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Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Código: IH-1102
Disciplina: Metodologia de Pesquisa em Ciências Sociais T: 02 (2020.1)
Professores: Ana Paula Perrota, Mani Tebet, Moema Guedes, Josué Medeiros.
Aluno: Anderson Ribeiro da Silva
Apêndice metodológico
Dentre tais condições de avaliação do voto, vão haver condições objetivas e condições
subjetivas. No que tange às subjetivas, Manin (1997, p. 145) observa o que chama de
“percepção de superioridade” dos eleitores, ou seja, traços de distinção de difícil apreensão
que mobilizam os eleitores a fazerem uso do maior número de critérios à disposição. Tal
contribuição nos serve aqui para dedicar os esforços entorno do estudo das compreensões
revisitadas da representação política. Busca-se aqui refletir sobre possíveis distorções dessa
chave conceitual que estimulariam acusações muitas vezes distantes do debate concreto,
posto que o governo representativo ainda é um arranjo institucional em franco curso de
aperfeiçoamento.
Nos idos do século XVIII, democracias liberais surgiram dos dois lados do Oceano
Atlântico, sublinhando o caráter paradigmático do governo representativo. No entanto, as
duas maiores experiências democráticas que se iniciavam naquele período compartilhavam
definições distintas da ideia de “interesse”. Para os Federalistas, como Hanna Pitkin explicita
(1972, p. 191), os interesses são diversos e facciosos, portanto, difíceis de serem organizados
para contemplar o bem comum, de modo que os interesses seriam naturalmente antagônicos a
um interesse geral.
Entre as duas variantes apontadas por Boaventura de Sousa Santos (2008, p. 33-34),
que expressam visões conflitantes sobre a relação dos estudos sociais com as ciências
naturais, coabita o reconhecimento da distinção básica “sujeito/objeto”, cômputo elementar
da racionalidade das ciências naturais (SANTOS, p. 39). Tal reconhecimento da segunda
variante, considerada por Boaventura como a variante marginal, é justamente a sua negação,
posto que faz uso da distinção para qualificar o sujeito como o dotado de especificidade, em
detrimento da natureza (SANTOS, p. 39). A variante marginal, embora conflitante,
demonstra uma relação de dependência com a distinção básica.
Um caminho apontado por Boaventura (2008, p. 73), que pode nos ajudar a desobstruir
o nosso trajeto investigativo, é a “situação comunicativa”, termo emprestado de Jurgen
Habermas que define o conhecimento como uma resultante de saberes locais, comunitários,
individuais e heurísticos. Para nós, este convite aos sensos comuns para comporem os saberes
científicos sinalizam que a representação pode ser compreendida de maneiras distintas, a
ponto de produzir-se, a partir das maturações das instituições e dos procedimentos
democráticos, concepções diversas sobre o conceito.
Uma outra contribuição relevante para este estudo é o que Ruth Benedict profere em
suas investigações sobre os costumes. Se Boaventura de Sousa Santos descreve uma revisão
dos postulados epistemológicos e metodológicos das ciências sociais modernas, buscando
uma “pluralidade metodológica” ao compreender os diversos tipos de conhecimentos que os
seres humanos são capazes de produzir, Ruth Benedict irá reforçar a importância da história
para a análise antropológica.
Ruth Benedict é discípula de Franz Boas, este que é apontado como um dos maiores
representantes da “escola histórico-cultural norte-americana". A referida tradição é
notabilizada por introduzir a “cultura” como objeto de análise das investigações
antropológicas, em detrimento das doutrinas antropológicas europeias, de mote estrutural-
funcionalista. Tais matizes investigativos europeus consideravam a “cultura” um traço
irrelevante da vida social para fins de pesquisa, posto que eram subjetivos, conflitando com a
autonomia de uma “consciência racional” objetiva (DE OLIVEIRA, p. 7-8).
