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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

“Você está lá… porque eu estava lá”: um olhar crítico sobre a


autoridade etnográfica em meio à crise da representação na
antropologia a partir de meados do século XX

Ensaio apresentado ao final da Unidade 1 da Disciplina Antropologia 4


ministrada pela Professora Magda dos Santos Ribeiro ao curso de
Ciências Sociais em setembro de 2022

Denise Sales Rafael Medina Ferreira*


Liberacy Maria Lamounier*
Maria Letícia Celestino*
*Graduandas em Ciências Sociais pela UFMG

Belo Horizonte
2022
...mas são estátuas de murta que, em levantando a mão e a tesoura o jardineiro, logo
perdem a nova figura, e tornam à bruteza antiga e natural, e a ser mato como dantes
eram”.
Padre Antônio Vieira, Sermão do Espírito Santo
“Você está lá… porque eu estava lá” (CLIFFORD, 2008, p.18): um olhar
crítico sobre a autoridade etnográfica em meio à crise da representação
na antropologia a partir de meados do século XX

1 – INTRODUÇÃO
O presente ensaio buscará compreender e trazer resposta a uma pergunta instigante: a
mudança havida na Antropologia em meados do século XX se tratou de uma quebra de
paradigma, uma revolução na ciência nos moldes da teoria de Thomas Kuhn? O
desenvolvimento do tema se dará a partir da leitura de textos de dois antropólogos
daquele período, Clifford Geertz e James Clifford, cujas obras, em palavras e prática,
trouxeram novas formas de se fazer etnografia, ao mesmo tempo em que se questionava
a autoridade do etnógrafo perante seu objeto de estudos. Geertz, por um lado, prescreve
que a etnografia deve ser mais que mera descrição: deve ser uma descrição densa, o que
significa trazer para a escrita elementos interpretativos do autor e do “outro”, o
interlocutor, o informante, num sentido dialógico. 1 Já Clifford relaciona autoridade
2
etnográfica com relações de dominação. O discurso dominante até então é o de que
somente a presença do etnógrafo validaria os conteúdos dos textos etnográficos
produzidos. E ambos trouxeram novas formas de fazer e de se posicionar no método
antropológico por excelência, a etnografia.
Assim, o ensaio procura responder à indagação: as novas posições assumidas na
disciplina por estes autores significariam ruptura, estariam diante de uma crise, na
verdade, uma revolução, uma quebra de paradigmas como Thomas Kuhn via nas demais
ciências ditas “duras”? Ao final, em reforço à resposta apresentada, serão trazidos
ensinamentos de Tim Ingold3 que, metaforizando o caminhar por um labirinto, nos leva a
refletir sobre o que um caminhante (no caso, um etnógrafo), pode e deve absorver das
coisas que encontra em seu percurso.

2 – DESENVOLVIMENTO/DISCUSSÃO
Para se iniciar a compreensão do tema a ser desenvolvido no presente ensaio é preciso
estabelecer um ponto de partida. Para tanto, e não exatamente de forma aleatória, o início

1 GEERTZ, Cliford. "Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura". In: A Interpretação das
Culturas. Rio de Janeiro, LTC, 2008.
2 CLIFFORD, J. Sobre a autoridade etnográfica. In: A experiência etnográfica: Antropologia e literatura no século
XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998., pp. 17-62.
3 INGOLD, Tim. 2015. “O dédalo e o labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção”, Horizontes Antropológicos,
Porto Alegre, ano 21, n. 44, p. 21-36, jul./dez. 2015.
da década de 60 do século XX surge como um período que trouxe importantes mudanças
e movimentos no sentido de ruptura de paradigmas, precedendo o que se chamou mais
tarde de “virada ontológica” da antropologia.
Sherry Ortner4 aponta que ao fim dos anos 50 o funcionalismo estrutural britânico
(Radcliffe-Brown e Malinowski), a antropologia cultural e psicocultural norte-americana
(Margaret Mead e Ruth Benedict) e a antropologia evolucionista norte-americana (Leslie
White e Julian Steward) se viram frente a frente com novas posições, outras escolas,
ideias, autores e movimentos, tais como a antropologia simbólica, a ecologia cultural e o
estruturalismo que viriam representar mudanças importantes na forma de pensar e se
fazer antropologia a partir daquele momento.

