 110
1.3.5. A progressão de regime no caso do “tráfico de drogas privilegiado”......... 111
1.3.6. Da progressão especial prevista no §3º, do artigo 112, da LEP....................... 112
1.3.7. Da impossibilidade de progressão per saltum.................................................. 113
1.3.8. Da súmula vinculante 56.................................................................................. 116
1.4. Da vedação à saída temporária aos condenados por crime hediondo com
resultado morte......................................................................................................... 117

CAPÍTULO 7
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME na Lei 11.671/08................... 119
1. Considerações gerais......................................................................................................... 119
2. Da competência do juízo federal para os crimes praticados no interior das unidades
prisionais federais............................................................................................................. 119
3. Dos requisitos para inclusão nos estabelecimentos penais federais....................................... 120
4. Disposições gerais............................................................................................................. 122

CAPÍTULO 8
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12.............. 123
1. Considerações gerais......................................................................................................... 123
2. Das inovações trazidas pela Lei 13.964/19........................................................................ 123
ACORDOS DE NÃO PERSECUÇÃO NA LEI ANTICRIME

CAPÍTULO 9
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019................... 129
1. Introdução......................................................................................................................... 129
2. Do princípio da obrigatoriedade ao princípio da oportunidade da ação penal................. 130
3. O consenso no processo penal......................................................................................... 134
4. O ministério público como agente da política criminal do estado.................................... 136
5. Saídas alternativas ao processo penal................................................................................ 139
6. Acordos penais no Brasil................................................................................................... 141
7. Os acordos de não persecução penal da Lei 13.964/2019................................................ 143
7.1. Características gerais do acordo de não persecução penal...................................... 143
7.2. Acordo de não persecução penal e devido processo legal....................................... 146
7.2.1. Voluntariedade da decisão de negociar acordos penais................................... 148
7.2.2. Possibilidade de renúncia ao exercício de garantias processuais...................... 148
7.2.3. Necessidade de efetivo controle judicial sobre o acordo................................ 149
7.2.4. Necessidade de defesa técnica efetiva: os casos Lafler vs. Cooper e Missouri
vs. Frye, da Suprema Corte dos Estados Unidos.................................................. 150
7.3. Audiência de custódia e acordo de não persecução penal....................................... 151
7.4. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e a transação
penal........................................................................................................................... 153
7.5. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e a suspensão
condicional do processo............................................................................................. 154
7.6. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e os acordos
de colaboração premiada........................................................................................... 154
7.7. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e o plea bargain..... 155
7.8. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução penal e o acordo de
não persecução cível.................................................................................................. 155
8. Requisitos do acordo de não persecução penal (ANPP)................................................... 156
8.1. Não ser hipótese de arquivamento.......................................................................... 156
8.2. Não se tratar de crime com violência ou grave ameaça contra a pessoa................. 157
8.3. Crimes nos quais é cabível o ANPP.......................................................................... 157
8.4. Vedações categóricas que não mais se aplicam........................................................ 158
8.5. Como se calcula a pena mínima para o ANPP.......................................................... 159
8.6. A reincidência no ANPP........................................................................................... 160
8.7. A transação penal prefere ao acordo de não persecução penal............................... 160
8.8. A possibilidade de ANPP em crimes com pena mínima igual a 4 anos................ 160
8.9. A confissão do investigado como requisito legal....................................................... 161
8.10. Suficiência do ANPP para a prevenção e repressão do crime................................ 162
8.11. Impossibilidade de ANPP em caso de acordos pretéritos...................................... 163
8.12. Celebração de ANPP quando presente causa de exclusão de ilicitude ou de
culpabilidade ou extintiva de punibilidade.................................................................. 163
8.13. Existência de inquéritos em curso e ANPP............................................................ 164
8.14. Constatação da presença dos requisitos legais....................................................... 164
9. As obrigações a serem cumpridas pelo investigado.......................................................... 166
9.1. A reparação do dano à vítima................................................................................... 167
9.2. Perda de bens, direitos e valores e instrumentos do crime...................................... 167
9.3. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.................................. 168
9.4. Pagamento de prestação pecuniária......................................................................... 168
9.5. Condições inominadas.............................................................................................. 168
9.6. Cumulação de condições.......................................................................................... 169
10. Natureza jurídica do acordo de não persecução penal................................................... 170
11. Natureza jurídica das “condições” impostas em função do acordo de não persecução
penal................................................................................................................................ 171
12. Natureza jurídica da sentença que homologa o acordo de não persecução penal......... 172
13. Legitimidade para o acordo de não persecução penal.................................................... 173
14. Procedimento do acordo de não persecução penal........................................................ 174
14.1. A proposta de ANPP.............................................................................................. 177
14.2. O momento do ANPP............................................................................................ 178
14.3. A negociação do ANPP........................................................................................... 179
14.4. Recusa à formalização do acordo........................................................................... 180
14.5. Formalização do acordo de não persecução penal................................................. 180
14.6. Juízo competente para a homologação e execução do acordo.............................. 181
14.7. A audiência de confirmação do ANPP.................................................................... 182
14.8. A homologação do ANPP....................................................................................... 183
14.9. Repactuação ou retificação do acordo antes da homologação............................... 184
14.10. Rejeição da homologação do acordo.................................................................... 185
14.11. A execução do ANPP........................................................................................... 189
14.12. Cumprimento do acordo...................................................................................... 189
14.13. Descumprimento do acordo................................................................................ 190
14.14. Rescisão do acordo de não persecução penal...................................................... 191
14.15. Consequências do acordo para a vítima............................................................... 191
14.16. Consequências do acordo para o acusado........................................................... 192
14.17. Repactuação do acordo após a homologação....................................................... 193
15. Outras questões relevantes............................................................................................. 193
15.1. Acordos com adolescentes infratores.................................................................... 193
15.2. Acordos com pessoas inimputáveis por motivos psiquiátricos............................... 195
15.3. Acordos com pessoas jurídicas............................................................................... 196
15.4. Acordos em ação penal privada subsidiária da pública........................................... 196
15.5. Acordos em ação penal privada.............................................................................. 197
15.6. Acordos em caso de concurso de pessoas............................................................. 197
15.7. Interações entre o acordo de não persecução penal e o acordo de não persecu-
ção cível...................................................................................................................... 198
15.8. O acordo de não persecução penal e a Lei da Ficha Limpa.................................... 200
15.9. Registro audiovisual da negociação e da confissão.................................................. 201
15.10. Acordo de não persecução penal em caso de desclassificação pelo juiz................... 201
15.11. Atos de comunicação com o investigado e a vítima............................................. 201
15.12. Acordos clausulados............................................................................................. 202
15.13. Acordos de não persecução penal e Justiça Restaurativa..................................... 202
16. Boas práticas em acordos de não persecução penal....................................................... 203
17. Conclusão........................................................................................................................ 204

REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 205
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

capítulo 1
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO
PENAL
LUCIANO VACCARO

1. Legítima defesa

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


Legítima defesa Legítima defesa
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem,
usando moderadamente dos meios necessários, usando moderadamente dos meios necessários,
repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito
seu ou de outrem. seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos
previstos no caput deste artigo, considera-se
também em legítima defesa o agente de se-
gurança pública que repele agressão ou risco
de agressão a vítima mantida refém durante
a prática de crimes.

A primeira alteração produzida pela Lei 13.964/19 no Código Penal foi no insti-
tuto da legítima defesa.
De acordo com o art. 23, inciso II, do CP, não há crime quando o agente pratica
o fato em legítima defesa. Esta é, entre outras, uma causa excludente da ilicitude,
conforme nomenclatura utilizada pelo legislador. E revela as características necessárias
para a definição do que seja um crime no Brasil: de um lado, só há ilícito penal diante de
um fato assim definido anteriormente em lei (princípio da legalidade, previsto nos arti-
gos 5.º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, e 2.º, do Código Penal); de outro, se o
agente pratica um fato amparado em alguma causa excludente da ilicitude igualmente
prevista em lei (art. 23 do CP), não haverá crime1.
Daí por que a maioria da doutrina brasileira considera como características do
crime ser um fato típico e ilícito. Para esta definição, prescinde-se da culpabilidade
para a configuração do crime, que serve apenas como pressuposto para a aplicação da
sanção penal.

1 Há ainda causas supralegais excludentes da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade reconhecidas pela doutrina e
jurisprudência.

11
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

A legítima defesa, instituto amplamente reconhecido nos mais diversos países,


encontra fundamento tanto na necessidade de defender bens jurídicos reputados im-
portantes perante uma agressão, como de resguardar o próprio ordenamento jurídico
ante a possibilidade de agressão ilegítima a um bem jurídico por ele protegido.
Segundo o art. 25 do Código Penal, entende-se em legítima defesa quem, usando
moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito
seu ou de outrem.
De acordo com o dispositivo legal, são requisitos da legítima defesa:

a) agressão injusta, atual ou iminente: essa causa excludente da ilicitude


apresenta-se como uma reação a uma agressão não protegida pelo ordena-
mento jurídico, que está ocorrendo ou prestes a ocorrer.
b) direito próprio ou alheio: qualquer bem jurídico, próprio ou de terceiro,
pode ser amparado pela legítima defesa.
c) uso moderado dos meios necessários: imprescindível para a caracteriza-
ção da legítima defesa é o emprego moderado dos meios necessários para a
repulsa a uma agressão injusta. Necessários são todos os meios considerados
suficientes e imprescindíveis, enquanto que o uso moderado desse meio signi-
fica sua utilização tão somente até cessar a agressão.
d) vontade de defender: também indispensável é a vontade do ofendido em
defender um bem jurídico próprio ou de terceiro, diante de ataque injusto.

O art. 2.º da Lei 13.964/19 acrescenta um parágrafo único ao art. 25 do CP, assim
redigido: Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também
em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão
a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Destina-se o novel dispositivo aos agentes de segurança pública, que são os inte-
grantes dos órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal:
polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis; polícias
militares e corpos de bombeiros militares e polícias penais federal, estaduais e distrital2.
Soa um tanto quanto paradoxal que uma lei denominada “Anticrime”, por preten-
der tornar mais eficaz o enfrentamento à criminalidade que assola o país, tenha como
primeira modificação justamente o dispositivo que versa sobre uma causa excludente
da ilicitude e, por consequência, do próprio crime. Entretanto, como mencionado na
própria justificativa do Ministro da Justiça e Segurança Pública, o objetivo da proposição
foi justamente “dar proteção legal” aos agentes policiais, para que assim possam exer-
cer suas funções com tranquilidade, sem a intimidação de se verem processados e sub-
metidos a julgamento por atos praticados em resposta ao crime, dando um equilíbrio
nas “relações entre o combate à criminalidade e à cidadania”.

2 As guardas municipais não são órgãos de segurança pública, mas colaboradores, como possibilidade de atuação
conjunta. Vide art. 144, § 8.º, da CF, c/c art. 5.º, inciso IV e parágrafo único, da Lei 13.022/14.

12
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Em relação ao novo parágrafo único, a justificativa apresentada referiu que “este


dispositivo corrige situação atual de absoluta insegurança do policial, pois impõe-lhe
aguardar a ameaça concreta ou o início da execução do crime para, só depois, reagir.
Com a nova redação, ele pode agir preventivamente, ou seja, quando houver risco imi-
nente a direito seu ou de outrem.”
Embora a clara intenção em dar maior segurança jurídica ao agente de seguran-
ça pública no exercício de suas funções, pode-se afirmar que o novo dispositivo em
nada altera o instituto da legítima defesa. Não houve qualquer acréscimo aos requisitos
previstos no caput do art. 25 do CP. Pelo contrário, reafirma-se a necessidade desses
requisitos.
O dispositivo em comento, em verdade, apenas exemplifica uma das hipóteses
de legítima defesa, na medida em que o agente de segurança pública que repele agressão
ou risco de agressão está reagindo a uma agressão injusta, atual ou eminente, a direito
de terceiro, vez que destinada à proteção de “vítima mantida refém durante a prática de
crimes”.
Portanto, diante de cada caso concreto envolvendo atuação dos agentes de
segurança pública e que seja submetido ao sistema de justiça criminal, haverá – como
sempre houve – a necessidade de avaliação dos fatos e aferição da presença ou não dos
requisitos da legítima defesa, tal como em qualquer outro caso que não envolva tais
profissionais.
A nova norma parece, pois, destinada a dar uma aparente tranquilidade aos agen-
tes de segurança pública. E nesse aspecto, cumpre função meramente simbólica, a in-
cutir nos policiais a falsa percepção de que estão mais protegidos do que antes, circuns-
tância que, como visto, não ocorre.

2. Pena de multa

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


Conversão da Multa e revogação Conversão da Multa e revogação
Art. 51. Transitada em julgado a sentença conde- Art. 51. Transitada em julgado a sentença conde-
natória, a multa será considerada dívida de valor, natória, a multa será executada perante o juiz
aplicando-se-lhes as normas relativas à dívida ativa da execução penal e será considerada dívida de
da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa
causas interruptivas e suspensivas da prescrição. da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às
causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

A pena de multa é uma das espécies de sanção penal prevista no art. 32 do CP,
integrando-se ao sistema punitivo conjuntamente com as penas privativas de liberdade
e restritivas de direito. Portanto, a imposição de multa, como sanção penal, ocorre
após a regular tramitação do processo criminal, quando o juiz profere a sentença penal
condenatória (art. 387, III, CPP).

13
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Em atenção ao princípio da legalidade (artigos 5.º, inciso XXXIX, da Constituição


Federal, e 2.º, do Código Penal), imprescindível prévia cominação legal para a imposi-
ção e aplicação da pena de multa quando aplicada como sanção principal (art. 58 CP) ou
como sanção substitutiva (arts. 58, parágrafo único, 44, § 2.º e 60, § 2.º, CP).
Consiste a pena de multa no pagamento ao fundo penitenciário3 de quantia fixa-
da na sentença condenatória, dentro dos limites de 10 a 360 dias-multa4. O valor do
dia-multa é aferido entre um trigésimo a cinco vezes o valor do salário mínimo vigente
à época do fato, sempre atualizado quando da execução e pagamento (art. 49, §§ 1.º
e 2.º, CP). Na fixação do valor da pena de multa deve o juiz levar em conta a situação
econômica do réu, podendo, a depender das condições econômicas, elevá-lo ao triplo
(art. 60 CP).
Consoante dispõe o art. 50 CP, transitada em julgado a sentença penal condena-
tória, o condenado deve ser intimado para, em 10 dias, pagá-la. A seu requerimento,
poderá ser feito o parcelamento do valor, inclusive com descontos em seus vencimen-
tos. Se o apenado efetua o pagamento, nos 10 dias, estará extinta a reprimenda multa
ante o cumprimento. Todavia, se não o faz, a pena de multa fixada deve ser executada,
uma vez que, a partir da Lei 9.268/96, com a nova redação do art. 51 CP, impossível a
conversão da pena de multa em privativa de liberdade.
Com a Lei 9.268/96, o legislador estatuiu que com o trânsito em julgado da sen-
tença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas
da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas
interruptivas e suspensivas da prescrição.
Não tardou a surgirem divergências sobre a natureza da pena pecuniária (sanção
penal ou dívida de valor), o órgão legitimado para a sua execução (Ministério Público ou
a Fazenda Pública, através de seus procuradores), o juízo competente para o julgamen-
to (Vara das Execuções Penais ou Varas da Fazenda Pública) e o rito para a cobrança
(Lei 7.210/84 ou Lei 6.830/80). A controvérsia, no entanto, restou superada com a

3 O Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) foi criado pela Lei Complementar nº 79/94, e prevê, em seu art. 2º,
V, que constituirão recursos desse fundo as multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito
em julgado. No entanto, por se tratar de matéria vinculada ao direito penitenciário, a própria Constituição Federal
reconhece a competência concorrente dos Estados para legislar sobre o assunto (art. 24, I), desde que autorizados
por Lei Complementar (art. 22, parágrafo único). E a lei que cria o FUNPEN expressamente admite o repasse
de verbas a Fundos estaduais, o que acaba por admitir que os Estados legislem sobre tal tema, com destinação da
sanção pecuniária imposta pela justiça estadual para o fundo estadual. No Estado do Rio Grande do Sul, o Fundo
Penitenciário Estadual, criado pela Lei 5.741/68 - posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 21.213/71 – não
prevê especificamente a destinação das penas de multa, mas estabelece em seu art. 3º, alínea “d”, que o fundo
será constituído por “quaisquer outras rendas que possam ser atribuídas ao FUNDO”. Entretanto, a Consolidação
Normativa Judicial da Corregedoria-Geral da Justiça do TJRS, por sua vez, prevê, no art. 932, o recolhimento ao
Fundo Penitenciário Estadual das multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado
(http://www.tjrs.jus.br/export/legislacao/estadual/doc/2019/CNJCGJ_Provimento_024-2019.pdf).
4 Há crimes cujo preceito secundário já estabelece quantidades mínimas e máximas de dias-multa, diferentemente
dos previstos no art. 49, caput¸ do CP. É o que ocorre, por exemplo, com os crimes definidos da Lei 11.343/06, a
Lei de Drogas. Também há hipótese de lei com especial com cominação da pena de multa no preceito secundário,
mas com previsão de como calcular o seu valor. É o caso doa RT. 99 da Lei 8.666/93, em que o valor da multa é
estabelecido em percentuais sobre o total do contrato licitado ou contratado. Nesses casos, em razão da espe-
cialidade, nos termos do art. 12 CP, aplicam-se os dispositivos da lei especial. À propósito, ainda, da cominação de
pena de multa em lei especial, vale lembrar a Súmula 171/STJ: Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas
privativas de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa.

14
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

consolidação, no STJ, da posição segundo a qual a multa é dívida de valor, devendo ser
executada pela Fazenda Pública junto ao juízo com competência sobre execução fiscal,
de acordo com o rito previsto na Lei 6.830/805. E assim sendo, ao juízo das Execuções
Penais impunha apenas extrair certidão de dívida dando conta do inadimplemento, com
remessa a Fazenda Pública para fins de execução da dívida. Nesse aspecto, inclusive,
restou sumulado pelo STJ no verbete 521 que: A legitimidade para a execução fiscal de
multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procura-
doria da Fazenda Pública.
Esse cenário, todavia, alterou-se novamente em 13/12/ 2018, quando o STF final-
mente julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral
da República em 26/02/2004 (ADI 3.150/DF), cuja ementa refere:

Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa.


Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme.
Procedência parcial do pedido. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como
dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por
força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação
prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de
Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa
pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal,
se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta
de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo
interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a
expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda
Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”,
não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na
Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão
legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução
Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de
Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a
execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência
do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso)
para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito
da Lei 6.830/1980. (ADI 3150, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/12/2018,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 05-08-2019 PUBLIC 06-08-2019).

Portanto, em derradeira interpretação sobre o art. 51 CP, o Plenário do STF, por


maioria6, decidiu que: a) a pena de multa, embora considerada dívida de valor pela Lei

5 Essa a posição que prevaleceu no STJ, como serve de exemplo o decidido no julgamento do HC 101.216/RS, Rel.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 02/08/2010. “Com a
reforma trazida pela Lei 9.268/96, a pena de multa, após o trânsito em julgado da condenação, passou a constituir
dívida de valor. Desta forma, a sua execução está a cargo da Procuradoria da Fazenda, correndo o feito pela Vara
da Fazenda Pública. Assim, cumprida a pena privativa de liberdade, ou a restritiva de direitos, remanescendo o
pagamento da pena de multa, é de se determinar o arquivamento da execução criminal”.
6 Seguiram a corrente vencedora os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo
Lewandowski e Dias Toffoli (presidente). Restaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que
votaram pela improcedência da ADI por entendem ser competência da Fazenda Pública a cobrança da multa
pecuniária.

15
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

9.268/96, mantém natureza de sanção penal, conforme art. 5.º, XLVI, ‘c’, da CF; b) o
Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa,
perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos
164 e seguintes da Lei de Execução Penal. Entretanto, o próprio STF admitiu a possibili-
dade de a Fazenda Pública cobrar a dívida de valor, mas de forma subsidiária e diante de
inércia do Ministério Público em executá-la no prazo de 90 dias contados da intimação
para fazê-lo. Se assim proceder a Fazenda Pública, execução do valor da dívida deve ser
na Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/80.
Agora, com a Lei Anticrime volta-se aos tempos em que todas as decisões con-
cernentes ao cumprimento das sanções penais, inclusive o pagamento da pena de multa
– ou as consequências da sua falta – se davam no juízo da execução penal. De acordo
com o novo art. 51 CP: Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será
executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis
as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas
interruptivas e suspensivas da prescrição.
Na justificativa apresentada quando do encaminhamento do PL 882/19 ao parla-
mento, assim se manifestou o Ministério da Justiça e Segurança Pública: “no que toca à
pena de multa (...) retira-se da Vara das Execuções Fiscais, onde as execuções penais se
perdiam em meio a milhares de cobranças fiscais, passando-a para o juízo da execução
penal. Mantêm-se, todavia, as normas da legislação relativas à dívida ativa da Fazenda
Pública.”
Assim, a lógica da alteração produzida com a Lei 13.964/19 é justamente a de
tornar mais efetiva a execução das penas de multa, de maneira a reduzir a sensação
de impunidade que sobre elas impera, com altos índices de inadimplência e prescrição
pelo decurso do tempo para cobrança. Além disso, evidente que quanto mais execução
(cobrança) e efetivo pagamento houver, mais recursos aportarão ao fundo penitenciário
nacional para serem empregados nas necessárias construções ou melhorias de unidades
prisionais no país inteiro7.
E se a competência para a execução da pena de multa, com a nova redação
do art. 51 dada pela Lei Anticrime, é do juízo da execução penal (arts. 65 e 66 da Lei
7.210/84 - LEP), dúvida alguma pode haver acerca da legitimidade do Ministério Público
para ingressar com essa ação, pois consectário lógico do art. 129, I, da CF, e dos arts.
67 e 68 da LEP. Ainda mais a partir da interpretação dada pelo STF na ADI 3.150/DF,
como supramencionado. Mas diferentemente do que decidiu o STF nessa ADI, forçoso
reconhecer que a partir da Lei 13.964/19, todas as ações de execução da pena de multa
são de competência da Vara de Execuções Penais. Por conta disso, a legitimidade para
ingressar com tal ação passa a ser única e exclusiva do Ministério Público.
Ao prever a competência do juiz da execução penal para julgar a execução da
multa, o novo art. 51 CP estabelece que se aplicam as normas relativas à dívida ativa da

7 Além do fundo penitenciário, os valores das penas de multa, em se tratando de crimes previstos na Lei 11.343/06,
devem ser pagos ao Fundo Nacional Antidrogas – FUNAD.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Fazenda Pública. Assim, o dispositivo afasta a incidência do rito previsto na Lei 7.210/84
(LEP, arts. 164 a 170), para adotar aquele previsto na Lei 6.830/808.
Além disso, em que pese a definição da competência do juízo da execução penal
para a execução da pena de multa integrar uma norma penal – Código Penal – é evi-
dente que se trata de norma com conteúdo processual, razão pela qual se aplica desde
logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior, nos
termos do art. 2.º do Código de Processo Penal9.

3. Limite das penas privativas de liberdade

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


Limite das penas Limite das penas
Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas pri- Art. 75. O tempo de cumprimento das penas pri-
vativas de liberdade não pode ser superior a 30 vativas de liberdade não pode ser superior a 40
(trinta) anos. (quarenta) anos.
§ 1º - Quando o agente for condenado a penas § 1º Quando o agente for condenado a penas
privativas de liberdade cuja soma seja superior a privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40
30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para
atender ao limite máximo deste artigo. atender ao limite máximo deste artigo.
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior § 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior
ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova
unificação, desprezando-se, para esse fim, o unificação, desprezando-se, para esse fim, o perío-
período de pena já cumprido. do de pena já cumprido.

A alteração do limite para o cumprimento das penas privativas de liberdade tem


origem no PL 10.372/18, não havendo dispositivo similar no PL 882/19.
A previsão de um limite baseia-se na vedação ao caráter perpétuo das penas (art.
5.º, XLVII, “b”, da Constituição Federal), assim como na própria dignidade da pessoa
humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito insculpidos na Carta
Magna (art. 1.º, III).
Em decorrência lógica da limitação do art. 75 CP, determina-se a unificação das
penas privativas de liberdade sempre que a soma ultrapassar o limite (§ 1.º). Caso so-
brevenha condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, deve-se
proceder a uma nova unificação a fim de respeitar o montante estabelecido, desprezan-
do-se, para esse fim, o período de pena já cumprido (§ 2.º).

8 Por consequência, os arts. 164 a 170 foram tacitamente revogados pela Lei 13.964/19 e o novo art. 51. Nos termos
do art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42), “A lei posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteira-
mente a matéria de que tratava a lei anterior.” O Juízo competente e o rito a ser empregado estão inteiramente
regulados no novo art. 51 CP e, no que tange ao rito a ser empregado, na Lei 6.830/80, não subsistindo, portanto,
os arts. 164 a 170 da LEP.
9 O mesmo raciocínio se aplica às execuções de dívida decorrente de pena de multa em curso nos juízos de execu-
ção fiscal ou da Fazenda Pública, nos termos do art. 14 do Código de Processo Civil.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

O atual cenário de violência no Brasil indica a necessidade de aumento do limite


para o cumprimento das penas privativas de liberdade. O crime organizado que tomou
conta dos grandes centros urbanos, com ramificações também em cidades de médio
e pequeno porte, é responsável, hoje, por grande parte da criminalidade relaciona-
da ao tráfico de drogas, roubos, tráfico de armas, latrocínios e homicídios. Não raro,
portanto, a responsabilidade criminal que recai sobre seus integrantes ultrapassa os 30
anos. Esse limite, por ser baixo, acaba contribuindo para a impunidade, na medida em
que em muitos casos a pena regularmente aplicada dentro do devido processo legal
simplesmente deixa de ser cumprida em razão da linha de corte para o cumprimento
da reprimenda.
Vale lembrar que a limitação trintenária já constava do art. 64 do Código Penal
(Decreto-Lei 2.848/40) antes da alteração promovida pela Lei 7.209/84, reformuladora
de toda a parte geral, mas que a manteve, embora em outro dispositivo (art. 75).
E se o fundamento para a previsão de um limite relaciona-se à vedação de caráter
perpétuo às penas privativas de liberdade, inegável o fato de ter-se elevado a expec-
tativa de vida dos brasileiros desde os anos 40 do século passado, quando aprovado o
Decreto-Lei 2.848/40, até os dias atuais.
Nesse sentido foi a justificativa apresentada quando da propositura do PL
10.372/18: “de outra parte, impõe-se a atualização do limite máximo de cumprimento
das penas à atual expectativa de vida dos brasileiros, muito superior àquela existente
quando promulgado o Código Penal, que estabeleceu o prazo máximo de cumprimento
em trinta anos (art. 55 da redação original e art. 75 da atual Parte Geral, com a reda-
ção determinada pela Lei n. 7.209/1984). De fato, segundo dados oficiais do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, de 1940 a 2016 a expectativa de vida cresceu ex-
ponencialmente, passando de 45,5 anos para 75,8 anos (Tabela 2 da Tábua completa de
mortalidade para o Brasil – 2016 – disponível do site oficial do IBGE)”.
Tais fatores, portanto, demonstram a necessidade de ampliação da limitação do
tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade para 0s 40 anos estabelecidos
no novo art. 75 CP.
Por se tratar de novatio legis in pejus, o limite das penas privativas de liberdade
não alcança condenações por fatos praticados antes de 23/01/2020, data da entrada em
vigor da Lei 13.964/19, nos termos dos arts. 5.º, XL, da CF, e 2.º do CP. Como conse-
quência, podem ocorrer as seguintes hipóteses:

a) condenado a pena privativa de liberdade por crimes anteriores a Lei


Anticrime: penas decorrentes de condenações cuja soma ultrapasse os 30 anos devem
ser unificadas nesse montante, conforme § 1.º do art. 75, na redação anterior. A mesma
situação se verifica quando sobrevier nova condenação após o início do cumprimento
da reprimenda por crime anterior a Lei 13.964/19, ensejando nova soma e unificação a
fim de atender a limitação trintenária, desprezando-se, para tanto, o período de pena
já cumprido, nos termos do § 2.º do art. 75 da redação anterior. Nesses casos, há a
ultratividade dos dispositivos mencionados, pois produzem efeitos mesmo depois de
cessada a vigência.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Exemplo: condenado a 100 anos de pena privativa de liberdade, por crimes


anteriores a Lei Anticrime, só cumprirá 30 anos de prisão, por conta da unificação. No
entanto, se após cumprir 15 dos 100 anos sobrevém condenação a outros 20 anos por
crime posterior ao início do cumprimento da pena, haverá a soma entre o que resta da-
quela reprimenda com a nova (100 - 15 + 20 = 105 anos), unificando-se em outros 30
anos de pena a cumprir, desconsiderando-se aqueles 15 por força do mencionado § 2.º.

b) condenado a pena privativa de liberdade por crimes anteriores e poste-


riores a Lei Anticrime: se houver condenações por crimes anteriores e posteriores a
Lei Anticrime, como se dá a soma e unificação e qual o limite aplicável? Para responder
essa indagação, imaginemos os seguintes exemplos:
Exemplo 1: condenado a 60 anos de prisão por crimes anteriores a Lei Anticri-
me, surge nova condenação, a 20 anos, por crime praticado após a entrada em vigor
da Lei 13.964/19.
Vamos dividir as condenações com as respectivas limitações. Dos 60 anos por
crimes anteriores a Lei Anticrime, por força da irretroatividade da nova lei e ultrativida-
de do revogado art. 75, § 1.º, unifica-se em 30 para o cumprimento. Realizada essa ope-
ração, acrescenta-se a nova condenação a 20 anos por crime praticado após a entrada
em vigor da Lei 13.964/19. Assim, somam-se aos 30 anos da limitação aqueles 20 da
nova condenação. Como o resultado (50) é superior ao limite da nova lei, procede-se
a uma nova limitação, agora em 40 anos. Não há que se cogitar em retroatividade do
limite quarentenário ao total da pena, na medida em que o montante da pena acrescido
para chegar aos 40 anos da nova limitação operada é decorrência exclusiva da condena-
ção por crime praticado após a novatio legis.
Exemplo 2: condenado a 20 anos de prisão por crimes anteriores a Lei Anticri-
me, surgindo nova condenação, a 60 anos, por crime praticado após a entrada em vigor
da Lei 13.964/19.
Nesse caso, os 20 anos por crimes anteriores não necessitam de limitação, pois
inferiores ao antigo teto trintenário para o cumprimento das reprimendas. Já os 60 anos
de condenação por crime praticado sob a égide da Lei 13.964/19 devem ser limitados
aos 40 anos previstos no art. 75 vigente na data dos crimes. Assim, deve-se somar toda
a pena (20 + 60 = 80) e limitar em 40 anos.
Exemplo 3: condenado a 60 anos de prisão por crimes anteriores a Lei Anticri-
me, surge nova condenação a 60 anos, por crime praticado após a entrada em vigor da
Lei 13.964/19.
Tal como ocorre no exemplo anterior, devem-se somar as condenações (60 +
60 = 120), unificando-as no limite de 40 anos determinado pela Lei Anticrime.
Exemplo 4: condenado a 20 anos de prisão por crimes anteriores a Lei Anticri-
me, surge nova condenação, a 25 anos, por crime praticado após a entrada em vigor
da Lei 13.964/19.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Neste caso, isoladamente, nenhuma das penas por crimes praticados antes ou
depois da Lei Anticrime alcança, por si só, o limite respectivo de 30 ou 40 anos. No
entanto, a soma de ambas (20 + 25 = 45), ultrapassa o novo limite, razão pela qual se
impõe a limitação quarentenária.
Exemplo 5: condenado a 20 anos de prisão por crimes anteriores a Lei Anticri-
me, surge nova condenação, a 15 anos, por crime praticado após a entrada em vigor
da Lei 13.964/19.
Em tal hipótese, somam-se as penas (20 + 15 = 35) e nenhuma limitação é ne-
cessária. O condenado terá de cumprir 35 anos de prisão.
Como proceder se o condenado, durante o cumprimento de reprimenda por
crimes anteriores a Lei 13.964/19, é novamente condenado, mas por crimes praticados
a partir de 23/01/2020?
Exemplo: condenado cumpre, há 10 anos, uma pena de 60 anos de prisão por
crimes anteriores a Lei Anticrime, quando surge nova condenação, a 20 anos, por
crime praticado durante o período de prisão, mas após a entrada em vigor da Lei
13.964/19.
Primeiramente, a pena de 60 anos que cumpria já fora unificada em 30 anos, limi-
te aplicável aos crimes praticados antes da Lei Anticrime. Como o crime que redundou
na nova condenação foi praticado após o início da satisfação da reprimenda, incide a
regra do § 2.º do art. 75 CP, ou seja, o tempo de pena já cumprido (10 anos) deve ser
desconsiderado para fins de fixação do novo limite. Desta forma, deve-se somar o que
resta de pena a cumprir (60 - 10 + 20 = 70), procedendo à unificação em 40 anos,
tempo que o condenado deverá cumprir.

c) condenado a pena privativa de liberdade por crimes posteriores a Lei


Anticrime:
Toda a vez que a soma ultrapasse os 40 anos, devem ser unificadas nesse mon-
tante, conforme o vigente § 1.º do art. 75 CP.
Registre-se que a limitação prevista no art. 75 CP é apenas para o cumprimento
da pena privativa de liberdade, ou seja, não pode ser considerada para fins de concessão
de benefícios. Nesse sentido é a Súmula 715 do STF: “A pena unificada para atender ao
limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é
considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou
regime mais favorável de execução.”
A competência para decidir sobre a limitação das penas é do juízo da execução
criminal, nos termos do art. 66, III, “a”, da LEP.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

4. Livramento condicional

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


Requisitos do livramento condicional Requisitos do livramento condicional
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condi- Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condi-
cional ao condenado a pena privativa de liberdade cional ao condenado a pena privativa de liberdade
igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:  igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: 
I - cumprida mais de um terço da pena se o conde- I - cumprida mais de um terço da pena se o conde-
nado não for reincidente em crime doloso e tiver nado não for reincidente em crime doloso e tiver
bons antecedentes;  bons antecedentes; 
II - cumprida mais da metade se o condenado for II - cumprida mais da metade se o condenado for
reincidente em crime doloso;  reincidente em crime doloso; 
III - comprovado comportamento satisfatório du- III – comprovado:
rante a execução da pena, bom desempenho no a) bom comportamento durante a execução
trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover da pena;
à própria subsistência mediante trabalho honesto; 
b) não cometimento de falta grave nos últimos
IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade 12 (doze) meses;
de fazê-lo, o dano causado pela infração;   
c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atri-
V - cumpridos mais de dois terços da pena, nos buído; e
casos de condenação por crime hediondo, prática
d) aptidão para prover a própria subsistência me-
de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
diante trabalho honesto;
afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apena-
do não for reincidente específico em crimes dessa IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade
natureza.             de fazê-lo, o dano causado pela infração;   
Parágrafo único - Para o condenado por crime do- V - cumpridos mais de dois terços da pena, nos
loso, cometido com violência ou grave ameaça à casos de condenação por crime hediondo, prática
pessoa, a concessão do livramento ficará também de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
subordinada à constatação de condições pessoais afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apena-
que façam presumir que o liberado não voltará a do não for reincidente específico em crimes dessa
delinqüir. natureza.
Parágrafo único - Para o condenado por crime do-
loso, cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa, a concessão do livramento ficará também
subordinada à constatação de condições pessoais
que façam presumir que o liberado não voltará a
delinqüir.

A alteração nos requisitos para a concessão do livramento condicional tem ori-


gem no PL 10.372/18, não havendo dispositivo similar no PL 882/19.
O livramento condicional, previsto no art. 83 do CP, é um instituto de política cri-
minal que permite ao condenado à pena privativa de liberdade, dentro da progressivi-
dade do sistema de cumprimento das penas, obter a liberdade mediante determinadas
condições e cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos estabelecidos.
Os requisitos objetivos são:

a) condenação à pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos (art.


83, caput);

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

b) cumprimento de parte da pena, nas frações de: b.1) mais de 1/3 da pena,
desde que o condenado não seja reincidente em crime doloso e tenha bons anteceden-
tes (art. 83, I)10; b.2) mais da metade da pena, se reincidente em crime doloso (art. 83,
II); b.3) mais de 2/3 da pena, se for condenado por crime hediondo, prática de tortura,
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, desde
que o apenado não seja reincidente específico em crimes dessa natureza11. Se for, não
terá direito ao instituto (art. 83, V).
Ressalte-se que com a Lei Anticrime está vedado o livramento condicional aos
crimes hediondos ou equiparados com resultado morte (incisos VI, “a”, e VIII, do art. 112
da LEP). Portanto, os condenados por crimes hediondos com resultado morte, inde-
pendentemente de reincidência específica, está vedado o livramento, não se lhes apli-
cando mais o 83,V, do CP. Da mesma forma, veda-se o livramento condicional aos con-
denados por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização
criminosa, quando houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do indício
associativo (§ 9.º do art. 2.º da Lei 12.850/13), cujos dispositivos serão objeto de estudo
em outro momento desta obra.

c) reparação do dano, salvo efetiva impossibilidade (art. 83, IV).


Os requisitos subjetivos, por sua vez, referem-se à pessoa do condenado, e
indicam ser ele merecedor ou não da liberdade mediante condições. E é justamente
no rol dos requisitos subjetivos que reside uma das modificações inseridas pela Lei
13.964/19 no âmbito do livramento condicional (a outra, como referido, é a vedação do
livramento condicional aos crimes hediondos ou equiparados com resultado morte).
Com efeito, o art. 83, inciso III, na redação dada pela Lei 7.209/84, previa como
requisito subjetivo a comprovação de “comportamento satisfatório durante a execução
da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à
própria subsistência mediante trabalho honesto”. Esse dispositivo ensejava uma grande
dificuldade na hora de avaliar se um condenado que tivesse cometido uma falta grave era
ou não merecedor do livramento condicional, pois, mesmo com a indisciplina, poderia
ser considerado com “comportamento satisfatório”. Que fatores ou a prática de quantas
faltas seriam levados em conta para considerá-lo com “comportamento insatisfatório”?
A disciplina durante o cumprimento de medida privativa de liberdade é um im-
portante fator para a manutenção da ordem no estabelecimento prisional e para a pró-
pria ressocialização do preso. A indisciplina, com a prática de uma falta grave, enseja
consequências como a regressão de regime (art. 118 da LEP) e impedem a concessão
de indulto (art. 5.º, I, do Decreto 10.189/19, último decreto de Indulto).

10 Não houve previsão expressa acerca do condenado primário com maus antecedentes. Tal hipótese não se
enquadra no inciso I nem no inciso II do art. 83. Para solucionar tal situação, surgiram posições no sentido de que
devesse ser aplicado o mesmo tratamento dispensado ao reincidente em crime doloso (inciso II), por não se tratar
de hipótese prevista no inciso I. Também há posição no sentido de que na falta de previsão expressa, deve-se
interpretar de forma mais favorável ao condenado, ou seja, reconhecer satisfeito o requisito temporal quando do
cumprimento do prazo previsto no inciso I do art. 83 CP. Essa é a posição adotada pelo STJ por exemplo, no HC
57.300/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2006, DJ 05/02/2007, p. 275.
11 Segundo o STJ, “No que concerne ao conceito de reincidência específica, o crime anterior gerador da reincidência
não necessariamente precisa estar previsto no mesmo tipo penal do que o praticado posteriormente, pois basta a
reincidência específica em crimes dessa natureza”. (HC 511.850/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPO-
SO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 09/10/2019).

22
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Quanto ao livramento condicional, como mencionado, havia uma injustificada


omissão do legislador. Após divergência jurisprudencial sobre a repercussão ou não da
prática de falta grave como óbice, a matéria restou sumulada pelo STJ, no verbete 441:
“A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional”.
Portanto, a nova redação dada ao art. 83 CP pela Lei 13.964/19 vem a atender
uma absoluta necessidade, adequando-se ao princípio constitucional da individualização
da pena (art. 5.º, XLVI, da CF). Com a modificação, os requisitos subjetivos para a con-
cessão do livramento condicional passam a ser12:

a) bom comportamento durante a execução da pena13;


b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;
c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e
d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto.

Por se tratar de novatio legis in pejus, os novos requisitos para o livramento con-
dicional não alcançam condenados por crimes praticados antes da Lei Anticrime, nos
termos dos arts. 5.º, XL, da CF, e 2.º do CP.
A competência para decidir sobre o livramento condicional é do juízo da execução
criminal, nos termos do art. 66, III, “e”, da LEP.

5. Causas impeditivas da prescrição

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


Causas impeditivas da prescrição Causas impeditivas da prescrição
Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença
final, a prescrição não corre: final, a prescrição não corre:
I - enquanto não resolvida, em outro processo, I - enquanto não resolvida, em outro processo,
questão de que dependa o reconhecimento da questão de que dependa o reconhecimento da
existência do crime; existência do crime;
II - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro. II - enquanto o agente cumpre pena no exterior;
III - na pendência de embargos de declaração
ou de recursos aos Tribunais Superiores,
quando inadmissíveis; e
IV – enquanto não cumprido ou não rescindi-
do o acordo de não persecução penal.
Parágrafo único - Depois de passada em julgado a Parágrafo único - Depois de passada em julgado a
sentença condenatória, a prescrição não corre du- sentença condenatória, a prescrição não corre du-
rante o tempo em que o condenado está preso por rante o tempo em que o condenado está preso por
outro motivo. outro motivo.

12 Nesse sentido a justificativa apresentada para a alteração no PL 10.372/18: “Necessária, da mesma maneira, a atuali-
zação dos requisitos para concessão do livramento condicional, adequando o instituto às alterações acima propostas
e, não menos importante, prevendo o bom comportamento (e não apenas o “comportamento satisfatório”) como
requisito à sua concessão, além de estabelecer o cometimento de falta grave nos últimos doze meses como fator
impeditivo do benefício, mecanismo importante para manter a disciplina em estabelecimentos prisionais.”.
13 O “bom comportamento” era um dos requisitos subjetivos previstos para o livramento condicional na versão original do
CP de 1940 (art. 60, II), antes da modificação produzida pela Lei 7.209/84, que alterou toda a parte geral do CP.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

A resposta estatal ao crime envolve um conjunto de fatores. Além de instrumen-


tos normativos e tecnológicos que permitam ampliar permanentemente a capacidade
de investigação dos ilícitos penais, exige-se cada vez mais o investimento em equipa-
mentos e capacitação dos agentes que de uma ou outra forma contribuem, com seu
labor, para a persecução penal, desde os integrantes das forças de segurança a autori-
dades policias, agentes do Ministério Público e magistrados. E viu-se nos últimos anos
um avanço significativo nesses fatores, especialmente no combate ao crime organizado
e lavagem de dinheiro, com o desenvolvimento de novas tecnologias, surgimento de
novas leis, criação de varas especializadas nas Justiças Federal e Estaduais, capacitação
dos recursos humanos em todos os níveis, etc.
Mas a despeito desse esforço, o transcurso do tempo desde a investigação até
o trânsito em julgado definitivo14 de uma sentença penal condenatória, sempre foi um
importante fator de estímulo a incontáveis recursos que tramitam nos Tribunais de Ape-
lação, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. É que pelo transcurso
do tempo, muitas condenações acabam por prescrever, com a consequente extinção da
punibilidade, gerando impunidade.
Não se desconhece a valia do instituto da prescrição a fim de evitar abusos no
exercício do direito de punir do Estado, principalmente em razão da inércia. Uma vez
praticado um crime, surge para o Estado o direito de punir. Entretanto, a pretensão
punitiva não é absoluta, sujeitando-se a determinadas condicionantes.
Prescrição nada mais é do que a perda, pelo Estado, do exercício do direito de
punir em razão da inércia em exercê-lo dentro de limites temporais previamente defi-
nidos na legislação penal (art. 109 CP)15.
A prescrição pode ser da pretensão punitiva, que ocorre antes do trânsito em jul-
gado da sentença penal condenatória e elimina todos os efeitos penais. Subdivide-se em
abstrata, retroativa e superveniente. Ou da pretensão executória, que acontece depois
de transitar em julgado definitivamente a sentença penal condenatória, regulando-se
pela pena nela concretizada. Seus efeitos limitam-se à extinção da pena, permanecendo
os demais efeitos da condenação, penais e extrapenais.
Vejamos cada uma das modalidades.

a) Prescrição da pretensão punitiva abstrata: prevista no art. 109 CP, é as-


sim denominada porque ainda não existe pena concretizada na sentença para ser ado-
tada como parâmetro aferidor do lapso prescricional. Este lapso regula-se pela pena
cominada ao delito, isto é, pelo máximo da pena privativa de liberdade abstratamente
prevista no tipo penal, dentro dos prazos fixados no art. 109 CP. Assim, por exemplo,
a pretensão estatal prescreve abstratamente em 20 anos, se o máximo da pena é supe-
rior a 12, ou em 3 anos, se o máximo da pena é inferior a 1 ano.

14 O STF, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54, em 07/11/2019, decidiu, por
maioria, não ser possível a execução provisória da pena.
15 A Constituição Federal de 1988 estabelece que são imprescritíveis a prática do racismo, e a ação de grupos arma-
dos, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5.º, incisos XLII e XVIV, da C).

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

b) Prescrição da pretensão punitiva retroativa: prevista no § 1.º do art. 110


CP. Leva-se em consideração a pena aplicada, in concreto, na sentença penal condenató-
ria com trânsito em julgado para a acusação. Volta-se ao passado para verificar se entre
a data do recebimento da denúncia ou queixa e a data da sentença condenatória trans-
correu o prazo prescricional correspondente, dentro dos limites previstos no art. 109
CP, sem olvidar dos marcos suspensivos e interruptivos previstos nos arts. 116 e 117 CP.
c) Prescrição da pretensão punitiva superveniente: disciplinada no § 1.º
do art. 110 CP, regula-se pela pena concretizada na sentença. Também pressupõe o
trânsito em julgado para acusação, mas diferencia-se da anterior (prescrição retroativa)
porque em vez de voltar-se ao passado (antes da condenação), dirige-se ao futuro, ou
seja, com início da contagem do prazo prescricional correspondente (art. 109) a partir
da sentença condenatória até o trânsito em julgado definitivo.
d) Prescrição da pretensão executória: prevista no art. 110, caput, CP. A
prescrição da pretensão executória só pode ocorrer depois de transitar em julgado
definitivamente a sentença penal condenatória, sem que tenha havido qualquer uma
das modalidades anteriores. Regula-se pela pena concretizada, verificados os prazos
estipulados no art. 109.

Pode-se dizer que as possibilidades de prescrição da pretensão punitiva previstas


em nosso ordenamento sempre mereceram críticas pela capacidade de estimularem,
em muito, a interposição de recursos meramente procrastinatórios, com o objetivo de
ganhar tempo e aumentar a possibilidade de ocorrer a prescrição, com a consequente
extinção da punibilidade. Não havia, antes da Lei Anticrime, suspensão do curso da
prescrição enquanto não julgado o recurso.
Ressalta-se que em relação à prescrição retroativa, a reforma efetuada com a Lei
12.234/10, ainda que não a tenha eliminado, restringiu seu alcance, ao impedir ter como
termo inicial data anterior ao recebimento da denúncia (data do fato, por exemplo).
No entanto, a prescrição superveniente não recebeu atenção naquela oportu-
nidade, equívoco agora corrigido com a Lei Anticrime, ao estabelecer uma nova causa
impeditiva da prescrição, de modo a retirar eventual benefício decorrente da procras-
tinação de feitos com interposição de recursos desnecessários.
O art. 116 CP trata das causas impeditivas ou suspensivas da prescrição16. Há
impedimento quando o prazo prescricional sequer começa a fluir. A suspensão, por sua
vez, ocorre quando, após iniciado o transcurso do prazo prescricional, algum motivo
determina sua suspensão. Uma vez cessado o motivo a prescrição volta a correr nor-
malmente, não se desprezando o período anterior17.

16 Além dessas, há outras causas impeditivas ou suspensivas da prescrição previstas em lei, como, por exemplo, a
suspensão condicional do processo (art. 89, § 6.º, da Lei 9.099/95); quando o réu, citado por edital, não compa-
rece ao interrogatório (art. 366 CPP); a suspensão de processo de parlamentar após o recebimento da denúncia
(art. 53, § 5.º, da CF); enquanto se aguarda o cumprimento de carta rogatória para citação de réu que reside no
estrangeiro, em lugar sabido (art. 368 CPP); quando o prazo para oferecimento da denúncia de réu colaborador é
suspenso até que sejam cumpridas as medidas de colaboração (art. 4.º, § 3.º, da Lei 12.850/13).
17 Diferentemente do que ocorre com as causas interruptivas da prescrição, previstas no art. 117 CP, quando, ocor-
rida a causa interruptiva, o prazo recomeça a contar do zero, desprezando-se, portanto, o prazo já transcorrido.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Com a Lei Anticrime duas novas causas suspensivas da prescrição são inseridas
no art. 116 CP.
De acordo com a primeira delas, a prescrição não corre na pendência de embar-
gos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis (inciso III
do art. 116 CP).
Tal dispositivo, com origem no PL 882/19 apresentado pelo Ministério da Justiça
e Segurança Pública, pretende justamente impedir que recursos aos Tribunais Superio-
res sejam utilizados com fins meramente protelatórios.
Em matéria penal, das decisões dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais
de Justiça em sede de apelação cabem Recurso Especial e Extraordinário.
O julgamento do Recurso Especial compete ao Superior Tribunal de Justiça, nos
termos do art. 105, inciso III, da CF, quando o acórdão prolatado em única ou última
instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando estes contrariarem tratado ou lei federal, ou negarem-
lhes vigência (alínea “a”); ou quando derem à lei federal interpretação divergente da
que lhe haja atribuído outro tribunal (alínea “c”).
Já o julgamento do Recurso Extraordinário é de competência do Supremo Tri-
bunal Federal, conforme disposto no art. 102, inciso III, da CF, quando a decisão em
única ou última instância contrariar dispositivo da Constituição Federal (alínea “a”) ou
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal (alínea “b”).
A disciplina dos recursos especiais e extraordinários sofreu significativa modifica-
ção com o advento da Lei 13.105/15, o qual trouxe ao ordenamento jurídico um novo
Código de Processo Civil, que os regulamentou nos arts. 1.029 a 1.041, sendo aplicá-
veis aos recursos especiais e extraordinários em matéria penal por força do art. 3.º CPP.
Assim, de acordo com o art. 1.029 CPC, os recursos especiais e extraordinários
são interpostos perante o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido18, que,
após regular tramitação, procederá a um juízo de admissibilidade dos recursos. E os re-
cursos são inadmitidos, segundo o estatuto processual, em duas hipóteses: uma, que diz
respeito, aos pressupostos recursais como intempestividade, ilegitimidade, ou quando
o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de jul-
gamento de recursos repetitivos (art. 1.030, inciso V, do CPC); outra, quando se nega
provimento (art. 1.030, inciso I, CPC) a) a recurso extraordinário que discuta questão
constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência
de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja
em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime
de repercussão geral; ou b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto
contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de
julgamento de recursos repetitivos.

18 Na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, a competência para decidir sobre a admissibilidade ou não do recurso
especial ou extraordinário, em matéria criminal, é do Segundo Vice-presidente, nos termos do art. 59, V, “a”, do
Regimento Interno do TJRS.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

O juízo de inadmissibilidade fundado no art. 1.030, inciso V, desafia, conforme §


1.º do mesmo artigo, o recurso de agravo ao respectivo tribunal superior (STJ ou STF),
disciplinado nos arts. 1.042 e seguintes, todos do CPC. Inadmitido o recurso com fun-
damento no art. 1.030, inciso I, caberá recurso de agravo interno ao próprio tribunal de
origem do prolator da decisão recorrida. Essa a sistemática.
Os embargos de declaração, por sua vez, estão previstos nos arts. 619 e 620 do
CPP, cabíveis sempre que a decisão judicial for ambígua, obscura, contraditória ou omis-
sa. Encontra guarida, ainda, nos arts. 1022 a 1026 do CPC19, com expressa referência
ao manejo deles quando “manifestamente protelatórios”.
Portanto, com a nova causa suspensiva prevista no inciso III do art. 116 CP, duran-
te o tempo transcorrido entre a interposição dos recursos especiais e extraordinários,
seus respectivos agravos, e a decisão final que não os admite, não correrá a prescrição.
O mesmo ocorre com os embargos declaratórios interposto em qualquer decisão da-
queles tribunais. Obviamente, a contrário senso, sempre que admitidos tais recursos,
não há suspensão do prazo prescricional.
Tal medida, além de não mais beneficiar o condenado que objetivava tão somen-
te protelar o trânsito em julgado da sua condenação, propiciará, cada vez mais, que
menos recursos desnecessários sejam interpostos, permitindo que o sistema de justiça
criminal, principalmente no tocante às cortes superiores, se ocupe, efetivamente, com
os casos e recursos cuja submissão lhes seja imprescindível.
Há mais duas alterações promovidas no art. 116 CP pela Lei Anticrime.
No inciso II foi substituído o termo estrangeiro por no exterior, mais apropriada,
embora permanecendo o mesmo sentido, qual seja, de que a prescrição não corre en-
quanto o agente cumpre pena fora do Brasil.
Finalmente, em razão da criação do instituto do acordo de não persecução penal
(art. 28-A do CPP) pela Lei Anticrime, foi inserido um inciso IV ao art. 116 CP estabe-
lecendo como causa suspensiva da prescrição enquanto não cumprido ou não rescindido o
acordo de não persecução penal. Portanto, entre a data da homologação, por autoridade
judicial, do referido acordo e a data em que sobrevenha decisão sobre o descumpri-
mento e consequente rescisão, não corre prazo prescricional. Em caso da rescisão,
reinicia-se o prazo prescricional de onde parou.
Por se tratar de novatio legis in pejus, o novo inciso III do art. 116 CP não retroa-
ge, não alcançando os crimes praticados antes da entrada em vigor da Lei Anticrime,
nos termos dos arts. 5.º, XL, da CF, e 2.º do CP.
Diferente é o tratamento dispensado ao novo inciso IV do mesmo dispositivo,
que pode ser aplicado aos fatos praticados antes da sua vigência. Nada impede que o
Ministério Público proponha o acordo de não persecução penal previsto no art. 28-A
do CPP a crimes praticados antes de sua entrada em vigor, desde que satisfeitos os re-
quisitos legais. Se assim proceder, sendo aceito e homologado o acordo, inevitável que
também se reconheça a causa suspensiva da prescrição.

19 Aplicável subsidiariamente por força do art. 3.º CPP.

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6. Crime de roubo

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Roubo Roubo
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou
para outrem, mediante grave ameaça ou violência para outrem, mediante grave ameaça ou violência
a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio,
reduzido à impossibilidade de resistência: reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois § 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois
de subtraída a coisa, emprega violência contra de subtraída a coisa, emprega violência contra
pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a
impunidade do crime ou a detenção da coisa para impunidade do crime ou a detenção da coisa para
si ou para terceiro. si ou para terceiro.
§ 2º - A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até § 2º - A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até
metade:                        metade:                       
I – (revogado);  I – (revogado); 
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III - se a vítima está em serviço de transporte de III - se a vítima está em serviço de transporte de
valores e o agente conhece tal circunstância. valores e o agente conhece tal circunstância.
IV - se a subtração for de veículo automotor que IV - se a subtração for de veículo automotor que
venha a ser transportado para outro Estado ou venha a ser transportado para outro Estado ou
para o exterior;                   para o exterior;                  
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, V - se o agente mantém a vítima em seu poder,
restringindo sua liberdade.                   restringindo sua liberdade.                  
VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou
de acessórios que, conjunta ou isoladamente, pos- de acessórios que, conjunta ou isoladamente, pos-
sibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.                 sibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.  
§ 2º-A  A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):                 VII – se a violência ou grave ameaça é exerci-
I – se a violência ou ameaça é exercida com empre- da com emprego de arma branca;              
go de arma de fogo;                        § 2º-A  A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):                
II – se há destruição ou rompimento de obstáculo I – se a violência ou ameaça é exercida com empre-
mediante o emprego de explosivo ou de artefato go de arma de fogo;                       
análogo que cause perigo comum.                 II – se há destruição ou rompimento de obstáculo
§ 3º  Se da violência resulta:                 mediante o emprego de explosivo ou de artefato
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 análogo que cause perigo comum.
(sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; § 2º-B Se a violência ou grave ameaça é
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 exercida com emprego de arma de fogo de
(trinta) anos, e multa.  uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a
pena prevista no caput deste artigo.                
§ 3º  Se da violência resulta:                
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7
(sete) a 18 (dezoito) anos, e multa;
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30
(trinta) anos, e multa. 

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LUCIANO VACCARO

O Brasil possui alarmantes índices de crimes de roubo, principalmente com em-


prego de arma de fogo20. São roubos a pedestres, a residências e estabelecimentos
comerciais, roubos de veículos, enfim, são inúmeros os bens visados pelos assaltantes e
que alimentam, em grande parte, o mercado das drogas ilícitas e de compra e venda de
produtos receptados, muitas vezes já dominados por grandes organizações criminosas.
Do roubo deriva o latrocínio, um dos crimes mais violentos e graves previstos
na legislação penal brasileira, caracterizado pela morte em decorrência da violência
empregada na subtração da coisa alheia.
Não sem razão, a sensação de insegurança que domina grande parte da popula-
ção brasileira está atrelada justamente ao crime de roubo. Além da perda patrimonial,
a violência empregada pelos assaltantes provoca na vítima um sofrimento psicológico
de difícil esquecimento.
Portanto, plenamente justificado o recrudescimento penal nessa espécie de crime.
Vale lembrar que os crimes patrimoniais de furto, roubo e latrocínio têm mere-
cido atenção do legislador nos últimos anos.
Em 2016, através da Lei 13.330, criou-se uma nova modalidade de furto qualifi-
cado, destinando a punir mais severamente os crimes de abigeato, que muito impacto
causa nas áreas rurais. O novo § 6.º do art. 155 CP define que a pena é de 2 a 5 anos
de reclusão quando a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que
abatido ou dividido em partes no local da subtração.
Em 2018 foi aprovada a Lei 13.654, a qual introduziu tipos qualificados ao crime
de furto quando: houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo
comum ou a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou
isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. São, respectivamente,
os novos parágrafos 4.º e 7.º do art. 155 do CP, ambos apenados com 4 a 10 anos de
reclusão, além da pena de multa. Os novos dispositivos foram pensados em razão de
crescentes subtrações a instituições bancárias com o emprego de materiais explosivos,
com alto poder destrutivo, bem como para locais, dentro ou fora de estabelecimentos
bancários, com caixas automáticos para saque de dinheiro em espécie.
Outra das alterações da Lei 13.654/18 foi o desdobramento do § 3.º do art. 157
em dois incisos, sempre relacionados ao resultado da violência empregada na subtra-
ção: se resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos,
e multa (inciso I); se resulta morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos,
e multa (inciso II). Percebe-se, portanto, ter havido incremento na pena quando, da
violência empregada na subtração, resulta lesão corporal grave. Passou de 5 a 15 anos
para 7 a 18 anos de reclusão.
Mas a modificação mais polêmica da Lei 13.654/18 ocorreu com as causas de
aumento de pena no crime de roubo.
No § 2.º do art. 157 CP estão previstas causas de aumento de pena, que variam
de 1/3 à metade. Antes da Lei 13.654/18 eram: a) se a violência ou ameaça é exercida

20 Veja-se os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, disponível em http://www.forumseguranca.


org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf.

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com emprego de arma (inciso I); b) se há o concurso de duas ou mais pessoas (inciso II); c)
se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância
(inciso III); d) se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para
outro Estado ou para o exterior (inciso IV); e e) se o agente mantém a vítima em seu poder,
restringindo sua liberdade (inciso V).
Com a Lei 13.654/18, foi acrescentado um novo parágrafo (§ 2.º-A) ao art. 157
CP, prevendo, em dois incisos, um aumento de 2/3 da pena se a) a violência ou ameaça é
exercida com emprego de arma de fogo; e b) se há destruição ou rompimento de obstáculo
mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
Nenhuma restrição, de nossa parte, aos novos patamares de aumento de pena
para os crimes de roubo, pois se justificam em razão da alta incidência do emprego de
arma de fogo ou de explosivos nessa espécie de delito, fatores que sempre potenciali-
zam a sua prática. Portanto, a pena de 4 a 10 anos prevista no caput do art. 157, majora-
da em 2/3 naquelas hipóteses, inegavelmente confere maior proteção jurídica aos bens
jurídicos tutelados pelo dispositivo, que são o patrimônio e a integridade física da vítima.
Ocorre que o legislador cometeu um equívoco irreparável. Ao mesmo tempo
em que criou uma nova majorante para o emprego de “arma de fogo”, com aumento
em 2/3 da pena, a mesma Lei 13.654/18 revogou o inciso I do § 2.º do art. 157, que pre-
via causa de aumento da pena de 1/3 a metade quando houvesse emprego de “arma”.
Desta forma, somente o emprego de arma de fogo permaneceu como causa
de aumento e em novo patamar (passou de 1/3 a metade para 2/3). A utilização das
denominadas armas brancas (ex.: faca, facão, soco inglês, canivete, porrete, etc.), em
consequência e por interpretação literal dos dispositivos, deixou de constituir causa de
aumento da pena. Tal circunstância gerou muitas críticas em razão da equiparação, ago-
ra como roubo simples e mesmo apenamento, de condutas diferentes como são a de
uma subtração com grave ameaça verbal se comparada com outra em que há emprego
de faca.
Todavia, o grande impacto – neste caso negativo para uma lei que pretendia for-
talecer o combate ao crime, segundo discurso que ressoava no parlamento durante a
tramitação do projeto de lei – foi o imediato reconhecimento da revogação do inciso I
do § 2.º, no que tange às armas brancas, como uma novatio legis in mellius, e a conse-
quente extirpação dessa causa de aumento nos processos criminais em andamento ou
nas condenações com execução iniciada. Com isso, o efeito imediato e devastador da
lei que pretendia recrudescer a punibilidade foi o de beneficiar criminosos que utiliza-
ram uma arma branca em roubos.
Para chamar a atenção de tal absurdo, o Ministério Público, em diversos Estados
da Federação, passou a sustentar perante os tribunais a inconstitucionalidade formal e
material da Lei 13. 654/18, pelos seguintes motivos:

a) inconstitucionalidade formal do art. 4.º da Lei 13.654/2018, que revoga o inciso


I do § 2.º do art. 157 do Código Penal, por vício no processo legislativo.
Essa inconstitucionalidade foi apontada em razão de um vício no processo legis-
lativo, a partir de consulta à tramitação legislativa do Congresso Nacional. Isso porque no
texto final do PLS 149/2015, aprovado, inicialmente, pelos senadores na CCJ em caráter

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

terminativo, não constava qualquer dispositivo revogando a causa de aumento de pena


do emprego de arma como constou, depois, no artigo 4º da Lei 13.654/2018. Tal situa-
ção teria ocorrido na Coordenação de Revisão Legislativa (CORELE) que, usurpando da
sua competência, inseriu tal previsão, sem que, de fato, tenha a CCJ do Senado delibe-
rado acerca dessa revogação. Poder-se-ia cogitar de uma mera irregularidade no pro-
ceder da CORELE, suprida pela posterior votação da matéria tanto pela Câmara dos
Deputados, onde inequivocamente constou do texto sob sua análise a revogação do
inciso I do § 2.º do art. 157 do CP, como pelo Senado Federal, ao receber o substitutivo
da Câmara e votá-lo. Tal raciocínio levaria à conclusão de que, ainda que com irregula-
ridades procedimentais, a vontade do legislador das duas Casas era a de revogação do
dispositivo, com o que, em interpretação conforme a constituição, restaria cumprido
o disposto no art. 65 da Constituição Federal. Todavia, quando o projeto substitutivo
aprovado na Câmara voltou ao Senado Federal, este somente aprovou o conteúdo que
foi modificado na Câmara dos Deputados, não havendo discussão e deliberação sobre
a revogação do inciso I do § 2.º do art. 157 do CP, razão pela qual em dois momentos
distintos da tramitação do PLS 149/2015, que culminou com a Lei 13.654/2018, o texto
sancionado não foi discutido e votado por uma das Casas Legislativas, violando o siste-
ma bicameral previsto no art. 65 da Carta Magna21.

b) inconstitucionalidade formal do art. 4.º da Lei 13.654/2018, por deliberação insu-


ficiente do Congresso Nacional.
Por esse ponto de vista, o processo legislativo pressupõe discussão e votação dos
temas relevantes nas Casas Legislativas do Congresso Nacional. É o que preceitua o art.
64 da Constituição Federal. Mas da análise do transcurso do processo legislativo refe-
rente ao PLS 149/2015, conforme supramencionado, em nenhum momento pode ser
afirmado ter havido discussão acerca da revogação do inciso I do § 2.º do art. 157 do
Código Penal. A única menção que existe à revogação em comento está nos relatórios
produzidos pelos Senadores Antônio Anastasia e Dário Berger. Não houve debate nem
votação da revogação durante as sessões de votação na CCJ e no Plenário do Senado.
E na democracia, às decisões legislativas devem preceder discussão e deliberação ne-
cessárias e suficientes à compreensão dos temas sobre os quais está a ser produzida a
norma jurídica, oportunidade em que os parlamentares apresentam seus argumentos e
contra-argumentos, de forma a que, à guisa de cumprimento do princípio democrático,
todos os pontos fiquem conhecidos e debatidos, só então surgindo a oportunidade da
votação. No PLS 149/2015, no entanto, em razão do vício na tramitação da alteração
do Código Penal em causa, em momento algum foi discutida e deliberada a revogação
do inciso I do § 2.º do art. 157 do Código Penal.

21 Essa tese chegou a ser acolhida pela 4.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Criminal
n.º 0022570-34.2017.8.26.0050, relatada pelo Des. Edison Brandão, assim ementado: ROUBO SIMPLES IMPRÓ-
PRIO TENTADO – APELAÇÃO – Pleito Ministerial de reconhecimento da causa de aumento do emprego de arma (bran-
ca) - Superveniência da Lei posterior extirpando o inciso I do §2º do art. 157 do CP – RECONHECIDA a inconstitucio-
nalidade formal do art. 4º da Lei nº 13.654, de 23 de abril de 2018 – SUSPENSO o julgamento do mérito do recurso e
DETERMINAÇÃO da instauração de incidente de inconstitucionalidade com remessa ao Órgão Especial para apreciação,
nos termos do art. 193 e seguintes do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça. Entretanto, após regular tramita-
ção do Incidente de Inconstitucionalidade, o órgão Especial do Tribunal de Justiça julgou improcedente o incidente,
concluindo pela mera irregularidade no processo legislativo.

31
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

c) inconstitucionalidade material do art. 4.º da Lei 13.654/2018, por violação da


proibição da proteção Insuficiente ou deficiente, subprincípio do princípio da proporcio-
nalidade.
De acordo com essa tese, ao excluir a causa de aumento da pena para o roubo
com emprego de arma branca, o legislador trouxe gravíssimo retrocesso na legislação
penal, colocando em risco a Segurança Pública ao não observar o princípio da pro-
porcionalidade no que tange à proibição de proteção insuficiente/deficiente de bens
jurídicos. Tal violação é representada, ainda, pelas próprias justificativas e deliberações
a respeito do PLS 149/2015, pois em todas elas, a principal pauta era a necessidade de
se aumentar a punição dos crimes praticados com emprego de armamentos bélicos e
artefatos explosivos, com o principal objetivo de se tutelar ainda mais o bem jurídico
protegido e a própria Segurança Pública. E a revogação da majorante, nesse sentido,
significou uma diminuição do nível de proteção do bem jurídico, ferindo uma das faces
do princípio constitucional da proporcionalidade22.

22 No Rio Grande do Sul, essas teses de inconstitucionalidades foram afastadas, como se vê do julgamento da Ape-
lação Criminal, Nº 70083263152, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator, Dálvio Leite Dias
Teixeira, Julgado em: 18-12-2019, assim ementado: APELAÇÃO. RECURSOS DEFENSIVO E MINISTERIAL. CRI-
ME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO SIMPLES. CONDENAÇÃO MANTIDA. PROVA SUFICIENTE. DO-
SIMETRIA DA PENA. REDIMENSIONAMENTO. -  INCONSTITUCIONALIDADE  FORMAL E MATERIAL. LEI Nº
13.654/18. REJEITADA. O Projeto de Lei nº 149 de 2015 já apresentava, desde o princípio, em seu artigo 3º,
a disposição de revogação do inciso I do §2º do art. 157 do Código Penal, referente à majorante de emprego
de arma. E, no curso de sua tramitação, a emenda aditiva apresentada se restringiu a propor modificações tão
somente ao artigo 1º do Projeto de Lei em evidência, sem objetivar qualquer alteração da disposição contida no
artigo 3º Projeto de Lei nº 149 de 2015. E submetido à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o projeto
foi aprovado sem ignorar a emenda nos exatos termos em que foi proposta. O suposto equívoco em relação à
publicação do parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania no Diário do Senado Federal, foi devida-
mente sanado, no curso do processo legislativo. Não verificada vício formal capaz de infirmar a higidez constitu-
cional da Lei nº 13.654 de 2018. Quanto à inconstitucionalidade material, não há que se falar em ofensa ao princípio
da proporcionalidade ou à proibição da proteção insuficiente ou deficiente. Embora o emprego de arma branca tenha
deixado de ser valorado como uma majorante diante da modificação legislativa, tal circunstância, por certo, não deverá
ser desconsiderada no momento da aplicação da pena, tendo em vista ser possível o seu sopesamento durante a primeira
etapa do apenamento. Arguição ministerial rejeitada. - EMPREGO DE ARMA BRANCA (FACA). IMPOSSIBILIDADE
DO RECONHECIMENTO DA MAJORANTE. Em que pese cabalmente comprovado o uso de uma faca na consecução da
prática delituosa, a incidência da causa de aumento descrita no inc. I do § 2 º do art. 157 do CP não pode ser aplicada,
considerando a entrada em vigor da Lei nº 13.654, em 23 de abril de 2018, que revogou o referido inciso, preservando,
na atual redação, a majoração da pena tão somente pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inc. I, do CP).
Aplicação retroativa da lei nova mais benéfica ao agente (novatio legis in mellius). - DISSIMULAÇÃO. AGRAVANTE
MANTIDA. As provas existentes no caderno processual são suficientes para o julgamento de procedência do
pedido condenatório deduzido na denúncia. Materialidade e autoria suficientemente demonstradas pela prova
produzida. Confissão judicial do agente em consonância com o depoimento prestado ela vítima. Presença da
agravante igualmente depreendida dos autos. Uníssonas narrativas do taxista lesado e do réu. Prova oral deixando
assente que o réu contratou a corrida com o firme propósito de facilitar a sua aproximação do motorista de táxi, e
de fazer com que este o conduzisse ao local que entendeu apropriado para a prática do delito, assim dissimulando
a sua pretensão ilícita. - DOSIMETRIA. REDIMENSIONAMENTO. Basilar de 04 anos de reclusão recrudescida em
01 ano, totalizando 05 anos de reclusão, com nota desfavorável atribuída às gravosas circunstâncias do delito, que
foi cometido com o uso ostensivo de uma faca para ameaçar a vítima. Circunstância fática que, embora olvidada
pela Sentenciante, motivou a interposição do recurso ministerial. Pleito ministerial acolhido em parte, no ponto.
Na segunda fase, mantida a benéfica compensação operada diante do concurso de circunstâncias agravantes e
atenuantes, tendo em vista o alto grau de dissimulação do agente. Ausentes outras causas de aumento ou redução
a operar, a pena privativa de liberdade segue redimensionada para 05 (cinco) anos de reclusão. Alterado o regime
prisional para o semiaberto. Pena de multa cumulativa firmada no piso normativo. INCONSTITUCIONALIDADE IN-
CIDENTAL DA LEI Nº 13.654/18 REJEITADA, APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DEFENSIVO
DESPROVIDO.(Apelação Criminal, Nº 70083263152, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio
Leite Dias Teixeira, Julgado em: 18-12-2019).

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Em que pese não acolhidas as teses de inconstitucionalidade sustentadas pelo


Ministério Público, inegavelmente o debate surtiu efeito, pois o equívoco cometido
pelo legislador na Lei 13. 564/18 foi corrigido pela Lei Anticrime, ao inserir, no § 2.º do
art. 157 CP, o inciso VII, prevendo como causa de aumento de 1/3 até metade da pena
se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca. Portanto, ainda
que não se possa aplicar a antiga/nova causa de aumento a fatos anteriores à entrada em
vigor da Lei Anticrime23, restabeleceu-se uma diferenciação importante nas condutas
criminosas, com reflexo na individualização e proporcionalidade das penas.
Por fim, a Lei Anticrime inseriu um novo § 2.º-B ao art. 157 CP, assim redigido:
se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou
proibido, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo.
Faz sentido essa alteração. Na medida em que, a partir de 2019, através dos De-
cretos 9.845/19, 9.846/19 e 9.847/19, ampliou-se o rol de armas consideradas de uso
permitido, facilitando-se sua compra e porte, natural um maior enfrentamento àquelas
armas que permaneceram classificadas como de uso restrito ou proibido, especialmen-
te quando empregadas na prática de ilícitos24. E isso ocorre tanto no novo § 2.º do
art. 16 da Lei 10.826/03, com pena de 4 a 12 anos quando envolver arma de fogo de uso
proibido (com comentários em outro capítulo da presente obra), como em relação ao
§ 2.º-B do art. 157 CP.
Registre-se, ainda, que a Lei Anticrime alterou a Lei 8.072/90, passando a prever
como crimes hediondos, no que se refere ao art. 157 CP e suas variantes, além do
latrocínio (art. 157, § 3.º, inciso II), também o roubo: qualificado pelo resultado lesão
corporal grave (art. 157, § 3.º, inciso I), circunstanciado pela restrição de liberdade da
vítima (art. 157, § 2º, inciso V), circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art.
157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art.
157, § 2º-B)25.
Todas as alterações no crime de roubo caracterizam novatio legis in pejus e, por-
tanto, não retroagem. Logo, não alcançam crimes praticados antes da entrada em vigor
da Lei Anticrime, nos termos dos arts. 5.º, XL, da CF, e 2.º do CP.

23 Salvo se, por ventura, ainda venha a ser reconhecida a inconstitucionalidade formal ou material da Lei 13. 564/18,
como sustentado perante os tribunais pelo Ministério Público.
24 O Comando do Exército Brasileiro, através da Portaria n.º 1.222, de 12 de agosto de 2019, estabeleceu os parâ-
metros de aferição e listagem de calibres nominais de armas de fogo e das munições de uso permitido e restrito.
Referida portaria pode ser visualizada no seguinte sítio de internet: http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-
-n-1.222-de-12-de-agosto-de-2019-210735786, visualizado em 02/01/19.
25 As alterações na Lei dos Crimes Hediondos são objeto de comentários em outro momento desta obra.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

7. Crime de estelionato

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME

Estelionato Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem
ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qual- alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qual-
quer outro meio fraudulento: quer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de
quinhentos mil réis a dez contos de réis.    quinhentos mil réis a dez contos de réis.   
§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno § 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno
valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena
conforme o disposto no art. 155, § 2º. conforme o disposto no art. 155, § 2º.
§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem: § 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

Disposição de coisa alheia como própria Disposição de coisa alheia como própria
I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação
ou em garantia coisa alheia como própria; ou em garantia coisa alheia como própria;
       
Alienação ou oneração fraudulenta de coisa Alienação ou oneração fraudulenta de coisa
própria própria
II - vende, permuta, dá em pagamento ou em ga- II - vende, permuta, dá em pagamento ou em ga-
rantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou rantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou
litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a tercei- litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a tercei-
ro, mediante pagamento em prestações, silencian- ro, mediante pagamento em prestações, silencian-
do sobre qualquer dessas circunstâncias; do sobre qualquer dessas circunstâncias;
               
Defraudação de penhor Defraudação de penhor
III - defrauda, mediante alienação não consentida III - defrauda, mediante alienação não consentida
pelo credor ou por outro modo, a garantia pigno- pelo credor ou por outro modo, a garantia pigno-
ratícia, quando tem a posse do objeto empenhado; ratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
               
Fraude na entrega de coisa Fraude na entrega de coisa
IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade
de coisa que deve entregar a alguém; de coisa que deve entregar a alguém;

Fraude para recebimento de indenização ou Fraude para recebimento de indenização ou


valor de seguro valor de seguro
V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa
própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou
agrava as conseqüências da lesão ou doença, com agrava as conseqüências da lesão ou doença, com
o intuito de haver indenização ou valor de seguro; o intuito de haver indenização ou valor de seguro;
       
Fraude no pagamento por meio de cheque Fraude no pagamento por meio de cheque
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fun- VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fun-
dos em poder do sacado, ou lhe frustra o paga- dos em poder do sacado, ou lhe frustra o paga-
mento. mento.
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime § 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime
é cometido em detrimento de entidade de direito é cometido em detrimento de entidade de direito
público ou de instituto de economia popular, público ou de instituto de economia popular,
assistência social ou beneficência. assistência social ou beneficência.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Estelionato contra idoso Estelionato contra idoso


§ 4º  Aplica-se a pena em dobro se o crime for § 4º  Aplica-se a pena em dobro se o crime for
cometido contra idoso.  cometido contra idoso.  
§ 5º Somente se procede mediante representação,
salvo se a vítima for:
I – a Administração Pública, direta ou indireta;
II – criança ou adolescente;
III – pessoa com deficiência mental; ou
IV – maior de 70 (setenta) anos de idade ou
incapaz.

O crime de estelionato, previsto no art. 171 do CP, caracteriza-se pela obtenção


de uma vantagem indevida pelo agente, em detrimento de terceiro, que é induzido ou
mantido em erro mediante fraude. A vítima é enganada, sofrendo prejuízo patrimonial.
A Lei Anticrime acrescenta um parágrafo quinto ao referido dispositivo, assim
redigido: “Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: I - a
Administração Pública, direta ou indireta; II - criança ou adolescente; III - pessoa com
deficiência mental; ou IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.”
Portanto, o crime de estelionato, que até então era de ação penal pública incon-
dicionada, com o advento da Lei 13.964/19 passa a ser de ação penal pública condicio-
nada à representação, com a ressalva do novo § 5.º.
Conceitua-se ação penal como o “direito de pleitear ao Poder Judiciário a aplica-
ção da lei penal ao caso concreto, fazendo valer o poder punitivo do Estado em face do
cometimento de uma infração penal”26.
Os arts. 100 a 105 do CP e 24 a 62 do CPP disciplinam as modalidades e con-
dições da ação penal, sem prejuízo de que outros dispositivos desses diplomas ou da
legislação especial também abordem o tema.
As ações penais são públicas, quando seu exercício é de titularidade do Ministé-
rio Público (arts. 129, I, CF, e 100, § 1.º, primeira parte, CP), ou privadas, quando é do
próprio ofendido o direito de exercer a ação (art. 100, § 2.ª, CP).
As ações penais públicas podem ser incondicionadas, quando a propositura pelo
Ministério Público independe de representação do ofendido ou de requisição do Mi-
nistro da Justiça, ou condicionadas, quando o agir do Parquet depende dessas manifes-
tações.
A ação penal é privada quando o Estado transfere ao particular o direito de acu-
sar. Será exclusiva, quando somente ao ofendido cabe exercer esse direito (§ 2.º do art.
100 CP), podendo, no entanto, ser sucedido pelo cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão (§ 4.º); personalíssima, quando somente o ofendido, em pessoa, poderá exercer
o direito, sem que terceiros possam vir a sucedê-lo na propositura ou no prossegui-
mento de uma ação; e subsidiária da pública, quando, diante da inércia do Ministério
Público, o ofendido está autorizado a ingressar com a ação (§ 3.º).

26 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2019, p. 557.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

A regra geral é as ações penais serem públicas incondicionadas. Somente com


previsão expressa o legislador permite que determinados crimes sejam de ação penal
pública condicionada ou privada.
E foi o que fez o legislador na Lei Anticrime. O estelionato, tradicionalmente um
crime de ação penal pública incondicionada27, passou a ser, de regra, um crime de ação
penal pública condicionada à representação, desde que a vítima não seja a Administração
Pública, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; ou maior
de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz, hipóteses em que o agir do Ministério Público
independe da vontade da vítima.
Essa modificação impacta nas milhares de ações penais já em curso no país, pois,
como já assentado no STF28, uma nova lei que transforma a persecução penal de ação
pública incondicionada para ação penal condicionada a representação do ofendido gera
situação de inquestionável beneficio em favor do réu, uma vez que a ausência de tal ma-
nifestação de vontade acarreta causa extintiva da punibilidade (art. 107, IV, CP). Logo,
há um evidente reflexo sobre a pretensão punitiva do Estado, de modo a impedir tanto
a instauração da ação penal como o prosseguimento daquela já iniciada, pois normas
dessa natureza aplicam-se imediata e retroativamente.
Sendo o caso da nova hipótese legal, é necessário que se oportunize a cada vítima
o exercício do direito de representar. Se assim proceder, o processo seguirá até senten-
ça final; do contrário, restará extinta a punibilidade do réu. Como a lei não previu como
proceder em relação aos processos em andamento, pode-se buscar o mesmo critério
estabelecido na Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais), quando tornou a le-
são corporal leve e culposa em crimes condicionados à representação, estabelecendo,
no art. 91, que “Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propo-
situra da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para
oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência”.
O novo tratamento dispensado ao crime de estelionato é positivo, na medida
em que confere ao ofendido ampla possibilidade de analisar o fato criminoso que lhe
vitimou, suas circunstâncias e consequências, o grau de intensidade de afetação do bem
jurídico protegido, etc., para decidir se autoriza, mediante representação, o Ministério
Público a ingressar com a ação penal. E nesse ponto, é de se questionar por que o
legislador não aproveitou a oportunidade para também tornar a ação penal de outros
delitos patrimoniais em condicionada à representação, na medida em que tramitam
outros projetos de lei no Congresso Nacional nesse sentido. Um exemplo é o Projeto
de Lei do Senado 236/2012, denominado Anteprojeto de Código Penal, que prevê ação
penal condicionada à representação nos crimes de furto simples e majorado (art. 155),
apropriação indébita (art. 165), além do próprio estelionato (art. 171).

27 Não pode ser olvidado o art. 182 do CP, que estabelece hipóteses de ações penais condicionadas à representação
a todos os crimes patrimoniais do Título II do CP, quando cometido em prejuízo do cônjuge desquitado ou judicial-
mente separado, de irmão ou de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.
28 No julgamento do Inq. 1055 QO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/1996, DJ
24-05-1996, PP-17412, EMENT VOL-01829-01 PP-00028.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

8. Crime de concussão

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


Concussão Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

A alteração do preceito secundário do crime de concussão não estava prevista


nem no PL 10.372/18, fruto da Comissão de Juristas presidida pelo Ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, nem no PL 882/19, do Poder Executivo Fe-
deral, nos termos da proposta elaborada pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública
Sergio Fernando Moro. Também não estava contemplada no projeto substitutivo apre-
sentado pelo grupo de trabalho de parlamentares designados pelo Ato do Presidente da
Câmara dos Deputados, de 14/03/19, para debater aqueles projetos.
A modificação da pena do crime previsto no art. 316 do CP só foi ocorrer duran-
te Sessão Deliberativa Extraordinária da Câmara dos Deputados, em 04/12/19, quando,
em razão do regime de urgência adotado, foi criada uma Comissão Especial para análise
dos aspectos formais e de mérito dos projetos de lei 10.372/18 e 882/19. Na conclusão
dos trabalhos dessa Comissão, foi apresentado um novo projeto substitutivo que con-
templou a mencionada modificação, que foi aprovada.
Assim, com a Lei 13.964/19, a pena de prisão do crime de concussão passou de
dois a oito anos para dois a doze anos de reclusão.
A modificação é positiva, na medida em que atende a um critério de proporcio-
nalidade29. Na comparação entre os crimes de concussão e corrupção passiva (art. 317
CP), percebe-se grande semelhança entre seus comportamentos típicos. Em ambos, as
condutas puníveis recaem sobre um mesmo objeto material: a vantagem indevida a ser
obtida. Esta vantagem indevida pode ser “para si ou para outrem, direta ou indireta-
mente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela”, conforme
as demais elementares típicas.
A diferença entre um e outro delito está no verbo nuclear do tipo. Enquanto o
crime de corrupção passiva pune as condutas de solicitar, receber ou aceitar a promessa
de vantagem indevida, no crime de concussão pune-se o fato de exigir tal vantagem.
Na interpretação literal dos verbos nucleares, percebe-se um caráter impositivo neste
último comparativamente aos demais30, o que o torna mais grave.

29 De acordo com Cleber Masson, “na proporcionalidade abstrata (ou legislativa), são eleitas as penas mais apro-
priadas para cada infração penal (seleção qualitativa), bem como as respectivas graduações – mínimo e máximo
(seleção quantitativa)”. Em MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral, Vol. I. Ed. Método, São
Paulo. 4.ª Ed., 2011, p. 43.
30 Segundo Rogério Sanches Cunha, “Na exigência feita pelo intraneus há sempre algum tipo de constrição, influência
intimidativa sobre o particular ofendido, havendo necessariamente algo de coercitivo. O agente impõe, ordena,
de forma intimidativa ou coativa, a vantagem que almeja e a que não faz jus. É preciso, porem, não confundir a
exigência com solicitação, por parte do agente, porque, no caso de mero pedido, o crime será outro: corrupção
passiva, previsto no art. 317 do CP.” Em CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal, Parte Especial, Volume
único. Ed. JusPodivm, Salvasor, 10ª edição, p. 823.

37
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO PENAL
LUCIANO VACCARO

Esse desvalor da conduta deve refletir na pena cominada ao delito. Desta forma,
a pena anteriormente prevista ao delito de concussão, se comparada à do crime de
corrupção – e mesmo à pena do crime de peculato – era desproporcional à gravidade
do comportamento típico.
Portanto, bem fez o legislador ao modificar a pena máxima cominada à con-
cussão, passando para 2 a 12 anos de reclusão, e equiparando-a, ao menos, às penas
cominadas aos crimes de corrupção passiva e peculato.
A alteração da pena do crime de concussão, por se tratar de novatio legis in pejus,
não retroage. Logo, não alcança crimes praticados antes da entrada em vigor da Lei
Anticrime, nos termos dos arts. 5.º, XL, da CF, e 2.º do CP.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI 9.613/98
LUCIANO VACCARO

capítulo 2
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE
LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI 9.613/98
LUCIANO VACCARO

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


Art. 1º  Ocultar ou dissimular a natureza, origem, Art. 1º  Ocultar ou dissimular a natureza, origem,
localização, disposição, movimentação ou propriedade localização, disposição, movimentação ou propriedade
de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de infração penal. indiretamente, de infração penal.                    
I - (revogado);                  I - (revogado);                 
II - (revogado);                    II - (revogado);                   
III - (revogado);                   III - (revogado);                  
IV - (revogado);                   IV - (revogado);                  
V - (revogado);                     V - (revogado);                    
VI - (revogado);                  VI - (revogado);                 
VII - (revogado);                VII - (revogado);               
VIII - (revogado).                      VIII - (revogado).                     
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 1º  Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou § 1º  Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou
dissimular a utilização de bens, direitos ou valores dissimular a utilização de bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal:                    provenientes de infração penal:                   
I - os converte em ativos lícitos; I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou rece- II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou rece-
be em garantia, guarda, tem em depósito, movi- be em garantia, guarda, tem em depósito, movi-
menta ou transfere; menta ou transfere;
III - importa ou exporta bens com valores não cor- III - importa ou exporta bens com valores não cor-
respondentes aos verdadeiros. respondentes aos verdadeiros.
§ 2º  Incorre, ainda, na mesma pena quem:                     § 2º  Incorre, ainda, na mesma pena quem:                    
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, I - utiliza, na atividade econômica ou financeira,
bens, direitos ou valores provenientes de infração bens, direitos ou valores provenientes de infração
penal;                     penal;                    
II - participa de grupo, associação ou escritório ten- II - participa de grupo, associação ou escritório ten-
do conhecimento de que sua atividade principal ou do conhecimento de que sua atividade principal ou
secundária é dirigida à prática de crimes previstos secundária é dirigida à prática de crimes previstos
nesta Lei. nesta Lei.

39
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI 9.613/98
LUCIANO VACCARO

§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo § 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo
único do art. 14 do Código Penal. único do art. 14 do Código Penal.
§ 4º  A pena será aumentada de um a dois terços, se § 4º  A pena será aumentada de um a dois terços, se
os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de
forma reiterada ou por intermédio de organização forma reiterada ou por intermédio de organização
criminosa.    criminosa.   
§ 5º  A pena poderá ser reduzida de um a dois terços § 5º  A pena poderá ser reduzida de um a dois terços
e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto,
facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí- facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-
la, a qualquer tempo, por pena restritiva de la, a qualquer tempo, por pena restritiva de
direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar
espontaneamente com as autoridades, prestando espontaneamente com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzam à apuração das esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais, à identificação dos autores, infrações penais, à identificação dos autores,
coautores e partícipes, ou à localização dos bens, coautores e partícipes, ou à localização dos bens,
direitos ou valores objeto do crime.   direitos ou valores objeto do crime.  
§ 6º Para a apuração do crime de que trata
este artigo, admite-se a utilização da ação
controlada e da infiltração de agentes.

Quando o Poder Executivo encaminhou o PL 882/19, com as propostas do


Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, previa-se a inclusão de um novo
§ 6.º ao artigo 1.º da Lei 9.613/98, a Lei de Lavagem de Dinheiro.
Entretanto, o conteúdo era bem diferente do que acabou sendo aprovado pelo
Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República.
Na versão original encaminhada ao parlamento, o § 6º previa que “Não exclui o
crime a participação, em qualquer fase da atividade criminal de lavagem, de agente poli-
cial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal
preexistente”. Pretendia-se a inserção da figura do agente policial disfarçado ao crime
de lavagem de dinheiro, exatamente como proposto para os crimes das leis de Drogas
e Armas, com a diferença de que em relação a estas leis restou aprovada a alteração.
Durante a tramitação do PL 882/19 houve alteração da redação do § 6.º que se
acrescentava ao artigo 1.º da Lei 9.613/98, que acabou aprovado e já em vigor com a
Lei 13.964/13. “Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização
da ação controlada e da infiltração de agentes.”
Fácil perceber uma substancial alteração entre o dispositivo proposto e o apro-
vado no parlamento. E tal como está é absolutamente desnecessário.
Ora, na grande maioria dos casos o crime de lavagem de dinheiro se realiza
num contexto de criminalidade organizada, pois as atividades ilícitas a que estas
se dedicam possuem alta lucratividade, sendo a lavagem do dinheiro espúrio uma
necessidade para permitir sua utilização com aparência legal31, o que a constitui

31 Como refere SUÁREZ GONZÁLEZ, o recurso ao mecanismo de circulação de capitais vem sendo utilizado pelas
organizações criminosas dos mais diferentes setores da delinquência como um dos meios mais idôneos para a
lavagem de dinheiro. Desta forma conseguem fazer aflorar o capital ilicitamente obtido para que seja aceito pela
sociedade. Em Blanqueo de capitales y merecimiento de pena: consideraciones a la luz de la legislación española. Cua-
dernos de Política Criminal, nº 58, 1996, p. 125.

40
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI 9.613/98
LUCIANO VACCARO

na própria razão de ser e sentido do crime organizado, sendo o seu verdadeiro


“centro nevrálgico”.32
Não há dúvidas, portanto, da aplicação das especiais técnicas de investigação
da ação controlada e do agente infiltrado, conforme já previsto e disciplinado na Lei
13.850/13.
Questiona-se, então, se mesmo não tendo sido admitida a figura do agente poli-
cial disfarçado nesse crime, conforme supramencionado, poderia ser reconhecida, agora, a
utilização dessa especial técnica de investigação aos crimes de lavagem?
A resposta é positiva.
Não se pode olvidar que a Lei Anticrime aceitou a atuação de agente policial
disfarçado nos crimes de tráfico de drogas (art. 33, § 1.º, inciso VI, da Lei 11.343/06),
bem como nos crimes de comércio ilegal de arma de fogo e tráfico internacional de
arma de fogo (respectivamente, arts. 17, parágrafo único, e 18, parágrafo único, da Lei
10.826/03).
Como a lavagem de dinheiro, embora crime autônomo, é considerada um delito
acessório, que depende da prática de uma infração penal que lhe é antecedente (art.
1.º, caput, da Lei 9.613/98), numa investigação de lavagem de dinheiro que tenha como
infrações penais antecedentes aqueles crimes da lei de armas e drogas, a atuação do
agente policial disfarçado será plenamente admitida.
Não obstante isso, a própria jurisprudência já vinha admitindo a atuação do agente
disfarçado em investigações criminais para apurar delito preexistente ou contempo-
râneo ao que comete perante o agente disfarçado, não havendo motivo para não se
adotar tal raciocínio à lavagem de dinheiro33.

32 GARZÓN REAL, B: “Cooperación jurídica internacional en el ámbito del blanqueo de dinero y espacio de se-
guridad, libertad y justicia en la Unión Europea”. Em Prevención y represión del blanqueo de capitales, Estudios de
Derecho Judicial, director Javier ZARAGOZA AGUADO, nº 28, Consejo General del Poder Judicial, Madrid, 2000,
pp. 428 y ss.
33 A possibilidade de atuação do agente infiltrado foi analisada com maior amplitude no comentário à alteração da Lei
de Drogas, para onde se remete o leitor.

41
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE DROGAS – LEI 11.343/03
LUCIANO VACCARO

capítulo 3
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE
DROGAS – LEI 11.343/03
LUCIANO VACCARO

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


DOS CRIMES DOS CRIMES
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, pro- Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, pro-
duzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, ofe- duzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, ofe-
recer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, recer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo
ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar: legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e
pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e qui- pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e qui-
nhentos) dias-multa. nhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: § 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, ad- I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, ad-
quire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem quire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem
em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, em depósito, transporta, traz consigo ou guarda,
ainda que gratuitamente, sem autorização ou em ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamen- desacordo com determinação legal ou regulamen-
tar, matéria-prima, insumo ou produto químico tar, matéria-prima, insumo ou produto químico
destinado à preparação de drogas; destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autori- II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autori-
zação ou em desacordo com determinação legal zação ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar, de plantas que se constituam em ou regulamentar, de plantas que se constituam em
matéria-prima para a preparação de drogas; matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de
que tem a propriedade, posse, administração, que tem a propriedade, posse, administração,
guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele
se utilize, ainda que gratuitamente, sem autoriza- se utilize, ainda que gratuitamente, sem autoriza-
ção ou em desacordo com determinação legal ou ção ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso IV – vende ou entrega drogas ou matéria-
indevido de droga:         (Vide ADI nº 4.274) -prima, insumo ou produto químico destinado
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa à preparação de drogas, sem autorização ou
de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. em desacordo com a determinação legal ou
regulamentar, a agente policial disfarçado,
§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem quando presentes elementos probatórios ra-
objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, zoáveis de conduta criminal preexistente.
para juntos a consumirem:

43
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE DROGAS – LEI 11.343/03
LUCIANO VACCARO

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso
e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e indevido de droga:         (Vide ADI nº 4.274)
quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa
previstas no art. 28. de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem
artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento,
a dois terços, vedada a conversão em penas restri- para juntos a consumirem:
tivas de direitos , desde que o agente seja primário,
de bons antecedentes, não se dedique às ativida- Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano,
des criminosas nem integre organização criminosa.         e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e
(Vide Resolução nº 5, de 2012) quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas
previstas no art. 28.
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste
artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto
a dois terços, vedada a conversão em penas restri-
tivas de direitos , desde que o agente seja primário,
de bons antecedentes, não se dedique às ativida-
des criminosas nem integre organização criminosa.        
(Vide Resolução nº 5, de 2012)

A Lei anticrime prevê uma nova figura típica de tráfico de drogas. Segundo o
inciso IV do art. 33, incorre nas penas do caput quem “vende ou entrega drogas ou
matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem
autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente poli-
cial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal
preexistente”.
Tal previsão tem origem no PL 882/19, proposto pelo Poder Executivo a partir
das sugestões apresentadas pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro.
Com essa nova modalidade de crime, introduz-se no ordenamento jurídico bra-
sileiro a figura do agente policial disfarçado.
De acordo com a justificativa apresentada pelo Ministro Sérgio Moro ao PL
882/19, “o dispositivo visa esclarecer a possibilidade da realização de operações poli-
ciais disfarçadas, o que nos US chamam de undercover operations”.
Além disso, a ação que ora se criminaliza, segue o Ministro em sua justificativa,
“consiste na venda ou a entrega de drogas ou de matéria-prima, insumo ou produto
químico destinado à preparação de drogas, a agente policial disfarçado, quando pre-
sentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal pré-existente. O que se
pretende com este parágrafo é dirimir qualquer dúvida sobre a possibilidade da conduta
ser considerada crime”.
A atuação disfarçada de agentes policiais é comum em investigações de tráfico
de drogas. Ocorre, por exemplo, sempre que policiais se disfarçam de usuários e diri-
gem-se ao ponto de venda de drogas e, em contato direto com o traficante, compram
a droga. Em seguida, efetuam a prisão em flagrante.
Diante de casos assim, consolidara-se entendimento de que havia flagrante pre-
parado na conduta de “vender”, pois, “ao mesmo tempo em que a autoridade policial
induziu o agente à venda da droga, adotou todas as precauções para que tal venda não

44
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE DROGAS – LEI 11.343/03
LUCIANO VACCARO

se consumasse34”, fazendo incidir a Súmula 145 do STF: Não há crime, quando a prepa-
ração do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.
Embora a preparação do flagrante em relação a conduta de “vender”, no exem-
plo citado o comportamento não chegava a ficar impune, na medida em que outros ver-
bos nucleares do tipo incidiam, uma vez que antes dessa “venda provocada” inevitável
que o traficante tenha previamente praticado alguma das demais condutas como “ad-
quirir”, “expor à venda”, “ter em depósito”, “trazer consigo” ou “guardar”. Portanto,
ainda que lhe fosse impossível a consumação da “venda” da droga, em razão do flagran-
te preparado, restavam demonstrados outros comportamentos típicos de traficância.
O mesmo ocorre quando, no exemplo citado, estiver sendo utilizada a ação con-
trolada, especial técnica de investigação que permite retardar a intervenção policial.
Não se efetuaria o flagrante, em todo o caso preparado, mas tal situação fática constaria
dos relatórios circunstanciados, com a apreensão da droga e submissão à perícia, a fim
de demonstrar a autoria e materialidade da traficância preexistente.
De qualquer modo, nas hipóteses mencionadas, ainda que tenha sido lavrado
auto de prisão em flagrante (do flagrante preparado), o juiz, seguindo o entendimento
consolidado, deveria relaxar a prisão (art. 5.º, LXV, da CF, e art. 310, I, do CPP), pois
ilegal. Quanto aos preexistentes comportamentos típicos não abarcados pelo flagrante
“preparado”, só se poderia cogitar de decretação de prisão preventiva se presentes os
requisitos legais.
Com o passar dos tempos, a compreensão acerca da atuação dos agentes poli-
ciais disfarçados foi se modificando, pois conforme refere Norberto Avena, “situação
que tem sido considerada como exceção válida às hipóteses de flagrante preparado é
aquela em que o agente provocador induz sujeito ativo à prática do crime visando a
descobrir e autuá-lo por delito preexistente ou contemporâneo ao que foi induzido a
cometer”.35.
Em memorável voto na Apelação Crime Nº 70068262138, o Desembargador
do Tribunal de Justiça gaúcho Jayme Weingartner Neto bem sintetizou a controvérsia e
as diferenças entre agente provocador e agente disfarçado. Vale transcrever trecho do
acórdão36:

Logicamente, um flagrante preparado/provocado tem como causa um agente


provocador, que atua geralmente sem prévia autorização judicial e induz alguém à
prática criminosa (sendo que o sujeito induzido não tinha previamente tal propósito),
campo de incidência da Súmula nº 145 do STF, também pela violação ao direito
fundamental de não se autoacusar e o da amplitude de defesa, para além da ineficácia
absoluta dos meios para consumar o delito.

34 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Volume único. Ed. JusPodivm, Salvador, 5.ª Ed,
2017, p. 1011.
35 AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Editora Método, 2015, pp. 864-5.
36 Apelação Crime, Nº 70068262138, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingar-
tner Neto, Julgado em: 10-08-2016.

45
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE DROGAS – LEI 11.343/03
LUCIANO VACCARO

Distinta, entretanto, a figura do agente encoberto. O policial, que se faz passar por
usuário (ocultando sua real condição de agente da lei) e adquire entorpecente para
produzir prova da materialidade e colher informações úteis ou imprescindíveis no
consequente processo penal, não age de forma a induzir o tráfico de drogas (que
preexiste nas modalidades referidas), evidenciando-se, no suporte fático, que a droga
seria vendida para todo e qualquer usuário que, preenchendo as mesmas condições
de tempo, lugar, hora e modo, solicitasse ou manifestasse interesse na transação. Essa
a figura que identifico no caso dos autos.
(...)
A figura do undercover agent é amplamente utilizada, há tempos, nos países da
Common Law. Trata-se de comprar drogas e prender o vendedor (denominada
“buy-and-bust operation”) – o que é aceito, todavia, com fundamental ressalva, isto
é, desde que não se caracterize o “entrapment”. Há um leading case no Canadá,
uma decisão da Suprema Corte (R. v. Mack) que fornece diretrizes para substanciar
uma prática policial ilegal como “entrapment” (aplicando a “doctrine of abuse of
process”). Não se trata, a rigor, de uma exceção substancial (a desfazer o injusto ou a
culpabilidade), mas de preservar a regular administração da justiça e prevenir abusos.
O abuso ocorre quando a polícia excede limites aceitáveis, como fornecer meios
para oportunizar a ofensa a uma pessoa que não se comportava de maneira a fazer
recair sobre si suspeita razoável de que já estivesse engajada em atividades criminais
ou não fosse previamente objeto de regular investigação (“a bona fide inquiry”); ou,
mesmo no curso de inquérito ou diante de suspeitas razoáveis, se a polícia ultrapassa
a conduta de fornecer a oportunidade e induz o cometimento do crime. A barreira
posta procura evitar/minorar o risco de que a polícia acabe atraindo para o ilícito
pessoas que, de outra forma, não cometeriam crimes; e porque, no fim das contas, não
é função estatal usar o poder de polícia para sair aleatoriamente pelas ruas testando
a virtude das pessoas. Há uma série (não exaustiva) de dez fatores a considerar na
apreciação dos casos concretos. A Suprema Corte do Canadá assentou que a alegação
de “entrapment” é muito grave, pelo que significa em termos de desvio estatal, sendo
certo que a efetiva persecução penal (e o desenvolvimento de correlatas técnicas
investigativas) é dever do Estado na proteção da sociedade, mormente em crimes de
tráfico de drogas. Daí que a exceção só deva reconhecer-se em casos claríssimos, nos
quais a conduta policial tenha violado valores básicos da comunidade.
(...)
Em síntese, atos policiais de investigação, em delitos graves e de perfil insidioso
e sub-reptício, demandam meios de elucidação (e capacidade de neutralização)
diferenciados e eventualmente mais invasivos do que o arsenal tradicional
disponibilizado para a atuação policial, plasmado que foi – no imaginário jurídico-
social da redação original do Código de Processo Penal – num Brasil de escassa
urbanização, de vida predominantemente agrária, pré-industrial, cuja criminalidade
de feitio clássico-individual nenhum influxo sofrera da tecnociência que marcaria o
desenrolar do breve século XX; um país que ainda desconhecia a intensificação de
delitos com características epidêmicas e a necessidade de tutela de bens jurídico-
penais (com refração constitucional) difusos e coletivos, meio ambiente e saúde
pública, por exemplo.
A atuação de agentes policiais encobertos, neste horizonte e no atual quadro
normativo, não ultrapassado o linde (já discutido) da Súmula nº 145 – consideradas

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE DROGAS – LEI 11.343/03
LUCIANO VACCARO

as peculiaridades da intervenção concreta, especialmente em delitos de tráfico/


associação, nomeadamente operações de aquisição de drogas de sujeito sobre o qual
recai anterior e razoável suspeita de inserção criminosa, e no curso de investigação
de boa fé – prescinde de autorização judicial, quando manifestada em fenômeno
pontual, mas submete-se (ausente controle jurisdicional prévio) a estreita verificação
“a posteriori” em termos de legitimidade e utilidade das informações e provas
eventualmente obtidas.

Assim, a Lei Anticrime, ao considerar como delito autônomo37 a conduta de


quem “vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico desti-
nado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação
legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos proba-
tórios razoáveis de conduta criminal preexistente”, não deixa mais espaço para reco-
nhecimento da ilegalidade da prisão nem tampouco da atipicidade do comportamento,
prevalecendo a jurisprudência em consonância com as necessidades dos tempos atuais.
Repita-se. Há enorme diferença entre agente provocador e o agente policial dis-
farçado. Como bem definem Renee do Ò Souza, Rogério Sanches Cunha e Caroline de
Assis e Silva Holmes Lins, agente policial disfarçado é “aquele que, ocultando sua real
identidade, posiciona-se com aparência de um cidadão comum (não chega a infiltrar-se
no grupo criminoso) e, partir disso, coleta elementos que indiquem a conduta criminosa
preexistente do sujeito ativo. O agente disfarçado ora em estudo não se insere no seio
do ambiente criminoso e tampouco macula a voluntariedade na conduta delitiva do
autor dos fatos”38.
E aqui reside o substancial impacto produzido pela Lei Anticrime com a inserção
do novo dispositivo. Conforme justificativa apresentada pelo próprio Ministro Sérgio
Moro, o que se pretende com este parágrafo é dirimir qualquer dúvida sobre a possibilidade
da conduta ser considerada crime, e representa, portanto, um significativo avanço, do-
tando o enfrentamento do crime de tráfico de drogas, tão nocivo à sociedade, de um
especial meio de obtenção de prova: o agente policial disfarçado.

37 Conforme Renee do Ó Souza, Rogério Sanches Cunha e Caroline de Assis e Silva Holmes Lins, “a incriminação
resulta da antecipação do comportamento delitivo, fruto de um fracionamento normativo apto a caracterizar sufi-
cientemente um novo injusto penal”. Em A nova figura do agente disfarçado prevista na Lei 13.964/2019, disponível
no sítio de internet https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/27/nova-figura-agente-disfarcado-
-prevista-na-lei-13-9642019/.
38 Em A nova figura do agente disfarçado prevista na Lei 13.964/2019, disponível no sítio de internet https://meusiteju-
ridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/27/nova-figura-agente-disfarcado-prevista-na-lei-13-9642019/.

47
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

capítulo 4
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO
CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar,
pessoalmente ou por interposta pessoa, organiza- pessoalmente ou por interposta pessoa, organiza-
ção criminosa: ção criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa,
sem prejuízo das penas correspondentes às demais sem prejuízo das penas correspondentes às demais
infrações penais praticadas. infrações penais praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou,
de qualquer forma, embaraça a investigação de de qualquer forma, embaraça a investigação de
infração penal que envolva organização criminosa. infração penal que envolva organização criminosa.
§ 2º As penas aumentam-se até a metade se na § 2º As penas aumentam-se até a metade se na
atuação da organização criminosa houver emprego atuação da organização criminosa houver emprego
de arma de fogo. de arma de fogo.
§ 3º A pena é agravada para quem exerce o § 3º A pena é agravada para quem exerce o
comando, individual ou coletivo, da organização comando, individual ou coletivo, da organização
criminosa, ainda que não pratique pessoalmente criminosa, ainda que não pratique pessoalmente
atos de execução. atos de execução.
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 § 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3
(dois terços): (dois terços):
I - se há participação de criança ou adolescente; I - se há participação de criança ou adolescente;
II - se há concurso de funcionário público, valendo- II - se há concurso de funcionário público, valendo-
-se a organização criminosa dessa condição para a -se a organização criminosa dessa condição para a
prática de infração penal; prática de infração penal;
III - se o produto ou proveito da infração penal III - se o produto ou proveito da infração penal
destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV - se a organização criminosa mantém conexão IV - se a organização criminosa mantém conexão com
com outras organizações criminosas independentes; outras organizações criminosas independentes;
V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a
transnacionalidade da organização. transnacionalidade da organização.
§ 5º Se houver indícios suficientes de que o § 5º Se houver indícios suficientes de que o
funcionário público integra organização criminosa, funcionário público integra organização criminosa,
poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar
do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração, quando a medida se fizer necessária remuneração, quando a medida se fizer necessária
à investigação ou instrução processual. à investigação ou instrução processual.

49
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

§ 6º A condenação com trânsito em julgado § 6º A condenação com trânsito em julgado


acarretará ao funcionário público a perda do cargo, acarretará ao funcionário público a perda do
função, emprego ou mandato eletivo e a interdição cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a
para o exercício de função ou cargo público pelo interdição para o exercício de função ou cargo
prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumpri- público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes
mento da pena. ao cumprimento da pena.
§ 7º Se houver indícios de participação de policial § 7º Se houver indícios de participação de po-
nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria licial nos crimes de que trata esta Lei, a Corre-
de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará gedoria de Polícia instaurará inquérito policial e
ao Ministério Público, que designará membro para comunicará ao Ministério Público, que designará
acompanhar o feito até a sua conclusão. membro para acompanhar o feito até a sua con-
clusão.
§ 8º As lideranças de organizações crimino-
sas armadas ou que tenham armas à disposi-
ção deverão iniciar o cumprimento da pena
em estabelecimentos penais de segurança
máxima.
§ 9º O condenado expressamente em sen-
tença por integrar organização criminosa
ou por crime praticado por meio de orga-
nização criminosa não poderá progredir de
regime de cumprimento de pena ou obter
livramento condicional ou outros benefícios
prisionais se houver elementos probatórios
que indiquem a manutenção do vínculo as-
sociativo.
Seção I
Da Colaboração Premiada
‘Art. 3º-A O acordo de colaboração premiada
é negócio jurídico processual e meio de ob-
tenção de prova, que pressupõe utilidade e
interesse públicos.
‘Art. 3º-B O recebimento da proposta para
formalização de acordo de colaboração de-
marca o início das negociações e constitui
também marco de confidencialidade, con-
figurando violação de sigilo e quebra da
confiança e da boa-fé a divulgação de tais
Sem correspondente. tratativas iniciais ou de documento que as
formalize, até o levantamento de sigilo por
decisão judicial.
§ 1º A proposta de acordo de colaboração
premiada poderá ser sumariamente indeferi-
da, com a devida justificativa, cientificando-se
o interessado.
§ 2º Caso não haja indeferimento sumário, as
partes deverão firmar Termo de Confidencia-
lidade para prosseguimento das tratativas, o
que vinculará os órgãos envolvidos na nego-
ciação e impedirá o indeferimento posterior
sem justa causa.

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LUCIANO VACCARO

§ 3º O recebimento de proposta de colabo-


ração para análise ou o Termo de Confiden-
cialidade não implica, por si só, a suspen-
são da investigação, ressalvado acordo em
contrário quanto à propositura de medidas
processuais penais cautelares e assecurató-
rias, bem como medidas processuais cíveis
admitidas pela legislação processual civil em
vigor.
§ 4º O acordo de colaboração premiada
poderá ser precedido de instrução, quando
houver necessidade de identificação ou
complementação de seu objeto, dos fatos
narrados, sua definição jurídica, relevância,
utilidade e interesse público.
§ 5º Os termos de recebimento de proposta
de colaboração e de confidencialidade serão
elaborados pelo celebrante e assinados por
ele, pelo colaborador e pelo advogado ou
defensor público com poderes específicos.
§ 6º Na hipótese de não ser celebrado o
acordo por iniciativa do celebrante, esse não
poderá se valer de nenhuma das informações
ou provas apresentadas pelo colaborador, de
Sem correspondente. boa-fé, para qualquer outra finalidade.
Art. 3º-C A proposta de colaboração pre-
miada deve estar instruída com procuração
do interessado com poderes específicos para
iniciar o procedimento de colaboração e suas
tratativas, ou firmada pessoalmente pela par-
te que pretende a colaboração e seu advoga-
do ou defensor público.
§ 1º Nenhuma tratativa sobre colaboração
premiada deve ser realizada sem a presença
de advogado constituído ou defensor público.
§ 2º Em caso de eventual conflito de
interesses, ou de colaborador hipossuficiente,
o celebrante deverá solicitar a presença de
outro advogado ou a participação de defensor
público.
§ 3º No acordo de colaboração premiada, o
colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos
para os quais concorreu e que tenham rela-
ção direta com os fatos investigados.
§ 4º Incumbe à defesa instruir a proposta de
colaboração e os anexos com os fatos adequa-
damente descritos, com todas as suas circuns-
tâncias, indicando as provas e os elementos
de corroboração.

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Da Colaboração Premiada Da Colaboração Premiada


Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das par- Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das par-
tes, conceder o perdão judicial, reduzir em até tes, conceder o perdão judicial, reduzir em até
2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou
substituí-la por restritiva de direitos daquele que substituí-la por restritiva de direitos daquele que
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a
investigação e com o processo criminal, desde que investigação e com o processo criminal, desde que
dessa colaboração advenha um ou mais dos seguin- dessa colaboração advenha um ou mais dos seguin-
tes resultados: tes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes I - a identificação dos demais coautores e partícipes
da organização criminosa e das infrações penais da organização criminosa e das infrações penais
por eles praticadas; por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão
de tarefas da organização criminosa; de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes III - a prevenção de infrações penais decorrentes
das atividades da organização criminosa; das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou IV - a recuperação total ou parcial do produto ou
do proveito das infrações penais praticadas pela or- do proveito das infrações penais praticadas pela or-
ganização criminosa; ganização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua inte- V - a localização de eventual vítima com a sua inte-
gridade física preservada. gridade física preservada.
§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício § 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício
levará em conta a personalidade do colaborador, levará em conta a personalidade do colaborador,
a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do fato criminoso e a eficácia repercussão social do fato criminoso e a eficácia
da colaboração. da colaboração.
§ 2º Considerando a relevância da colaboração § 2º Considerando a relevância da colaboração
prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo,
e o delegado de polícia, nos autos do inquérito e o delegado de polícia, nos autos do inquérito
policial, com a manifestação do Ministério Público, policial, com a manifestação do Ministério Público,
poderão requerer ou representar ao juiz pela poderão requerer ou representar ao juiz pela
concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda
que esse benefício não tenha sido previsto na que esse benefício não tenha sido previsto na
proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art.
28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de
1941 (Código de Processo Penal). 1941 (Código de Processo Penal).
§ 3º O prazo para oferecimento de denúncia ou § 3º O prazo para oferecimento de denúncia ou
o processo, relativos ao colaborador, poderá ser o processo, relativos ao colaborador, poderá ser
suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por
igual período, até que sejam cumpridas as medidas igual período, até que sejam cumpridas as medidas
de colaboração, suspendendo-se o respectivo de colaboração, suspendendo-se o respectivo
prazo prescricional. prazo prescricional.
§ 4º Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério § 4º Nas mesmas hipóteses do caput deste artigo,
Público poderá deixar de oferecer denúncia se o o Ministério Público poderá deixar de oferecer de-
colaborador: núncia se a proposta de acordo de colaboração
I - não for o líder da organização criminosa; referir-se a infração de cuja existência não te-
nha prévio conhecimento e o colaborador:
II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos
termos deste artigo. I - não for o líder da organização criminosa;
II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos
termos deste artigo.

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§ 5º Se a colaboração for posterior à sentença, § 4º-A Considera-se existente o conhecimento


a pena poderá ser reduzida até a metade ou prévio da infração quando o Ministério Público ou
será admitida a progressão de regime ainda que a autoridade policial competente tenha instaurado
ausentes os requisitos objetivos. inquérito ou procedimento investigatório para
§ 6º O juiz não participará das negociações apuração dos fatos apresentados pelo colaborador.
realizadas entre as partes para a formalização do § 5º Se a colaboração for posterior à sentença,
acordo de colaboração, que ocorrerá entre o a pena poderá ser reduzida até a metade ou
delegado de polícia, o investigado e o defensor, será admitida a progressão de regime ainda que
com a manifestação do Ministério Público, ou, ausentes os requisitos objetivos.
conforme o caso, entre o Ministério Público e o § 6º O juiz não participará das negociações
investigado ou acusado e seu defensor. realizadas entre as partes para a formalização do
§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º, o acordo de colaboração, que ocorrerá entre o
respectivo termo, acompanhado das declarações delegado de polícia, o investigado e o defensor,
do colaborador e de cópia da investigação, será com a manifestação do Ministério Público, ou,
remetido ao juiz para homologação, o qual conforme o caso, entre o Ministério Público e o
deverá verificar sua regularidade, legalidade investigado ou acusado e seu defensor.
e voluntariedade, podendo para este fim, § 7º Realizado o acordo na forma do § 6º deste
sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de artigo, serão remetidos ao juiz, para análise,
seu defensor. o respectivo termo, as declarações do colaborador
e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir si-
gilosamente o colaborador, acompanhado de
seu defensor, oportunidade em que analisará
os seguintes aspectos na homologação:
I – regularidade e legalidade;
II – adequação dos benefícios pactuados àque-
les previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste
artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o
critério de definição do regime inicial de cum-
primento de pena do art. 33 do Decreto-Lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), as regras de cada um dos regimes pre-
vistos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de
11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal)
e os requisitos de progressão de regime não
abrangidos pelo § 5º deste artigo;
III – adequação dos resultados da colaboração
aos resultados mínimos exigidos nos incisos I,
II, III, IV e V do caput deste artigo;
IV – voluntariedade da manifestação de von-
tade, especialmente nos casos em que o cola-
borador está ou esteve sob efeito de medidas
cautelares.
§ 7º-A O juiz ou o tribunal deve proceder à análise
fundamentada do mérito da denúncia, do perdão
judicial e das primeiras etapas de aplicação da
pena, nos termos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal) e do Decreto-
Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de
Processo Penal), antes de conceder os benefícios
pactuados, exceto quando o acordo prever o não
oferecimento da denúncia na forma dos §§ 4º e
4º-A deste artigo ou já tiver sido proferida sentença.

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§ 8º O juiz poderá recusar homologação à proposta § 7º-B São nulas de pleno direito as previsões
que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la de renúncia ao direito de impugnar a decisão
ao caso concreto. homologatória.
§ 9º Depois de homologado o acordo, o § 8º O juiz poderá recusar a homologação da
colaborador poderá, sempre acompanhado proposta que não atender aos requisitos legais,
pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do devolvendo-a às partes para as adequações
Ministério Público ou pelo delegado de polícia necessárias.
responsável pelas investigações. § 9º Depois de homologado o acordo, o
§ 10. As partes podem retratar-se da proposta, colaborador poderá, sempre acompanhado
caso em que as provas autoincriminatórias produ- pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do
zidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas Ministério Público ou pelo delegado de polícia
exclusivamente em seu desfavor. responsável pelas investigações.
§ 11. A sentença apreciará os termos do acordo § 10. As partes podem retratar-se da proposta,
homologado e sua eficácia. caso em que as provas autoincriminatórias produ-
§ 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial zidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas
ou não denunciado, o colaborador poderá ser exclusivamente em seu desfavor.
ouvido em juízo a requerimento das partes ou por § 10-A Em todas as fases do processo, deve-
iniciativa da autoridade judicial. se garantir ao réu delatado a oportunidade de
§ 13. Sempre que possível, o registro dos atos de manifestar-se após o decurso do prazo concedido
colaboração será feito pelos meios ou recursos de ao réu que o delatou.
gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica § 11. A sentença apreciará os termos do acordo
similar, inclusive audiovisual, destinados a obter homologado e sua eficácia.
maior fidelidade das informações. § 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial
§ 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador ou não denunciado, o colaborador poderá ser
renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ouvido em juízo a requerimento das partes ou por
ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal iniciativa da autoridade judicial.
de dizer a verdade. § 13. O registro das tratativas e dos atos de co-
§ 15. Em todos os atos de negociação, confirmação laboração deverá ser feito pelos meios ou recur-
e execução da colaboração, o colaborador deverá sos de gravação magnética, estenotipia, digital ou
estar assistido por defensor. técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a
§ 16. Nenhuma sentença condenatória será obter maior fidelidade das informações, garantin-
proferida com fundamento apenas nas declarações do-se a disponibilização de cópia do material
de agente colaborador. ao colaborador.
§ 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador
renunciará, na presença de seu defensor, ao direito
ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal
de dizer a verdade.
§ 15. Em todos os atos de negociação, confirmação
e execução da colaboração, o colaborador deverá
estar assistido por defensor.
§ 16. Nenhuma das seguintes medidas será de-
cretada ou proferida com fundamento apenas nas
declarações do colaborador:
I - medidas cautelares reais ou pessoais;
II - recebimento de denúncia ou queixa-crime;
III - sentença condenatória.
§ 17. O acordo homologado poderá ser rescindido
em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto
da colaboração.
§ 18. O acordo de colaboração premiada pressu-
põe que o colaborador cesse o envolvimento em
conduta ilícita relacionada ao objeto da colabora-
ção, sob pena de rescisão.

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Art. 5º São direitos do colaborador: Art. 5º São direitos do colaborador:


I - usufruir das medidas de proteção previstas na I - usufruir das medidas de proteção previstas na
legislação específica; legislação específica;
II - ter nome, qualificação, imagem e demais infor- II - ter nome, qualificação, imagem e demais infor-
mações pessoais preservados; mações pessoais preservados;
III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos
demais coautores e partícipes; demais coautores e partícipes;
IV - participar das audiências sem contato visual IV - participar das audiências sem contato visual
com os outros acusados; com os outros acusados;
V - não ter sua identidade revelada pelos meios de V - não ter sua identidade revelada pelos meios de
comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem
sua prévia autorização por escrito; sua prévia autorização por escrito;
VI - cumprir pena em estabelecimento penal diver- VI – cumprir pena ou prisão cautelar em estabe-
so dos demais corréus ou condenados. lecimento penal diverso dos demais corréus ou
condenados.
Art. 7º O pedido de homologação do acordo será Art. 7º O pedido de homologação do acordo será
sigilosamente distribuído, contendo apenas infor- sigilosamente distribuído, contendo apenas infor-
mações que não possam identificar o colaborador mações que não possam identificar o colaborador
e o seu objeto. e o seu objeto.
§ 1º As informações pormenorizadas da § 1º As informações pormenorizadas da
colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a
que recair a distribuição, que decidirá no prazo de que recair a distribuição, que decidirá no prazo de
48 (quarenta e oito) horas. 48 (quarenta e oito) horas.
§ 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, § 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz,
ao Ministério Público e ao delegado de polícia, ao Ministério Público e ao delegado de polícia,
como forma de garantir o êxito das investigações, como forma de garantir o êxito das investigações,
assegurando-se ao defensor, no interesse do re- assegurando-se ao defensor, no interesse do re-
presentado, amplo acesso aos elementos de pro- presentado, amplo acesso aos elementos de pro-
va que digam respeito ao exercício do direito de va que digam respeito ao exercício do direito de
defesa, devidamente precedido de autorização ju- defesa, devidamente precedido de autorização ju-
dicial, ressalvados os referentes às diligências em dicial, ressalvados os referentes às diligências em
andamento. andamento.
§ 3º O acordo de colaboração premiada deixa § 3º O acordo de colaboração premiada e os depoi-
de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, mentos do colaborador serão mantidos em sigi-
observado o disposto no art. 5º . lo até o recebimento da denúncia ou da queixa-
-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por
sua publicidade em qualquer hipótese.
Art. 10-A Será admitida a ação de agentes de
polícia infiltrados virtuais, obedecidos os re-
quisitos do caput do art. 10, na internet, com
o fim de investigar os crimes previstos nesta
Lei e a eles conexos, praticados por organiza-
Sem correspondente. ções criminosas, desde que demonstrada sua
necessidade e indicados o alcance das tarefas
dos policiais, os nomes ou apelidos das pes-
soas investigadas e, quando possível, os dados
de conexão ou cadastrais que permitam a
identificação dessas pessoas.

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§ 1º Para efeitos do disposto nesta Lei,


consideram-se:
I – dados de conexão: informações referentes
a hora, data, início, término, duração, ende-
reço de Protocolo de Internet (IP) utilizado e
terminal de origem da conexão;
II – dados cadastrais: informações referentes
a nome e endereço de assinante ou de usuário
registrado ou autenticado para a conexão a
quem endereço de IP, identificação de usuário
ou código de acesso tenha sido atribuído no
momento da conexão.
§ 2º Na hipótese de representação do
delegado de polícia, o juiz competente, antes
de decidir, ouvirá o Ministério Público.
§ 3º Será admitida a infiltração se houver
indícios de infração penal de que trata o art.
1º desta Lei e se as provas não puderem ser
produzidas por outros meios disponíveis.
§ 4º A infiltração será autorizada pelo
prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo
de eventuais renovações, mediante ordem
judicial fundamentada e desde que o total não
exceda a 720 (setecentos e vinte) dias e seja
comprovada sua necessidade.
Sem correspondente. § 5º Findo o prazo previsto no § 4º deste artigo,
o relatório circunstanciado, juntamente com
todos os atos eletrônicos praticados durante a
operação, deverão ser registrados, gravados,
armazenados e apresentados ao juiz
competente, que imediatamente cientificará
o Ministério Público.
§ 6º No curso do inquérito policial, o
delegado de polícia poderá determinar aos
seus agentes, e o Ministério Público e o juiz
competente poderão requisitar, a qualquer
tempo, relatório da atividade de infiltração.
§ 7º É nula a prova obtida sem a observância
do disposto neste artigo.
Art. 10-B As informações da operação de in-
filtração serão encaminhadas diretamente ao
juiz responsável pela autorização da medida,
que zelará por seu sigilo.
Parágrafo único. Antes da conclusão da ope-
ração, o acesso aos autos será reservado ao
juiz, ao Ministério Público e ao delegado de
polícia responsável pela operação, com o ob-
jetivo de garantir o sigilo das investigações.
Art. 10-C Não comete crime o policial que
oculta a sua identidade para, por meio da in-
ternet, colher indícios de autoria e materiali-
dade dos crimes previstos no art. 1º desta Lei.

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Parágrafo único. O agente policial infiltrado


que deixar de observar a estrita finalidade da
investigação responderá pelos excessos pra-
ticados.
Art. 10-D Concluída a investigação, todos os
atos eletrônicos praticados durante a ope-
ração deverão ser registrados, gravados, ar-
mazenados e encaminhados ao juiz e ao Mi-
Sem correspondente. nistério Público, juntamente com relatório
circunstanciado.
Parágrafo único. Os atos eletrônicos regis-
trados citados no caput deste artigo serão
reunidos em autos apartados e apensados ao
processo criminal juntamente com o inquéri-
to policial, assegurando-se a preservação da
identidade do agente policial infiltrado e a in-
timidade dos envolvidos.
Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou
a representação do delegado de polícia para a in- a representação do delegado de polícia para a in-
filtração de agentes conterão a demonstração da filtração de agentes conterão a demonstração da
necessidade da medida, o alcance das tarefas dos necessidade da medida, o alcance das tarefas dos
agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos
das pessoas investigadas e o local da infiltração. das pessoas investigadas e o local da infiltração.
Parágrafo único. Os órgãos de registro e ca-
dastro público poderão incluir nos bancos de
dados próprios, mediante procedimento sigi-
loso e requisição da autoridade judicial, as in-
formações necessárias à efetividade da identi-
dade fictícia criada, nos casos de infiltração de
agentes na Internet.

1. Alterações da lei do crime organizado


A expansão do crime organizado no mundo globalizado despertou a atenção
de países e organismos internacionais, o que fez recrudescer o sistema de prevenção
e repressão a essa forma de criminalidade e que tanto impacto causa na sociedade. E
isso ocorreu principalmente a partir da Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional, celebrada em Nova Iorque, em 15/11/2000, quando estabe-
leceu como objetivo, promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a
criminalidade organizada transnacional (art. 1.º)39.
No Brasil, ainda que a Lei 9.034/95 mencionasse esse fenômeno delitivo, não
havia uma definição legal de crime organizado, muito menos a criminalização da con-
duta como crime específico, sem a necessidade de recorrer ao crime de formação de
quadrilha ou bando, previsto no art. 288 CP, antes da redação que lhe deu a nova Lei
12.850/13.

39 O Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organiza-
do Transnacional, após aprovação pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo 231, de 29 de maio
de 2003.

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Com o advento da Lei 12.850/13 preenche-se uma grande lacuna que havia em
nosso ordenamento jurídico, criando o crime de organização criminosa e admitindo o
emprego de especiais técnicas de investigação para o combate essa forma de crimina-
lidade, tudo fortemente inspirado na Convenção da ONU contra o Crime Organizado
Transnacional, que deles tratou nos arts. 5.º e 20, respectivamente.
No entanto, como o próprio crime organizado se modifica e aperfeiçoa com
o transcurso do tempo, buscando superar eventuais obstáculos criados pelo sistema
preventivo e repressivo, estes da mesma forma necessitam evoluir. Para tanto, é neces-
sário reconhecer as dificuldades que se apresentam na persecução penal que envolve
a criminalidade organizada, tanto durante a investigação como na posterior tramitação
de ação penal desencadeada pelo oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.
De acordo com esta perspectiva analisaremos as modificações produzidas pela
Lei Anticrime na Lei 12.850/13.

2. Modificações relativas ao cumprimento da pena e benefícios da


execução penal

como preceitua o art. 1.º, a Lei 12.850/13 define organização criminosa e dispõe
sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e
o procedimento criminal a ser aplicado.
A definição do delito que nos ocupa é dada pelo § 1.º do art. 1.º: Considera-se
organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordena-
da e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações
penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional.
Em relação à criminalização de condutas, a Lei 12.850/13 introduziu em nosso
ordenamento jurídico o crime de organizado por natureza (art. 2.º, caput), o crime de
impedimento ou embaraçamento da persecução penal (§ 1.º do art. 2.º), bem como
de crimes que venham a ocorrer durante a investigação ou fase de obtenção de provas,
tais como a revelação da identidade do colaborador (art. 18), a colaboração caluniosa
ou inverídica (art. 19), a violação de sigilo das investigações (art. 20) e a sonegação de
informações requisitadas (art. 21).
Em relação aos crimes previstos no caput (crime de organizado por natureza)
e no § 1.º (impedimento ou embaraçamento da persecução penal) do art. 2.º, a Lei
12.850/13 prevê uma circunstância agravante (§ 3.º) e causas de aumento da pena em
até metade (§ 2.º) ou de 1/6 a 2/3 (§ 4.º).
Além disso, caso haja indícios de que funcionário público é integrante de uma
organização criminosa, é possível o seu afastamento, desde que essa medida se faça
necessária para persecução penal (§ 5.º), com a consequente perda do cargo em caso
de condenação, com interdição para o exercício de cargo ou função pública pelo prazo
de 8 anos subsequentes ao cumprimento da pena (§ 6.º).

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Em havendo indício de participação de policial, a investigação deve ser realizada


pela Corregedoria de Polícia, que comunicará ao Ministério Público, que designará um
de seus membros para acompanhar a investigação (§ 7.º).
Em que pese as previsões desses crimes e suas consequências, seja no tocante à
aplicação da pena e perda de cargo, seja na atribuição/competência para a investigação,
silenciava a lei quanto à aspectos referentes ao modo ou local de cumprimento da pena
ou a eventuais benefícios durante a execução penal.
Essa situação modifica-se com a Lei Anticrime.
O novo § 8.º do art. 2.º estabelece que as lideranças de organizações criminosas
armadas ou que tenham armas à disposição devem iniciar o cumprimento da pena em
estabelecimentos penais de segurança máxima.
Além disso, de acordo com o novo § 9.º do art. 2.º, estão vedados a progressão
de regime e o livramento condicional aos condenados expressamente em sentença por
integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio dela. E deixa uma cláu-
sula geral de exclusão de outros benefícios prisionais, sempre que houver elementos
probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo.
Os novos dispositivos, além de recrudescer o tratamento penal dispensado aos
integrantes de organizações criminosas, atende a um critério de individualização da pena
durante a execução (art. 5. º, XLVI, da CF): de um lado, na medida em que determi-
na que os criminosos mais perigosos e, portanto, com maior risco à segurança e ao
próprio Estado de Direito, cumpram pena em estabelecimentos penais de segurança
máxima; de outro, ao vedar progressão de regime e o livramento condicional aos con-
denados expressamente por delitos relacionados ao crime organizado, não deixando de
levar em consideração que, uma vez demonstrada a manutenção do vínculo associativo
entre o condenado e a organização criminosa, outros benéficos prisionais poderão ser
retirados do preso.
Por isso na justificativa apresentada pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública,
Sérgio Fernando Moro, ao encaminhar o PL 882/19 consignou que o acréscimo do § 8.º
serve para que os líderes do crime organizado se vejam impedidos de continuar, dentro do
estabelecimento carcerário, a conduzir a ação de seus grupos. Já em relação ao § 9.º por
ele proposto, justifica-se sua aplicação aos já condenados e cumprindo pena, para que se
sintam desestimulados a manter vínculo com as organizações criminosas, visto que estarão
impedidos de receber os benefícios.
Portanto, os novos dispositivos cumprirão importante papel no combate ao cri-
me organizado no Brasil.
Entretanto, por agravarem a situação dos condenados no que tange ao cum-
primento da pena, tanto em relação ao estabelecimento prisional como aos benéficos
concedidos durante a execução da reprimenda, os novos dispositivos não poderão re-
troagir a fatos praticados antes de 23/01/2020, data da entrada em vigor da Lei Anticri-
me (arts. 5.º, XL, da CF, e 2.º do CP).

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3. Modificações relacionadas às formalidades procedimentais


prévias à celebração do acordo de colaboração premiada

a previsão da colaboração premiada como meio de obtenção de prova não é


nova em nosso ordenamento jurídico. Surgiu com a Lei 8.072/90 (parágrafo único do
art. 8.º), conhecida como Lei dos Crimes Hediondos. Após, foi sendo paulatinamente
introduzida em diversas leis especiais ou no Código Penal, como ocorreu com a Lei
9.034/95 (art. 6.º); Lei 7.492/86 (art. 25, § 2.º, incluído pela Lei 9.080/95), que trata
dos crimes contra o sistema financeiro; Lei 8.137/90 (art. 16, parágrafo único, incluído
pela Lei 9.080/95), que regula os crimes contra a ordem tributária; art. 159, § 4.º, do
CP (incluído pela Lei 9.269/96), relativa ao crime de extorsão mediante sequestro;
Lei 9.613/98 (art. 1.º, § 5.º), que dispõe sobre o crime de lavagem de dinheiro; Lei
9.087/99 (arts. 13 a 15), sobre a proteção a testemunhas e réus colaboradores; Lei
11.343/06 (art. 41), conhecida como Lei de Drogas, culminando com a Lei 12.850/13,
a Lei do Crime Organizado (art. 3.º, inciso I, e 4.º).
Embora não possuam natureza penal, os acordos de leniência previstos nas Leis
12.529/11 (art. 86), que cria o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – CADE;
e 12.846/13 (art. 16), conhecida como Lei Anticorrupção, guardam grande semelhança
com a colaboração premiada, na medida em que concedem benefícios àqueles que co-
metem infrações administrativas e venham reconhecer a sua prática através do acordo,
mediante condições.
Na lição de Renato Brasileiro de Lima, a colaboração premiada, espécie de direi-
to premial, pode ser definida como uma técnica especial de investigação por meio da qual
o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato de-
lituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente
eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos e lei, recebendo, em contrapartida,
determinado prêmio legal40.
Muito embora a previsão da colaboração premiada não seja nova, como visto
nessa breve retrospectiva legislativa, somente com a Lei 12.850/13 houve uma preocu-
pação do legislador em disciplinar aspectos importantes como a necessária formaliza-
ção de um termo de acordo de colaboração premiada, os legitimados para a celebração
desse acordo e sua extensão, a obrigatoriedade de homologação judicial e o próprio
papel exercido pelo juiz em tais casos, a necessidade de elementos de corroboração, os
direitos do colaborador e o procedimento, em juízo, acerca da homologação.
Não há dúvidas de que a Lei 12.850/13 trouxe mais segurança jurídica não só
para os colaboradores, mas também para todos aqueles que atuam na persecução
penal, desde agentes policiais a membros do Ministério Público. A partir da inovação
legislativa, esses puderam seguir as formalidades de modo uniforme, sem maiores dis-
crepâncias ou dúvidas procedimentais, ainda que os novos dispositivos também tenham
gerado interpretações divergentes sobre determinados pontos. Reconhece-se, portanto,

40 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 702.

