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Unidade II

Unidade II
MÓDULO 5

Módulo 5 – Estado, sociedade civil e cidadania – parte 1

Nesta unidade vamos tratar de modo mais específico o redimensionamento do conceito de cidadania
na sociedade contemporânea, o que envolve pensar nas novas dinâmicas assumidas pela sociedade civil
e também um tema que desperta cada vez mais interesse, pela relevância para o processo de discussão
das demandas da população: o papel da comunicação nesse debate sobre cidadania.

Liszt Vieira é um dos autores que tem se dedicado ao estudo, no Brasil, das novas articulações que
ocorrem no campo político-social, tendo publicado “Os argonautas da cidadania”, “Cidadania e globalização”
e “Cidadania e política ambiental”, responsável por discutir o assunto sob perspectivas diferenciadas.

São obras importantes porque nos permitem entender melhor novos olhares sobre os conceitos de
democracia, de cidadania e de sociedade civil.

É a partir desses estudos que vamos tratar agora das contradições envolvidas na conceituação atual
da cidadania.

Citando o trabalho desenvolvido por Janoski, Vieira destaca três vertentes teóricas que se ocupam
de fenômenos relacionados à cidadania:

• a teoria de Marshall acerca dos direitos da cidadania;

• a abordagem de Tocqueville/Durkeim a respeito da cultura cívica;

• a teoria marxista/gramsciana acerca da sociedade civil.

Como observa o autor, fazendo referência aos processos que analisamos até aqui, as três grandes
revoluções produziram práticas sociais voltadas à geração de novas instituições políticas e judicantes
como corpo separado do Rei, repartiram o poder de Estado e criaram novos canais de participação
política, restringiram a democracia à forma de governo e decretaram o fim das desigualdades sociais,
que se daria à medida que a expansão da igualdade civil se concretizasse.

Autores como Vieira, valendo-se sobretudo dos estudos de Marx e Engels, entendem que a burguesia
realizou os seus interesses de classe na medida em que os anunciou como propósitos da humanidade.
Com isso, criou condições para a distensão dos espaços jurídico-formais no momento em que as classes
trabalhadoras começavam a impor suas bandeiras de luta.
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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

Os direitos civis, sociais e políticos

O primeiro aspecto a ser analisado quando se discutem as atuais concepções de cidadania são os
pontos abordados por T. H. Marshall, no livro “Cidadania, Classe Social e Status”. Foi ele o primeiro a fazer
a distinção entre os direitos civis, políticos e sociais.

Os direitos civis surgiram na Inglaterra, no século XVIII. São chamados de direitos de primeira
geração e correspondem ao conjunto de liberdades individuais estabelecidas por meio da igualdade
jurídica. Estamos nos referindo, portanto, à liberdade individual em termos de propriedade e de igualdade,
ao direito de ir e vir, o direito à vida, à segurança etc. São os direitos, como defende Vieira (2005), que
embasam a concepção liberal clássica.

Datados do século XIX, os direitos políticos fazem parte, assim como os civis, dos direitos de
primeira geração. Inclusive dizem respeito à liberdade de associação e reunião, de organização política
e sindical, à participação política e eleitoral, ao sufrágio universal etc. São também chamados direitos
individuais exercidos coletivamente e também acabaram se incorporando à tradição liberal.

Os direitos sociais, também chamados de direitos econômicos ou de crédito, são considerados de


segunda geração e foram estabelecidos no século XX, principalmente a partir da luta dos movimentos
operários e sindicais. Tais direitos englobam educação, saúde, previdência, seguro-desemprego etc.; e
envolvem o acesso a bens e serviços que asseguram a tal da vida digna, o bem-estar social.

Mais do que isso, como indica Covre (2007, p. 14), são todos direitos que devem repor a força
de trabalho e, portanto, pode-se afirmar que tratam da necessidade de o trabalhador ter um salário
decente e, por extensão, o chamado salário social.

Para Marshall, ao garantir direitos civis, políticos e sociais a todos, o estado-providência asseguraria
que todos os membros da sociedade poderiam participar plenamente na vida comum da sociedade.

Essa teoria é classificada de “cidadania passiva”, uma vez que enfatiza o papel do Estado, sem focar
a questão dos deveres cívicos. A questão, como defendem autores como Vieira, é que essa teoria pode
até ajudar a assegurar boas condições de vida à população, pelo menos para a maior parte dela, mas
teria que ser complementada pelo exercício ativo de responsabilidades e virtudes.

Covre (2007) concorda com essa análise, ao lembrar que é precisamente sobre os direitos sociais
que os detentores do capital e do poder constroem a concepção de cidadania, procurando administrar
a classe trabalhadora e mantendo-a “receptora” desses direitos, que supostamente devem ser agilizados
pelos capitalistas e pelos governantes.

Retomando as questões dos direitos, temos que considerar também o surgimento, na segunda
metade do século XX, dos chamados direitos de terceira geração. Tratam-se dos direitos que têm
como titular não o indivíduo, mas grupos humanos como o povo, a nação, as coletividades étnicas ou a
própria humanidade. É o caso do direito à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, à paz, ao
meio ambiente etc.
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Unidade II

Vejamos a explicação de Vieira (2005, p. 23): “na perspectiva dos novos movimentos sociais, direitos
de terceira geração seriam os relativos aos interesses difusos, como direito ao meio ambiente e direito do
consumidor, além dos direitos das mulheres, das crianças, das minorias étnicas, dos jovens, anciãos etc.”.

Hoje também já são mencionados, em várias obras, os direitos de quarta geração, relativos à
bioética, de modo a impedir a destruição da vida e regular a criação de novas formas de vida em
laboratório pela engenharia genética.

Com base na teoria de Marshall, diversos autores analisaram suas respectivas realidades e acrescentaram
a ela nuances teóricas. É o que vamos analisar no segundo texto desse módulo, na sequência.

Agora, vamos a um exercício sobre o conteúdo trabalhado até aqui.

Exercício:

Com relação aos direitos sociais, assinale a alternativa falsa:

a) Os direitos sociais dizem respeito ao direito ao trabalho, a um salário decente e, por extensão, ao
chamado salário social.

b) É sobre os direitos sociais que os detentores do capital e do poder têm construído a concepção
de cidadania.

c) Os direitos sociais são uma das questões mais críticas para a discussão da cidadania, uma vez que
fazem parte de um conjunto de modificações do capitalismo contemporâneo.

d) Os direitos sociais são considerados de segunda geração e foram conquistados no século 20, a
partir da luta do movimento operário e sindical.

e) Os direitos sociais também dizem respeito à liberdade de associação e reunião, de organização


política e sindical.

