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1.

Os Limites Democráticos entre os séculos XX e XXI

Uma constatação evidente, em períodos de atribulação política, principalmente para


os que se questionam sobre a possibilidade de regimes democráticos retroagirem e perderem
espaço para governos autoritários, é que a discussão sobre o desenvolvimento do regime
democrático pode dar cabo de diminuir as ansiedades que a crise democrática suscita. O
século XX foi o momento da história em que o fenômeno democrático se expandiu, de tal
forma, a envolver praticamente todas as regiões do mundo, mas como em um movimento de
sístoles e diástole, o início do novo século XXI parece ter lançado certa sombra sobre a
convicção de que a democracia é o fim último de todo regime político maduro.
Até a virada do milênio, com exceção para algumas regiões da África, Ásia e do
Oriente Médio, o processo da democratização foi o fenômeno político mais importante desde
o surgimento da democracia liberal-representativa no pós-iluminismo. Ainda que grandes
eventos como as Revoluções Russa (1917), e posteriormente o avanço do fascismo e do
nazismo, entre as décadas de 1920 e 1930, tenham se contraposto a este modelo liberal-
representativo, no final do curto século XX a democracia pareceu sair fortalecida
(HOBSBAWN, 2014). Os desdobramentos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e em
particular, da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), enquanto conflitos globais, foram
importantes tanto pelas suas consequências político-econômicas, como também pelos
impactos humanos. No final, seja por razões internas de resistência, ou por influência das
forças aliadas que venceram a guerra, áreas dominadas pelos regimes totalitários passaram a
inspirar esperança, países protagonistas da guerra, como Alemanha, Itália e Japão, antes,
engolfados pelos regimes autoritários, acabaram por desenvolver sistemas democráticos,
equilibrados e modernos. Mesmo no difícil cenário em que se estabeleceu o processo de
descolonização do pós-guerra, fracionados pelos diversos interesses da Guerra Fria, a
democracia continuou a representar um sistema político adequado para processos de transição
que buscassem superar o autoritarismo. Para isso elaborou-se toda uma nova arquitetura que
podemos afirmar ter consolidado o segundo grande momento de expansão da democracia
moderna.
Para Samuel Huntington (1994), desde o século XIX os Estados-nacionais
vivenciaram processos de transformações em seus modos de operarem a sua política. Ser um
país democrata acabou por se tornar um sinal de confiança, uma regra de bom convívio, para
com as demais nações do planeta, possuir um sistema democrático foi também uma forma de
não sofrer sanções políticas e econômicas. O pensador defende, ser possível identificar ciclos
ou tendências mundiais, em determinado período, em que diferentes partes do mundo se
tornaram democráticos, essa tendência foi chamada “onda” por Huntington. Pensando nas
sombras anteriormente citadas, para ele ondas de reversão da democracia também se sucedem
temporalmente, dando margem para ressacas autoritárias. Neste quadro a primeira onda de
democratização teria ocorrido de 1828 a 1926, passando pela segunda metade do século XIX
até o pós-Primeira Guerra Mundial, ao que se seguiu uma onda de “desdemocratização”,
entre 1922 à 1942, momento que ascenderam regimes autoritários como o fascismo italiano e
o nazismo alemão. A segunda onda de democratização foi mais curta, entre os anos de 1943
a 1962, iniciando-se após o final da Segunda Guerra Mundial e sendo interrompida, entre
1958 e 1975, pelos recessos e pelas guerras de procuração do mundo bipolar. Finalmente uma
terceira onda de democratização começou após o ano de 1974, tendo como símbolo a
Revolução dos Cravos em Portugal e atingindo países que tinham democracias nascentes na
América Latina e na África. Por este ângulo, a partir das evidências empíricas apresentadas,
podemos reconhecer que o fenômeno político mais importante do século XX foi a
emergência da democracia, ou seja, em diferentes sociedades a reivindicação da liberdade e
do autogoverno parece terem se tornados valores universais.
A democracia como forma de escolha política tem mais de 2.500 anos, neste longo
tempo ela passou por muitos altos e baixos, apresentando momentos de desaparecimento e de
ressurgimento, mas em sua última jornada, a partir do século XVII, podemos estabelecer uma
certa linha de continuidade. O fio condutor desta jornada é a busca pela fundação de um novo
homem, nele a democracia passou a se inserir de forma completamente nova na dimensão
política da sociedade. Este novo homem buscou se livrar das amarras e dos limites impostos
pela estrutura política e econômica herdada do passado autoritário, e encontrou na
democracia uma alternativa contra a imperiosidade do Estado Leviatã.1
A democracia já apresentou outras faces no passado, uma destas nasceu do
compartilhamento do poder monárquico (autocrático), na Revolução Inglesa do século XVII,
quando era um signo do projeto de destruição do poder absoluto, deste modo, poderíamos
dizer, que em seu berço moderno a democracia foi gerada como uma forma política de
tomada de decisão coletiva, por isso, é inseparável do jusnaturalismo e do contratualismo,
sendo o único regime em que estes princípios podem ser respeitados. O jusnaturalismo foi
1
Ainda que a democracia moderna reaja melhor se comparada com o contrato social rousseauniano, os
antagonismos entre estado autoritário e estado democrático nos leva a pensar sobre essa relação dialética e
refletir em que circunstâncias indivíduas, atualmente, ainda aceitem celebrar um contrato social em que se
abandone os direitos naturais e se estabeleça uma autoridade soberana em troca de segurança social e respeito
mútuo. Para um aprofundamento indicamos a leitura do clássico “O Leviatã” em seu capítulo XIII. Ver:
HOBBES, 2017 [1651].
sendo expandido junto as ondas civilizatórias e neste processo acabou por incluir o conjunto
da humanidade, e enquanto novos atores foram incluídos, provocaram a mudança das
fórmulas contratualistas, expandindo a cidadania e firmando a inclusão ao retirar vetos.
Sempre que a expansão aconteceu houve reações e reversões, visto que a sociedade
capitalista baseia o poder na propriedade de bens materiais e de bens simbólicos, as rupturas,
então, demonstraram sob quais lógica e estrutura econômica uma determinada face da
democracia foi sustentada, não sendo possível separar as relações dos mais diversos regimes
políticos ao cenário econômico em que eles estão submetidos.