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LUCIANO VACCARO

o avanço que significou o tratamento dispensado à colaboração premiada com a Lei do


Crime Organizado.
Entretanto, a análise dos dispositivos que tratavam da colaboração antes da Lei
Anticrime, permite concluir que o regramento nitidamente preocupou-se somente
com uma das fases ou aspectos da colaboração premiada. Refiro-me à celebração do
termo de acordo e da judicialização da homologação, com a preservação dos direitos
do colaborador.
Agora, com a Lei Anticrime, os novos dispositivos alcançam etapa anterior à ce-
lebração do acordo, disciplinando as próprias tratativas que levarão à formalização e
consequente homologação do acordo. A seção que trata da colaboração premiada na
Lei 12.850/13 é inaugurada, agora, pelos novos arts. 3.º-A, 3.º-B e 3.º-C, que versam
sobre as tratativas prévias à celebração do acordo que será levado ao Poder Judiciário
para a necessária homologação.
Imperioso referir que o novo regramento não constava do PL 882/16, proposto
pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública, nem do PL 10.372/18, com base na Co-
missão de Juristas presididas pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de
Moraes. Foi introduzido na forma de projeto substitutivo, apresentado em 04/12/19,
em Plenário, durante a votação do PL 10.372/18 na Câmara dos Deputados. Mas inega-
velmente estão os novos dispositivos inspirados na Orientação Conjunta n.º 1/2018, das
2.ª e 5.ª Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal41.
Com o novo art. 3.º-A, resta estabelecido que o acordo de colaboração premia-
da é um negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova. A definição da natureza
jurídica como negócio jurídico processual era sustentada pela doutrina42, entendimento
que acabou sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, no HC 127.483/PR, em que o
Ministro Dias Toffoli assim decidiu: A colaboração premiada é um negócio jurídico proces-
sual, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção
de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo
criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o
efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa
colaboração43.
Assim, de acordo com o posicionamento assentado pelo STF no julgamento do
referido HC 127.483/PR e conforme sustentam Cleber Masson e Vinícius Marçal, três
importantes conclusões são extraídas: a) o acordo de colaboração premiada não pode
ser impugnado por eventual coautor ou partícipe dos crimes praticados pelo colabora-
dor; b) eventual descumprimento de acordo de colaboração anterior ou a personalida-

41 Esse documento pode ser obtido no seguinte sítio de internet: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/


orientacoes/orientacao-conjunta-no-1-2018.pdf.
42 Nesse sentido Cleber Masson e Vinícius Marçal. Em Crime Organizado. Ed. Método, São Paulo, 3.ª edição, 2017, p. 127.
43 HC 127.483/PR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2015, PROCESSO ELETRÔNI-
CO DJe-021 DIVULG 03-02-2016, PUBLIC 04-02-2016). No mesmo sentido: Pet 7074 QO, Rel. Min. EDSON
FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-085 DIVULG 02-05-2018, PU-
BLIC 03-05-2018.

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de do colaborador não invalidam um novo acordo, sobre outro crime; e c) é possível


que o acordo de colaboração premiada disponha sobre efeitos extrapenais de natureza
patrimonial da condenação44.
Ainda nos termos do art. 3.º-A, a colaboração premiada pressupõe utilidade e
interesse público. A utilidade está relacionada à capacidade da colaboração em servir
como meio de obtenção de provas. O interesse público, por sua vez, consubstancia-se
na obtenção de um ou mais dos resultados previstos nos incisos I a V do art. 4.º.
Nos arts. 3.º-B a 3.º-C estão previstas as formalidades para o início da negocia-
ção ou tratativas para a celebração de um acordo de colaboração premiada (procedi-
mento da colaboração), que devem seguir os seguintes passos:

Primeiro. Apresentação da proposta para formalização de acordo de cola-


boração premiada, instruída com procuração do interessado com poderes específicos
para iniciar o procedimento administrativo de colaboração e suas tratativas, ou firmada
pessoalmente pela parte que pretende a colaboração e seu advogado ou defensor pú-
blico (art. 3.º-C). Incumbe à defesa instruir tal proposta e respectivos anexos com os
fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e
os elementos de corroboração (§ 4.º do art. 3.º-C). A apresentação da proposta deve
ser cadastrada no âmbito do Mistério Público e distribuída a membro com atribuições
para a apreciação da matéria.
O novo art. 3.º-B da Lei 12.850/13 não deixa margens a dúvidas quanto à inicia-
tiva para a celebração de um acordo de colaboração premiada. O art. 4.º, caput, exige
que a colaboração seja efetiva e voluntária. Essa voluntariedade, diferentemente da es-
pontaneidade prevista no art. 6.º da revogada Lei 9.034/95, permite que o colaborador
seja estimulado a celebrar o acordo. No entanto, como resta claro no novo art. 3.º-B,
a iniciativa da proposta será sempre do interessado na colaboração, que a direcionará
para Ministério Público ou Polícia Judiciária.

Segundo. Recebimento da proposta de acordo apresentada pelo interessa-


do, por parte do Ministério Público ou do delegado de polícia, é um ato formal, que se
dá por despacho fundamentado no procedimento administrativo instaurado, demar-
cando o início das negociações para a formalização e constitui o marco da confidencialida-
de (art. 3.º-B, primeira parte). Desse momento em diante, o registro dos atos deve ser
feito por meios ou recursos de gravação disponíveis, a fim de se obter maior fidelidade
das informações, disponibilizando-se cópia ao interessado/colaborador (§ 13 do art.
4.º). A partir do recebimento da proposta, ainda, configurará violação do sigilo e quebra
da boa fé a divulgação das tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o
levantamento de sigilo por decisão judicial (art. art. 3.º-B, segunda parte). Compete a
quem receber a proposta a elaboração do respectivo termo de recebimento, que por ele
será assinado, assim como pelo interessado e por seu advogado ou defensor público, os
quais deverão ter poderes específicos (§ 5.º do art. 3.º-B). E o ato de recebimento de
proposta para análise não implica, por si só, a suspensão da investigação, salvo acordo

44 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 129.

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entabulado em sentido contrário quanto à eventual propositura de medidas processuais


penais cautelares e assecuratórias, bem como outras medidas cíveis admitidas pela le-
gislação em vigor (§ 3.º do art. 3.º-B). Desde o recebimento da proposta, nenhuma
tratativa sobre colaboração premiada deve ser realizada sem a presença de advogado
constituído ou defensor público (§ 1.º do art. 3.º-C). Em eventual conflito de interes-
ses, ou demonstrado ser o colaborador hipossuficiente, o celebrante deverá solicitar a
presença de outro advogado ou a participação de defensor público (§ 2.º do art. 3.º-C).
Embora o § 6.º do art. 4.º da Lei 12.850/13 admita expressamente a atuação da
autoridade policial, havia divergência doutrinária acerca da possibilidade de o delegado
de polícia poder ou não celebrar acordo de colaboração premiada. Enquanto Rogério
Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto admitiam a legitimidade do delegado de polí-
cia45, Cleber Masson e Vinícius Marçal, Cezar Roberto Bitencourt e Paulo César Busato
firmavam posição em sentido contrário46.
Essa divergência levou o então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, a
ajuizar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.508/DF, em 29/04/2016, em face dos
parágrafos 2º e 6º do artigo 4º da Lei nº 12.850/13, no tocante à legitimidade do dele-
gado de polícia para conduzir e entabular acordos de colaboração premiada. Invocou
ofensa ao devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, CF); à moralidade administrativa
(art. 37, caput, CF), titularidade exclusiva do Ministério Público para a ação penal e
princípio acusatório (art. 129, inciso I, CF) exclusividade do exercício das atribuições
do Ministério Público (art. 129, § 2º, primeira parte, CF), e o múnus constitucional da
função policial (art. 144, §§ 1º e 4º, da CF). Em 20/06/2018, o STF, por maioria, acom-
panhou o voto do relator, Min. Marco Aurélio, e julgou improcedente o pedido, assen-
tado a constitucionalidade do § 2.º e do § 6.º do art. 4.º da Lei 12.850/13, em acórdão
assim ementado:

DELAÇÃO PREMIADA – ACORDO – CLÁUSULAS. O acordo alinhavado com


o colaborador, quer mediante atuação do Ministério Público, quer da Polícia, há
de observar, sob o ângulo formal e material, as normas legais e constitucionais.
DELAÇÃO PREMIADA – ACORDO – POLÍCIA. O acordo formalizado mediante
a atuação da Polícia pressupõe a fase de inquérito policial, cabendo a manifestação,
posterior, do Ministério Público. DELAÇÃO PREMIADA – ACORDO – BENEFÍCIOS
– HOMOLOGAÇÃO. A homologação do acordo faz-se considerados os aspectos
formais e a licitude do que contido nas cláusulas que o revelam. DELAÇÃO
PREMIADA – ACORDO – BENEFÍCIO. Os benefícios sinalizados no acordo ficam
submetidos a concretude e eficácia do que versado pelo delator, cabendo a definição
final mediante sentença, considerada a atuação do órgão julgador, do Estado-juiz.
(ADI 5508, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado
em 20/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-241 DIVULG 04-11-2019
PUBLIC 05-11-2019).

45 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime organizado: comentários à nova Lei sobre o Crime
Organizado – Lei n.º 12.850/2013. 2ª. Ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 54 e 56.
46 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 151-152; BITENCOURT, Cezar Roberto,
e BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Ed. Saraiva, São Paulo, 2014, p. 122-124.

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Portanto, não há dúvidas de que o recebimento da proposta para formalização


de acordo de colaboração premiada pode ser tanto pelo Ministério Público como pelo
delegado de polícia.

Terceiro. Indeferimento sumário da proposta pelo Ministério Público ou pela


autoridade policial. Uma vez apresentada a proposta de colaboração premiada, esta
poderá ser sumariamente indeferida, com a devida justificativa, cientificando-se o inte-
ressado (§ 1.º do art. 3.º-B).
O indeferimento deve ser justificado, levando em conta tanto a ausência de lastro
probatório da proposta ou sua desnecessidade para uma investigação. Obviamente que
não se deve exigir fundamentação exaustiva, para não expor detalhes de uma investiga-
ção que esteja em curso, uma vez que o interessado será necessariamente cientificado.
Não há previsão legal de revisão da decisão de indeferimento sumário do acordo de
colaboração premiada, que terá como consequência o arquivamento do expediente
aberto e a continuidade das investigações47.

Quarto. Assinatura do Termo de Confidencialidade. Não havendo indeferi-


mento sumário, as partes deverão assinar Termo de Confidencialidade para o prossegui-
mento das tratativas, o que vinculará os órgãos envolvidos na negociação e impedirá o
indeferimento posterior sem justa causa (§ 2.º do art. 3.º-B). Quem recebe formalmente
a proposta elabora o termo de confidencialidade, que vai por ele assinado, assim como
pelo interessado e por seu advogado ou defensor público, os quais deverão ter poderes
específicos (§ 5.º do art. 3.º-B). A assinatura desse termo não implica, por si só, a sus-
pensão da investigação, salvo acordo entabulado em sentido contrário quanto à even-
tual propositura de medidas processuais penais cautelares e assecuratórias, bem como
outras medidas cíveis admitidas pela legislação em vigor (§ 3.º do art. 3.º-B).

47 Poder-se-ia admitir eventual controle do conteúdo decisório que indefere sumariamente a proposta de colabora-
ção premiada, uma vez que conferiria maior transparência e segurança jurídica aos atos realizados. Vale lembrar
que a Lei Anticrime, ao instituir o chamado acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP), de exclusiva legiti-
midade do Ministério Público, sujeitou-o a controle interno daquela Instituição, na hipótese de recusa em fazê-lo,
facultando ao investigado provocar o reexame da questão ao órgão superior de revisão, na forma do art. 28 CPP,
com redação dada pela Lei 13.964/19. É o que dispõe expressamente o § 14 do art. 28-A do CPP.
Ora, tanto a colaboração premiada como o acordo de não persecução penal são negócios jurídicos fundados no
direito premial, que produzem os efeitos pactuados desde que não violem a legislação, nada impedindo que se
interpretem extensivamente suas normas, com aplicação analógica desses institutos e as regras que os definem,
conforme autoriza o art. 3.º do CPP, de modo a permitir que a parte interessada também possa provocar a instân-
cia revisora do Ministério Público quando houver indeferimento sumário da proposta.
Tal recurso só existiria na hipótese de a proposta de colaboração premiada ter tramitado no âmbito do Ministério
Público, instituição que, pelo Código de Processo Penal, passa a ter instância de revisão de suas decisões de arqui-
vamento de investigações criminais (art. 28 CPP) ou de recusa em propor acordo de não persecução penal (§ 14
do art. 28-A do CPP). Esses dispositivos é que autorizam a interpretação extensiva e aplicação analógica, admitidas
pelo art. 3.º do CPP, aos indeferimentos das propostas de acordo de colaboração premiada.
Diferente, no entanto, seria a solução quando o indeferimento é realizado pelo delegado de polícia. Nesse caso,
não há qualquer regra processual a amparar interpretação extensiva ou aplicação analógica. A única solução para
o interessado em celebrar acordo de colaboração premiada seria ingressar com uma nova proposta, agora direta-
mente no Ministério Público.
Entretanto, em decisão liminar prolatada na véspera da entrada em vigor da Lei Anticrime, o Min. Luiz Fux, do STF,
nos autos da ADI 6.305, suspendeu, sine die, a eficácia deste e de outros dispositivos da Lei 13.964/19. Mas com a
suspensão da eficácia do art. 28 do CPP, não há que se falar, por ora, na criação de instância revisora do Ministério
Público em matéria penal, o que impede sustentar-se possibilidade recursal do indeferimento sumário da proposta
de colaboração premiada.

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Sem indeferimento sumário da proposta de colaboração premiada e tendo sido


firmado o termo de confidencialidade, prosseguem as tratativas para a celebração do
acordo de colaboração. Significa dizer, na análise perfunctória dos fatos e dentro dos
estreitos limites da decisão de recebimento da proposta, que a defesa cumpriu com o
que lhe competia para esse momento, ou seja, a) instruiu a proposta “com procuração
do interessado com poderes específicos para iniciar o procedimento de colaboração e
suas tratativas, ou firmada pessoalmente pela parte que pretende a colaboração e seu
advogado ou defensor público” (art. 3.º-C); e b) logrou “instruir a proposta de colabo-
ração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as circunstâncias,
indicando as provas e os elementos de corroboração” (§ 4.º).
Assim, a decisão de recebimento da proposta de colaboração, momento em que
se analisam eventuais circunstâncias fáticas e até mesmo a utilidade e interesse público
na formalização do acordo, e o termo de confidencialidade vinculam os órgãos envol-
vidos na negociação. Estes órgãos só podem ser o Ministério Público e/ou as polícias
judiciárias. A vinculação mencionada no dispositivo impede o indeferimento posterior
da proposta de acordo de colaboração premiada sem justa causa a amparar tal decisão.

Quinto. Instrução prévia do procedimento administrativo para celebração


do acordo de colaboração premiada. É possível a realização de uma instrução prévia
do procedimento administrativo formado, quando houver necessidade de identificação
ou complementação de seu objeto, dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevân-
cia, utilidade e interesse público (§ 4.º do art. 3.º-B).
Os legitimados para a celebração do acordo de colaboração premiada pode-
rão fazer diligências preliminares, como oitivas, levantamento de dados, localização de
coisas ou pessoas, etc., quando necessário para corroborar as provas ou informações
apresentadas pelo colaborador.

Sexto. Formalização do termo de acordo de colaboração premiada. Uma


vez consideradas a relevância, utilidade e interesse público na celebração da colabora-
ção premiada, nos mesmos autos do expediente que defere o recebimento da propos-
ta, procede-se à sua formalização. Para tanto, deve-se elaborar um Termo de Acordo
de Colaboração Premiada, seguindo-se ao disposto no art. 6.º da Lei 12.850/13, o qual
não foi alterado pela Lei Anticrime. O colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos
para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados (§ 3.º
do art. 3.º-C).

Sétimo. Frustração do acordo de colaboração premiada e as provas apre-


sentadas. Se o acordo deixa de ser celebrado por iniciativa do Ministério Público e/ou
da polícia judiciária, estes não poderão se valer de nenhuma das informações ou provas
apresentadas pelo colaborador, de boa fé, para qualquer outra finalidade (§ 6.º do art.
3.º-B), Todavia, a contrário senso do referido dispositivo, quando a não celebração do
acordo ocorrer por iniciativa do interessado que apresentou a proposta, as informações ou
provas por ele apresentadas, de boa fé, poderão ser utilizadas pelo Ministério Público
e/ou polícias para outras finalidades.

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Vale lembrar que, por expressa vedação legal, o juiz não deve participar das ne-
gociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração
premiada (§ 6.º do art. 4.º).

4. Modificações relacionadas ao procedimento em juízo para a


homologação do acordo de colaboração premiada e suas conse-
quências
Os artigos 4.º a 7.º da Lei do Crime Organizado, que tratam dos requisitos,
formalidades e homologação da colaboração premiada, assim como dos direitos do
colaborador, também sofreram algumas modificações com o advento da Lei Anticrime.

1) Pressupostos da colaboração premiada: colaboração efetiva e volun-


tária com a investigação e com o processo criminal (art. 4.º, caput). Será volun-
tária a colaboração quando o acordo decorrer de livre manifestação de vontade do
colaborador, sem qualquer constrangimento. A eficácia objetiva da colaboração é
aferida quando os resultados práticos esperados e previstos nos incisos I a V do art. 4.º
ocorrem, tornando o colaborador merecedor dos benéficos pactuados. Por isso o § 11
do art. 4.º determina que a sentença aprecie a eficácia do acordo.

2) Benefícios decorrentes da colaboração: definidos no art. 4.º, caput, e §§


4.º e 5.º. Somente a redação do § 4.º foi alterada pela Lei Anticrime, mudando uma
condicionante, como adiante se verá. Assim, a Lei prevê os seguintes prêmios aos co-
laboradores:

a) perdão judicial (art. 4.º, caput): um dos benefícios previstos e que podem
ser pactuados no acordo de colaboração premiada. Com o perdão judicial extingue-se
a punibilidade (art. 107, IX, do CP), não produzindo efeitos penais, nos termos do art.
120 CP, e Súmula 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória de
extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.
Inobstante não constar do acordo, ainda assim, quando considerada relevante a
colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e autoridade policial, nos
autos do inquérito policial, poderão requerer e representar pela concessão do perdão
judicial mesmo que não tenha sido previsto esse benefício quando da celebração do
termo de acordo de colaboração premiada, (§ 2.º do art. 4.º). Embora o dispositivo
refira que o perdão possa ser requerido a qualquer tempo pelo Ministério Público, isso
só pode ser até a sentença, uma vez que depois dela já não se admite perdão. É o que
se extrai da leitura do § 5.º do art. 4.º.

b) redução em até dois terços (2/3) da pena privativa de liberdade (art. 4.º,
caput): um dos benefícios é a possibilidade de redução em até 2/3 da pena privativa de
liberdade a ser fixada pelo juiz por ocasião da sentença condenatória. Deve-se observar
um critério relacionado à eficácia da colaboração, a depender da obtenção de um ou
mais dos resultados previstos, para estabelecer o quantum de diminuição.

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c) substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art.


4.º, caput): embora o dispositivo não faça menção ao art. 44 do CP, que regula as re-
gras da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a melhor
interpretação a seguir é no sentido de que essa substituição, por força da colaboração,
possa ocorrer independentemente dos requisitos do art.44 CP48.

d) não oferecimento da denúncia, desde que a proposta de acordo de cola-


boração refira-se à infração cuja existência o Ministério Público não tenha prévio
conhecimento e se o colaborador não for o líder da organização e for o primeiro
a prestar efetiva colaboração (art. 4.º, § 4.º, e seus incisos I e II):
Em relação aos benefícios, esse foi o único dispositivo alterado pela Lei anticrime,
especificando que o Ministério Público pode acordar a imunidade, deixar de oferecer
denúncia, desde que não tenha tido prévio conhecimento da infração penal objeto do
acordo.
Para efeitos da lei, de acordo com o novo § 4.º-A, considera-se existente o conhe-
cimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial competente
tenha instaurado inquérito ou procedimento investigatório para a apuração dos fatos apre-
sentados pelo colaborador.
Portanto, o membro do Ministério Público ou delegado de polícia que estiver
atuando no procedimento de colaboração premiada deverá checar, nos registros inter-
nos que lhe são disponíveis, respectivamente, pelo Ministério Público ou pela Polícia Ju-
diciária, se há investigação instaurada para apuração dos fatos criminosos apresentados
pelo colaborador.
Para fazer jus ao benefício de não ser denunciado, o colaborador não poderá
ser o líder da organização, circunstância que deve estar demonstrada nos autos, uma
tarefa nem sempre fácil. Além disso, deverá ser o primeiro integrante da organização a
prestar efetiva colaboração.
A previsão da possibilidade de o Ministério Público não denunciar o autor de um
crime, comumente chamado de acordo de imunidade, mereceu forte crítica de parte
da doutrina, por violação do princípio da indisponibilidade da ação penal pelo Ministério
Público49. Entretanto, prevaleceu a tese de que efetivamente pode o Ministério Público
deixar de denunciar por força da celebração de acordo de colaboração premiada e, em
consequência, determinar o arquivamento dos autos de investigação50. O acordo de
imunidade não gera perdão judicial ou outra causa extintiva da punibilidade a ser decla-
rada pelo juiz. Portanto, não há que se falar em decisão com efeito de coisa julgada e
imutabilidade, pois não houve previsão expressa nesse sentido.

48 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 158. No mesmo sentido: LIMA, Renato
Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 717-718.
49 BITENCOURT, Cezar Roberto, e BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Ob. Cit., p.
134.
50 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 161. No mesmo sentido: LIMA, Renato
Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 718-719.

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Como sustenta parte da doutrina51, trata-se de uma causa extintiva da punibilidade


sui generis, sendo aplicável subsidiariamente ao acordo de imunidade o mesmo regra-
mento do acordo de leniência previsto no art. 87 da Lei 12.529/1152. Ou seja, quando não
denunciado por força da colaboração premiada com acordo de imunidade, uma vez cum-
pridas as condições e verificados os resultados almejados, extingue-se automaticamente a
punibilidade do agente pela prática dos crimes abrangidos pelo referido acordo.
Assim, a solução por via do arquivamento se revela mais adequada diante da ne-
cessidade de eventual revogação ou rescisão da colaboração, com a retomada das investi-
gações e o oferecimento da denúncia diante de fatos causadores da revogação/rescisão53.
E creio ter sido exatamente esse o propósito do legislador com a Lei Anticrime,
na medida em que esta prevê, nos novos §§ 17 e 18, a possibilidade de rescisão da co-
laboração. Essa intenção também é reforçada com a definição da natureza jurídica do
acordo de colaboração premiada como negócio jurídico processual, nos termos do novo
art. 3.º-B da Lei 12.850/13. Sendo um negócio jurídico, pode haver a rescisão em face
do não cumprimento de suas cláusulas, voltando-se ao status quo ante, permitindo o
oferecimento da denúncia.
Antes da Lei Anticrime, se o juiz não concordasse com a promoção do arquiva-
mento, não lhe restaria alternativa senão determinar, nos termos do art. 28 do CPP, a
remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem caberia insistir no arquiva-
mento, ou, se discordasse, denunciar ou designar outro agente para fazê-lo. No entan-
to, com a nova redação dada ao art. 28 CPP, o arquivamento não se sujeita à decisão
judicial, sendo ordenado pelo próprio Ministério Público e submetido à homologação
por instância de revisão ministerial. Registre-se, entretanto, que em decisão liminar
prolatada na véspera da entrada em vigor da Lei Anticrime, o Min. Luiz Fux, do STF,
nos autos da ADI 6.305, suspendeu, sine die, a eficácia deste e de outros dispositivos da
Lei 13.964/19, permanecendo a sistemática anterior (remessa ao procurador-geral de
Justiça), portanto, enquanto não houver revogação da liminar ou julgamento de mérito
da ADI.

51 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 719. No mesmo sentido: MAS-
SON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 159-160.
52 Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990 , e nos
demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666, de 21 de junho
de 1993, e os tipificados no Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina
a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente benefi-
ciário da leniência.
Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes
a que se refere o caput deste artigo.
53 Embora o objeto da decisão não fosse a revogação de acordo de imunidade por força de acordo de não persecu-
ção penal, o Min. Rogério Schietti Cruz, no HC nº 422.122/SP, deixa transparecer a possibilidade de revogação do
benefício e oferecimento da denúncia em caso envolvendo o empresário Joesley Mendonça Batista, ao referir em
sua decisão monocrática publicada em 06/11/2017, a uma possível reversão dos benefícios deferidos em sede de cola-
boração premiada perante a PGR - em especial a ampla imunidade concedida. Cumpre ressaltar que a Procuradoria-
-Geral da República, em expediente administrativo próprio, rescindiu a colaboração premiada entabulada com os
irmãos Joesley Batista e Wesley Batista, no qual lhes havia sido concedido o benefício do acordo de imunidade
previsto no § 4.º do art. 4.º da Lei 12.850/13. Todavia, submeteu essa decisão de rescisão à homologação do Minis-
tro Edson Fachin, do STF, o qual homologara a colaboração premiada. Esse pedido está tramitando, com recente
apresentação de alegações finais pelas partes, e previsão de julgamento para 17/06/2020, conforme informações
colhidas em consulta a PET 7003, no sítio do STF na internet.

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e) redução até metade da pena, quando a colaboração for posterior à sen-


tença (§ 5.º do art. 4.º): se a colaboração for posterior à sentença, pode-se reduzir
até metade da pena. O critério para o quantum da redução deve estar relacionado à
consecução de um ou mais dos resultados previstos no acordo.

f) progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos, quando a


colaboração for posterior à sentença (§ 5.º do art. 4.º): além da diminuição da pena,
admite-se na colaboração posterior à sentença a progressão de regime de cumprimen-
to da pena ainda que não estejam presentes os requisitos legais. Ou seja, o incentivo
dado pela Lei para uma colaboração depois da sentença é justamente a progressão de
regime sem que se tenha de cumprir os requisitos objetivos (prazos) previstos no art.
112 da LEP ou em legislação especial (art. 2.º, § 2.º, da Lei 8.072, por exemplo). Ha-
vendo a expressa previsão legal, não há que se falar em violação da Súmula 491 do STJ54.

3) Requisitos da colaboração. Resultados esperados (art. 4.º, incisos I a V)


e circunstâncias objetivas e subjetivas (art. 4.º, § 1.º).
Com a colaboração premiada, devem advir um ou mais dos resultados previstos
nos incisos I a V do art. 4.º, a saber:

a) identificação dos demais coautores e partícipes da organização cri-


minosa e das infrações penais por eles praticadas: a colaboração deve referir-se às
infrações penais praticas no âmbito da organização criminosa, que tenham a ver com o
objeto da investigação ou processo, ou lhes seja conexo. O colaborador deve identificar
os demais coautores ou participes que com ele praticaram os crimes. Caso mencione
crimes que não praticou, identificando seus autores, não será colaborador, mas teste-
munha.
b) revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organi-
zação criminosa: é pressuposto para a configuração do próprio crime de organização
criminosa a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas, nos termos do § 1.º do art. 1.º
da Lei 12.850/13. Portanto, natural que um dos resultados da colaboração seja justa-
mente aproveitar o conhecimento que o colaborador possui sobre o funcionamento da
organização que está a delatar.
c) prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organi-
zação criminosa: o desmantelamento da organização criminosa, com eventuais pri-
sões e processamento de seus integrantes, tem potencial para evitar a continuidade das
atividades ilícitas, contribuindo para a prevenção das infrações penais. Esse é um dos
resultados pretendidos com a colaboração premiada, embora nem sempre seja de fácil
verificação.
d) recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações
penais praticadas pela organização criminosa: a descapitalização das organizações
criminosas, com a perda e o confisco do produto ou proveito das infrações penais é de
fundamental importância, servindo de desestímulo à prática de delitos. Nesse sentido, a

54 Súmula 491 STJ: “É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional”.

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Lei Anticrime deu um importante passo ao prever, no novo art. 91-A do CP, o denomi-
nado confisco alargado, quando, dentro de critérios estabelecidos, pode ser decretada
a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença
entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com seu pa-
trimônio lícito55.
e) localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada:
se na atuação de organização criminosa houver a restrição da liberdade de vítimas, será
importante que a colaboração celebrada apresente informações que permitam a locali-
zação da vítima com sua integridade física preservada.
f) Circunstâncias objetivas e subjetivas ao colaborador e ao fato crimino-
so. Além desses resultados, outro requisito que deve ser levado em conta para a con-
cessão do benefício, é a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a
gravidade e a repercussão social do fato criminoso, bem como a eficácia da colaboração
(§ 1.º do art. 4.º).

4) Procedimento da colaboração premiada.


Como visto anteriormente, a Lei Anticrime, com os novos arts. 3.º-A a 3.º-C,
disciplina as formalidades prévias à elaboração do acordo de colaboração premiada: a)
apresentação da proposta pelo interessado; b) recebimento; c) indeferimento sumá-
rio; d) assinatura do Termo de Confidencialidade; e) instrução prévia do procedimento
administrativo para celebração do acordo de colaboração premiada; f) formalização
do termo de acordo; e g) frustração do acordo de colaboração premiada e as provas
apresentadas.
Essas formalidades prévias somam-se, portanto, às regras procedimentais já exis-
tentes, relacionadas à formalização do termo de colaboração premiada e seu encami-
nhamento ao juízo para fins de homologação. Conforme Cezar Roberto Bitencourt
e Paulo César Busato, a criação de um procedimento para a aplicação da colaboração
premiada foi o maior ganho da Lei 12.850/1356. De fato, o regramento trouxe maior
segurança jurídica tanto para os órgãos encarregados da persecução penal como para
os próprios colaboradores.
Após a formalização do termo de acordo de colaboração premiada, até a homo-
logação e a produção de seus efeitos, são vários passos.

Primeiro. Celebração do acordo de colaboração premiada. O acordo é cele-


brado entre o Ministério Público ou delegado de polícia e o colaborador e seu defensor
(art. 4.º, § 6.º), sem a participação do juiz. Nada impede que o Ministério Público e o
delegado de polícia atuem juntos, ambos firmando o termo do acordo.
O Termo de Acordo de Colaboração Premiada deve ser por escrito e conter (art.
6.º, incisos I a V): a) o relato da colaboração e seus possíveis resultados; b) as condições

55 Evidente que por ser norma penal mais gravosa no que tange aos efeitos da condenação, não retroage, nos termos
do art. 5.º, XL, da CF. Sobre confisco alargado e o novo art. 91-A do CP, remete-se o leitor a capítulo específico
da presente obra.
56 BITENCOURT, Cezar Roberto, e BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Ob. Cit., p. 130.

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da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; c) a declaração de aceita-


ção do colaborador e de seu defensor; d) as assinaturas do representante do Ministério
Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; e e) a especifica-
ção das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.
Importa ressaltar a modificação do § 13.º do art. 4.º, produzida pela Lei Anti-
crime, segundo a qual o registro dos atos de colaboração – e também das tratativas
– deve ser por meio de gravação, conforme tecnologia disponível, de modo a obter
maior fidelidade das informações, garantindo-se a disponibilização de cópia do material
ao colaborador.
De acordo com a redação alterada do § 7.º, são nulas as cláusulas que violem o
critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do CP, bem
como as regras de cada um dos regimes previstos no CP e na LEP, assim como a deter-
minação os requisitos para a progressão de regime não abrangidos pelo § 5.º do art. 4.º.
Outra modificação da Lei Anticrime está na inserção do § 7.º-B, segundo o qual
são nulas de pleno direito as previsões, em acordo de colaboração premiada, de renún-
cia ao direito de impugnar a decisão homologatória.
Em todos os atos, o colaborador deve estar assistido por defensor (§ 15).

Segundo. Remessa do expediente do acordo de colaboração premiada ao


juízo, para fins de homologação. Celebrado o acordo, deve ser remetido a juízo para
análise e homologação, em expediente contendo o respectivo termo de acordo de co-
laboração premiada, as declarações do colaborador e cópia da investigação, conforme
determina a primeira parte do § 7.º do art. 4.º, na redação dada pela Lei Anticrime.

Terceiro. Distribuição dos autos com pedido de homologação de acordo de


colaboração premiada.
O pedido de homologação do acordo de colaboração premiada será sigilosamen-
te distribuído, sem constar dados que possam identificar o colaborador e o seu objeto
(art. 7.º, caput), com autuação própria e autônoma, não vinculada a algum processo em
tramitação, ainda que trate de fatos a ele relacionados.
As informações pormenorizadas da colaboração devem ser dirigidas diretamente
ao juiz a quem recair a distribuição, que decidirá em 48 horas (§ 1.º do art. 7.º). Nessa
fase, o acesso aos autos deve ser restrito somente ao juiz, Ministério Público e delegado
de polícia, a fim de garantir o êxito das investigações. Entretanto, mediante autorização
judicial, é assegurado ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos ele-
mentos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, ressalvados os
referentes às diligências em andamento (§ 2.º do art. 7.º), conforme Súmula Vinculante
14 do STF.
Salienta-se que o § 3.º do art. 7.º foi modificado pela Lei Anticrime. Agora, não
só o acordo de colaboração premiada será mantido em sigilo até o recebimento da
denúncia, mas também os depoimentos do colaborador. E, em qualquer desses casos, é
vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.

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Quarto. Análise da colaboração e deliberação judicial. Recusa à homologação,


homologação do acordo e devolução para adequação.
De acordo com a nova redação dada ao § 7.º do art. 4.º pela Lei 13.964/19, uma
vez distribuídos os autos, serão remetidos ao juiz, para análise e deliberação acerca da
homologação. Para tanto, deve o magistrado ouvir sigilosamente o colaborador, acompa-
nhado de seu defensor, levando os seguintes aspectos em conta para fins de homologação:

a) regularidade e legalidade; b) adequação dos benefícios pactuados com os previs-


tos no caput e nos §§ 4.º e 5.º. Em todo caso, deve considerar nulas as cláusulas que
violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do
CP, as regras de cada um dos regimes previstos no CP e na LEP e os requisitos de pro-
gressão de regime não abrangidos pelo § 5.º do art. 4.º; c) adequação dos resultados da
colaboração aos resultados exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 4.º; e d)
voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colabo-
rador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares57.
Ao determinar que o juiz ouça o colaborador, sigilosamente, acompanhado de
seu defensor, silencia a lei quanto à presença do Ministério Público. Pode-se concluir,
então, que o Ministério Público não deve se fazer presente na realização desse ato ju-
risdicional de oitiva do colaborador. Se assim for, há flagrante inconstitucionalidade. É
que o art. 127 da CF prevê que o Ministério Público é instituição permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Sendo essencial à função
jurisdicional do Estado, não se pode admitir que um ato jurisdicional solene, ainda que
com natureza de jurisdição voluntária58, se realize com vedação a sua presença. Isso
não significa dizer que o órgão do Ministério Público que celebrou a colaboração deva
participar dessa audiência, pois daria margens à cogitação de uma eventual interferência
quanto à voluntariedade do colaborador, mas perfeitamente possível a designação de
outro de seus membros para acompanhar tal ato.
Da análise realizada, o juiz recusa o acordo, homologa-o ou o devolve para
adequação.

Recusa à homologação. Não atendidos aos aspectos previstos nos incisos antes
referidos, o juiz recusará a homologação de proposta de acordo de colaboração pre-
miada, nos termos do § 8.º do art. 4.º.
Restará às partes a reformulação do pactuado, a fim de preencher os requisitos, se
possível, ou, caso discorde o Ministério Público da não homologação, manejar recurso.
Poderia o legislador ter avançado e previsto, com Lei 13.964/19, recurso cabível
contra a decisão que não homologa colaboração premiada. Antes da Lei Anticrime, não

57 Conforme decidiu o STF, “salvo ilegalidade superveniente apta a justificar nulidade ou anulação do negócio jurídico,
acordo homologado como regular, voluntário e legal, em regra, deve ser observado mediante o cumprimento dos
deveres assumidos pelo colaborador, sendo, nos termos do art. 966, § 4º, do Código de Processo Civil, possível
ao Plenário analisar sua legalidade. (Pet 7074 QO, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
29/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-085 DIVULG 02-05-2018 PUBLIC 03-05-2018).
58 Nesse sentido: MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 171.

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havendo previsão expressa, divergia a doutrina quanto ao recurso cabível, se recurso


em sentido estrito ou apelação. Empregavam-se como fundamento os arts. 581, inciso
I, do CPP, por analogia, ou o 593, inciso II do CPP, respectivamente, dissenso este dado
como suficiente a autorizar a aplicação do princípio da fungibilidade59.
Penso que a situação se altera com a Lei Anticrime, ainda que continue não ha-
vendo previsão expressa de recurso da não homologação do acordo de colaboração
premiada. É que a Lei 13.964/19 introduz o inciso XXV no art. 581, estabelecendo
este como o recurso em sentido estrito como o recurso cabível da decisão que recusar
homologação à proposta de acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP.
Ora, o acordo de não persecução penal faz parte de um processo de adoção do direito
premial no ordenamento jurídico brasileiro tanto quanto a colaboração premiada. Pre-
visto recurso em sentido estrito para as decisões que não homologam acordo de não
persecução penal, por analogia, também é de se admitir esse recurso para a decisão que
não homologar a colaboração premiada.
Ainda que o juiz venha a considerar alguma cláusula do acordo nula, pode não
ser o caso de devolver às partes para adequação. É o que ocorre com o novo § 7.º-B,
segundo o qual são nulas de pleno direito as previsões de renúncia ao direito de impugnar a
decisão homologatória. Basta anular a cláusula, não decorrendo nenhuma necessidade de
adaptação. Se houver essa necessidade, como ocorre, por exemplo, quando a nulidade
de uma cláusula está baseada no inciso II do § 7.º do art. 4.º, o juiz devolverá os autos.

Homologação do acordo.
Uma vez homologado o acordo, o colaborador poderá ser ouvido pelo Ministé-
rio Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações (§ 9.º do art.
4.º), em depoimentos que devem ser gravados e disponibilizados ao colaborador (§ 13
do art. 4.º).
Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu
defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso de dizer a verdade (§
14 do art. 4.º). Embora o legislador não tenha sido feliz na redação do dispositivo, este
não viola a garantia constitucional ao silêncio (art. 5.º, LXII, da CF). Assim, a melhor
interpretação a ser feita é no sentido de que voluntariamente o colaborador faz a opção
por não silenciar, ou seja, opta por não exercer o direito ao silêncio e, como desdo-
bramento natural da colaboração premiada homologada, assume um compromisso de
dizer a verdade60.
Em todos esses atos, o colaborador deve estar assistido por defensor (§ 15 do
art. 4.º).

Devolução para adequação.


A novidade introduzida no dispositivo pela Lei Anticrime é a de que, recusando
a homologação, o juiz devolverá a proposta às partes para as adequações necessárias. Na
redação anterior, o juiz poderia adequar a proposta ao caso concreto, circunstância

59 Conforme MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 190.
60 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 197-198.

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que ensejava questionamentos acerca de eventual violação do princípio acusatório con-


sagrado na Constituição Federal. Portanto, adequada a alteração promovida pela Lei
Anticrime.
Todavia, ao receber os autos em devolução, se o Ministério Público mantiver sua
posição quanto à adequação da proposta de colaboração premiada, dois caminhos são
possíveis: ou o juiz recusa a homologação, desafiando, por analogia, o recurso em senti-
do estrito como antes referido, ou, aplica, também em analogia, o disposto no novo art.
28 CPP, encaminhando os autos à instância de revisão ministerial. Registre-se, entretan-
to, que em decisão liminar prolatada na véspera da entrada em vigor da Lei Anticrime,
o Min. Luiz Fux, do STF, nos autos da ADI 6.305, suspendeu, sine die, a eficácia deste e
de outros dispositivos da Lei 13.964/19, permanecendo a sistemática anterior (remessa
ao Procurador-Geral de Justiça), portanto, enquanto não houver revogação da liminar
ou julgamento de mérito da ADI.

Quinto. Hipóteses de retratação da proposta ou rescisão do acordo.

Retratação da proposta. O § 10 do art. 4.º permite que as partes possam se


retratar da proposta de acordo de colaboração premiada. Assim, tanto o Ministério
Público quanto o colaborador podem se arrepender e buscar a retratação.
Em tal hipótese, as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não
poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor (§ 10 do art. 4.º), podendo, no
entanto, ser empregadas contra terceiros.
Há debate acerca do momento da retratação do acordo de colaboração pre-
miada. Só pode ocorrer antes da homologação ou também é possível depois dessa
deliberação judicial?
Para resolver essa questão há quatro posições: 1.ª) só pode haver retratação
até o momento da assinatura do acordo de colaboração premiada pelas partes; 2.ª) a
retratação deve ocorrer depois da homologação e antes da sentença; 3.ª) a retratação
pode se dar desde a celebração do acordo até a da sentença; e 4.ª) a retratação só pode
ocorrer antes da homologação61.
Em que pese o dissenso, nos parece clara a redação do dispositivo: “As partes
podem se retratar da proposta”. Ora, proposta existe desde o momento em que apre-
sentada ao Ministério Público ou delegado de polícia (conforme arts. 3.º-B, e 3.º-C) até
o momento em que é homologada pelo juiz. Reza o § 8.º do art. 4.º que “o juiz poderá
recusar a homologação da proposta”. Uma vez homologado o termo de acordo de co-
laboração premiada, não há mais proposta, mas, sim, acordo de colaboração premiada.
Por isso o § 9.º refere que “depois de homologado o acordo (...)”. Portanto, em nossa
opinião, a retratação da proposta só é possível de ocorrer antes da homologação da
colaboração62.

61 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 171.


62 No mesmo sentido: LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 734; e
CUNHA, Rogério Sanches, e PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado. Comentários à nova lei sobre o Crime
Organizado. Ob. Cit., p. 71.

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Rescisão do acordo homologado. A Lei Anticrime inseriu dois parágrafos no art.


4.º da Lei 12.850/13, para tratar especificamente da rescisão do acordo de colaboração
premiada.
Assim, nos termos do § 17, o acordo homologado poderá ser rescindido em caso de
omissão dolosa sobre os fatos objeto da colaboração.
Outro motivo para rescisão está previsto no § 18, segundo o qual o acordo de
colaboração premiada pressupõe que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita
relacionada ao objeto da colaboração, sob pena de rescisão.
Conforme já decidiu o STF em Questão de Ordem no Inq 4483, “a possibilida-
de de rescisão ou de revisão, total ou parcial, de acordo homologado de colaboração
premiada, em decorrência de eventual descumprimento de deveres assumidos pelo
colaborador, não propicia, no caso concreto, conhecer e julgar alegação de impresta-
bilidade das provas, porque a rescisão ou revisão tem efeitos somente entre as
partes, não atingindo a esfera jurídica de terceiros, conforme reiteradamente
decidido pelo Supremo Tribunal Federal”63.
Sendo um negócio jurídico, pode haver a rescisão em razão de eventual descum-
primento de suas cláusulas, voltando-se ao status quo ante, permitindo o oferecimento
da denúncia.

Sexto. Conclusão das investigações e/ou sobrestamento. Oferecimento e


recebimento da denúncia. Processo criminal.
Uma vez concluídas as investigações, com a comprovação dos fatos investigados,
o Ministério Público promoverá a ação penal pública a fim de ver responsabilizados
penalmente os autores dos ilícitos apurados, oferecendo a denúncia, salvo se houver
sobrestamento ou acordo de imunidade.
O Ministério Público não está obrigado a sempre denunciar o colaborador. Se
houver acordo de imunidade no bojo da colaboração premiada, como permite o § 4.º
do art. 4.º, poderá deixar de fazê-lo.

Sobrestamento do prazo para oferecimento da denúncia ou suspensão do


processo, com a consequente suspensão da prescrição (§ 3.º do art. 4.º). Será pos-
sível a suspensão do prazo para o oferecimento da denúncia ou do próprio processo,
relativamente ao colaborador, por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período,
até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, com suspensão do respectivo
prazo prescricional.
Em investigações complexas como costumam ser aquelas que apuram as ativi-
dades de organizações criminosas e a lavagem de dinheiro, nem sempre será possível
verificar de pronto os resultados almejados e relativos à identificação dos demais coau-
tores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
à revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; a

63 Inq 4483 QO, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNI-
CO DJe-116 DIVULG 12-06-2018 PUBLIC 13-06-2018.

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prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; a


recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas
pela organização criminosa; ou a localização de eventual vítima com sua integridade
física preservada.
Em tais hipóteses, o Ministério Público poderá se valer do sobrestamento do pra-
zo para a denúncia, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração. Não se trata
de um benefício para a colaboração, mas sim uma medida de apoio, voltada para a
consecução dos fins da colaboração64.
A suspensão do prazo para oferecimento da denúncia ou do curso do processo,
relativos ao colaborador, não é decorrência automática da colaboração. O Ministério
Público deve postular ao juízo a suspensão pelo prazo legal. Deferido o pedido, o feito
estará sobrestado, com o curso da prescrição suspenso, contando dessa data o prazo
de seis meses.
Na hipótese de o juiz discordar do pedido de sobrestamento, entendiam Cleber
Masson e Vinícius Marçal, antes da Lei Anticrime, ser o caso de aplicação, por analogia,
do art. 28 CPP, que determinava a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça,
a quem competia manter o posicionamento do promotor natural, pelo sobrestamento,
ou, se discordasse, designar outro membro do Ministério Público para o oferecimento
da denúncia65. Embora a Lei Anticrime tenha alterado o art. 28 do CPP, ainda assim, em
caso de discordância do juiz quanto ao sobrestamento do feito, é possível a aplicação
por analogia do novo art. 28 CPP, com remessa dos autos à nova instância de revisão
ministerial. Registre-se, entretanto, que em decisão liminar prolatada na véspera da
entrada em vigor da Lei Anticrime, o Min. Luiz Fux, do STF, nos autos da ADI 6.305,
suspendeu, sine die, a eficácia deste e de outros dispositivos da Lei 13.964/19, perma-
necendo a sistemática anterior (remessa ao Procurador-Geral de Justiça), portanto,
enquanto não houver revogação da liminar ou julgamento de mérito da ADI.
Na hipótese de o juiz não determinar o sobrestamento nem remeter os autos
à instância de revisão ministerial, há quem sustente, como recursos cabíveis, tanto o
recurso em sentido estrito (art. 581, XVI, CPP) quanto a correição parcial, o que por si
só já indica a possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade na interposição de
um recurso por outro, conforme art. 579 CPP66.
A Lei Anticrime poderia ter clareado essa situação, prevendo recurso específico
ou determinado a aplicação do art. 28 CPP, como fez no § 2.º do art. 4.º, agora com
remessa à instância de revisão ministerial, mas lamentavelmente não o fez. Registre-se,
entretanto, que em decisão liminar prolatada na véspera da entrada em vigor da Lei An-
ticrime, o Min. Luiz Fux, do STF, nos autos da ADI 6.305, suspendeu, sine die, a eficácia
deste e de outros dispositivos da Lei 13.964/19, permanecendo a sistemática anterior
(remessa ao Procurador-Geral de Justiça), portanto, enquanto não houver revogação
da liminar ou julgamento de mérito da ADI.

64 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 164.


65 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 166.
66 Idem, p. 167.

76
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

Oferecimento da denúncia. A persecução penal estará instaurada com o rece-


bimento da denúncia. Para tanto, inovou a Lei Anticrime ao prever, no § 16 do art. 4.º,
que o recebimento da denúncia ou queixa-crime não pode estar fundamentado apenas
nas declarações do colaborador. Serão necessárias provas de corroboração.
Ato contínuo ao recebimento, o rito ordinário deve ser empregado, conforme
art. 22 da Lei 12.850/13. Observado o art. 396 do CPP, oferecida a denúncia ou queixa,
o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para
responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Na resposta à acusação, de
acordo com o art. 396-CPP, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que inte-
resse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e
arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.
Na hipótese de o colaborador também ter sido denunciado, deve-se observar
a novidade introduzida pela Lei Anticrime, qual seja, a de que em todas as fases do
processo deve-se garantir ao réu delatado a oportunidade de manifestar-se após o de-
curso do prazo concedido ao réu que o delatou (novo § 10-A do art. 4.º). Assim,
já na resposta à acusação deve-se garantir esse direito. Esse novo dispositivo está em
consonância com a decisão prolatada pelo STF no julgamento do HC 166373/PR, em
02/10/2019, em decorrência de uma das ações penais em curso na Justiça Federal no
âmbito da denominada Operação Lava Jato. No julgamento em Plenário realizado em
02/10/2019, por maioria, vencido o Rel. Min. Edson Fachin, decidiu-se por anular a
decisão do juízo de primeiro grau, determinando-se o retorno dos autos à fase de alegações
finais, a qual deverá seguir a ordem constitucional sucessiva, ou seja, primeiro a acusação,
depois o delator e por fim o delatado67.
Sendo recebida a denúncia, o colaborador torna-se réu. Em consequência,
ao final do processo será interrogado. De acordo com o § 14 do art. 4.º, nos depoi-
mentos que o colaborador prestar, entre os quais está o interrogatório, renunciará
ao direito ao silêncio, sujeitando-se ao compromisso legal de dizer a verdade (§ 14
do art. 4.º). Embora o legislador não tenha sido feliz na redação do dispositivo, não
viola a garantia constitucional ao silêncio (art. 5.º, LXII, da CF). Assim, a melhor
interpretação a ser feita é no sentido de que voluntariamente o colaborador faz a
opção por não silenciar, ou seja, opta por não exercer o direito ao silêncio e, como
desdobramento natural da colaboração premiada homologada, assume um com-
promisso de dizer a verdade68.

67 O acórdão do HC 166373/PR ainda não foi publicado. Do extrato da decisão do julgamento realizado em 02/10/19,
extrai-se que “O Tribunal, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, para anular a decisão do juízo de
primeiro grau, determinando-se o retorno dos autos à fase de alegações finais, a qual deverá seguir a ordem
constitucional sucessiva, ou seja, primeiro a acusação, depois o delator e por fim o delatado, nos termos do voto
do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Roberto
Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Marco Aurélio. Prosseguindo no julgamento e após proposta feita pelo Ministro
Dias Toffoli (Presidente), o Tribunal, por maioria, decidiu pela formulação de tese em relação ao tema discutido e
votado neste habeas corpus, já julgado, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco
Aurélio. Em seguida, o julgamento foi suspenso para fixação da tese em assentada posterior. Plenário, 02.10.2019.”
68 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 197-198.

77
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

Entretanto, caso tenha firmado acordo de imunidade no bojo da colaboração pre-


miada, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa
da autoridade judicial (§ 12 do art. 4.º). Como não é réu, pois não denunciado, se o
Ministério Público quiser ouvi-lo em juízo terá de arrolá-lo na denúncia. Se isso ocorrer,
prestará depoimento na qualidade de testemunha69.
Sétimo. Sentença.
A sentença deve apreciar os termos do acordo homologado e sua eficácia (§ 11
do art. 4.º). O momento de reconhecimento da eficácia da colaboração premiada se
dá na sentença, como resultado do julgamento do processo criminal70, quando o juiz
julgará os fatos que deram origem à persecução penal, de acordo com os arts. 386 e
387 do CPP, aplicando, em consequência, os benefícios pactuados.
De acordo com o novo § 7.º-A, primeira parte, quando o juiz ou o tribunal
julgar o processo, deverá proceder à análise fundamentada do mérito da denúncia, do
perdão judicial e das primeiras etapas da aplicação da pena, nos termos do CP e do CPP,
antes de conceder os benefícios pactuados.
Obviamente que essa etapa será dispensada, conforme dispõe o novo § 7.º-A,
parte final, quando não se chegar a oferecer denúncia (§ 4.º do art. 4.º), ou já tiver
sido prolatada a sentença quando da homologação do acordo de colaboração (§ 5.º do
art. 4.º).
Elementos de corroboração. Vale lembrar que nenhuma sentença condena-
tória poderá ser prolatada com fundamento apenas nas declarações do colaborador,
conforme § 16. A colaboração, como técnica especial de investigação, não é prova, mas
um meio de obtenção de provas. Portanto, as declarações do colaborador necessitam
de elementos de corroboração. Estes podem ser fornecidos pelo próprio colaborador,
como contratos, extratos bancários, comprovante de pagamentos, documentos em ge-
ral, mensagens trocadas, agendas de encontro, viagens dentro e fora do país, reservas
em hotéis, passagens aéreas, etc., ou encontrados pelos investigadores a partir das
declarações do colaborador, como busca e apreensão, quebras de sigilo telefônico e
telemática, sigilo bancário e fiscal, etc.
Como leciona Vladimir Aras, “imprescindível será a colaboração do agente para
a indicação de provas independentes, que confirmem suas declarações, a exemplo de
endereços onde se encontrem as coisas sujeitas a busca e apreensão; bens que possam
vir a ser tornados indisponíveis, linhas telefônicas e emails suscetíveis de interceptação.

69 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 199. Parece ter sido nessa condição que
colaboradores prestaram depoimento no âmbito da AP 1015/DF, que tramita no STF, sob relatoria do Min. Edson
Fachin, conforme decisão em 18/09/2017, disponível no sítio do STF na internet, em consulta na movimentação
processual.
70 Conforme decidiu o STF, o “juízo sobre os termos do acordo de colaboração, seu cumprimento e sua eficácia,
conforme preceitua o art. 4º, § 11, da Lei n. 12.850/2013, dá-se por ocasião da prolação da sentença (e no Su-
premo Tribunal Federal, em decisão colegiada), não se impondo na fase homologatória tal exame previsto pela
lei como controle jurisdicional diferido, sob pena de malferir a norma prevista no § 6º do art. 4º da referida Lei
n. 12.850/2013, que veda a participação do juiz nas negociações, conferindo, assim, concretude ao princípio acu-
satório que rege o processo penal no Estado Democrático de Direito”. (Pet 7074 QO, Relator(a):  Min. EDSON
FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-085 DIVULG 02-05-2018 PU-
BLIC 03-05-2018).

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

Cabe-lhe também mencionar outras pessoas que possam prestar depoimentos desin-
teressados dobre os fatos”71.
Aliás, o STF tem decidido que se deve “excluir do conceito de elemento externo
de corroboração documentos elaborados unilateralmente pelo próprio colaborador”,
pois a “colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, tem aptidão para au-
torizar a deflagração da investigação preliminar, visando à aquisição de coisas materiais,
traços ou declarações dotados de força probatória. Essa, em verdade, constitui sua ver-
dadeira vocação probatória. Todavia, os depoimentos do colaborador premiado, sem
outras provas idôneas de corroboração, não se revestem de densidade suficiente para
lastrear um juízo condenatório”.72

5. Modificações relacionadas ao aos direitos do colaborador


No âmbito da criminalidade organizada, especialmente a que se vale de violên-
cia em suas ações delituosas ou emprega a força para manter a ordem e disciplina da
própria organização, a ação de alguém que passa a contribuir com as autoridades en-
carregadas da persecução penal sempre é mal vista, considerada uma traição, sujeita à
vingança. Por isso, o fato de a legislação estabelecer um conjunto de direitos serve para
minorar eventuais riscos ao colaborador.
A necessidade de se garantir os direitos do colaborador deve ser analisada no
caso concreto, de acordo com suas peculiaridades. Estão previstos no art. 5.º, incisos I
a VI, da Lei 12.850/13. São eles:

a) usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica:


aplica-se ao colaborador a legislação que trata da proteção a vítimas e testemunhas
ameaçadas, bem como a acusados ou condenados que tenham colaborado com a inves-
tigação policial e o processo criminal (Lei 9.807/99).
b) ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais pre-
servados: em que pese posições em sentido contrário, no sentido de que esses da-
dos pessoais são preservados até o recebimento da denúncia, quando deve ser le-
vantado o sigilo, comungo da posição sustentada por Renato Brasileiro de Lima, no
sentido de que há de se preservar o anonimato do colaborador, de modo a garantir
o direito aqui previsto e resguardar a própria colaboração. Assim, na necessidade
de se ouvir o colaborador, por exemplo, e desde que se imponha a preservação
de seus dados, deve ser ouvido como testemunha anônima. Como refere citado
autor, não faria sentido guardar o sigilo da operação durante o curso de sua execução
para, após sua conclusão, revelar aos acusados a verdadeira identidade civil e física do
colaborador73.

71 ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Ale-
gre, Ed, Verbo Jurídico, 2.ª edição, 2013, p. 534.
72 AP 1003, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado
em 19/06/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-262 DIVULG 05-12-2018 PUBLIC 06-12-2018.
73 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 726-727.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

c) ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e par-


tícipes: tem por objetivo resguardar a integridade física e psíquica do colaborador,
evitando que mantenha contado com seus ex-companheiros de crime, a fim de que seja
preservada a própria colaboração premiada.
d) participar das audiências sem contato visual com os outros acusados:
essa providência busca evitar que o colaborador possa vir a sofrer constrangimentos e
intimidações durante as audiências.
e) não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser
fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito: esse direito tem
por objetivo preservar a integridade física e a própria vida do colaborador. Sua violação
pode caracterizar o crime previsto no art. 18 da Lei do Crime Organizado.
f) cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal diverso dos
demais corréus ou condenados. Essa medida igualmente busca a proteção da vida
e da integridade física do colaborador, que estaria correndo sérios riscos se tivesse de
cumprir pena no mesmo estabelecimento prisional de integrantes da organização crimi-
nosa que delatou. A Lei Anticrime alterou o inciso VI do art. 5.º, passando a prever tam-
bém como direito a necessidade de eventual prisão cautelar decretada contra o colabo-
rador ser executada em estabelecimento diverso dos demais corréus ou condenados.

6. Infiltração virtual de agentes policiais na internet


A infiltração de agentes é uma especial técnica de investigação e consiste na in-
filtração de agente de polícia em organização criminosa para, comportando-se como
se membro efetivamente fosse, atuar com a finalidade de colher dados e provas para o
combate ao crime organizado.
A revogada Lei n.º 9.034/95 passou a admitir a infiltração de agentes como meio
de prova somente após a alteração produzida pela Lei n.º 10.271/01, e permitia tanto a
infiltração por agentes de polícia como agentes de inteligência, como são, por exemplo,
os agentes da ABIN. No entanto, de acordo com a Lei 12.85013, só cabe a infiltração
por agentes de polícia e que estejam em tarefas de investigação74. A regulamentação da
infiltração de agentes está nos arts. 10 a 14 dessa lei75.

74 Também há previsão de infiltração de agentes de polícia na Lei de Drogas (art. 53, I). Da mesma forma, na Con-
venção da ONU contra a criminalidade organizada transnacional (art. 20.1, Decreto 5.015/04).
75 Devendo-se seguir o seguinte procedimento: representação de Delegado de Polícia, ouvido o Ministério Público,
ou a requerimento deste (neste caso, se solicitada no curso do IP, haverá manifestação técnica do Delegado de
Polícia), no curso de inquérito policial ou processo judicial, precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa auto-
rização judicial (art. 10). Distribuição sigilosa do pedido (art. 12), que será analisado em 24h, devendo-se adotar
as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado (art. 12, § 1.º). Prazo de
até seis meses, renováveis se comprovada a necessidade (art. 10, § 3.º). Ao fim de cada período, relatório cir-
cunstanciado (art. 10, § 4.º). Relatório da atividade também é possível a qualquer tempo (art. 10, § 5.º). Os autos
da atuação do agente infiltrado acompanharão a denúncia, quando serão disponibilizados à defesa, mantendo o
sigilo da identidade do agente (art. 12, § 2.º). A operação pode ser sustada por requisição do Ministério Público ou
pelo Delegado de Polícia, com ciência imediata àquele ou à autoridade judicial, caso haja indícios seguros de que o
agente infiltrado sofre risco iminente (art. 12, § 3.º). Segundo a lei de regência, necessários os seguintes requisitos
para a infiltração de agentes: indícios de organização criminosa e impossibilidade de a prova ser produzida por
outros meios (art. 10, § 2.º). Demonstração da necessidade da medida, alcance das tarefas dos agentes infiltrados
e, se possível, o nome ou apelido das pessoas investigadas e o local da infiltração (art. 11).

80
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

Com a Lei Anticrime, incorpora-se a Lei 12.850/13 uma variação dessa especial
técnica de investigação, a fim de acompanhar a evolução tecnológica representada pela
internet e os vastos campos que propicia para a atuação do crime organizado em deli-
tos de pedofilia e pornografia infantil; tráfico de drogas, armas e munições, tráfico de
órgãos ou de seres humanos; terrorismo e lavagem de dinheiro76. Enfim, inúmeros são
os crimes que podem ser praticados através da internet, tanto em redes abertas como
fechadas. São os crimes cibernéticos.
Para fazer frente a essa nova realidade é fundamental que se disponibilizem aos
investigadores meios de obtenção de prova adequados, que lhes permitam inserção
no mundo virtual, normalmente impessoal, com facilidades para o anonimato, espe-
cialmente em redes fechadas, que se encontram nas chamadas Deep Web77 ou Dark
Web78. Além disso, e obviamente, essa sofisticação tecnológica já dominada pelo crime
organizado, que canaliza grandes esforços humanos e financeiros na exploração do sub-
mundo virtual, também precisa ser compreendida pelas instituições encarregadas da
persecução penal, que necessitam, cada vez mais, capacitar seus agentes e prepará-los
para os novos tempos e as novas formas de criminalidade.
Como refere Jaqueline Ana Buffon, “ao acessar redes fechadas, é necessário um
convite e/ou a conquista da confiança por parte dos usuários daquele ambiente virtual.
Assim, resta demonstrada a importância do agente infiltrado on-line, o qual deverá es-
tar atento à observância de todos os limites que a lei impõe, para se obter uma prova
válida”79.
Redes abertas na internet também são facilmente utilizadas para a difusão da
pornografia infantil, para a prática de crimes de estelionato, de invasão de dispositivos
informativos, integrar organização criminosa e outros tantos delitos que podem ter suas
execuções determinadas com o uso da rede mundial de computadores.
A utilização de smartfhones, celular inteligente com recursos de computadores
pessoais, está disseminada na sociedade. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas/
SP, em abril de 2019 o Brasil tinha 230 milhões de smartfhones habilitados e em uso80,
o que significa mais de um aparelho por habitante. Há no mercado diversos aplicativos
de mensagens e chamadas de voz para smartfhones que enviam mensagens de texto
imagens, vídeos e documentos em vários formatos. Alguns permitem até fazer ligações
gratuitas, de voz ou vídeo, tudo por meio de uma conexão com a internet. O WhatsApp
provavelmente seja, na atualidade, o mais popular. Mas há outros como Instagram, Fa-
cebook Messenger, Telegram, Hangouts, ICQ, KakaoTalk Messenger, Kik Messenger, Line,
Skype e Viber, que permitem, senão todas, algumas daquelas funcionalidades.

76 ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. Lavagem de Dinheiro: prevenção e controle penal. Ob. Cit., p. 542.
77 É uma parte da rede de internet que não está indexada pelas ferramentas de busca, segundo divisão de conteúdos
da rede mundial de computadores.
78 É uma rede obscura, que abrange servidores de rede inalcançáveis na Internet, pois requererem softwares, confi-
gurações ou autorizações específicas para o acesso.
79 BUFFON, Jaqueline Ana. Artigo: Agente infiltrado virtual, divulgado na coletânea de artigos Crimes Cinernéticos, pelo
Ministério Público Federal, 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, volume 3, em 2018, encontrado no link: http://
www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/coletaneas-de-artigos/coletanea_de_artigos_crimes_ciber-
neticos, p. 83.
80 Conforme divulgado na imprensa: https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/04/brasil-tem-230-
-milhoes-de-smartphones-em-uso.html.

81
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
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Essa tecnologia, portanto, também está à disposição dos criminosos. Não raro
a execução de homicídios é ordenada a partir da utilização desses aplicativos do inte-
rior de estabelecimentos prisionais81. Há notícias da utilização das redes sociais para
formação de grupos integrados por pessoas que compram e vendem produtos ilícitos
de qualquer natureza. Várias fraudes são identificadas no e-commerce ou no sistema
bancário, pelo internet banking. Enfim, a imaginação humana é farta também para as
atividades ilícitas, desafiando maior inteligência do sistema repressivo, com emprego de
técnicas de investigação adequadas, sob pena de submergir.
Portanto, o tratamento legal da infiltração virtual de agentes de polícia na inter-
net, pela Lei 13.964/19, é merecedor de elogios.
Cumpre ressaltar que a Lei Anticrime não chega a inovar em nosso ordenamen-
to, pois possível a infiltração de agentes de polícia na internet desde 2017, com o ad-
vento da Lei 13.441, que introduziu no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
(Lei 8.069/90), os artigos 190-A a 190-E. O objetivo estava atrelado à apuração de
crimes contra a dignidade sexual que vitimam crianças e adolescentes, principalmente
a pedofilia, a exposição de crianças e adolescentes à pornografia, divulgação de fotos e
vídeos com cenas sexuais, criminalidade em muito potencializada com o fenômeno da
internet, justificando plenamente a utilização da infiltração de agente de polícia virtual
com a intenção de prevenir e reprimir tal criminalidade.
Mas mesmo antes da previsão dessa figura no ECA, sustentava-se a possibilidade
jurídica da infiltração virtual, com aplicação dos dispositivos que já tratam da infiltração
de agentes nas leis 12.850/13 e 11.343.06, pois o primeiro não deixa de ser uma moda-
lidade ou espécie do segundo.
Entretanto, a nova previsão, inegavelmente, confere maior segurança jurídica aos
operadores do direito, especialmente aos agentes que atuarão na infiltração.
Os novos arts. 10-A a 10-C da Lei 12.850/13, que tratam da infiltração virtual de
agentes policiais na internet, têm origem no PL 10.372/18, apresentado como resultado
de trabalho realizado por uma Comissão de Juristas nomeada pela Câmara dos Depu-
tados, sob a presidência do Ministro do STF Alexandre de Moraes.
De acordo com o art. 10-A, a finalidade da infiltração virtual de agentes de polícia
na internet é a de investigar os crimes previstos na Lei do Crime Organizado e os a eles
conexos, praticados por organização criminosa.
Portanto, o emprego dessa técnica especial de investigação tem por objetivo
a produção de prova a respeito da autoria e materialidade de crimes praticados por
organizações criminosas, valendo-se estas da internet como um dos meios para a con-
secução de seus objetivos espúrios.
Embora a infiltração virtual em comento seja na internet, os novos dispositivos
inseridos na Lei 12.850/13 não definiram o que se compreende por internet, como se
fez, por exemplo, em relação a dados de conexão ou dados cadastrais (§ 1.º do art. 10-A).

81 Assim: https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/09/presos-suspeitos-de-matar-e-traficar-a-mando-
-de-lider-de-faccao-detido-no-central-ck0hvyuck030c01tg1wmkop0u.html.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
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Ainda que a difusão dos meios digitais na vida das pessoas as tenham tornado
praticamente dependentes da internet e, portanto, possuam uma compreensão, ainda
que superficial, do seu significado, é importante a definição legal para delimitar o cam-
po de atuação da infiltração virtual. Apesar da omissão na reforma legislativa operada,
deve-se socorrer da definição existente na Lei 12.965/14, conhecida como “marco civil
da internet”, e que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da
internet no Brasil.
E de acordo com o art. 5.º, inciso I, da Lei 12.965/14, a internet é um sistema
constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso pú-
blico e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais
por meio de diferentes redes82.
Assim como já fizera em relação ao agente infiltrado físico, os novos dispositivos
tratam dos requisitos, prazos, legitimidade e procedimento para a autorização judicial
da infiltração virtual, a seguir analisados.
Legitimados. A atuação de agentes de polícia virtuais pode ser provocada por
representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público, ou a requerimento
deste (§ 2.º do art. 10-A).

Requisitos.

a) prévia autorização judicial.


Para a admissão do agente infiltrado virtual, é necessário o preenchimento dos
requisitos legais. Como expressamente refere o art. 10-A, devem estar presentes os
requisitos do caput do art. 10, que trata do agente infiltrado.
Da leitura desse dispositivo, extrai-se a necessidade de autorização judicial cir-
cunstanciada (deve analisar as particularidades do caso concreto), motivada (toda a de-
cisão judicial deve ser, art. 93, IX, da CF) e sigilosa (para não expor a investigação, o
agente infiltrado e seus familiares)83. Além disso, o juiz deve estabelecer os limites da
atuação infiltrada, pois esta não pode ser uma carta em branco, impondo ao magistrado
delimitar as possibilidades de atuação diante do tipo de crime investigado, as provas
com as quais o agente pode se deparar e eventuais crimes que possa ter de praticar
para adquirir a confiança da organização que passa a integrar, etc.84.

82 Em pesquisa livre no sítio Wikipédia para internet, o resultado indicou que “a Internet é um sistema global de redes
de computadores interligadas que utilizam um conjunto próprio de protocolos (Internet Protocol Suite ou TCP/IP)
com o propósito de servir progressivamente usuários no mundo inteiro. É uma rede de várias outras redes, que
consiste de milhões de empresas privadas, públicas, acadêmicas e de governo, com alcance local e global e que está
ligada por uma ampla variedade de tecnologias de rede eletrônica, sem fio e ópticas. A internet traz uma extensa
gama de recursos de informação e serviços, tais como os documentos inter-relacionados de hipertextos da World
Wide Web (WWW), redes ponto-a-ponto (peer-to-peer) e infraestrutura de apoio a correio eletrônico (e-mails).
As origens da internet remontam a uma pesquisa encomendada pelo governo dos Estados Unidos na década de
1960 para construir uma forma de comunicação robusta e sem falhas através de redes de computadores. Embora
este trabalho, juntamente com projetos no Reino Unido e na França, tenha levado a criação de redes precursoras
importantes, ele não criou a internet. Não há consenso sobre a data exata em que a internet moderna surgiu, mas
foi em algum momento em meados da década de 1980”. Em https://pt.wikipedia.org/wiki/Internet.
83 MASSON, Cleber, e MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado, Ob. Cit., p. 311.
84 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 751-752.

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b) fumus comissi delicti e periculum in mora:


De acordo com o § 3.º do art. 10-A, a infiltração virtual será admitida se houver
indícios de infração penal de que trata o art. 1.º desta Lei, ou seja, diante de indícios da
existência de uma organização criminosa. Esse é o fumus comissi delicti.
Para o juiz autorizar a infiltração virtual, o art. 10-A, caput, indica deva ser de-
monstrada a sua necessidade. Esse é o periculum in mora, ou seja, o risco ou o prejuízo
que a não adoção dessa especial técnica de investigação pode causar à investigação e até
mesmo à aplicação da lei ou à prevenção de crimes, conforme prevê o inciso I do art.
282 do CPP como requisito para as cautelares85.

c) indispensabilidade da infiltração.
A infiltração de agentes é um meio e obtenção de prova com alto grau de risco.
Ainda que na forma virtual, poderá expor o agente infiltrado, caso haja a necessidade,
no decorrer da infiltração, de algum contato físico dele com algum integrante da organi-
zação criminosa investigada. Além disso, é uma técnica invasiva da privacidade das pes-
soas com as quais o infiltrado mantém relações e, com isso, vai adquirindo a confiança.
Por isso só pode ser empregada em último caso, quando as provas não puderem ser
produzidas por outros meios disponíveis (§ 3.º do art. 10-A).

d) Anuência do agente policial.


A Lei Anticrime não previu nenhum direito ao agente infiltrado virtual. Todavia,
como insere essa nova modalidade na seção III da Lei 12.850, com os novos arts. 10-A
e 10-B, obviamente que os dispositivos seguintes da mesma seção (arts. 11 a 14) lhes
são aplicáveis naquilo que não forem incompatíveis.
Assim, o art. 14, que trata dos direitos do agente infiltrado, também é aplicável à
infiltração virtual. Logo, pode o agente policial recusar sua participação em uma infiltra-
ção virtual, diante dos riscos inerentes a essa atividade.
Portanto, sua anuência em atuar é de fundamental importância.

Duração da infiltração.
A infiltração será autorizada quando comprovada sua necessidade, mediante or-
dem judicial fundamentada, pelo prazo de 6 meses, podendo ser renovada por mais de
uma vez, desde que no total não se ultrapassem 720 dias (§ 4.º do art. 10-A). O legisla-
dor foi mais restritivo na infiltração virtual, pois, ainda que permita renovações, fixa um
limite de 720 dias, o que não ocorre em relação à física (§ 3.º do art. 10).

Relatório circunstanciado.
Findo o prazo previsto no § 4.º deste artigo, o relatório circunstanciado, junta-
mente com todos os atos eletrônicos praticados durante a operação, deverão ser regis-
trados, gravados, armazenados e apresentados ao juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (§ 5.º do art. 10-A).

85 Idem, p. 752.

84
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

Ainda durante a execução da infiltração virtual, se necessário for, podem ser


elaborados relatórios parciais da atividade de infiltração, mediante determinação do o
delegado de polícia ou por requisição do Ministério Público ou do juiz competente (§
6.º do art. 10-A).

Procedimento em juízo.
Além da distribuição sigilosa do pedido, todas as informações da operação de
infiltração virtual devem ser encaminhadas diretamente ao juiz responsável pela autori-
zação da medida, que zelará por seu sigilo (art. 10-B).
Para manutenção do sigilo, enquanto não se conclua a operação da infiltração, o
acesso aos autos será reservado ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia
responsável pela operação (parágrafo único do art. 10-B).
E uma vez concluída a investigação, todos os atos eletrônicos praticados durante
a operação deverão ser registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz
e ao Ministério Público, juntamente com relatório circunstanciado (art. 10-D). Esses
os atos eletrônicos devem ser reunidos em autos apartados e apensados ao processo
criminal juntamente com o inquérito policial, assegurando-se a preservação da identi-
dade do agente policial infiltrado e a identidade dos envolvidos (parágrafo único do art.
10-D).

Responsabilidade criminal. Exclusão de crime.


Uma das maiores dificuldades na aceitação da infiltração de agentes é o trata-
mento a ser dado aos crimes que eventualmente tenha o agente de praticar no âmbito
da organização criminosa em que se infiltra.
Como refere Joaquin Delgado Martín, “o perigo de que o agente cometa um de-
lito, ou participe em delito cometido por outrem, é diretamente proporcional ao grau
de infiltração no grupo criminal: quanto maior é a integração na organização, maior é
o risco de ver-se obrigado a realizar atos para ganhar a confiança de seus membros”86.
Isso também ocorre na infiltração virtual.
Sempre houve intenso debate doutrinário acerca da natureza jurídica da posição
do agente infiltrado em relação aos crimes que viesse a praticar87. Na Lei 9.034/95,

86 DELGADO MARTÍN, J. Criminalidad Organizada. Edit. J. M. Bosch, Barcelona, 2001, p. 108.


87 Para DÁMASIO DE JESUS e FÁBIO BECHARA, Discute-se, entretanto, qual seria a natureza jurídica da exclusão
da responsabilidade penal do agente infiltrado. É possível identificar as seguintes soluções: 1.ª) trata-se de uma
causa de exclusão de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa. Isso porque, se o agente infiltrado
tivesse decidido não participar da empreitada criminosa, poderia ter comprometido a finalidade perseguida com
a infiltração, ou seja, não havia alternativa senão a prática do crime; 2.ª) escusa absolutória: o agente infiltrado age
acobertado por uma escusa absolutória, na medida em que, por razões de política criminal, não é razoável nem
lógico admitir a sua responsabilidade penal. A importância da sua atuação está diretamente associada à impunidade
do delito perseguido; 3.ª) trata-se de causa excludente da ilicitude, uma vez que o agente infiltrado atua no estrito
cumprimento do dever legal; 4.ª) atipicidade penal da conduta do agente infiltrado. Essa atipicidade, todavia, pode-
ria decorrer de duas linhas de raciocínio distintas. A atipicidade poderia derivar da ausência de dolo por parte do
agente infiltrado, uma vez que ele não age com a intenção de praticar o crime, mas visando a auxiliar a investigação
e a punição do integrante ou dos integrantes da organização criminosa. Faltaria, assim, imputação subjetiva. De
outro lado, a atipicidade poderia derivar da ausência de imputação objetiva, porque a conduta do agente infiltrado
consistiu numa atividade de risco juridicamente permitida, portanto, sem relevância penal. Em JESUS, Damásio E.

85
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

como se omitiu o legislador, surgiram posições tanto no sentido de considerar uma cau-
sa excludente da ilicitude (estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de
direito) como de exclusão da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa).
Com a Lei 12.850/13, o legislador fez claramente uma opção quando previu, no
art. 13, parágrafo único, uma causa excludente da culpabilidade para os crimes eventual-
mente praticados pelo agente infiltrado, desde que inexigível conduta diversa. Há crime,
portanto, mas não é punível, exceto se houver excesso.
Agora, de modo diverso, a Lei Anticrime estabeleceu, no art. 10-C, que não
comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher
indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos no art. 1.º desta Lei (art. 10-C).
E caso o agente policial deixe de observar a estrita finalidade da investigação, responde-
rá pelos excessos praticados (parágrafo único do art. 10-C). Optou, portanto, por uma
causa excludente do crime.
Vê-se que esse novo dispositivo não se refere aos crimes que o agente de polícia
infiltrado virtual comete durante as atividades de investigação, mas sim ao policial que
oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materia-
lidade dos crimes.
Evidente a falha do legislador, pois se omitiu no tratamento jurídico para hipó-
teses não incomuns na infiltração. E não reconhecer uma causa excludente da culpa-
bilidade ou da ilicitude a crimes que os agentes infiltrados sejam obrigados a praticar
é condenar ao desuso essa especial técnica de investigação, pois nenhum policial se
sujeitará a tamanho ato de heroísmo.
Assim, não resta alternativa senão reconhecer-se a aplicabilidade do art. 13 e seu
parágrafo único também em relação ao art. 10-A. Como antes mencionado, a Lei An-
ticrime inseriu os artigos que tratam da infiltração virtual na seção III da Lei 12.850/13,
logo depois do art. 10. Portanto, podem ser aplicáveis todos os dispositivos subsequen-
tes, dentro da seção, desde que com eles não sejam incompatíveis. Nessa linha de ra-
ciocínio, inegável que são reconhecidos ao agente infiltrado virtual os mesmos direitos
previstos à infiltração física (art. 14).
Dessa forma, pode-se sustentar que se aplicam aos agentes policiais infiltrados na
internet o disposto no art. 13, caput e parágrafo único, que prevê a exclusão da punibilidade
por inexigibilidade de conduta, com responsabilização por eventuais excessos, na medida
em que não é incompatível com o novo art. 10-C. Pelo contrário, são complementares.

Provas produzidas.
É nula a prova obtida sem a observância do disposto no art. 10-A (§ 7.º).

Identidade fictícia.
Indispensável a preservação da identidade real do policial infiltrado, tanto para
garantir a continuidade das investigações, como para preservar o próprio policial e sua
família.

de; BECHARA, Fábio Ramazzini. Agente infiltrado: reflexos penais e processuais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10,
n. 825, 6 out.2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7360>. Acesso em: 19/03/2014.

86
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DO CRIME ORGANIZADO – LEI 12.850/13
LUCIANO VACCARO

Assim, de acordo com o parágrafo único do art. 11, os órgãos de registro e ca-
dastro público poderão incluir nos bancos de dados próprios, mediante procedimento
sigiloso e requisição da autoridade policial, as informações necessárias à efetividade da
identidade fictícia criada, nos casos de infiltração de agentes na internet. Com isso, é
possível a criação de uma identidade fictícia, por exemplo, para permitir a infiltração
sem gerar suspeitas.

Agente infiltrado e agente provocador.


Como leciona Renato Brasileiro de Lima, o agente infiltrado é autorizado judi-
cialmente para infiltrar-se numa organização criminosa “com o objetivo de colher ele-
mentos de prova capazes de proporcionar seu desmantelamento, devendo agir preci-
puamente de maneira passiva, não instigando os demais integrantes do bando à prática
de qualquer ilícito”88.
Diferente é a situação do agente provocador, considerado aquele que “instiga ou
determina a realização do delito, acionando mecanismos determinantes não apenas da
ocorrência do fato delitivo como da possibilidade de detenção do sujeito envolvido”89.
Nesse sentido, a atuação do agente provocador é a verdadeira causa do crime90, como
ocorre no flagrante provocado. Essa provocação não é permitida, pois cria um cenário
de crime impossível por ineficácia absoluta do meio empregado, nos termos da súmula
145 do STF.

88 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ob. Cit., p. 756.
89 BITENCOURT, Cezar Roberto, e BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa. Ob. Cit., p. 166.
90 ARAS, Vladimir. Técnicas Especiais de Investigação. Ob. Cit., p. 543.

87
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO NA LEI QUE DISPÕE SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA – LEI 13.756/18
LUCIANO VACCARO

capítulo 5
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO NA
LEI QUE DISPÕE SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA
PÚBLICA – LEI 13.756/18
LUCIANO VACCARO

REDAÇÃO ANTES DA LEI ANTICRIME NOVA REDAÇÃO APÓS A LEI ANTICRIME


CAPÍTULO II CAPÍTULO II
DO FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA DO FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA
PÚBLICA (FNSP) PÚBLICA (FNSP)
Seção I Seção I
Disposições Gerais Disposições Gerais
(...) (...)
Art. 3º Constituem recursos do FNSP: Art. 3º Constituem recursos do FNSP:
I - as doações e os auxílios de pessoas naturais ou jurí- I - as doações e os auxílios de pessoas naturais ou jurí-
dicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras; dicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras;
II - as receitas decorrentes: II - as receitas decorrentes:
a) da exploração de loterias, nos termos da legis- a) da exploração de loterias, nos termos da legis-
lação; e lação; e
b) das aplicações de recursos orçamentários do b) das aplicações de recursos orçamentários do
FNSP, observada a legislação aplicável; FNSP, observada a legislação aplicável;
c) da decretação do perdimento dos bens móveis e c) da decretação do perdimento dos bens móveis e
imóveis, quando apreendidos ou sequestrados em imóveis, quando apreendidos ou sequestrados em
decorrência das atividades criminosas perpetradas decorrência das atividades criminosas perpetradas
por milicianos, estendida aos sucessores e contra por milicianos, estendida aos sucessores e contra
eles executada, até o limite do valor do patrimônio eles executada, até o limite do valor do patrimônio
transferido;      transferido;     
III - as dotações consignadas na lei orçamentária III - as dotações consignadas na lei orçamentária
anual e nos créditos adicionais; e anual e nos créditos adicionais; e
IV - as demais receitas destinadas ao FNSP. IV - as demais receitas destinadas ao FNSP.
V – os recursos provenientes de convênios,
contratos ou acordos firmados com entidades
públicas ou privadas, nacionais, internacionais
ou estrangeiras;
VI – os recursos confiscados ou provenientes
da alienação dos bens perdidos em favor da
União Federal, nos termos da legislação penal
ou processual penal;

89
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO NA LEI QUE DISPÕE SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA – LEI 13.756/18
LUCIANO VACCARO

Parágrafo único. Excetuam-se do disposto na alínea VII – as fianças quebradas ou perdidas, em


c do inciso II do caput deste artigo os bens rela- conformidade com o disposto na lei processual
cionados com o tráfico de drogas de abuso, ou de penal;
qualquer forma utilizados em atividades ilícitas de VIII – os rendimentos de qualquer natureza,
produção ou comercialização de drogas abusivas, auferidos como remuneração, decorrentes de
ou, ainda, que tenham sido adquiridos com recur- aplicação do patrimônio do FNSP.
sos provenientes do referido tráfico, e perdidos
Parágrafo único. Excetuam-se do disposto na alínea
em favor da União, que constituem recursos des-
c do inciso II do caput deste artigo os bens rela-
tinados ao Funad, nos termos do art. 4º da Lei nº
cionados com o tráfico de drogas de abuso, ou de
7.560, de 19 de dezembro de 1986.    
qualquer forma utilizados em atividades ilícitas de
produção ou comercialização de drogas abusivas,
ou, ainda, que tenham sido adquiridos com recur-
sos provenientes do referido tráfico, e perdidos
em favor da União, que constituem recursos des-
tinados ao Funad, nos termos do art. 4º da Lei nº
7.560, de 19 de dezembro de 1986

A Lei Anticrime alterou o art. 3.º da Lei 13.756/18, que trata do Fundo Nacional
de Segurança Pública, prevendo novas fontes de financiamento.
Vale lembrar que essa alteração não constava do PL 882/19, proposto pelo Po-
der Executivo a partir da iniciativa do Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio
Moro, mas, sim, do PL 10.372/18, como resultado de uma Comissão de Juristas presi-
dida pelo Ministro do Alexandre de Moraes, do STF.
Os recursos canalizados para o Fundo Nacional de Segurança Pública possuem
destinação prevista em lei (art. 5.º), a saber: a) construção, reforma, ampliação e mo-
dernização de unidades policiais, periciais, de corpos de bombeiros militares e de guar-
das municipais; b) aquisição de materiais, de equipamentos e de veículos imprescindí-
veis ao funcionamento da segurança pública; c) tecnologia e sistemas de informações e
de estatísticas de segurança pública; d) inteligência, investigação, perícia e policiamento;
e) programas e projetos de prevenção ao delito e à violência, incluídos os programas de
polícia comunitária e de perícia móvel; f) capacitação de profissionais da segurança pú-
blica e de perícia técnico-científica; g) integração de sistemas, base de dados, pesquisa,
monitoramento e avaliação de programas de segurança pública; h) atividades preven-
tivas destinadas à redução dos índices de criminalidade; i) serviço de recebimento de
denúncias, com garantia de sigilo para o usuário; j) premiação em dinheiro por infor-
mações que auxiliem na elucidação de crimes, a ser regulamentada em ato do Poder
Executivo federal; e k) ações de custeio relacionadas com a cooperação federativa de
que trata a Lei nº 11.473, de 10 de maio de 2007.
Na justificativa apresentada quando do encaminhamento do PL 10.372/18,
ponderou o Ministro Alexandre de Moraes que “o real e efetivo financiamento para
a área de segurança pública é a medida primordial para possibilitar o desenvolvi-
mento do setor de inteligência e melhor estruturação e remuneração das policias
de todo o País. A presente proposta traz, principalmente, uma readequação de
distribuição de recursos já existentes, priorizando uma das áreas mais demandadas
pela sociedade”.

90
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NO CÓDIGO NA LEI QUE DISPÕE SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA – LEI 13.756/18
LUCIANO VACCARO

Passam a ser recursos do FNSP, com o acréscimo dos incisos V a VIII ao art. 3.º,
os recursos provenientes de convênios, contratos ou acordos firmados com entidades
públicas ou privadas, nacionais, internacionais ou estrangeiras; os recursos confiscados
ou provenientes da alienação dos bens perdidos em favor da União Federal, nos termos
da legislação penal ou processual penal; as fianças quebradas ou perdidas, em conformi-
dade com o disposto na lei processual penal; e os rendimentos de qualquer natureza,
auferidos como remuneração, decorrentes de aplicação do patrimônio do FNSP.
Inegavelmente, a segurança pública carece de investimentos. Desenvolver o se-
tor de inteligência e perícias, promover a capacitação de agentes, recuperar e ampliar
as vagas no sistema prisional, entre outras necessidades, são medidas que requerem
alta capacidade de investimento.
Assim, a modificação da Lei 13.756/18, prevendo novas fontes de financiamento
para o Fundo Nacional de Segurança Pública, é positiva.

91
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

capítulo 6
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE
EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

1. Considerações iniciais acerca das alterações na Lei Execuções


Penais
Muito antes da disseminação da ideia do chamado “pacote anticrime”, a socieda-
de brasileira convivia com uma série de insatisfações no que concerne ao sistema penal
da nação, sendo de destacar que uma larga reclamação nesta área se voltava contra o
modelo e as regras do sistema de execução penal do país.
Frente a esta conjuntura, ao longo dos anos, a Lei 7.210/84, conhecida como
Lei das Execuções Penais (LEP), passou por diversas alterações, buscando-se, invaria-
velmente, conferir maior rigor ao sistema de cumprimento de pena, o qual, por certo,
nem sempre tem recebido a simpatia popular.
Com efeito, ainda que as alterações ao longo dos anos tenham sido frequentes,
o fato é que diversos pontos da LEP necessitavam de aperfeiçoamento, seja porque a
evolução tecnológica criou recursos capazes de melhorar o sistema, seja porque a rei-
teração e/ou progressão criminosa do indivíduo e dos grupos criminosos passou a exigir
uma maior severidade no cumprimento da pena91.
Assim, como será visto de forma detalhada em cada uma das alterações promo-
vidas, a Lei 13.964/2019 promoveu mudanças em alguns dos principais pontos discipli-
nados na Lei de Execuções Penais, a saber:

1- classificação dos apenados;


2- regime disciplinar diferenciado; e,
3- progressão de regime prisional e outros benefícios.

1.1. Da identificação genética


Ao tratar da classificação dos apenados, concretizando o princípio da individuali-
zação da pena contido no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, a Lei de Execuções

91 Para além das diversas Leis que promoveram alterações na LEP no curso dos anos, é de se destacar o projeto de
lei oriundo do Senado Federal (PLS 513/2013), o qual tem como propósito instituir uma nova Lei de Execuções
Penais no país.

93
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Penais já continha em sua redação original diversas previsões com o propósito de dife-
renciar os apenados. Não à toa, o artigo 5º, da Lei 7.210/84, determina que “os conde-
nados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar
a individualização da execução penal”92.
Para além de outras classificações, a Lei 12.654/201293 instituiu a obrigatorieda-
de da identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, do condenado por
crime que tenha sido praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra
pessoa ou por crime hediondo.
Esta previsão, de caráter, diga-se de passagem, obrigatório, tem sido aceita pelo
STJ94, entendendo-se que os condenados pelos crimes enquadrados no artigo 9º-A, da
LEP, devem ser submetidos à identificação do perfil genético. Esta também é posição
de Guilherme de Sousa Nucci, para quem a identificação pelo perfil genético é válida,
desde que, no entendimento do autor, seja “usada para futuros delitos”95.
Agora, porém, a Lei 13.964/2019 promoveu maior disciplina quanto à regulamen-
tação do ato de identificação do perfil genético, bem como do armazenamento dos res-
pectivos dados. Em verdade, o projeto aprovado pelas Casas Legislativas continha nova
redação para o caput do artigo 9º-A, o qual foi vetado pelo Presidente da República sob
o argumento de que a alteração do texto promoveria um descompasso no que tange à
natureza dos crimes que tornariam obrigatória a identificação do perfil genético96.
É que, de acordo com o caput do artigo 9-A, que fora vetado, seria suprimida da
redação original do dispositivo a menção expressa aos crimes hediondos, situação esta
que, em conformidade com o veto presidencial, violaria o interesse público, na medida

92 Acerca da individualização da pena, em especial à necessidade de proceder à diferenciação quanto à individuali-


zação dos presos, cf. JÚLIO BABBRINI MIRABETE, Execução Penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-1984. 11
ed. – Revista e atualizada – 7. reimpr. – São Paulo : Atlas, 2007, p. 48.
93 A Lei 12.654/2012, além das alterações na Lei de Execuções Penais, também promoveu mudanças na Lei 12.037/09,
disciplinando a identificação criminal pelo perfil genético.
94 Acerca da possibilidade de identificação do indivíduo pelo perfil genético, veja-se o entendimento do STJ: “PENAL E
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES DE ESTUPRO. CONDENAÇÃO
EM PRIMEIRA E SEGUNDA INSTÂNCIAS. EXAME DE DNA. ALEGADA PROVA ILÍCITA. NÃO OCORRÊNCIA.
CONJUNTO PROBATÓRIO COESO ACERCA DA CONDENAÇÃO. LEI 12.654/12. COLETA DE PERFIL GENÉ-
TICO. IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. I - A condenação do recorrente pelos
delitos de estupro e estupro na forma tentada, na hipótese, fundamentou-se em elementos concretos extraídos dos
autos que comprovaram a materialidade e a autoria delitivas, de modo que os laudos periciais (exame de DNA) não con-
sistiram no único elemento de prova produzido. Além da confissão extrajudicial, realizada de maneira clara e detalhada,
aliada aos depoimentos das duas vítimas - e ainda de uma terceira, corroborada pelo depoimento de um vizinho, - foram
uníssonas no sentido de apontar o recorrente como autor dos delitos. Logo, desinfluente a tese de que a coleta de ma-
terial genético para a realização do exame de DNA teria sido colhida de forma ilegal, até porque o recorrente autorizou
a realização do exame (precedente). II - Outrossim, com o advento da Lei n. 12.654, de 28 de maio de 2012, admite-se
a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal, seja durante as investigações, para apurar a autoria do
delito, seja quando o réu já tiver sido condenado pela prática de determinados crimes, quais sejam, os dolosos, com
violência de natureza grave contra pessoa ou hediondos (arts. 1º e 3º). Recurso ordinário desprovido”. (RHC 69.127/
DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe 26/10/2016)
95 Cf. GUILERME DE SOUSA NUCCI. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 10ª ed., rev. atual. e ampl. São Paulo
: Revista dos Tribunais, 2013, p. 1031.
96 De acordo com a Mensagem do veto da Presidência da República de nº 726, de 24 de dezembro de 2019, “a pro-
posta legislativa, ao alterar o caput do art. 9º-A, suprimindo a menção expressa aos crimes hediondos, previstos na
Lei nº 8.072, de 1990, em substituição somente a tipos penais específicos, contraria o interesse público, tendo em
vista que a redação acaba por excluir alguns crimes hediondos considerados de alto potencial ofensivo, a exemplo
do crime de genocídio e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, além daqueles que serão
incluídos no rol de crimes hediondos com a sanção da presente proposta, tais como os crimes de comércio ilegal
de armas, de tráfico internacional de arma e de organização criminosa.” 

94
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

em que alguns crimes hediondos, “considerados de alto potencial ofensivo, a exemplo


do crime de genocídio e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito”,
estariam excluídos da obrigatoriedade de identificação do perfil genético do indivíduo.
Em verdade, a alteração pretendida causaria um descompasso sistemático, haja
vista que crimes mais graves, definidos como hediondos pelo Legislador, desde que não
enquadrados nas descrições do dispositivo vetado, poderiam ficar de fora da classifica-
ção do perfil genético.
Aliás, deve-se ter sempre em mente o alerta de que a identificação do perfil
genético somente é possível para os condenados (leia-se com sentença condenatório
com trânsito em julgado) pelos crimes dolosos que se enquadram na previsão do artigo
9º-A. Assim, caso o indivíduo esteja na execução provisória da pena por condenação
em grau de recurso pelos crimes definidos no dispositivo acima, não há previsão, tam-
pouco obrigatoriedade de sua identificação pelo perfil genético, por força, inclusive, da
incidência do princípio constitucional da presunção de inocência, na forma do inciso
LVII, do artigo 5º, da Constituição Federal.
De fato, como adverte Renato Brasileiro, o princípio do nemo tenetur se detege-
re impediria o acusado de ser “compelido a produzir prova incriminadora invasiva”97.
Contudo, no caso da previsão contida no artigo 9º-A, da Lei 7.210/84, não se está a
produzir prova para o fato que conduziu à condenação, haja vista que por este já houve
sentença com trânsito em julgado, tanto que já se está na fase de execução definitiva
da pena.
No caso, a coleta do perfil genético tem a ver com a própria identificação precisa
do indivíduo, através do DNA, já que para crimes com a gravidade daqueles descritos
no artigo 9º-A, o Legislador entendeu não ser suficiente a identificação criminal, na
forma do artigo 5º, da Lei 12.037/09, até pela imprecisão que referido modelo (datilos-
cópico e fotográfico) oferece com o passar dos anos. Trata-se, na verdade, da tentativa
de atribuir maiores elementos à identificação do indivíduo, conforme claramente se
observa na redação do próprio parágrafo único, do artigo 5º, em alusão.
O certo é que, diante de tantas discussões e suscitação de inconstitucionalidade
do dispositivo legal, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do
tema, pelo que se aguarda a definição da Suprema Corte (tema 905)98.
De qualquer sorte, o ponto mais relevante da mudança introduzida no artigo
9º-A reside no §8º, haja vista que a recusa do condenado em submeter-se ao procedi-
mento de identificação do perfil genético passou a figurar como falta grave no curso da
execução pena.

97 Cf. RENATO BRASILEIRO DE LIMA, Manual de Processo Penal: volume único. 6ª ed. rev., ampl. e atual. – Salvador:
JusPodvm, 2018, pág. 150.
98 Cf. “Repercussão geral. Recurso extraordinário. Direitos fundamentais. Penal. Processo Penal. 2. A Lei 12.654/12
introduziu a coleta de material biológico para obtenção do perfil genético na execução penal por crimes violentos
ou por crimes hediondos (Lei 7.210/84, art. 9-A). Os limites dos poderes do Estado de colher material biológico de
suspeitos ou condenados por crimes, de traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os perfis em bancos de
dados e de fazer uso dessas informações são objeto de discussão nos diversos sistemas jurídicos. Possível violação
a direitos da personalidade e da prerrogativa de não se incriminar – art. 1º, III, art. 5º, X, LIV e LXIII, da CF. 3. Tem
repercussão geral a alegação de inconstitucionalidade do art. 9-A da Lei 7.210/84, introduzido pela Lei 12.654/12,
que prevê a identificação e o armazenamento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou hediondos.
4. Repercussão geral em recurso extraordinário reconhecida”. (RE 973837 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
julgado em 23/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-2016 )

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Veja-se, por oportuno, o quadro comparativo da do artigo 9º-A, da Lei 7.210/84:

LEP ANTES DA LEI 13.964/19 LEP APÓS A LEI 13.964/19


Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, do- “Art. 9º-A. (VETADO).
losamente, com violência de natureza grave contra § 1º-A. A regulamentação deverá fazer constar
pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no garantias mínimas de proteção de dados genéticos,
art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, se- observando as melhores práticas da genética
rão submetidos, obrigatoriamente, à identificação forense.
do perfil genético, mediante extração de DNA -
§ 3º Deve ser viabilizado ao titular de dados
ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e
genéticos o acesso aos seus dados constantes nos
indolor. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
bancos de perfis genéticos, bem como a todos os
§ 1º A identificação do perfil genético será documentos da cadeia de custódia que gerou esse
armazenada em banco de dados sigiloso, conforme dado, de maneira que possa ser contraditado pela
regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. defesa.
(Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
§ 4º O condenado pelos crimes previstos no
§ 2º A autoridade policial, federal ou estadual, caput deste artigo que não tiver sido submetido
poderá requerer ao juiz competente, no caso de à identificação do perfil genético por ocasião do
inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados ingresso no estabelecimento prisional deverá ser
de identificação de perfil genético. (Incluído pela submetido ao procedimento durante o cumprimento
Lei nº 12.654, de 2012) da pena.
§ 5º (VETADO).
§ 6º (VETADO).
§ 7º (VETADO).
§ 8º Constitui falta grave a recusa do condenado
em submeter-se ao procedimento de identificação
do perfil genético.” (NR)

Como se percebe com facilidade, os §§1º e 3º apenas trataram da regulamen-


tação do procedimento, estabelecendo garantias mínimas de proteção dos dados ge-
néticos, bem como franqueando ao respectivo titular (condenado) o acesso aos dados
pessoais que por ventura constem nos bancos de perfis genéticos, além dos documentos da
cadeia de custódia que gerou o dado, a fim de que possam ser contraditados pela defesa.
Esta previsão, por certo, busca concretizar o princípio da ampla defesa, haja vista
que os dados extraídos do perfil genético do indivíduo poderão, eventualmente, ser uti-
lizados em investigações criminais, pelo que se torna imprescindível que a defesa possa
contraditar a confecção daquele meio de prova.
Ainda com o propósito de regulamentar o procedimento de coleta do perfil ge-
nético do indivíduo, o §4º, do artigo 9º-A, estendeu a obrigatoriedade da identificação
do perfil genético aos condenados pelos crimes descritos no caput do citado artigo que
não tenham sido submetidos à identificação do perfil genético por ocasião do ingresso
no estabelecimento prisional.
Aliás, tratando-se de norma estritamente processual, a obrigatoriedade da identi-
ficação criminal pelo perfil genético se aplica, inclusive, para os condenados por crimes
cometidos antes da novel previsão legal contida na Lei 13.964/19, tendo como únicas
restrições a natureza do crime e o cumprimento final da pena.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Neste sentido, pela dicção do novel dispositivo, em se tratando dos crimes de-
finidos no caput, do artigo 9º-A (natureza do delito), a identificação do perfil genético
deverá ser realizada até o cumprimento final da pena, não estando restrito tal procedi-
mento apenas àqueles que estiverem reclusos nos estabelecimentos prisionais.
Assim, ainda que o indivíduo tenha sido beneficiado com eventual progressão de
regime ou mesmo livramento condicional, até o cumprimento final da pena deverá ser
procedida a identificação do seu perfil genético.
Em face desta obrigatoriedade, o apenado que se recusar a se submeter ao pro-
cedimento de identificação do perfil genético incorrerá em falta grave, na forma do
§8º, do artigo 9º-A, consequência esta por demais danosa no curso da execução da
pena, já que a prática de falta grave gera uma série de prejuízos ao apenado, na forma
da Lei 7.210/84, como revogação de trabalho externo (art. 37), submissão às sanções
disciplinares (art. 57), revogação da progressão de regime especial para mulheres (art.
112, §4º), regressão de regime prisional (art. 118, I), revogação da saída temporária
(art. 125), revogação do tempo remido (art. 127), etc.
Aliás, a Lei 13.964/19 também alterou o artigo 50, da Lei de Execuções Penais,
fazendo incluir naquele dispositivo o inciso VIII, segundo o qual também comete falta
grave o condenado à pena privativa de liberdade que “recursar submeter-se ao proce-
dimento de identificação do perfil genético”.

1.2. Do regime disciplinar diferenciado


Também merece destaque as alterações introduzidas pela Lei 13.964/19 na dis-
ciplina do regime disciplinar diferenciado.
Com efeito, embora já previsto na Lei de Execuções Penais desde 2003, com
as alterações promovidas pela Lei 10.792/03, o fato é que, após o decurso de quase
02 (duas) décadas, o Legislador entendeu que o chamado “RDD” demandaria maior
severidade, sendo visível a finalidade da Lei 13.964/19 de tornar mais rígido o funciona-
mento do regime disciplinar diferenciado99.
Inicialmente, cumpre ter em mente que desde sua instituição o regime discipli-
nar diferenciado teve sua constitucionalidade reconhecida pelos Tribunais Superiores,
entendendo-se, basicamente, que o RDD atenderia ao princípio da proporcionalidade,
na medida em que determinados comportamentos do preso, provisório ou condenado,
demandaria maior rigor nas sanções disciplinares100.

99 Embora reconheça a constitucionalidade, Guilherme de Sousa Nucci entende que o melhor seria buscar o fiel
cumprimento “às leis penais e de execução penal”, aplicando-se corretamente os regimes fechado, semiaberto e
aberto. Cf. GUILHERME DE SOUSA NUCCI, in op. cit., p. 1041.
100 Veja-se, à guisa de ilustração, o entendimento do STJ já no ano de 2005: “HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLI-
NAR DIFERENCIADO. ART. 52 DA LEP. CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRO-
PORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDA-
DE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA. 1. Considerando-se que
os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência
das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao
princípio da proporcionalidade. 2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003, que alterou
a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos pe-

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

É bem verdade que o debate jurídico ainda é muito presente, notadamente pela
alegação de que as regras impostas ao indivíduo sujeito ao regime disciplinar diferen-
ciado violam a dignidade da pessoa humana101, haja vista a severidade de suas medidas,
notadamente a restrição de convívio social e reduzido tempo de exposição ao sol. Con-
tudo, diante dos valores contrários a serem protegidos, sobretudo a segurança interna
do estabelecimento penal e da ordem social, tem sido reconhecida a constitucionalida-
de do RDD.
Considerando desta premissa, deve-se observar, como ponto de partida, que
o caput do artigo 52 sofreu pequena modificação em sua redação, basicamente para
tornar expresso que o regime disciplinar diferenciado pode ser aplicado tanto ao preso
“nacional ou estrangeiro”, independente de ser provisório ou condenado.
Como tem sido observado na prática, os Tribunais Superiores não titubeavam na
aplicação do RDD também para os presos estrangeiros, até porque a redação anterior
não fazia distinção ou restrição a qualquer nacionalidade102. Contudo, carecia o artigo
52 desta previsão expressa, tendo o Legislador aproveitado a reforma do instituto para
tornar clara a possibilidade de aplicação do regime mais severo a todos os presos que
se enquadrem nas situações descritas na Lei.
De qualquer sorte, também merece atenção o fato de o regime disciplinar di-
ferenciado não se confundir com os regimes prisionais de cumprimento da pena (fe-
chado, semiaberto e aberto). Em verdade, apesar de a nomenclatura causar certa con-
fusão, o RDD consiste apenas em um novo sistema de aplicação de sanção disciplinar
carcerária ao preso que comete crime doloso, subvertendo a ordem ou disciplina do
estabelecimento prisional.

nais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados,
continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional ? liderando
rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos ? e,
também, no meio social. 3. Aferir a nulidade do procedimento especial, em razão dos vícios apontados, demanda-
ria o revolvimento do conjunto fático-probatório apurado, o que, como cediço, é inviável na estreita via do habeas
corpus. Precedentes. 4. A sentença monocrática encontra-se devidamente fundamentada, visto que o magistrado,
ainda que sucintamente, apreciou todas as teses da defesa, bem como motivou adequadamente, pelo exame
percuciente das provas produzidas no procedimento disciplinar, a inclusão do paciente no Regime Disciplinar Di-
ferenciado, atendendo, assim, ao comando do art. 54 da Lei de Execução Penal. 5. Ordem denegada. (HC 40.300/
RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 312)
101 Cf. RENATO BRASILEIRO DE LIMA, in op. cit., p. 151.
102 Veja-se, sobre o assunto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL.
ARTIGO 52 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. INCONSTITUCIONA-
LIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMPO DE DURAÇÃO. LEGALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. É constitucional o
artigo 52 da Lei nº 7.210/84, com a redação determinada pela Lei nº 10.792/2003. 2. O regime diferenciado, afora
a hipótese da falta grave que ocasiona subversão da ordem ou da disciplina internas, também se aplica aos presos
provisórios e condenados, nacionais ou estrangeiros, “que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do
estabelecimento penal ou da sociedade”. 3. A limitação de 360 dias, cuidada no inciso I do artigo 52 da Lei nº
7.210/84, é, enquanto prazo do regime diferenciado, específica da falta grave, não se aplicando à resposta execu-
tória prevista no parágrafo primeiro do mesmo diploma legal, pois que há de perdurar pelo tempo da situação que
a autoriza, não podendo, contudo, ultrapassar o limite de 1/6 da pena aplicada. 4. Em obséquio das exigências ga-
rantistas do direito penal, o reexame da necessidade do regime diferenciado deve ser periódico, a ser realizado em
prazo não superior a 360 dias. 5. Ordem denegada”. (HC 44.049/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA,
Rel. p/ Acórdão Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2006, DJ 19/12/2007, p.
1232)

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Aliás, o §1º, do artigo 52, também permite a inclusão no regime disciplinar dife-
renciado do preso, provisório ou condenado, nacional ou estrangeiro, que apresente
“alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade”
(inciso I) ou mesmo “sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou par-
ticipação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia
privada, independentemente da prática de falta grave” (inciso II).
Esta extensão do RDD já era possível, em grande parte, na redação anterior dos
§§ 1º e 2º, do artigo 52. Contudo, a parte final do inciso II, do §1º foi além do agora
revogado §2º, já que o regime disciplinar diferenciado poderá ser aplicado aos presos
independente da prática de falta grave, desde que recaiam sobre o mesmo a suspeita
de participação em “organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada”.
Para melhor entendimento, veja-se o quadro comparativo do artigo 52, da Lei de
Execuções Penais, antes e após a Lei 13.964/19:

LEP ANTES DA LEI 13.964/19 LEP APÓS A LEI 13.964/19


Art. 52. A prática de fato previsto como crime do- “Art. 52. A prática de fato previsto como crime
loso constitui falta grave e, quando ocasione sub- doloso constitui falta grave e, quando ocasionar
versão da ordem ou disciplina internas, sujeita o subversão da ordem ou disciplina internas, sujei-
preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da tará o preso provisório, ou condenado, nacional
sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao
com as seguintes características: regime disciplinar diferenciado, com as seguintes
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, características:
sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem pre-
grave de mesma espécie, até o limite de um sexto juízo de repetição da sanção por nova falta grave
da pena aplicada; de mesma espécie;
II - recolhimento em cela individual; II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a
crianças, com duração de duas horas; serem realizadas em instalações equipadas para im-
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas pedir o contato físico e a passagem de objetos, por
diárias para banho de sol. pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado
judicialmente, com duração de 2 (duas) horas;
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também
poderá abrigar presos provisórios ou condenados, IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas)
nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco horas diárias para banho de sol, em grupos de até
para a ordem e a segurança do estabelecimento 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com
penal ou da sociedade. presos do mesmo grupo criminoso;
§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aque-
diferenciado o preso provisório ou o condenado las com seu defensor, em instalações equipadas
sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvi- para impedir o contato físico e a passagem de ob-
mento ou participação, a qualquer título, em orga- jetos, salvo expressa autorização judicial em con-
nizações criminosas, quadrilha ou bando. trário;
VI - fiscalização do conteúdo da correspondência;
VII - participação em audiências judiciais preferencial-
mente por videoconferência, garantindo-se a partici-
pação do defensor no mesmo ambiente do preso.
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também
será aplicado aos presos provisórios ou condena-
dos, nacionais ou estrangeiros:

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

I - que apresentem alto risco para a ordem e a se-


gurança do estabelecimento penal ou da sociedade;
II - sob os quais recaiam fundadas suspeitas de en-
volvimento ou participação, a qualquer título, em or-
ganização criminosa, associação criminosa ou milícia
privada, independentemente da prática de falta grave.
§ 2º (Revogado).
§ 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança
em organização criminosa, associação criminosa ou
milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em
2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime
disciplinar diferenciado será obrigatoriamente
cumprido em estabelecimento prisional federal.
§ 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores,
o regime disciplinar diferenciado poderá ser
prorrogado sucessivamente, por períodos de 1
(um) ano, existindo indícios de que o preso:
I - continua apresentando alto risco para a ordem
e a segurança do estabelecimento penal de origem
ou da sociedade;
II - mantém os vínculos com organização criminosa,
associação criminosa ou milícia privada, considerados
também o perfil criminal e a função desempenhada
por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do
grupo, a superveniência de novos processos criminais
e os resultados do tratamento penitenciário.
§ 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o
regime disciplinar diferenciado deverá contar com
alta segurança interna e externa, principalmente no
que diz respeito à necessidade de se evitar contato
do preso com membros de sua organização
criminosa, associação criminosa ou milícia privada,
ou de grupos rivais.
§ 6º A visita de que trata o inciso III do caput
deste artigo será gravada em sistema de áudio
ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial,
fiscalizada por agente penitenciário.
§ 7º Após os primeiros 6 (seis) meses de regime
disciplinar diferenciado, o preso que não receber a
visita de que trata o inciso III do caput deste artigo
poderá, após prévio agendamento, ter contato
telefônico, que será gravado, com uma pessoa
da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez)
minutos.” (NR)

Da análise do novo regramento do regime disciplinar diferenciado, observa-se,


de logo, o alongamento do período que o preso poderá, agora, ser submetido ao RDD.
É que, de acordo com a redação anterior do inciso I, do artigo 52, o prazo máximo de
inclusão no regime era de 360 (trezentos e sessenta) dias, sendo que a nova Lei ampliou
este prazo para 02 (dois) anos, mantendo, ainda, a possibilidade de repetição da sanção
em caso de nova falta grave de mesma espécie.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Para além disso, a Lei 13.964/19 afastou o limite de repetição da medida pelo
prazo de 1/6 (um sexto) da pena aplicada, pelo que a repetição da sanção por nova falta
grave encontrará limite apenas no prazo máximo de 02 (dois) anos.
Ademais, diversamente da disposição anterior, que inadmitia prorrogação do re-
gime disciplinar diferenciado pelo mesmo fato, a nova Lei fez incluir, no §4º, a possibi-
lidade de prorrogação do RDD por 01 (um) ano, desde que existam indícios de que o
preso “continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimen-
to penal de origem ou da sociedade” (inciso I) ou mesmo que “mantém os vínculos com
organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados também
o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação
duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do
tratamento penitenciário”(inciso II).
Quanto ao funcionamento do regime disciplinar diferenciado, o “pacote anticrime”
contido na Lei 13.964/19 procurou trazer maior rigor e limitação aos direitos do preso.
Com efeito, além de manter o recolhimento do preso em cela individual (inciso
II) e o direito ao “banho de sol” por apenas 02 (duas) horas diárias (IV), o direito de vi-
sita passou a ser previsto apenas de forma quinzenal, vedando-se, ainda, a possibilidade
de qualquer contato físico ou entrega de objetos de qualquer natureza. Aliás, à exceção
dos membros da família do preso, qualquer outro visitante dependerá de autorização
judicial para visitar o preso, conforme consta no inciso III103.
É claro, por óbvio, que o Advogado do apenado não se enquadra nas limitações
contidas no inciso III, do artigo 52, não dependendo, portanto, de autorização judicial
para audiência com o preso no estabelecimento penal. Contudo, ainda se tratando de
visita do Advogado, é vedado o contato físico e a entrega de qualquer objeto, sendo
possível, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, que a Administração Penitenciá-
ria, por razões de segurança, discipline a forma da visita do Advogado104.

103 Guilherme de Sousa Nucci adverte ser incabível a vedação da visita, em caráter permanente, seja pela impossibili-
dade de punição de caráter perpétuo, seja pela necessidade da visita para ressocialização do preso. Cf. GUILHER-
ME DE SOUSA NUCCI, in op. cit., p. 1037.
104 Sobre o direito de o Advogado ter acesso ao cliente, mesmo em unidade prisional, veja-se o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO. RESOLUÇÃO SAP 49 DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO
NORMATIVO REGULADOR DO DIREITO DE VISITA E ENTREVISTA COM CAUSÍDICO NOS ESTABELECI-
MENTOS PRISIONAIS. RESTRIÇÃO A GARANTIAS PREVISTAS NO ESTATUTO DOS ADVOGADOS E NA LEI
DE EXECUÇÕES PENAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Hipótese em que a OAB/SP impetrou Mandado de Segurança,
considerando como ato coator a edição da Resolução 49 da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado
de São Paulo, norma que, disciplinando o direito de visita e de entrevista dos advogados com seus clientes presos,
restringe garantias dos causídicos e dos detentos. 2. O prévio agendamento das visitas, mediante requerimento
à Direção do estabelecimento prisional, é exigência que fere o direito do advogado de comunicar-se com cliente
recolhido a estabelecimento civil, ainda que incomunicável, conforme preceitua o art. 7º da Lei 8.906/1994, norma
hierarquicamente superior ao ato impugnado. A mesma lei prevê o livre acesso do advogado às dependências de
prisões, mesmo fora de expediente e sem a presença dos administradores da instituição, garantia que não poderia
ter sido limitada pela Resolução SAP 49. Precedente do STJ. 3. Igualmente malferido o direito do condenado à
entrevista pessoal e reservada com seu advogado (art. 41, IX, da LEP), prerrogativa que independe do fato de o
preso estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado, pois, ainda assim, mantém ele integralmente seu direito
à igualdade de tratamento, nos termos do art. 41, XII, da Lei de Execuções Penais. 4. Ressalva-se, contudo, a pos-
sibilidade da Administração Penitenciária - de forma motivada, individualizada e circunstancial - disciplinar a visita
do Advogado por razões excepcionais, como por exemplo a garantia da segurança do próprio causídico ou dos
outros presos. 5. Recurso Especial provido”. (REsp 1028847/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 12/05/2009, DJe 21/08/2009)

101
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
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Um assunto mais desafiador nesta temática tem a ver com o monitoramento das
entrevistas do preso e a fiscalização do conteúdo de correspondências. Isso porque, em
que pese a novel redação dos incisos V e VI, do artigo 52, da LEP, o inciso XII, do artigo
5º, da Constituição Federal dispõe que “é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal”.
É bem verdade, como adverte o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que a leitura
do dispositivo constitucional poderia conduzir à conclusão de que somente poderia ser
excepcionada a inviolabilidade das comunicações telefônicas, já que o constituinte não
teria deixado expressa a possibilidade de quebra do sigilo das correspondências105.
Contudo, como reconhece sua Excelência, “a restrição aos direitos fundamentais
pode ocorrer mesmo sem autorização expressa do constituinte, sempre que se fizer
necessária a concretização do princípio da concordância prática entre os ditames cons-
titucionais”106. De fato, a colisão no campo dos direitos fundamentais é algo inevitável e
inerente ao próprio constitucionalismo moderno, sendo precisa a afirmação de Robert
Alexy no sentido de que “não existe um catálogo de direitos fundamentais sem colisão
de direitos fundamentais”107.
Esta compreensão acerca dos direitos fundamentais é indispensável na análise
dos incisos V e VI, do artigo 52, da LEP, já que a redação dada pela Lei 13.964/19 permi-
tiu que as entrevistas dos presos em regime disciplinar diferenciado sejam monitoradas,
assim como suas correspondências sejam fiscalizadas.
Como dito, embora o sigilo das correspondências seja garantido como direito
fundamental no inciso XII, do artigo 5º, da Carta Magna, em casos de conflito entre
normas de direitos fundamentais pode haver cedência de qualquer das normas, pois,
como adverte Jorge Reis Novais, quando os direitos fundamentais são tratados pelo
Legislador Constituinte, “as normas constitucionais não assumem natureza de regras,
mas antes de princípios”108.
Nestas condições, ainda que se alegue que o sigilo das correspondências do pre-
so ou seu direito à intimidade configuram direitos fundamentais, os incisos V e VI, do
artigo 52, da LEP, não guardam qualquer mancha de inconstitucionalidade, haja vista que
diante do eventual conflito normativo com a norma de direito fundamental que confere
aos demais indivíduos o direito à vida, à integridade física e à segurança pode haver
cedência dos direitos fundamentais do preso, sendo constitucional, portanto, a novel
disciplina do regime disciplinar diferenciado introduzida pela Lei 13.964/19.
Evidentemente, como bem excepciona o próprio inciso V, do artigo 52, da LEP,
esta cedência do direito fundamental do preso não se justificaria quando se tratar da en-
trevista pessoal a que tem direito com seu Defensor. Neste caso, por estar em questão

105 Cf. GILMAR FERREIRA MENDES, Curso de Direito Constitucional. 10. Ed. Ver. E atual. – São Paulo : Saraiva, 2015,
pág. 293.
106 Cf. GILMAR FERREIRA MENDES, op. cit., pág. 293.
107 Cf. Robert Alexy, Constitucionalismo Discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. 2a ed. rev. Porto Alegre. Livraria do
Advogado, 2008, pág. 57.
108 Cf. JORGE REIS NOVAIS, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático, 1ª edição.
Coimbra. Coimbra Editora. 2012, pág. 91.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
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a norma que garante ao preso o direito à ampla defesa, princípio de maior envergadura
neste conflito, a entrevista do preso não poderá ser monitorada.
O mesmo raciocínio aqui apresentado se aplica à previsão contida no §6º, do
artigo 52, da LEP. Assim, embora o preso em regime disciplinar diferenciado tenha
assegurado o direito de visita, na forma estabelecida no inciso III, do artigo 52, da LEP,
o certo é que o tempo de visitação poderá ser gravado em sistema de áudio e vídeo,
sendo possível a fiscalização por agente penitenciário.
A diferença nesta hipótese reside na necessidade de autorização judicial para
inspeção do material gravado pelo agente penitenciário, algo que a Lei tornou desne-
cessário nas hipóteses descritas nos incisos V e VI.
Um outro ponto que merece reflexão no tocante à dinâmica do regime discipli-
nar diferenciado tem a ver com a redação novo inciso VII, do artigo 52, da Lei de Execu-
ções penais, segundo o qual as audiências judiciais dos presos em RDD serão realizadas,
preferencialmente, por videoconferência, sendo garantida “a participação do defensor
no mesmo ambiente do preso”.
Inicialmente, deve-se registrar que a realização de audiências judiciais por siste-
ma de videoconferência já está prevista no Código de Processo Penal desde a alteração
introduzida pela Lei 11.900/09, conforme artigo 185, §2º, do CPP, sendo, inclusive,
bastante difundida na prática forense do cotidiano.
O detalhe nesta questão não está, por óbvio, na novidade do ato, mas sim na
parte final do inciso VII, do artigo 52, haja vista a garantia de participação do Defensor
no mesmo ambiente do preso.
Numa leitura mais desavisada, talvez fosse o leitor induzido a compreender que a
audiência judicial deverá ser feita por videoconferência, somente sendo válido o ato se o
Defensor estiver no mesmo ambiente do preso. Em que pese a possibilidade desta interpre-
tação, não parece ser este o significado preciso da norma, primeiro porque se trata de uma
garantia para o Advogado, o qual tem o direito de acompanhar pessoalmente seu cliente
durante a audiência judicial, ainda que este ato aconteça por videoconferência.
Segundo, porque, ao confrontar o inciso VII, do artigo 52, da LEP, com o §5º, do
artigo 185, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.900/09, per-
cebe-se que as audiências judiciais por videoconferência podem ser realizadas seja com
a presença do Advogado junto ao preso na sala adequada no estabelecimento penal,
seja o Advogado presente no local onde a audiência acontece fisicamente, devendo-
se, tão somente, garantir “ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu
defensor.
Neste último caso, o §5º, do artigo 185, do Código de Processo Penal, determina
seja oportunizado o acesso de comunicação suficiente entre o Defensor e o preso.
Nestas condições, interpretando-se o atual inciso VII, do artigo 52, da LEP, com
o §5º, do artigo 185, do Código de Processo Penal, percebe-se que a participação do
Advogado no mesmo recinto do preso por ocasião da audiência por videoconferência
somente será necessária quando o Defensor assim o desejar, inexistindo qualquer nu-
lidade do ato quando o preso e seu Defensor estiverem participando da audiência em
locais diversos, mas conectados pela videoconferência.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Por fim, deve-se fazer um último registro acerca das novidades implantadas no
regime disciplinar diferenciado.
Trata-se da previsão contida no §3º, do artigo 52, da Lei 7.210/84, o qual criou
verdadeira causa objetiva de transferência de preso para estabelecimento prisional fe-
deral. De acordo com o texto legal, caso seja do conhecimento a simples existência de
indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação crimi-
nosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da
Federação, torna-se obrigatória a transferência do preso para estabelecimento prisional
federal, a fim de cumprir o regime disciplinar diferenciado.
Evidentemente, o propósito do Legislador leva em consideração a existência de
maior segurança e estrutura no estabelecimento prisional federal, a fim de que seja
evitado o contato do preso com membros da organização criminosa ou mesmo com
grupos rivais, conforme disposto no §5º, do artigo 52, da LEP.

1.3. Das novas regras acerca da progressão de regime prisional

1.3.1. Considerações gerais

De acordo com o artigo 112, da Lei de Execuções Penais, a pena privativa de


liberdade deve ser executada de forma progressiva, permitindo ao condenado a trans-
ferência gradual para regime menos rigoroso, desde, é claro, que o apenado preencha
os requisitos legais, baseados nas condições objetiva e subjetiva do indivíduo.
Em geral, pode-se afirmar que a progressão de regime prisional justifica-se pel
próprio princípio da individualização da pena, na forma do artigo 5º, XLVI, da Consti-
tuição Federal, na medida em que o apenado, diante da pena e do regime aplicado na
sentença, tem a oportunidade de cumprir a sanção de forma individualizada.
Isto quer dizer, por exemplo, que no caso de vários indivíduos terem sido con-
denados pelo mesmo crime, e mesmo que eventualmente a pena aplicada tenha sido
exatamente igual, cada um executará sua pena de forma individualizada, sendo que o
alcance da progressão do regime dependerá, em grande parte, do desempenho e com-
portamento de cada um dos apenados, nas suas respectivas Guias de Execução da Pena,
independente do sucesso que os demais terão no cumprimento das respectivas penas.
De mais a mais, o sistema de progressão de regime, ainda que, por vezes, incom-
preendido por parte da população, justifica-se pela busca de ressocialização do preso, o
qual deverá ser reinserido na sociedade de forma gradual, avaliando-se paulatinamente
seu senso de autodisciplina e responsabilidade.
Não é à toa, por exemplo, que o sistema de progressão de regime brasileiro
compõe-se de três regimes (fechado, semiaberto e aberto), avançando o apenado
para o regime menos rigoroso à medida em que os prazos são alcançados pelo tempo
de cumprimento de pena (requisito objetivo), demonstrando-se, ainda, que o com-
portamento do apenado revela senso de autodisciplina e responsabilidade (requisito
subjetivo).

104
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

1.3.2. Das principais alterações promovidas pela Lei 13.964/19 no


tocante aos prazos (critério objetivo) para progressão de regime
prisional
Seguindo-se esta mesma premissa, a Lei 13.964/19 manteve o princípio das con-
dições já existentes para a progressão do regime prisional (prazo objetivo e requisi-
to subjetivo), destacando-se, de forma mais evidente, duas questões fundamentais, as
quais há muito se encontravam descontextualizadas, a saber:

a) diferenciação de prazo (fração temporal) de cumprimento de pena em cada


regime entre crimes de natureza diversa;
b) influência das condições pessoais do indivíduo no enquadramento do prazo de
progressão de regime.

Veja-se, por oportuno, o quadro comparativo da previsão anterior acerca da pro-


gressão de regime (tanto na LEP, quanto na Lei 8.072/90) e a redação atual decorrente
da alteração promovida pela Lei 13.964/19:

LEP ANTES DA LEI 13.964/19 LEP APÓS A LEI 13.964/19


Art. 112. A pena privativa de liberdade será exe- “Art. 112. A pena privativa de liberdade será execu-
cutada em forma progressiva com a transferência tada em forma progressiva com a transferência para
para regime menos rigoroso, a ser determinada regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz,
pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos quando o preso tiver cumprido ao menos:
um sexto da pena no regime anterior e ostentar I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apena-
bom comportamento carcerário, comprovado do for primário e o crime tiver sido cometido sem
pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as violência à pessoa ou grave ameaça;
normas que vedam a progressão.
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado
§ 1º A decisão será sempre motivada e precedida de for reincidente em crime cometido sem violência à
manifestação do Ministério Público e do defensor. pessoa ou grave ameaça;
§ 2º Idêntico procedimento será adotado na con- III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o
cessão de livramento condicional, indulto e comu- apenado for primário e o crime tiver sido cometido
tação de penas, respeitados os prazos previstos com violência à pessoa ou grave ameaça;
nas normas vigentes.
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe for reincidente em crime cometido com violência
ou responsável por crianças ou pessoas com à pessoa ou grave ameaça;
deficiência, os requisitos para progressão de
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apena-
regime são, cumulativamente:
do for condenado pela prática de crime hediondo
I - não ter cometido crime com violência ou grave ou equiparado, se for primário;
ameaça a pessoa;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o ape-
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou nado for:
dependente;
a) condenado pela prática de crime hediondo ou
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da equiparado, com resultado morte, se for primário,
pena no regime anterior; vedado o livramento condicional;
IV - ser primária e ter bom comportamento car- b) condenado por exercer o comando, individual
cerário, comprovado pelo diretor do estabeleci- ou coletivo, de organização criminosa estruturada
mento; para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

V - não ter integrado organização criminosa. c) condenado pela prática do crime de constituição
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta de milícia privada;
grave implicará a revogação do benefício previsto VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o ape-
no § 3º deste artigo. nado for reincidente na prática de crime hediondo
Prazos fixados na Lei 8.072/90 (Lei dos crimes he- ou equiparado;
diondos) VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o ape-
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, nado for reincidente em crime hediondo ou equi-
o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o parado com resultado morte, vedado o livramento
terrorismo são insuscetíveis de: condicional.
I - anistia, graça e indulto; § 1º Em todos os casos, o apenado só terá
direito à progressão de regime se ostentar boa
II - fiança.
conduta carcerária, comprovada pelo diretor
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será do estabelecimento, respeitadas as normas que
cumprida inicialmente em regime fechado. vedam a progressão.
§ 2º A progressão de regime, no caso dos § 2º A decisão do juiz que determinar a progressão
condenados aos crimes previstos neste artigo, dar- de regime será sempre motivada e precedida de
se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da manifestação do Ministério Público e do defensor,
pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três procedimento que também será adotado na
quintos), se reincidente. concessão de livramento condicional, indulto
e comutação de penas, respeitados os prazos
previstos nas normas vigentes.
(...)
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado,
para os fins deste artigo, o crime de tráfico de
drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343,
de 23 de agosto de 2006.
§ 6º O cometimento de falta grave durante
a execução da pena privativa de liberdade
interrompe o prazo para a obtenção da progressão
no regime de cumprimento da pena, caso em que
o reinício da contagem do requisito objetivo terá
como base a pena remanescente.
§ 7º (VETADO).” (NR)

Como se observa, a Lei 13.964/19 trouxe nova redação para o artigo 112, da Lei
de Execuções Penais, fixando novos prazos para o alcance da progressão de regime, em
geral diferenciando o critério objetivo em função da natureza do crime e da condição
pessoal do apenado.
Assim, seguindo-se um padrão progressivo de gravidade do delito, se praticado
com violência ou grave ameaça ou mesmo se o crime for hediondo ou equiparado, bem
como fazendo diferenciação entre apenado primário ou reincidente, a artigo 112, da
LEP, inicia a possibilidade de progressão com apenas 16% (dezesseis por cento) da pena
aplicada (réu primário condenado por crime cometido sem violência ou grave ameaça),
podendo, na pior das hipóteses, ser necessário o cumprimento de 70% (setenta por
cento) de cumprimento da pena no regime anterior (apenado reincidente condenado
por crime hediondo ou equiparado), tudo a depender da natureza do crime e das con-
dições pessoais do apenado.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Para melhor compreensão, veja-se o quadro comparativo dos prazos:

PRAZOS PARA PROGRESSÃO APÓS A LEI


PRAZOS PARA PROGRESSÃO ANTES DA
13.964/19 (ATUAL REDAÇÃO DA LEI DE
LEI 13.964/19.
EXECUÇÕES PENAIS)
Cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena no regime I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apena-
anterior, nos crimes em geral (art. 112, da LEP); do for primário e o crime tiver sido cometido sem
Cumprimento de 1/8 (um oitavo) da pena no regi- violência à pessoa ou grave ameaça;
me anterior, No caso de mulher gestante ou que II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado
for mãe ou responsável por crianças ou pessoas for reincidente em crime cometido sem violência à
com deficiência (art. 112, §3º, III, da LEP); pessoa ou grave ameaça;
Cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena no re- III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o
gime anterior, no caso de condenados por crime apenado for primário e o crime tiver sido cometido
hediondo e afins, no caso de réu primário (art. 2º, com violência à pessoa ou grave ameaça;
§2º, da Lei 8.072/90); IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado
Cumprimento de 3/5 (três quintos) da pena no re- for reincidente em crime cometido com violência
gime anterior, no caso de condenados por crime à pessoa ou grave ameaça;
hediondo e afins, no caso de réu reincidente (art. V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apena-
2º, §2º, da Lei 8.072/90). do for condenado pela prática de crime hediondo
ou equiparado, se for primário;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o ape-
nado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou
equiparado, com resultado morte, se for primário,
vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual
ou coletivo, de organização criminosa estruturada
para a prática de crime hediondo ou equiparado;
ou
c) condenado pela prática do crime de constituição
de milícia privada;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o ape-
nado for reincidente na prática de crime hediondo
ou equiparado;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o ape-
nado for reincidente em crime hediondo ou equi-
parado com resultado morte, vedado o livramento
condicional.

Importante destacar que o novo artigo 112, da LEP, disciplinou todas as hi-
póteses e prazos de progressão de regime prisional, razão pela qual o artigo 19, da
Lei 13.964/19, revogou expressamente o §2º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90, haja
vista que os prazos para obtenção da progressão de regime, mesmo nos casos de
crimes hediondos ou equiparados, estão, agora, previstos nos incisos V a VIII, do
artigo 112, da LEP.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
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1.3.3. Do critério subjetivo para progressão de regime prisional


Como já alertado, a Lei 13.964/19 manteve a necessidade de o apenado preen-
cher tanto o requisito objetivo quanto o subjetivo para alcançar a progressão do regime
prisional.
No caso da condição objetiva, basta apenas a demonstração do cumprimento da
fração temporal calculada com base no montante existente da pena naquele regime atu-
al, sendo que a fração deve ser considerada de acordo com as circunstâncias do crime
e as condições pessoais do apenado, conforme consta no artigo 112, da LEP.
De forma cumulativa, é necessário que o apenado comprove, ainda, o preenchi-
mento da condição subjetiva, ou seja, a demonstração de que tem boa conduta carcerá-
ria e condições de retorno ao convívio social, situação esta a ser comprovada mediante
certidão do diretor do estabelecimento penal onde se encontra o apenado, conforme
consta no o §1º, do artigo 112, d LEP.
Caso o comportamento do apenado não seja satisfatório, o indivíduo não fará
jus ao benefício da progressão de regime, haja vista ser incapaz de demonstrar senso
de autodisciplina e responsabilidade, conforme entendimento do Superior Tribunal de
Justiça109.
Diferentemente do requisito objetivo, bastante alterado pela Lei 13.964/19,
percebe-se que o artigo 112, da LEP manteve a mesma disciplina quanto às condições
subjetivas do apenado para o alcance da progressão de regime, conforme disposto
no §1º, do dispositivo em alusão, em especial a necessidade de comprovação da “boa
conduta carcerária”.
De se observar, tão somente, que o §6º, do artigo 112, da LEP, disciplinou a si-
tuação do apenado que comete falta grave no curso da execução da pena privativa de
liberdade, inovando em relação à ordem legal anterior. Na verdade, o novel dispositivo
normatiza o entendimento já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo o
qual a prática da falta grave interrompe o prazo para obtenção da progressão de regime,
reiniciando a contagem de novo prazo para alcance do benefício da data da infração
disciplinar110.

