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Vamos falar sobre democracia

Em meus artigos eu tenho liberdade para escolher o tema, inclusive estou aberta a sugestões.
Então, nesta semana queria apresentar uma breve resenha do livro Estado e Democracia, uma
introdução ao estudo da política, de André Singer, Cícero Araújo e Leonardo Belinelli,
lançado em fevereiro último pela editora Zahar. Nele os autores vão contar a história da
política e da democracia, desde Atenas de 2.500 anos atrás até os nossos dias, quando
observamos este sistema de escolhas coletivas ser ameaçado em várias localidades e
oportunidades. Mesmo sabendo que não é perfeita, a democracia traz consigo um mínimo de
garantias em termos de cidadania, isonomia e direito de questionar as escolhas e os
escolhidos.

Na Grécia antiga já existia uma certa hierarquia social, nas primeiras formações dentro das
famílias e outros grupos. E os primeiros democratas já questionavam a conhecida forma de
pirâmide social, que deveria ser substituída por uma forma em círculo, segundo a qual todos
os homens teriam a mesma distância do centro, e isto seria a democracia. Trazendo isonomia
(debate em igualdade de condições e paridade) e isegoria (a liberdade de discutir e questionar
assuntos comuns). Estas duas unidas formariam a democracia grega.

No entanto esta democracia nascente era restrita e participavam das decisões apenas os
homens livres e nascidos na cidade, ficando excluídas as mulheres, os escravos e os
estrangeiros. Era uma “igualdade” seletiva, imperfeita. Os inevitáveis conflitos gerariam
tensões e transformações, mas desde que não destruísse a forma, a democracia estaria salva.
Se há perda de resistência do círculo, como aconteceu entre os antigos, a democracia tenderia
a perder terreno. E foi o que ocorreu.

Em menos de 200 anos de experiência a democracia vai retornar posteriormente próxima ao


fim da Idade Média. Renasce diferente, mas sem perder sua essência, apenas se transforma.
Três movimentos importantes que ocorreram a partir desta época merecem ser citados como
importantes marcos neste retorno da democracia.

A Revolução Inglesa foi o primeiro deles e seu principal resultado foi a ideia de que o
governo precisa se apoiar no consentimento do povo e ao mesmo tempo deve ser limitado
pelos direitos dos cidadãos. Seu texto, o Bill of Rights ou “Carta de Direitos”. Valores e regras
devem ter sustentação popular.
Uma outra revolução foi exatamente contra os ingleses, a Revolução Americana. A
Declaração de Independência americana é um documento importante emanado deste período e
traz o princípio da igualdade humana pela primeira vez como fundamento de uma ordem
política. A partir daí a igualdade caminha mais um passo, mas era preciso definir a respeito de
quem governaria e daí surgem os fundamentos republicanos. Esta nova forma traz a ideia de
representação, com o povo se autogovernando, mesmo que através de representantes. Existe
ainda a preocupação da não opressão das minorias pelas maiorias em três pontos: na
constituição escrita, na divisão dos poderes e no federalismo, que relativiza a centralização do
poder num governo central. Os três caminham no sentido de limitar este poder.

Anos depois a Revolução Francesa e sua ênfase no social faz surgir outro documento
importante, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. A finalidade era
acabar com a divisão entre a nobreza e os plebeus, além da missão de integrar o povo francês
a uma nova ordem social nascente. Rousseau e Robespierre contribuíram para o resgate da
democracia naquele período. Rousseau dizia que a igualdade ou sua busca deveria ser um
programa político e Robespierre tratava como sinônimos os termos governo democrático e
republicano. E assim começa a história das repúblicas democráticas.

A invenção da democracia há mais de dois milênios e a igualdade proposta por ela deve ser
exercida com liberdade. Durou pouco tempo na antiguidade e o resgate só se deu a partir do
século XVI e desde então vem se desenvolvendo até chegar à nossa era. E em nossos dias nos
deparamos com a democracia sendo ameaçada. No livro são levantadas duas hipóteses do que
seriam as causas. Uma delas é o neoliberalismo, que vem se fortalecendo e se expandindo há
uns 40 anos, deixando de fora da esfera política elementos da soberania popular que poderiam
impedir a continuidade desse processo de deterioração da democracia.

A outra causa é a ascensão de uma extrema direita anti-democrática que vem se mostrando
desde os anos 2000. O esvaziamento da democracia é sentido pelas pessoas e a ascensão da
extrema direita como fenômeno hoje necessita ser compreendido. A integração da classe
trabalhadora e do estado de bem estar social vem sendo destruídos com a precarização das
relações de trabalho e o fim de uma consciência de classe e isto contribui para este processo
degenerativo. Nas palavras de André Singer, “...os gregos inventaram com a política e a
democracia, a esperança de um espaço sem dominação. Depois do hiato medieval essa
esperança foi reinventada pelas revoluções democráticas e hoje, em que espectros regressivos
voltam a ameaçar essa esperança, entendemos que é preciso agir e pensar para resgatar a
liberdade, a igualdade e a fraternidade que o passado nos legou”.
Referência: André Singer, Cicero Araujo & Leonardo Belinelli. Estado e democracia –
uma introdução ao estudo da política. Rio de Janeiro, Zahar, 2021, 300 págs.

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