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LAMOUNIER. Bolivar.

A Hidrografia Partidária Brasileira, IN: Partidos e Utopias: O Brasil no


limiar dos anos 90. Editora Loyola, São Paulo, 1989, p.29-84.

Capítulo 1: A Transição: da descompressão controlada a uma situação de virtual


ingovernabilidade.

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A resposta brasileira ao primeiro “choque do petróleo” (1973) foi singularmente expansionista.

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uma nítida opção foi feita no sentido de sustentar elevadas taxas de crescimento econômico, com
ênfase na substituição de importações de bens de capital e insumos básicos [...] o empenho do
setor público do Estado brasileiro em sua versão empresarial em grandes projetos, com risco de
afetar o equilíbrio interno e a dependência de crédito privado estrangeiro. [...] a estratégia do
governo Geisel foi ao mesmo tempo uma alternância entre expansão e contratação da atividade
econômica. [...] com efeito o Brasil permaneceu na condição de grande recipiente, mesmo
quando o fluxo de novos empréstimos começou a rarefazer-se.

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taxas de juros reais baixas e muitas vezes negativas fez com que essa estratégia continuasse a
parecer um caminho “natural”, criando certa miopia [...] ao que se refere ao volume absoluto de
endividamento. [...] muitos desses projetos financiados eram empréstimos de grande escala com
alto grau de indivisibilidade e de complementariedade com investimentos privados. [...] tal
estratégia foi tomada sob a luz de considerações políticas. [...] uma vez que o General Geisel se
empenhou em um processo de liberalização política gradualista e controlada. [...] sem
crescimento o governo ficaria exposto à ação combinada da “linha dura” interna e uma oposição
externa fortalecidas pelas reivindicações sociais crescentes.

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A abertura gradual tornou-se de fato um dos mais demorados processos contemporâneos de
redemocratização [...] a indicação através do colégio eleitoral-militar de um novo presidente
militar, João Baptista Figueiredo, agravou enormemente as tensões políticas latentes.

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Politicamente a imposição do General Figueiredo teve como efeito perpetuar por mais um
período a bipolaridade artificial do sistema, o situacionismo identificado com o sistema
burocrático-militar, e a oposição com o movimento civil de resistência. [...] a partir de 1974 com
a diminuição da capacidade de intimidação do sistema dominante a bipolarização latente
adquiriu feições eleitorais. [...] o crescimento da oposição enquanto ameaça eleitoral [...] impediu
a emergência de uma força política centrista, capaz de se identificar com o movimento pela
restauração democrática e o esforço na reordenação econômica.

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Sem medidas que controlassem adequadamente o déficit e impedisse a deterioração operacional
do setor público, junto a recessão e ao desemprego por ela induzidos retardaram a diluição do
bipartidarismo plebiscitário, mesmo que o mesmo tenha deixado de existir com a reforma de
1979, sendo substituído por seis novos partidos. [...] a maciça mobilização de 1984 (Diretas Já)
não foi suficiente para vencer a resistência do sistema na sucessão do general Figueiredo [...] a
solução foi a eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral [...] Nascia a Nova República.

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A transição brasileira para a redemocratização assemelha-se mais a uma transição de disputa
regulada, não indo o acordo de elite além do necessário. [...] o pouco que havia de acerto ou
pacto substantivo desapareceu com a morte do presidente Tancredo Neves. [...] gradual e
pacífica foi uma abertura através de eleições, não partiu de uma mobilização de massas e nem de
eventos dramáticos e externos.

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configurou-se, a partir de 1974, pelo lado da oposição, como uma opção pelo jogo eleitoral
evitando a confrontação violenta. [...] De 1974-1978, durante o governo Geisel teve forte
componente de descompressão deliberada [...] a oposição buscou ocupar as posições explorando
espações políticos que iam surgindo [...] e as pontes entre essa legenda (MDB) e a sociedade
civil.

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governo e oposição, encontraram espaços suficientes para, em estágios diversos, redefinirem
gradativamente seus papéis, visto que cada um percebia que poderia ganhar com este processo.
[...] o jogo eleitoral foi, neste sentido, a expressão institucional de uma negociação implícita
entre a oposição parlamentar e os setores menos intransigentes das Forças Armadas. [...] mesmo
diante do Pacote de Abril de 1977, que buscava dificultar as vitórias da oposição no Senado e na
Câmara dos Deputados.