Resposta: E

Comentário: essas questões citadas se referem aos direitos políticos, que são de primeira geração.

Módulo 5 – Estado, sociedade civil e cidadania – parte 2

Quando discutimos o redimensionamento da noção de cidadania, é importante considerar que


diversos autores, a partir da análise de suas respectivas realidades, acrescentaram novas nuances à
teoria de Marshall.

Liszt Vieira, ao abordar esse processo, cita os casos de Reinhard Bendix, que enfocou a ampliação
da cidadania às classes trabalhadoras por meio dos direitos de associação, educação e voto; e de Turner,
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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

que considera os movimentos sociais como força dinâmica necessária ao desenvolvimento dos direitos
de cidadania. Para esse teórico, haveria uma cidadania conservadora – passiva e privada – e uma outra
revolucionária – ativa e pública.

Importante citar também as contribuições de Norberto Bobbio nessa discussão. Ele destaca, como
explica Meksenas (2002), a dimensão histórica da conquista dos direitos civis e de liberdade. A liberdade
surge primeiramente nas guerras religiosas, como expressão da liberdade de crenças; e os direitos
políticos se constituem nas lutas e nos movimentos sociais que emergem contra o despotismo. Daí
a afirmação de que os direitos naturais são, portanto, direitos históricos, que podem ser vistos como
indicadores do progresso social. É nesse sentido que ele vai defender a tese de que os direitos são um
produto da era moderna, nascendo junto, portanto, com a concepção individualista da sociedade.

Ao abordar as teorias marxistas, Vieira explica que elas enfatizam a reconstituição da sociedade
civil. Nesse caso, teríamos tanto os conceitos desenvolvidos por Marx e Hegel, como os conceitos
trabalhados por Gramsci.

Para Vieira, a atual referência à sociedade civil traz o viés gramsciano de proteção contra os abusos
estatais e do mercado. Segundo sua argumentação, em “Os argonautas da cidadania”, “esta terceira
vertente teórica pode ser compreendida como uma intermediação entre o enfoque estatal adotado por
Marshall e o enfoque da virtude cívica centrada na sociedade, característico das teorias durkheimianas”.

Outro aspecto importante é a contribuição do marxismo para a construção do conceito de cidadania,


principalmente em relação ao uso dos direitos pela burguesia para dominar os outros grupos sociais.

Cidadania e regimes políticos

Para entendermos o desenvolvimento desse conceito, é importante o registro do papel da cidadania


frente aos diferentes regimes políticos.

Para o liberalismo, o cidadão é concebido como um indivíduo dotado de liberdade e responsável


pelo exercício de seus direitos. Como argumenta Vieira, “a cidadania encontra-se, assim, estreitamente
relacionada à imagem pública do indivíduo como cidadão livre e igual, e não às características que
determinam sua identidade”.

Em uma posição oposta, teríamos o comunitarismo, que prioriza a comunidade, sociedade ou nação;
invocando a solidariedade e o senso de um destino comum como pedra de toque da coesão social.
Assim, a sociedade sustenta-se pela ação e pelo apoio dos grupos, contrariamente às decisões atomistas
do indivíduo no âmbito liberal.

Vieira explica bem a diferença entre as duas visões: “Na visão liberal, a cidadania é um acessório, não
um valor em si mesmo. Na visão comunitarista, os indivíduos são membros de unidades maiores do que
si mesmo, e uma delas é a comunidade política”.

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Unidade II

A preocupação contemporânea, diante desse quadro teórico e empírico, é compatibilizar a existência


de diversas possibilidades e gradações de cidadania: a vida em pequenas comunidades e a reformulação
da cidadania no Estado-nação ou mesmo em nível global.

“A cidadania, no âmbito desse esforço coletivo, não pode mais ser vista como um conjunto de
direitos formais, mas sim como um modo de incorporação de indivíduos e grupos ao contexto social.
No intuito de solucionar a relação conflituosa entre as múltiplas tradições de cidadania, baseadas em
status, participação e identidade, alguns autores pretendem formular um complexo sistema, com o
acesso a direitos garantidos por instituições locais, nacionais ou transnacionais” (VIEIRA, 2001, p. 48).

Daremos continuidade à abordagem desse assunto no Módulo 6, quando vamos discutir o


redimensionamento do papel da sociedade civil.

Agora, segue um exercício. Não deixe de fazer na sequência os quatro exercícios deste módulo.

Exercício

Analise as afirmações sobre o papel da cidadania frente aos diferentes regimes políticos e indique a
alternativa falsa:

a) Para o liberalismo, o cidadão é concebido como um indivíduo dotado de liberdade e responsável


pelo exercício de seus direitos, mas que depende da interferência do Estado para assegurar suas
conquistas.

b) No liberalismo, a cidadania se encontra estreitamente relacionada à imagem pública do indivíduo


como cidadão livre e igual, e não às características que determinam sua identidade.

c) A visão é oposta no caso do comunitarismo, que prioriza a comunidade, sociedade ou nação;


invocando a solidariedade e o senso de um destino comum como pedra de toque da coesão social.

d) No comunitarismo, a sociedade se sustenta pela ação e pelo apoio dos grupos, contrariamente às
decisões atomistas do indivíduo no âmbito liberal.

e) Na visão liberal, a cidadania é um acessório, não um valor em si mesmo; na visão comunitarista,


os indivíduos são membros de unidades maiores do que si mesmo, e uma delas é a comunidade
política.

Resposta: A

Comentário: o liberalismo defende como premissa o mínimo de interferência do Estado.

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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

MÓDULO 6

O redimensionamento do papel da sociedade civil

Como vimos até aqui, o conceito de cidadania é muito mais abrangente do que parece em um
primeiro momento. Para entendermos como a questão dos direitos e dos deveres se operam na prática
do cotidiano, é importante ter noção sobre o papel da sociedade civil.

O primeiro aspecto a ser considerado são as esferas que compõem hoje o conceito de sociedade civil:

• estatal: envolve o Legislativo, o Executivo e o Judiciário;

• privada: constituída pela vida familiar, pela rede de amizades e dispositivos de propriedade pessoal;

• do mercado: constituída por organizações privadas e algumas públicas engajadas na produção de


lucro e riqueza por meio de bens e serviços;

• pública: inclui partidos políticos, grupos de interesse, associações de bem-estar social, movimentos
sociais e grupos religiosos.

