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TEMA 01

TEMA 01: A CIDADANIA E OS DIREITOS


HUMANOS

Prezado e prezada estudante, como vai?

Espero que bem... Nessa primeira semana de aula


vamos estudar sobre o conceito de cidadania e direitos
humanos! O que você sabe sobre isso? Quantas vezes
você já escutou essa palavra: CIDADANIA e DIREITOS
HUMANOS no seu dia-a-dia? É um tema que te apetece?
Este primeiro módulo foi desenhado para contribuir com
a sua formação básica em direitos humanos e cidadania.
Desejo que este material possa ser útil na sua vida.
Vamos lá!

Os estudos sobre cidadania e direitos humanos são os pilares


da ciência política, do direito e do Estado moderno. As análises
sobre estes temas são extremamente extensas e, muitas vezes,
contraditórias, ao ponto de terem sido reavaliadas nos seus
pressupostos, em contextos históricos diferentes, adquirindo
uma riqueza de significações e um amplo leque de possibilidades
interpretativas, contudo, existem duas tradições interpretativas:
dos republicanismos e dos liberalistas.
A primeira remonta ao filósofo Aristóteles e à república
romana. Nesta, o indivíduo é pertencente a uma comunidade
política, com virtudes cívicas no sentido de qualidades que
devem ser cultivadas pelos cidadãos para se manter estável na sua
comunidade política. Enquanto que no liberalismo, oriundo das
ideias iluministas e da Revolução Francesa (1789), é defendida a

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ideia de liberdade e autonomia. A cidadania liberal é respaldada
pela manutenção de direitos, que devem ser anteriores à esfera
política.
Mas então, o que seria Cidadania? Para a autora Benevides
(1994), seria o vínculo entre o indivíduo e o Estado,
compreendendo este como a representação do povo que concilia
todas as demandas e interesses para manter a ordem, as normas
e as leis.
As pesquisas nas Ciências Políticas e nas Ciências Humanas
sobre cidadania têm gerado várias dissertações e teses, e só
crescem desde a última década do século XX. Relacionados a
este tema, podemos destacar três linhas ideológicas:

1. Teoria Marshalliana
2. Teoria Durkheimiana
3. Teoria Marxista

A primeira é a leitura da teoria clássica do sociólogo


inglês Thomas Marshall, com sua épica obra Cidadania, classe
social e status, publicada em 1950. Nela, o autor desenvolve
um estudo sociológico sobre a cidadania, a partir dos direitos
e das obrigações inerentes à condição de cidadão. Ele afirma
que seu “objetivo principal é a cidadania, e meu interesse
especial consiste em seu impacto sobre a desigualdade social”
(MARSHALL, 1967, p.75).

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Figura 01: Thomas Humphrey Marshall

Fonte: Disponível em: encurtador. com.br/jlz34:

A partir da sua análise foi estudada a questão dos direitos


civis, conquistados no século XIX, direitos políticos, alcançados
também no século XIX e os direitos sociais, conquistados
no século XX. No decorrer desse tempo, a sua teoria foi
enriquecida com outros objetos de pesquisa como: a ampliação
da cidadania, estudos das classes trabalhadoras, à questão da
educação, o direito ao voto e o reconhecimento dos movimentos
minoritários como uma força dinâmica e necessária para o
desenvolvimento dos direitos de cidadania.

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As obras do sociólogo britânico Marshall constituem
referências quando se pensa na evolução do Direito
como ciência, seu grande papel está nas reflexões
jurídicas sobre a questão da cidadania e na formalização
de novos direitos através do reconhecimento legal feito
pelo Estado.

Figura 02: Émile Durkheim

A segunda abordagem é
do percursor da sociologia
Émile Durkheim e do
cientista político Alexis
de Tocqueville, que fazem
uma discussão a respeito da
cultura cívica. A cidadania
para eles não se restringe
àquela sancionada por
lei, eles têm na virtude
cívica seu aspecto capital,
desembocando na esfera
pública, onde grupos
voluntários privados e sem
fins lucrativos passam a
formar a sociedade civil.
Durkheim é considerado
um pesquisador mais
conservador e buscava
uma moral doméstica e Fonte: Disponível em: https://www.thou
cívica, ele acreditava que as ghtco.com/study-of-suicide-by-emile-
durkheim-3026758

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quatro principais instituições: família, escola, religião e Estado
são responsáveis por manter a sociedade e seus cidadãos em
harmonia, "evidentemente, os fins domésticos são e devem ser
subordinados aos fins nacionais, simplesmente porque a pátria
é um grupo social de uma ordem mais elevada" (DURKHEIM,
2012, p. 63). Ou seja, coloca a pátria como hierarquicamente
superior a todas as instituições e o "laço de cidadania" como
uma potência reguladora do Estado, que é garantia da coesão
social.
Este laço representa a proteção dos indivíduos pelos direitos
políticos, econômicos, religiosos, civis e sociais, bem como
o reconhecimento de sua respectiva qualidade de indivíduo
soberano. Para Tocqueville, o projeto de cidadania era baseado
nos conceitos de liberdade e de igualdade.