109 Sobre o assunto, veja-se o entendimento do STJ: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO
PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. INDEFERIMENTO. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO SUBJE-
TIVO. HISTÓRICO PRISIONAL CONTURBADO. PRÁTICA DE QUATRO FALTAS GRAVES. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DECISÃO MANTIDA. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. 1. Nos termos do dis-
posto no art. 112 da Lei de Execução Penal, para que o reeducando faça jus à promoção carcerária é necessário o
preenchimento de requisitos objetivo e subjetivo. 2. O requisito subjetivo, aferido também por meio de atestado
de bom comportamento carcerário expedido pelo diretor do estabelecimento prisional, não obsta a que o magis-
trado da execução indefira o benefício quando entender não preenchida a exigência, desde que aponte peculiarida-
des da situação fática que demonstrem a ausência de mérito do condenado, como no caso. 3. Na hipótese, foram
indicados pela Corte a quo fatos concretos ocorridos no curso do resgate da pena que demonstram o histórico
prisional conturbado do paciente, com a prática de “quatro infrações disciplinares de natureza grave, em clara
demonstração de que sua periculosidade ainda não sofreu a atenuação necessária, para que possa cumprir o res-
tante da reprimenda em regime semiaberto” (e-STJ fl. 66). 4. Mantém-se a decisão singular que não conheceu do
habeas corpus, por se afigurar manifestamente incabível, e não concedeu a ordem de ofício em razão da ausência
de constrangimento ilegal a ser sanado. 5. Agravo regimental desprovido”. (AgRg no HC 518.057/SP, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 10/10/2019)
110 Súmula 534 -A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

O problema é que, apesar de sumulado, o atual entendimento do Superior Tri-


bunal de Justiça é bastante recente, já que, até o julgamento o julgamento do Recurso
Especial Repetitivo 1.364.192/RS111, havia o entendimento de que carecia de previsão
legal a interrupção do cômputo dos prazos para aquisição de benefícios da execução.
Contudo, referido julgamento restou consolidado no Tribunal, estabelecendo que a falta
grave interrompe o prazo para o alcance do benefício112.
Também se deve observar, conforme disposição da Lei, que o novo prazo para
obtenção da progressão levará em conta apenas a pena remanescente. Isto se justifica
por duas razões; primeiro porque, no tocante ao prazo, o indivíduo já sofreu a sanção
necessária ao ter interrompido o prazo para o alcance de novo benefício, devendo ini-
ciar novo período de prova a partir da data da infração; segundo porque até a data da
interrupção houve o cumprimento de parte da pena, devendo a progressão de regime
ser auferida com base apenas na pena remanescente, já que esta é, em verdade, o mon-
tante da pena que ainda resta a ser cumprida.

cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração. (STJ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado
em 10/06/2015, DJe 15/06/2015).
111 Veja-se ementa do Recurso Repetitivo: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART.
543-C DO CPC). PENAL. EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. PROGRESSÃO DE REGIME. INTERRUPÇÃO. PRAZO.
LIVRAMENTO CONDICIONAL. AUSÊNCIA DE EFEITO INTERRUPTIVO. COMUTAÇÃO E INDULTO. RE-
QUISITOS. OBSERVÂNCIA. DECRETO PRESIDENCIAL. 1. A prática de falta grave interrompe o prazo para a
progressão de regime, acarretando a modificação da data-base e o início de nova contagem do lapso necessário
para o preenchimento do requisito objetivo. 2. Em se tratando de livramento condicional, não ocorre a interrup-
ção do prazo pela prática de falta grave. Aplicação da Súmula 441/STJ. 3. Também não é interrompido automati-
camente o prazo pela falta grave no que diz respeito à comutação de pena ou indulto, mas a sua concessão deverá
observar o cumprimento dos requisitos previstos no decreto presidencial pelo qual foram instituídos. 4. Recurso
especial parcialmente provido para, em razão da prática de falta grave, considerar interrompido o prazo tão
somente para a progressão de regime”. (REsp 1364192/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 17/09/2014)
112 Neste julgamento, o Superior Tribunal de Justiça não apenas firmou o entendimento em relação à repercussão
da falta grave na progressão, mas também afastou tal sanção do cômputo do prazo para o livramento condi-
cional, senão veja-se: QUESTÃO DE ORDEM. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRÁTICA DE FALTA
DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. REINÍCIO DA CONTAGEM DOS PRAZOS PARA A AQUISIÇÃO DE
BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DA CORTE. APLICAÇÃO. EXCEÇÃO
DO LIVRAMENTO CONDICIONAL, COMUTAÇÃO DE PENAS E INDULTO. RECURSO EXTRAORDINÁ-
RIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXAME PELO STF. POSSIBILIDADE. JUÍZO DE RETRATAÇÃO EXERCIDO
PARA DENEGAR A ORDEM. 1. O entendimento firmado nesta Sexta Turma era no sentido de que a falta grave
não interromperia o cômputo dos prazos para a aquisição de benefícios da execução. Essa compreensão las-
treava-se, fundamentalmente, no fato de que a interrupção do lapso para nova progressão, em razão da prática
de falta grave, não teria previsão legal. E mais: que o princípio da reserva legal, insculpido no art. 5º, XXXIX, da
Constituição Federal, estender-se-ia, também, à fase de execução penal. 2. No julgamento do Recurso Especial
Repetitivo n. 1.364.192/RS, processado nos moldes do art. 543-C do CPC, a Terceira Seção desta Corte firmou
o entendimento no sentido de que: 1. A prática de falta grave interrompe o prazo para a progressão de regime,
acarretando a modificação da data-base e o início de nova contagem do lapso necessário para o preenchimento
do requisito objetivo. 2. Em se tratando de livramento condicional, não ocorre a interrupção do prazo pela
prática de falta grave. Aplicação da Súmula 441/STJ. 3. Também não é interrompido automaticamente o prazo
pela falta grave no que diz respeito à comutação de pena ou indulto, mas a sua concessão deverá observar o
cumprimento dos requisitos previstos no decreto presidencial pelo qual foram instituídos (REsp n. 1.364.192/
RS, de minha relatoria, Terceira Seção, DJe 17/9/2014). 3. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o RE n.
1.082.376/DF, reconheceu a possibilidade de recontagem do requisito temporal para obtenção do benefício da
progressão de regime, quando do cometimento de falta disciplinar de natureza grave pelo apenado. 4. Ordem
denegada, em juízo de retratação. (HC 209.831/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA,
julgado em 03/09/2019, DJe 10/09/2019)

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI 7.210/84
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

1.3.4. Da (im) possibilidade de aplicação dos novos prazos a crimes


cometidos antes da vigência da Lei 13.964/19.
Sempre que há alteração na Lei de Execuções Penais, sobretudo quanto aos pra-
zos e frações necessários para alcance do benefício da progressão de regime, muito se
discute acerca de sua incidência para os casos já existentes. Nesta conjuntura, algumas
questões surgem, senão veja-se:

I - Deveria a lei nova ser aplicada a todas as execuções penais já existentes ou


apenas àquelas que tiverem início após a vigência da lei nova?
II - Seria o caso de aplicação apenas aos crimes praticados após a vigência da nova
lei ou poderia a lei nova ser aplicada aos casos pretéritos ainda não julgados?
III – Poderia a lei nova retroagir, caso seja mais benéfica ao indivíduo, alcançando,
assim, os crimes cometidos antes de sua vigência?

Como é cediço, apesar da discussão sempre presente em termos acadêmicos, as


reiteradas mudanças na Lei de Execuções já exigiram um posicionamento dos Tribunais
Superiores acerca do tema, sendo pacífico perante o Supremo Tribunal Federal e o Su-
perior Tribunal de Justiça que as alterações na lei de execuções penais, no que concerne
à progressão de regime, somente se aplicam aos fatos cometidos após a vigência da
nova Lei, salvo quando trouxerem previsão mais benéfica ao réu.
Este foi o caso, por exemplo, da edição da Lei 11.464/07. Após o §1º, do artigo
2º, da Lei dos Crimes Hediondos ter sido declarado inconstitucional pela Suprema Cor-
te, o Congresso Nacional aprovou a lei 11.464/07, a qual criou o §2º, no artigo 2º, da
Lei 8.072/90, condicionando a progressão de regime nos crimes hediondos ao período
de prova de 2/5 (dois) quintos da pena, se o apenado fosse primário, e 3/5 (três quin-
tos), tratando-se de indivíduo reincidente.
Naquele momento, a Lei de 2007 trazia evidente agravamento à situação dos
condenados por crimes hediondos, já que após a declaração de inconstitucionalidade
do §1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90, todas as guias de execução da pena daqueles cri-
mes foram corrigidas, a fim de que fosse imposto o prazo geral contido no artigo 112,
da LEP, para alcance da progressão de regime.
Por tal razão, os Tribunais Superiores pacificaram o entendimento no sentido de
que a Lei 11.464/07 somente poderia ser aplicada aos fatos cometidos após sua vigên-
cia, em homenagem ao princípio da irretroatividade da lei penal contido no inciso XL,
do artigo 5º, da Constituição Federal, salvo, evidentemente, quanto às disposições que
se apresentassem mais benéficas ao indivíduo113.

113 Neste sentido, veja-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS.
PROGRESSÃO DE REGIME. (1) REQUISITO OBJETIVO. CRIMES HEDIONDOS. LEI Nº 11.464/2007. LAPSOS
TEMPORAIS MAIS GRAVOSOS. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. SÚMULA Nº 471/STJ. IRRETROATIVIDADE. IM-
POSSIBILIDADE. (2) REQUISITO SUBJETIVO. GRAVIDADE DOS DELITOS E LONGEVIDADE DAS PENAS.
FALTAS GRAVES VETUSTAS. JUSTIFICAÇÃO GENÉRICA E FORA DOS PARÂMETROS LEGAIS. IMPOSSIBILI-
DADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. (3) WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA
DE OFÍCIO. 1. A Lei nº 11.464/2007 estabeleceu lapsos temporais mais gravosos, aos condenados pela prática

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Nestas condições, considerando-se que o artigo 112, da LEP, com a redação es-
tabelecida pela Lei 13.964/19, agravou a maior parte das frações penais necessárias para
o alcance da progressão de regime, sua incidência somente será possível para os fatos
cometidos após 23 de janeiro de 2020, data da vigência da nova Lei.
É claro, como já antecipado, que eventual fração nova mais vantajosa para o in-
divíduo deverá ser observada, ainda que para os fatos anteriores a Lei, em homenagem
ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Este é o caso, por exemplo, do inci-
so I, do artigo 112, que fixou em 16% (dezesseis por cento) o prazo para progressão
quando o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência ou grave
ameaça. É que, pela redação anterior, o prazo seria de 1/6 (um sexto) da pena, o que
alcança 16,6% do montante, revelando que a nova Lei trouxe suave redução para aque-
les que se enquadrarem na descrição do inciso I.
Assim, mesmo nas de guias de execução penal definitivas já existentes, enqua-
drando-se o caso na situação mais benéfica contida no inciso I, do artigo 112, da LEP,
caberá ao juízo da execução penal, até mesmo de ofício, proceder a correção da fração
necessária para o alcance da progressão de regime, na forma do artigo 66, I, da Lei de
Execuções Penais.

1.3.5. A progressão de regime no caso do “tráfico de drogas privi-


legiado”
Desde a Lei 8.072/90, a prática do tráfico ilícito de entorpecentes foi equiparado
a crime hediondo, conforme previsão clara contida no artigo 2º, do referido Diploma
Legal. Por tal razão, além de ser insuscetível de anistia, graça, indulto e fiança, nos ter-
mos dos incisos I e II, do citado artigo 2º, a natureza do tráfico de drogas, em razão da
equiparação em alusão, trouxe maior rigor quanto à situação processual do réu, assim
como agravamento no futuro cumprimento da pena.
É que, desde a Lei 11.464/07, o prazo para progressão de regime no caso de
crimes hediondos e equiparados passou a ser de 2/5 (dois) quintos, em se tratando se
réu primário, e 3/5 (três quintos), no caso de apenados reincidentes, situação bem mais
severa do que o prazo geral de 1/6 (um sexto) previsto na redação anterior do artigo
112, da LEP.

de crimes hediondos, para obtenção da progressão de regime prisional, constituindo-se, neste ponto, verdadeira
novatio legis in pejus, cuja retroatividade é vedada pelos artigos 5º, XL, da Constituição Federal e 2º do Código
Penal, aplicáveis, portanto, apenas aos crimes praticados após a vigência da novel legislação, ou seja, 29 de março
de 2007. 2. A teor do que prevê o atual art. 112 da Lei de Execuções Penais, com a redação que lhe deu a Lei nº
10.792/2003, ao indeferir a progressão de regime prisional, porque não cumprido o requisito subjetivo, o julgador
deve fazê-lo de forma motivada em dados concretos da execução da pena, não podendo cercar-se de elementos
ou circunstâncias imprevistos na lei de regência. 3. O Tribunal de origem não logrou fundamentar o inadimplemen-
to do requisito subjetivo para a progressão carcerária, fazendo apenas referência à gravidade abstrata do crime
cometido pelo paciente, à sua longa pena a cumprir e à existência de faltas de natureza grave antigas, cometidas
há mais de 5 (cinco) anos, das quais o reeducando já está reabilitado, tendo atualmente bom comportamento car-
cerário e exame criminológico favorável. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reestabelecer
a decisão do Juízo das Execuções, proferida em 12/6/2015, que concedeu a progressão ao regime aberto para
o paciente”. (HC 373.503/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
07/02/2017, DJe 15/02/2017)

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Ocorre, porém, que a Lei 11.343/06, que revogou expressamente as duas leis
anteriores que tratavam do tráfico de drogas114, na forma do artigo 75, após tipificar a
conduta do tráfico ilícito de entorpecente no caput e no §1º do artigo 33, dispôs no §4º,
do mesmo dispositivo, que nos delitos definidos no caput e no §1º do artigo, as penas
poderiam ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de
bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas, nem integre organização
criminosa.
Em face da abordagem bem mais benéfica, as situações enquadradas no referido
§4º passaram a ser consideradas como uma espécie de “tráfico privilegiado”, já que a
conduta bem mais leve do agente permitiria uma punição muito mais branda, o que
justificaria uma abordagem menos gravosa no curso processual e na própria execução
da pena aplicada.
Com efeito, ainda que o STJ tenha se mostrado de certa forma vacilante em um
primeiro momento, mantendo a equiparação ao crime hediondo no caso de “trafico
privilegiado”115, o certo é que desde 23 de novembro de 2016, no julgamento da QO na
Pet 11.796-DF, em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos, o STJ reviu
seu posicionamento, passando a entender que “o tráfico ilícito de drogas na sua forma
privilegiada (art. 33, §4º, do artigo 33, da Lei 11.343/2006) não é crime equiparado a
hediondo”.
Seguindo este entendimento jurisprudencial, a Lei 13.964/19, inovou ao discipli-
nar no próprio artigo 112, §5º, da LEP, que o crime de tráfico de drogas previsto no
§4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06, não é considerado como hediondo ou equiparado.
Assim, a execução da pena do condenado pela prática do chamado “tráfico privilegia-
do”, na forma do dispositivo acima, estará sujeita aos prazos previstos nos incisos I ou II,
do artigo 112, da LEP, a depender, somente, se o apenado for primário ou reincidente.
Por esta razão, e considerando o que foi defendido no item 1.3.4, acerca da
retroatividade da lei mais benéfica, caso o indivíduo tenha sido condenado com base
no artigo §4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06, e a sentença tenha reconhecido o delito
como equiparado a hediondo, deverá a guia de execução penal ser retificada pelo juízo
das execuções penais para corrigir a fração penal mais benéfica ao apenado.

1.3.6. Da progressão especial prevista no §3º, do artigo 112, da LEP


Em que pesem todas as mudanças introduzidas pela Lei 13.964/19 no campo da
progressão de regime prisional, é oportuno perceber que o Legislador preservou um
único dispositivo do antigo art. 112, da LEP. Trata-se do §3º, o qual foi acrescentado
recentemente ao dispositivo retro, através da Lei 13.769/18, não sofrendo qualquer al-
teração diante da Lei 13.964/19, pelo que se conclui que o mesmo permanece em vigor.

114 Nos termos do artigo 75, da Lei 11.343.06, foram revogadas a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, e a Lei nº
10.409, de 11 de janeiro de 2002.
115 Súmula 512 - A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta
a hediondez do crime de tráfico de drogas. A Terceira Seção, na sessão de 23 de novembro de 2016, ao julgar a
QO na Pet 11.796-DF, determinou o CANCELAMENTO da Súmula n. 512-STJ.

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Pela dicção do citado §3º, tratando-se de execução penal de mulher gestante ou


que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, o prazo para o
alcance do benefício é diferenciado, significativamente menor, desde que sejam preen-
chidos os requisitos elencados nos incisos de I a V, do referido dispositivo legal.
Trata-se, à toda evidência, de política criminal no âmbito da execução penal com
vistas à proteção de crianças ou de pessoas com deficiência que dependam de mulheres
que estejam em cumprimento da pena. Além destes, também se almeja à proteção do
feto, no caso das apenadas que estejam em estado gestacional.
Como dito, embora, em princípio, a apenada seja diretamente beneficiada, o
objetivo da Lei é a proteção das pessoas vulneráveis (crianças e deficientes) que de-
pendam da mulher durante o cumprimento da pena. Isto se percebe claramente diante
do próprio requisito estampado no inciso II, do §3º, do artigo 112, da LEP, quando se
estabelece que referido benefício somente pode ser concedido às mulheres que não
tenham cometido o crime contra o respectivo filho ou dependente.
Para além desses requisitos, também é de se observar que as condições pes-
soais da apenada e a natureza do crime também são decisivas para o alcance da regra
especial, conforme incisos I, IV e V. Assim, além de se exigir a primariedade e o bom
comportamento da apenada (IV), esta não pode ter sido condenada por crime prati-
cado com violência ou grave ameaça à pessoa (I), afastando-se o benefício, ainda, das
mulheres que integrem organização criminosa (V).
No caso do inciso V, é importante perceber que não bastam meros indícios de
participação da apenada em organizações criminosas, sendo necessário o reconheci-
mento por sentença condenatória. Esta conclusão se obtem da literalidade do disposi-
tivo, bem como através da sistemática utilizada pela própria Lei de Execuções Penais, a
qual, quando exclui a necessidade de condenação, utiliza-se das expressões “fundadas
suspeitas de envolvimento ou participação” ou existência de “indícios” que o preso
integre ou participe de organização criminosa, como consta no artigo 52, §1º, II e §3º,
da LEP, respectivamente.
Preenchidos, cumulativamente, os requisitos contidos no §3º, e nos incisos I,
II, IV e V, a progressão poderá ser alcançada com o cumprimento de 1/8 (um oitavo)
da pena no regime anterior, conforme disposição do inciso III, do citado parágrafo.
Esta previsão, como se observa, permanece mais vantajosa do que a regra mais branda
prevista nos incisos I a VIII, do artigo 112, sendo, portanto, no caso de apenada que se
enquadre nos requisitos descritos no §3º, bem mais rápido alcançar a progressão com
o 1/8 (um oitavo) da pena, o que corresponde a exatos 12,5% (doze e meio por cento)
da pena.

1.3.7. Da impossibilidade de progressão per saltum


Embora a Lei 13.964/19 não tenha enfrentado expressamente a questão da im-
possibilidade de progressão per saltum, é importante destacar que o cumprimento da
pena privativa de liberdade continua fundado no sistema progressivo, baseado nos cri-
térios objetivo e subjetivo, conforme explanado no item 1.3.1.

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Esta compreensão é relevante para discernir o entendimento sumulado pelo Su-


perior Tribunal de Justiça no enunciado 491116, o qual permanecerá inalterado mesmo
em face das recentes alterações legislativas.
Isto porque, a despeito do abrandamento dos prazos, sobretudo no inciso I, e
no §3º, do artigo 112, o certo é que o sistema progressivo de cumprimento da pena
baseia-se, pela própria nomenclatura, no retorno gradual do apenado ao convívio so-
cial, reduzindo-se a vigilância do Estado à medida que os prazos mínimos vão sendo
alcançados e o indivíduo consegue demonstrar maior senso de autodisciplina e respon-
sabilidade.
Por óbvio, esta não é a única forma de compreender o sistema de progressão de
regime prisional. Contudo, para o ordenamento brasileiro, em que é proibida a prisão
perpétua (inciso XLVII, artigo 5º, da CF/88) e a individualização da pena é norma cons-
titucional (inciso XLVI, artigo 5º, da CF/88), faz-se necessário desenvolver um sistema
que, partindo-se de um regime mais severo (fechado), seja possível o avanço por regi-
mes mais brandos (semiaberto e aberto), a fim de que o Estado consiga acompanhar e
retorno gradual do apenado ao convívio social117.
Nestas condições, ainda que, eventualmente, o indivíduo cumpra em regime
mais gravoso prazo maior que o necessário para o alcance da progressão para o regi-
me imediatamente seguinte, é obrigatório que o avanço permita a passagem por cada
regime, semiaberto e aberto, mesmo que o tempo no regime fechado já seja, em tese,
suficiente para todo o período de prova no fechado e no semiaberto.
Assim, por exemplo, imaginando-se a hipótese de um apenado que cumpre pena
em regime fechado por crime sem natureza hedionda, sendo possível, em tese, a pro-
gressão com apenas 16% (dezesseis) por cento da pena no regime anterior, sua pro-
gressão deverá, primeiro, seguir para o regime semiaberto, para, após novo período de
prova, avançar para o regime aberto, ainda que, eventualmente, tenha permanecido no
regime fechado pelo prazo de 32% trinta e dois por cento) da pena118.
Por fim, é importante ter em mente que o mesmo princípio que veda a progres-
são per saltum também deveria impedir a passagem direta do regime fechado para o
livramento condicional. Neste caso, embora o livramento condicional não possa ser
confundido com um regime prisional, é evidente que se trata de fase do cumprimento
da pena pautado, mais do que qualquer outro regime, na demonstração de autodiscipli-
na e responsabilidade do apenado.
De fato, aplicando-se o mesmo princípio que reina acerca da progressão de um
regime mais severo para um mais brando, ainda que o apenado tenha permanecido no
regime fechado por tempo suficiente para o alcance do livramento condicional, o siste-
ma progressivo se apresenta contraditório com a passagem direta do regime fechado
para o livramento condicional, sob pena de inobservância à forma gradual de cumpri-
mento da pena.

116 Conforme súmula 491, do STJ: é inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional.
117 Sobre a evolução e diversidade do sistema progressivo de pena, cf. JÚLIO FABBRINI MIRABETE, in op. cit., p. 386.
118 Observe-se que não foi feito no caso o cálculo separado da fração necessária do regime semiaberto para o aberto,
optando-se por somar as duas frações para facilitar o exemplo.

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Ainda assim, por considerar que o artigo 83, do Código Penal, não faz esta exi-
gência, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado no sentido de ser
possível a passagem direta do regime fechado para o livramento condicional119. Con-
tudo, esta não nos parece ser a compreensão mais adequada, especialmente diante da
natureza do sistema progressivo de cumprimento de pena adotado pela Lei de Execu-
ções Penais.
Isto posto, a despeito de não haver previsão expressa no artigo 83, do Có-
digo Penal, nem mesmo com a reforma introduzida pela Lei 13.964/19, o cer-
to é que o próprio artigo 112, da Lei de Execuções Penais, ao apresentar o de-
senho do sistema, estabelece que a execução da pena privativa de liberda-
de atenderá à forma progressiva, “com a transferência para regime menos ri-
goroso”, desde que, além do prazo exigido, comprove o apenado “ostentar
boa conduta carcerária”, conforme dispõe o §1º, do mesmo dispositivo.
Ora bem, se para a progressão para regime mais brando é exigida comprovação
da aptidão do apenado para ingresso ao convívio social com menor vigilância, quanto
mais seu ingresso no livramento condicional, o qual se configura como modalidade de
cumprimento da pena bem mais leve do que mesmo o regime aberto.
Ademais, sem ingressar nos regimes mais brandos (semiaberto e aberto), não
há como o Estado avaliar se o apenado detem as condições subjetivas necessárias para
retornar ao convívio social sem vigilância, consistindo tal procedimento em via indis-
pensável para comprovação da ressocialização gradual.
Aliás, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no tocante à impossibi-
lidade de alcance do livramento condicional quando as condições subjetivas do apenado
forem desfavoráveis, demonstrando claramente que tal requisito é fundamental para a
evolução no cumprimento da pena. Assim, em face da necessidade de comprovação da
evolução do indivíduo no curso da pena, em especial através da condição subjetiva, não
se mostra razoável conceder livramento condicional “per saltum”, ou seja, salteando
regimes intermediários120.

119 EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LIVRAMENTO CONDICIONAL. IN-
DEFERIMENTO. JUSTIFICAÇÃO UNICAMENTE NA IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO PER SALTUM.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Preambularmente,
registro que, das decisões proferidas em sede de execução criminal cabe agravo em execução penal. 2. No caso, a
defesa impetrou habeas corpus, que foi indeferido pelo Tribunal a quo, sob alegação de inadequação da via eleita.
3. Assim, seria inviável a análise meritória do tema, sob pena de supressão de instância. Todavia, em homenagem
ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangi-
mento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício. 4. Na espécie, foi indeferido o benefício do
livramento condicional pelo Juízo das Execuções Criminais, tão somente em virtude da necessidade de observar-se
o comportamento do sentenciado durante o cumprimento da pena em regime semiaberto antes de lhe propiciar
a liberdade condicional. 3. Sobre a matéria, a jurisprudência deste Tribunal consolidou entendimento no sentido
de que não há obrigatoriedade de o apenado passar por regime intermediário para que obtenha o benefício do
livramento condicional, ante a inexistência de previsão no art. 83 do Código Penal. 4. Recurso em habeas corpus
não provido. Contudo, ordem concedida de ofício para determinar que, afastada a exigência do cumprimento da
pena em regime semiaberto, o Juízo das Execuções Criminais reaprecie o pedido de livramento condicional do
apenado, à luz dos requisitos legais e do comportamento carcerário. (RHC 116.324/SP, Rel. Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 18/09/2019)
120 Neste sentido, veja-se o entendimento do STJ: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO
PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO SUBJETIVO. NÃO PREENCHIDO. HISTÓRICO PRISIO-
NAL. PRÁTICA DE FALTA GRAVE RECENTE. BENEFÍCIO INDEFERIDO. DECISÃO MANTIDA. INSURGÊN-

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Assim, seja pelo descompasso com o sistema progressivo de cumprimento da


pena, seja pela impossibilidade de análise da condição subjetiva do apenado em situa-
ção de menor vigilância do Estado, não nos parece razoável aceitar que o apenado,
em regime fechado, alcance o livramento condicional, sem antes passar pelos regimes
intermediários.

1.3.8. Da súmula vinculante 56


Ao tratar da progressão de regime prisional, é impossível não levar em conside-
ração o teor da súmula vinculante nº 56. Isso porque, a despeito de o Supremo Tribunal
Federal, no referido enunciado, ter, aparentemente, apenas garantido o direito de o
indivíduo ter assegurada a progressão de regime prisional, independente da existência
prévia de vagas em estabelecimento prisional adequado, o certo é que a omissão estatal
tem transformado a prisão domiciliar em verdadeiro regime prisional121.
Como dito, a súmula vinculante 56 apenas garante que o indivíduo não poderá
ter a progressão de regime negada em função da ausência de vagas em estabelecimento
penal destinado ao novo regime prisional. Isto porque, além do princípio da individuali-
zação da pena, os requisitos para progressão de regime se restringem ao prazo mínimo
necessário (condição objetiva) e comprovação de comportamento adequado (condição
subjetiva).

CIA DESPROVIDA. 1. Nos termos da jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, a prática recente de falta
grave pelo apenado no curso da execução penal (em 9/1/2018) - posse de aparelho celular - constitui motivo
idôneo para indeferir o livramento condicional, por ausência do preenchimento do requisito subjetivo previsto no
art. 83, III, do Código Penal. Precedentes. 2. Embora a prática de falta disciplinar grave não interrompa a contagem
do prazo para fins de livramento condicional (Súmula n. 441), impede a concessão da benesse por evidenciar a
ausência do requisito subjetivo relativo ao comportamento satisfatório durante o resgate da pena, nos termos do
que exige o art. 83, III, do Código Penal. 3. O citado dispositivo legal não determina um período específico de
aferição do requisito subjetivo, de modo que o bom comportamento carcerário deve ser analisado em todo o
tempo de execução da pena. 4. Mantém-se a decisão singular que não conheceu do habeas corpus, por se afigurar
manifestamente incabível, e não concedeu a ordem de ofício, em razão da ausência de constrangimento ilegal a
ser sanado. 5. Agravo regimental desprovido”. (AgRg no HC 529.885/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 23/10/2019)
121 Pela decisão do STF, devem ser seguidos alguns parâmetros na hipótese de ausência de vagas em estabelecimentos
prisionais, sendo a prisão domiciliar, ainda que monitorada eletronicamente, apenas uma das alternativas à dispo-
sição do juízo das execuções penais. Contudo, pela carência de viabilidade dos parâmetros anteriores, a prisão
domiciliar caba por ser a alternativa mais viável. Veja-se, por oportuno, os parâmetros aplicados em decisão do STJ:
“... 4. Os parâmetros mencionados na citada Súmula são: a) a falta de estabelecimento penal adequado não autori-
za a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os Juízes da execução penal poderão avaliar
os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para verificar se são adequados a tais regimes,
sendo aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como colônia agrícola, industrial (regime semiaberto),
casa de albergado ou estabelecimento adequado - regime aberto - (art. 33, § 1º, alíneas “b” e “c”); c) no caso de
haver déficit de vagas, deverão determinar: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;
(ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao preso que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar
por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao
regime aberto; e d) até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão
domiciliar ao sentenciado. 5. Dessa forma, consoante entendimento do STF, a prisão domiciliar não pode ser a
primeira opção, devendo-se antes adotar as outras medidas acima propostas, a fim de se evitar prejuízo aos exe-
cutados que já estariam, há mais tempo, cumprindo pena em determinado regime e que devem ser beneficiados,
prioritariamente, com a saída antecipada. 6. Habeas corpus não conhecido, com determinação, de ofício, ao Juízo
da Execução, caso persista a ausência de vagas no regime intermediário, para que promova a saída do apenado
com menor saldo de pena a cumprir no regime semiaberto, dando vaga ao paciente. (HC 500.915/RS, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 03/06/2019).

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Assim, negar a progressão por ausência de vagas no regime mais brando configu-
raria verdadeiro requisito adicional para o alcance da progressão, o que, por óbvio, não
poderia ser aceito. Aliás, como destaca Renato Marcão, satisfeitos os requisitos legais, a
progressão de regime se reveste de verdadeiro direito subjetivo do preso, integrando
o “rol dos direitos materiais penais”122.
Inobstante o posicionamento da Suprema Corte seja irretocável do ponto de
vista de sua legalidade, o problema reside no chamado “efeito colateral” da decisão. É
que, em face da decisão em análise, e considerando a omissão estatal quanto à criação
de novas vagas sobretudo nos regimes mais brandos, a prisão domiciliar tem sido enca-
rada como verdadeiro “regime supralegal” de cumprimento da pena, desvirtuando-se
completamente os regimes semiaberto e aberto, assim como, é claro, o instituto da
prisão domiciliar.

1.4. Da vedação à saída temporária aos condenados por crime


hediondo com resultado morte
O instituto da saída temporária, destinado aos apenados que cumprem pena em
regime semiaberto, tem como propósito colaborar com a ressocialização do preso,
proporcionando ao apenado, mediante autorização judicial e por períodos limitados no
curso do ano, a participação no convívio familiar, na capacitação educacional e profissio-
nal, bem como em atividades que colaborem para o convívio social.
Este benefício, previsto de forma detalhada a partir do 122, da Lei de Execuções
Penais, pressupõe senso de autodisciplina e responsabilidade do preso, tanto que o
antigo parágrafo único do dispositivo, atualmente §1º, deixa claro que o apenado pode
alcançar a saída temporária mesmo sem vigilância, consistindo a monitoração eletrônica
em opção a ser implementada caso assim entenda o juízo da execução.
Todas estas questões já eram do conhecimento das execuções penais. Em ver-
dade, a alteração promovida pela lei 13.964/19 teve o condão, apenas, de vedar a saída
temporária aos apenados que tenham sido condenados pela prática de crime hediondo
com resultado morte.
Note-se, pela clareza do disposto no §2º, do artigo 122, da LEP, que a vedação
não alcança todos os crimes hediondos, mas somente aqueles que o Legislador erigiu
como de maior gravidade, isto é, que resultem na morte do indivíduo, a exemplo do
homicídio (I), roubo com resultado morte (II, “c”), extorsão com resultado morte (III e
IV), estupro com resultado morte (V e VI) e epidemia com resultado morte (VII).
Uma observação relevante na identificação dos crimes incluídos na vedação em
análise consiste na ausência de previsão do artigo 122, §2º, da LEP, aos crimes equipa-
rados a hediondo, já que o dispositivo se restringiu à prática de crime hediondo com
resultado morte. Assim, pela dicção do referido dispositivo, percebe-se, por exemplo,
que o condenado por crime de tortura, mesmo com o resultado morte, na forma do
art. 1º, §3º, da 9.455/97, não se enquadra na vedação da nova Lei.

122 Cf. RENATO MARCÃO. Curso de Execução Penal. 10 ed. rev., ampl. e atual. de acordo com as Leis 12.403/2011.
São Paulo : Saraiva, 2012, p. 159.

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É bem verdade que a Lei 8.072/90, no artigo 2º, equipara o tráfico ilícito de en-
torpecente, a prática da tortura e o terrorismo aos crimes hediondos123. Contudo, é
importante ter em mente que a “equiparação” não os torna “hediondos”, mas apenas
“equiparados”, tanto que sempre que o Legislador quer tratar de ambos assim o faz
de forma expressa. É o caso por exemplo, das alterações introduzidas pela mesma Lei
13.964/19 no artigo 112, da Lei de Execuções Penais.
Na nova redação, houve mais detalhamento dos prazos e condições quando o in-
divíduo houver sido condenado por crime “hediondo ou equiparado”, conforme clara-
mente consta nos incisos de V a VIII, do referido Diploma Legal. Aliás, o §5º, do mesmo
artigo 112, da Lei, dispõe que não configura crime “hediondo ou equiparado” o tráfico
de drogas disposto no §4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06.
Ademais, nem se há falar que ambos devem ser tratados da mesma forma, sim-
plesmente pela equiparação geral, já que é princípio de hermenêutica a vedação de
interpretação extensiva de norma restritiva, sobretudo em se tratando de norma de
natureza penal, sobre a qual vigora o princípio da reserva legal.

118
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

capítulo 7
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME na Lei 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

1. Considerações gerais
A Lei 11.671/08 dispõe acerca da inclusão (transferência) de presos em estabe-
lecimentos penais federais de segurança máxima, cabendo ao juízo federal da seção ou
subseção judiciária onde se encontra o referido estabelecimento penal a competência
para aceitar e acompanhar a execução da pena daqueles que lá se encontram, bem
como, além de outras providências inerentes ao acompanhamento da pena, autorizar a
transferência de novos presos para a unidade federal.

2. Da competência do juízo federal para os crimes praticados no


interior das unidades prisionais federais
No caso da alteração do artigo 2º, pretendeu a Lei 13.964/19 afastar qualquer
dúvida acerca da competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de cri-
mes cometidos por presos no interior do estabelecimento penal federal.
De fato, o novel parágrafo único, do artigo 2º, da Lei 11.671/08, fixa o juízo fede-
ral como o foro competente para processar e julgar as infrações penais e os incidentes
relacionados a fatos ocorridos durante o tempo de cumprimento da pena em que o
indivíduo esteve no estabelecimento penal federal.
Esta previsão leva em consideração, claramente, que a prática de infrações penais
no interior da unidade prisional federal afeta os interesses da União, já que a competên-
cia da Justiça Federal é definida nos termos do artigo 109, da Constituição Federal, não
podendo o legislador ordinário alargá-la em desacordo com a vontade do Constituinte.
De toda sorte, a previsão legal em alusão parte do princípio de que o interesse
do Estado, em matéria de competência penal, é definido pela natureza do estabeleci-
mento penal onde o preso de encontra. Neste sentido, especificamente quanto aos
incidentes no curso da execução da pena, há muito restou sedimentado pelos Tribunais
Superiores que após a inclusão do preso, condenado definitivamente, caberá ao juízo
das execuções penais respectivo a competência para os incidentes que surjam durante
o cumprimento da reprimenda124.

124 Cf. RENATO BRASILEIRO DE LIMA, op. cit., p. 455. Neste sentido, tem sido consolidado o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, senão veja-se: “AGRAVO REGIMENTAL EM CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENA

119
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Partindo-se deste princípio, entendeu o Legislador Ordinário reconhecer que


as infrações penais cometidas dentro dos estabelecimentos penais federais violam o
interesse da União, seja porque põem em risco a vida, a integridade física e a segurança
de seus agentes, seja porque expõem a risco os presos que ali se encontram sob a res-
ponsabilidade da União.
De fato, não há como negar que qualquer conduta praticada pelo preso que te-
nha o condão de subverter a ordem interna do estabelecimento penal federal viola os
interesses da União, a quem cabe preservar não apenas a ordem interna, mas, sobre-
tudo, a vida e segurança de todos que ali se encontram, sejam agentes, sejam presos.
Por tais razões, alinhado ao artigo 109, IV, da Constituição Federal, o parágrafo
único, do artigo 2º, da Lei 11.671/08, afigura-se constitucional, pelo que os incidentes
na execução da pena, bem como as infrações penais cometidas dentro do estabeleci-
mento penal federal devem ser processados e julgados pelo juízo federal respectivo.
Veja-se, por oportuno, o quadro comparativo das alterações promovidas no ar-
tigo 2º, da Lei 11.671/08:

REDAÇÃO ANTERIOR DA LEI 11.671/08 REDAÇÃO ATUAL DA LEI 11.671/08


Art. 2º A atividade jurisdicional de execução penal nos “Art. 2º (...)
estabelecimentos penais federais será desenvolvida Parágrafo único. O juízo federal de execução penal
pelo juízo federal da seção ou subseção judiciária será competente para as ações de natureza penal
em que estiver localizado o estabelecimento penal que tenham por objeto fatos ou incidentes rela-
federal de segurança máxima ao qual for recolhido o cionados à execução da pena ou infrações penais
preso. ocorridas no estabelecimento penal federal.” (NR)

3. Dos requisitos para inclusão nos estabelecimentos penais federais


O propósito da criação dos estabelecimentos penais federais tem sido colocar à
disposição do Estado unidades prisionais de segurança máxima, a fim de que os presos,
condenados ou provisórios, neles sejam incluídos em razão do interesse da segurança
pública ou mesmo do próprio preso125.

APLICADA PELA JUSTIÇA FEDERAL. CUMPRIMENTO EM ESTABELECIMENTO ESTADUAL. PROGRESSÃO DE


REGIME PARA O ABERTO. MANUTENÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. INCIDÊNCIA DA SÚ-
MULA 192 DO STJ. 1. A execução penal compete ao Juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência,
ao da sentença. Sem ferir o art. 109 da CF/88, o verbete n. 192 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça excepciona
referida disciplina, nos casos em que o apenado, condenado pela Justiça Federal, encontrar-se em estabelecimento pe-
nitenciário estadual. 2. Transferida, de início, para a Justiça Estadual a competência para o processo de execução penal,
em virtude da permanência do condenado em estabelecimento penitenciário estadual, tem-se que a competência não
se transfere de volta, automaticamente, pela simples progressão a regime no qual não seja mais necessário o encarce-
ramento. Precedentes. 3. Admitir que a progressão remeta os autos à Justiça Federal e a regressão os devolva à Justiça
estadual geraria desnecessário tumulto à execução penal. 4. Mantida, assim, a competência do Juízo de Direito da Vara
de Execuções Penais e Medidas Alternativas da Comarca de Foz do Iguaçu/PR, ora suscitado, para dar continuidade
à execução de pena imposta pela Justiça Federal, mesmo após a progressão de regime para o meio aberto.5. Agravo
regimental a que se nega provimento”. (AgRg no CC 164.523/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/04/2019, DJe 13/05/2019)
125 Importante registrar que a Lei 13.964/19 fez incluir o artigo 11-B, na Lei 11.671/08, permitindo aos Estados e ao
Distrito Federal construírem estabelecimentos penais de segurança, ou mesmo adaptar os já existentes, aplicando-
-se, no que couber, as disposições da Lei 11.671/08.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Com a inclusão do §1º, no artigo 3º, da Lei 11.671/08, promovida pela Lei
13.964/19, foram especificadas as características do cumprimento da pena, em regime
fechado, nos estabelecimentos penais, senão veja-se o quadro comparativo abaixo:

REDAÇÃO ANTERIOR DA LEI 11.671/08 REDAÇÃO ATUAL DA LEI 11.671/08


Art. 3º Serão recolhidos em estabelecimentos penais “Art. 3º Serão incluídos em estabelecimentos pe-
federais de segurança máxima aqueles cuja medida nais federais de segurança máxima aqueles para
se justifique no interesse da segurança pública ou do quem a medida se justifique no interesse da segu-
próprio preso, condenado ou provisório. rança pública ou do próprio preso, condenado ou
provisório.
§ 1º A inclusão em estabelecimento penal federal
de segurança máxima, no atendimento do
interesse da segurança pública, será em regime
fechado de segurança máxima, com as seguintes
características:
I - recolhimento em cela individual;
II - visita do cônjuge, do companheiro, de parentes
e de amigos somente em dias determinados, por
meio virtual ou no parlatório, com o máximo de 2
(duas) pessoas por vez, além de eventuais crianças,
separados por vidro e comunicação por meio de
interfone, com filmagem e gravações;
III - banho de sol de até 2 (duas) horas diárias; e
IV - monitoramento de todos os meios de comuni-
cação, inclusive de correspondência escrita.
§ 2º Os estabelecimentos penais federais
de segurança máxima deverão dispor de
monitoramento de áudio e vídeo no parlatório
e nas áreas comuns, para fins de preservação da
ordem interna e da segurança pública, vedado seu
uso nas celas e no atendimento advocatício, salvo
expressa autorização judicial em contrário.
§ 3º As gravações das visitas não poderão ser
utilizadas como meio de prova de infrações penais
pretéritas ao ingresso do preso no estabelecimento.
§ 4º Os diretores dos estabelecimentos penais
federais de segurança máxima ou o Diretor do
Sistema Penitenciário Federal poderão suspender e
restringir o direito de visitas previsto no inciso II do
§ 1º deste artigo por meio de ato fundamentado.
§ 5º Configura o crime do art. 325 do Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a
violação ao disposto no § 2º deste artigo.” (NR)

Como se observa, as características do cumprimento de pena em presídios fe-


derais em muito se assemelham às características do regime disciplinar diferenciado
previsto no artigo 52, da Lei de Execuções Penais, a exemplo do recolhimento em cela
individual, da visitação restrita, banho de sol reduzido e monitoramento da comunicação do
apenado.

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 11.671/08
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

Um destaque importante no tocante ao cumprimento de pena nos estabeleci-


mentos penais federais diz respeito à possibilidade de transferência do preso para o
referido estabelecimento sem a necessidade de prévia comunicação/intimação do pre-
so, reconhecendo o Superior Tribunal de Justiça, em recente súmula aprovada, que tal
medida não fere o contraditório126.
Evidentemente, tal medida se justifica pela preservação da segurança pública
ou mesmo da própria proteção do preso, já que, em muitos casos, não é possível
proceder divulgação prévia quanto à transferência de presos de um estabelecimento
para outro.
Também se deve registrar que em caso de transferência de preso de unidade pri-
sional estadual para estabelecimento penal federal, tem entendido o Superior Tribunal
de Justiça que as razões invocadas pelo juízo estadual para a inclusão do preso no presí-
dio federal não podem ser questionadas pelo juízo federal, sobretudo quando a situação
permanece inalterada após a inclusão do preso na unidade prisional127.

4. Disposições gerais
No mais, merece destaque apenas a alteração do prazo a que o preso está sujeito
à permanência no presídio federal. Segundo a antiga previsão do §1º, do artigo 10, da
Lei 11.671/08, o período de permanência do preso não poderia superar 360 dias, prazo
este que poderia ser renovado, em caráter excepcional, desde que fosse justificado
pelo juízo de origem.
Com a Lei 13.964/19, o prazo de permanência em estabelecimento penal federal
foi aumentado para 03 (três) anos, com possibilidade de renovação por “iguais perío-
dos”, enquanto persistirem os motivos que a determinaram, pelo que se pode concluir
que o prazo, embora determinado, poderá se estender de forma indefinida, desde que
as razões de segurança continuem presentes.
Por fim, a Lei 13.964/19 fez constar na Lei 11.671/08, artigo 11-A, a possibilida-
de de as decisões acerca da inclusão e permanência dos presos em estabelecimentos
penais federais serem tomadas por órgão colegiado de juízes, de acordo com a orga-
nização dos Tribunais, a fim, claro, de preservar a segurança dos julgadores, como tem
sido prática comum.

126 Súmula 639 - Não fere o contraditório e o devido processo decisão que, sem ouvida prévia da defesa, determine
transferência ou permanência de custodiado em estabelecimento penitenciário federal. (Súmula 639, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 02/12/2019)
127 EXECUÇÃO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PRESÍDIO FEDERAL DE SEGURANÇA MÁXIMA.
MANUTENÇÃO DO PRESO. PERMANÊNCIA DOS FUNDAMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE QUESTIO-
NAMENTO DAS RAZÕES PELO JUÍZO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIVRAMENTO
CONDICIONAL. 1. Consoante o entendimento da Terceira Seção desta Corte, permanecendo inalterados os
fundamentos que justificaram a transferência de preso para presídio federal de segurança máxima, não cabe ao
Juízo federal questionar as razões do Juízo estadual, sendo a renovação da permanência do apenado providência
indeclinável, como medida excepcional e adequada para resguardar a ordem pública. Da mesma forma, incabível
a concessão de livramento condicional enquanto persistirem os fundamentos. 2. Conflito conhecido, com a decla-
ração da competência do Juízo federal, devendo o preso continuar a cumprir a pena no presídio federal, afastada,
temporariamente, a possibilidade de concessão de livramento condicional. (CC 143.634/RJ, Rel. Ministro GURGEL
DE FARIA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2016, DJe 07/03/2016)

122
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

capítulo 8
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI
12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

1. Considerações gerais
A Lei 12.694/12 é responsável por inaugurar no Brasil a possibilidade de julga-
mento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações
criminosas, com vistas, sobretudo, à segurança e proteção do julgador.
Desde então, tornou-se comum os Tribunais por todo o Brasil adotarem colegia-
dos de julgadores, na forma disciplinada no artigo 1º, da referida Lei, avançando, inclu-
sive, para criação da Varas especializadas de combate ao crime organizada, compostas
por um colegiado permanente de magistrados de primeiro grau de jurisdição.

2. Das inovações trazidas pela Lei 13.964/19


De acordo com a redação no novel artigo 1º-A, da Lei 12.694/12, a criação de
“Varas Criminais Colegiadas” perante os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais
Federais poderá ser realizada mediante resolução, sendo desnecessária, inclusive, a
existência de Lei específica para tal finalidade.
Em verdade, este já vem sendo um procedimento comum perante os Tribunais
do país, sobretudo os Estaduais, os quais, mediante resolução, e desde, claro, que os
cargos de Juiz tenham sido criados por Lei, façam agregações de unidades, alterações
de competências e redefinições na organização judiciária, com vistas à melhor gestão
do Judiciário128.

128 Registre-se que o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre a criação destas Varas
Colegiadas, reconhecendo, em geral, a constitucionalidade da unidade jurisdicional. Neste sentido, veja-se ementa
do julgado: “Ementa: Direito Processual penal. Direito Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Cria-
ção, por Lei estadual, de Varas especializadas em delitos praticados por organizações criminosas. – Previsão de
conceito de “crime organizado” no diploma estadual. Alegação de violação à competência da União para legislar
sobre matéria penal e processual penal. Entendimento do Egrégio Plenário pela procedência do pedido de decla-
ração de inconstitucionalidade. – Inclusão dos atos conexos aos considerados como Crime Organizado na compe-
tência da Vara especializada. Regra de prevalência entre juízos inserida em Lei estadual. Inconstitucionalidade. Vio-
lação da competência da União para tratar sobre Direito Processual Penal (Art. 22, I, CRFB). – Ausência de ressalva
à competência constitucional do Tribunal do Júri. Violação ao art. 5º, XXXVIII, CRFB. Afronta à competência da

123
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

3. Da competência das Varas Criminais Colegiadas


No caso destas Varas Criminais Colegiadas, deve-se observar, contudo, que a Lei
13.964/19 elencou o rol exaustivo de crimes sujeitos à sua competência, arrolando-os
nos incisos I, II e III, do artigo 1º-A, da Lei 12.694/12, a saber:

I - crimes de pertinência a organizações criminosas armadas ou que tenham ar-


mas à disposição;
II - crime do art. 288-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal); e
III - infrações penais conexas aos crimes a que se referem os incisos I e II do caput
deste artigo.

Um detalhe importante no tocante à competência tem a ver com a exclusivi-


dade do juízo colegiado para a prática de todos os atos jurisdicionais relacionados aos
fatos definidos como sujeitos à competência da respectiva unidade jurisdicional. Assim,

União para legislar sobre processo (art. 22, I, CRFB). – Criação de órgão colegiado em primeiro grau por meio de
Lei estadual. Aplicabilidade do art. 24, XI, da Carta Magna, que prevê a competência concorrente para legislar so-
bre procedimentos em matéria processual. Colegialidade como fator de reforço da independência judicial. Omis-
são da legislação federal. Competência estadual para suprir a lacuna (art. 24, § 3º, CRFB). Constitucionalidade de
todos os dispositivos que fazem referência à Vara especializada como órgão colegiado. – Dispositivos que versam
sobre protocolo e distribuição. Constitucionalidade. Competência concorrente para tratar de procedimentos em
matéria processual (Art. 24, XI, da CRFB). – Atividades da Vara Criminal anteriores ou concomitantes à instrução
prévia. Alegação de malferimento ao sistema acusatório de processo penal. Interpretação conforme à Constitui-
ção. Atuação do Judiciário na fase investigativa preliminar apenas na função de “juiz de garantias”. Possibilidade,
ainda, de apreciação de remédios constitucionais destinados a combater expedientes investigativos ilegais. – Atri-
buição, à Vara especializada, de competência territorial que abrange todo o território do Estado-membro. Suscita-
ção de ofensa ao princípio da territorialidade. Improcedência. Matéria inserida na discricionariedade do legislador
estadual para tratar de organização judiciária (Art. 125 da CRFB). – Comando da lei estadual que determina a re-
distribuição dos inquéritos policiais em curso para a nova Vara. Inexistência de afronta à perpetuatio jurisdictionis.
Aplicação das exceções contidas no art. 87 do CPC. Entendimento do Pleno deste Pretório Excelso. – Previsão, na
Lei atacada, de não redistribuição dos processos em andamento. Constitucionalidade. Matéria que atine tanto ao
Direito Processual quanto à organização judiciária. Teoria dos poderes implícitos. Competência dos Estados para
dispor, mediante Lei, sobre a redistribuição dos feitos em curso. Exegese do art. 125 da CRFB. – Possibilidade
de delegação discricionária dos atos de instrução ou execução a outro juízo. Matéria Processual. Permissão para
qualquer juiz, alegando estar sofrendo ameaças, solicitar a atuação da Vara especializada. Vício formal, por invadir
competência privativa da União para tratar de processo (art. 22, I, CRFB). Inconstitucionalidade material, por
violar o princípio do Juiz Natural e a vedação de criação de Tribunais de exceção (art. 5º, LIII e XXXVII, CRFB). –
Atribuição, à Vara especializada, de competência para processar a execução penal. Inexistência de afronta à Carta
Magna. Tema de organização judiciária (art. 125 CRFB). – Permissão legal para julgar casos urgentes não inseridos
na competência da Vara especializada. Interpretação conforme à Constituição (art. 5º, XXXV, LIII, LIV, LXV, LXI e
LXII, CRFB). Permissão que se restringe às hipóteses de relaxamento de prisões ilegais, salvante as hipóteses de
má-fé ou erro manifesto. Translatio iudicii no Processo Penal, cuja aplicabilidade requer haja dúvida objetiva acerca
da competência para apreciar a causa. – Previsão genérica de segredo de justiça a todos os inquéritos e processos.
Inconstitucionalidade declarada pelo Plenário. – Indicação e nomeação de magistrado para integrar a Vara especia-
lizada realizada politicamente pelo Presidente do Tribunal de Justiça. Inconstitucionalidade. Violação aos critérios
para remoção e promoção de juízes previstos na Carta Magna (art. 93, II e VIII-A). Garantias de independência da
magistratura e de qualidade da prestação jurisdicional. – Estabelecimento de mandato de dois anos para a ocupa-
ção da titularidade da Vara especializada. Designação política também do juiz substituto, ante o afastamento do
titular. Inconstitucionalidade. Afastamento indireto da regra da identidade física do juiz (art. 399, § 2º, CPP). Prin-
cípio da oralidade. Matéria processual, que deve ser tratada em Lei nacional (art. 22, I, CRFB). – Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. Modulação dos efeitos temporais da decisão”. (ADI 4414,
Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG
14-06-2013 PUBLIC 17-06-2013).

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ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

tratando-se de crime arrolado nos incisos I, II ou III, do artigo 1º-A, da Lei em alusão,
caberá à Vara Criminal Colegiada a competência para todos os atos jurisdicionais, des-
de a investigação até a execução da pena, passando-se, naturalmente, pela ação penal,
conforme §1º, do mesmo dispositivo.
Este detalhe é relevante na medida em que o §1º, do artigo 1º-A, da Lei 12.694/19,
excluiu expressamente a competência do Juiz das Garantias do procedimento a ser
adotado pelas Varas Criminais Colegiadas em todo o Brasil, haja vista que a redação do
referido dispositivo atribui às referidas unidades jurisdicionais a competência desde a
investigação até a execução da pena.
Aliás, ainda que a Lei 13.964/19 não tenha promovido a exclusão expressa do Juiz
das Garantias no procedimento das Varas Criminais Colegiadas por ocasião do artigo
3º-C, do CPP, é de se observar que foi a mesma Lei Anticrime que consignou o §1º, no
artigo 1º-A, da Lei 12.694/12, atribuindo aos juízes da Vara Colegiada de primeiro grau
a competência “para todos os atos jurisdicionais no decorrer da investigação, da ação
penal e da execução da pena, inclusive a transferência do preso para estabelecimento
prisional de segurança máxima ou para regime disciplinar diferenciado”.
No mais, não fossem estes argumentos já plenamente suficientes para a conclu-
são aqui apresentada, é importante ter em mente, ainda, que as Varas reportadas pela
Lei 12.694/12 se revestem de juízos colegiados, formados por mais de um magistrado,
aplicando-se, às referidas unidades, a nosso entender, o mesmo princípio da colegiali-
dade sustentado na decisão do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual o colegiado
já proporciona a independência e a imparcialidade judicial129.
Por tais razões, não cabe a atuação do Juiz das Garantias nos procedimentos in-
vestigativos de competência das Varas Criminais Colegiadas destinadas ao combate aos
crimes descritos nos incisos I, II e III, do artigo 1º-A, da Lei 12.694/12.
Ademais, caberá à referida unidade jurisdicional, além da investigação e da
ação, acompanhar a execução da pena daqueles que tenham sido condenados pela
respectiva Vara Colegiada, não podendo haver remessa para as Varas normais de
execução penal, conforme vedação expressa contida no §3º, do artigo 1º-A, da cita-
da Lei, inclusive para os processos que tenha chegado à Vara Colegiada por declínio
de competência.
No mais, em razão da competência especializada, o § 2º, do artigo 1º-A, da Lei
12.694/12, dispõe que os processos ou procedimentos instaurados para apurar os cri-
mes mencionados no caput do artigo em outra unidade deverão ser encaminhados para
a Vara Criminal Colegiada, por declínio de competência, independente da fase em que
se encontre.
Assim, seja antes ou depois da denúncia, com ou sem sentença, ou mesmo por
ocasião da execução da pena, deverá o feito passar pelo declínio de competência em
favor da Vara Criminal Colegiada.

129 Cf. Decisão do Ministro Dias Toffoli na Medida Cautelar lançada na ADI 6298.

125
ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME NA LEI 12.694/12
ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA

ACORDOS DE NÃO PERSECUÇÃO


NA LEI ANTICRIME

127
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

capítulo 9
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS130

1. Introdução
Fruto de projetos de lei apresentados à Câmara dos Deputados em 2018 e 2019,
a Lei 13.964/2019, conhecida como Lei Anticrime, modificou mais de uma dezena de
diplomas legislativos brasileiros.
Um de seus principais eixos volta-se à ampliação da justiça consensual no Brasil.
Lá se vão mais de duas décadas desde que a Lei 9.099/1995 disciplinou nossos primei-
ros acordos penais, então limitados às infrações de pequena e média lesividade, com os
institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo.
Na década seguinte, acordos penais começaram a ser testados em crimes de
maior gravidade. Em 2003, formalizou-se o primeiro acordo de colaboração premiada
do Brasil, em forma de contrato, com cláusulas, que foi homologado pela Justiça Federal
em Curitiba. Mas foi somente um decênio depois que a Lei 12.850/2013 regulou deta-
lhadamente os acordos penais de colaboração premiada.
A justiça consensual já se impunha noutros segmentos do direito brasileiro e
tornou-se uma realidade incontornável no processo criminal. Inspirado pelo princípio
da oportunidade da ação penal, que ganhou seu espaço na jurisdição brasileira desde
a Constituição de 1988, em 2017 o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
regulamentou os acordos de não persecução penal (ANPP).
Quando a novidade veio à lume por meio da Resolução 181/2017, não foram
poucas as críticas ao CNMP, com acusações de inconstitucionalidade e de usurpação de
funções do Poder Legislativo. Nada disso me parecia coerente com o caminho percor-
rido pelo processo penal brasileiro, que vinha dando passos largos rumo ao consenso.
Tampouco as críticas pareciam corretas num país que clamava por mais justiça, por
justiça mais rápida, mais economia e menos encarceramento. Também não conseguia
divisar a suposta inconstitucionalidade da Resolução 181/2017, diante da clareza da an-
tiga redação do art. 28 do Código de Processo Penal, com sua exuberante expressão
“razões invocadas”.

130 Professor Assistente de Processo Penal (UFBA), Professor de Direito Penal (IDP), Professor de especializações em
ciências penais (anticorrupção, cooperação internacional, crime organizado, técnicas de investigação e negociação,
lavagem de dinheiro, competência), doutorando em Direito (UNICEUB), mestre em Direito Público (UFPE), MBA
em Gestão Pública (FGV), procurador regional da República (MPF), ex-promotor de Justiça, ex-Secretário de
Cooperação Internacional da PGR (2013-2017), editor do Blog juridico vladimiraras.blog.

129
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Não custa recordar que o acordo de não persecução penal não foi a primeira
criação extralegal do direito brasileiro. Antes, entre 2003 e 2013, vimos o desenvol-
vimento do procedimento da colaboração premiada, que tampouco estava previsto
em lei, mas foi chancelado pelos tribunais. Vimos também a regulamentação, pelo
CNJ, da audiência de custódia, que só agora passou a ser prevista no CPP, graças à Lei
13.964/2019. Não podemos esquecer do auxílio direto em cooperação internacional,
que era largamente aplicado no País até ser primeiro acolhido pela Resolução 9/2005,
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), só vindo a ser normatizado por lei com o Código
de Processo Civil (CPC), de 2015.
Felizmente, a posição do CNMP se mostrou acertada131. O impacto da criação
do ANPP foi tão positivo que o ministro da Justiça Sergio Moro e a comissão de juristas
presidida pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, prepararam anteprojetos de lei
para disciplinar o acordo de não persecução penal (ANPP). Tais versões eram ligeira-
mente diferentes, mas ambas claramente se inspiraram na Resolução 181/2017. Ao final
do processo legislativo, prevaleceu a proposta da comissão Alexandre de Moraes. Foi
esta a versão que acabou incluída pela Lei 13.964/2019 no novo art. 28-A do Código de
Processo Penal.
Neste texto, examinarei os contornos e características do instituto, seu procedi-
mento, suas dificuldades e desafios, não sem antes trabalhar alguns dos seus postulados.

2. Do princípio da obrigatoriedade ao princípio da oportunidade da


ação penal
Fundando-se na necessidade de defesa contra o crime, numa concepção totalitá-
ria de legalidade, o princípio da obrigatoriedade da ação penal constrange o Ministério
Público a atuar processualmente sempre que ocorrer um delito de ação penal pública.
É o que se acredita(va).
Tal princípio, que não tem estatura constitucional, deriva da ideia Nec delicta ma-
neant impunita, ou seja, da noção de que nenhum crime deve permanecer impune. Evi-
dentemente tal diretriz não se harmoniza com o direito penal de intervenção mínima.
Ao contrário, serve à doutrina da lei e da ordem ou a uma ideologia de tolerância zero,
que utopicamente pretende que a Polícia investigue todos os crimes e que o Ministério
Público também leve todos eles a julgamento pelo Poder Judiciário.
O princípio da obrigatoriedade tem merecido críticas, e não é de agora, pois,
estando no campo processual, não se coaduna com a ideia de direito penal como ultima
ratio. No moderno processo penal, tem maior aceitação o princípio da oportunidade
da ação penal pública, que confere um maior campo de discricionariedade ao Minis-
tério Público, embora ainda sujeito a controles institucionais e legais. Para BINDER, o
princípio da oportunidade pode ser entendido como “seleção orientada pelo princípio
da intervenção mínima”132, o que permite que o Ministério Público estipule regras para
escolhas conforme a política criminal abraçada uniformemente pela instituição.

131 E isto muito se deve ao então Corregedor Nacional Cláudio Portela e ao promotor de Justiça do Paraná e profes-
sor Rodrigo Leite Ferreira Cabral, que lideraram a comissão do anteprojeto da Resolução 181/2017.
132 BINDER, Alberto M. Sentido del principio de oportunidad en el marco de la reforma de la justicia penal de Amer-
ica Latina. Disponível em: http://inecip.org/wp-content/uploads/INECIP-Binder-Principio-de-oportunidad-1.pdf.
Acesso em 10.out.2017.

130
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

O princípio da oportunidade está necessariamente ligado à ideia de intervenção


mínima. Permitindo-se ao Ministério Público maior liberdade de decidir quando ofere-
cer a denúncia ou não, facilita-se a menor ingerência penal possível, sem abandonar-se
o dever de defesa da sociedade. A regulamentação de decisões de não acusar serve,
assim, a um propósito criminológico de restrição do alcance do poder das agências de
controle e de redução do encarceramento, além de ser útil à boa gestão de recursos
institucionais escassos.
Ainda há quem sustente que o Ministério Público estaria inteiramente vinculado
à missão de denunciar, quando o fato for típico, antijurídico e culpável. Preenchido o
rígido esquema legal, deveria seguir-se uma acusação em juízo, para vitalizar o jus pu-
niendi estatal. Como o Ministério Público é um ente administrativo, sua atividade seria
totalmente vinculada, o que cercearia sua independência processual, ainda quando se
apresentasse pro reo. Diante de uma dada fórmula típica e de um caso concreto, sempre
deveria ser oferecida a denúncia. Este é o dogma contra o qual o princípio da oportuni-
dade se levanta, a partir de aferições econômicas e criminológicas.
As palavras viabilidade e interesse público da persecução se apresentam como
relevantes na discussão. Abrindo-se maior espaço de discricionariedade ao Parquet,
este órgão poderia verificar a oportunidade, a conveniência, a utilidade, a nocividade
ou a economicidade da sua atuação processual, ou mesmo a sua razoabilidade, sem
prejuízo de continuar existindo o controle dessa manifestação pela instância superior da
Instituição, nos moldes do art. 28 do Código de Processo Penal133, que posiciona um ór-
gão superior do próprio Ministério Público como fiscal do princípio da obrigatoriedade.
Os arts. 28 e 28-A do CPP, este introduzido pela Lei Anticrime, demarcam signi-
ficativo ambiente normativo infraconstitucional para a ampla aplicação do princípio da
oportunidade da ação penal pública. Esse postulado deriva da regra magna de minima
non curat prætor, que hoje encontra uma de suas descrições no princípio da insignificância.
Um dos dispositivos úteis para a construção de um espaço de consenso para
a não-persecução penal sempre foi o art. 28 do Código de Processo Penal, pois este
cânon, na sua antiga redação, não especificava nem dizia quais deveriam ser as “razões
invocadas” pelo Ministério Público para a promoção do arquivamento do inquérito
policial. O promotor ou o procurador podia, perfeitamente, invocar razões de políti-
ca criminal ou de utilidade para não promover a demanda penal, tendo em vista, por
exemplo, a aproximação do termo final do prazo prescricional máximo previsto para
aquele delito ou a baixa relevância da infração penal. Podia, ainda, alegar o membro do
Parquet a insignificância penal da conduta apurada no inquérito, ou a inconveniência da
persecução, por motivos de mérito administrativo ou por falta de interesse público,
ou pela simples nocividade da própria reação processual, diante de um caso concreto.
No regime anterior134, se o juiz discordasse de tais razões, devia remeter os au-
tos à superior instância, no próprio Ministério Público, já que, em virtude da separação

133 Com a redação que lhe deu a Lei 13.964/2019. Em 22 de janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux, do STF, concedeu
medidas cautelares na ADI 6298 MC / DF, e suspendeu sine die a eficácia das regras sobre o juiz das garantias e seus
consectários (arts. 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E, 3º-F, do Código de Processo Penal); e sobre o novo procedimento
de arquivamento do inquérito policial (ar. 28 do CPP).
134 Que se mantém vigente em razão da medida cautelar na ADI 6298/DF, de 22 de janeiro de 2020, que suspendeu
a eficácia da Lei 13.964/2019 nesta parte.

131
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

das funções de acusar e julgar, característica do sistema acusatório, não podia ele mes-
mo dar início ex officio à ação penal nem determinar que o Ministério Público o fizesse,
sem ferir gravemente o art. 129, inciso I, da Constituição Federal.
A discricionariedade não pode subsistir sem controle. A solução preconizada pela
lei é aplicação do art. 28 do CPP, que, ainda mais agora, consagra a revisão obrigatória
da decisão de não acusar e adensa o princípio da unidade institucional, entronizado no
art. 127, §1º da Constituição.
A nova redação do art. 28 do CPP, dada pela Lei 13.964/2019, trata do arquiva-
mento do inquérito policial e, sem infirmar o que antes se disse, continua a permitir,
agora com maiores razões, que o Ministério Público defina a parte que lhe cabe na
política criminal do Estado, podendo, sem ingerência judicial, tomar a decisão de não
acusar. Mas antes já era assim.
Por “não acusar” entenda-se o poder-dever de determinar o arquivamento da in-
vestigação criminal (art. 28 do CPP), propor transação penal (art. 76 da Lei 9.099/1995),
formalizar acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP) ou oferecer imunidade
em acordo de colaboração premiada (art. 4º, §4º, da Lei 12.850/2013). Nota-se que to-
das as formas de delinquência, desde as mais leves até as mais insidiosas, podem agora
ser objeto de alguma espécie de saída consensual, o que está a exigir um regulamento
uniforme no CPP.
Esse espaço de consenso foi sendo construído aos poucos, desde 1995, receben-
do influxos do direito administrativo, com os acordos de leniência do sistema brasileiro
de defesa da concorrência (Leis 10.149/2000 e 12.529/2011) e depois os ajustes da Lei
Anticorrupção Empresarial (Lei 12.846/2013) e da Lei da Mediação (Lei 13.140/2015).
Os influxos também vieram do direito processual civil, com seus termos de ajustamen-
to de conduta (TACs) em matéria de direitos coletivos e difusos, tão importantes para
a tutela de interesses previstos na Lei de Ação Civil Pública, de 1985, e do Código de
Processo Civil, de 2015, com seu princípio do consenso.
No percurso da obrigatoriedade ao modelo de oportunidade, vimos um espas-
mo legislativo na Lei 10.409/2002, cujo art. 37, inciso IV, permitia ao Ministério Público,
justificadamente, “deixar de propor ação penal contra os agentes ou partícipes do deli-
to”, nos crimes da Lei de Antidrogas.135
Em face de contingências econômicas do Estado e de legítimas aspirações de
justiça mais rápida e eficiente, sem violação de direitos fundamentais, é inevitável a
modificação do modelo conflitivo de processo penal, o que se alcançará com a paulatina
mitigação da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal, prevista esta no art.
42 do CPP. Seu tempo passou, seu âmbito é cada vez mais reduzido, sua utilidade e
pertinência escasseiam.
Outros elementos normativos que permitem concluir pela inadequação do prin-
cípio da obrigatoriedade ao moderno processo penal surgem da análise da estrutura da
ação penal privada e da ação penal pública condicionada.
O brocardo Nec delicta maneant impunita somente se aplica inteiramente à ação
penal pública incondicionada. Para a ação penal privada e para a ação penal pública

135 Este diploma foi revogado pela Lei 11.343/2006.

132
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

condicionada, este dogma não tem qualquer influência, pois a propositura delas fica a
depender da vontade (autonomia privada) do indivíduo ofendido ou da requisição do
Ministro da Justiça, que agirá animado com razões políticas de Estado.
Consideradas a ação penal privada e a ação penal pública condicionada, vale a não
obrigatoriedade da ação penal; nelas o âmbito de atuação da autonomia privada é ab-
soluto. Vale dizer, sem a vontade do indivíduo não haverá ação civil, não será proposta
ação penal privada, e o Ministério Público não poderá oferecer denúncia em crime de
ação penal pública condicionada.
Adepto do sistema da oportunidade, LOPES faz severa crítica ao princípio da
obrigatoriedade, assinalando a hipocrisia de sua adoção rigorosa. Assegura o referido
autor, apoiando-se na exposição de motivos da Lei 9.099/1995, que:

Na prática, operam diversos critérios de seleção informais e politicamente caóticos.


Não se desconhece que, em elevadíssima percentagem de certos crimes de ação
penal pública, a polícia não instaura o inquérito, o Ministério Público não oferece a
denúncia, esse mesmo órgão e o juiz agem de modo a que se atinja a prescrição136.

E isso é a mais pura e cristalina verdade. Na maior parte dos casos, é a Polícia
Judiciária que dispõe da ação penal, “porque sempre esteve em vigência clandestina o
princípio da oportunidade, mas sem qualquer controle da discricionariedade e fragmen-
tado pelos diversos órgãos de atuação estatal, desde a Polícia até o Poder Judiciário”137.
Assim, ao exercer as atribuições cometidas ao órgão pelo art. 28 do CPP ou pelo
art. 62, IV ou art. 136, IV ou art. 171, IV da Lei Complementar 75/1993138, o órgão revi-
sor competente do Ministério Público – seja ele o Procurador-Geral de Justiça ou uma
das Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público da União – não pratica
ato jurisdicional; apenas recusa-se a exercer o direito de ação, numa legítima opção de
mérito administrativo.
Com precisão, MEIRELLES ensina que poder discricionário “é o que o Direito
concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos admi-
nistrativos com liberdade de escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo”.139
O princípio da obrigatoriedade jamais foi e jamais poderá ser levado às últimas
consequências, porque há toda uma gama de infrações penais que não chegam a ser
conhecidas; outras que, mesmo conhecidas pelas vítimas, não são comunicadas à Justi-
ça e ao aparelho de enforcement; e outras ainda que, mesmo conhecidas pelo Estado,
não são apuradas ou punidas, constituindo o que se denomina “cifra oculta”, que é a
demonstração matemática da existência de discricionariedade sem controle ou da in-
viabilidade concreta da obrigatoriedade.
Daí é que o princípio da oportunidade vem-se impondo paulatinamente, ga-
nhou assoalho constitucional em 1988 e foros de legalidade com as Leis 9.099/1995,
9.807/1999, 10.409/2002, 12.850/2013 e 13.964/2019, e assumiu corpo de instituto

136 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Direito penal, estado e constituição, São Paulo: Boletim IBCCrim, 1997, p. 157.
137 LOPES, op. cit.
138 Aplicáveis respectivamente ao MPF, ao MPM e ao MPDFT.
139 MEIRELLES, HELY L. Direito administrativo brasileiro, São Paulo: Malheiros, 17ª edição, p. 102.

133
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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de direito na releitura do art. 28 do CPP, traduzindo-se como instrumento da nova política


criminal, apto a colaborar para a superação do sistema de justiça penal puramente conflitiva.

3. O consenso no processo penal


A concepção estruturante que inclui considerações de oportunidade e consenso
no exercício da ação penal pública tem ganho espaço aos poucos no sistema jurídico
brasileiro, a partir da Constituição Federal de 1988. Além de conferir independência
funcional ao Ministério Público para as decisões de acusar e não acusar (art. 129, inciso
I), a Carta republicana permitiu a instituição do procedimento sumaríissimo e da tran-
sação penal no Brasil (art. 98, inciso I).
A evolução do sistema penal rumo ao consenso foi descrita por SILVA SAN-
CHÉZ, na sua explanação sobre um direito penal de duas velocidades. Nos esquemas
de segunda velocidade, estão em jogo penas não privativas de liberdade, o que permite
mitigar certos preceitos tradicionais do direito penal, em função da previsão de sanções
penais reduzidas.140
Neste caminho, a Lei n. 9.099/1995 positivou a oportunidade, no espaço infra-
constitucional, vindo a mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública,
ao permitir a composição civil do dano (art. 74) como causa de exclusão do processo;
ao estabelecer as hipóteses de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade,
mediante transação penal ofertada pelo Ministério Público (art. 76); e ao regulamentar
o instituto da suspensão condicional do processo, também dependente de proposta ou
aceitação do Parquet, na forma do art. 89 daquela lei.
Em outros sistemas jurídicos, institutos como o pattegiamento italiano e o plea
bargain norte-americano dão mostras do funcionamento do princípio da oportunidade
da ação penal pública (prosecutorial discretion), que, entre nós, vigora em absoluto ape-
nas para a ação penal privada.
As razões desta evolução estão ligadas a contingências econômicas, a critérios
criminológicos e ao modelo acusatório, que se encontra em expansão em todo o mun-
do. O Ministério Público ganhou grande relevo no sistema constitucional que adveio
da Carta de 1988; assumiu um novo perfil e adquiriu elevado status constitucional. Daí
MAZZILLI conceituar o Ministério Público como:

“(...) órgão do Estado (não do governo), dotado de especiais garantias, ao qual a


Constituição e as leis cometem algumas funções ativas ou interventivas, em juízo ou
fora dele, para a defesa de interesses da coletividade, principalmente os indisponíveis
e os de larga abrangência social”141.

Também assim se deu com a Lei 9.099/1995, que cometeu ao Parquet uma nova
função ativa, a de transacionar na ação penal pública, na defesa dos interesses da cole-
tividade, como alternativa à persecução penal tradicional.

140 SÁNCHEZ, Jésus-Maria Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-indus-
triais. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
141 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 2.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Há bastante tempo FREDERICO MARQUES, lembrando a lição do juiz Euclides


Custódio da Silveira142, já admitia que o antigo texto do art. 28 do CPP mitigava o prin-
cípio da obrigatoriedade da ação penal, por fazer referência a “razões invocadas”. Não
determinando que “razões” seriam essas, o art. 28 do CPP, na sua redação original de
1941143, abria caminho para pedidos de arquivamento por considerações de oportuni-
dade, economicidade, conveniência ou insignificância, que podiam ser acolhidas pelo
juiz ou pelo Procurador-Geral de Justiça144.

[...] fala o texto citado em ‘razões invocadas’, para pedir o arquivamento, pelo
órgão do Ministério Público, – razões que o juiz examinará se são procedentes ou
improcedentes. Não esclarecendo a regra legal quais essas razões, nada impede que o
Promotor Público invoque motivos de oportunidade que, se forem relevantes, podem
ser atendidos ou pelo juiz, ou pelo chefe do parquet. Tais motivos são examinados
pelo juiz e pelo procurador-geral. Devem ser ponderáveis e baseados na absoluta
inconveniência da propositura da ação penal pública. Além disso, só se compreende
em infrações de pequena gravidade: de minima non curat praetor.

Neste contexto, o Ministério Público brasileiro é, assim, um promotor da política


criminal do Estado, na dimensão da persecução criminal, quando decide acusar ou não
acusar, quando arquiva ou transaciona. O promotor natural não é um mero especta-
dor, não é um autômato da lei penal, ou um convidado de pedra na sala da Justiça. Na
condição de agente político do Estado, o membro do Parquet tem o dever de discernir
a presença, ou não, do interesse público na persecução criminal em juízo. Diante da
franquia do art. 129, inciso I, da Constituição, combinado com outros dispositivos do
ordenamento jurídico, cabe-lhe decidir por não proceder à ação penal, para encami-
nhar a causa criminal a soluções alternativas, não judicializando a pretensão punitiva.
Entre essas soluções estão a opção pela Justiça Restaurativa ou pelos acordos penais.
“Quando o órgão do Ministério Público emite uma opinião, nem mesmo seus su-
periores hierárquicos não lhe podem reformar a convicção formada pelo estudo hic et
nunc de determinado caso criminal”145, diz Frederico MARQUES. Tampouco pode o juiz
fazê-lo. Na lição do saudoso jurista, “O Ministério Público é independente do juiz, que
lhe não pode criticar os atos funcionais” . E prossegue, citando Carnelutti: “Enquanto
o juiz age em função do interesse externo da composição da lide, o Ministério Público
atua em função de interesses públicos conexos com os interesses em conflito”.146
A Resolução CNMP 181/2017 surgiu nesse contexto normativo, no qual o Mi-
nistério Público é a única147 instituição pública autorizada pela Constituição a decidir

142 Custódio da Silveira (1908-1967) chegou a desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
143 Alterada pela Lei 13.964/2019, cuja eficácia foi suspensa em 22 de janeiro de 2020, na ADI 6298 MC /DF, Rel. Min.
Luiz Fux.
144 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 338/339.
145 MARQUES, José Frederico. Op. cit.
146 MARQUES, José Frederico. Op. cit.
147 Embora situado no capítulo reservado ao Parquet, o art. 129, inciso I, da CF não é uma garantia corporativa, mas
verdadeiramente uma garantia do cidadão, irmã daquela que veda juízos e tribunais de exceção. Um Ministério
Público independente e encarregado da persecução criminal garante a imparcialidade do juiz e o devido processo
legal, evitando também a titularidade difusa da ação penal, facilitadora de vinditas processuais e promotora de
insegurança jurídica.

135
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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pela propositura ou pela não propositura da ação penal pública, cabendo-lhe motivar
sua decisão sempre que decidir por não fazê-lo. O princípio da oportunidade da ação
penal permite ao Parquet deixar de agir nos casos de mínima reprovabilidade ou escassa
lesividade e também quando houver o integral restabelecimento do status quo ante ou
uma expectativa disto.
Diz o art. 18, §11º da Resolução 181/2017 que o Ministério Público deve promo-
ver o arquivamento da investigação, caso o acordo de não persecução não seja cumpri-
do pelo investigado. Por que é assim? Porque na essência o acordo de não persecução
criminal é um negócio processual, um pactum de non petendo, que mantém em stand-by
a decisão de arquivamento da investigação. O envio da apuração ao arquivo depende
do cumprimento voluntário das obrigações acordadas com o Ministério Público, que se
vale do princípio da oportunidade da ação penal, para sustar o oferecimento da denún-
cia, enquanto o indivíduo cumpre o programa com o qual se conformou. É assim um
arquivamento condicional. A condição a ser atendida é o adimplemento do conjunto de
obrigações de fazer ou não fazer a serem chanceladas pelo juiz, na simples verificação
da autonomia da vontade da parte privada (art. 18, §5º, da Resolução 181/2017, e art.
28-A, §6º do CPP).
Este desenho foi ligeiramente alterado pelo legislador em 2019, com um adendo.
De fato, o §13 do art. 28-A do CPP determina agora que o juiz decretará a extinção
da punibilidade do investigado, se o acordo de não persecução penal for integralmente
cumprido. Na prática, o Ministério Público continuará promovendo o arquivamento da
investigação, tão logo verifique o adimplemento do acordo, perante o juízo competen-
te. O reconhecimento judicial da extinção da punibilidade é um plus, que vem em favor
da segurança jurídica.

4. O ministério público como agente da política criminal do estado


Devemos todos nos curar dos maus vezos da arcaica dogmática processual penal
que privilegia o conflito e menospreza o consenso.
Desde 1995, revolucionou-se o sistema brasileiro de persecução criminal. Antes
do conflito, do embate e do entrechoque de opiniões e teses, é possível a conciliação
entre as partes, permite-se que se evitem as agruras do processo penal (difícil para os
atores processuais), mediante o acordo das (futuras) partes, cada qual cedendo um
pouco do exercício de seus direitos, para o aperfeiçoamento de um pacto que atenda a
interesses recíprocos e concilie os contrapostos.
Na nova feição de justiça pactuada e consensual inaugurada pela Lei 9.099/1995
e reforçada pelas Leis 12.850/2013 e 13.964/2019 e por outros diplomas, é necessário
abandonar antigos preconceitos e aceitar a existência de um “espaço de consenso”,
valorizando-se o sistema acusatório e positivando-se a maturidade do Ministério Públi-
co, como uma das instituições que maneja a política criminal do Estado. O promotor
de Justiça ou o procurador da República não é um mero robot, que aplica com cego
rigor supostas regras de persecução criminal obrigatória, sem o mínimo juízo crítico,
apoiado na frágil crença de que o processo penal seria suficiente em si mesmo, haja o
que houver.

136
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Se o Ministério Público é a instituição encarregada da defesa da ordem jurídica,


do regime democrático e dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis,
sendo titular privativo da ação penal pública, é imperativo lógico admitir a sua participa-
ção na administração da Justiça Penal. Afinal, o Parquet é essencial à função jurisdicional
do Estado. Por isso é que poderá a instituição ministerial atuar como executora e coges-
tora da política criminal, com vistas a contribuir com o Poder Executivo para a garantia
da segurança pública e a realização do ideal de justiça.
Como órgão da Administração, ao Ministério Público aplicam-se os princípios ge-
rais que a regem, e a ele se reservam certos poderes-deveres, informados pelo mérito
administrativo. Neste limitado contexto, a denúncia criminal é um ato administrativo
que provoca o exercício da jurisdição (ato judicial). É uma decisão da Administração
em relação a um certo administrado. Como ato administrativo, é uma manifestação de
vontade do Estado-Administração para o exercício de suas funções acusatórias, com o
objetivo de alcançar um determinado efeito jurídico: a aplicação de uma sanção penal
contra um determinado infrator, quando isso lhe pareça necessário, útil ou meritório.
As decisões de acusar ou não acusar; como acusar, quando acusar, a quem acusar
são discricionárias quanto ao mérito, embora referentes a uma justa causa específica,
que está fincada na legalidade e na taxatividade penal. Segundo MEIRELLES, o mérito
administrativo consiste na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato dis-
cricionário, “feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a
decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar”148. Esse conceito
diz respeito à valoração da eficiência, oportunidade, conveniência e justiça do ato.

[...] a Administração decide livremente, e sem possibilidade de correção judicial,


salvo quando o seu proceder caracterizar excesso ou desvio de poder. Em tais
atos (discricionários), desde que a lei confia à Administração a escolha e valoração
dos motivos e do objeto, não cabe ao Judiciário rever os critérios adotados pelo
administrador, porque não há padrões de legalidade para aferir essa atuação.149

É por isso que se permite ao Ministério Público, entre as possibilidades legais,


escolher a solução que melhor corresponda, no caso concreto, ao interesse público.
Ou seja, ao praticar o ato discricionário, o Parquet é livre dentro das opções previstas
em lei quanto à apreciação do mérito administrativo. E diz LOPES:

(...) entre praticar o ato ou dele se abster, entre praticá-lo com este ou aquele
conteúdo (p. ex: advertir, apenas, ou proibir), ela (a Administração) é discricionária.
Porém, no que concerne à competência, à finalidade e à forma, o ato discricionário
está tão sujeito aos textos legais como qualquer outro.150

Inspiram o ato administrativo os princípios da oportunidade, economicidade, jus-


tiça e conveniência, que constituem o mérito administrativo. Não se concede ao Poder
Judiciário imiscuir-se em sua análise. O juiz deve limitar-se exclusivamente a verificar
sua legalidade, sem substituir-se ao administrador.

148 MEIRELLES, op. cit., p. 138.


149 Op. Cit. idem.
150 Op. cit., p. 153.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Transportando esse conceito administrativo para a análise do art. 28-A do CPP


e do art. 18 da Resolução CNMP 181/2017, ver-se-á que o não oferecimento da de-
núncia, como ato do Estado-Administração, é uma decisão do Ministério Público infor-
mada pelo mérito administrativo. Diante de um acordo de não persecução penal, que
inicialmente tem natureza extrajudicial, mas depende de posterior controle do Poder
Judiciário para sua eficácia, não pode o juiz substituir-se ao Estado-Administração para
dar início à ação penal ou provocá-la, contra a vontade do titular da ação, em detrimen-
to do investigado. Pode homologá-lo ou recusar-se a fazê-lo, cabendo-lhe neste caso
aplicar o art. 28 do CPP, salvo em certas hipóteses, como se dá diante de uma flagrante
ilegalidade ou de uma atipicidade manifesta.151
MEIRELLES situa o Ministério Público entre os órgãos independentes,

(...) colocados no ápice da pirâmide governamental, sem qualquer subordinação


hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos controles constitucionais de um Poder
pelo outro. Por isso são também chamados órgãos primários do Estado. Esses órgãos
detêm e exercem precipuamente as funções políticas, judiciais e quase-judiciais
outorgadas diretamente pela Constituição, para serem desempenhadas pessoalmente
pelos seus membros (agentes políticos, distintos de seus servidores, que são agentes
administrativos), segundo normas especiais e regimentais.152

Ao conceituar agentes políticos, MEIRELLES explica que “exercem funções go-


vernamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os ne-
gócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua compe-
tência”. E completa: “Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional,
equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos”.153
O controle jurisdicional do acordo de não persecução penal estará sempre pre-
sente, seja pela homologação ou não da avença pelo juiz, seja pela remessa dos autos
à instância superior do Ministério Público, para que, dentro do Estado-Administração,
decida-se, definitivamente, sobre a formalização do acordo, desde que legal, ou pela
propositura de ação penal. É o que se extrai do art. 28-A, §§5º a 8º, do CPP, combinado
com o art. 18, §§5º e 6º, da Resolução 181/2017 do CNMP.
A homologação é ato de controle judicial, que apenas pode confirmar o ato (no
caso o pacto), ou rejeitá-lo, a fim de que a irregularidade seja corrigida por quem a pra-
ticou. Daí que, diante de recusa ministerial à propositura da ação penal, deve seguir-se
a remessa dos autos ao Procurador-Geral ou à Câmara de Coordenação competente,
para que se examine a conveniência e a oportunidade do acordo, pois unicamente
o Estado-Administração (aí presentado pelo Ministério Público) pode valorar interna-
mente se praticará o ato (denúncia) ou se absterá de fazê-lo. “O juízo de conveniência
ou oportunidade de revisão e controle é fundamentalmente político-administrativo e
discricionário”, diz MEIRELLES154.

151 Vide o art. 581, inciso XXV, do CPP, que prevê nova hipótese de manejo do recurso em sentido estrito, quando o
juiz de garantias “recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal”. Vide também os §8º do
art. 28-A do CPP. Tais dispositivos precisam ser compatibilizados com o princípio acusatório (art. 3º-A do CPP), o
que procuramos fazer adiante.
152 MEIRELLES, op. cit., p. 66/67.
153 Op. cit., p. 73.
154 MEIRELLES, op. cit., p. 573.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Em razão disso, o controle da conveniência, economicidade, justiça, eficiência e


oportunidade dos acordos penais em geral é privativo da Administração Superior do
Ministério Público, que exerce o controle de legalidade e de mérito administrativo, con-
formando o princípio da unidade institucional (art. 127, §1º, da Constituição), ao passo
que o Judiciário exerce o controle de legalidade dos atos da Administração. Assim não
sendo, o juiz estaria desbordando de sua competência jurisdicional, para atuar como
parte na relação processual que somente eventualmente se formará.
Como visto, o Ministério Público integra o Estado-Administração e atua in-
dependentemente de provocação para que a vontade legal seja cumprida, ao passo
que a jurisdição só se desenrola mediante provocação da parte interessada. Como
agente político, o Ministério Público tem o poder discricionário de promover o
arquivamento ou de oferecer a denúncia, e agora também o de negociar um ajuste
para o não início do processo penal. A competência (atribuição) para a prática do
ato é privativa do Ministério Público, por expressa disposição normativa, do art.
129, I, da Constituição.
O art. 28-A, §§5º, 8º e 14, do CPP e o §6º do art. 181 da Resolução 181/2017
evidenciam a dimensão do controle judicial (anômalo) do dever de persecução estatal
plena, que, todavia, já está informado pelo princípio da oportunidade da ação penal e
pelo princípio acusatório (art. 129, I, CF e art. 3º-A do CPP)155.

5. Saídas alternativas ao processo penal

Para as situações de falta de justa causa para a ação penal, há ao menos três solu-
ções para que não se dê início à persecução criminal em juízo. Compreendem as promo-
ções de arquivamento pelo Ministério Público – verdadeiras decisões de não proceder
nas quais a última palavra é da instituição156 –; a rejeição da denúncia ou da queixa-crime
pelo juiz ou tribunal; e os habeas corpus para trancamento de inquérito policial.
Paulatinamente, foram sendo construídas saídas alternativas ao processo penal
tradicional, para abranger situações nas quais há justa causa para o processo penal e
viabilidade condenatória. Deste tipo são os acordos de transação penal e de suspen-
são condicional do processo da Lei 9.099/1995, além de outras duas formas moder-
nas de não judicialização de causas penais mediante a substituição do conflito pelo
consenso.
A primeira delas engloba as práticas de Justiça Restaurativa, incentivadas pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP), por um sem-número de entidades acadêmicas e da sociedade civil e por or-
ganismos internacionais. As soluções restaurativas são possíveis em casos criminais.

155 Por motivos de difícil compreensão, a eficácia do princípio acusatório (art. 3º-A do CPP) também foi suspensa pela
medida cautelar na ADI 6398/DF, proferida pelo min. Luiz Fux em 22 de janeiro de 2020. Contudo, prevalece no
sistema por força da Constituição.
156 Vide o art. 28 do CPP, o art. 29, VII, da Lei 8.625/1993, o art. 62, IV, da Lei Complementar 75/1993 e copiosa
jurisprudência do STF. Por todos, vide o Inq. 510/DF, rel. min. Celso de Mello, de 1991. No STJ, vide o HC 95.917/
SC, 6ª Turma, rel. min. Nilson Naves, de 2010.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

A segunda forma é a das convenções de não persecução penal, que se dividem


em três espécies:
acordos de não persecução penal sem confissão nem admissão de culpa, mas
com imposição de “pena” não privativa de liberdade, de que são exemplo as transações
penais previstas na Lei 9.099/1995;
acordos judiciais de não persecução penal com confissão e delação de terceiros,
previstos na Lei 12.850/2013, de que são exemplos os acordos de colaboração pre-
miada para postergação do oferecimento de denúncia, que guardam similitude com os
deferred prosecution agreements (DPA), e os acordos de colaboração premiada para não
persecução (imunidade), que se assemelham, em certos pontos, aos non-prosecution
agreements (NPA), do direito comparado; e
os acordos de não persecução penal de simples confissão, de cunho extrajudicial,
objeto do art. 28-A do CPP e do art. 18 da Resolução 181/2017, do CNMP.
Os acordos regulados pelo art. 28-A do CPP e pelo art. 18 da Resolução CNMP
181/2017 não são exatamente ajustes para fins penais, já que não impõem penas. Não
havendo acusação criminal (denúncia), não há processo penal em sentido estrito. Logo,
não há nem pode haver pena, pois não há julgamento, sequer na forma de juicio abre-
viado. Tampouco há sentencing, etapa que se segue à formalização e confirmação de um
plea bargain. Tanto é assim que a consequência do não cumprimento do acordo de não
persecução não é a execução forçada de pena; é simplesmente o início do processo
penal, mediante denúncia do Ministério Público (§10 do art. 28-A do CPP).
No Brasil, os acordos penais em sentido amplo157 estão previstos na Lei 9.099/1995,
a saber a transação penal e a suspensão condicional do processo, dos quais resultam
medidas similares a penas não privativas de liberdade e obrigações (condições). Em sen-
tido estrito158, os acordos penais restringem-se aos compromissos celebrados com base
na Lei 12.850/2013159, que trata da colaboração premiada (negociada), com confissão.
Os acordos de não persecução penal do art. 28-A do CPP são um terceiro gênero, pois,
embora exijam confissão, não importam em aplicação de penas.
Num país marcado pela ineficiência do sistema penal, de um lado, e pelo caos
do sistema prisional, de outro, é necessário insistir na busca de soluções alternativas ao
processo penal tradicional. Uma delas é a justiça pactuada, que torna a prisão uma op-
ção reservada somente a casos mais graves, com evidentes vantagens para o acusado:

Já sob a ótica do acusado, sua condição de destinatário da persecução criminal e as


suas garantias processuais, especialmente a de não-autoincriminação, lhe permitiram
não agir em plena cooperação processual, estando ele desobrigado a contribuir na
produção probatória ou em quaisquer esclarecimentos que impliquem prejuízo a
sua defesa, já que a Constituição Federal (art. 5º, LXIII) e a Convenção Americana

157 Sem confissão.


158 Com confissão.
159 Vide a COR 35046/PR, da 7ª Turma do TRF-4, j. em 03/11/2009, da relatoria do então desembargador Néfi Cor-
deiro (hoje no STJ).

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

de Direitos Humanos (art. 8º, 2, ‘g’) lhe asseguram o direito ao silêncio e a não-
autoincriminação. Trata-se, no entanto, de uma faculdade processual, o que implica
reconhecer que se o acusado assim quiser, poderá cooperar ativamente na relação
processual, seja pela confissão, pelo fornecimento de informações, pela disposição
a submissão aos meios probatórios, enfim, quaisquer atos que contribuam para o
esclarecimento da imputação.160

Levando isto em conta, diante do cenário probatório, pode interessar ao acu-


sado resistir à pretensão punitiva ou pode parecer-lhe mais conveniente e oportuno
conformar-se, mediante a celebração de acordos penais ou de ajustes processuais.

6. Acordos penais no Brasil

Conforme vimos, a Lei 9.099/1995, que criou os Juizados Especiais Criminais,


introduziu um novo paradigma na ordem jurídico-penal nacional: o da justiça criminal
consensual.
Fruto da feliz previsão constitucional do art. 98, inciso I, da Constituição de 1988,
os Juizados Especiais Criminais foram criados com competência para a “conciliação,
o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade” e de “infrações
penais de menor potencial ofensivo”.
Além de estabelecer nova espécie conceitual no campo penal, que só veio a ser
definida em 1995, o constituinte permitiu, às expressas, a transação penal na forma da lei,
preconizando a utilização do procedimento oral e sumariíssimo e permitindo o julgamen-
to dos recursos por turmas de juízes de primeiro grau. A simplificação das formas em rito
abreviado, com previsão de penas não privativas de liberdade foi o modelo eleito.
O objetivo dessa norma constitucional foi o de propiciar uma justiça criminal
mais ágil e mais adequada à conjuntura social em um Estado democrático, simplificando
procedimentos criminais e impedindo a estigmatização do acusado pelo processo pe-
nal, que tem em si as suas próprias agruras.
É fora de dúvida que a Lei 9.099/1995 implantou no Brasil um novo sistema
de justiça pactuada, não conflitiva, de intervenção mínima, tendente a estabelecer o
consenso para a composição dos litígios, sempre mediante o efetivo acordo entre as
partes processuais, com mediação judicial. A nova lei quebrou a rigidez do princípio da
obrigatoriedade e estabeleceu uma política criminal que permite de logo a exclusão do
processo e de suas aflições, em benefício do acusado, adotando também uma lógica de
responsabilização do agente do fato delituoso, mediante a composição civil ou acordos
penais, o que facilita sua recuperação e a reintegração do tecido social.
Transação nada mais é que um acordo, ajuste ou pacto que dirime um litígio,
mediante concessões recíprocas das partes interessadas, de modo a obter a auto-

160 SILVA, Franklin Roger Alves. A construção de um processo penal cooperativo e a instalação do contraditório como
direito de influência. In: CABRAL, Antônio do Passo; PACELLI, Eugenio; CRUZ, Rogério Schietti. Repercussões do
novo CPC: processo penal. Salvador: JusPodivm, 2016, vol. 13.

141
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

composição dos interesses em conflito. É negócio bilateral. No sistema preconizado


pela Lei 9.099/1995 e pela Lei 12.850/2013, está sempre sujeita a controle judicial.
Assim também ocorre na Lei 13.964/2019. O magistrado assume a função de homo-
logador da avença. Portanto, não se trata mais de impor uma decisão que sujeite os
interesses de uma parte aos da outra, como acontece no modelo de justiça conflitiva,
cuja mentalidade meramente repressiva pode ser substituída por soluções baseadas
no consenso.
Essa linha apresenta traçado ascendente. Em 2014, a Resolução CNMP 118 ins-
tituiu a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Públi-
co. Seu art. 15 determina que as convenções processuais são recomendadas toda vez
que o procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efe-
tiva tutela jurisdicional aos interesses materiais subjacentes, bem assim para resguardar
âmbito de proteção dos direitos fundamentais processuais.
O art. 16 desse ato recorda a atribuição do Ministério Público de, em qualquer
fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir, modifi-
car ou extinguir situações jurídicas processuais. Tais convenções processuais devem ser
celebradas de maneira dialogal e colaborativa, com o objetivo de restaurar o convívio
social e a efetiva pacificação dos relacionamentos por intermédio da harmonização en-
tre os envolvidos, podendo ser documentadas como cláusulas de termo de ajustamento
de conduta.
O CPC (2015) também informa o novo modelo processual brasileiro, em que
se estimula o consenso. De fato, o §2º do art. 3º do CPC diz que o Estado promove-
rá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, acrescendo o §3º que a
conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão
ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial.
O consenso produz benefícios recíprocos para os acordantes. No âmbito do
acordo de não persecução penal, a concessão do Ministério Público é o não exercício
do direito de ação, quando buscaria a aplicação de uma sanção condenatória privativa
de liberdade ou de outra natureza ao investigado. Já o acusado, sem abdicar do direito
à ampla defesa, renuncia ao direito de não colaborar com o Estado, pois sujeita-se de
logo a obrigações de ordem civil, chamadas pela lei de condições.
Por tudo, pode-se dizer com o sempre lembrado BINDER que o princípio da
legalidade (ou obrigatoriedade) da ação penal e o da oportunidade podem conviver no
sistema processual penal. É isso o que se está assistindo, no momento em que se tenta
dar a maior vitalidade possível aos institutos negociais, como saídas abreviadas ao pro-
cesso penal, os quais incomodam velhas concepções dominantes, mas que devem ser
consideradas pois descortinam o horizonte inevitável da Justiça Criminal consensual.
O mais novo destes ajustes é o acordo de não persecução penal, previsto
no art. 28-A do CPP, resultante da Lei 13.964/2019, cuja vigência iniciou-se em
23 de janeiro de 2020. 161

161 Na ADI 6398 MC / DF, o ministro Luiz Fux do STF suspendeu a eficácia de alguns de seus dispositivos.

142
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7. Os acordos de não persecução penal da Lei 13.964/2019

Quando entrou em vigor, a Lei n. 9.099/1995 provocou perplexidade entre juí-


zes, advogados, membros do Ministério Público, defensores e demais profissionais ju-
rídicos, devido à dificuldade de assimilação da transação penal e da suspensão condi-
cional do processo, institutos que modificaram as noções sobre a obrigatoriedade e a
indisponibilidade da ação penal pública e levaram tais operadores a cogitar soluções
consensuais, onde antes não era possível.
Neste mesmo contexto, surgem os acordos de não persecução penal (ANPP).
Inicialmente regulados pela Resolução 181/2017 do CNMP, os ANPP são agora objeto
do art. 28-A do CPP.
Com isto, o cenário legislativo passa a ser o seguinte: para infrações penais de
menor potencial ofensivo, a Lei 9.099/1995 autoriza a transação penal, em lugar do
oferecimento da denúncia; para os crimes mais graves, a Lei 12.850/2013 autoriza os
acordos de imunidade e de sobrestamento da denúncia, assim como os ajustes de miti-
gação de pena. O art. 28 do CPP permite ao Ministério Público invocar razões de mérito
para não promover a ação penal pública, atividade para a qual só esta instituição tem
legitimidade (art. 129, I, Constituição).
Para completar, a Resolução CNMP 118/2004 estimula a adoção de práticas res-
taurativas e convenções processuais pelo Ministério Público. Ao seu tempo, o art. 784,
IV, do CPC de 2015 considera título executivo extrajudicial o instrumento de transação
referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública,
pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tri-
bunal.
Antes da Lei Anticrime, discutia-se a legalidade, a legitimidade e a constituciona-
lidade do art. 18 da Resolução CNMP 181/2017. Essa discussão foi, todavia, superada
com a entrada em vigor da Lei 13.964/2019, que regulamentou o acordo de não perse-
cução penal, de modo muito parecido com o que fizera o CNMP em 2017.
O ANPP é um acordo de natureza processual penal que se presta a evitar a per-
secução criminal contra autor de crime com pena mínima inferior a 4 anos, desde que
praticado sem violência ou grave ameaça contra a pessoa. Em troca da não deflagração
da ação penal pelo Ministério Público, o investigado sujeita-se ao cumprimento de cer-
tas obrigações, chamadas de condições pela lei.

7.1. Características gerais do acordo de não persecução penal


O acordo de não persecução penal é um negócio jurídico bilateral que impacta
sobre o exercício da ação penal pública, condicionada ou incondicionada. Sua eficácia é
condicionada à sua homologação judicial. O ANPP exige confissão voluntária e não im-
plica a delação de terceiros. É uma novidade na legislação brasileira, embora conhecido
desde 2017 na prática forense.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Regulada pelo art. 28-A do CPP e pelo art. 18 da Resolução CNMP 181/2017,
tal convenção tem seu fundamento constitucional nos arts. 5º, inciso LXXVIII162, 37163 e
129, inciso I, da CF, que sedimenta o princípio da oportunidade da ação penal. Relacio-
na-se com o instituto da confissão espontânea (art. 65, III, ‘d’, do CP) e tem fundamen-
to, para o investigado, no princípio da autonomia da vontade.
Essencialmente, o acordo de não persecução criminal é um arquivamento con-
dicionado ao cumprimento de obrigações não penais (de fazer, de não fazer ou de
dar). Por isso, dialoga com o art. 28 do CPP, que regula o arquivamento de investiga-
ções criminais pelas razões que o Ministério Público invocar. Entre tais razões está, por
exemplo, a falta de interesse de agir que, no contexto dos acordos de não persecução,
resulta da suficiência da solução empregada no caso concreto, mediante ajuste. Uma
vez cumprido o acordado, a persecução penal torna-se desnecessária porque o melhor
resultado alcançável, na perspectiva do investigado, do Ministério Público e da vítima,
será ou já terá sido obtido mediante consenso, sendo inútil movimentar a pesada má-
quina jurisdicional para o mesmo fim.
Como, em função do acordo, a ação penal não é proposta, o cumprimento da
avença acarreta invariavelmente o arquivamento da investigação, com a decretação da
extinção da punibilidade do agente. Por isto, é correto afirmar que o acordo de não
persecução penal é um arquivamento condicional, fundado na falta de interesse de agir
do Estado. Uma vez adimplidas as condições, vem o arquivamento.
O Judiciário, cuja atuação é marcada pela inércia, é provocado a controlar o acor-
do nos seus aspectos de voluntariedade e legalidade. Sua presença na etapa da homo-
logação garante que não sejam feitos ajustes em detrimento dos interesses da vítima ou
com violação a garantias processuais do suspeito. Por sua vez, a participação da vítima
na negociação ou na formalização ou no cumprimento do acordo assegura um maior
controle finalístico da atividade do Ministério Público, na medida em que o ofendido
poderá rechaçar o acordo, mediante petição de não homologação apresentada ao juiz
ou diretamente ao órgão revisional do Ministério Público, para a correção de eventual
ilegalidade ou insuficiência.
Em varas sentidos, o acordo de não persecução penal (ANPP) assemelha-se a um
termo de ajustamento de conduta (TAC), mas pertinente ao campo criminal, mediante
o qual o Ministério Público, como titular privativo do direito de ação do Estado, e o sus-
peito de uma infração penal, com o seu defensor164, convencionam o não exercício da
ação penal em troca da aceitação pelo investigado de obrigações de fazer, não fazer ou
entregar coisa. Não há imposição de pena sem processo, mas aceitação de obrigações
de natureza civil, como o dever de reparar o dano e o pagamento de prestação pecu-
niária. O acordo de que cuidamos é um híbrido entre a composição civil e a transação
penal da Lei 9.099/1995, porque serve ao mesmo tempo à vítima (tal como a compo-

162 “A todos, no âmbito judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.”
163 Princípio da eficiência.
164 Art. 18. §3º. O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará de
modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para cumprimento, e será firmado
pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e seu defensor.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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sição civil) e ao Estado (tal como a transação penal), atendendo simultaneamente ao


interesse jurídico do suspeito.
O interesse público deve ser sempre considerado na formalização de um acordo
desse tipo. O interesse da vítima também deve ser atendido pelo ajuste, o que recomenda
sua participação desde o início da negociação.165 Conforme o §4º do art. 18 da Resolução
181, uma vez realizado o acordo, a vítima deve ser informada por qualquer meio idôneo.
Pelo §9º do art. 28-A, a vítima deve ser informada da homologação do acordo e de seu
descumprimento. Uma das obrigações a ser assumida pelo investigado é a de reparar o
dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo, conforme o art. 28-A,
inciso I, do CPP e o art. 18, inciso I, da Resolução 181/2017 do CNMP.
Na mesma toada, o art. 17 da Resolução CNMP 181/2017 determina que, no
procedimento investigativo criminal (PIC), o Ministério Público deve esclarecer a ví-
tima sobre seus direitos materiais e processuais, “devendo tomar todas as medidas
necessárias para a preservação dos seus direitos” e para a reparação dos eventuais
danos por ela sofridos. Desta forma, os arts. 17 e 18 da Resolução CNMP 181/2017
estão intimamente ligados, sendo, ao mesmo tempo, tributários da Resolução CNMP
118/2014, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito
do Ministério Público.
Naturalmente, se houver risco para o interesse público ou vedação do processo
negocial, o Ministério Público não deve oferecer o ajuste de não persecução criminal.
Tais hipóteses estão listadas no §2º do art. 28-A do CPP e no §1º do art. 18 da Resolu-
ção 181/2017, devendo prevalecer tão-somente as vedações legais, perdendo eficácia
as restrições impostas exclusivamente pela resolução.
Este tipo de acordo só tem lugar nas infrações penais cometidas sem violência
ou grave ameaça à pessoa e deve haver condições de procedibilidade e justa causa para
eventual persecução judicial. No texto legal, este requisito é identificado pela expres-
são “não sendo o caso de arquivamento”, semelhante à utilizada pelo art. 76 da Lei
9.099/1995, que cuida da transação penal.
O arquivamento prefere ao acordo de não persecução penal e à transação penal.
Se aquele é cabível, estes acordos não são admitidos. Respeitadas essas premissas, o Mi-
nistério Público pode propor ao investigado acordo de não persecução penal, cabendo-
lhe confessar cabalmente a prática do delito, se de fato o cometeu166, e indicar eventuais
provas de seu cometimento ou confirmar as que lhe forem apresentadas.
Além disso, cumpre ao investigado, de forma cumulativa ou não, honrar as obri-
gações civis de fazer, não fazer ou entregar coisa consistentes em:

a) reparar o dano causado ou restituir a coisa à vítima, salvo na impossibilidade


de fazê-lo;
b) renunciar voluntariamente a bens e direitos que sejam instrumento, produto
ou proveito do crime, de modo a gerar resultados práticos equivalentes aos
efeitos genéricos da condenação, nos termos dos arts. 91 e 92 do Código Penal;

165 Nisto, o ANPP deve aproximar-se de uma prática restaurativa.


166 A falsa confissão pode configurar crime, pelo investigado. Por outro lado, a confissão forçada pode ter resultado
de abuso de autoridade ou tortura.

145
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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c) prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspon-


dente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em
local a ser indicado pelo juiz da execução, mediante proposta do Ministério
Público;
d) pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Có-
digo Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juiz
da execução mediante proposta do Ministério Público, devendo a prestação
ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função
proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo
delito.
e) cumprir por prazo certo outra condição estipulada pelo Ministério Publico,
desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada ao acor-
dante.

7.2. Acordo de não persecução penal e devido processo legal


O ANPP não viola qualquer direito fundamental do acusado, previsto na Consti-
tuição, nos tratados ou nas leis. É instituto constitucional e convencional, não se iden-
tificando na sua natureza ou no seu procedimento qualquer vício ou defeito que possa
ferir o art. 5º da CF ou as garantias judiciais previstas nos arts. 7º e 8º da Convenção
Americana de Direitos Humanos, de 1969, ou no art. 14 do Pacto Internacional de Di-
reitos Civis e Políticos, de 1966.
No âmbito do art. 18 da Resolução CNMP 181/2017 e do art. 28-A do CPP, o
investigado será sempre assistido por seu advogado ou defensor público, para celebrar
um acordo de eficácia dependente de homologação judicial167. Terá acesso às provas
produzidas e tempo para preparação de sua defesa. Não será obrigado a convencionar,
mas apenas incentivado pela lei a fazê-lo, em troca de um benefício processual (não ser
acusado), que tem consequências diretas e positivas sobre o seu status libertatis.
No exercício de sua autonomia privada, o investigado aceita cumprir obrigações
de entregar coisa, de fazer e de não fazer. Se sua manifestação de vontade é livre e
consciente, tais condições violam seus direitos fundamentais ao devido processo e a sua
presunção de inocência? De modo algum, pois a assunção de tais obrigações não penais
deve ser voluntária, do mesmo modo que a renúncia ao direito ao silêncio e ao direito
ao procedimento processual judicializado, com denúncia.
No ponto vale examinar o precedente da Corte Europeia de Direitos Humanos
no caso Natsvlishvili e Togonidze vs. Geórgia, de 2014, no qual o tribunal confirmou a
convencionalidade dos acordos do tipo plea bargain, à luz da Convenção Europeia de
1950. Como vimos, os acordos de confissão, reconhecimento de culpa e fixação de
pena guardam identidade estrutural com os ANPP.

167 O ajuste deverá ser submetido a homologação por um juiz ou tribunal (nos casos de competência originária), na
forma dos §§4º, 5º e 6º da Resolução 181/2017. Se necessário, sucessivamente, será reexaminado pelo colegiado
de coordenação e revisão, na forma do art. 28 do CPP ou dos arts. 62, IV, 136, IV, ou 171, IV, da Lei Complementar
75/1993 (Lei Orgânica do MPU), ou pelo órgão estadual com poder de revisão, na forma da Lei 8.625/1993 e das
leis orgânicas dos Ministérios Públicos Estaduais.

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Façamos uma abstração. Pode o investigado, unilateralmente, sem proposta al-


guma de quem quer que seja, sem basear-se em lei ou resolução de qualquer tipo,
tomar a decisão de reparar o dano causado à vítima? Pode, ademais, demonstrar arre-
pendimento168 e decidir minorar o prejuízo causado a sua comunidade e assumir o ônus
unilateral de prestar serviços comunitários ou cumprir prestação pecuniária a título de
indenização? Pode sujeitar-se a mediação no curso de um procedimento restaurativo?
Para todas as questões, a resposta é evidentemente “sim”.
Indo adiante, poderia esse mesmo investigado, por sua própria iniciativa e sem
qualquer incentivo do Ministério Público, dirigir-se à autoridade pública e confessar um
crime que cometeu? A resposta também é afirmativa. E isto é assim porque as pessoas
são livres (art. 5º, CF), e a autonomia da vontade permite ao indivíduo dispor de seus
direitos, inclusive os de cunho processual, como o direito ao silêncio, o direito de não
colaborar, o direito de recorrer etc. O art. 65 do CP acolhe a confissão voluntária como
atenuante genérica, o que confirma que o direito brasileiro reconhece o princípio geral
da colaboração voluntária e o incentiva mediante prêmios penais e processuais.
Continuemos com a abstração. Se esse indivíduo hipotético decidisse adotar as
posturas antes indicadas e também resolvesse assumir o compromisso, também vo-
luntário, de colaborar169 com a Justiça Criminal, estaria livre da persecução criminal? O
direito penal seria afastado e considerado apenas como ultima ratio no caso concreto?
A resposta poderia ser não. Mas não precisa ser, porque o processo penal contemporâ-
neo demanda a simplificação de certos procedimentos e a adoção de saídas abreviadas,
que sirvam de alternativa ao processo penal tradicional, marcado pelo conflito, pela
tardança e pela restrição ou violação de direitos de vítimas e acusados. De um lado, a
impunidade; do outro a ofensa a direitos fundamentais no sistema prisional.
Não proceder é uma prerrogativa do Ministério Público, como consequência do
direito privativo de ação penal pública, previsto no art. 129, I, da Constituição, e é uma
ferramenta de política criminal, vocacionada para a implementação de soluções para
uma parcela significativa do fenômeno criminal, diante de recursos estatais escassos.
Não processar criminalmente significa não movimentar a jurisdição em busca de
uma pena privativa de liberdade ou outra qualquer. Não acusar significa evitar a “expo-
sição de suplícios” e o calvário do processo penal tradicional e a perda da primariedade
do indivíduo; corresponde a recusar a pena de prisão como solução primária e investir
numa saída negociada para aquele caso específico; equivale a considerar as aspirações
e preocupações de vítimas e investigados, para efetiva pacificação do tecido social, sem
o confronto do processo. Tudo isso deriva do consenso, e consenso só se obtém com
voluntariedade e disponibilidade.
Em suma, os acordos penais em geral, mas sobretudo o pacto de não persecução
criminal, viabilizam-se devido ao princípio da oportunidade da ação penal e em razão da
posição do Ministério Público como agente político do sistema processual acusatório.

168 Art. 16 do Código Penal (arrependimento posterior). Há também o art. 66, CP (atenuante inominada), ainda mais
abrangente em relação às circunstâncias que podem ser levadas em consideração pelo juiz para mitigar a pena,
mesmo que tais circunstâncias não estejam previstas em lei.
169 Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão
de mérito justa e efetiva. (CPC de 2015).

147
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Para um cenário de conflito, a ação penal. Para um cenário de consenso, o acordo de


não acusação. Em ambos os cenários, atende-se o interesse público, que é composto
pelas aspirações das vítimas, da sociedade e do acusado, sem desrespeitar qualquer
direito deste.

7.2.1. Voluntariedade da decisão de negociar acordos penais


Os acordos penais e processuais devem ser sempre voluntários. A Constituição e
o Código Civil valorizam a liberdade individual e a autonomia da vontade, e a legislação
brasileira exige que acordos de transação penal, suspensão condicional do processo,
acordos de colaboração premiada, composições civis e práticas restaurativas derivem
do consenso.
Um acordo involuntário não é válido. Ademais, se há vício do consentimento,
que seja por coação física, moral ou fraude (falsas promessas, p. ex.), a vontade do
agente também estará maculada. E, se isto ocorrer, o negócio penal ou processual será
nulo ou anulável. Em Brady vs. Estados Unidos, a Suprema Corte americana decidiu que
a possibilidade de imposição da pena de morte ou de concessão de grande diminuição
de pena não são indícios suficientes de coação moral (coertion) a ponto de considerar-se
viciada a vontade do agente que celebra um acordo penal.170
Consentimento informado (consciente) e voluntário e assistência da defesa são
essenciais em acordos penais, pois, ao negociar, em regra o acusado renuncia ao direito
ao silêncio, ao direito a um julgamento ordinário e ao direito de apelar.
Para que a defesa seja efetiva, o investigado ou acusado deve ter direito de aces-
sar os documentos da apuração o quanto antes, de modo a preparar sua defesa. A SV
14 trata do tema, agora também objeto do inciso XV do art. 3º-B do CPP. Cabe ao juiz
de garantias assegurar o “direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso
a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação cri-
minal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento”.171
Quanto ao direito ao advogado no processo negocial, a Corte Europeia de Direi-
tos Humanos registrou que o acusado deve poder escolher seu advogado e tem o direi-
to de ser aconselhado por ele durante todas as etapas da investigação, da negociação,
da homologação e da execução172.

7.2.2. Possibilidade de renúncia ao exercício de garantias processuais


Não há dúvidas de que o investigado ou acusado pode renunciar ao exercício de
direitos processuais ou a garantias judiciais, haja ou não haja acordos. Uma confissão

170 ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Caso Brady vs. United States, 1970.
171 A medida cautelar na ADI 6298/DF suspendeu a eficácia deste artigo em 22 de janeiro de 2020.
172 Vide o §92 da Sentença da Corte Europeia no caso Natsvlishvili e Togonidze vs. Geórgia (2014). CONSELHO DA
EUROPA. Corte Europeia de Direitos Humanos. Natsvlishvili and Togonidze v. Georgia. Estrasburgo, Sentença
de 29 de abril de 2014. Disponível em: https://hudoc.echr.coe.int/eng#{“itemid”:[“001-142672”]}. Acesso em:
10.jan.2020.

148
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

pode nascer sem que tenha havido qualquer incentivo por parte de agente público. O
acusado é livre para confessar, restituir a coisa subtraída, submeter-se a exames foren-
ses, reparar o dano. Pode também deixar de recorrer. Em regra, quando a renúncia173
a garantias processuais acontece como efeito de acordo, o acusado fica sujeito a um
julgamento sumário ou acelerado ou antecipado.
O não exercício de faculdades processuais pelo acusado deve ser considerado
válido quando expressado à luz de um consentimento voluntário, pleno e específico,
dado de maneira inequívoca, com ciência das consequências legais e sujeito a verifica-
ção174 por um órgão superior de controle ou por um juiz. Para a CEDH, “This cannot be
a problem in itself, since neither the letter nor the spirit of Article 6 prevents a person
from waiving these safeguards of his or her own free will.”175
Quanto à suposta violação do direito de apelar, conforme o art. 2º do Protocolo
7 à Convenção Europeia, a CEDH considerou não haver qualquer irregularidade no
tocante à sua limitação. Em outras palavras, o direito ao duplo grau é restringido no
tocante ao princípio devolutivo, uma vez que os fatos confessados no acordo não serão
reexaminados inteiramente por um tribunal recursal. Essa circunstância deve ser levada
ao conhecimento do acusado por seu advogado ou defensor. Ao aceitar um acordo
penal, se o faz voluntária e conscientemente, o réu renuncia ao direito de apelar da
decisão judicial para a qual concorreu:

The Court is of the opinion that by accepting the plea bargain, the first applicant, as
well as relinquishing his right to an ordinary trial, waived his right to ordinary appellate
review. [...] the Court considers that the waiver of the right to ordinary appellate review
did not represent an arbitrary restriction running afoul of the analogous requirement of
reasonableness cointained in Article 2 of Protocol No. 7 either.176

7.2.3. Necessidade de efetivo controle judicial sobre o acordo

Segundo a Corte Europeia de Direitos Humanos, que tem sede em Estrasburgo,


acordos penais devem ser feitos por escrito, devem ser firmados pelo Ministério Públi-
co, pelo investigado e seu advogado, e submetidos ao Judiciário para controle efetivo.
A redução do acordo a um documento escrito e clausulado permite conhecer
seus exatos termos, assim como o passo-a-passo da negociação, que também está su-
jeita a checagem judicial:

The Court finds this factor to be important, as it made it possible to have the exact terms
of the agreement, as well as of the preceding negotiations, set out for judicial review in a
clear and incontrovertible manner.177

173 Vide o caso Scoppola vs. Itália, da CEDH (2009).


174 Vide o §92 da Sentença da Corte Europeia no caso Natsvlishvili e Togonidze vs. Geórgia (2014).
175 Vide o §97 da Sentença da Corte Europeia no caso Natsvlishvili e Togonidze vs. Geórgia (2014).
176 Vide o §96 da Sentença da Corte Europeia no caso Natsvlishvili e Togonidze vs. Geórgia (2014).
177 Vide o §94 da Sentença da Corte Europeia no caso Natsvlishvili e Togonidze vs. Geórgia (2014).

149
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Segundo a Corte, o controle judicial dos acordos penais deve ocorrer em sessão
pública178 e permitir, por exemplo, que o juiz decida pela sua rejeição integral, ou pela
redução da pena proposta pelas partes, tendo em vista o interesse público e a existência
de justa causa contra o investigado179.
No modelo brasileiro de homologação judicial de acordos penais, nos quais exis-
ta confissão, a Lei 12.850/2013 “exige como condição de validade do acordo de cola-
boração a sua homologação judicial, que é deferida quando atendidos os requisitos de
regularidade, legalidade e voluntariedade.”180. Em 2015, a STF já havia afirmado que “a
homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade
de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo,
não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador”.181
Pelo §2º do art. 18 da Resolução CNMP 181/2017 a confissão dos fatos e as
tratativas do acordo devem ser registrados em vídeo182, para garantir a maior fidelidade
das informações e facilitar o controle hierárquico ou judicial. E, conforme o §3º, o acor-
do será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará
de modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para
cumprimento e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e
seu advogado.
Conforme os §§4º e 5º, do art. 18 da Resolução 181, os acordos de não perse-
cução penal devem ser encaminhados ao juiz natural para apreciação, do que poderá
resultar a homologação direta ou a sujeição do ajuste a revisão pelo próprio promotor
natural ou pelo órgão superior competente do Ministério Público (art. 18, §6º). Os
dispositivos equivalem aos §§ 4º a 8º do art. 28-A do CPP.

7.2.4. Necessidade de defesa técnica efetiva: os casos Lafler vs.


Cooper e Missouri vs. Frye, da Suprema Corte dos Estados Unidos
O princípio do consenso, que inspira no Brasil a justiça penal pactuada, está pre-
sente há mais de um século na prática forense criminal dos Estados Unidos, dando
forma ao plea bargaining, ferramenta de essencial à justiça criminal daquele país. Bargain
é negociação. Plea é palavra que pode ser entendida como declaração ou petição, re-
ferindo-se às opções do acusado diante de uma acusação criminal: a confissão (guilty
plea), a afirmação de sua inocência (not guilty) ou a decisão de não responder a acusação
ou não a contestar (nolo contendere).
A plea bargaining consiste numa transação que abrevia o processo, eliminando
a colheita da prova, suprimindo a fase de debates entre as partes e o julgamento
(trial e verdict), para chegar-se de logo à decisão de individualização da pena (sen-

178 Diferentemente do que determina a Lei 12.850/2013, que prevê audiência sigilosa de confirmação do acordo de
colaboração premiada (art. 4º, §7º), pelas razões contidas no §2º do art. 7º da mesma Lei.
179 Vide o §95 da Sentença da Corte Europeia no caso Natsvlishvili e Togonidze vs. Geórgia (2014).
180 STF, Pet 5952, rel. min. Teori Zavascki, j. 14/03/2016.
181 STF, Pleno, HC 127.483/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 27/08/2015.
182 Esta exigência não está na lei e deveria ser flexibilizada pelo CNMP, para admitir outras formas de registro da
negociação.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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tencing). O agente do fato ilícito admite sua culpabilidade em troca de benefícios


legais. O objetivo do instituto é garantir a elucidação de crimes, assegurar uma
rápida punição aos autores de crimes e diminuir a carga de trabalho no Judiciário e
no Ministério Público, reduzindo os custos da Justiça criminal. Atende-se também
aos interesses das vítimas.
Não se confunde com o acordo de não persecução penal brasileiro, objeto do
art. 28-A do CPP e da Resolução CNMP 181/2017, porque este é extrajudicial e an-
terior à denúncia, ao passo que os plea agreements são realizados em juízo, uma vez
apresentada a acusação. Ademais, no ANPP, o espaço reservado ao consenso é mais
limitado do que nos plea agreements, cingindo-se apenas ao não oferecimento da de-
núncia, mediante certas condições.
Há um grande conjunto de precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos
(SCOTUS) em torno dos plea agreements. Aqui nos interessa examinar dois casos, am-
bos julgados em 2012, e que se relacionam ao direito de defesa e, melhor especifican-
do, à falta ou à deficiência desta no contexto dos acordos penais.
Segundo estatísticas183 do Departamento de Justiça dos EUA, 97% das conde-
nações federais e 94% das estaduais são produtos de acordos penais (guilty pleas)184,
que não são um apêndice da Justiça criminal; são o próprio sistema de Justiça criminal
norte-americano.185 Por isto, nos EUA, atualmente, a negociação de acordos penais é,
em regra, o momento crítico da defesa do acusado, mais um motivo para rigorosa che-
cagem judicial dos acordos levados a homologação:

A verdade é que os acordos penais de confissão tornaram-se tão relevantes para a


administração da Justiça que o defensor tem importantes responsabilidades no processo
negocial, responsabilidades que devem ser cumpridas de modo a garantir ao acusado a
defesa adequada que a 6ª Emenda exige para todas as etapas cruciais do processo penal.
Isto porque, no geral, o nosso é um sistema de pleas, não um sistema de trials.186

Nos dois casos julgados em 2012, a Suprema Corte Americana procurou respon-
der a uma questão crucial: o que fazer quando um réu torna-se indefeso porque seu
defensor o orientou erroneamente a recusar um acordo penal? A conclusão a que se
chegou é que sem defesa técnica real, efetiva um julgamento é inválido. E sua anulação
pode resultar até mesmo da recusa de um acordo penal pelo advogado do acusado, se
a rejeição da proposta realizar-se de forma negligente.

7.3. Audiência de custódia e acordo de não persecução penal


Conforme o §7º do art. 18 da Resolução 181, o acordo de não persecução
poderá ser celebrado na mesma oportunidade da audiência de custódia187. Não há

183 Dados disponíveis em http://www.albany.edu/ sourcebook/pdf/t5222009.pdf e em http://bjs.ojp.usdoj.gov/cont-


ent/pub/pdf/ fssc06st.pdf
184 Missouri vs. Frye (2012)
185 SCOTT, Robert E.; STUNTZ, William J. Plea bargaining as contract. 101 Yale Law J., 1992.
186 Missouri vs. Frye (2012)
187 Decorrentes do art. 7.5 da CADH e do art. 9.3 do PIDCP.

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incompatibilidade com o propósito dessa audiência188, uma vez que, feito o acordo, não
haverá processo penal. Por outro lado, o aproveitamento desta etapa procedimental
contribui para a duração razoável do processo e, concretamente, para que não exista
processo penal algum, o que é, evidentemente, uma solução alternativa de processo
penal muito benéfica ao suspeito preso em flagrante.
Se há consenso entre as partes para a solução da violação ao direito material
penal, não haverá a convolação do flagrante em prisão preventiva nem a aplicação de
medidas cautelares pessoais diversas da prisão. O investigado deverá ser solto. Caberá
ao juiz, ouvidas as partes e a vítima, se presente, simplesmente homologar a resolução
consensual do conflito entre o Estado e seu súdito, nos termos da lei.
A negociação pode ser feita na própria audiência, com solicitação de prazo ao
juiz, ou pouco antes do seu início.
Diz o art. 4º da Resolução CNJ 213/2015 que a audiência de custódia é bilateral,
pois realizada na presença do Ministério Público, do advogado do preso ou da Defen-
soria Pública. É, portanto, um ambiente que favorece o diálogo e que pode facilitar o
consenso. Pelo art. 8º, §1º, inciso IV, desse ato infralegal, após a oitiva da pessoa presa
em flagrante delito, o juiz deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica reperguntas
compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao méri-
to dos fatos que possam constituir eventual imputação, permitindo-lhes, em seguida,
requerer a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa
presa, entre as quais se inclui a negociação189 para a não persecução criminal. Conju-
gam-se neste ponto a Resolução CNJ 213/2015 e a Resolução CNMP 181/2017, com o
art. 28-A do CPP.
Está claro que, na audiência de custódia, agora prevista nos arts. 287 e 310 do
CPP, o Ministério Público pode formar sua opinio delicti, já que ali mesmo pode haver
a determinação de arquivamento imediato do inquérito policial190. Portanto, se pode
decidir pela não propositura da ação penal por falta de justa causa, falta de condições
de procedibilidade ou por causa extintiva de punibilidade ou excludente de ilicitude, a
fim de arquivar o inquérito, pode também o promotor de Justiça ou o procurador da
República firmar seu convencimento pela desnecessidade de persecução criminal, me-
diante convenção de não acusação.
Observe-se, contudo, que o acordo só será legítimo se o investigado estiver re-
presentado por defensor, a negociação com o Ministério Público for feita na sua presen-

188 No fluxograma da audiência de custódia, o CNJ aponta a possibilidade de adoção de medidas não judiciais como
a mediação. Disponível em http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/
perguntas-frequentes. Acesso em 10.out.2017. Essas providências são baseadas nos §§2º e 3º do art. 9º da Reso-
lução CNJ 213/2015 e, tal como o acordo de não persecução penal proposto pelo MP, dependem da vontade do
investigado.
189 Negociar saídas abreviadas é um direito subjetivo processual penal desde a Lei 9.099/1995.
190 Na Resolução CNJ 213/2015, vide o §5º: Proferida a decisão que resultar no relaxamento da prisão em flagrante,
na concessão da liberdade provisória sem ou com a imposição de medida cautelar alternativa à prisão, ou quando
determinado o imediato arquivamento do inquérito, a pessoa presa em flagrante delito será prontamente
colocada em liberdade, mediante a expedição de alvará de soltura, e será informada sobre seus direitos e obriga-
ções, salvo se por outro motivo tenha que continuar presa.

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ça ou com sua anuência e apenas depois de ser concedido tempo suficiente ao defensor
para consultar os autos, acessar todas as provas colhidas e entrevistar-se reservada-
mente com seu assistido ou cliente. O juiz de garantias191 deve velar por esses direitos.
Em estando presentes essas condições, o juiz de garantias – que é o mesmo da
audiência de custódia (art. 3º-B, inciso II, do CPP) ou o plantonista – poderá confirmar
oralmente a voluntariedade do infrator e a legalidade do ANPP, para homologá-lo, na
forma do §4º e 6º, do art. 28-A do CPP e do art. 3º-B, inciso XVII, do mesmo código.

7.4. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução


penal e a transação penal

A transação penal está prevista no art. 76 da Lei 9.099/1995 e destina-se a apli-


cação imediata de pena não privativa de liberdade ao autor de contravenção penal ou
de crime com pena máxima não superior a dois anos. O ANPP terá outros requisitos
objetivos, mais amplos, no tocante à pena.
Trata-se em ambos os casos de acordos entre o Ministério Público e o autor da
infração penal. Quando propostos, não ocorre o julgamento da causa, mas mera homo-
logação do ajuste das partes, sem imposição de pena.

Realmente, a sanção imposta com o acolhimento da transação não decorre de


qualquer juízo estatal a respeito da culpabilidade do investigado, já que é estabelecida
antes mesmo do oferecimento da denúncia, da produção de qualquer prova e da
prolação de qualquer veredicto. Trata-se de ato judicial homologatório, expedido
de modo sumário em obséquio a um interesse público na célere resolução de
conflitos sociais de diminuta lesividade para os bens jurídicos tutelados pelo estatuto
penal. Justamente porque a homologação da transação prescinde da instauração
de um processo formal de apuração de responsabilidade criminal, não é dado ao
juiz, em caso de descumprimento dos termos do acordo, fazer substituir a medida
restritiva de direito consensualmente fixada por uma pena privativa de liberdade
compulsoriamente aplicada.192

Diferentemente do ANPP, na transação penal não se exige confissão. Porém, tal


como no acordo de não persecução penal, na transação penal, o descumprimento do
compromisso abre ao Ministério Público a possibilidade de oferecer a denúncia. Em
2009, o STF reafirmou sua jurisprudência sobre a transação penal e assentou que “não
fere os preceitos constitucionais a propositura de ação penal em decorrência do não
cumprimento das condições estabelecidas em transação penal”.193
Segundo o art. 28-A, §2º, inciso I, do CPP, a transação penal prefere ao acordo de
não persecução penal, por ser mais benéfica ao autor da infração penal.

191 Enquanto estiver vigente a medida cautelar na ADI 6296/DF, as competências do juiz de garantias serão exercidas
pelo juiz criminal competente para a investigação e o julgamento.
192 STF, Pleno, RE 795.567 RG / PR, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 28/05/2015.
193 STF, Pleno, RE-QO-RG 602072, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 19/11/2009.

153
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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7.5. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução


penal e a suspensão condicional do processo
Prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995, a suspensão condicional do processo é
um acordo entre o Ministério Público e o réu. Assim, diversamente do que se passa no
ANPP, há a deflagração ação penal.
Na suspensão condicional do processo, a confissão não é um requisito do ajuste.
Porém, no ANPP, a confissão formal e circunstanciada é essencial ao acordo.
O ANPP é cabível para crimes com pena mínima inferior a quatro anos de prisão,
ao passo que a suspensão condicional do processo só é possível nos crimes cuja pena
mínima não seja superior a um ano de reclusão ou detenção.
Em ambas as espécies de acordo, não há imposição de penas, mas de meras
“condições”, que podem ser classificadas como obrigações de fazer, de não fazer ou de
entregar coisa.
A prescrição da pretensão punitiva não corre no curso dos acordos de não
persecução e de suspensão condicional do processo.
Nos dois institutos, exige-se homologação judicial, e o descumprimento não
provoca a imposição de pena. Caso o compromisso seja cumprido, tanto numa quanto
na outra forma de ajuste, extingue-se a punibilidade do agente.
O ANPP prefere ao acordo de suspensão condicional do processo, pois mais
abrangente, alcançando crimes de maior lesividade. O descumprimento do ANPP pode
ser usado pelo Ministério Público como critério para não oferecimento da proposta de
suspensão do art. 89 da Lei 9.099/1995.

7.6. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução


penal e os acordos de colaboração premiada
Os acordos de colaboração premiada estão previstos na Lei 12.850/2013, sobre
criminalidade organizada. Podem ser formalizados em qualquer crime, com a oferta de
benefícios que vão da não persecução até a redução da pena, passando pelo perdão
judicial.
Como já vimos, o ANPP só é cabível nos crimes com pena mínima inferior a 4
anos, e o único benefício previsto é a não propositura da ação penal, o que tem como
consequência o impedimento de formação de antecedentes ou de caracterização de
reincidência.
A colaboração premiada exige a confissão do acusado e a prestação de informa-
ções ou fornecimento de provas para identificação de coautores e partícipes do crime,
para a prevenção de outras infrações penais, para a recuperação de ativos e a proteção
ou localização de vítimas. No ANPP, não há a obrigação de assistência probatória, em-
bora se exija a confissão.
Os acordos da Lei 12.850/2013 podem ser formalizados pela Polícia ou pelo
Ministério Público com o investigado ou o réu. O ANPP, por sua vez, só pode ser cele-
brado pelo Ministério Público com o investigado e, eventualmente, com o réu.

154
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Uma das espécies de colaboração premiada importa o não oferecimento da de-


núncia. Nos termos do art. 4º, §4º da Lei 12.850/2013, o Ministério Público pode dei-
xar de oferecer denúncia, se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração
de cuja existência não se tenha prévio conhecimento, se o colaborador não for o líder
da organização criminosa e for o primeiro a colaborar.
Permite-se colaboração premiada após a sentença condenatória. Já o ANPP só
é admissível até antes da sentença. Neste sentido, o STJ decidiu ser “inadmissível o
pleito da suspensão condicional do processo após a prolação da sentença”, ressalvadas
as hipóteses de desclassificação ou procedência parcial da pretensão punitiva estatal.194
O juiz não participa das negociações da colaboração premiada ou do ANPP, mas
profere decisão de homologação, que lhes confere eficácia.
A colaboração premiada é mais ampla e mais complexa do que os acordos de
não persecução penal, havendo vários outros traços distintivos e similitudes, facilmente
aferíveis pelo exame das suas leis de regência.