Segundo Vieira, a mídia, foco deste nosso estudo, encontra-se, em geral, na esfera pública, em que
pese a possível justaposição com as esferas do mercado ou estatal. Devemos nos lembrar, como explica
o autor, que a mídia interpreta, influencia e mesmo constitui grandes segmentos do discurso público.
Como propriedade estatal, as organizações têm um pé na esfera estatal e outro na pública. As privadas,
por sua vez, encontram-se na justaposição entre esfera pública e a do mercado.

Autores como Vieira consideram de extrema importância o papel dos movimentos sociais, que podem
contribuir para a democratização dos sistemas políticos, pela mudança nas regras de procedimento e
nas formas de participação política, pela difusão de novas formas de organização e, sobretudo, pela
ampliação dos limites da política, politizando temas que até então eram considerados da esfera privada.
Como exemplo temos as questões de gênero envolvendo relações entre os sexos.

Na visão de Vieira, as mudanças na cultura política trazidas pelo incremento do associativismo indicam
a possibilidade de superação das formas tradicionais de clientelismo, populismo e corporativismo presentes
na história política da América Latina. Segundo ele, “esta nova cultura associativa certamente contribuirá
de forma significativa para a construção de uma estrutura institucional mais democrática, posto que
ancorada na sociedade civil e não nas elites que tradicionalmente controlam a sociedade política”.

Na visão desse autor, o renascimento da noção de sociedade civil, que teria ressurgido no cenário
teórico e político nos anos 1980, deve-se principalmente a três fatores:

a) o esgotamento das formas de organização política baseadas na tradição marxista, com a


consequente reavaliação da proposta marxista de fusão entre sociedade civil, Estado e mercado;

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Unidade II

b) o fortalecimento no ocidente da crítica ao Estado de bem-estar social, pelo reconhecimento de que


as forças estatais de implementação de políticas de bem-estar não são neutras; e o surgimento
dos chamados “novos movimentos sociais”, que centram sua estratégia não na demanda de ação
estatal, mas na proposição de que o Estado respeite a autonomia de determinados setores sociais;

c) os processos de democratização da América Latina e Leste europeu, em que os atores sociais e


políticos identificaram sua ação como parte da reação da sociedade civil ao Estado.

Vamos discutir o papel das ONGs no próximo texto. Agora, um exercício sobre o conceito de
sociedade civil:

Exercício:

Nas últimas décadas ocorreram mudanças importantes no conceito de sociedade civil. Podemos
afirmar que ela se refere a:

a) Movimentos sociais e instituições localizadas na esfera privada.

b) Movimentos sociais e instituições localizadas na esfera pública.

c) Movimentos sociais e instituições localizadas tanto na esfera privada quanto na pública, com o
objetivo de se contrapor às ações sistêmicas de mercado e do Estado.

d) Objetivo das organizações da sociedade civil é contrapor as ações do mercado.

e) Objetivo das organizações da sociedade civil é contrapor as ações do Estado.

Resposta: C

Comentário: um aspecto importante na discussão desse tema é que a sociedade está sendo
chamada, cada vez mais, a formular alternativas. A mesma crise que enfraquece o Estado nacional tende
a fortalecer as organizações da sociedade civil.

Parte 2 – O papel das ONGs

Vários autores, como o próprio Vieira, defendem que as entidades e os movimentos da sociedade
civil, de caráter não governamental, não mercantil, não corporativo e não partidário podem assumir um
papel estratégico quando se transformam em sujeitos políticos autônomos e levantam a bandeira da
ética, da cidadania, da democracia e da busca de um novo padrão de desenvolvimento que não produza
a exclusão social e a degradação ambiental.

Outro aspecto importante é o fato de muitas dessas entidades terem características transnacionais,
que desenvolvem objetivos comuns no plano internacional.

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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

Vale atentar para alguns dados importantes desse processo, citados por Vieira: segundo estimativas
do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a atuação das ONGs beneficia cerca de
250 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento, tornando-se, portanto, um importante ponto
de apoio para tais nações.

É fato também que cada vez mais tais instituições ajudam a formular políticas públicas e, em muitos
casos, ajudam a fiscalizar projetos, bem como denunciar arbitrariedades do governo, desde violação de
direitos humanos até omissão no cumprimento de compromissos públicos, nacionais ou internacionais.
Essa mesma prerrogativa é válida para o universo empresarial, alvo de denúncia das ONGs.

Com relação a essa atividade, o próprio Vieira observa que de um lado as ONGs aliam-se com o
Estado para exigir do mercado o equacionamento dos custos sociais e ambientais da produção exigido
pelo desenvolvimento sustentável; e, de outro, aliam ao mercado para exigir do Estado a realização de
reformas democráticas que aumentem sua eficácia administrativa.

Com relação a esse papel exercido pelas organizações da sociedade civil há exemplos elucidativos
sobre como podem se operar na prática os diferentes níveis de pressão.

No caso da indústria da publicidade, por exemplo, assistimos hoje no Brasil a um intenso debate
entre governo, mercado e sociedade civil no que diz respeito aos limites que devem ser impostos à
publicidade dirigida ao público infantil.

É interessante observar como o Estado acaba atuando mais como um mediador nesse processo,
tentando conciliar os interesses da indústria e das ONGs que têm se organizado para tentar coibir
algumas práticas.

Vemos, nesse caso, instituições não governamentais assumindo posições de frente na discussão. Em
um exemplo atual, podemos citar o papel do CONAR (Conselho de Autorregulamentação Publicitária),
que recebe reclamações de consumidores relacionadas ao conteúdo da publicidade. Em 2010, diversas
ações foram movidas no CONAR pelo Instituto Alana, responsável pelo Projeto Criança e Consumo,
contra campanhas publicitárias consideradas abusivas por conter apelo explícito ao público infantil.

Nesses casos, o que chama a atenção é o fato de vermos as ações se operando longe do poder do
Estado. A partir da demanda de uma entidade não governamental, as campanhas podem ser suspensas
– como ocorreram em vários casos –, atendendo à decisão de uma outra entidade, também não
governamental, dedicada à autorregulamentação de determinado setor.

Como veremos a seguir, esses embates que ocorrem no âmbito da sociedade civil são de fundamental
importância para entendermos o que está em jogo na intersecção entre comunicação e cidadania.