Geertz e a descrição densa


Clifford Geertz, em “A interpretação das culturas”, de 1978, descreve a experiência
etnográfica não como mera descrição, não como literatura, mas uma resultante da
interpretação do pesquisador, do que este consegue perceber e do que lhe é mostrado,
num amálgama que se torna uma teia de significados tecida pelas próprias pessoas do
grupo. Para ele, o fazer etnográfico é como a leitura de um texto estranho, um pouco
sem nexo, mas dotado de significados e deve ser lido com todas as suas particularidades.
Em suas palavras, o trabalho do etnógrafo perpassa por uma descrição densa e não
aceita generalizações e superficialidades.
“O ponto a enfocar agora é somente que a etnografia é uma
descrição densa. O que o etnógrafo enfrenta, de fato -a não ser quando
(como deve fazer, naturalmente) está seguindo as rotinas mais
automatizadas de coletar dados -é uma multiplicidade de estruturas
conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às
outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que
ele tem que, de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. E
isso é verdade em todos os níveis de atividade do seu trabalho de campo,
mesmo o mais rotineiro: entrevistar informantes, observar rituais, deduzir os
termos de parentesco, traçar as linhas de propriedade, fazer o censo
doméstico... escrever seu diário. Fazer a etnografia é como tentar ler (no
sentido de "construir uma leitura de") um manuscrito estranho, desbotado,
cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários
tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com
exemplos transitórios de comportamento modelado”. (GEERTZ, Cliford.
"Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura". In: A
Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, LTC, 2008, p. 20)

4 ORTNER, Sherry. 2011(1984). “Teoria na antropologia desde os anos 60”. Mana. 17 (2): 421-422.
A partir de uma pesquisa etnográfica com observação participante em uma das aldeias
em Bali, Geertz nos apresenta “Um jogo absorvente: Notas sobre a Briga de Galos
Balinesa”, que traz a relação dos balineses com a briga de galo perpassando pela
simbologia dessa atividade que não é exclusiva daquela localidade, tendo sido comum a
sua prática em diversas partes do mundo em algum momento.

“Eu era alegre como um rio


Um bicho, um bando de pardais
Como um galo, quando havia
Quando havia galos, noites e quintais” (Belchior)

No capítulo em que descreve a luta de galos em Bali, se vê atividades de lutas e os


acontecimentos que as rodeiam, como a luta em si, a morte, o orgulho, a masculinidade, o
caráter transgressor do jogo fora do permitido, o sistema de apostas. Por toda parte estão
elementos subjetivos. Segundo Geertz (1989), “a cultura é a mediação entre o poder e o
objetivo de sua ação” E tais elementos se revestem de tradição, mantida geração após
geração. Geertz5 descreve como as rinhas que, embora ilegais, são permitidas em
algumas oportunidades e neste caso são eventos que envolvem praticamente todas as
aldeias. E são dois os formatos desses jogos, tanto os que são pelas apostas quanto os
do chamado jogo absorvente, em que se apresentam situações relacionadas a status
dentro dos grupos. Há nessas atividades uma verdadeira reprodução da sociedade em
suas estruturas sociais, se vê solidariedade, proximidade ou afastamento, hierarquia,
relações de parentesco. A briga de galos, nesse sentido colocado pelo autor, seria um
livro escrito pelos nativos e lido e interpretado pelo etnógrafo. Geertz acredita que estava
falando sobre os balineses, mas falar sobre o outro não é falar sobre si?
“Na briga de galos, portanto, o balinês forma c descobre seu
temperamento e o temperamento de sua sociedade ao mesmo
tempo. Ou, mais exatamente, ele forma e descobre uma faceta
particular deles.”6

Geertz se propôs ainda a demonstrar com sua etnografia como a cultura, com suas teias
de significados, seria tecida sob uma superfície e não seria acessível ao pesquisador sem
a participação de nativos/informantes, porque segundo ele “a cultura é a mediação entre
o poder e o objetivo de sua ação”. Em suma, um trabalho etnográfico deve permitir as