1.1 Relações entre regimes políticos e a vida econômica

Há uma questão levantada no último parágrafo que pretendo desenvolver melhor


nesta sessão; quais as possíveis implicações ou relações entre regimes políticos e a vida
econômica? Para isso buscarei desenvolver um diálogo com alguns teóricos clássicos da
teoria política, entretanto, com minha decisão não pretendo aqui realizar uma profunda
revisão bibliográfica, o que fugiria do escopo deste trabalho, mas tão somente elencar visões
e argumentos que colaborem para a obtenção de respostas para as problemáticas apresentadas
até aqui.
Para os pensadores conservadores da Comissão Trilateral, Michel Crozier, Samuel
Huntington, Joji Watanuki (1975), a modernização traz em seu bojo a instabilidade política
porque é inevitável a quebra da ordem democrática nas sociedades onde o desenvolvimento
econômico não seja suficiente para garantir a distribuição de renda. Quando a demanda social
é maior que o desenvolvimento as tensões sociais avolumam-se de tal forma a forçar a
repressão política e o rompimento democrático. Conforme Samuel Huntington, na mesma
proporção em que a “onda democrática” dos anos de 1960 embalou uma cidadania
politicamente mais dinâmica, também terminou por inspirar uma superior solidez ideológica
em defesa dos pleitos públicos tendo como consequência uma diminuição de confiança nas
instituições públicas e seus líderes. Por este pensamento, a crise da democracia é resultado da
própria instabilidade gerada pela sua expansão, a ingovernabilidade se dá porque é
insustentável a manutenção de uma ordem social.
Este pensamento ecoa a visão de Schumpeter (1976) que debaixo de seu utilitarismo é
pessimista sobre a racionalidade humana em buscar o bem comum. Para ele a representação
política, garantida pela democracia, é apenas uma forma do eleitor escolher seus governantes,
sem isto ter como certeza o bem de todos, haja visto que em uma sociedade plural os
conflitos de interesses promovem uma desequalização política. Desta forma, enquanto forma
de escolha, a democracia é institucionalmente um caminho para se resolver conflitos e pode
não ser suficiente porque a vontade do eleitor é manipulada pelo mercado e pela publicidade,
os indivíduos são maus juízes em seus interesses de longo prazo e indiferentes as questões
públicas. Diante deste impasse Schumpeter propõe três alternativas: a) limitar os assuntos
submetidos a consulta dos grupos sociais; b) autocontrole dos políticos e dos grupos sociais
para conter o tensionamento social; c) uma burocracia bem treinada e capaz de instruir
políticos.
Burocratas bem treinados é também o caminho sugerido por Keynes (1985 [1936])
que enxerga ser possível formar uma burocracia pública eficiente e bem preparada para a
gestão da política e da economia. Neste campo ele é o último intelectual a conceber a teoria
política, a economia e ética como integrantes de um mesmo corpo cívico, tem, pois, a fé no
Estado, e não no mercado, como força impulsionadora da civilização, apenas o Estado tem
potência suficiente para integrar socialmente os indivíduos, enfim, de harmonizar os
interesses privados e públicos, material e ideologicamente, sem dar fim a nenhum dos dois, o
bem-estar social é impossível sem estes pressupostos. Embora, apesar deste espírito
civilizador Keynes não defende uma “democracia popular”, ou ainda, um “democratismo
populista” em um ambiente capitalista, também não admite a “democracia radical”, que o
pensamento marxista defendia que seria posta, historicamente, no momento exato em que
trabalhadores conseguissem livremente se organizarem. O keynesianismo não é convicto que
a democracia tenha magnitude para alavancar um processo civilizador, pois, para se poder
acreditar nisso, é preciso de uma confiança ainda maior na maturidade da sociedade de
resolver os seus próprios problemas. Do alto de sua visão hobbesiana, o voto popular deve ser
resguardado para se garantir que decisões tecnocráticas possam ser tomadas pelos burocratas
profissionais (PRADO, 2016).
A Teoria da Escolha Pública enxerga que a política deve ser analisada como um
mercado de trocas em que atores buscam maximizar seus interesses, a solução seria então
fazer uma despolitização das decisões governamentais, transferindo as decisões
macroeconômicas para os mecanismos de mercado. Sem fugir às suas raízes filosóficas
liberais e utilitárias, entende o processo político, e sua intromissão nas transações comerciais
privadas, como uma ameaça à liberdade individual e ao progresso econômico, contudo, o
mercado seria o modelo institucional mais completo de organização social. Com o
nascimento e consolidação da democracia popular2 os avanços na regulação política e
2
Ver Habermas, 1982; Offe, 1984.
administrativa da economia e da sociedade são vistos como resistência à liberdade e
responsáveis por diversas ineficiências. Para esta corrente o comportamento do governo, os
grupos de interesse que dominam as políticas públicas, o "populismo fiscal" de políticos, são
entraves ao desenvolvimento econômico e por extensão para o equilíbrio social (Buchanan,
1975; Krueger, 1974; Olson, 1982; Tullock, 1996). A Teoria da Escolha Pública se propõe a
resolver as tensões que se acumularam entre democracia e eficiência, defendendo um Estado
liberal capaz de abrir espaço para mercados livres, limitando sua intervenção ao mínimo
necessário. Supõe-se que os mercados livres e competitivos, além de promoverem a
eficiência econômica, também retroalimentam positivamente a ordem democrática. A
"anarquia ordenada" do mercado é vista como a antítese necessária da coerção estatal
institucionalizada, garantindo o exercício da liberdade e da soberania individual. A essência
da democracia está no individualismo, o que justifica ver o mercado como fundamento da
vida democrática (Buchanan, 1975).
Em outra esfera estão pensadores como Robert Dahl (1997), para ele a democracia
não é um mero resultado do desenvolvimento da sociedade capitalista, por isso o acesso e o
controle dos mecanismos de poder são variáveis centrais para a democratização, assim como
para Maquiavel, em Dahl a política é uma esfera da atividade humana com sua lógica própria.
Convenientemente, o pensador rompe com a tradição economicista e defende que se deva
usar variáveis políticas para medir a estabilidade de um sistema, deixando de lado as
variáveis econômicas e sociais, seu comprometimento é com a métrica que permita visualizar
em uma escala espacial a posição que um determinado país se encontra entre a democracia e
a não-democracia. Pragmático, usa da experiência histórica para pensar possibilidades de
sucessos ou fracassos, não nega que elites se formem em torno de governos democráticos,
mas entende que esta desvantagem pode ser superada por competições idôneas e de livre
acesso a vários competidores.
Complementarmente os teóricos da democracia pluralista entendem que a
inteligência do processo democrático consiste na capacidade de incorporar o conhecimento
técnico e a análise racional à política e não sua exclusão reciproca. Porque os processos
antidemocráticos minam a formulação de políticas inteligentes é que a qualidade dos
resultados políticos não é determinada principalmente pela qualidade das ideias dos analistas,
nem mesmo pelas ideias dos participantes políticos mais influentes. A formulação de
políticas, é política produzida pelas interações da miríade de participantes de um cenário de
poder, e demostram quais são os limites da capacidade analítica e da racionalidade técnica
para se resolver minuciosamente os conflitos de valores e interesses pré-existentes, ela
demonstra que a racionalidade ou sabedoria de um processo democrático está na capacidade
de combinar o conhecimento técnico com análise racional de políticas (LINDBLOM &
WOODHOUSE, 1993).
Finalmente, para Boaventura Santos (2010), o Estado democrático deve se tornar o
campo da experimentação institucional, a partir dessa perspectiva ele desenvolve o conceito
de Estado como um movimento social, diante da crise do Estado moderno, a democratização
dos orçamentos e a fiscalização participativa surge como articulações privilegiadas entre o
Estado e a comunidade. Para Santos sob a “nova forma de organização do Estado surge um
conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações que combinam e interpenetram elementos
estatais e não estatais, nacionais, locais e globais” (SANTOS, 2010, p.364)
Resta evidente que podemos associar, em maior ou menor grau, a manutenção e a
qualidade da democracia e a vida econômica, as fronteiras entre o político e o econômico,
entre o domínio privado e o domínio público delimita uma realidade de interesses privados
sobreposta a realidade pública. Bobbio (2004) no livro “Era dos Direitos”, afirma que desde o
surgimento, na Idade Moderna, das nascentes doutrinas jusnaturalistas e posteriormente das
Declarações dos Direitos do Homem, que culminaram na construção de Constituições
Liberais, a perseguição destas ideias se fizeram mais presente no Estado de direito,
principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial, envolvendo mais a esfera internacional e
atingindo mais pessoas ao redor do globo. Neste sentindo, não é possível desassociar o
equilíbrio democrático neste ínterim do século XX, sem falar do tempo de ouro da social-
democracia.

1.2 – Democracia, Direitos Sociais e Social-Democracia

A partir da década de 1950, especialmente nos países "desenvolvidos", cada vez mais
prósperos, muitas pessoas sabiam que os tempos haviam realmente progredido, especialmente
quando suas memórias remontavam ao período imediatamente anterior da Segunda Guerra
Mundial. Foi só depois da “Era Dourada”, na conturbada década de 1970, que antecedeu a
miserável década de 1980, que os observadores - especialmente os economistas - se
conscientizaram de que o mundo, especialmente o mundo capitalista avançado, havia passado
por uma fase peculiar de desenvolvimento. Foi um período em que os Estados Unidos
dominaram a economia mundial, em partes porque continuaram a se expandir a partir de um
novo tipo de guerra que não precisava mais de trincheiras ou bombardeios, a Guerra Fria foi
um novo momento de ampliação de sua política bélica. Em todos os outros países
industrializados, mesmo no Reino Unido, cuja economia cresceu lentamente, a Idade de Ouro
quebrou todos os recordes anteriores. A recuperação da guerra era uma prioridade
esmagadora para os países europeus e o Japão, e nos primeiros anos após 1945 eles mediram
seu sucesso pela proximidade com as metas estabelecidas no passado, e não no futuro. O
terrível e inevitável ciclo de prosperidade e depressão, tão fatal entre as guerras, tornou-se
uma sucessão de brandas flutuações, graças a — era o que pensavam os economistas
keynesianos que assessoravam agora os governos — sua inteligente administração
macroeconômica. (HOBSBAWN, 2014)
Este edílico ambiente foi ideal para confirmar como o crescimento econômico pode
garantir estabilidade a democracia se ela estiver aliada a massas socialmente atendidas em
suas demandas. Rapidamente os trabalhadores entenderam que a democracia política lhes
oferecia a oportunidade de realizar seus interesses e, como cidadãos, poderiam reestruturar a
produção e distribuir os lucros. A social-democracia pareceu ser o caminho mais viável
porque se o objetivo era seguir a abordagem proposta pela democracia, os trabalhadores
deveriam fazer do processo eleitoral sua arena, ampliando as formas de confronto direto com
os capitalistas e oferecendo uma alternativa às revoltas que sempre foram violentamente
reprimidas pela burguesia.
Segundo Przeworsky (1989, p.47),

As experiências comuns de derrotas e repressões tinham efeito


decisivo quanto a direcionar os partidos socialistas para táticas
eleitorais. A representação parlamentar era necessária para proteger o
movimento. São necessárias por que massas de indivíduos podem
sofrer consequências políticas se não estiverem organizadas. O fato é
que as instituições que tiveram maior duração foram aquelas que
optaram por se envolver nas instituições burguesas.