Exercício:

Sobre o papel exercido pelas ONGs, assinale a falsa:

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Unidade II

a) As ONGs têm ajudado a formular políticas públicas em muitos países.

b) As ONGs têm se aliado ao Estado para exigir do mercado o equacionamento dos custos sociais e
ambientais dos seus projetos.

c) As ONGs também têm se aliado ao mercado para exigir do Estado a realização de reformas
democráticas que aumentem sua eficácia administrativa.

d) Atualmente é comum a associação das ONGs em rede, o que aumenta a eficácia e o campo de
atuação.

e) Apesar da importância, as ONGs ainda não podem participar de organismos internacionais, como
a ONU, o que facilitaria os acordos mundiais sobre determinados temas, como o meio ambiente.

Resposta: E

Comentário: as ONGs tiveram participação ativa na ONU desde a sua fundação, em 1945. Na Rio-92
foi dado o primeiro passo para a intensa participação das ONGs no processo de discussão e decisão das
Nações Unidas.

MÓDULO 7

Texto 1 – O papel dos meios de comunicação na construção da cidadania

“Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço
e que direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses – recebem suas
respostas mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que nas
regras abstratas da democracia ou da participação coletiva em espaços públicos” (CANCLINI, 1995, p. 30).

Esse texto de Nestor García Canclini é importante para iniciarmos nossas considerações sobre a
intersecção entre comunicação e cidadania. Com muita propriedade, o autor constata que as modificações
ocorridas na maneira de consumo exerceram influência nas possibilidades e nas formas de exercício da
cidadania, modificando-as. Para o autor, isso se deveu à degradação das instituições e da política, de modo
que as formas de participação popular se enfraqueceram, originando outras. Ou seja, como os mecanismos
de participação política sempre foram bastante limitados, as pessoas, por meio do chamado poder de
compra, pretendem se inserir na sociedade, contribuindo para a diminuição de sua exclusão.

Eugênio Bucci, em “Sobre ética e imprensa”, também faz referência a esse aspecto, observando que na
sociedade contemporânea é como consumidor que o cidadão tem acesso, por exemplo, às informações
que lhe ajudarão a decidir seu voto:

“Numa certa perspectiva, é possível dizer que ele já não se engaja politicamente nas causas partidárias,
mas ‘consome’ propostas administrativas – ‘compra-as’ com seu voto – como quem escolhe o melhor
pacote turístico”.
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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

Acrescenta que, nesse sentido, o livre debate das ideias políticas, que para Robespierre só era possível
mediante a liberdade de imprensa, passa hoje mais pela publicidade e pelo marketing do que pela
comunicação mediada pelo jornalismo.

Igualmente fazendo referência à afirmação de Canclini, Bucci (2006) comenta que, além de mediar as
relações sociais, o consumo transforma direitos fundamentais, como educação e saúde, em mercadorias de
uma cidadania “privatizada”. Ele se refere, por exemplo, ao fato de escolas e hospitais públicos serem oferecidos,
na publicidade eleitoral, com o mesmo tipo de recurso usado em campanhas publicitárias comerciais.

O mais grave, como argumenta o especialista, é que mesmo os eventos mais fundamentais da
democracia, que vão desde a escolha de prefeito até o processo de impeachment de um presidente,
adquirem visibilidade à medida que se convertam em show de mídia.

Para o contexto do nosso estudo, essa situação deve ser considerada com atenção, uma vez que a
mídia é considerada a arena social, o espaço onde repercutem os debates das diversas esferas do poder
e da sociedade.

A partir do século XIX, diante da disseminação dos meios de comunicação, novas camadas da
população passam a buscar a ascensão social e têm a imprensa como referência para a repercussão
e a legitimação das ideias. Esse “debate mediado” será marcado, ainda, pela adequação do estilo de
consumo, ainda que no campo simbólico, como defende Habermas.

Vejamos a análise de Gilberto Rodão sobre o assunto (o autor discute essa questão no artigo “Estado,
sociedade civil e comunicação: uma reflexão sobre a possibilidade de democratização”, publicado no
livro “Comunicação e Cidadania”, organizado por Amarildo Carnicel e Márcia Fantinatti, citado em nossa
bibliografia):

“Essa transformação cria um mundo simbólico para tudo o que existe na sociedade: bens materiais
e não materiais. As propostas programáticas das mais diferentes organizações e agremiações partidárias
são legitimadas ou rejeitadas conforme a presença delas nessa nova esfera pública. A publicidade passa
a ter peso cada vez mais decisivo e as consciências são manipuladas e/ou moldadas de acordo com os
interesses mercadológicos e políticos dos meios, quase sempre legitimadores da moral liberal.”

Não vamos nos aprofundar no debate das diferentes teorias da comunicação, que nos dão conta de
como as realidades vão ser construídas na sociedade contemporânea. O que nos interessa, sobretudo,
é a ideia de que a noção de espaço público não pode mais se limitar à visão liberal de um mercado de
opiniões em que os diversos interesses organizados buscam influenciar os processos decisórios.

Como analisa Vieira (2001), citando o modelo de Habermmas, “a esfera pública atua como instância
mediadora entre os impulsos comunicativos gerados na sociedade civil (no mundo da vida) e as instâncias
que articulam, institucionalmente, as decisões políticas (parlamento, conselhos)”.

Assim, ao superar as divisões entre o Estado e a sociedade, os influxos comunicativos da sociedade


civil acabam influenciando as instâncias decisórias.
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Unidade II

Nesse sentido é que podemos afirmar que é a partir do debate político que as questões se tornam
públicas, possibilitando que os cidadãos exerçam a função crítica e o controle sobre o Estado.

Nesse contexto é que se defende que o acesso e o direito à informação tornam-se requisitos básicos
para a construção da cidadania, pois apenas com a socialização da informação é que se poderá fornecer
a cidadania de uma forma integral aos membros da sociedade civil.

Em contrapartida, a ausência dessas práticas é que leva a uma cidadania mais passiva que ativa e a uma
situação que garante a manutenção de uma minoria governante e a incapacidade do povo em se organizar.

A questão da representatividade em um sistema democrático parece fundamental quando se discute


a possibilidade da participação e do exercício da cidadania. É nesse sentido que se defende que o direito à
informação é uma liberdade democrática destinada a permitir uma autônoma e igualitária participação
dos indivíduos na esfera pública. Em outras palavras, só a socialização da informação poderia dar ao
cidadão a dimensão de um homem, formando a cidadania plena.

Vamos trabalhar esse aspecto no próximo texto. Agora, um exercício:

Exercício:

Eugênio Bucci, em “Ética na Imprensa”, comenta que a existência dos monopólios nos meios de
comunicação, as distorções deliberadas e os abusos de poder não são um problema ético exclusivo
dos jornalistas, mas de toda a sociedade. Essa crítica se sustenta na constatação de que muitas das
perguntas próprias dos cidadãos são respondidas mais pelo consumo privado de bens e dos meios de
comunicação de massa do que pelas regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em
espaços públicos (Nestor Garcia Canclini, em “Consumidores e Cidadãos – conflitos multiculturais da
globalização”).