5 (GEERTZ, Cliffort.”Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa” In: A Interpretação das Culturas.
Rio de Janeiro: Ed. LTC 1989. p.212
6 (GEERTZ, Cliffort.”Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa” In: A Interpretação das Culturas.
Rio de Janeiro: Ed. LTC 1989. p.212
sociedades pesquisadas uma participação ativa, em que a sua voz seja elemento
considerado na construção do autor.
“A cultura de um povo é um conjunto de textos, eles mesmos conjuntos,
que o antropólogo tenta ler por sobre os ombros daqueles a quem eles
pertencem. Existem enormes dificuldades em tal empreendimento, abismos
metodológicos que abalariam um freudiano, além de algumas
perplexidades”.7

Geertz ( 1989 ) quis com sua teoria argumentar que a cultura é incorporada pelas
pessoas em forma de símbolos, com os quais os membros das sociedades comunicam
sua visão de mundo uns aos outros, dentro de seus grupos e mesmo aos antropólogos –
e cabe a estes interpretar as informações recebidas daqueles que as constroem. A cultura
é usada para dar sentido ao mundo, às coisas do mundo. Além disso, quando traz a
metáfora do jogo para a cena da Briga de galos balinesa, o autor mostra o quão os
balineses são absorvidos por todos momentos da atividade e como um evento pode
influenciar na vida cultural e religiosa dos balineses o que nos remete à importância dada
pelos brasileiros aos jogos e times de futebol , como é o caso do Clube Atlético Mineiro ,
que tem como mascote , um galo carijó, que diziam que era um campeão imbatível das
rinhas de galo de uma época.

Autoridade etnográfica e sua construção histórica: relação de dominação?


A antropologia moderna, para James Clifford, está relacionada ao que veio a ser
denominado “autoridade etnográfica”. Em seu texto de 1984 “Sobre a autoridade
etnográfica”, ele apresenta uma definição sintética logo nas páginas iniciais:
“O modo predominante e moderno de autoridade no trabalho de campo é
assim expresso: ‘Você está lá… porque eu estava lá’. Este estudo traça a
formação e a desintegração da autoridade etnográfica na antropologia social
do século XX”.8

A “autoridade etnográfica” referida no trecho acima quer significar que os discursos


presentes nos textos etnográficos seriam legitimados pela presença do pesquisador em
campo. Esta autoridade se construiu a partir do final do século XIX e início do século XX,
como característica da antropologia da época, dada a relevância alcançada pelo trabalho
de (principalmente) Franz Boas e Malinowski, este já nas décadas de 1920-1930, até o

7 (GEERTZ, Clifford. “Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa”. In. A interpretação das culturas.
Rio de Janeiro: LTC Editora, 1989, p. 212)
8 CLIFFORD, J. Sobre a autoridade etnográfica. In: CLIFFORD, J. A experiência etnográfica: Antropologia e
literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998., p. 18.
final do período colonial. Pois justamente foram as relações de dominação para com as
colônias que por muito tempo sustentaram a visão de superioridade, que mais tarde
passaria a ser afastada dos trabalhos dos antropólogos a partir de meados do século
passado.
A etnografia de então, para Clifford, que enfatiza a autoridade do pesquisador
antropólogo, deve rever seus métodos pois ao trazer apenas uma imagem esta cria a
ilusão de que ela é um retrato fiel da realidade. A antropologia precisa ser interpretativa, a
autoridade deve ser dispersada, a etnografia pode conter crítica e a cultura deve ser
polifônica, trazer vozes dissonantes, não se dirigir a um único leitor; enfim, a etnografia
como produção de escrita deve ter abertura para múltiplas interpretações. Ele aconselha:
“Estratégias alternativas de autoridade etnográfica podem ser visualizadas em
recentes experiências feitas por etnógrafos que conscientemente rejeitam cenas de
representação cultural ao estilo do frontispício do livro de Malinowski. (…) Nos
novos paradigmas de autoridade o escritor não está mais fascinado por
personagens transcendentes - uma deidade hebraico-cristã, ou seus substitutos no
século XX, o Homem e a Cultura. Nada permaneceu daquele quadro celestial, a não
ser a imagem desbotada do antropólogo num espelho. O silêncio da oficina
etnográfica foi quebrado - por insistentes vozes heteroglotas e pelo ruído da escrita
de outras penas. 9

Há uma crise de representação? Há revolução?