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a oposição escolheu não rejeitar o processo eleitoral e se preparou para as urnas. [...] ainda que
derrotada por uma diferença pequena de votos em favor da Arena, a oposição obteve de Geisel
uma disposição para manter o processo de abertura, abrindo caminho para negociar uma lei
ampla de anistia aprovada pelo Congresso em 1979. [...] o segundo exemplo a reforma partidária
de 1979 que liquidou o sistema bipartidário [...] Figueiredo usou sua maioria dentro do
Congresso para aprovar uma reforma na licença partidária, evitando assim uma derrota
significativa diante de um fortalecimento maior do MDB, precipitando assim o retorno do
multipartidarismo.

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e segundo Golbery do Couto e Silva, dividir o principal partido oposicionista, visando assim
manter controle sobre a agenda política. [...] a ideia do voto vinculado nas eleições de 1982, que
estabelecia o voto estritamente partidário em todos os níveis, garantiu ao governo forte controle
do Colégio Eleitoral que caberia escolher o presidente em janeiro de 1985.

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Nas eleições de 1982, os partidos de oposição conseguiram maioria na Câmara dos Deputados e
venceu as eleições em importantes cidades e em 10 estados brasileiros, incluindo São Paulo e rio
de Janeiro. Permaneciam nas mãos dos militares o controle do Senado e do Colégio eleitoral,
chegava-se neste momento a uma Diarquia

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o retorno ao governo civil não significou o retorno a uma ordem de coisas pré-existentes, nem
um arcabouço novo.

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Seja por oportunismo clientelista, seja por sincera repulsa ao caráter autoritário das
regulamentações impostas no passado recente, prefere apostar em um florescimento inicial sem
restrições, partindo do pressuposto que haverá com um tempo uma seleção natural dos partidos
mais fortes e representativos. Uma forte tendência de desregulamentação estava presente na
ordem do dia, dado a inexistência de um “acordo de elites”. [...] O país passou, assim, da
artificialidade bipartidária a instabilidade da “Aliança Democrática” e desta a um esfacelamento
partidário ao longo da Nova República.

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A pressão plebiscitária sobre um longo período de transição democrática confluiu em uma
“coalizão máxima possível” que elegeu Tancredo Neves. Alguns problemas foram resultantes
deste processo: a) volume demasiado modesto de informação sobre as dissenções latentes na
coalizão redemocratizante; b) a superestimação da capacidade do PMDB governar e da
estabilização de suas bases eleitorais; c) excessiva personalização da agenda e dos objetivos a
serem perseguidos delegados a Tancredo Neves; d) grande expectativas em políticas
redistributivas e de novos padrões éticos no setor público.

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Com a passagem do tempo e o aparecimento de dificuldades enormes, a importância de
Tancredo começou a ser minimizadora. [...], mas há boa razão para se supor que o curso dos
acontecimentos teria sido distinto com Tancredo Neves. Sem ele o mecanismo de ajustamento
passou a ser mais competitivo. [...] PMDB e PFL empenhavam-se em definir por si mesmo a
agenda genericamente enunciada. [...] a morte de Tancredo fez com que o governo Sarney fosse
percebido como sendo responsabilidade do PMDB “histórico”, com potencial mais esquerdista,
ou mais aventuroso do que o de Tancredo, visto como mais conservador em uma coalizão
progressista.

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tinha-se como expectativa que Sarney adotasse um programa de emergência na área social e
estimularia a negociação de um “pacto social” para conter a inflação, mas suas indicações para a
Fazenda e a presidência do Banco Central indicou uma inclinação ortodoxa se as negociações
falhassem. [...] no campo político institucional a expectativa evidente era convocação de
Congresso Constituinte. [...] sabe-se que Tancredo buscava uma solução mais moderada em
busca de consensos informais que permitissem a redução dos conflitos e a brevidade do futuro
processo de elaboração constitucional. [...] Havia por certo a questão da duração do mandato
presidencial [...] a convocação de eleições diretas o mais breve possível era algo evidentemente
compactuado, mas o tempo do mandato de Tancredo não havia consenso. [...] havia a defesa de
um mandato de 4 anos com eleições sendo marcadas para o final de 1988.

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a partir de abril de 1985, Sarney buscou organizar o seu próprio governo em busca de uma
conciliação entre seu ministério e os compromissos assumidos por Tancredo. [...] o potencial do
desencantamento do processo se tornou potencial e fortaleceu decisões tomadas pelo Congresso
como a manutenção do código eleitoral para as futuras eleições presidenciais, a legalização de
partidos marxistas e o direito a voto aos analfabetos, além da desregulamentação partidária. [...]
na economia havia uma desaceleração na economia, o aumento do desemprego urbano e o
recrudescimento da inflação. [...] os embates políticos aumentavam nas áreas políticas
administrativas.

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As eleições de 1985 estenderiam ainda mais a desagregação latente. [...] O congresso determinou
a antecipação do pleito previsto para 1986, nas capitais dos estados. [...] antecipar essas eleições
significou lançar os dois partidos da “Aliança Democrática” um contra o outro na arena eleitoral,
aprofundando a fratura sem constituir um eixo alternativo. [...] Símbolo desse processo foi a
eleição de Jânio Quadros, na capital paulista, em vitória sobre FHC, pleito realizado em um
momento de pessimismo econômico e desalento político. [...] a campanha permitiu se enxergar
as fissuras das bases eleitorais do PMDB, que não tinham como enfrentar o populismo de direita
e do novo principismo de esquerda representado pelo PT. [...] O governo Sarney fechou ao final
de 1985 débil, dividido e carente de qualquer rumo.

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Capitaneado pelo ministro da Fazenda, Dilson Funaro, uma equipe de economistas persuadiu o
presidente Sarney a implementar o Plano Cruzado, um plano ambicioso de estabilização, cujo
ponto de partida seria o congelamento geral de preços e salários. [...] com grande adesão popular
o programa mudou a situação política nacional [...] a popularidade do presidente aumentou e
garantiu a Sarney a legitimidade que lhe faltara até ali. [...] apesar do momento inicial de euforia
(expansão produtiva e aumento do consumo), como tempo a expansão tornou-se inviável, o
mercado negro se alastrou e o desalinhamento de preços relativos tornou-se evidente. [...] a
tentativa de forçar os preços para baixo, através de importações maciças revelou-se desastrosa e
devastou as reservas cambiais do país.
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Ações corretivas ao Plano Cruzado não foram tomadas pelas seguintes razões de caráter político.
1) debilidade partidária do país e o caráter heterodoxo da coalizão governamental; 2) As eleições
de 1986 seriam decisivas na formação do Congresso Constituinte; 3) as disputas poderiam levar
a um desgaste da coalizão governista frente a Brizola, ao PT e de Paulo Maluf; 4) o Congresso
Constituinte deliberaria sobre o mandato presidencial em curso. [...] o congelamento de preço
garantia certo apoio popular e candidatos do PMDB e do PFL se apegaram a ele como
propaganda eleitoral nas eleições a governadores.
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Uma semana depois das eleições o governo anunciou o Plano Cruzado II e suspendeu os
congelamentos, era o começo do fim da popularidade do presidente e um sério golpe na imagem
do “partido das mudanças” historicamente cultivado pelo PMDB.

Capítulo II: Os partidos na Constituinte


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A situação partidária às vésperas da instalação do Congresso Constituinte caracterizava-se por
uma hegemonia aparente do PMDB [...] mal se disfarçava-se a fragmentação interna [...] apesar
da implosão não acontecer houve mudanças importantes no espectro partidário, que se tornou
ideologicamente mais nítido.

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o processo constituinte envolve atenção a atenção aos participantes e a opinião pública de uma
maneira multidimensional, politizando ao mesmo tempo que fragmenta as correntes previamente
constituídas.

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boa parte dos parlamentares chegou sem opiniões sedimentadas, seja por que o rol de questões
relevantes era de fato muito grande. [...] concluía-se que tratava-se de uma formação de “centro”
ou centro-esquerda”.

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Segundo a Folha de SP o Congresso Constituinte apontava para uma força “esmagadoramente
centrista” [...] posições extremadas estavam isoladas [...] a distribuição maior ao centro mostrava
um alto grau de indefinição. [...] A Veja observou que Sarney poderia obter a confirmação de um
mandato maior que 4 anos, mas provavelmente dentro do esquema parlamentarista de governo.

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Um estudo extenso para o jornal da tarde realizado pelo professor Leôncio Martins Rodrigues
(UNICAMP) confirmava o perfil centro esquerdista dos parlamentares em dimensões diferente
da Folha de SP, mas a autodescrição realizada pelo parlamentares, ao se referir a si mesmos, nem
sempre se referia a uma convicção profunda sendo frequentemente “adequada aos tempos”. [...] a
Folha de SP admitia que a gravitação para a centro-esquerda era algo realmente provável, por
causa da força de argumento deste segmento.
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Tabela 1: destaque a hegemonia nominal do PMDB – conquista de enorme parcela dos governos
estaduais, das assembleias estaduais, do Senado e da Câmara, nas eleições de 1986 [...]
renovação de 2/3 em 23 estados.
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Tabela 2 e 3: No Congresso Constituinte as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste achavam-se
sobrerepresentados numericamente em detrimento do Sudeste e do Sul. [...] tabela 3: fortes
diferenças na composição das bancadas partidárias.