7.7. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução


penal e o plea bargain
O ANPP não é um plea bargain. O projeto de Lei Anticrime (PL 882/2019) previa
a figura do acordo de fixação de pena, uma das modalidade de plea bargain, mas a pro-
posta foi rejeitada pela Câmara dos Deputados.
Os acordos de confissão, de admissão de culpa ou de reconhecimento de cul-
pabilidade com fixação de pena, usuais na common law, resultam de consenso entre o
Ministério Público ou órgão equivalente e o acusado. Ao declarar-se culpado, o réu con-
corda com a pena ajustada com a promotoria. A confirmação da declaração de culpa
(guilty plea), que ocorre em juízo em sessão pública (open court), permite ao julgador
proferir sentença condenatória. O réu renuncia ao seu direito a um julgamento com-
pleto (full trial), que é normalmente realizado pelo júri, em troca de uma pena menor
ou de um menor número de acusações.
No ANPP, não há condenação nem imposição de pena, embora ocorra confissão.
Há simplesmente o ajustamento de condições (obrigações) a serem cumpridas pelo
investigado, que sequer adquire o status de réu.
Outras semelhanças e diferenças podem ser divisadas ente os institutos, que se
inserem no campo dos acordos penais em sentido amplo e, por isto mesmo, observam
uma mesma principiologia.

7.8. Semelhanças e diferenças entre o acordo de não persecução


penal e o acordo de não persecução cível
Os acordos de não persecução penal têm lugar em investigações penais, ao passo
que os acordos de não persecução cível (ANPC) podem ser propostos em investiga-
ções sobre atos de improbidade administrativa.

194 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 3, Tese 5, Brasília, 2013.

155
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Nos primeiros, regulados pelo art. 28-A do CPP, impede-se o oferecimento da


denúncia contra pessoas naturais ou contra pessoas jurídicas, apenas em crimes am-
bientais. Nos segundos, isto é, nos ANPC, previstos no art. 17, §1º, da Lei 8.429/1992,
evita-se a abertura de processo por improbidade administrativa contra pessoas físicas
(funcionários público, autoridades e particulares) e pessoas jurídicas.
Não há relação de preferência entre uns e outros. Ao contrário. É de se esperar que
haja acordos cíveis e penais para ajustar simultaneamente a solução para crimes contra a
Administração Pública e atos de improbidade administrativa atribuíveis ao mesmo autor.

8. Requisitos do acordo de não persecução penal (ANPP)


Conforme se verifica da comparação dos textos legais sobre o ANPP, na Resolu-
ção 181/2017 e no art. 28-A do CPP, não houve alterações significativas nos requisitos
para a formalização dos acordos de persecução penal. O diploma sancionado em 24 de
dezembro de 2019 resulta de proposta da comissão de juristas presidida pelo ministro
Alexandre de Moraes, do STF, e manteve na essência o formato do ANPP, inclusive
quanto às hipóteses legais de cabimento.
O Ministério Público pode propor ANPP nos crimes culposos e também nos
crimes dolosos cuja pena mínima não seja superior a 4 anos de reclusão ou detenção,
quando praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa. As infrações penais com
violência contra a coisa são passíveis de ajustamento por meio de ANPP. Os requisitos
legais são de índole subjetiva e objetiva:

a) não ser cabível o arquivamento do caso;


b) tratar-se de crime praticado sem violência ou grave ameaça contra pessoa;
c) tratar-se de crime com pena mínima inferior a 4 anos de prisão;
d) haver confissão formal e circunstanciada do investigado;
e) o acordo representar uma solução “necessária e suficiente para a reprovação
e prevenção do crime”;
f) não ser cabível a transação penal da Lei 9.099/1995;
g) não ser o investigado reincidente ou criminoso “profissional”;
h) não ter sido o investigado beneficiado por outro acordo penal nos 5 anos an-
teriores à prática da infração penal;
i) não se tratar de crime de violência doméstica ou familiar ou de gênero.

8.1. Não ser hipótese de arquivamento


O primeiro requisito é semelhante ao que consta do art. 76 da Lei 9.099/1995, para
a transação penal.195 Os acordos penais só são cabíveis, se não for caso de arquivamento.

195 Lei 9.099/1995: Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada,
não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de
direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

156
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Deve haver justa causa para a persecução criminal, mediante a propositura da denúncia,
para que o Ministério Público opte por outra saída processual que não a ação penal. Em
outras palavras, o arquivamento prefere aos acordos penais de não persecução. Se o Mi-
nistério Público tiver elementos para denunciar, pode, antes, optar pelo ANPP.
Uma vez afastada a hipótese de arquivamento, deve-se examinar se é cabível ou
não a proposta de transação penal. Diz o art. 28-A do CPP que o ANPP só pode ser
celebrado quando não for cabível a transação penal da Lei 9.099/1995. Esta é viável nas
infrações penais de menor potencial ofensivo, que abrangem todas as contravenções
penais e os crimes cuja pena máxima não seja superior a 2 anos de prisão. Este esca-
lonamento já constava do inciso I do §1º do art. 18 da Resolução 181/2017, do CNMP.

8.2. Não se tratar de crime com violência ou grave ameaça contra a


pessoa
A infração penal objeto do acordo não pode ter sido praticada com violência ou
grave ameaça contra a pessoa. Admite-se o ANPP havendo violência contra a coisa. Deste
modo, por exemplo, os crimes de lesão corporal e o delito de ameaça não são ajustáveis
por meio de ANPP. A vedação parece desarrazoada neste ponto, porque alguns desses
delitos podem ser objeto de transação penal e de suspensão condicional do processo.
A lei silencia quanto aos crimes culposos dos quais resulte lesão ou morte da
vítima. Como a violência resultante da violação do dever de cuidado é não intencional,
cabe o ANPP, salvo se o órgão celebrante entender que o ajuste não é suficiente para a
prevenção e repressão do crime. Nos crimes culposos, não importa o patamar de pena
fixado pelo legislador.

8.3. Crimes nos quais é cabível o ANPP


A redação do art. 28-A do CPP deixa dúvidas quanto ao cabimento de acordos
em vários casos. Vejamos alguns deles.
Não há proibição de celebrar ANPP em crimes contra a Administração Pública
ou em crimes eleitorais. A aferição da suficiência da resposta estatal para prevenção ou
repressão do crime deve fazer-se com base no caput do art. 28-A do CPP.
A lei também não reproduziu a proibição de formalização de ajustes deste tipo na
jurisdição militar. O §12 do art. 18 da Resolução 181/2017 do CNMP contém vedação
expressa, que não se justifica e que se tornou ilegal. Ali se especifica que o ANPP não
se aplica aos “delitos cometidos por militares que afetem a hierarquia e a disciplina”.
SILVA é de opinião de que é “juridicamente possível a aplicação do acordo de não per-
secução penal na Justiça Militar da União”. Prossegue o autor dizendo que não se pode
restringir a lógica da tutela penal à proteção da hierarquia e da disciplina. “Pensar assim
seria reduzir o papel do Ministério Público e do Poder Judiciário a meros corregedores
do sistema que sustenta os valores da caserna”.196

196 SILVA, Luís Felipe Carvalho. As perspectivas de aplicação do acordo de não persecução penal na Justiça Militar da
União: uma solução possível e efetiva. In: CUNHA, Rogério Sanches; BARROS, Francisco Dirceu; SOUZA, Renee
do Ó; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Acordo de não persecução penal: resolução 181/2017 do CNMP. 2.ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2018.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Anoto, contudo, que, para o STF197 e o STJ, é constitucional o art. 90-A da Lei n.
9.099/1995, que veda sua aplicação aos crimes militares.198
O ANPP também é cabível em crimes hediondos e nos delitos a eles equiparados,
previstos na Lei 8.072/1990, desde que cometidos sem violência ou grave ameaça contra
a pessoa e que a pena seja compatível com o art. 28-A do CPP. A vedação constante do
inciso V do §1º do art. 18 da Resolução 181/2017 tornou-se ilegal com a entrada em vigor
da Lei 13.964/2019. A única maneira de justificar o não cabimento de ANPP, ainda assim
de modo casuístico, para crimes hediondos está na aferição da sua suficiência, em concre-
to, para a prevenção e a repressão, nos termos do caput do art. 28-A do CPP.
No entanto, o ANPP não será possível nos crimes praticados no âmbito de vio-
lência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por motivo relacionado à
condição de sexo feminino, nos termos do inciso IV do §2º do art. 28-A do CPP. Não vejo
razão para a exclusão desses delitos em dispositivo próprio, uma vez que a existência de
violência contra a pessoa, qualquer pessoa, por si só já impediria a formalização do ANPP.
A lei porém interdita o ANPP quando o crime for praticado “contra a mulher por
razões (sic) da condição de sexo feminino”, o que pode excluir do âmbito de incidência
do acordo alguns delitos praticados sem violência ou grave ameaça contra mulher, mas
motivados por questões de gênero. Não fecho questão quanto ao tema, mas a consti-
tucionalidade dessa restrição pode ser contestada, inclusive porque um dos objetivos
do ANPP é atender interesses da vítima.
Lembro ainda que o STJ firmou o entendimento de que não é possível aplicar
a transação penal e a suspensão condicional do processo nos crimes praticados com
violência doméstica e familiar contra a mulher. É o que também diz a Súmula 536 da
Corte. Ademais, o STF considerou constitucional o art. 41 da Lei 11.340/2006, que, nos
crimes de violência doméstica contra a mulher, afasta a incidência da Lei 9.099/1995.199
No tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, não se admite o
ANPP, tendo em conta a pena mínima abstrata. Porém, o acordo é cabível nos casos do
art. 28 da mesma lei, aplicando-se por analogia o entendimento do STJ para os acordos
de transição penal e suspensão condicional o processo.200

8.4. Vedações categóricas que não mais se aplicam


A Resolução 181 do CNMP impedia o ANPP, se o dano causado fosse superior
a vinte salários mínimos201 ou a parâmetro diverso definido pelo respectivo órgão de
coordenação202. No entanto, essa restrição não consta da lei, não devendo ser imposta
ao investigado.

197 STF, 1ª Turma, HC 80.173/AM, Rel. Min. Sidney Sanches, j. 13 de junho de 2000.
198 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 96, Tese 7, Brasília, 2018.
199 STF, Pleno, ADC 19, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 9 de fevereiro de 2012.
200 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 96, Tese 12, Brasília, 2018.
201 Via esta vedação com reserva, porque estabelece um teto arbitrário.
202 O Ministério Público presenta o Estado na persecução criminal. Nenhum outro órgão ou poder estatal está le-
gitimado a provocar o exercício da Justiça criminal para a concretização do poder punitivo. Neste sentido, o MP
realiza a política criminal do Estado na ponta final, levando às barras do Judiciário apenas aqueles indivíduos sobre
os quais, segundo sua convicção jurídica, deve recair o poder punitivo.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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A Resolução também vedava o ANPP, se investigado incorresse em alguma das


hipóteses previstas no art. 76, §2º, da Lei no 9.099/1995203. Tal restrição não foi repro-
duzida integralmente no art. 28-A do CPP. A condenação definitiva por crime anterior
nem sempre será impeditivo, pois exige-se reincidência em crime doloso e grave.
Também não se permitia o ANPP, se o período de prova para o cumprimento
das obrigações previstas no acordo pudesse acarretar a prescrição da pretensão puni-
tiva estatal. Este problema deixou de existir porque agora o art. 116, inciso IV, do CP
determina a suspensão do curso do prazo prescricional durante a existência do ANPP.
Se o delito fosse hediondo ou equiparado a hediondo havia proibição expressa no
inciso V do §1º do art. 18 da Resolução 181 do CNMP.
Todas essas limitações perderam eficácia, com a Lei 13.964/2019, que as rejeitou.
Para os crimes hediondos e equiparados, pode-se invocar a insuficiência do ANPP, caso
a caso.

8.5. Como se calcula a pena mínima para o ANPP


Só é cabível o ANPP para crimes com pena mínima inferior a 4 anos de prisão. Tal
como ocorre nos demais acordos penais, o prazo de 5 (cinco) anos para a concessão de
nova transação penal, previsto no art. 76, § 2º, inciso II, da Lei 9.099/95, aplica-se, por
analogia, à suspensão condicional do processo.204
Para a aferição da pena mínima cominada ao delito, devem ser consideradas as
causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto (art. 28-A, §1º do CPP),
em harmonia com a confissão do investigado, que deve ser detalhada e plena.
Nas causas de aumento, computa-se o menor aumento possível, calculado sobre
a pena mínima. Nas causas de diminuição, utiliza-se a maior redução prevista, também
sobre a pena mínima. Assim, teremos abstratamente as menores sanções penais possí-
veis, dando-se maior eficácia ao instituto consensual.
Para o concurso de crimes, observa-se a Súmula 243 do STJ, segundo a qual
“o benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais
cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a
pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapas-
sar o limite de um (01) ano”.
Incide também por analogia a Súmula 723 do STF, que diz que “Não se admite a
suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima
da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano”.
Deste modo, deve ter-se em conta o art. 69 do CP, para o concurso material, e os
arts. 70 e 71 do mesmo código para o concurso formal e a continuidade delitiva. As opera-
ções matemáticas decorrentes destes dispositivos podem afastar a possibilidade de ANPP.

203 Existência de condenação definitiva por crime anterior, ter sido o agente beneficiado por outro acordo nos cinco
anos anteriores, ou se os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente ou os motivos e circunstân-
cias da infração penal não recomendarem a adoção da medida como necessária e suficiente.
204 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 96, Tese 2, Brasília, 2018.

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8.6. A reincidência no ANPP


O ANPP também não será cabível se o investigado for reincidente ou se houver
elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissio-
nal, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas. É o que determina o inciso
II, do §2º do art. 28-A do CPP.
Somente a reincidência em crime doloso serve para impedir o ajuste de não per-
secução penal. A lei também exige que a reincidência seja em crime grave, não havendo
o impedimento se a reincidência ou a habitualidade criminosa restringir-se à prática de
infrações penais insignificantes ou de menor potencial ofensivo. Assim, a reincidência
em contravenção penal ou a reincidência em crimes culposos ou a reincidência em cri-
mes de menor potencial ofensivo não impedem o acordo.
Como bem lembra Paulo QUEIROZ,

Incide aqui, ainda, analogicamente, o disposto no art. 44, §3º, do CP: Se o condenado
for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação
anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha
operado em virtude da prática do mesmo crime. A reincidência não é, pois, uma
vedação legal absoluta, mas relativa.205

8.7. A transação penal prefere ao acordo de não persecução penal


A pena mínima (abstrata) da infração penal praticada e confessada não pode ser
igual ou superior a 4 anos de prisão (reclusão ou detenção). Assim, teoricamente, todas
as infrações penais de menor potencial ofensivo (candidatas a transação penal) e todos
os crimes de média ou de baixa lesividade (candidatos a suspensão condicional do pro-
cesso) são elegíveis para o ANPP.
No entanto, o inciso I do §2º do art. 28-A do CPP veda o ANPP sempre que
cabível a transação penal. Deste modo, em sendo cabível o acordo do art. 76 da Lei
9.099/1995, este deve ser feito, em lugar do ANPP.

8.8. A possibilidade de ANPP em crimes com pena mínima igual


a 4 anos
O legislador deveria ter permitido o ANPP para crimes com pena mínima igual
ou superior a 4 anos de prisão, já que, na legislação brasileira, uma condenação até 4
anos permite a substituição da pena de prisão por não privativa de liberdade, como
delito de média lesividade.
De fato, conforme o art. 44, inciso I, do CP, as penas restritivas de direitos são
autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando aplicada pena privativa de

205 QUEIROZ, Paulo. Acordo de não persecução penal: lei n° 13.964/2019. Brasília, 15 de janeiro de 2019. Dispo-
nível em: https://www.pauloqueiroz.net/acordo-de-nao-persecucao-penal-primeira-parte/. Acesso em:
19.01.2020.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou
grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.
Dizem Douglas Araújo e Laura Balbi que, “para guardar correlação lógica entre
os dois institutos e não frustrar os objetivos do ANPP, há que se permitir o seu cabi-
mento quando a pena mínima for igual a quatro anos”.206 Estou de acordo com essa
conclusão.

8.9. A confissão do investigado como requisito legal


A confissão formal e circunstanciada é um requisito essencial do ANPP. Sem ela,
não se pode proceder a este tipo de ajuste, que nisto se diferencia da transação penal e
da suspensão condicional do processo, que não exigem confissão.
A necessidade de confessar a infração penal para a solução consensual aproxima
o ANPP dos acordos de colaboração premiada, que sempre dependem de confissão,
conforme o §14 do art. 4º da Lei 12.850/2013207.
Não há inconstitucionalidade em tais exigências. O investigado só faz acordo se
quiser. Logo, não está obrigado a confessar. Pode optar por não negociar acordo algum
e enfrentar a ação penal, sem necessidade de renunciar ao seu direito ao silêncio. A
confissão faz parte do compromisso de tipo restaurativo e é compatível com as finalida-
des do instituto e com a acomodação dos interesses da vítima. Não há sequer prejuízo
para a presunção de inocência porque no ANPP não se tem condenação criminal, e a
confissão é retratável a qualquer tempo, nos termos do art. 200 do CPP.
Como bem anota QUEIROZ, a confissão a que se refere o dispositivo é a simples.
Não se admite confissão qualificada para celebração do ANPP, uma vez que esta corres-
ponde a alegação de inocência, incompatível com o ajuste. Se o investigado confessar
que praticou o fato acobertado por excludente de ilicitude como a legítima defesa, ou
se tem um arquivamento ou deve o Ministério Público optar pela propositura de ação
penal, para que se comprove a inexistência da excludente ou a existência de excesso.

Para efeito do acordo, não necessariamente para outros fins (v.g., reconhecimento
da atenuante da confissão espontânea), temos que somente a confissão simples
permite a realização do ANPP. Ou seja, confissão formal e circunstanciada (a lei fala,
em verdade, de confissão circunstancial) deve ser entendida como confissão simples.
Confissão formal e circunstanciada é, portanto, uma confissão simples e voluntária em
que o investigado menciona o essencial da infração cometida, narrando a motivação
e as circunstâncias relevantes. A lei exige que seja circunstanciada inclusive para a
aferição judicial de sua consistência e verossimilhança.208

206 ARAÚJO, Douglas; BALBI, Laura. Primeiras impresses sobre o acordo de não persecução penal. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/78760/primeiras-impressoes-sobre-o-acordo-de-nao-persecucao-penal. Acesso em:
19.01.2020.
207 § 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio
e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.
208 QUEIROZ, Paulo. Acordo de não persecução penal: lei n° 13.964/2019. Brasília, 15 de janeiro de 2019. Dispo-
nível em: https://www.pauloqueiroz.net/acordo-de-nao-persecucao-penal-primeira-parte/ . Acesso em:
19.01.2020.

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Para os fins do art. 65 do CP, a confissão do réu é uma atenuante. Para o ANPP, a
confissão do agente é um pré-requisito para um benefício processual: a não sujeição a
um processo penal para o qual há justa causa. Em ambos os casos, a confissão redunda
em colaboração voluntária do infrator, que acarreta a atenuação da pena, no primeiro
caso, ou a não propositura da ação penal, no segundo caso. O ANPP, por esse motivo,
também compreende um benefício premial, em sentido amplo, no âmbito dos incenti-
vos penais ao consenso.
É discutível se a confissão deve ser plena e cabal ou se seria possível a confis-
são parcial, mediante ajuste entre as partes, de maneira a permitir o enquadramen-
to da conduta na hipótese legal. Lembremos que a confissão é sempre divisível. Di-
zendo de outro modo, o Ministério Público poderia aceitar a confissão de infração
penal menos grave para viabilizar a celebração do ANPP? Se esta última hipótese for
admissível – e é duvidosa –, estaremos diante de ajuste semelhante ao plea bargain
neste ponto. Três de suas modalidades – count bargain, fact bargain e charge bargain
– aproximam-se do que seria uma confissão parcial, mas, nestes casos, ajustada
entre as partes.
Usualmente, a confissão deve ser voluntária. Não é necessário que seja espontâ-
nea, pois pode haver persuasão e incentivos à sua expressão. Não se toleram ameaças,
torturas ou abuso de autoridade ou outro ato ilegal para obter a confissão.
A autoridade competente para receber a confissão será a autoridade policial ou
o Ministério Público, de preferência oralmente, com redução a termo ou gravação. A
confissão feita à autoridade policial deve ser confirmada presencialmente ou por te-
lecomparecimento ao membro do Ministério Público oficiante. A verosimilhança da
confissão e sua compatibilidade com a prova dos autos devem ser verificadas pelo pro-
motor natural e, posteriormente, pelo juiz.

8.10. Suficiência do ANPP para a prevenção e repressão do crime

Utilizando uma expressão de grande abertura conceitual, o art. 28-A do CPP


estabelece que o acordo é cabível quando se mostrar necessário e suficiente “para a
reprovação e prevenção do crime”.
Aqui se deve sopesar de forma cuidadosa o requisito da suficiência, notadamente
tendo em conta a gravidade do delito e suas demais circunstâncias, as consequências do
crime para a vítima, a culpabilidade do infrator, sua conduta social, e sua motivação. O
Ministério Público deve apresentar fundamentação adequada para recusar a formaliza-
ção de ANPP com base nesta cláusula, que deve ser sempre invocada economicamente
e com prudência.
A resposta estatal tem de ser equilibrada, buscando-se no ajuste atender a
três perspectivas: a da justiça endógena, do caso concreto; a da justiça exógena,
sujeita a pesagem e checagem pela opinião pública, no que se chama de accountabi-
lity; e da justiça comparativa, que leva em conta as soluções empregadas em casos
semelhantes.

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8.11. Impossibilidade de ANPP em caso de acordos pretéritos


Não é admissível o ANPP quando o agente tiver sido beneficiado nos 5 anos
anteriores à prática da infração penal com a formalização de outro ANPP, de transação
penal ou de suspensão condicional do processo. A regra reproduz a vedação temporal
existente no inciso II, do §2º do art. 76 da Lei 9.099/1995.
O prazo de 5 anos deve-se contar entre a data da homologação do acordo ante-
rior e data da nova infração. A lei não determina que a contagem se inicie após o cum-
primento da primeira avença. Deve-se, portanto, optar por interpretação que seja mais
favorável ao investigado. É na data da homologação que o acordo penal ganha eficácia.
Para permitir o cumprimento desse requisito, é preciso que haja uma base nacio-
nal de dados sobre os acordos formulados pelo Ministério Público. O CNJ e o CNMP
podem regular esta matéria.
Se o agente cumpriu adequadamente a transação penal ou se passou pelo perío-
do de prova da suspensão condicional do processo sem revogação, tendo adimplido
as condições ali estabelecidas, não há justificativa razoável para que seja impedido de
se beneficiar do ANPP, especialmente quando não se trate de um criminoso habitual.
Assim, é possível afastar essa vedação, de forma fundamentada, quando o ajuste se
mostrar socialmente recomendável, inclusive na perspectiva da pronta reparação do
dano causado à vítima.
Note que o inciso II do §2º do art. 28-A do CPP não impede o ANPP, se o inves-
tigado houver formalizado um acordo de colaboração premiada nos cinco anos anterio-
res. Ou seja, mesmo diante de casos anteriores mais graves, será possível um segundo
ajuste, desta feita, na forma de ANPP. Contudo, se o infrator houver celebrado uma
mera transação penal, não poderá entabular um ANPP, antes da prescrição da vedação.
Anoto, todavia, que o STJ fixou o entendimento de que, embora in malam par-
tem, “o prazo de 5 (cinco) anos para a concessão de nova transação penal, previsto no
art. 76, § 2º, inciso II, da Lei n. 9.099/95, aplica-se, por analogia, à suspensão condicional
do processo”.209 Tal procedimento analógico poderia ser estendido ao ANPP diante de
colaboração premiada realizada nos cinco anos anteriores, mas não creio que isto seja
possível em prejuízo do investigado. O que se pode fazer é argumentar com a suficiên-
cia do acordo para a prevenção e repressão do crime.

8.12. Celebração de ANPP quando presente causa de exclusão de


ilicitude ou de culpabilidade ou extintiva de punibilidade
Embora a lei não o diga, evidentemente não caberá acordo de não persecução
penal, se houver causas de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade. Também não pode
haver ajuste para não persecução se a infração penal estiver prescrita ou houver outro
motivo de extinção da punibilidade do agente.
Em tais casos, o Ministério Público deverá arquivar o caso ou prosseguir para
julgamento, a fim de desconstituir tais alegações, mediante o devido processo legal.

209 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 93, Tese 9, Brasília, 2017.

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8.13. Existência de inquéritos em curso e ANPP

A existência de investigação criminal em curso, seja inquérito policial ou PIC, não


é impeditivo à celebração de ANPP. Neste sentido, o STJ fixou tese de que a existência
de inquérito policial em curso “não é circunstância idônea a obstar o oferecimento de
proposta de suspensão condicional do processo”.210

8.14. Constatação da presença dos requisitos legais

Presentes os requisitos exigidos pelo art. 28-A do CPP, pode haver proposta de
ANPP de iniciativa do Ministério Público ou do investigado, com assistência de seu ad-
vogado ou defensor público.
O juiz criminal, que será o juiz de garantias (art. 3º-B, do CPP)211, não pode
tomar a iniciativa do acordo, mas pode suscitá-lo, cabendo às partes decidir pelo ajus-
tamento ou não de seus interesses. Ao juiz caberá o exame da presença dos requisitos
legais, para fins de homologação.
À mingua de faculdade legal, não pode haver acordo entre o investigado e a
Polícia, mas nada impede que a autoridade policial apresente tal sugestão ao Ministério
Público, se verificar a presença das condições legais, cabendo ao promotor natural e ao
investigado decidir se haverá ou não a celebração do acordo.
A vítima também pode provocar o Ministério Público para a formalização do
acordo de não persecução penal, já que tem interesse na reparação do dano, material
ou moral, e na recuperação da coisa.
A tabela a seguir registra as diferenças entre o art. 28-A do CPP e o art. 18 da
Resolução 181/2017 do CNMP, quanto aos requisitos do ANPP num e noutra:

COMO ERA O ANPP COM A COMO FICOU O ANPP DIFERENÇAS ENTRE OS


RESOLUÇÃO CNMP 181/2017 COM A LEI 13.964/2019 DISPOSITIVOS
Art. 18. Não sendo o caso de ar- Art. 28-A. Não sendo caso de ar- O texto legal exige que o inves-
quivamento, o Ministério Público quivamento e tendo o investigado tigado haja confessado “circuns-
poderá propor ao investigado confessado formal e circunstancial- tancialmente” a infração penal. A
acordo de não persecução penal mente a prática de infração penal resolução usa a expressão “cir-
quando, cominada pena mínima sem violência ou grave ameaça cunstanciadamente”.
inferior a 4 (quatro) anos e o e com pena mínima inferior a 4 O novo texto estipula que o
crime não for cometido com vio- (quatro) anos, o Ministério Público acordo é cabível “desde que ne-
lência ou grave ameaça a pessoa, poderá propor acordo de não per- cessário e suficiente para repro-
o investigado tiver confessado secução penal, desde que neces- vação e prevenção do crime”.
formal e circunstanciadamente a sário e suficiente para reprovação
O art. 28-A do CPP usa por erro
sua prática, mediante as seguin- e prevenção do crime, mediante
uma partícula aditiva (“e”) em lu-
tes condições, ajustadas cumula- as seguintes condições ajustadas
gar da adversativa “ou”, na parte
tiva ou alternativamente: cumulativa e alternativamente:
final do texto.

210 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 96, Tese 7, Brasília, 2018.


211 Dispositivo cuja eficácia foi suspensa por força da ADI 6298 MC / DF.

164
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

§ 13 Para aferição da pena mí- § 1º Para aferição da pena mí-


nima cominada ao delito, a que nima cominada ao delito a que Mudança na posição do parágra-
se refere o caput, serão consi- se refere o caput deste artigo, fo, que passa a ser o §1º do art.
deradas as causas de aumento serão consideradas as causas de 28-A do CPP.
e diminuição aplicáveis ao caso aumento e diminuição aplicáveis
concreto. ao caso concreto.
§1º Não se admitirá a proposta § 2º O disposto no caput deste
nos casos em que: artigo não se aplica nas seguintes
hipóteses:
I – for cabível a transação penal, I - se for cabível transação penal de
nos termos da lei; competência dos Juizados Espe-
ciais Criminais, nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente Condição inexistente na Resolu-
ou se houver elementos probató- ção 181/2017 do CNMP. Passa a
rios que indiquem conduta crimi- ser exigida.
nal habitual, reiterada ou profis-
sional, exceto se insignificantes as
infrações penais pretéritas;
II – o dano causado for supe- Condição inexistente no art.
rior a vinte salários mínimos ou 28-A do CPP. Tornou-se ilegal.
a parâmetro econômico diverso
definido pelo respectivo órgão
de revisão, nos termos da regu-
lamentação local;
III – o investigado incorra em al- III - ter sido o agente beneficia- Os requisitos dos incisos I e III do
guma das hipóteses previstas no do nos 5 (cinco) anos anteriores §2º do art. 76 da Lei 9.099/1995
art. 76, § 2º, da Lei no 9.099/95; ao cometimento da infração, em não foram previstos no art. 28-A
I - ter sido o autor da infração acordo de não persecução penal, do CPP.
condenado, pela prática de cri- transação penal ou suspensão O requisito temporal do inci-
me, à pena privativa de liberda- condicional do processo; e so III do §2º do art. 76 da Lei
de, por sentença definitiva; 9.099/1995 consta do art. 28-A
II - ter sido o agente beneficiado do CPP, mas abarca três espécies
anteriormente, no prazo de cin- de acordos penais.
co anos, pela aplicação de pena
restritiva ou multa, nos termos
deste artigo;
III - não indicarem os anteceden-
tes, a conduta social e a persona-
lidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias, ser
necessária e suficiente a adoção
da medida.
IV – o aguardo para o cumpri- O novo inciso IV do art. 116 do
mento do acordo possa acarretar CP suspende o curso do prazo
a prescrição da pretensão puniti- prescricional. A regra da Resolu-
va estatal; ção 181 se tornou desnecessária.

165
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

V – o delito for hediondo ou IV - nos crimes praticados no âmbi- Não há no art. 28-A do CPP
equiparado e nos casos de inci- to de violência doméstica ou fami- restrição a ANPP em crimes he-
dência da Lei no 11.340, de 7 de liar, ou praticados contra a mulher diondos ou a eles equiparados.
agosto de 2006; por razões da condição de sexo
feminino, em favor do agressor.
VI – a celebração do acordo não Art. 28-A. (…) propor acordo A condiçãoo foi deslocada para o
atender ao que seja necessário de não persecução penal, des- caput do art. 28-A do CPP.
e suficiente para a reprovação e de que necessário e suficiente
prevenção do crime. para reprovação e prevenção
do crime

9. As obrigações a serem cumpridas pelo investigado


Tendo como parâmetro o art. 18 da Resolução 181/2017, a Lei Anticrime não
inovou no tocante às condições que podem ser impostas ao investigado que resolver
confessar e ajustar sua conduta mediante um acordo de não persecução penal com o
Parquet.
Na tabela a seguir, vemos as condições que podem ser ajustadas no ANPP, se-
gundo a Resolução 181/2017 e o art. 28-A do CPP. No conflito entre as disposições
desses regulamentos, prevalecem as da lei, até que a resolução do CNMP seja alterada
ou parcialmente revogada.

COMO ERA O ANPP COM A COMO FICOU O ANPP DIFERENÇAS ENTRE A


RESOLUÇÃO CNMP 181/2017 COM A LEI 13.964/2019 RESOLUÇÃO E O CPP
Art. 18 (...) mediante as seguintes Art. 28-A. (...) mediante as seguin- No art. 28-A do CPP, a partícula
condições, ajustadas cumulativa tes condições ajustadas cumulativa “e” está mal colocada. Devia ser
ou alternativamente: e alternativamente: “ou”.
I – reparar o dano ou restituir a I - reparar o dano ou restituir a
coisa à vítima, salvo impossibili- coisa à vítima, exceto na impos-
dade de fazê-lo; sibilidade de fazê-lo;
II – renunciar voluntariamente a II - renunciar voluntariamente
bens e direitos, indicados pelo a bens e direitos indicados pelo
Ministério Público como instru- Ministério Público como instru-
mentos, produto ou proveito do mentos, produto ou proveito do
crime; crime;
III – prestar serviço à comunida- III - prestar serviço à comunida- A competência para indicar o
de ou a entidades públicas por de ou a entidades públicas por local da prestação de serviços
período correspondente à pena período correspondente à pena comunitários passa ao juiz da
mínima cominada ao delito, di- mínima cominada ao delito di- execução.
minuída de um a dois terços, em minuída de um a dois terços, em
local a ser indicado pelo Ministé- local a ser indicado pelo juízo da
Vincula-se a condição ao regime
rio Publico; execução, na forma do art. 46
do art. 46 do CP.
do Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940 (Código
Penal);

166
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

IV – pagar prestação pecuniária, a IV - pagar prestação pecuniária, a A competência para indicar a en-
ser estipulada nos termos do art. ser estipulada nos termos do art. tidade beneficiária da prestação
45 do Código Penal, a entidade 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de pecuniária passa ao juiz da exe-
pública ou de interesse social a ser 7 de dezembro de 1940 (Códi- cução.
indicada pelo Ministério Público, go Penal), a entidade pública ou
devendo a prestação ser destinada de interesse social, a ser indicada
Vincula-se a condição ao regime
preferencialmente àquelas enti- pelo juízo da execução, que tenha,
do art. 45 do CP.
dades que tenham como função preferencialmente, como função
proteger bens jurídicos iguais ou proteger bens jurídicos iguais ou
semelhantes aos aparentemente semelhantes aos aparentemente
lesados pelo delito; lesados pelo delito; ou
V – cumprir outra condição es- V - cumprir, por prazo determi- Inclui-se cláusula de prazo deter-
tipulada pelo Ministério Público, nado, outra condição indicada minado para o cumprimento de
desde que proporcional e com- pelo Ministério Público, desde outras condições.
patível com a infração penal apa- que proporcional e compatível O novo texto passa a referir-se à
rentemente praticada. com a infração penal imputada. “infração penal imputada”, e não
mais a “infração penal aparente-
mente praticada”.

9.1. A reparação do dano à vítima


Em troca da decisão do Ministério Público de não o acusar, o investigado, assisti-
do por defensor público ou advogado constituído, obriga-se a reparar o dano causado à
vítima ou a restituir a coisa ao ofendido, salvo se não puder fazê-lo. A impossibilidade de
ressarcimento deve ser devidamente demonstrada pelo próprio investigado, mediante
prova documental ou prova testemunhal.
Essa cláusula do ajuste é bastante relevante para o atendimento do interesse da
vítima e não pode ser afastada, salvo quando efetivamente não houver nenhum meio de
o investigado compensar a perda patrimonial ou os danos material e moral suportados
pelo ofendido.
De qualquer modo, a vítima sempre terá acesso à via cível. O Ministério Publico
deve ser ouvido pelo juiz quando o investigado compromissário fizer essa alegação no
curso da execução do acordo.

9.2. Perda de bens, direitos e valores e instrumentos do crime


Conforme o inciso II do art. 28-A do CPP, pode-se impor ao investigado a re-
núncia a bens, direitos e valores “indicados pelo Ministério Público” como instrumento
do crime ou como produto ou proveito da infração penal. A indicação pelo Ministério
Público deve fundar-se nas provas do inquérito policial ou do procedimento investiga-
tório criminal (PIC).
A condição em tela é similar a efeito automático da condenação previsto no art.
91 do Código Penal. Seu objetivo é fazer com que o crime não compense. O perdimen-
to se faz em proveito da União, nos crimes de competência federal, ou dos Estados e
do Distrito Federal, nos crimes de competência dessas unidades federadas.

167
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

9.3. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas


Uma terceira condição, oponível alternativa às demais ou cumulativamente com
elas, é a de prestar serviços à comunidade ou a entidades públicas, por período corres-
pondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um terço (1/3) a dois terços
(2/3).
Esta obrigação deve ser cumprida em local a ser indicado pelo juízo da execução,
mediante proposta do Ministério Público.
Deve-se observar o art. 46 do CP, que regula a pena correspondente. Assim, tal
condição consistirá na atribuição de tarefas gratuitas ao aceitante do acordo, de acordo
com suas aptidões, compatibilizando-as com a jornada de trabalho.
O juízo competente poderá indicar que a prestação se faça em benefício de enti-
dades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres,
em programas comunitários ou estatais.

9.4. Pagamento de prestação pecuniária


A quarta condição possível, prevista no inciso IV do art. 28-A do CPP, é a impo-
sição do dever de pagar uma prestação pecuniária, calculada nos termos do art. 45 do
CP, em proveito de entidade pública ou de interesse social.
Cabe ao juízo da execução indicar entidade que tenha, preferencialmente, como
função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo
delito.
De acordo com o art. 45, §1º, do CP, a prestação pecuniária consiste no paga-
mento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com
destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo
nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago deve ser
deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coinci-
dentes os beneficiários.

9.5. Condições inominadas


A última condição é na verdade uma cláusula aberta. Prevê o inciso V do art.
28-A do CPP que o Ministério Público pode estipular outra condição para o ajuste,
desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada ao investigado e
por ele confessada. Este dispositivo é semelhante ao que consta do §2º do art. 89 da Lei
9.099/1995, no tocante à suspensão condicional do processo. A condição indicada pelo
Ministério Público tem de ser adequada à infração cometida pelo agente e proporcional
a sua gravidade.
Tratando da suspensão condicional do processo, o STJ decidiu não haver óbice a
que se estabeleçam, “no prudente uso da faculdade judicial disposta no art. 89, § 2º, da
Lei n. 9.099/1995, obrigações equivalentes, do ponto de vista prático, a sanções penais

168
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

(tais como a prestação de serviços comunitários ou a prestação pecuniária)”. Para os


fins do sursis processual, tais medidas são apenas condições para sua incidência.212
No ANPP, pode ser embutido o dever de pagar uma multa; ou a obrigação de
realizar condutas compatíveis com a gravidade ou a natureza do crime, como a apre-
sentação de um pedido de desculpas à vítima ou à comunidade atingida pela infração.
Entre as medidas inominadas, pode-se imaginar, a partir do art. 319 do CPP, a previsão
de comparecimento periódico em juízo do investigado para informar e justificar ativida-
des; a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; a proibição de manter
contato com pessoa determinada; a proibição de ausentar-se da comarca ou subseção;
o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga; a suspensão do exer-
cício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira; o paga-
mento de fiança; a proibição de acesso à Internet, se compatível com a infração; etc.
Como fruto de consenso e observando-se a compatibilidade com a infração,
também se pode incluir como condições a frequência a cursos de formação profissional
ou de orientação psicossocial; a suspensão de licença para conduzir veículos ou para
portar armas de fogo; o compromisso de renunciar a cargo em comissão usado para a
prática do crime; o compromisso de não se candidatar a cargo eletivo ou de participar
de licitações públicas, entre outras medidas a critério das partes.
Por fim, pode ser instituído no ANPP um compromisso restaurativo em sentido
estrito, de modo a sujeitar o investigado a procedimentos de Justiça Restaurativa, nos
termos da Resolução 225/2016, do Conselho Nacional de Justiça.

9.6. Cumulação de condições


Tal como se prevê no dispositivo original (art. 18, incisos I a V, da Resolução
181/2017), as condições listadas no art. 28-A do CPP podem ser cumuladas ou impos-
tas alternativamente. A estipulação de uma ou mais condições dependerá da gravidade
da infração penal, de suas consequências e da exigência de alcançar resposta “necessá-
ria e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.
Na negociação, as partes podem orientar-se pelo art. 59 do Código Penal, que
assim dispõe:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à


personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,
bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Assim, deve-se ter em conta as condições cominadas nos cinco incisos do art.
28-A do CPP, para que se selecione uma, algumas ou todas elas. Deve-se também esti-
pular, de forma proporcional, a extensão de tais condições, tendo em conta prazo e va-
lores. No tocante à prestação pecuniária, deve-se levar em conta a situação econômica
do investigado. Circunstâncias agravantes e atenuantes previstas em lei também podem
ser usadas como parâmetro de fixação da resposta estatal.

212 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 93, Tese 4, Brasília, 2018.

169
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

O inciso III do §2º do art. 76 da Lei 9.099/1995, aplicável à transação penal,


diz que esta não é cabível quando desfavoráveis os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, e quando os motivos e as circunstâncias indicarem não ser ne-
cessária e suficiente a adoção da medida consensual. Tal dispositivo é mencionado pela
Resolução 181/2017 do CNMP e pode ser levado em conta na seleção das condições a
serem previstas no ANPP.
O §1º do art. 4º da Lei 12.850/2013, que cuida do acordo de colaboração pre-
miada, também serve de norte interpretativo. Ali se estabelece que, em qualquer caso,
“a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza,
as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da
colaboração.”

10. Natureza jurídica do acordo de não persecução penal


Já surge controvérsia sobre a natureza jurídica do acordo e das medidas impostas
ao investigado acordante.
O acusado não tem direito subjetivo ao acordo de não persecução penal. Tem di-
reito a uma proposta do Ministério ou a uma negativa motivada. Quando da introdução
do art. 89 da Lei 9.099/1995 no ordenamento brasileiro, debateu-se demoradamente
sobre a natureza jurídica da suspensão condicional do processo. Na ocasião, sustentei
que se tratava de instrumento cujo manejo cabia ao Ministério Público como coadjuvan-
te da política criminal do Estado213.
Por meio da Súmula 696, o STF estabeleceu que, reunidos os pressupostos legais
permissivos da suspensão condicional do processo, caso o promotor natural se recu-
sa-se a propô-la, o juiz, dissentindo, deveria remeter a questão ao Procurador-Geral,
“aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”.
No RE 468.161, a Corte deixou claro que tal solução se aplicava tanto à suspen-
são condicional do processo quanto à transação penal:

Transação penal homologada em audiência realizada sem a presença do Ministério


Público: nulidade: violação do art. 129, I, da Constituição Federal. 1. É da jurisprudência
do Supremo Tribunal - que a fundamentação do leading case da Súmula 696 evidencia:
HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 -, que a imprescindibilidade do
assentimento do Ministério Público quer à suspensão condicional do processo, quer
à transação penal, está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública,
que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). 2. Daí que a transação
penal - bem como a suspensão condicional do processo - pressupõe o acordo entre
as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público.214

Em 2014, a Corte reafirmou o entendimento, surgido em 1997, de que “não


cabe ao Poder Judiciário conceder os benefícios da Lei 9.099/1995 à revelia do titular
da ação penal”.215

213 ARAS, Vladimir. Suspensão condicional do processo: direito subjetivo do acusado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-
4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1083. Acesso em: 20 jan. 2020.
214 STF, 1ª Turma, RE 468.161/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 14 de março de 2006.
215 STF, 1ª Turma, INQ 3438/SP, Rel. Min. Rosa Weber, j. em 11 de novembro de 2014.

170
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Para o STJ, a suspensão condicional do processo “não é direito subjetivo do acu-


sado, mas sim um poder-dever do Ministério Público”, titular da ação penal, a quem
cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação desse instituto, desde que
o faça de forma fundamentada.216
Mutatis mutandi, haveremos de reconhecer que também para o ANPP a titula-
ridade é exclusiva do Ministério Público e, por conta disso, não pode haver acordo de
não persecução sem a anuência do Parquet e do investigado.
O ANPP, a suspensão condicional do processo e a transação penal não constituem
direitos subjetivos do acusado, mas sim faculdades postas à disposição do Ministério Público
para fins de política criminal, no exercício da ação penal, informada pelo princípio da opor-
tunidade. São negócios jurídicos bilaterais, que dependem de anuência de ambas as partes.
Contudo, o investigado, o denunciado ou o autor do fato têm direito subjetivo a
uma manifestação fundamentada, negativa ou positiva, do Ministério Público quanto aos
institutos do art. 28-A do CPP ou dos arts. 76 e 89 da Lei n. 9099/1995. Tais soluções
processuais, que devem resultar do acordo de vontades das partes e da conformidade,
constituem meras expectativas de direitos, inclusive porque dependem de homologa-
ção judicial para adquirirem eficácia.
Ante a recusa do Ministério Público em oferecer proposta transacional lato sensu,
o juiz não pode agir ex officio. Cabe-lhe remeter os autos ao Procurador-Geral ou ao
órgão superior de revisão, mediante aplicação analógica do art. 28 do CPP.
Como vimos alhures, o Parquet é um ente do Estado-Administração, cabendo-
lhe decidir sua estratégia processual e optar por arquivar, acusar ou acordar, conforme
o mérito administrativo, aspecto cuja apreciação, dentro desse limitado âmbito de dis-
cricionariedade, é vedada ao Judiciário.
O art. 28-A do CPP, a Lei 12.850/2013 e a Lei 9.099/1995 têm como fundamento
o consenso, tendo como premissa um processo de partes, não se permitindo a violação
da autonomia da vontade de qualquer delas. Nesse sentido, em atenção à isonomia e
à bilateralidade, não pode o magistrado instituir o ANPP, conceder a suspensão condi-
cional do processo ou transação penal, atendendo requerimento do investigado ou do
acusado, sem a concordância do Parquet.
No sistema processual penal brasileiro, vige o princípio acusatório (art. 129, I, CF
e art. 3º-A, do CPP217), com rígida separação das funções do órgão acusador e do órgão
julgador. Este está vinculado ao princípio da inércia da jurisdição de forma a garantir
sua imparcialidade, operando como decisor. Aquele é o titular privativo da ação penal,
exercendo-a em um processo contraditório.

11. Natureza jurídica das “condições” impostas em função do acordo


de não persecução penal
As condições previstas nos incisos I a IV do art. 28-A do CPP não são penas. Em-
bora se assemelhem a penas não privativas de liberdade, tais medidas têm a natureza
jurídica de obrigações de fazer, de não fazer ou de dar ou entregar coisa.

216 STJ, Jurisprudência em Teses. Edição 96, Tese 3, Brasília, 2018.


217 Vide a ADI 6298 MC / DF.

171
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

A similitude, todavia, é flagrante, tal como se vê no inciso III do art. 28-A do CPP,
que prevê a obrigação de prestar serviços à comunidade ou a entidades públicas por
período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois ter-
ços, em local a ser indicado pelo juízo da execução. A lei manda aplicar o regulamento
da sanção alternativa similar, prevista no art. 46 do Código Penal.
No inciso IV, a semelhança se repete, com a previsão da obrigação de pagar
prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 Código Penal, a entidade
pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, prefe-
rencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparen-
temente lesados pelo delito.
A obrigação de reparação do dano, que aparece no inciso I do art. 28-A do CPP,
tem no Código Penal a natureza de efeito automático da condenação criminal, cons-
tante do art. 91, inciso I, do CP.218 Já no Código Civil, o dever de reparar o dano é a
consequência da responsabilidade civil por ato ilícito.
Por sua vez, o inciso II do art. 28-A do CPP assemelha-se a um confisco penal
(perdimento), tal como previsto no art. 91, inciso II, alíneas `a` e `b` do CP, que diz ser
efeito da condenação a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de
terceiro de boa-fé, dos instrumentos do crime e do seu produto ou proveito.
No inciso V do art. 28-A do CPP, vemos uma cláusula geral que permite a inserção
de condições inominadas nos ANPP. Estas terão natureza variada, mas nunca serão penas.

12. Natureza jurídica da sentença que homologa o acordo de não


persecução penal

Este debate não é novo. Discussão semelhante foi travada por ocasião da entrada
em vigor da Lei 9.099/1995, que introduziu no Brasil a transação penal e a suspensão
condicional do processo. No primeiro instituto, tem-se aplicação imediata de “pena”
não privativa de liberdade, sem que o Ministério Público ofereça uma denúncia. No
segundo, há imposição de condições, que devem ser adimplidas para que a ação penal
seja extinta.
Contudo, entendeu-se que não há pena na transação penal. É que, em 2015,
no RE 795.567, com repercussão geral, o STF fixou a compreensão de que a sentença
que homologa transação penal não contém “juízo sobre a responsabilidade criminal do
aceitante”:

CONSTITUCIONAL E PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. CUMPRIMENTO DA


PENA RESTRITIVA DE DIREITO. POSTERIOR DETERMINAÇÃO JUDICIAL
DE CONFISCO DO BEM APREENDIDO COM BASE NO ART. 91, II, DO
CÓDIGO PENAL. AFRONTA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
CARACTERIZADA. 1. Tese: os efeitos jurídicos previstos no art. 91 do Código

218 Art. 91 - São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.

172
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Penal são decorrentes de sentença penal condenatória. Tal não se verifica, portanto,
quando há transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95), cuja sentença tem natureza
homologatória, sem qualquer juízo sobre a responsabilidade criminal do aceitante.
As consequências da homologação da transação são aquelas estipuladas de modo
consensual no termo de acordo. 2. Solução do caso: tendo havido transação penal
e sendo extinta a punibilidade, ante o cumprimento das cláusulas nela estabelecidas,
é ilegítimo o ato judicial que decreta o confisco do bem (motocicleta) que teria
sido utilizado na prática delituosa. O confisco constituiria efeito penal muito mais
gravoso ao aceitante do que os encargos que assumiu na transação penal celebrada
(fornecimento de cinco cestas de alimentos). 3. Recurso extraordinário a que se dá
provimento.219

O precedente do STF foi o HC 79.572, julgado pela 2ª Turma no ano 2000. Na


ocasião, a Corte entendeu que:

A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação,


em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido
processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de
insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade
ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação
penal, ofertando denúncia.220

Pode-se concluir que não sendo condenatória nem absolutória, a sentença de


homologação tem natureza declaratória da legalidade e regularidade do ANPP. Se o
acordo for frustrado, abre-se prazo para a denúncia.

13. Legitimidade para o acordo de não persecução penal


O caput do art. 28-A do CPP não deixa dúvidas de que somente o investigado,
com o seu advogado ou defensor, e o Ministério Público com atribuição para oficiar no
caso (promotor natural) têm legitimidade para o ajustamento de conduta por meio de
acordo de não persecução penal.
O § 3º do mesmo artigo aclara ainda mais o ambiente subjetivo do instituto ao
estabelecer que o acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será
firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.
Outros dispositivos mencionam exclusivamente o Ministério Público como celebran-
te, pelo lado do Estado, como se vê nos §§5º, 6º, 8º, 10, 11 e 14 do art. 28-A do CPP.
Não há no tocante ao ANPP regra semelhante à que foi introduzida no §6º do
art. 4º da Lei 12.850/2013, que permite que delegados de Polícia formalizem acordos
de colaboração premiada. Embora desborde flagrantemente do sistema acusatório e da
lógica de um processo penal de partes, este dispositivo foi considerado constitucional
pelo STF221.

219 STF, Pleno, RE 795.567 RG / PR, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 28/05/2015.
220 STF, 2ª Turma, HC 79572, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/02/2000.
221 STF, Pleno, ADI 5508/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 20 de junho de 2018.

173
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Contudo, no art. 28-A do CPP não há espaço para interpretação semelhante


porque a celebração do ANPP implica o exercício pelo Ministério Público da opção
por não acusar, isto é, por formalizar um acordo em lugar de propor uma ação penal.
É uma decisão que se situa exclusivamente no âmbito de incidência do art. 129, inciso I, da
Constituição.
Pelas mesmas razões, o juiz não pode substituir-se ao Ministério Público na de-
cisão de celebrar acordo de não persecução penal. Incorporado ao CPP, o princípio
acusatório (art. 129, inciso I, da CF e o art. 3º-A) veda a assunção pelo juiz de tarefas
que cabem ao órgão de acusação. Ademais, no art. 3º-B do CPP, que lista as competên-
cias do juiz de garantias, nada há que autorize sua iniciativa em celebrar acordo de não
acusação criminal.222
Em suma, só o Ministério Público pode entabular acordos de não persecução
penal com o investigado, porque somente esta instituição pode assumir o compromisso
de não denunciá-lo.
Diz o §14 do art. 28-A do CPP, que, no caso de recusa por parte do Ministério
Público em propor o acordo de não persecução penal, o investigado pode requerer a
remessa dos autos a órgão superior do Parquet, na forma do art. 28 do CPP.
Em caso de inércia do Ministério Público, também pode surgir o interesse jurí-
dico da vítima em celebrar acordo de não persecução penal. Do mesmo modo que lhe
é permitido assumir a iniciativa da ação penal privada subsidiária, quando esgotado o
prazo legal para a denúncia, pode o ofendido formalizar um ANPP com o investigado,
se o Ministério Público quedar-se inerte.
Pode-se imaginar um modelo no qual a vítima ou seu representante legal pro-
voque o órgão revisional do Ministério Público para averiguar a inércia do promotor
natural, no tocante à formalização do ANPP ou a propositura da ação penal. Esta provi-
dência não teria finalidade disciplinar, não se equiparando a procedimento de controle
administrativo (PCA) perante o CNMP.

14. Procedimento do acordo de não persecução penal

O ANPP é um negócio jurídico bilateral, com eficácia condicionada a ho-


mologação judicial. Várias etapas devem ser superadas para a validade do ANPRR,
desde a proposta, passando pela negociação até chegar-se à sua formalização e seu
cumprimento.
Vejamos cada um desses momentos do procedimento. A tabela a seguir conso-
lida alguns deles.

222 Tais artigos do CPP tiveram sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.

174
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

COMO ERA O ANPP COM A COMO FICOU O ANPP COM DIFERENÇAS ENTRE A
RESOLUÇÃO CNMP 181/2017 A LEI 13.964/2019 RESOLUÇÃO E O CPP
§ 2º A confissão detalhada dos Não há regra semelhante no art.
fatos e as tratativas do acordo 28-A do CPP. O texto da Reso-
serão registrados pelos meios lução 181 é compatível com o
ou recursos de gravação audio- código.
visual, destinados a obter maior
fidelidade das informações, e o
investigado deve estar sempre
acompanhado de seu defensor.
§ 3º O acordo será formalizado § 3º O acordo de não persecu- A previsão da Resolução
nos autos, com a qualificação ção penal será formalizado por 181/2017 é mais detalhada do
completa do investigado e es- escrito e será firmado pelo mem- que a do art. 28-A do CPP e com
tipulará de modo claro as suas bro do Ministério Público, pelo ela compatível.
condições, eventuais valores investigado e por seu defensor.
a serem restituídos e as datas
para cumprimento, e será firma-
do pelo membro do Ministério
Público, pelo investigado e seu
defensor
§ 4º Realizado o acordo, a vítima § 9º A vítima será intimada da A Resolução do CNMP manda
será comunicada por qualquer homologação do acordo de não intimar a vítima já no momento
meio idôneo, e os autos serão persecução penal e de seu des- da celebração do ANPP, ao passo
submetidos à apreciação judicial. cumprimento. que o art. 28-A do CPP ordena
sua intimação quando da homo-
logação.
§ 4º Para a homologação do Não havia previsão de audiência
acordo de não persecução penal, na Resolução 181/2017. A inova-
será realizada audiência na qual o ção privilegia a oralidade.
juiz deverá verificar a sua volun-
tariedade, por meio da oitiva do
investigado na presença do seu
defensor, e sua legalidade.
Vide o §6º, inciso II. § 5º Se o juiz considerar inade- Havia previsão semelhante no
quadas, insuficientes ou abusivas inciso II do §6º do art. 18 da Re-
as condições dispostas no acordo solução 181/2017.
de não persecução penal, devol-
verá os autos ao Ministério Pú-
blico para que seja reformulada
a proposta de acordo, com con-
cordância do investigado e seu
defensor.
§ 5º Se o juiz considerar o acordo § 6º Homologado judicialmente O art. 28-A do CPP especifica
cabível e as condições adequadas o acordo de não persecução pe- que o ANPP deve ser executado
e suficientes, devolverá os autos nal, o juiz devolverá os autos ao perante o juízo de execução pe-
ao Ministério Público para sua Ministério Público para que inicie nal, e não simplesmente imple-
implementação. sua execução perante o juízo de mentado pelo MP.
execução penal.

175
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

§ 6º Se o juiz considerar incabível § 7º O juiz poderá recusar ho- O art. 28-A do CPP trata do
o acordo, bem como inadequa- mologação à proposta que não tema em dois parágrafos e de
das ou insuficientes as condições atender aos requisitos legais ou forma distinta da Resolução
celebradas, fará remessa dos au- quando não for realizada a ade- 181/2017. Esta é também mais
tos ao procurador-geral ou órgão quação a que se refere o § 5º completa no ponto e compatível
superior interno responsável por deste artigo. com o princípio acusatório (art.
sua apreciação, nos termos da 3º-A do CPP).
§ 8º Recusada a homologação,
legislação vigente, que poderá
o juiz devolverá os autos ao Mi-
adotar as seguintes providências:
nistério Público para a análise da
I – oferecer denúncia ou designar necessidade de complementação
outro membro para oferecê-la; das investigações ou o ofereci-
II – complementar as investiga- mento da denúncia.
ções ou designar outro membro
para complementá-la;
III – reformular a proposta de
acordo de não persecução, para
apreciação do investigado;
IV – manter o acordo de não
persecução, que vinculará toda a
Instituição.
§ 7º O acordo de não perse- Não há regra semelhante no art.
cução poderá ser celebrado na 28-A do CPP, mas o código agora
mesma oportunidade da audiên- disciplina a audiência de custodia.
cia de custódia A previsão da Resolução é com-
patível com tais audiências.
§ 4º Realizado o acordo, a vítima § 9º A vítima será intimada da A Resolução do CNMP manda in-
será comunicada por qualquer homologação do acordo de não timar a vítima já no momento da
meio idôneo, e os autos serão persecução penal e de seu des- celebração do ANPP, ao passo que
submetidos à apreciação judicial. cumprimento. o art. 28-A do CPP ordena sua in-
timação quando da homologação
§ 8º É dever do investigado co- Não há previsão semelhante no
municar ao Ministério Público art. 28-A do CPP, mas o próprio
eventual mudança de endereço, acordo pode estipular essa obri-
número de telefone ou e-mail, gação.
e comprovar mensalmente o
cumprimento das condições, in-
dependentemente de notificação
ou aviso prévio, devendo ele,
quando for o caso, por iniciativa
própria, apresentar imediata-
mente e de forma documentada
eventual justificativa para o não
cumprimento do acordo.
§ 9º Descumpridas quaisquer das § 10. Descumpridas quaisquer
condições estipuladas no acordo das condições estipuladas no O art. 28-A do CPP prevê a ne-
ou não observados os deveres acordo de não persecução pe- cessidade de prévia decisão de
do parágrafo anterior, no prazo nal, o Ministério Público deverá rescisão do ANPP, antes do ofe-
e nas condições estabelecidas, o comunicar ao juízo, para fins de recimento da denúncia.
membro do Ministério Público sua rescisão e posterior ofereci-
deverá, se for o caso, imediata- mento de denúncia.
mente oferecer denúncia.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

§ 10 O descumprimento do § 11. O descumprimento do


acordo de não persecução pelo acordo de não persecução penal
investigado também poderá ser pelo investigado também pode-
A regra é idêntica.
utilizado pelo membro do Minis- rá ser utilizado pelo Ministério
tério Público como justificativa Público como justificativa para
para o eventual não oferecimen- o eventual não oferecimento de
to de suspensão condicional do suspensão condicional do pro-
processo. cesso.
§ 12. A celebração e o cumpri-
mento do acordo de não per- Não havia dispositivo semelhante
secução penal não constarão de na Resolução 181/2017
certidão de antecedentes crimi-
nais, exceto para os fins previstos
no inciso III do § 2º deste artigo.
§ 11 Cumprido integralmente § 13. Cumprido integralmente o Os dispositivos são distintos
o acordo, o Ministério Público acordo de não persecução penal, mas compatíveis. Agora o cum-
promoverá o arquivamento da o juízo competente decretará a primento do acordo resulta em
investigação, nos termos desta extinção de punibilidade. extinção da punibilidade e em
Resolução. arquivamento consecutivo da in-
vestigação.
§ 12 As disposições deste Capí- Não há vedação semelhante no
tulo não se aplicam aos delitos art. 28-A do CPP. A regra da
cometidos por militares que afe- Resolução 181/2017 tornou-se
tem a hierarquia e a disciplina. ilegal.
§ 14. No caso de recusa, por
parte do Ministério Público, em Não havia regra semelhante na
propor o acordo de não persecu- Resolução 181/2017.
ção penal, o investigado poderá
requerer a remessa dos autos a
órgão superior, na forma do art.
28 deste Código.”
§ 13 Para aferição da pena mí- § 1º Para aferição da pena mí-
nima cominada ao delito, a que nima cominada ao delito a que Regras semelhantes em locais
se refere o caput, serão consi- se refere o caput deste artigo, distintos.
deradas as causas de aumento serão consideradas as causas de
e diminuição aplicáveis ao caso aumento e diminuição aplicáveis
concreto. ao caso concreto.

14.1. A proposta de ANPP


A proposta de celebração de ANPP pode ser feita oralmente em audiência ou
por escrito. Não é de se confundir a proposta com a celebração do acordo por instru-
mento escrito.
Podem apresentar proposta de ANPP o membro do Ministério Público oficiante
ou o investigado, por meio de seu advogado ou defensor público.
A vítima não tem legitimidade primária para o acordo de não persecução penal,
mas deve participar do procedimento. Infelizmente, a lei só prevê que o ofendido seja
intimado da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimen-

177
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

to. Mas deverá também ser intimado da própria proposta de negociação e das etapas
do procedimento, para ampliar a accountability do procedimento negocial e sua capaci-
dade de acomodação dos diversos interesses contrapostos.
Neste aspecto, o Ministério Público deve também observar o art. 17 da Resolução
181/2017, do CNMP, que trata dos direitos da vítima.

14.2. O momento do ANPP


O ANPP pode ser formalizado a qualquer tempo, durante a etapa inicial da per-
secução criminal. Seu âmbito temporal se alonga desde a data da infração até o momen-
to da formação da opinio delicti do Ministério Público, sobre a decisão de acusar.
Pode-se fazê-lo na audiência de custódia. O §7º do art. 18 da Resolução 181/2017,
do CNMP, prevê que o acordo de não persecução poderia “ser celebrado na mesma
oportunidade da audiência de custódia”.
Recordemos que ao decidir acordar o Parquet deverá ter ultrapassado a aprecia-
ção sobre o arquivamento ou não da investigação criminal.
Assim, o ANPP poderá ser celebrado ao final da apuração, seja ela conduzida em
inquérito policial, seja ela enfeixada num procedimento investigatório criminal (PIC).
Também será possível formalizar o ANPP após a autuação de notícia de fato, se os ele-
mentos ali constantes forem suficientes para a formação do juízo acusatório.
Também é admissível a celebração de acordo de não persecução penal após a
deflagração da ação penal, sendo esta uma interpretação mais benéfica para o acusado.
Em tais casos, o ANPP converte-se em acordo de não prosseguimento da ação penal.
Vide, a propósito, o inciso XVII do art. 3º-B do CPP. Cabe ao juiz de garantias223 decidir
sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premia-
da, “quando formalizados durante a investigação”.
Ações penais já em curso na data da vigência da Lei 13.964/2019 podem ser en-
cerradas mediante a celebração de ANPP, com a decretação da extinção da punibilida-
de, nos termos do §13 do art. 28-A do CPP. Cuida-se de situação semelhante à prevista
no §5º do art. 89 da Lei 9.099/1995, no tocante à suspensão condicional do processo.
Esta solução não ofende o art. 42 do CPP, porque não se tem aí desistência da
ação penal, mas utilização extensiva de instituto jurídico legítimo, que atende ao inte-
resse público, na medida em que observa os direitos da vítima e do acusado e as con-
tingências da justiça criminal. A indisponibilidade da ação penal é preservada, porque,
se descumprido o acordo, a ação volta a tramitar. O jus puniendi estatal restará intacto.
Nesta formatação, o acordo quanto ao não início da persecução criminal em
juízo ou ao não prosseguimento desta será cabível entre a data do fato e o momento
imediatamente anterior à sentença condenatória, inclusive em caso de desclassificação.
Diferentemente do que ocorre com o acordo de colaboração premiada (art. 4º, §5º, da
Lei 12.850/2013), não é possível a formalização de ANPP após a decisão condenatória.

223 Ou o juiz criminal comum, enquanto estiver vigente a medida cautelar na ADI 6298/DF.

178
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Para estimular a formalização do acordo de não persecução penal, na fase poli-


cial, por ocasião do interrogatório, o investigado pode ser informado pelo delegado de
Polícia de que sua confissão pode resultar na entabulação de um ANPP com o Ministé-
rio Público. Tal informação deve vir em seguida à cientificação do suspeito quanto ao
seu direito ao silêncio.

14.3. A negociação do ANPP


A negociação de um acordo de não persecução penal pode ter início ainda na fase
policial, com a manifestação de interesse por parte do investigado em fazer um ajuste
com o Ministério Público.
A negociação em sentido estrito só começa, porém, com o primeiro contato do
investigado com o Ministério Público, sempre na presença de seu defensor criminal.
A deflagração do processo negocial pode ocorrer por iniciativa do Ministério Pú-
blico ou da defesa, ou por estímulo da autoridade policial ou do juiz. A decisão, porém,
sobre a celebração do ajuste é sempre das partes potenciais.
Sucessivas reuniões negociais ou audiências podem ser realizadas durante a eta-
pa preparatória do ajuste. Nada impede, contudo, que o acordo se faça em uma única
assentada, especialmente nos casos mais simples. Essas reuniões devem ser registradas,
assim como as propostas nelas discutidas. Diz o §2º do art. 18 da Resolução 181/2017
que a confissão detalhada dos fatos e as tratativas do acordo serão registrados pelos
meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das
informações. O art. 28-A do CPP não contém semelhante exigência.
O juiz nunca participa da negociação. Não é da competência do juiz intervir na
realização do acordo. Cumpre-lhe apenas homologá-lo, nos termos do art. 3º-B, in-
ciso XVII, do CPP.224 Neste passo, aplica-se analogicamente o §6º do art. 4º da Lei
12.850/2013, segundo o qual “o juiz não participará das negociações realizadas entre as
partes para a formalização do acordo de colaboração”.
O delegado de Polícia tampouco participa da negociação por direito próprio, já
que a formalização do ANPP diz respeito ao exercício ou não da ação penal, no âmbito
do poder-dever de acusar ou não acusar. Sua integração ao art. 129, inciso I, da Consti-
tuição é patente. Isso não significa, porém, que a autoridade policial não possa incenti-
var a formalização do acordo ou sugeri-lo, assim como propiciar informações adicionais
ao Ministério Público e ao investigado durante o processo negocial, caso necessário.
A vítima tem lugar especial no ANPP. Deve participar da negociação do acordo,
sempre que possível. Ao menos, seus interesses devem ser considerados na elaboração
das propostas e no fechamento do acordo, especialmente quando houver dano a ser
reparado ou coisa a ser restituída. Para assegurar sua ciência e participação, a vítima
deve ser intimada do início do processo negocial, de sua conclusão e da homologação
ou não homologação. O Ministério Público deve considerar as expectativas do ofendido
na celebração do acordo.