A noção de que uma crise se instalou na antropologia a partir das mudanças dos anos 60
do século XX, notadamente quando do questionamento da autoridade do etnógrafo
passou a frequentar os debates da antropologia nos remete à noção de que estaríamos
diante de uma crise de paradigmas como descreve Thomas Kuhn em “A estrutura das
revoluções científicas”.10 Crise tal que, a seu modo de ver, só seria superada por
substituição do paradigma vigente na ciência por um novo, resultado de uma verdadeira
revolução.
Tal situação estaria reforçada pela leitura dos autores supramencionados, um
questionando o método de se produzir o texto etnográfico e o outro a autoridade da
pessoa do etnógrafo. Para Kuhn, nos períodos entre revoluções científicas, com
paradigmas ativos, há produção e acumulação de conhecimentos, no que ele chama de
ciência normal. Quando surgem anomalias, questões para as quais o paradigma vigente
não apresenta respostas, surge a crise, momento no qual o paradigma é contestado e

9 CLIFFORD, J. Sobre a autoridade etnográfica. In: CLIFFORD, J. A experiência etnográfica: Antropologia e


literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998., p.22.
10 KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, Perspectiva, 1978.
novas teorias podem surgir até que alguma satisfaça as questões não resolvidas pelo
paradigma já ultrapassado. Processo este que ele denomina de revolução científica.
Partindo das premissas kuhnianas encontramos no caso das ciências sociais, como a
antropologia, um terreno diferente daquele das ciências naturais ou exatas. Neste ponto,
concordamos com Roberto Cardoso de Oliveira 11, que diverge de Kuhn e diferencia
paradigma de matriz disciplinar, conceituando esta como “a articulação sistemática de um
conjunto de paradigmas, a condição de coexistirem no tempo, mantendo-se todos e cada
um ativos e relativamente eficientes”.
Ao contrário das demais ciências, no caso da antropologia é possível a existência de
paradigmas simultâneos sem que isto provoque rupturas ou revoluções. A corrente
interpretativista que se seguiu a Clifford Geertz, por exemplo, que pretendeu significar
uma verdadeira ruptura de paradigma, na realidade é, no entendimento de Roberto
Cardoso, mais uma escola antropológica a compor a matriz disciplinar da Antropologia. A
escrita antropológica, traduzida significativamente nos trabalhos etnográficos, ganha
reforço de Tim Ingold, quando este compara o caminhar por um dédalo com um trajeto
num labirinto, e em qual deles o escritor/andarilho deve buscar compor o seu texto:
No caminhar pelo labirinto, por outro lado, escolher não é uma questão. O
caminho leva, e o caminhante deve ir para onde quer que ele o leve. Mas o
caminho nem sempre é fácil de seguir. Como o caçador que persegue um
animal ou um andarilho numa trilha, é importante manter os olhos abertos
para sinais sutis – pegadas, pilhas de pedras, entalhes nos troncos das
árvores – que indiquem o caminho adiante. Esses sinais te mantêm no
caminho, e não te convidam a se afastar dele, como fazem as propagandas.
O perigo está não em chegar a um beco sem saída, mas em sair da própria
trilha.12

O trabalho do etnógrafo deve se assemelhar a uma caminhada por uma trilha que lhe
permite absorver conhecimentos ao mesmo tempo em que se observa o contexto, aquele
mundo, seus elementos culturais e objetos O conhecimento obtido e aquele produzido
são fruto da interpretação do autor, como Ingold descreve: 13
Decerto, não há nada de novo ou radical em sugerir que o conhecimento é
relativo ao seu ambiente cultural. Que cada mundo não é mais que uma
visão de mundo, e que essas perspectivas ou interpretações são múltiplas e