Apesar de suas tentativas, a social-democracia até aquele exato momento fracassara


em construir um modelo econômico, até então, não conseguira estabelecer suas próprias
políticas econômicas, pelo menos até a década de 1930. A crise americana de 1929 abriu as
portas para isso, os sociais-democratas descobriram as ideias keynesianas, e a “Revolução
Keynesiana” simultaneamente lhes deu um argumento objetivo e governamental que mudou
decisivamente o significado conceitual da política distributiva em favor da classe operária.
Keynes ofereceu um método pelo qual o vazio econômico seria preenchido pela legitimidade
do governo, e suas ideias simultaneamente modificavam a política de distribuição social,
apoiando diretamente a classe trabalhadora. Agora, o Estado poderia conciliar a propriedade
privada dos meios de produção com a gestão democrática da economia, o controle dos níveis
de desemprego e a distribuição de renda, tornando-se um Estado alinhado ao bem-estar
social.
A mais importante Agenda do Estado não diz respeito às atividades
que os indivíduos particularmente já realizam, mas às funções que
estão fora do âmbito individual, àquelas decisões que ninguém adota
se o Estado não o faz. Para o governo, o mais importante não é fazer
coisas que os indivíduos já estão fazendo, é fazê-las um pouco melhor
ou um pouco pior, mas fazer aquelas coisas que atualmente deixam de
ser feitas. (KEYNES, 1963[1926], p.317)

Ao estabelecer e expandir sua esfera de atuação a social-democracia, através do ideal


democrático, assumiu o compromisso de defesa do chamado “Estado de Bem-Estar” (Welfare
State), ou seja, políticas públicas que sustentem a inclusão e a garantia de direitos sociais
capazes de influenciar positivamente a expansão do bem-estar. Desde o surgimento de
doutrinas jurídicas, e posteriormente as declarações de direitos humanos, acabou-se optando
por constituições liberais, que refletido o Estado de direito, especialmente após a Segunda
Guerra Mundial, fez a ideia do bem-estar ganhar abrangência internacional passando a atingir
mais pessoas ao redor do mundo. (BOBBIO, 2004)
Democracia e bem-estar passam a ser dois elos imprescindíveis, porque através deles
os cidadãos estariam incluídos no direito de participar das decisões do poder, elegendo os
seus representantes para as mais diversas instituições – Parlamento, Câmara dos Deputados e
comitês governamentais – com respaldo legal para determinar soberanamente o destino
coletivo. Segundo Marshall (1965, p. 126)
as políticas públicas devem garantir um mínimo de serviços
essenciais viabilizadores do status real da cidadania para os
indivíduos poderem usufruir da herança social e econômica do país. O
Estado deveria, pois, atuar na regulação da ordem social e garantir o
mínimo para os indivíduos se inserirem na competição e nas
oportunidades econômicas. Ao fazê-lo, intervém para reconhecer e
estender direitos sociais. (MARSHALL, 1965, P.126)

Com isso em mente e a despeito das pressões iniciais, os sociais-democratas


lançaram-se na política burguesa visando ganhar eleições, chegando ao poder através de um
processo legitimado por um mandato. Em certo sentido, as constituições de partidos políticos
sólidos e fortes foram fundamentais para eles poderem competir de forma organizada, o
cenário pós-guerra derrubou a ordem anteriormente estabelecida e fortaleceu o mecanismo de
participação do governo, levando os Partido Sociais-Democratas ou Trabalhistas a
formularem uma lógica de sociedade baseada na democracia, na aceitação do mercado e da
livre-concorrência, sendo o Estado um agente capaz de diminuir as mazelas impostas pelo
capitalismo ao garantir o pleno emprego.
As vitórias perduraram, conforme já citado, até a década de 1970, neste ínterim, a
social-democracia tomou-lhe o ideal democrático, as análises posteriores da democracia, e as
discussões de seus defeitos e qualidades, terão na democracia do bem-estar social-democrata
seu ponto de louvor ou crítica. Enquanto liberais e conservadores verão nela um perigo, um
projeto inviável e caótico, progressistas e sociais-democratas se colocarão como seus
defensores. A democracia social-democrata, assim como outros modelos modernos, nunca foi
completa ou definitiva, entretanto, foi o modelo mais duradouro de democracia no século
XX, ainda que nem todos, ao redor do globo, puderam sonhar em ter acesso a ela.

Referências Bibliográficas
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