Analise as afirmações sobre o assunto e responda:

I. A democracia deve assegurar um regime em que prevaleça, no mínimo, a pluralidade de veículos


informativos e a competição entre órgãos de imprensa.

II. No Brasil, no caso da televisão, felizmente a concessão dos canais de TV está subordinada a uma
carta de princípios que, se desobedecida, justifica uma pena de suspensão ou mesmo a cassação da
concessão.

III. Nos Estados Unidos, a Comissão Federal de Comunicações é responsável pela regulação do setor.
Por meio do estabelecimento de regras e também pela fiscalização, procura proteger a pluralidade e a
diversidade de empresas e de opiniões da comunicação social.

a) I e II estão corretas.

b) I, II e III estão corretas.


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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

c) I está incorreta.

d) I e III estão corretas.

e) II está correta.

Resposta: D

Comentário: a afirmativa em relação à TV está incorreta. As atividades relatadas caberiam ao Conselho


de Comunicação Social, instituído pela Constituição de 1988, mas que teve suas funções esvaziadas,
atuando como um conselho consultivo para o Senado.

O direito à informação

Cicilia M. Krohling Peruzzo é uma das principais referências no Brasil quando se discute questões
relativas ao acesso à informação e à comunicação como direito do cidadão.

Nessa análise, bastante importante para entendermos a intersecção entre comunicação e cidadania,
tomamos como base o artigo “Direto à comunicação comunitária, participação popular e cidadania”,
publicado no livro “Comunicação Pública”, primeiro volume da coleção “Comunicação, Cultura e
Cidadania”, que conta com o apoio institucional do CEPACCC – Centro de Estudos e Pesquisas Avançadas
em Comunicação, Cultura e Cidadania.

O primeiro aspecto considerado pela autora é o entendimento de que, em seu processo de


constituição, os movimentos populares descobriram a necessidade de apropriação pública de técnicas
e tecnologias de comunicação para poderem fortalecer e realizar os objetivos propostos. Assim, em um
primeiro momento, descobriram a utilização da comunicação como uma necessidade, ou seja, como
canais importantes para se comunicarem entre si e com seus públicos, sejam eles os usuários reais ou
potenciais dos serviços oferecidos à imprensa, aos órgãos públicos aliados e ao conjunto da sociedade.

Essa comunicação de cunho comunitário não chega a ser dominante, porém desempenha um
papel importante na democratização da informação e da cidadania, tanto no sentido da ampliação
do número de canais de informação e na inclusão de novos emissores, como no fato de constituir em
processo educativo, não só pelos conteúdos emitidos, mas pelo envolvimento direto das pessoas no
“fazer comunicacional” e nos próprios movimentos populares.

Esse tipo de comunicação tem passado por mudanças importantes e, como enfatiza Peruzzo, é
marcado também pela diversidade, uma vez que tem sido praticado por meio de múltiplas formas e
linguagens, até para atender às necessidades de um país com tantos contrastes, como é o caso do Brasil.

Um alerta importante, até em decorrência da vulgarização do termo comunitário, é que vão ser
classificadas desse modo apenas as iniciativas gestadas no contexto dos movimentos populares e
produzidas no âmbito das comunidades e de agrupamentos sociais com identidades e interesses comuns.
Sintetiza a autora:
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Unidade II

“Implica em participação ativa, horizontal e democrática dos cidadãos, na propriedade coletiva,


no sentido de pertença que desenvolve entre os membros, na corresponsabilidade pelos conteúdos
emitidos, na gestão partilhada, na capacidade de conseguir identificação com a cultura e os interesses
locais, no poder de contribuir para a democratização do conhecimento e da cultura.”

Imprescindível também atentar para a análise feita por Peruzzo com relação ao papel exercido por
esse tipo de comunicação. Se até a década de 1990 os meios de comunicação popular/comunitários
eram vistos como uma necessidade de expressão dos movimentos sociais, hoje essa história é diferente:
aos poucos vem sendo agregada a noção de que o acesso aos meios de comunicação deve ser entendido
como um direito de cidadania.

Tanto é verdade que essa premissa tem sido defendida por um movimento (CRIS – Communication
Rights in the Information Society), liderado por ONGs do campo da comunicação e dos direitos humanos,
de diversos países, que reivindicam não só o acesso às tecnologias de informação e comunicação, mas
o cumprimento de todos os direitos humanos nas suas dimensões civis, políticas, econômicas, sociais e
culturais.

Vale atentar para o que diz Peruzzo sobre o que se entende hoje por direito à comunicação:

“Tal concepção vem sendo renovada ao incluir a dimensão do direito à comunicação enquanto acesso
ao poder de comunicar. As liberdades de informação e expressão posta em questão na atualidade não dizem
respeito apenas ao acesso da pessoa à informação como receptor, nem apenas no direito de expressar-se por
‘quaisquer meios’ – o que soa vago –, mas de assegurar o direito de acesso do cidadão e de suas organizações
coletivas aos meios de comunicação social na condição de emissoras – produtores e distribuidores – de
conteúdos. Trata-se, pois, de democratizar o poder de comunicar” (PERUZZO, 2004, p. 57).

Segundo a autora, do ponto de vista jurídico, há ordenamentos que balizam a democracia


comunicacional, uma vez que a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, no artigo 19, assegura
que “todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não
ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras,
informações e ideias por quais meios de expressão”.

Essa mesma premissa é defendida na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 e, no caso
do Brasil, no artigo 5o, da nossa Constituição, que diz que é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, e independente de censura ou licença.

Apesar desse fato e de a ideia ser defendida com ênfase nos últimos anos, a própria Peruzzo reconhece
que essa é uma mobilização ainda incipiente, ou seja, não é considerada prioritária por governos e pela
sociedade civil.

A justificativa é que há uma demora para se perceber as transformações trazidas por uma sociedade
em mudança e que ainda tem como prioritárias outras discussões relativas à comunicação, como os
aspectos legais das telecomunicações, as questões relativas à censura e aos direitos constitucionais das
pessoas e dos grupos empresariais de mídia a expressar ideias, opiniões etc.
32
COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

A autora cita algumas das problemáticas advindas da presença da mídia na sociedade contemporânea,
que têm demandado novos ordenamentos jurídicos. É o caso da proibição da publicidade subliminar, da
problemática da violência na televisão, da difusão de informações que prejudicam as pessoas em sua
vida profissional e pessoal e até mesmo o fato de a nova ordem da comunicação – cada vez mais sujeita
à lógica do mercado – catalisar novos direitos do consumidor.

No dia a dia, o que se tem visto é que o direito à comunicação tem dado sinais de existência, por
exemplo, no movimento das rádios comunitárias. Muito antes da promulgação da Lei 9.612/98, que
regulamentou as atividades das rádios de baixa potência comunitária no Brasil, muitas têm operado
sem licença e, nesse caso, os argumentos que sustentam essa prática e amparam os processos judiciais
movidos pelas diferentes associações do setor valem-se da noção de direito à comunicação.

Para Peruzzo, o acesso à informação e aos canais de expressão é um direito de cidadania, configurando-
se, pelas suas características, em um direito de primeira geração – ligado à dimensão civil –, mas também
inserido nos direitos de terceira geração, relacionado, portanto, ao direito coletivo, de um grupo.

Ela exemplifica com o caso do movimento ecologista, que busca o acesso à mídia (o direito de
opinião e expressão) como movimento coletivo, além de explicitar uma luta pela vida em favor de todos,
que pode ser uma nação, uma região, uma espécie ou a humanidade.

Em outras palavras, o que tem ocorrido é que, por meio da conquista de direitos sociais e políticos,
os movimentos populares vêm agregando às suas históricas lutas a busca do acesso aos meios de
comunicação, como direito de exercer a liberdade de expressão tanto em nível individual como coletivo.

Refletindo sobre os princípios fundamentais da cidadania – liberdade e igualdade –, Peruzzo


questiona como isso se opera no campo da comunicação:

“No Brasil, com o fim da ditadura militar, se recuperou o exercício desse direito; a liberdade de
imprensa e a livre circulação de ideias. Todavia, cabe perguntar: quem de fato tem o direito de se
expressar através da mídia? Como o cidadão pode usufruir plenamente desse direito se não lhe é possível
tornar-se emissor de mensagens, mas somente receptor?”

Vale a pena a reflexão sobre esse aspecto levantado pela autora. É o que vamos discutir no último
módulo da nossa disciplina.

Agora, um exercício preparado sobre o tema. Não deixe de fazer na sequência os exercícios deste módulo.

Exercício:

Maria Cicília Peruzzo comenta que o acesso à informação e aos canais de expressão é um direito de
cidadania. Com relação a esse assunto, analise as questões e indique a falsa:

a) O acesso à informação e aos canais de expressão faz parte dos direitos individuais, portanto,
tratam-se dos direitos de primeira geração.
33
Unidade II

b) Esse direito também é considerado de terceira geração, na medida em que contempla a noção de
direito coletivo, de grupos humanos.

c) Esse tipo de comunicação tem passado por mudanças importantes, mas é marcado pela
homogeneidade.

d) Na prática, os movimentos populares vêm agregando às suas históricas lutas pela conquista de
direitos sociais e políticos a busca do acesso aos meios de comunicação como direito de exercer a
liberdade de expressão tanto individual como coletiva.

e) A comunicação de cunho comunitário não chega a ser dominante, porém desempenha um papel
importante na democratização da informação e da cidadania.

Resposta: C

Comentário: uma das principais características desse tipo de comunicação é a diversidade, uma vez
que tem sido praticada por meio de múltiplas formas e linguagens, até para atender às necessidades de
um país com tantos contrastes, como é o caso do Brasil.

MÓDULO 8

Módulo 8 – Democratização da comunicação

Neste último módulo, nossa proposta é discutir a democratização da comunicação no Brasil.

Entendemos até aqui a importância da prática da cidadania – e como ela tem se transformado nas
últimas décadas – e também o importante papel exercido pelos meios de comunicação, uma vez que é a
partir deles que ocorrem, na sociedade contemporânea, os debates sobre as questões de interesse público.

Especialistas no tema, como Cícilia Peruzzo, são bastante críticos sobre o processo de democratização
da comunicação no Brasil. Alegam que a principal dificuldade é o fato de os meios de comunicação de
massa estarem tomados por uns poucos proprietários da mídia que a colocam a serviço de seus próprios
interesses. A saída, portanto, para a democratização da comunicação, seria a apropriação dos meios
comunitários, como têm tentado fazer as organizações não governamentais.

Para Peruzzo, esse é o caminho para o exercício da cidadania em sua dimensão cultural, que por sua vez
se entrelaça nas lutas pela democratização das outras dimensões da cidadania, como a política e o social.

A preocupação aqui reside também no fato de uma parcela reduzida da população ter acesso, por
exemplo, à leitura de jornais, seja em função do poder aquisitivo e/ou da precária educação recebida.
Nesse sentido, a autora vê com otimismo a difusão da internet, que abre uma possibilidade sem igual
para o exercício da liberdade de comunicação – cerceado apenas pelo impedimento do acesso às
infraestruturas necessárias e à educação para o uso das novas tecnologias, campos que, vale o registro,
vêm sendo priorizados pelas ONGs.
34
COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

Não é o caso de detalharmos aqui o rico universo do jornalismo comunitário, mas fica a dica para
quem quiser aprofundar o assunto: “Comunicação nos movimentos populares”, publicado em 2004 por
Peruzzo, que detalha o histórico dessa atividade no Brasil, bem como as várias formas de exercício da
participação popular e sua relação com o poder.

Para o objeto do nosso estudo, vale enfatizar um aspecto que interessa bastante no contexto da discussão
proposta nesta disciplina: o fato de que contribui duplamente para a construção da cidadania, uma vez que
tem potencial educativo como processo e também em razão do conteúdo das mensagens trabalhadas.

Em termos de conteúdo, por exemplo, é fato que ajudam na compreensão das relações sociais, dos
mecanismos da estrutura do poder e dos assuntos públicos do país, além de esclarecer sobre os direitos
da pessoa humana e discutir os problemas locais.

As experiências espalhadas pelo país têm demonstrado que o cidadão que participa do exercício
de elaborar um jornal, por exemplo, passa a entender melhor os mecanismos de manipulação
da mídia e adquire uma visão mais crítica tanto pelas informações que recebe, quanto pelo que
aprende por meio da prática.

Como explica Peruzzo, estamos nos referindo a meios que são facilitadores da ação cidadã e que
têm um papel importante, mas a dinâmica social local é mais ampla e complexa. Desse modo, como
argumenta a especialista, todas as áreas da comunicação (relações públicas, publicidade, jornalismo,
editoração etc.) e demais campos do conhecimento têm espaço potencial para a ação concreta dentro
de suas especialidades. O que mais importa, nesse sentido, é a conjugação de princípios que favoreçam
a autogestão popular, o respeito ao interesse social amplo e a inserção das pessoas como protagonistas
da comunicação e da organização populares.