224 Cabe ao juiz de garantias “decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração
premiada, quando formalizados durante a investigação”, na forma do art. 3º-B do CPP. Este dispositivo teve sua
eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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14.4. Recusa à formalização do acordo


Caso o investigado rejeite a proposta, nada há a fazer. Não havendo acordo, o Mi-
nistério Público deverá prosseguir nas investigações ou oferecer imediatamente denúncia.
Caso a recusa seja manifestada pelo Ministério Público, o investigado pode submeter
essa decisão a reexame pelo órgão revisional do próprio Parquet, nos termos do art. 28 do
CPP. Determina o §14 do art. 28-A do CPP que, “no caso de recusa, por parte do Ministério
Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a
remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.”
A vítima também tem legitimidade para valer-se dessa via, se for de seu interesse.
Nos Ministérios Públicos dos Estados, o órgão de revisão é o Procurador-Geral
de Justiça, nos termos da Lei Federal 8.625/1993 e das leis orgânicas estaduais. Nos
ramos criminais do Ministério Público da União (MPU), a competência revisional per-
tence às Câmaras de Coordenação e Revisão, exclusivamente, como se dá no MPF, ou
de maneira consultiva, como ocorre no MPDFT e no MPM.
A remessa ao órgão superior deve ser providenciada pelo membro do Ministério
Público oficiante, tendo em vista que a proposta de acordo não terá sido ainda judicia-
lizada, ou pelo próprio juiz.
O Procurador-Geral ou a Câmara poderá manter a negativa, recusando a pro-
posta, caso em que os autos baixam para o oferecimento da denúncia. Se o órgão re-
visional discordar da posição do promotor natural, deverá designar outro membro do
Ministério Público para promover o ajuste com o investigado.

14.5. Formalização do acordo de não persecução penal


Concluída a negociação, passa-se à celebração do ANPP. O acordo de não perse-
cução penal deve ser formalizado por escrito (§3º do art. 28-A do CPP), de preferência
em um único instrumento, firmado pelo membro do Ministério Público oficiante, pelo
investigado e pelo seu advogado ou defensor público. Deve-se observar também o §3º
do art. 18 da Resolução 181/2017.
Embora em regra deva ser feito em um só corpo escrito, nada impede que o
ajuste seja formalizado por proposta e contraproposta, com aceitação, mediante troca
de instrumentos entre os celebrantes.
Acordos orais são admissíveis desde que reduzidos a termo ou registrados em
sistema de gravação de som ou de som e imagem. Esta forma cria dificuldades para o
acompanhamento.
Não é necessário o reconhecimento de firmas no ANPP. O advogado deve ter
procuração com poderes específicos para negociar acordo de não persecução criminal.225

225 Vide a propósito o novo art. 3º-C da Lei 12.850/2013: “A proposta de colaboração premiada deve estar instruída
com procuração do interessado com poderes específicos para iniciar o procedimento de colaboração e suas trata-
tivas, ou firmada pessoalmente pela parte que pretende a colaboração e seu advogado ou defensor público. Este
dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Este elemento é importante para a verificação, desde o início, da existência de cons-


ciência (ciência informada) do investigado quanto à natureza e às consequências da
estratégia de defesa.
Pelo §12 do art. 28-A do CPP, a celebração e o cumprimento do acordo de não
persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os
fins previstos no inciso III do § 2º desse artigo, que veda o ANPP, se o agente tiver sido
beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, por acordo de
não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo. É de se
ter em conta a falta de menção aos acordos de colaboração premiada.

14.6. Juízo competente para a homologação e execução do acordo


Já vimos que a autoridade judiciária não intervém na proposta do ANPP ou na
sua negociação. O controle judicial tem início na fase da homologação. Diferentes juízes
intervirão no ANPP.
Para a homologação, a competência é do juiz de garantias, conforme o art. 3º-B,
inciso XVII, do CPP. Cabe-lhe decidir sobre a homologação de acordo de não persecu-
ção penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação.226
Se esses acordos forem propostos já na fase processual, o que é possível, a au-
toridade competente para a homologação será o juiz de instrução e julgamento. Neste
caso, o ANPP passa a ter natureza de um acordo de não prosseguimento da ação penal.
No acompanhamento do cumprimento do acordo, a competência é do juízo da
execução penal (art. 28-A, §6º, do CPP).
Se o acordo não for cumprido, o juiz da execução cuidará de sua rescisão. Mas
compete ao juiz de garantias receber a denúncia que vier a ser proposta pelo Ministério
Público.
Nos casos de foro especial por prerrogativa de função, a autoridade judiciária
competente para a homologação do acordo é a do tribunal perante o qual deva res-
ponder o investigado. O §1º do art. 1º da Lei 8.038/1990 estabelece que, não sendo o
caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstanciadamente
a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior
a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal,
desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, nos termos
do art. 28-A do CPP.
No foro especial, o juiz competente para todas as decisões referentes ao ANPP
será o desembargador ou ministro relator227, que poderá homologar o acordo, recusar-
lhe homologação ou rescindi-lo monocraticamente, ou fazê-lo ad referendum da turma,
câmara, seção, órgão especial ou pleno do tribunal, conforme estipular seu regimento

226 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020. Assim,
a competência é do juiz criminal “comum”.
227 Diz o art. 2º da Lei 8.038/1990: “O relator, escolhido na forma regimental, será o juiz da instrução, que se realizará
segundo o disposto neste capítulo, no Código de Processo Penal, no que for aplicável, e no Regimento Interno do
Tribunal. Parágrafo único. O relator terá as atribuições que a legislação processual confere aos juízes singulares.”

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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interno. No STF e no STJ, as transações penais são homologadas monocraticamente


pelo relator228. Assim também deve ser com o ANPP.
Segundo o §1º, inciso I, do art. 21-A do Regimento Interno do STJ, as audiências
de transação e suspensão condicional do processo são realizada pelo juiz instrutor vin-
culado ao ministro relator, na forma do art. 3º, inciso III, da Lei 8.038/1990. Assim tam-
bém ocorrerá com a audiência de confirmação do ANPP, prevista no art. 28-A do CPP,
especialmente porque, conforme o art. 3º, inciso II, da Lei 8.038/1990, “cabe ao relator
decretar a extinção da punibilidade, nos casos previstos em lei”. Assim que cumprido o
ANPP, o relator, como autoridade competente, deve extinguir a punibilidade do agente.

14.7. A audiência de confirmação do ANPP


A etapa judicial do ANPP começa com a audiência de ratificação. Reforçando a
oralidade do processo penal brasileiro, o art. 28-A do CPP exige que a confirmação da
voluntariedade do ajuste se faça presencialmente perante o juiz competente, ou por
meio de videoconferência.
Tanto o Ministério Público quanto o acusado e seu defensor devem comparecer
à sede do juízo para tal audiência. É possível o telecomparecimento.
Segundo o §4º do art. 28-A do CPP, para a homologação do acordo de não perse-
cução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade,
por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.
A vítima e o Ministério Público também devem estar presentes a essa audiência,
que é pública, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. Trata-se de ato
processual, que segue, portanto, a regra geral de qualquer audiência.
Na homologação de acordos de colaboração premiada, há previsão expressa de
que a audiência será realizada “sigilosamente”, para ouvir o colaborador, na presença
de seu defensor. A restrição da publicidade se justifica por uma razão muito simples: o
colaborador imputa fatos criminosos a terceiros, e tais fatos ainda exigirão apuração.
Logo, não se pode realizar uma audiência de confirmação de colaboração premiada
com publicidade plena. Este fator não está presente no ANPP.
Sendo a ação penal de iniciativa pública e não havendo cláusula legal de sigilo, não
se compreende a realização de audiência judicial em processo penal sem a participação
do Ministério Público. Vale lembrar que o sigilo da atividade processual não é oponível
às partes, à luz do inciso IX do art. 93 da Constituição.
A presença do promotor ou procurador na audiência de ratificação também se
justifica no proveito do processo, por economia processual, para o caso de ser necessá-
ria alguma modificação nas cláusulas ou nas condições do acordo ou para esclarecimen-
to que possa ser prestado no próprio ato.
Por fim, não se deve menosprezar o fato de que o processo penal é contraditó-
rio, e as audiências orais prestam-se a assegurá-lo com prontidão, em nome da imedia-
tidade, da concentração e da celeridade da prestação jurisdicional.

228 Vide o art. 34, inciso IX, do Regimento Interno do STJ. Cabe ao relator homologar pedidos de autocomposição das
partes.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Nesta audiência, o juiz de garantias no ANPP – o juiz de instrução e julgamento


nos acordos de não prosseguimento da ação penal – deverá verificar substancialmen-
te, de viva voz, a voluntariedade do acordo e sua legalidade, conforme o art. 3º-B do
CPP229. O investigado celebrante, devidamente acompanhado de seu advogado, deverá
ser indagado pelo juiz em open court se está ciente da acusação que lhe foi feita, se
firmou voluntariamente e de livre vontade o acordo, se sofreu coação para firmá-lo, se
teve assistência de advogado ou defensor público durante todo o tempo, se conhece as
provas existentes, se confessa o fato que se lhe imputa, se compreende as consequên-
cias do acordo e se está disposto a cumprir as condições nele estabelecidas.
O juiz deverá confirmar não só a voluntariedade do agente celebrante mas tam-
bém certificar-se de sua confissão e da extensão dela, em conformidade com o que foi
ajustado entre o Ministério Público e a defesa.
Não se tem, porém, um interrogatório no sentido usual do processo penal.
É uma audiência formal, mas breve e de conteúdo simplificado. Nela o juiz também
deverá observar a presença dos requisitos legais para a celebração do acordo, a não
ocorrência de causas impeditivas, a legalidade do conteúdo do acordo e das condições
ajustadas pelas partes, nos termos do caput e dos §§1º e 2º do art. 28-A do CPP.
O inciso V do art. 28-A do CPP permite que o Ministério Público proponha con-
dições inominadas, desde que proporcionais e compatíveis com a infração penal que se
imputa ao investigado. O juiz velará, todavia, para que essas condições adicionais não
sejam ilegais nem abusivas.
Encerrada a oitiva do investigado e a checagem da legalidade do ajuste, o juiz
competente procederá a homologação ou não do acordo, o que pode ocorrer também
mediante sentença oral.
Pelas razões mencionadas, o Ministério Público não deve abster-se de compare-
cer ao ato nem pode ser impedido pelo juiz de se fazer presente.

14.8. A homologação do ANPP


A homologação do ANPP pode ocorrer na audiência de ratificação, em sessão
pública, ou posteriormente, por sentença proferida em gabinete.
Como visto acima, o juiz de garantias230 ou o juiz de instrução e julgamento,
quando for o caso, deverá examinar a voluntariedade da avença e sua legalidade. Três
situações podem decorrer dessa checagem judicial: (i) a homologação; (ii) a necessida-
de de modificações ou emendas; (iii) a não homologação do acordo.
A primeira hipótese é a de homologação. Segundo o §6º do art. 28-A do CPP, se
chancelar o ANPP, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público (“promotor natural”)
para que inicie sua execução perante o juízo competente. Este seria o juiz de exe-
cução penal.

229 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
230 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.

183
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

A segunda hipótese é a de complementação ou retificação do acordo. Diz o §5º


do art. 28-A do CPP, que, se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as
condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Minis-
tério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do
investigado e seu defensor.
A inadequação, insuficiência ou abusividade do acordo podem ser corrigidas me-
diante glosas ou aditamentos ou correção redacional. Ou seja, o juiz pode exigir a su-
pressão, adição ou correção de cláusulas ilegais ou abusivas. Uma vez feitos os ajustes
indicados pelo juiz, que devem realizar-se exclusivamente no plano da legalidade, o
acordo retificado deve ser reapresentado a homologação, com repetição da audiência
de ratificação, se necessário for. Como já vimos, a correção do ANPP pode ser feita na
própria audiência a que se refere o §4º do art. 28-A do CPP, razão suficiente para que
nela esteja sempre presente o Ministério Público.
A terceira situação possível é a de não homologação, que pode ocorrer de plano
ou após o procedimento de retificação. Conforme o §7º do art. 28-A do CPP, o juiz
poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais. Pode
também deixar de homologar o ANPP quando não for realizada a adequação a que
se refere o §5º do mesmo artigo. Uma vez rejeitada definitivamente a homologação,
o juiz deve devolver os autos ao Ministério Público “para a análise da necessidade de
complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia” (§8º). Situações
complexas podem advir dessa decisão. A divergência de regulamentação é patente na
comparação do referido §8º do art. 28-A do CPP com o §6º do art. 18 da Resolução
181/2017.
As partes devem ser intimadas das decisões da etapa de homologação. O §9º
ordena que também se intime a vítima “da homologação do acordo de não persecução
penal e de seu descumprimento”. Contudo, a vítima deve ser intimada também da de-
cisão de não homologação, pois tem interesse direto no seu resultado.

14.9. Repactuação ou retificação do acordo antes da homologação


A repactuação do ANPP pode resultar de iniciativa de qualquer das partes, ser
provocada pelo juiz ou pela vítima. Segundo a lei, o juiz pode ordenar a reformulação
da proposta se ela for inadequada, insuficiente ou abusiva.
Este dispositivo deve ser lido em conjunto com o art. 3º-A do CPP, que entroniza
o princípio acusatório, não admite iniciativa persecutória do juiz em substituição ao ór-
gão de acusação e não tolera iniciativa probatória do juiz em detrimento do investigado
ou acusado231.
Assim, a competência do juiz conforme o §5º do art. 28-A do CPP deve se res-
tringir ao exame da legalidade, não podendo o magistrado substituir-se ao acusador
quando não for este o caso. O juiz pode determinar a reformulação da avença para a

231 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020, mas
tais vedações são em quase tudo compatíveis com o sistema acusatório.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

supressão de condições inadequadas à natureza da infração penal, à sua gravidade ou à


condição do investigado. Pode também ordenar a repactuação quando alguma condição
ajustada se mostrar abusiva, diante dos mesmos parâmetros, os quais decorrem da lei.
Resta saber se o juiz poderá também exigir a repactuação quando as condições
estipuladas se mostrarem insuficientes à prevenção e à repressão do delito, dado que,
neste caso, a modificação do ajuste ocorreria em detrimento do investigado e contra a
posição do Ministério Público.
Se a inadequação, insuficiência ou abusividade do acordo puder ser emoldurada
no espaço de legalidade, pela qual o juiz deve velar, não haverá incompatibilidade da
determinação de repactuação com o princípio acusatório e as novas funções do juiz de
garantias no processo penal.232
No entanto, o juiz não pode substituir-se aos juízos discricionários das partes,
fazendo opções em lugar destas, sem que haja ilegalidade, pois isso seria exercer papel
que não lhe cabe no acordo de não persecução penal.
A partir daí pode ter-se um impasse, pois o Ministério Público e a defesa podem
recusar-se a repactuar o ANPP. Neste caso, diz o §7º do art. 28-A do CPP que o juiz
pode rejeitar a homologação da proposta “que não atender aos requisitos legais” ou
que não for readequada. A solução dada pela Resolução 181/2017 é diversa.

14.10. Rejeição da homologação do acordo


Se o juiz se valer da faculdade prevista no §8º do art. 28-A do CPP e recusar a
homologação do ANPP, deve ele devolver os autos ao Ministério Público para que adote
uma de duas posturas: promover novas investigações, se necessário; ou propor a ação
penal.
Este artigo é flagrantemente inconstitucional, uma vez que o juiz não pode preor-
denar a atuação do Ministério Público para a propositura da ação penal. Admitir a eficá-
cia do §8º do art. 28-A do CPP seria dizer que o juiz pode ordenar ao Ministério Público
que denuncie. No entanto, o art. 129, I, da Constituição atribui essa decisão (de acusar
ou de não acusar) apenas ao Parquet.
Assim, o §8º do art. 28-A do CPP deve ser lido em conformidade com o texto
constitucional e com o sistema do CPP, orientado pelo princípio acusatório (art. 129,
I, CF, e art. 3º-A)233. Desta maneira, cabe ao juiz rejeitar a homologação e devolver os
autos ao Ministério Público para que proceda como entender de direito.
Temos então de examinar cada uma das posições que o Ministério Público pode-
rá então adotar em tal cenário:

a) insistir na homologação e interpor recurso em sentido estrito da decisão dene-


gatória, nos termos do novo inciso XXV do art. 581 do CPP;

232 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.
233 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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b) insistir na homologação e submeter sua posição ao órgão revisor do próprio


Ministério Público, para que determine o caminho a seguir, ou seja, para que
validade a decisão de não acusar, nos termos do art. 28 do CPP;
c) reajustar o acordo, em conformidade com os pontos controvertidos indicados
pela autoridade judiciária, nos termos do art. 28-A, §5º do CPP;
d) arquivar a investigação criminal, devido à inviabilidade da solução negociada,
nos termos do art. 28 do CPP.

Se o acordo não for homologado por ilegalidade em sua forma ou conteúdo, a


solução adequada é a interposição de recurso em sentido estrito, para que o tribunal
de apelação reexamine a decisão judicial. Têm legitimidade e interesse recursal tanto o
investigado quanto o promotor natural.
Porém, se a rejeição do acordo fundar-se em critérios voltados ao seu mérito,
especificamente sua suficiência ou sua inadequação, para além da questão da legalidade,
a decisão final sobre a viabilidade e a conformação do acordo deve ficar com o próprio
Ministério Público, nos termos do art. 28 do CPP.
A possibilidade de as partes voltarem atrás e reajustarem o acordo sempre exis-
tirá, o que resolveria o impasse.
Como última alternativa, o Ministério Público pode decidir arquivar o caso, se
não for possível convencer o julgador a homologar o ANPP, solução que será sempre
menos adequada, tendo em conta a necessidade de prevenção e repressão à conduta
ilícita.
O §6º do art. 18 da Resolução 181/2017 do CNMP determina que, se o juiz
considerar incabível o acordo, ou inadequadas ou insuficientes as condições celebradas,
deve remeter os autos ao Procurador-Geral ou órgão superior interno responsável por
sua apreciação, que poderá adotar as seguintes providências:

a) oferecer denúncia ou designar outro membro para oferecê-la;


b) complementar as investigações ou designar outro membro para comple-
mentá-la;
c) reformular a proposta de acordo de não persecução, para apreciação do inves-
tigado e posterior homologação judicial;
d) manter o acordo de não persecução, postura que vinculará toda a Instituição.

Assim, o §8º do art. 28-A do CPP tem de ser compatibilizado com o art. 129,
inciso I, da Constituição e com o art. 3º-A do CPP234, do que resulta a seguinte solução.
Se o juiz discordar das partes, quanto à homologação do ANPP, deve devolver os autos
ao Ministério Público, sim, mas não ao promotor natural. Deve proceder na forma do
art. 28 do CPP e remeter os autos ao Procurador-Geral ou à câmara de coordenação e
revisão do MPU, para que ali se avalie se há necessidade de complementação da apura-
ção, se é caso de denúncia, se a proposta de acordo será reformulada, ou se a proposta
de acordo será mantida.

234 Este dispositivo teve sua eficácia suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, em 22 de janeiro de 2020.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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O recurso em sentido estrito previsto no art. 581, XXV, do CPP tem cabimento
apenas nas hipóteses de não homologação por motivo de ilegalidade, abusividade ou
falta de voluntariedade.
A solução acima apontada está em harmonia com o princípio acusatório e encon-
tra símile no direito brasileiro. No procedimento negocial para concessão de remissão
pelo Ministério Público (art. 126 c/c o art. 180, II, do ECA), havendo discordância do
juiz, este deve submeter o caso à instância revisional do Ministério Público. Diz o §2º
do art. 181 do ECA:

§ 2º Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-


Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação,
designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o
arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a
homologar.

Assim também entendeu o Superior Tribunal de Justiça ao examinar o referido


dispositivo legal:

RECURSO ESPECIAL. LEI N. 8.069/1990. REMISSÃO PRÉ-PROCESSUAL.


INICIATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIVERGÊNCIA TOTAL OU PARCIAL.
APLICAÇÃO DO ART. 181, § 2°, DO ECA. RECURSO PROVIDO. 1. É prerrogativa
do Ministério Público, como titular da representação por ato infracional, a iniciativa
de propor a remissão pré-processual como forma de exclusão do processo, a qual,
por expressa previsão do art. 127 do ECA, já declarado constitucional pelo Supremo
Tribunal Federal, pode ser cumulada com medidas socioeducativas em meio aberto,
as quais não pressupõem a apuração de responsabilidade e não prevalecem para
fins de antecedentes, possuindo apenas caráter pedagógico. 2. O Juiz, no ato da
homologação exigida pelo art. 181, § 1°, do ECA, se discordar da remissão concedida
pelo Ministério Público, fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça e este
oferecerá representação, designará outro promotor para apresentá-la ou ratificará
o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada
a homologar. 3. Em caso de discordância parcial quanto aos termos da remissão,
não pode o juiz modificar os termos da proposta do Ministério Público no ato da
homologação, para fins de excluir medida em meio aberto cumulada com o perdão.
4. Recurso especial provido para anular a homologação da remissão e determinar que
o Juízo de primeiro grau adote o rito do art. 181, § 2°, do ECA.235

Mutatis mutandi, este é o procedimento que deve valer para a situação análoga
envolvendo o acordo de não persecução penal. Além de assegurar ao acusado uma
espécie de “duplo grau” de natureza extrajudicial, a acomodação do art. 28 do CPP236
à mecânica dos acordos de não persecução penal tem a vantagem de permitir à Admi-
nistração Superior do Ministério Público traçar uma política de persecução criminal uni-
forme para a instituição, visando a encaminhar seus membros a uma atuação orientada

235 STJ, 6ª Turma, REsp 1392888/MS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 30 de junho de 2016.
236 Em 22 de janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux suspendeu sine die a eficácia da nova redação do art. 28 do CPP,
instituída pela Lei 13.964/2019, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020. Vide a ADI 6298 MC / DF e ADI
apensas.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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pelo interesse público e pelos princípios da eficiência e da unidade, de forma a evitar


posturas draconianas ou a leniência temerária de um ou outro de seus membros. A toda
evidência, tal manejo da política criminal a cargo do Parquet situa-se na seara do mérito
administrativo, fundado aqui no art. 129, I, da Constituição.
Havendo acordo ou não, a não propositura da ação penal é decisão discricioná-
ria do Ministério Público, e não direito público subjetivo do acusado, não podendo o
Judiciário analisar o mérito das razões invocadas na decisão ou na promoção de arqui-
vamento.
No entanto, o § 2º do art. 19 da Resolução 181 do CNMP determina que “na
hipótese de arquivamento do procedimento investigatório criminal, ou do inquérito
policial, quando amparado em acordo de não persecução penal”, a promoção de arqui-
vamento será necessariamente apresentada ao juízo competente, na forma do antigo
art. 28 do CPP237. Importante frisar que a vítima deve ser ouvida previamente ao arqui-
vamento ou, na pior das hipóteses, ser cientificada da providência, uma vez que direitos
seus ou expectativas suas terão sofrido impacto com o acordo ou sua falta. Somente
o seu cumprimento integral autoriza a extinção da punibilidade do agente e o arquiva-
mento da investigação.
Em janeiro de 2020, por meio da ADI 6305, a CONAMP impugnou os incisos III e
IV e os §§ 5º, 7º e 8º do art. 28-A do CPP, por inconstitucionalidade. No entanto, ao de-
cidir a ADI 6298 MC / DF, que reuniu as demais ações diretas contra a Lei 13.964/2019,
o ministro Luiz Fux indeferiu a medida cautelar neste ponto, argumentando que “a pos-
sibilidade de o juiz controlar a legalidade do acordo de não persecução penal prestigia
o sistema de ‘freios e contrapesos’ no processo penal e não interfere na autonomia do
membro do Ministério Público”.
Essa afirmação deve ser posta em seus devidos termos. Como vimos, se o con-
trole realizado pelo juiz for exclusivamente de legalidade e abusividade do acordo, a de-
cisão judicial viabilizará a interposição de recurso em sentido estrito pelas partes. Mas
se o exame judicial avançar pelo mérito do acordo, isto é, sua conveniência, oportuni-
dade, justiça, eficiência ou suficiência, o juiz deve aplicar o art. 28 do CPP, para revisão
interna, para que não se substitua ao órgão de acusação.
Na referida decisão na ADI 6298/DF, o ministro relator deixou claro que “o ma-
gistrado não pode intervir na redação final da proposta de acordo de não persecução
penal de modo a estabelecer as suas cláusulas”. De fato, isso significaria agir como par-
te, o que é vedado ao juiz.
Prosseguindo, o ministro Fux estabeleceu que “O juiz poderá (a) não homologar
o acordo ou (b) devolver os autos para que o parquet – de fato, o legitimado constitu-
cional para a elaboração do acordo – apresente nova proposta ou analise a necessidade
de complementar as investigações ou de oferecer denúncia, se for o caso”. Note-se,
porém, que a decisão passa longe de esclarecer o que ocorre quando o Ministério Pú-
blico se recusa a retomar as investigações ou a propor a denúncia e insiste no acordo.
A resposta só pode ser uma. Não se tratando de situação de legalidade do ajuste, o juiz

237 Que foi repristinado por força da decisão do ministro Luiz Fux na ADI 6298 MC / DF, de 22 de janeiro de 2020.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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deve submeter a questão ao órgão revisor do Ministério Público, aplicando o art. 28 do


CPP e, por analogia, a disciplina dos acordos de transação penal, suspensão condicional
do processo, colaboração premiada e remissão pré-processual.

14.11. A execução do ANPP


Uma vez homologado, o ANPP deve ser submetido ao juiz competente para sua
execução. Na Resolução 181/2017 do CNMP, o próprio Ministério Público cuidava da
implementação do acordo, nos termos do §5º do art. 18. Com a Lei 13.964/2019, o
§6º do art. 28-A do CPP passa a prever que o membro do Ministério Público, de posse
do acordo homologado em juízo, deve submetê-lo ao juiz das execuções penais para
cumprimento. Basta uma simples petição. Nada impede que esse requerimento seja
feito ao próprio juiz da homologação para que o remeta ao juízo da execução.
Já vimos que as condições estipuladas no ANPP não têm natureza jurídica de
pena, mas sim de obrigações de dar, de fazer e de não fazer. No entanto, algumas dessas
obrigações estão previstas na lei penal em idêntico formato, como penas não privativas
de liberdade (penas alternativas). É o caso da prestação de serviços à comunidade e da
prestação pecuniária, previstas nos incisos III e IV do art. 28-A do CPP.
Talvez por essa similitude o legislador tenha decidido entregar a execução do
ANPP aos juízes das VEPs ou VECs, existentes nos Estados e na Justiça Federal.

14.12. Cumprimento do acordo


Nos termos da Resolução 181/2017, do CNMP, uma vez cumprido integralmente
o acordo de não persecução penal, o Ministério Público deve promover o arquivamen-
to da investigação. Com a Lei 13.964/2019 algo se acrescentou.
Diz o §13 do art. 28-A do CPP, que, cumprido integralmente o acordo de não
persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade do agente.
Esse juiz, como já vimos, é o da execução penal, pois a ele cabe acompanhar a imple-
mentação do ajuste. Essa nova causa extintiva de punibilidade soma-se às já constantes
do art. 107 do Código Penal e àquela prevista no §5º do art. 89 da Lei 9.099/1995.
Após o cumprimento do acordo, os autos do inquérito ou do PIC ao qual o
ANPP estiver associado devem ser arquivados, mantendo-se o registro de sua exis-
tência apenas para os fins do inciso III do §2º do art. 28-A do CPP, que prevê o prazo
quinquenal para repetição de qualquer acordo238.
O investigado não terá em seu desfavor nenhuma anotação criminal, seja de
maus antecedentes, seja de reincidência em função do ANPP.
Antes da decretação de extinção da punibilidade, o Ministério Público e o juiz devem
certificar-se de de que o ANPP foi efetivamente cumprido, ouvindo a vítima, sempre que
possível ou necessário. Mesmo que assim não se faça, a vítima deve ser informada da con-
clusão dos compromissos processuais do investigado na instância criminal.

238 Salvo os de colaboração premiada, não mencionados no texto da lei como impeditivos de um ANPP.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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14.13. Descumprimento do acordo

Conforme o §9º do art. 18 da Resolução 181/2017 do CNMP, descumpridas


quaisquer das condições estipuladas no ANPP ou não observados os deveres do § 8º,
no prazo e nas condições estabelecidas, o membro do Ministério Público deveria ofe-
recer imediatamente denúncia, se fosse o caso.
Esta regra consta também do §10 do art. 28-A do CPP, segundo o qual, des-
cumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o
Ministério Público deve comunicar tal fato ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior
oferecimento de denúncia.
Segundo a Súmula Vinculante 35 do STF, como a homologação da transação
penal prevista no art. 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material, o des-
cumprimento de suas cláusulas acarreta a retomada da situação anterior, “possibi-
litando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante ofe-
recimento de denúncia ou requisição de inquérito policial”. Tal enunciado aplica-se
analogicamente ao ANPP.
A rescisão, que não é imediata, deve ser precedida de contraditório, ouvindo-se
o investigado sobre os motivos do inadimplemento do ANPP. Não havendo justificativa
plausível, o acordo será rescindido, mediante mero ato declaratório do juiz competen-
te239, abrindo-se o prazo para o oferecimento da denúncia. Diligências complementares
podem ser realizadas pelo Ministério Público.
O §10 da Resolução 181/2017 do CNMP e o §11 do art. 28-A do CPP tratam
das consequências do inadimplemento do ANPP, estabelecendo regra semelhante
à existente no art 89 da Lei 9.099/1995 em relação à suspensão condicional do
processo.
O descumprimento do acordo de não persecução pelo investigado poderá ser
utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de
proposta de suspensão condicional do processo.
Sua confissão, aferida pelo Ministério Publico e ratificada em juízo, pode ser
apontada na discussão da ação penal, ainda que possa ser objeto de retratação, nos
termos do art. 200 do CPP.
A vítima deverá ser cientificada do descumprimento do acordo pelo investigado.
Seu interesse jurídico poderá assumir agora outra dimensão, já que, com a provável
instauração da ação penal, poderá (i) constituir-se assistente de acusação, se oferecida
a denúncia; ou (ii) oferecer queixa em ação penal privada subsidiária da pública, caso o
Parquet perca o prazo da denúncia; ou (iii) simplesmente inteirar-se do processo penal
promovido pelo Ministério Público. Poderá ainda propor ação civil indenizatória ex de-
licto, caso ainda não o tenha feito.

239 A Lei 13.964/2019 não define claramente esta competência. No entanto, se a homologação se deu pelo juiz de ga-
rantias ou o juiz criminal comum (enquanto vigente a medida cautelar na ADI 6298/DF), a rescisão também deveria
competir-lhe. O problema é que o acordo estará sob acompanhamento do juiz da execução penal, parecendo
contraproducente esse vaivém processual.

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14.14. Rescisão do acordo de não persecução penal


O art. 28-A do CPP não estabelece como se procede à rescisão do acordo de
não persecução penal. Porém, é fácil intuir que sua rescisão se dará por iniciativa de
qualquer das partes, mas sobretudo por provocação do Ministério Público, diante do
descumprimento das condições ajustadas, devendo ser observado o contraditório.
Se o Ministério Público propuser denúncia no curso de ANPP, sem efetivo ina-
dimplemento por parte do investigado, a ação penal não poderá ser instaurada, caben-
do ao juiz rejeitar a inicial por falta de interesse de agir ou ao tribunal trancá-la, caso
tenha sido instaurada.
Já a rescisão por culpa do investigado ocorrerá em razão do descumprimento de
qualquer das condições previstas nos incisos I a V do art. 28-A do CPP. Descumpridas
quaisquer das obrigações estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério
Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento
de denúncia (§10 do art. 28-A do CPP).
O investigado deve ser intimado pelo juiz para justificar o motivo do inadimple-
mento das condições às quais se obrigou. Não existindo explicação razoável para o des-
cumprimento ou para a mora, o juiz deve desconstituir o ANPP, revogando a decisão
homologatória.
Assim que a decisão de rescisão do acordo for publicada, passa a correr o prazo
para o Ministério Público oferecer denúncia contra o investigado. Na mesma ocasião,
retoma-se o curso do prazo prescricional, nos termos do art. 116, IV, do CP. De fato,
antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre enquanto não cum-
prido ou não rescindido o acordo de não persecução penal.
Também é motivo de rescisão a continuidade da prática de crimes por parte do
investigado que celebrou o ANPP. No ponto, tome-se como norte interpretativo o
disposto no §18 do art. 4º da Lei 12.850/2013, segundo o qual “o acordo de colabo-
ração premiada pressupõe que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita
relacionada ao objeto da colaboração, sob pena de rescisão.”.

14.15. Consequências do acordo para a vítima


Para além da resolução consensual de um conflito criminal e da redução do nú-
mero de processos penais e de recursos criminais em tramitação no Poder Judiciário, a
celebração de um ANPP tem repercussão para a vítima, que terá direito à reparação do
dano e/ou à restituição da coisa, conforme o inciso I do art. 28-A do CPP.
A vítima também terá no acordo uma vantagem processual relevante, porque
ali estará uma confissão voluntária, homologada em juízo, elemento relevante para a
reparação civil do dano ex delicto. Apesar da retratabilidade da confissão no processo
penal, a existência do ANPP ainda assim é favorável à vítima.
Considerando que o ANPP equivale a um termo de ajustamento de conduta no
campo penal e que esse contrato ou acordo terá sido homologado por sentença, for-
mou-se ali um título executivo judicial, que permitirá à vítima ou a seu representante

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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legal, promover seu cumprimento no juízo civil, nos termos do CPC.240 Na pior das
hipóteses, para fins cíveis, na dimensão da obrigação de indenizar (art. 927 do CC)241,
o ANPP é um documento público assinado pelo devedor, constituindo um título exe-
cutivo extrajudicial (art. 784, II, CPC), ou um instrumento de transação referendado
pelo Ministério Público e pelo advogado do transator, com essa mesma natureza e força
(art. 784, IV, CPC). Esta é mais uma razão para que a vítima tenha assegurados os seus
direitos de ciência e participação.
O art. 935 do CC estabelece que a responsabilidade civil é independente da
criminal, mas estatui que não se pode mais questionar sobre a existência do fato, “ou
sobre quem seja o seu autor”, quando estas questões se acharem decididas no juízo
criminal. A confissão judicial do investigado no âmbito do ANPP torna certa a obrigação
de reparação do dano causado pelo ato ilícito e também certifica o seu autor.

14.16. Consequências do acordo para o acusado


Além de livrar-se de um processo penal que pode ser longo e resultar em conde-
nação criminal, o investigado livra-se dos custos psicológicos e financeiros dessa perse-
cução penal, que pode resultar no mínimo em perda de reputação.
O investigado também se livra de eventual pena privativa de liberdade, ficando
sujeito tão-somente ao cumprimento de obrigações de fazer, de não fazer ou de entre-
gar coisa.
Adicionalmente, o investigado não se sujeita ao gatilho da reincidência, uma vez
que a sentença de homologação do acordo não tem natureza condenatória.
Outra vantagem é que a celebração e o cumprimento do acordo de não perse-
cução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para impedir
a formalização de outro ajuste no prazo de 5 anos.
Por fim, o cumprimento do acordo resulta na extinção da punibilidade do agente
(§13 do art. 28-A do CPP).
Caso não cumpra o ajuste, o investigado será denunciado pelo Ministério Público
e não terá direito a suspensão condicional do processo, mesmo se cabível (§11 do art.
28-A do CPP).
Note-se ainda que, durante a execução do acordo de não persecução penal, a
prescrição da pretensão punitiva não terá curso, na forma do novo inciso V, do art. 116
do CP. Não corre a prescrição enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de
não persecução penal.
Além das condições legais, o §8º do art. 18 da Resolução 181/2017 do CNMP,
impõe ao investigado o dever de comunicar ao Ministério Público eventual mudança de
endereço, número de telefone ou e-mail, e comprovar mensalmente o cumprimento
das condições, independentemente de notificação ou aviso prévio.

240 Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o
efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
241 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

192
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

O investigado também deve, quando for o caso, por iniciativa própria, apresentar
imediatamente e de forma documentada eventual justificativa para o não cumprimento
do acordo.
Tais obrigações não estão previstas em lei, mas podem ser ajustadas como cláu-
sulas do acordo de não persecução penal.

14.17. Repactuação do acordo após a homologação


As condições consideradas no ANPP podem se tornar ou revelar-se demasiada-
mente onerosas ao longo de sua execução. Pode haver, assim, necessidade de repac-
tuação, para que não se inviabilize o seu cumprimento, o que redundaria em rescisão.
A Lei 13.964/2019 não previu procedimento de repactuação. Contudo, pode-
mos buscar inspiração no art. 128 da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adoles-
cente), que admite o reajustamento da conduta e das medidas impostas em razão de
ato infracional, em caso de remissão:

Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a
qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante
legal, ou do Ministério Público.

Analogicamente, o juiz competente pode rever as condições do acordo de não


persecução penal, a pedido do investigado ou do Ministério Público, sempre que possí-
vel e necessário para a preservação da solução de consenso.

15. Outras questões relevantes


Inúmeros são os aspectos em aberto quando tomamos em conta a prática dos
acordos de não persecução penal. Como normalmente se passa com novos institutos,
haverá dúvidas que somente a praxe forense poderá elucidar. Examinemos agora alguns
desses pontos.

15.1. Acordos com adolescentes infratores


Adolescentes infratores não podem ser acusados de crimes. Respondem, no
entanto, por atos infracionais correspondentes a infrações penais, na forma da Lei
8.069/1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A representação de iniciativa do Ministério Público é a petição que abre a ação
pública socioeducativa, da qual pode resultar a aplicação de medida socioeducativa pre-
vista no ECA. Se compararmos a ação por ato infracional à ação penal, a representação
corresponderia à denúncia.
Diante de ato infracional culposo ou de ato infracional doloso cometido sem vio-
lência ou grave ameaça à pessoa, e com pena mínima inferior a 4 anos, o Ministério Pú-

193
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

blico poderia celebrar com o advogado ou defensor do adolescente infrator um acordo


de não persecução, mediante o cumprimento de medidas compatíveis com a condição
de pessoa em desenvolvimento?
Em tese sim, mas a Lei 8.069/1990 tem alternativa mais adequada. A aplicação
da remissão, prevista no art. 180, inciso II do ECA, é uma solução mais favorável ao
adolescente e deve prevalecer sobre o ANPP. A remissão pode ser aplicada se não for o
caso de arquivamento. É um instituto com conteúdo negocial, que pode ser concedido
pelo Ministério Público, mediante ato fundamentado (art. 181 do ECA) estando sujeito
a homologação judicial (§1º do art. 181 do ECA).
Como gênero, a remissão tem aptidão para suspender o processo ou extingui-lo,
se já iniciado.242 Conforme o art. 126 da Lei 8.069/1990, a remissão pré-processual
pode ser concedida antes da deflagração do procedimento judicial, com a aplicação de
qualquer das medidas socioeducativas previstas em lei, exceto a colocação em regime
de semiliberdade e a internação, o que equivale à mitigação da resposta estatal median-
te a exclusão das medidas mais gravosas.
Antes de iniciado o procedimento judicial para a apuração de ato infracional, o
representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de ex-
clusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto
social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação
no ato infracional.
Colhe-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que o art. 127
do ECA “prevê expressamente a possibilidade de oferecimento de remissão cumulada
com medidas socioeducativas em meio aberto, já tendo sido, inclusive, reconhecida a
constitucionalidade do referido dispositivo pelo Supremo Tribunal Federal”243. A refe-
rência é ao RE 248.018/SP, assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ARTIGO 127 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE. REMISSÃO CONCEDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
CUMULAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA IMPOSTA PELA AUTORIDADE
JUDICIÁRIA. POSSIBILIDADE. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA.
PRECEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O acórdão recorrido
declarou a inconstitucionalidade do artigo 127, in fine, da Lei n° 8.089/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente), por entender que não é possível cumular a remissão
concedida pelo Ministério Público, antes de iniciado o procedimento judicial para
apuração de ato infracional, com a aplicação de medida sócio-educativa. 2. A
medida sócio-educativa foi imposta pela autoridade judicial, logo, não fere o devido
processo legal. A medida de advertência tem caráter pedagógico, de orientação ao
menor e em tudo se harmoniza com o escopo que inspirou o sistema instituído pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. A remissão pré-processual concedida pelo
Ministério Público, antes mesmo de se iniciar o procedimento no qual seria apurada a
responsabilidade, não é incompatível com a imposição de medida sócio-educativa de
advertência, porquanto não possui esta caráter de penalidade. Ademais, a imposição
de tal medida não prevalece para fins de antecedentes e não pressupõe a apuração
de responsabilidade. Precedente. 4. Recurso Extraordinário conhecido e provido.244

242 Art. 188. A remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, poderá ser aplicada em qualquer fase
do procedimento, antes da sentença.
243 TJMG, Rel. Des. Fernando Brandt, Apelação Criminal 10084170027571001, publicado em 28 de agosto de 2019.
244 STF, 2ª Turma, RE 248018, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 6 de maio de 2008.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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A estrutura da remissão é, portanto, muito semelhante à de um acordo de não


persecução penal. Na forma prevista no art. 126 do ECA corresponde a um acordo
de não persecução, que “exclui o processo”. Outras características do instituto, como
se vê no art. 127, também estão presentes em ajustes penais. Admite-se, inclusive, a
repactuação (art. 128 do ECA).
Caso a autoridade judiciária discorde da remissão, deve enviar os autos ao Pro-
curador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este poderá oferecer
representação contra o adolescente, designar outro membro do Ministério Público
para apresentá-la, “ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a
autoridade judiciária obrigada a homologar”.
O juiz de Direito não pode substituir-se ao Ministério Público. No HC 96.659/
MG, o STF decidiu que é nula a concessão de remissão pelo juiz sem a oitiva do Minis-
tério Público.245
No acordo, o adolescente deve estar assistido por advogado ou defensor públi-
co. O representante legal do menor também deve estar ciente do procedimento.
A competência para a homologação é do juiz da infância e da juventude ou equi-
valente, tendo em vista que não se aplica a esta Justiça o regime do juiz de garantias.
É sempre da Justiça dos Estados e do Distrito Federal a competência para os atos
infracionais. por conseguinte, somente promotores de Justiça podem aplicar remissão
pré-procesual a adolescentes infratores.

15.2. Acordos com pessoas inimputáveis por motivos psiquiátricos


Não é possível a formalização de acordo de não persecução com pessoa inimpu-
tável, nas condições do art. 26 do Código Penal, isto é, se o agente padecer de doença
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Sendo exigível a voluntariedade para o ANPP, é preciso antes que o investigado
tenha condições de comprometer-se para cumprimento das condições previstas nos
incisos I a V do art. 28-A do CPP. Faltando-lhe discernimento e compreensão da realida-
de, não se pode ajustar condições que exigem compromisso pessoal com um programa
de ressocialização.
Contudo, o semi-imputável (parágrafo único do art. 26 do CP) pode estar apto
a celebrar acordo de não persecução penal, desde que o faça com a assistência de seu
representante legal e com assistência técnica do seu advogado. Este é o agente que, em
virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, não é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de deter-
minar-se de acordo com esse entendimento.
Não faz sentido submeter tais pessoas a processo penal, quando o resultado da
ação pode ser a aplicação de pena ou de medida de segurança, nos termos do art. 98
do Código Penal. Em qualquer caso, um incidente de sanidade mental do acusado deve
ser instaurado.

245 STF, 2ª Turma, HC 96.659/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 28 de setembro de 2010.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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15.3. Acordos com pessoas jurídicas


No Brasil, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas é restrita às imputações
pela prática de crimes ambientais, previstos na Lei 9.605/1998.
Pessoas jurídicas cometem crimes e devem ser denunciadas em juízo; pessoas ju-
rídicas podem formalizar acordos de não persecução penal. Os crimes tipificados entre
os arts. 29 e 69-A da Lei Penal Ambiental são qualificáveis para a celebração de ANPP.
Assim, não sendo o caso de arquivamento do inquérito policial ou do PIC, o Mi-
nistério Público pode propor a formalização de ANPP a pessoa jurídica autora de crime
ambiental, se houver confissão por parte da empresa. Naturalmente, alguns requisitos
do art. 28-A do CPP não serão aplicáveis às pessoas jurídicas.

15.4. Acordos em ação penal privada subsidiária da pública


A vítima tem ganhado cada vez mais espaço no processo penal contemporâneo.
No Brasil, sua participação na persecução criminal ainda é tímida. Alguns direitos pro-
cessuais lhe são reconhecidos pela legislação processual, o principal deles a legitimidade
para a propositura de ação penal subsidiária da pública.
Trata-se de direito fundamental, assegurado pelo art. 5º, LIX, da Constituição de
1988, segundo o qual será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não
for intentada no prazo legal.
Se o Ministério Público não adotar providências para arquivar o caso criminal
(art. 28 do CPP), prosseguir na investigação (mediante realização ou requisição de di-
ligências complementares), formalizar acordos penais (transação penal, acordo de não
persecução penal e, se for o caso, acordo de colaboração premiada com imunidade)
ou deflagrar a ação penal contra o investigado e eventuais coautores e partícipes (ofe-
recimento de denúncia), sua inatividade abre espaço à ação penal privada subsidiária da
pública. Esta ação segue o procedimento previsto no art. 29 do CPP.246
Se a vítima ou seu representante legal pode propor a ação penal em lugar do ór-
gão do Ministério Público que se tenha tornado omisso ou incorrido em mora, também
poderá adotar a medida processual alternativa, que é a celebração de acordo penal, se
cabível, nos termos do art. 28-A do CPP.
Há para a vítima interesse na solução consensual, porque o ANPP pode ace-
lerar a reparação do dano ou a restituição da coisa. O ofendido deverá atuar com
a assistência de defensor ou advogado. Para o investigado, o ajuste de não per-
secução penal também é mais favorável. O Ministério Público poderá intervir no
procedimento e retomá-lo, em caso de negligência do ofendido. A homologação
caberá ao juiz criminal.

246 Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo
ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do
processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante,
retomar a ação como parte principal.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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15.5. Acordos em ação penal privada


Também é admissível o ANPP na ação penal privada, tendo em vista os prin-
cípios da disponibilidade e da oportunidade que a regem. Embora a Lei 13.964/2019
silencie no ponto, vale a analogia. O tema foi objeto de discussão quando da intro-
dução dos acordos da Lei 9.099/1995. No tocante à transação penal, o STJ assim se
pronunciou:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. QUEIXA. INJÚRIA.
TRANSAÇÃO PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE
DO QUERELANTE. JUSTA CAUSA EVIDENCIADA. RECEBIMENTO DA PEÇA
ACUSATÓRIA.
I - A transação penal, assim como a suspensão condicional do processo, não se trata de
direito público subjetivo do acusado, mas sim de poder-dever do Ministério Público
(Precedentes desta e. Corte e do c. Supremo Tribunal Federal).
II - A jurisprudência dos Tribunais Superiores admite a aplicação da transação penal
às ações penais privadas. Nesse caso, a legitimidade para formular a proposta é do
ofendido, e o silêncio do querelante não constitui óbice ao prosseguimento da ação
penal.
III - Isso porque, a transação penal, quando aplicada nas ações penais privadas,
assenta-se nos princípios da disponibilidade e da oportunidade, o que significa que o
seu implemento requer o mútuo consentimento das partes.247

Prevaleceu o entendimento de que a Lei 9.099/1995, desde que obedecidos os


requisitos autorizadores, “permite a suspensão condicional do processo, inclusive nas
ações penais de iniciativa exclusivamente privada, sendo que a legitimidade para o ofe-
recimento da proposta é do querelante”.248
Mutatis mutandi, na ação penal privada também se admite a celebração de acor-
dos de não persecução penal, desde que presentes os requisitos do art. 28-A do CPP,
sendo do ofendido ou de seu representante legal a legitimidade para ajustá-la.

15.6. Acordos em caso de concurso de pessoas


Se houver mais de um investigado, o Ministério Público e a defesa podem ajustar
acordo de não persecução penal para um ou para mais de um ou para todos os sus-
peitos. Os requisitos subjetivos podem afastar a possibilidade de ANPP para este ou
para aquele investigado. No entanto, essas circunstâncias pessoais são incomunicáveis,
e o Ministério Publico não estará proibido de formalizar compromisso com aquele que
cumpra os requisitos legais.
Deste modo, pode haver a tramitação de ação penal simultaneamente à exe-
cução de ANPP, em relação a diferentes coautores ou partícipes, embora sobre o
mesmo fato.

247 STJ, Corte Especial, APn 634/RJ, Rel. Min. Félix Fischer, j. em 21 de março de 2012.
248 STJ, Corte Especial, APn 390/DF, Rel. Min. Félix Fischer, j. em 6 de março de 2006.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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15.7. Interações entre o acordo de não persecução penal e o acordo


de não persecução cível
Uma das grandes novidades da Lei 13.964/2019 foi a introdução dos acordos de
leniência na Lei de Improbidade Administrativa, que se assemelham a termos de ajusta-
mento de conduta (TACs). Desde o surgimento dos acordos de colaboração premiada
no Brasil, tornou-se controvertida a vedação expressa a acordos cíveis no âmbito da
Lei 8.429/1992.
O §1º do art. 17 da LIA proibia expressamente “transação, acordo ou conciliação”
nas ações de improbidade administrativa, por infrações previstas na Lei 8.429/1992, na
Lei 9.504/1997 e noutras leis.
Com a Medida Provisória 703, de 18 de dezembro de 2015, tentou-se revogar
esse dispositivo, dado o seu impacto transversal na formalização de acordos de colabo-
ração premiada, relativos aos mesmos fatos, como se dá em casos de corrupção, por
exemplo, que podem ser classificados como crime e como ato de improbidade, simul-
taneamente. Infelizmente neste ponto, a MPv 703/2015 caducou em maio de 2016.
Uma comissão de juristas presidida pelo ministro Mauro Campbell, do STJ, foi en-
tão incumbida de preparar um anteprojeto de lei que foi convertido no PL 10.887/2018,
contendo disciplina detalhada do acordo de não persecução cível. O texto foi integral-
mente incorporado ao substitutivo do Projeto Anticrime, com previsão de um novo
art. 17-A na Lei 8.429/1992. Lamentavelmente, todo ele foi vetado pelo presidente da
República, pelas seguintes razões, embora não convincentes:

A propositura legislativa, ao determinar que caberá ao Ministério Público a celebração


de acordo de não persecução cível nas ações de improbidade administrativa,
contraria o interesse público e gera insegurança jurídica ao ser incongruente com
o art. 17 da própria Lei de Improbidade Administrativa, que se mantém inalterado,
o qual dispõe que a ação judicial pela prática de ato de improbidade administrativa
pode ser proposta pelo Ministério Público e/ou pessoa jurídica interessada leia-se,
aqui, pessoa jurídica de direito público vítima do ato de improbidade. Assim, excluir
o ente público lesado da possibilidade de celebração do acordo de não persecução
cível representa retrocesso da matéria, haja vista se tratar de real interessado
na finalização da demanda, além de não se apresentar harmônico com o sistema
jurídico vigente.249

Embora a disciplina e o procedimento dos acordos de não persecução cível te-


nham sido eliminados da Lei 13.964/2019, o antes referido §1º do art. 17 da LIA foi
por ela alterado, passando a admitir acordos de leniência em casos de improbidade
administrativa:

§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não


persecução cível, nos termos desta Lei.

249 BRASIL. Presidência da República. Mensagem 726, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em: http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Msg/VEP/VEP-726.htm. Acesso em: 19.01.2020.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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Inclui-se também um §10-A na LIA, segundo o qual, havendo a possibilidade de


solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a
contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias. Note que o Ministério Público
ou a pessoa jurídica legitimada já terá proposta a ação.
Estes dois dispositivos indicam que pode haver dois tipos de acordo nas ações
de improbidade administrativa: (i) o acordo de não persecução cível (art. 17, §1º, da
LIA), caso em que não será ofertada a ação de improbidade; e (ii) o acordo de não
prosseguimento do processo para o encerramento consensual da ação de improbidade
já proposta (art. 17, §10-A, da LIA).
Com isto, ganha maior densidade a Resolução 179, de 26 de julho de 2017, do
Conselho Nacional do Ministério Público, cujo art. 1º, § 2º, diz ser cabível o compro-
misso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade admi-
nistrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas
das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado.
Estes acordos podem ser celebrados pelo Ministério Público e pelas pessoas jurí-
dicas de direito público legitimadas para a ação de improbidade, com o agente público
ímprobo, os particulares sujeitos à LIA e com as pessoas jurídicas de direito privado
envolvidas no ato de improbidade.
Poderá haver a conjugação de acordos de não persecução penal com os acordos
de leniência do art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa. Estes também poderão
ser combinados com acordos de colaboração premiada.
Considerando que o Ministério Público é a única instituição estatal legitimada a
firmar todas essas espécies de pactos processuais, penais e cíveis, torna-se mais conve-
niente para o infrator (autor de crime e de ato de improbidade), negociar uma solução
conjunta, para as instâncias criminal e cível, com o Parquet.
Assim, diante de um ato de improbidade que também seja enquadrável como cri-
me, o suposto autor dos atos ilícitos poderá ajustá-los mediante acordo de não perse-
cução cível ou acordo de leniência, em conjunto com acordo de não persecução penal
(ANPP) ou acordo de colaboração premiada. Esta conjugação oferece mais segurança
jurídica para os infratores e potencializa os institutos, na sua feição de mecanismos pro-
dutores de provas e de recuperação de ativos.
Embora atinentes aos mesmos fatos, os acordos de cunho penal devem ser ho-
mologados perante o juízo criminal competente, que normalmente será o juízo de ga-
rantias250, ao passo que os acordos cíveis da LIA deverão ser chancelados pelo juiz cível
competente para a ação de improbidade administrativa.
Diante do veto ao seria o art. 17-A da LIA, o procedimento do acordo de não
persecução cível deve ser obtido mediante a combinação de preceitos aplicáveis aos
TACs, retirados da Lei 7.347/1985, da Lei 8.625/1993 e da Lei Complementar 75/1993,
assim como de dispositivos da Lei 13.140/2015 e da Resolução 179/2017, do CNMP.
Naturalmente, as regras sobre acordos de leniência e acordos de não persecução penal

250 Todos os dispositivos do CPP atinentes ao juiz de garantias, inclusive o art. 3º-B do CPP, tiveram sua eficácia
suspensa pela medida cautelar na ADI 6298/DF, de 22 de janeiro de 2020.

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
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(ANPP), previstos, respectivamente, nos arts. 16 e 17 da Lei 12.846/2013 e no art. 28-A


do CPP também serão úteis para preencher a lacuna produzida pelo veto presidencial,
desde que observadas suas peculiaridades. O mesmo se diga em relação à normatiza-
ção dos acordos de transação penal e suspensão condicional do processo previstos nos
arts. 76 e 89 da Lei 9.099/1995, que também podem indicar algumas soluções sistêmi-
cas no âmbito da justiça negocial.
Essa deficiência estrutural do acordo de não persecução cível poderá ser resol-
vida com orientações ou enunciados de órgãos de coordenação do Parquet, como os
centros de apoio operacional dos Ministérios Públicos estaduais, e as CCRs do Ministé-
rio Público da União. Até que advenha lei mais precisa, espera-se ainda um regulamento
mais detalhado do CNMP, no seu espaço de atuação constitucional.
Se o Ministério Público não for o celebrante do acordo, deve ser ouvido pelo juiz
antes da homologação. O juiz competente pode rejeitar o acordo que for insuficiente à
tutela do erário ou da moralidade administrativa.

15.8. O acordo de não persecução penal e a Lei da Ficha Limpa


Tendo alterado a Lei Complementar 64/1990, a Lei da Ficha Limpa, de 2010,
representou uma enorme reforço para a promoção da integridade, da moralidade e da
probidade na vida pública. As causas de inelegibilidade introduzidas pela Lei Comple-
mentar 135/2010 conciliam-se com o art. 14, §9º da Constituição.
Os acordos de não persecução penal e de não persecução cível teriam debili-
tado esse modelo? Assim não vejo. As saídas consensuais são muito importantes para
alcançar maior eficiência no sistema judicial. Se bem manejado, o acordo de não perse-
cução penal e seu correlato, o acordo de não persecução cível da Lei de Improbidade
Administrativa, podem ampliar a proteção do interesse público e da integridade da
Administração Pública.
Tais acordos poderão ser formalizados em casos de improbidade administrati-
va, especialmente os da Lei 8.429/1992 e os da Lei 9.504/1997, e em crimes contra
a Administração Pública, previstos no Código Penal, no Decreto-lei 201/1967, na Lei
8.137/1990, na Lei 8.666/1993, na Lei 9.613/1998 etc. Com isto, os infratores que cele-
brarem tais acordos não incorrerão nas causa de inelegibilidade previstas na Lei da Ficha
Limpa, que exigem condenação em segunda instância por órgão colegiado.
No entanto, deve-se ter em conta que a celebração de acordo de não perse-
cução penal só ocorrerá quando mostrar-se necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime, nos termos do art. 28-A do CPP. Graves casos de corrupção lato
sensu não são em regra elegíveis para a celebração de ANPP.
Ademais, o inciso V do art. 28-A do CPP permite que o Ministério Público ajuste
com o infrator condições inominadas, desde que proporcionais e compatíveis com a
infração penal imputada. Assim, pode-se prever obrigação de não fazer consistente no
compromisso de não participar de licitações do Poder Público, de não exercer ativida-
de político-partidária por prazo certo e razoável e de não concorrer a cargos eletivos,
também por prazo determinado e proporcional à gravidade da infração penal.

200
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL APÓS A LEI 13.964/2019
VLADIMIR ARAS

Não se trata de impor a suspensão de direitos políticos sem condenação criminal


transitada em julgada ou por improbidade administrativa (art. 15, III e V, da Constitui-
ção). Trata-se meramente de consenso, baseado na autonomia da vontade do autor
do crime ou do ato ímprobo, que, dispondo de seus direitos políticos em troca de um
benefício, cessa sua atividade político-eleitoral por um certo prazo.
O mesmo espírito deve nortear as medidas ajustadas para os acordos cíveis na
LIA, não se perdendo de vista as sanções do art. 12 da LIA, as linhas gerais dos acordos
de leniência da Lei 12.846/2013 nem os parâmetros de necessidade é suficiência.

15.9. Registro audiovisual da negociação e da confissão


Determina o §2º do art. 18 da Resolução CNMP 181/2017 que a confissão dos
fatos e as tratativas do acordo de não persecução penal sejam registradas em meio au-
diovisual251, para garantir a fidelidade das informações e facilitar o controle interno pelo
órgão revisor e o controle externo, de índole judicial.
Tal dispositivo não tem símile no art. 28-A do CPP, e deveria ser flexibilizado pelo
CNMP, mediante emenda à Resolução 181. É essencial que haja o registro escrito das
propostas e contrapropostas do ANPP e do acordo final, mas não de toda a negocia-
ção. Isto é contraproducente e caro, especialmente tendo em conta a necessidade de
armazenamento de dados.
Já a confissão do agente, esta sim, deve ser registrada em vídeo, para segurança do
acordo. Posteriormente, a confissão perante o Ministério Público deverá ser repetida em
juízo, em audiência dotada de publicidade, para que o ANPP possa ser homologado.

15.10. Acordo de não persecução penal em caso de desclassificação


pelo juiz
Se o Ministério Público denunciar o acusado por um crime que não admita obje-
tivamente o ANPP, e o juiz vier a desclassificá-lo, antes da sentença deve abrir vista ao
promotor natural para que verifique se é o caso de propor o acordo.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu ser “inadmissível o pleito da suspensão
condicional do processo após a prolação da sentença”, ressalvadas as hipóteses de des-
classificação ou procedência parcial da pretensão punitiva estatal.252

15.11. Atos de comunicação com o investigado e a vítima


A intimação da vítima, do investigado e seu advogado pode ser feita por qualquer
meio de comunicação, inclusive mensageiros eletrônicos e e-mail. Com a Defensoria
Pública, a intimação deve ser pessoal, salvo ajuste contrário em convênio com o Minis-
tério Público.

251 Esta exigência não está na lei e deveria ser flexibilizada pelo CNMP, para admitir outras formas de registro da
negociação.
252 STJ, Jurisprudência em Teses, Edição 3, Tese 5, Brasília, 2013.

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15.12. Acordos clausulados


Os contratos devem conter cláusulas sobre a qualificação das partes, as condições
(obrigações) a cumprir, seus prazos e local de cumprimento.
Deve haver cláusula de ciência de garantias constitucionais, de renúncia ao direito ao
silêncio e de confissão. As causas de rescisão do ANPP também devem ser previstas,
assim como as consequências do adimplemento e do descumprimento do acordo.
A vítima também deve ser identificada e suas aspirações consideradas no acordo.
Se o ofendido firmar o acordo, devem ser inseridas previsões sobre seus direitos e
obrigações.
As partes podem ajustar as entidades públicas beneficiárias das obrigações assumidas
pelo investigado. Os critérios “dosimétricos” adotados devem ser claros e precisos.
O acordo deve ainda sujeitar sua eficácia a homologação judicial e conter a data e
o local de sua celebração, com as assinaturas das partes e de seus patronos.

15.13. Acordos de não persecução penal e Justiça Restaurativa


O art. 28-A do CPP admite a negociação de obrigações inominadas. O inciso V
desse artigo permite que o Ministério Público indique outra condição proporcional é
compatível com a infração pena, imputada ao investigado e por ele confessada.
Assim, pode-se instituir no acordo o compromisso de o investigado sujeitar-se a
práticas restaurativas com a vítima, como única condição ou como condição cumulativa
no acordo de não persecução penal.
A Resolução 225, de 31 de maio de 2016, dispõe sobre a Política Nacional de
Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário. Segundo o inciso III do art. 1º, as
práticas restaurativas visam a satisfação das necessidades de todos os envolvidos, a
responsabilização daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência
do fato danoso “e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da
reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas
implicações para o futuro”.
Conforme o § 2° do art. 1º da Resolução 225/2016, a aplicação de procedimento
restaurativo pode ocorrer de forma alternativa ou concorrente com o processo con-
vencional, “devendo suas implicações ser consideradas, caso a caso, à luz do corres-
pondente sistema processual e objetivando sempre as melhores soluções para as partes
envolvidas e a comunidade”.
O fato de o ANPP depender de confissão não deve ser considerado impeditivo da
prática restaurativa, que pode ter início antes da celebração do ANPP ou depois dela.
Diz o art. 7º da Resolução 225/2016 que, para fins de atendimento restaurativo
judicial, poderão ser encaminhados procedimentos e processos judiciais, “em qualquer
fase de sua tramitação, pelo juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, da
Defensoria Pública, das partes, dos seus Advogados e dos Setores Técnicos de Psico-
logia e Serviço Social.”. A autoridade policial poderá sugerir, no termo circunstanciado
ou no relatório do inquérito policial, o encaminhamento do conflito ao procedimento
restaurativo.

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16. Boas práticas em acordos de não persecução penal

A introdução no Brasil dos acordos de não persecução penal e de não prossegui-


mento da ação penal exigirá criatividade do Ministério Público, da Defensoria Pública e
do Poder Judiciário para a boa gestão ferramenta.
Negociar acordos pode ser mais complexo do que simplesmente propor ações
penais. São necessários espaços apropriados nas sedes do Ministério Público para a ne-
gociação dos contratos e treinamento dos membros do Parquet, defensores públicos e
advogados criminalistas, para o manejo da nova ferramenta consensual.
A experiência acumulada a partir de 2017, quando entrou em vigor a Resolução
181 do CNMP será relevante. A execução dos acordos pode ser acompanhada por
centrais de penas alternativas, que responderão ao juízo da execução.
A parametrização das condições a serem ajustadas com o investigado pode ser
feita pelos centros de apoio operacional ou pelas câmaras de coordenação e revisão
do Ministério Público. Respeitada a independência funcional e observado o princípio
da unidade institucional, os órgãos revisores do Ministério Público também podem ex-
pedir orientações e enunciados aplicáveis aos acordos de leniência e aos acordos de
não persecução penal, além de regulamentos complementares, como os que se vê na
Resolução 179/2017 e na Resolução 181/2017, ambas do CNMP.
Boas práticas locais devem ser abraçadas e difundidas. No MPF no Espírito San-
to, adota-se desde 2018, por iniciativa do procurador Carlos Fernando Mazzoco, um
sistema de individualização e parametrização das condições aplicáveis a acordos de não
persecução penal, que favorecem os aspectos de justiça endógena e exógena, em busca
de soluções isonômicas para casos similares. O investigado preenche uma declaração
de condição econômica e utiliza-se uma fórmula para o cálculo da reparação do dano
e para a prestação pecuniária, assim como para a prestação de serviços comunitários.
Como os critérios são objetivos, os resultados são uniformes, promovendo eqüidade e
transparência.253
No Rio Grande do Sul, adota-se a prática de oferecer a denúncia em conjunto
com a proposta de acordo de não persecução penal. Neste caso, provavelmente não
terá havido negociação prévia. Se o denunciado rejeitar o acordo, a ação penal já terá
sido proposta. Esse método, todavia, não dispensa a realização da audiência de ratifica-
ção, sendo então essencial à participação do Ministério Público.
Por sua vez, as CCRs do MPF expediram orientações sobre a formalização de
acordos de leniência e acordos de não persecução penal.
Iniciativas semelhantes existem noutros Ministérios Públicos, como o roteiro
para o ANPP publicado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça
Criminais do Ministério Público de São Paulo.

253 MAZZOCO, Carlos F. Parâmetros para fixação de valores em ANPP. Vitória, 2020. Arquivo PDF em poder do
autor.

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17. Conclusão
A formalização de um acordo de não persecução pelo Ministério Público equivale
a à decisão de não promover a acusação. E da acusação, pelas regras do art. 129, inciso
I e do art. 3º-A do CPP, da Constituição Federal, somente o Ministério Público é titular.
Com a introdução dessa medida, fundada em ideias de política criminal orientada
à eficiência, a critérios de necessidade, utilidade, conveniência e à intervenção mínima,
não há qualquer ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV,
Constituição), à legalidade (art. 28-A do CPP), ao devido processo legal, ao juiz natural,
à garantia contra a autoincriminação ou à ampla defesa. Diversas salvaguardas foram
previstas pela lei.
O Poder Judiciário é sempre chamado a verificar em cada caso, se o acordo deve
ser homologado, ou se, por outro lado, eventual denúncia será aceita para julgamento.
O investigado tem sua autonomia da vontade resguardada, e sua decisão de acordar é
livre e orientará por defesa técnica. Há também o controle de arquivamento da inves-
tigação.
O ANPP tem base no art. 28-A do CPP e na Resolução 181/2017 do CNMP, de-
vendo aplicar-se por analogia princípios, súmulas e julgados referentes aos arts. 76 e 89
da Lei 9.099/1995, aos arts.126 e 181 da Lei 8.069/1990 e ao art. 4º da Lei 12.850/2013,
por analogia.
Da análise do direito brasileiro, comparativamente ao leading case europeu Nats-
vlishvili e Togonidze vs. Georgia, da Corte Europeia de Direitos Humanos, e aos precedentes
Lafler vs. Cooper e Missouri vs. Frye, da Suprema Corte dos Estados Unidos, percebe-se
a adequação desse acordo de não acusar aos preceitos de direitos humanos que carac-
terizam um processo penal garantista, minimamente intervencionista e que valoriza os
interesses de investigados e vítimas.
Não custa repetir. O acordo de não persecução tem íntima identidade com uma
prática restaurativa, no que tange ao consenso, à consideração dos interesses de ofendido
e ofensor e à resolução extrajudicial do conflito. Assemelha-se também a uma compo-
sição civil que faz desaparecer o interesse de agir para a persecução penal. Formata-
do pelo CNMP em 2017, foi alçado ao plano legislativo em 2019, especificando uma
nova atribuição do Ministério Público (art. 129, I) no art. 28-A do CPP: a atribuição de
não denunciar um suspeito, invocando as razões que lhe pareceram meritórias, justas,
apropriadas, econômicas e/ou oportunas, à luz do interesse público balanceado pelas
expectativas da vítima e pela política criminal adotada pela instituição.
Do ponto de vista constitucional (art. 5º da Constituição) ou do prisma convencional
(art. 7º da CADH e art. 14 do PIDCP), o art. 28-A do CPP e o art. 18 da Resolução
CNMP 181/2017 regulam ferramenta perfeitamente adequada ao desempenho das
funções institucionais do Ministério Público e ao exercício da ampla defesa e da auto-
nomia da vontade do investigado, abrindo, ao lado da Justiça Restaurativa, uma nova
vereda para o princípio da oportunidade e o consenso, cuja expansão e consolidação no
processo penal brasileiro são tão necessárias quanto inevitáveis.

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