11 CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. “Tempo e tradição” in Sobre o pensamento antropológico. Rio de


Janeiro/Brasília, Tempo Brasileiro/CNPq, 1988.
12 INGOLD, Tim. 2015. “O dédalo e o labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção”, Horizontes Antropológicos,
Porto Alegre, ano 21, n. 44, jul./dez. 2015, p.25

13 INGOLD, Tim. 2015. “O dédalo e o labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção”, Horizontes Antropológicos,
Porto Alegre, ano 21, n. 44,jul./dez. 2015, p.27.
possivelmente conflitantes, tem sido o ponto de partida da filosofia da
educação moderna, e mesmo pós-moderna. Os alunos são familiarizados
com a ideia de que o conhecimento consiste em representações, e são
sabidos o suficiente para perceber que as representações não devem ser
confundidas com as “coisas em si”.

A atividade etnográfica não vai deixar de existir. O objeto da etnografia, da própria ciência
da Antropologia, não desaparecerá por se alterarem regras do método. Porque ciência é
método, mas além deste sempre existirá o objeto, a diferença, a curiosidade e o espírito
do pesquisador. Neste sentido, nos cabe concordar com Lévi-Strauss(1962-26) quando
este diz que “enquanto as maneiras de ser ou de agir de certos homens forem problemas
para outros homens, haverá lugar para uma reflexão sobre essas diferenças, que, de
14
forma sempre renovada, continuará a ser o domínio da antropologia”.

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente ensaio nos levou a refletir acerca de mudanças de paradigma nas ciências e
até que ponto isto se tornaria questão de preocupação. Uma ciência, mesmo que não
pertencendo ao grupo das exatas ou naturais, também pode sofrer mudanças em seus
métodos, sem que isto signifique ruptura. Assim, se viu que o questionamento sobre o
método etnográfico, precisamente a partir da segunda metade do século XX, significaria
mais aprimoramento que uma mudança de rota.
A etnografia é método da Antropologia por excelência. Mas pode – como pôde – passar
por aperfeiçoamentos, assim como a posição do observador pode ser menos autoridade e
mais elemento do contexto. Foi um pouco desta mudança de método, o que se pôde
observar das leituras de textos de etnografia de Clifford Geertz e de James Clifford.
Autores que, ao trazer suas discussões e questionamentos sobre algo que se julgaria
pacificado, proporcionaram à ciência antropológica uma renovação. Novos termos, a
presença do “outro”, a práxis, o interlocutor, a cultura como guia, a dominação
questionada, a validação da autoridade são novas formas de fazer conhecimento num
sentido de se percorrer um labirinto absorvendo mais do que seria possível com a
observação participante.

14 LÉVI-STRAUSS, Claude. A crise moderna da antropologia. Currier de l'Unesco, nov. 1961. Traduzido e
republicado em Revista de Antropologia, v. 10, n. 1/2, 1962 p. 26.
4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CLIFFORD, J. Sobre a autoridade etnográfica. In: A experiência etnográfica: Antropologia
e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998., pp. 17-62.
GEERTZ, Cliford. "Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura". In: A
Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, LTC, 2008.
GEERTZ, Clifford. Um Jogo Absorvente: Notas sobre a Briga de Galo Balinesa. In: A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
INGOLD, Tim. 2015. “O dédalo e o labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção”,
Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 21, n. 44, p. 21-36, jul./dez. 2015.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832015000200002
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, Perspectiva, 1978.
LÉVI-STRAUSS, Claude. A crise moderna da antropologia. Currier de l'Unesco, nov. 1961.
Traduzido e republicado em Revista de Antropologia, v. 10, n. 1/2, 1962.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. “Antropologia e a crise dos modelos explicativos”.
Palestra apresentada no seminário Ciência e sociedade: a crise dos modelos, realizado
em 19 de novembro de 1993, na Universidade Federal do Paraná. Acessado em:
https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8898
ORTNER, Sherry. 2011(1984). “Teoria na antropologia desde os anos 60”. Mana. 17 (2):
419-466.

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