Uma das ideias que tem se apresentado nesse cenário é a formação de conselhos ou comitês locais
de comunicação, responsáveis por avançar no uso das tecnologias da comunicação para colocá-las a
serviço do desenvolvimento comunitário e da cidadania.

Lembrando que a valorização do local e do comunitário na sociedade globalizada evidencia a busca


pelo exercício da cidadania que está ao alcance de todo cidadão. Até porque, como frisa Peruzzo, “os
meios de comunicação são bens públicos constituídos pelo conhecimento acumulado pela humanidade.
Pertencem à sociedade e a ela devem estar subordinados. Tanto o controle oligárquico dos meios de
comunicação, como o impedimento ao acesso amplo das comunidades aos canais de comunicação
decorrem de contingências históricas que podem ser transformadas pela ação dos próprios cidadãos”.

O papel das ONGs

Paulo Meksenas, em “Cidadania, Poder e Comunicação”, também chama a atenção para o conflito
existente nesse cenário entre o poder institucional de comunicação (que tem como seu maior expoente
no Brasil a televisão e seus respectivos conteúdos ligados ao âmbito empresarial) e o poder popular da
comunicação, que se tece nas práticas dos movimentos sociais e das ONGs que centram suas ações e
suas propostas na democratização da comunicação e no controle público das mídias.
35
Unidade II

O autor, cujas ideias também serão trabalhadas ao longo deste texto, aborda com bastante
propriedade conceitos importantes para o estudo em questão, em especial o papel das ONGs voltadas à
construção de espaços de participação política e institucional de segmentos das classes trabalhadoras.

Ele concorda que, na década de 1990, as ONGs, com origem nos movimentos sociais, foram capazes
de contribuir para o aprimoramento da dimensão institucional da sociedade civil brasileira. A afirmação
é baseada em alguns importantes movimentos, como:

• as ações contra o trabalho infantil e o abuso da ação policial;

• o lançamento do Movimento pela Ética na Política e da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida;

• a atuação junto ao Movimento Nacional pela Democratização da Comunicação no Brasil;

• a contribuição para a reorganização e o dinamismo dos movimentos dos sem-terra e dos sem-teto;

• a defesa de projetos de desenvolvimento alternativo ao país.

Nos diversos governos municipais e estaduais, Meksenas destaca a organização na perspectiva da


cidadania de classe, permitindo a participação da população, por exemplo, em estratégias como as dos
orçamentos participativos.

Um exemplo importante de como o Estado pode ser mais questionado foi a criação das câmaras
setoriais para ajudar a gerir conflitos em diversos setores econômicos do país. São alternativas que
permitem que os eventuais conflitos sejam gerenciados segundo os interesses de classe.

Em uma crítica ao governo no período de 1985 a 2000, o autor diz que o Poder Executivo extinguiu
os canais de interlocução no período e buscou a desarticulação desses movimentos na sociedade civil.
Segundo ele, nesse período, o poder institucional da comunicação se consolidou com o objetivo de
se apresentar como articulador de espaço substituinte à sociedade civil. Isso teria ocorrido a partir
do momento em que os canais de informação incorporaram os debates, as pesquisas de opinião e
as denúncias da violação dos direitos como ingredientes dos produtos culturais oferecidos. Defende
Meksenas que “o esforço dessa mudança consistiu em remeter a formação da opinião pública à esfera
da intimidade, em substituição à participação política na esfera pública”. A seu ver, então, ao mesmo
tempo em que a mídia aparecia com uma coloração progressista, a organização de fóruns e debates
públicos foram diminuindo. Ao comentar as características do Movimento pela Democratização da
Comunicação no Brasil, o autor se lembra de que esse foi responsável por aglutinar ONGs, sindicatos,
entidades, partidos universidade, imprensa etc.

O Movimento pela Democratização da Comunicação no Brasil

As primeiras discussões nesse sentido datam de 1980, quando foi realizado na Universidade
Federal de Santa Catarina o IV Encontro Latino-Americano de Faculdades de Comunicação. Pouco
tempo depois, juntaram-se ao grupo demais entidades representativas da área de comunicação,
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COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

como Fenaj, OAB, sindicatos e universidades, que deram origem ao Movimento pela Democratização
da Comunicação no Brasil.

A primeira ação prática aconteceu ainda em meados de 1987, com apresentação de emendas
populares e ação para inclusão na Constituição de 1988.

As considerações do movimento, consolidadas na Carta Magna, foram incluídas na chamada “Carta


de Brasília”, que propôs a criação de um sistema público de comunicação social, exercido por fundações
e entidades, e a criação do Conselho Nacional de Comunicação Social, que seria composto por entidades
da sociedade civil, partidos e governos, com amplas prerrogativas de deliberação, por exemplo, sobre as
concessões de canais de rádio e TV.

Na época – e até hoje, quando o assunto volta à tona –, as críticas da imprensa em relação ao
Conselho tinham como base a associação com a censura e a estatização dos meios de comunicação.

Como reconhecem os autores que se dedicam ao tema, a inclusão de artigos específicos sobre a
comunicação social na constituição foi uma vitória importante para as organizações da sociedade civil,
mas a verdade é que muitas propostas não aconteceram na prática. Isso ocorreu porque a validade
efetiva dependia da instituição de leis ordinárias e complementares e, na falta de legislação específica,
houve pouca mudança.

De qualquer forma, considera-se importante o fato de haver hoje, na Constituição, a garantia de


que se trata de algo público e não privado, além da prerrogativa de que as decisões relacionadas às
concessões de canais não ficarão concentradas no Executivo.

As articulações também foram relevantes na criação da Lei de TV a Cabo, aprovada em 1995. Apesar
de muitos dos pontos não terem sido atendidos, conseguiu-se naquele momento a inclusão dos canais
obrigatórios, o que tem viabilizado boas experiências do país nessa área, principalmente em relação aos
canais comunitários (vide os pontos defendidos por Peruzzo).

Para o contexto da nossa discussão sobre cidadania, é histórico o papel do Fórum Nacional de
Democratização da Comunicação, considerado uma referência fundamental; embora, nos últimos anos,
a articulação não tenha demonstrado a mesma capacidade de mobilização de anos anteriores.