Figura 03: Alexis de Tocqueville

Fonte: Disponível em: https://fee.org/articles/alexis-de-tocqueville-how-people-gain-


liberty-and-lose-it/

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Ele discutia o papel político-pedagógico da democracia,
no sentido de que a cidadania não está centrada apenas na
instrução, mas em fazer cidadãos. Para isso, era necessária uma
educação dos costumes:

sendo os costumes fruto do fazer conjunto dos


homens, a instrução precisa acompanhar-se da
ação política. A discussão conjunta dos problemas
comuns, a divisão das responsabilidades, a
organização da colaboração, o reconhecimento
recíproco de cada um, em uma palavra, a
participação nas tarefas públicas da comunidade
faz com que o cidadão perceba-se como parte de
uma coletividade, adquirindo uma motivação
mais nobre do que a mera busca do seu bem-estar
privado e desenvolvendo o gosto pela liberdade
(REIS, 2006, p. 04).

A proposta não é ensinar o que é ser livre, mas educar o


indivíduo para a liberdade através de um processo formativo,
vinculado, diretamente, ao desenvolvimento das normas, das
leis, da razão e da virtude. Assim, para Tocqueville,

se os cidadãos, tornando-se iguais,


permanecessem ignorantes e grosseiros, é
difícil prever até que estúpido excesso seu
egoísmo poderá levar e não se poderia dizer
de antemão em que vergonhosas misérias
eles mesmos mergulhariam, com medo de
sacrificar algo de seu bem-estar à prosperidade
de seus semelhantes (TOCQUEVILLE, 2004, p.
150).

A última teoria é a marxista/gramsciana, oriundas de


Karl Marx e de Antonio Gramsci, focada na revolução e
na reconstrução social. Gramsci acredita numa mudança

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paradigmática, com uma visão tripartite: Estado – Mercado –
Sociedade Civil. Para ele, pertencer a um Estado-Nação significa
o estabelecimento de uma personalidade em um território.
A cidadania historicamente é concebida a restritos grupos de
elite, somente no pós-revolução, Industrial e Francesa, é que se
estende a uma parcela maior dos residentes de um país.

Figura 04: Antonio Gramsci

Fonte: Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2017/03/tresso-gramsci-morte/

A cidadania era considerada um status e, com o processo


de mudanças sociais e políticas, é entendida como um conjunto
de práticas econômicas, culturais, políticas e jurídicas que vão
definir o indivíduo como membro qualificado de uma sociedade.
A cidadania seria uma interlocução entre o cidadão e o
Estado, resguardando direitos e obrigações de um e de outro.
Obviamente que este autor faz uma reflexão mais profunda das
obras de Marx. É este que incluiu no debate a questão das classes
sociais e a estrutura desigual do capitalismo, não desprezando
a própria dialética do trabalho (riqueza e miséria), pois “o
trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto
mais mercadorias cria” (MARX, 2004, p. 80).

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Figura 05: Karl Marx

Fonte: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/ wiki/KarlMarx

Segundo Marx, para que se estabeleça a cidadania é


necessário que seja à luz da luta de classes sociais, nessa linha
de raciocínio o autor propõe a ruptura das desigualdades sociais
através da emancipação humana.
Não podemos esquecer que independente do autor a
cidadania é implementada pelo Estado, enquanto que a
sociedade civil cria grupos e pressiona para que seus interesses
sejam garantidos.

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Querido (a) leitor (a), a cidadania deve ser vista como
uma prática e não como um status de pertencimento, contudo
como será possível atingir o bem comum, um estado de bem-
estar social? Que projeto de comunidade de cidadãos pode ser
oferecido a uma sociedade com tantas diversidades? O modelo
pós-moderno de cidadania é neo-liberal, onde os direitos
individuais são evidenciados e a liberdade é a essência. Todavia,
Marshall vislumbrava a cidadania como elemento de mudança
social, apontando três gerações de direitos:

1. Direitos Civis para o exercício das liberdades.


2. Direitos Políticos que garantem a participação, tanto
passiva quanto ativa, no processo político.
3. Direitos Sociais que correspondem à aquisição de um
padrão mínimo de bem-estar e segurança sociais.