Uma constatação feita por Ruth Benedict pode auxiliar-nos a entender, assim como
Boaventura de Sousa Santos, como pode se ter forjado discursos de rejeição ao governo
representativo. A antropóloga assinala que os conhecimentos produzidos no âmbito das
transformações modernas consolidaram uma “universalidade maciça” que operou
seguramente como estanque das percepções dos homens ocidentais sobre os outros universos
culturais (BENEDICT, p. 19).
Consequentemente, com a acelerada expansão do mundo ocidental, muitas civilizações
começaram a entrar em permanente contato, contribuindo sensivelmente para os
nacionalismos e preconceitos de raça. A antropóloga norte-americana demarca uma crítica ao
que ela considera ser uma das “respostas” da antropologia. Em clara referência aos estudos
estrutural-funcionalistas, repele uma “natureza da hereditariedade” por entender que o real
cimento da vida em sociedade é a “cultura”, e não o “parentesco” (BENEDICT, p. 27-28).
É a partir dos estudos culturais que, segundo Ruth Benedict (2000, p. 36), seria possível
atentar para os “grandes arcos” de conhecimentos em que se alinham os “interesses
possíveis” que os ciclos da vida humana produzem. Tais interesses constituem as
significações que os indivíduos, em sociedade, fomentam acerca das suas condutas, de modo
a produzir sentidos estritos às condutas. Estes arcos de interesses possíveis, segundo a
antropóloga, se expressam nas “instituições culturais” (BENEDICT, p. 36).
Ruth Benedict (2000, p. 36) compara a cultura à língua, pois as considera dependentes
de universos lexicais necessariamente limitados pelos arcos de interesses possíveis das
civilizações. Estas limitações de significado acabam por influir no “condicionamento” das
condutas e obrigações que os indivíduos tem de cumprir perante os demais (BENEDICT, p.
37). Os condicionamentos, estimulados pelos interesses possíveis, seriam oriundos
justamente das instituições culturais, que perpetuam e produzem plasticidade às
manifestações culturais.
Para isso, Gramsci nos adverte tacitamente sobre o que considera ser dois princípios
para uma justa análise das relações de poder:
Dentre as três condições de análise das relações de forças, a análise das relações de
forças políticas nos é interessante, dado o afirmado pelo próprio Gramsci (2012, p. 43),
quando diz que os desenvolvimentos históricos ocorrem “com a mediação do segundo.” No
âmbito deste segundo momento, Gramsci (2012, p. 41) visualiza três graus de análise, a
saber: o econômico-corporativo, onde ainda não há uma unidade de grupos sociais variados,
nem lugar político efetivo; o de solidariedade entre grupos sociais, onde aparece a figura do
Estado para viabilizar uma igualdade político-jurídica em relação às classes dominantes, e a
de superação do ciclo corporativo, fase estritamente política, de disputa ideológica pela
hegemonia.
O que Gramsci nos apresenta com estes três graus de análise do segundo momento das
relações de força é, aparentemente, o percurso por onde as sociedades burguesas europeias
consolidaram sua ascensão. Depois de se estabelecerem economicamente e de conquistarem
algum espaço de relevante participação política, embarcam na fase estritamente política, onde
operam para permitir a liberalização econômica, superando as amarras do feudalismo,
essencialmente agrário.
Daí podemos considerar que a representação moderna está em estrita consonância com
as aspirações burguesas. Novamente recorrendo ao caso inglês, à medida em que a câmara
dos Comuns começou a operar como um corpo unificado, nos idos do século XV, eles
passaram a ser chamados “membros” do Parlamento, interpretando, em conjunto, por
“procuradores e delegados de todos os condados [...] e de todas as pessoas do país”
(CHRIMES apud PITKIN, p. 23).
É claro que aqui estamos nos referindo ao prelúdio do conceito de representação, dado
que aqui marca o ato de representar em sua compreensão coletiva, ainda sem definir o
membro do Parlamento como agente político de um grupo de eleitores (PITKIN, p. 27). Mas
é emblemático como a representação moderna nasce em consonância com a ascensão
burguesa, de modo que podemos considerar, a partir do que fora postulado pelo “método
histórico” de Gramsci, que a representação política constitui, possivelmente, uma das
expressões ideológicas da burguesia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS