Disciplina: Filosofia das Ciências Sociais Professor: Ivan Domingues Aluno: Denise Sales Rafael Medina Ferreira Para Hoebel & Frost, antropólogos americanos, classes sociais vão existir sempre que houver distribuição de bens ou poder em uma sociedade, já que elas expressam as diferenças sociais daí decorrentes. Nem sempre serão nitidamente demarcadas, nem sempre estarão presentes na consciência das pessoas, o que os leva a concluir que nem sempre haverá esta luta de classes ou disputas ligadas a este tema. A consciência de classe e os movimentos de classe revolucionária receberam de Karl Marx (1818-1883) e seus seguidores, especialmente Friedrich Engels (1820-1895), o cunho ideológico que serviu de dogma para o que se concebeu como comunismo. Marx definia as classes sociais de acordo com a sua relação com os meios de produção. A exploração de classes (os não proprietários, os operários, o proletariado, os que não detinham, enfim, os meios de produção ou o capital), por outras classes (proprietários, os donos das indústrias, a burguesia, os capitalistas) e a afirmação de que a luta entre elas levaria a uma sociedade sem classes foi por muito tempo o dogma do comunismo marxista. Max Weber (1864 – 1920) partiu de um critério econômico para definir o que seriam classes mas acrescentou estilo ou o padrão de vida e as posições de prestígio dos grupos econômicos diversos dentro da sociedade. Ele trouxe a noção de status e poder, que não é medido apenas pela divisão de trabalho numa sociedade mas também pelo tipo de trabalho, consumo e estilos de vida. Por exemplo: Se, numa sociedade como a chinesa tradicional, a posição social é fixada pelas qualificações para a ocupação de cargos mais do que pela riqueza, nas sociedades capitalistas modernas a propriedade de certos bens e as possibilidades de usá-los no mercado estão entre os determinantes essenciais da posição de seus membros. Assim, o predomínio da esfera econômica nas sociedades capitalistas tornou a riqueza e as propriedades os principais fundamentos da posição social, enquanto nas sociedades feudais europeias valorizava-se a origem, ou linhagem - fatores que são relevantes quando a esfera predominante é a social - como principal elemento de classificação.(QUINTANEIRO, Tania, BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira, OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. p.112) Assim, chegam Hoebel & Frost ao que consideram uma definição de classe social: Classe social é uma categoria de pessoas dentro de uma sociedade, que mantêm numerosos status distintivos em comum e que, através do desempenho das funções associadas a esses status, recebem recompensas diferentes e privilégios e que, por meio de modo de vida comum, desenvolvem a consciência de seus interesses semelhantes, em contraste com os interesses dos outros grupos. Uma classe social pode existir somente como referência a outras classes sociais. Uma sociedade de uma só classe é necessariamente uma sociedade sem classe. (HOEBEL & FROST. Antropologia cultural e social. São Paulo: Cultrix, 2006. p.287) Murdoch apresenta um sistema de classificação, em que as duas primeiras categorias são sem classes e as três últimas são sistemas de classes: 1 – Sociedades sem classes, que carecem de distinções de classes entre os homens livres (a escravidão não é algo a ser tratado num sistema de classes). As classes não conhecem variações de reputação individual concebida através da habilidade, do valor, da piedade e da sabedoria. 2 – Distinções de riqueza baseadas na posse ou na distinção de propriedade que estão presentes e são socialmente importantes mas não cristalizadas em classes sociais distintas e hereditárias. 3 – Estratificação dual, num sistema de duas classes, numa aristocracia hereditária e numa classe inferior de gente comum ou homens livres em que o status nobre tradicionalmente atribuído ao prestígio é pelo menos tão importante quanto o controle de recursos econômicos. 4 – Estratificação de elite, na qual uma classe de elite tira e mantém seu status superior controlando os recursos, especialmente a terra, em contraste com o proletariado que não tem propriedade ou a classe dos servos. 5 – Estratificação complexa na qual as classes sociais estão relacionadas à diferenciação extensiva de status ocupacional. Uma grande dificuldade encontrada em se atribuir denominações arbitrárias é que as linhas entre as diversas categorias são muitas vezes indistintas e não muito claras. Os índios nômades das planícies norte-americanas tinham uma certa preocupação com status competitivos e se percebia um nascente senso de classe. Nos povos cheyennes, apesar de haver diferenciação baseada em valentia, entre os homens e sensatez e honestidade, entre as mulheres, além da presença de pobres que não eram escravos, ainda assim não havia divisão de classes. Já os apaches distinguiam claramente pobres e ricos. Aqueles que não tinham propriedades e nem prestígio social eram considerados pobres e os ricos eram com eles generosos. Ainda assim, os apaches também foram considerados sem classe. O critério para classificar era o acesso igualitário aos recursos básicos. Os índios Kiowas das planícies, já consideravam posições de prestígio baseadas em riquezas e comportamento. Suas sociedades se dividiam em classes de acordo com prestígio dos chefes, caráter, batalhas, vitórias, atividades produtivas. Havia a classe dos pobres e a classe dos que eram repudiados mas até estes eram tolerados. Para os índios da costa noroeste as classes não eram mais distintas mas havia uma divisão entre homens livres e escravos, estes capturados de outras tribos. Independente de sua posição nas tribos de origem os escravos eram reduzidos de forma igualitária à condição de utensílio, de objeto de valor. Já a massa dos homens livres se dividia entre nobres e povo comum, sendo os primeiros aqueles que recebiam seu título por herança. Esta opinião da maioria dos estudiosos, ortodoxa, é combatida por outros estudiosos, por exemplo Drucker, que afirma que não havia classe de nobres ou comuns mas que as sociedades contavam com uma série de status graduados, de forma individual e não de grupo. Este conflito de interpretação, para Hoebel e Frost, tem mais relação com a ambiguidade do conceito de classes em certos ambientes. Já na América central e região dos Andes as sociedades estudadas apresentavam completo sistema de classes muito bem demarcadas e complexas. Os astecas, a partir de uma sociedade aparentemente sem classes, com uma cultura rude, se torna uma protocivilização organizada e sofisticada, no século XIV. Quando os espanhóis chegaram, sua sociedade se compunha de realeza, nobreza, homens livres comuns, proletariado sem propriedade e escravos. Os homens livres comuns eram a maioria do povo. Tinham alguns privilégios, podiam cultivar um pedaço de terra, ter uma moradia, se tornar artesão, segurança. Mas estavam proibidos de gozar de regalias reservadas a ricos, famosos ou oficiais. Mas alguns desses poderiam ser alçados a uma classe honorífica por conta de algum feito, usavam das melhores roupas, moravam em mansões, recebiam homenagens e levavam uma vida opulenta. Mas nada disso poderia ser deixado como propriedades de família, começaram a deixar para os filhos as posições de nobreza que ocupavam. Desta forma surgiu uma classe de aristocratas abaixo apenas da linhagem real. O proletariado infeliz era composto de estrangeiros e de astecas que perderam os privilégios e levavam uma existência de pobreza e trabalho, expropriados no pouco que conseguiam pelos tributos e serviços feudais. A escravidão era o destino daqueles que não conseguiam pagar suas contas e de criminosos que não conseguiam restituir o que haviam roubado. Ainda assim, a condição de escravo não era passada aos filhos e escravos poderiam ser libertos, ter terras, dentre outros “benefícios”. Casta, para Hoebel & Frost, é classe social hipertrofiada, é a manutenção da desigualdade de bens e de poder. Os grupos sociais constroem seus próprios estilos de vida e criam padrões de relacionamento entre si. São formações rígidas, matrimônios geralmente dentro de uma mesma casta, muito pouca chance da pessoa sair dela. Entre as diversas castas pode haver rígido isolamento, inclusive físico, severas proibições em alguns casos. Mas o sistema de castas não se confunde com a escravidão, sendo consideradas categorias sociais separadas. Os sistemas de castas serão simples ou complexos, podendo ser formados por duas a três, ou por uma multiplicidade delas. Nos sistemas simples se encontram por exemplo as castas dos párias e as étnicas. Nas castas dos párias, grupos ocupacionais hereditários como os ferreiros ou trabalhadores com couro são tratados como “inferiores” pela população e com isto até seus casamentos acontecem apenas entre seus membros. Já as castas étnicas, também endógamas quanto a seus casamentos, uma casta socialmente superior submete uma outra, socialmente inferior (por exemplo, povos conquistados ou imigrantes) negando ou vedando a concessão dos mesmos privilégios que tem. A divisão social em castas é coisa mais típica do velho mundo e não foi encontrada nos grupos estudados nas Américas. As castas étnicas são mais frequentes na região do mediterrâneo e África enquanto as castas complexas são típicas de países asiáticos. Como o conhecido sistema indiano. O complexo sistema de castas da Índia (são centenas, entrelaçadas, são o dia a dia dos habitantes) representa a manifestação mais clássica e difundida, talvez pelas imensas dimensões do país e pela população das mais numerosas do mundo. O sistema indiano é bem especial e vale a pena tecer alguns comentários. A origem das castas remonta à história que conta que quatro delas (as varna) surgiram a partir