Para Marshall (1985) estamos numa sociedade de extensos


antagonismos, pois os direitos civis que garantem a proteção
do cidadão contra o Estado contradizem os direitos sociais que
garantem o direito a uma renda real, por meio de benefícios
assegurados pelo Estado, e, por conta disso, conclui que a
cidadania social e o capitalismo estão numa guerra declarada.
A ideia de um Estado-Nação garantidor dos direitos ainda
é um assunto inacabado. A expressão “nação” é oriunda da
revolução francesa do fim do século XVII, neste processo a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão trouxe consigo
as bandeiras dos direitos civis da cidadania e da soberania
democrática. Devemos conciliar a ideia de direitos humanos
com a ideia de nacionalidade. Mas de que forma isso deve ser
feito? Como respeitar as idiossincrasias locais e garantir o seu
direito como pessoa? Uma proposta é entender que os direitos
humanos são condições mínimas de existência, que devem
ser asseguradas a todas as pessoas, independentemente da
nacionalidade. Segundo Beitz (2009) estes direitos são divididos
em:

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1. Direitos na sociedade civil: direitos iguais entre homens
e mulheres para casamento e divórcio, proteção da
privacidade familiar, da correspondência, do lar, direito
de emigrar, liberdade de movimento dentro do território
do Estado, direito de consentir com o casamento.
2. Direitos econômicos, civis, sociais e culturais: vestuário,
alimentação, tratamentos médicos adequados, educação
gratuita, habitação obrigatória, remuneração justa,
liberdade de escolha de trabalho, igualdade de salários
entre homens e mulheres, quantidade razoável de horas,
direito de sindicalização, assistência social.
3. Direitos políticos: liberdade de consciência, de
pensamento e de credo religioso, de associação, de votar e
ser votado, de sufrágio universal e de eleições periódicas
e genuínas.
4. Direitos de liberdade e segurança pessoal: direito à
liberdade, à vida, à segurança; proibição da escravidão,
do tratamento cruel ou degradante, da tortura e da
prisão arbitrária; direito ao reconhecimento da pessoa
como detentora de direitos, à igualdade perante a lei e à
presunção de inocência.

Estamos imersos em inúmeros conflitos mundiais, do que


é ser mulçumano, judeu, católico, negro, cigano, brasileiro,
latino e americano. Essa realidade, mormente no pós-conflito,
gera situações desafiantes para os nacionalismos na tentativa de
encontrar uma constante extensão dos direitos da cidadania.
Muitos almejam uma cidadania multicultural, com um
projeto focado na diversidade étnica entre grupos que convivem
em uma mesma sociedade, nessa visão multiculturalista
sustenta-se a cidadania como identidade.

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No seio do processo de globalização tentam construir uma
cidadania à pessoa universal, tendo em vista três metas:

1. Analisar os sistemas econômicos e políticos de diversos


países, em uma perspectiva comparativa, para auxiliar o
desenvolvimento dos direitos de participação.
2. Explicar os aspectos da sociedade civil e da organização
social.
3. Compreender o nexo de solidariedade que mantém o
conjunto social.

Para uma maior reflexão a respeito do assunto estudado


neste capítulo assista ao filme Equilibrium, de Kurt Wimmer
(2003), e reflita sobre o delicado assunto que está mobilizando
o Mundo Ocidental.

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REFERÊNCIAS
BEITZ, C. R, The idea of human rights. New York: Oxford University Press,
2009.

BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova,


São Paulo, n° 33, p. 5-16, Ago. 1994.

DURKHEIM, É. De la division du travail social. Paris: PUF, 1893. Quadrige,


2007.

DURKHEIM, É. Le suicide. Étude de sociologie. Paris: PUF, 1897. Quadrige,


2007.

DURKHEIM, É. Leçons de Sociologie: Physique des mœurs et du droit. Paris:


PUF, 1950, Quadrige, 2015.

DURKHEIM, É. L'Éducation Morale. Paris: PUF , 1925. Quadrige, 2012.

DURKHEIM, É. Les formes élémentaires de la vie religieuse. Paris: PUF, 1912.


Quadrige, 2008.

JANOSKI, T. Citizenship and civil society: A framework of rights & obligations


in liberal, traditional and social democratic regimes. Cambridge: Cambridge
University Press, 1998.

JANOSKI, T., & Gran, B. Political citizenship: Foundations of rights. London:


SAGE. 2002.

MARSHALL, Alfred. Princípios de economia. Vol. 1. São Paulo: Nova Cultural,


1985.

MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Trad. Meton Porto Gadelha.


Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

REIS, Helena E. Desenvolvendo o Gosto pela Cidadania: Análise do Processo


Político Pedagógico em Alexis de Tocqueville. 2006 (palestra).

TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia na América. Vol. I e II. São Paulo:


Martins Fontes, 2004.

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