O órgão, formado em grande parte por entidades sindicais e representativas, depende da mobilização
desses setores para dar impulso às suas lutas. Inclusive tem enfrentado o mesmo problema de desmobilização
que afeta movimentos da mesma natureza. Além disso, com a ampliação da pauta, o FNDC passou a não
abarcar toda a diversidade do campo que se mobiliza pela democratização da comunicação.

Do ponto de vista da comunicação, mais do que uma crítica às atividades, o que temos que analisar,
como argumenta Roldão, é que, em virtude da falta de informação e compreensão do processo, a população
encara com certa naturalidade, por exemplo, a concentração da propriedade da mídia brasileira e seu
conteúdo meramente voltado para o mercantilismo; assim como o fato de a mídia eletrônica, que é um
bem público, dependente da concessão do Estado, ser conduzida como qualquer outra empresa privada.
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Unidade II

Antes de finalizar, no próximo módulo, vamos a um exercício:

Exercício:

Citamos a seguir fatores que justificam a ideia de que a cidadania só pode ser assegurada com a
democratização dos meios de comunicação. São todos corretos, exceto:

a) A necessidade de haver representatividade em um sistema democrático.

b) A mídia deve ser encarada como uma questão social, com importante papel no aperfeiçoamento
da democracia.

c) A necessidade de os meios de comunicação serem controlados pelo Estado.

d) É preciso ter conteúdos que contribuam para a formação de uma nova consciência responsável
por fortalecer a democracia.

e) A diversidade da mídia ajudaria a aprimorar a dimensão institucional da sociedade brasileira.

Resposta: C

Comentário: o debate sobre a democratização dos meios de comunicação não tem relação com a
propriedade dos veículos, muito menos com a defesa da estatização. O que se discutem são alternativas
que possibilitem a diversidade de discursos.

A mídia como questão social

Nesse cenário, os “ativistas” têm encarado como um dos desafios fazer da mídia uma questão social
e ampliar o discurso público sobre o papel da mídia na democracia.

Como vimos ao longo desta unidade, para os profissionais da área de comunicação, mais até do que
uma “tomada de posição”, é importante saber que já existem Conselhos Municipais de Comunicação,
um Conselho de Comunicação Social, ligado ao Congresso, em funcionamento desde 2002.

É preciso lembrar também que temos o apoio da Constituição em algumas demandas, uma vez que o
artigo 221, da Constituição Federal, estabelece que a produção e a programação das emissoras de rádio
e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I. Preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.

II. Promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua
divulgação.

III. Regionalização da produção cultural, artística e jornalística.


38
COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

IV. Respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Na prática diária, é fácil perceber que nem sempre há respeito a esses princípios. Vemos muitas vezes,
por exemplo, nas “guerras” travadas entre grandes redes de TV, interesses privados sendo defendidos
com armas públicas.

É saudável o exercício de crítica da mídia – não apenas para jornalistas, mas para toda a sociedade
–, pois é a partir daí que se consegue identificar lacunas no cotidiano informativo e, assim, instaurar um
ambiente promotor de mudanças.

Da parte da sociedade civil, o principal seria a crítica que visa ao aperfeiçoamento dos produtos informativos
e de entretenimento e que objetive também o aumento da qualidade geral dos conteúdos veiculados.

Entre os canais para o exercício dessa crítica de mídia, temos hoje uma série de sites no país, com
destaque para o Observatório da Imprensa, que busca inflamar o cidadão comum a lançar um olhar mais
crítico para a até então inquestionável mídia.

O Observatório se define como “entidade civil, não governamental, não corporativa e não partidária
que pretende acompanhar, junto com outras organizações da sociedade civil, o desempenho da mídia
brasileira”. Para isso, funciona como um fórum permanente que reúne o público usuário na discussão
sobre os veículos de comunicação, além dos profissionais e demais interessados na área. Nesse ambiente,
circulam artigos opinativos, comentários, análises, queixas, denúncias e debates.

Para finalizar, algumas questões para reflexão do profissional que atua no campo da comunicação social:

Diferentemente de um jornal impresso, que é privado e responde atualmente somente às leis dos
códigos Civil e Penal (já que não existe mais a Lei de Imprensa), as emissoras de televisão operam por
meio de concessões públicas e, como tais, estão obrigadas a cumprir determinações legais para o seu
funcionamento. Assim, não podem fazer o que bem entender com a sua programação, uma vez que só
possuem o direito de chegar aos lares de praticamente todos os brasileiros porque o Estado brasileiro,
em nome do povo, tornou-as concessionárias públicas de radiodifusão.

Por outro lado, o governo não deve decidir sobre o que a televisão exibirá, nem tampouco o que os
demais meios reproduzirão em seus suportes técnicos. A ideia é propiciar condições para que haja um
controle público de imagens, conceitos e abordagens veiculadas pela mídia, e não uma censura de Estado.

O controle público deve ser exercido por cidadãos e entidades representativos do mosaico social, em
proporcionalidades aceitas e em igual situação de análise e avaliação.

Na prática, como observam os especialistas, a sociedade dispõe de uma série de instrumentos não
estatais para tornar os meios de comunicação responsáveis perante o público. Uma das propostas:
cobrar a responsabilidade social da mídia como instrumento de responsabilização das empresas e dos
profissionais envolvidos e pode servir ainda para ampliar a participação ativa do público no processo
comunicacional.
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Unidade II

Outro aspecto importante que vai ao encontro às ideias defendidas por Peruzzo: os leitores deixam
a posição passiva de meros receptores de dados já formatados e convertem-se em instâncias menos
vulneráveis e inertes do sistema.

Lembrando que nesse caso estamos trabalhando com um conceito de cidadania que prevê que o
indivíduo vai exigir o seu direito à participação na riqueza da sociedade. Nesse sentido, considera-se
pressuposto básico o acesso à informação e, acima de tudo, o entendimento dessa ação transformadora,
que vai significar, em última instância, o exercício do papel ético-político.

Para finalizar, fiquemos com a visão otimista do resultado desse processo, defendida no já citado
artigo de Roldão:

“Para que a sociedade evolua a esse conceito de cidadania, uma das tarefas urgentes é a
democratização dos veículos de comunicação, pois, somente através da pluralidade da propriedade
dos meios será possível oferecer formas alternativas com programas de qualidade e novos produtos de
caráter educativo poderão ser inseridos na grade de programação. Esses novos conteúdos vão contribuir
para a formação de uma nova consciência a qual fortalecerá a democracia e, aos poucos, transformará
o Estado, a fim de atender às necessidades da população” (ROLDÃO, 2008, p. 160).

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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