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O PMDB por ser um partido mais heterogêneo ideologicamente encontrava-se mais ou menos
bem distribuído em participação nos estados e na no Congresso. Demais partidos não apresentam
o mesmo quadro.

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Nordeste concentrava o mais da metade do PFL, o Norte, o Nordeste e o Sul uma presença maior
do PDS, o sudeste (forte peso do Rio de Janeiro) concentra o PDT (Leonel Brizola), sendo o sul
a segunda região avantajada, o PT concentra-se no sudeste (mais forte em SP). Partidos
comunistas (pequeno grupo) 4 vindo do Nordeste (Sul não representada) [...] PTB, PDC, PL,
PSC e PMB ainda não nacionais (Sudeste e Centro-oeste) [...] tabela 4: PMDB o partido com o
maior centro ou centro-esquerda (retrato fiel de sua história), PFL: centro menos numeroso –
maioria centro-direita, PDS um partido de direita; PDT: maior parte centro-esquerda; PT, PCB,
PC do B e PSB: partidos de esquerda; centro poderável: PTB, PL, PDC, PSC e PMB.

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Um episódio de fundamental importância no decorrer do processo constituinte foi a emergência
do Centrão [...] grupo originado de motivações e objetivos diversos. Motivos: 1) prerrogativas
exageradas que o regimento teria dado a Comissão de Sistematização e à figura do relator; 2)
governismo (alinhamento ao Executivo) – forma de governo (contra o parlamentarismo) e
mandato do presidente (defesa de 5 anos); 3) tendência ideológica direitista (liberal-
conservadora) no que se refere as questões econômicas e sociais [...] Composição do Centrão:
PMDB (percentual inferior), PFL, PDS e agrupamentos residuais: PTB, PDC, PL e PSC –
ideologicamente: centro-direita/direta.

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Centrões mais conservadores: Nordeste e Sul – Centro-oeste em posição intermediária.

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Governismo: índice mais alto ao grupo suprapartidário do Centrão, seguidos na ordem por PFL,
PDS, PTB e PDC e com o PMDB ocupando a posição central [...] antigovernismo: em grau
crescente: PL, PDT, PSDB, o PCdoB, PCB, PSB e PT.
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PMDB anterior a cisão do PSDB: centro abaixo da média x PMDB depois da cisão do PSDB:
centro acima da média. [...] Conservadorismo: o Centrão, PFL, PDS, PL, PDC e PTB – PMDB 2
é mais conservador que o PMDB 1 (1 com PSDB e 2 sem PSDB) [...] anticonservadorismo:
PSDB, PT, PDT, PSB, PCdoB, PCB. [...] Democratismo: PT, PCdoB, PSB, PCB, PDT, PSDB,
PMDB 1, PL, PMDB 2, (abaixo da média) PDC, PTB, PDS, PFL e Centrão. [...] Nacionalismo:
PT, PCdoB, PSB, PCB, PDT, PSDB, PMDB 1, PMDB 2 (abaixo da média) PDC, PTB, PL, PFL,
PDS e Centrão. [...] contra o sistema financeiro: PT, PCdoB, PSB, PCB, PDT, PSDB, PMDB 1
[...] a favor do sistema financeiro: PMDB 2, PTB, PDC, PL, PDS, Centrão e PFL (ordem
crescente).

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o resultado difuso da eleição de 1986 ocultava de fato uma diferenciação programática e esta se
“ideologizou” no decorrer do Congresso Constituinte. [...] a votação do parlamentarismo (1988)
embora tenha se tornado mais um capítulo do governismo x antigovernismo teve como
consequência mais imediata a cisão do PMDB e do PSDB

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os constituintes que formaram o PSDB eram todos parlamentaristas [...] antiparlamentaristas:
PFL, PDT e PT (crescente – no caso do PT dos presidencialistas)

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Ordenando o espectro partidário a partir das mensurações da FIESP teríamos, portanto,:
esquerda: PT, PDT, PSB, PCB, PCdoB, centro-esquerda: PSDB; centro-direita: PMDB 2; direita:
PFL, PDS, PL, PDC e PTB. [...] a polarização (esquerda x direita) foi em parte impulsionada
pelos próprios debates constituintes, ou adquiriu maior densidade a partir deles.

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