do primeiro homem. Os brâmanes são três delas, e controlam a religião, as forças armadas e o comércio/economia. Quatro castas puras e impolutas, três delas de pureza superior, cujos membros masculinos eram os chamados “duas vezes nascidos”. Em outro extremo estão os intocáveis, os harijan , assim considerados pela natureza de seus trabalhos com substâncias impuras. Há um distanciamento social, físico, entre eles e as castas varna. Jatis são subdivisões das quatro varnas e dos harijan, cada uma com nomes e atribuições específicas, coexistindo numa mesma comunidade muitas vezes dezenas de jatis. Essas jatis se relacionam, por exemplo, na época de colheitas, donde surge a figura do senhor de terras, o jajmani, que controla a distribuição do quinhão de cada um. Uma observação de destaque é que esse sistema é adotado nas regiões das aldeias rurais, onde vive 90% da população do país, um número impressionante de 1/12 da população mundial. Tanto as castas quanto as classes sociais apresentam subgrupos diferenciados e definidos e a raça pode ser um dos critérios utilizados nesta diferenciação. Mas não existem provas de que as diferenças existentes sejam por causas biológicas. Um comportamento cultural é aprendido e não determinado geneticamente, entretanto isto é usado muitas vezes para justificar situações em que não se encontra outro tipo de motivação. Não se trata de raças, biologicamente falando, mas baseado em conceitos culturais e socialmente definidos. A fonte das diferenças humanas centraliza o estudo das classes e das castas nas espécies e critérios propostos por Weber. Falar-se em raças sociais, enfim, é dividir povos com base em diferenças definidas social e não geneticamente. Assim chegamos à questão do apartheid. O regime legal implantado na África do Sul a partir de 1948 retirava direitos da população negra, maioria numérica, por um governo de minoria branca. A legislação tinha por finalidade separar, literalmente segregar as pessoas de acordo com a sua “raça”. Baseado no mito da superioridade racial europeia, ainda vivo mesmo após o fim da 2ª Guerra, se sustentou por décadas, através de leis, o regime que permitia a prática da segregação de pessoas pelo fato de ser diferente da raça branca dona do poder. Pergunto-me se encontro algum elemento indicativo de ser isto um sistema de classe social ou de castas mas não é possível encontrar nem os elementos apontados por Marx, Weber ou outros estudiosos e muito menos tradição, hereditariedade, ou outra coisa que traga o apartheid para dentro de alguma classificação mas não é possível. Sistema criado por lei e do mesmo modo encerrado, não é sistema de castas nem classe mas racismo institucionalizado e artificial (não houve uma alteração social suficiente para que a edição de leis fossem necessárias). (Não julgo, apenas observo, como uma iniciante no estudo das ciências humanas/sociais) Como última item de discussão, a escravidão podemos entender que ela sempre esteve presente nas discussões sobre classes e castas sociais. As sociedades indígenas a praticavam, no Velho Mundo a escravidão era comum, assim como na ásia e na região mediterrânea. Mas a África era por todo o tempo a pátria da escravidão. Enorme parte de suas sociedades tinham escravos. Nos séculos XVIII e XIX estava presente na metade das sociedades no mundo. As civilizações contemporâneas condenam veementemente a prática da escravidão mas ela foi parte importante nas sociedades humanas por um tempo muito longo, maior que o tempo que se passou após a sua extinção. Um regime de escravidão tem gradações. Pode ir desde a completa degradação de toda uma classe de pessoas pela negação de sua humanidade. Escravos são coisas. Ou pode chegar à inclusão desses escravos como membros da família de seus senhores. A sorte do escravo está em ser mais do grupo dos familiares do que de objetos de seus donos. De onde vêm os escravos? Pode ser dentro da própria sociedade ou de outras. No primeiro caso, a escravidão acontece entre membros de uma sociedade (no caso, as mais primitivas) havia o costume de empréstimo de pessoas ou por dívidas. Outra fonte interna seria a condenação de criminosos à escravidão, e isto só seria possível em sociedades com sistemas jurídicos existentes. A maior fonte de escravos, entretanto, era externa. Eram as guerras. Os escravos capturados em guerras não passavam a pertencer às sociedades das quais passavam a ser propriedade. Não tinham status nem de classes e nem de castas, nem as mais inferiores. Não havia vínculos nem cidadania. A escravidão existia, assim, desde as sociedades mais primitivas mas floresceu mesmo no período pré-industrial mas após a revolução industrial a prática foi perdendo apoio, inclusive moral, vindo a ser extirpada como instituição só em fins do século XX.
Fonte da pesquisa: HOEBEL & FROST. Antropologia cultural e social. São Paulo: Cultrix, 2006.