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FAMÍLIA E PROTEÇÃO SOCIAL

PROFª ME. LAURA HÊMILLY CAMPOS MARTINS

FAMÍLIA E PROTEÇÃO SOCIAL


PROFª ME. LAURA HÊMILLY CAMPOS
MARTINS

FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 1


Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior


A Faculdade Católica Paulista tem por missão exercer uma
ação integrada de suas atividades educacionais, visando à
geração, sistematização e disseminação do conhecimento,
para formar profissionais empreendedores que promovam
a transformação e o desenvolvimento social, econômico e
cultural da comunidade em que está inserida.

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salvo quando indicada a referência, sendo de inteira responsabilidade da autoria a
emissão de conceitos.
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SUMÁRIO
AULA 01 SOBRE OS CONCEITOS DE FAMÍLIA 05

AULA 02 FAMÍLIA E TEORIA SOCIAL 11

AULA 03 A FAMÍLIA NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 16

AULA 04 O PÚBLICO E O PRIVADO 21

AULA 05 FEMINISMOS E PARENTALIDADE 27

AULA 06 A FAMÍLIA NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO 33

AULA 07 A FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: 39


PARTE I

AULA 08 A FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: 45


PARTE II

AULA 09 FAMÍLIA E LEGISLAÇÃO: O CÓDIGO CIVIL E O 51


ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

AULA 10 FAMÍLIA E LEGISLAÇÃO: A GUARDA 58


COMPARTILHADA

AULA 11 FAMÍLIA E LEGISLAÇÃO: A LEI MARIA DA PENHA 64

AULA 12 FAMÍLIA E LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DO IDOSO 70

AULA 13 FAMÍLIA E PROTEÇÃO SOCIAL: A ASSISTÊNCIA 76


SOCIAL NO BRASIL

AULA 14 FAMÍLIA E PROTEÇÃO SOCIAL: PAIF E PAEFI 82

AULA 15 FAMÍLIA E PROTEÇÃO SOCIAL: MATRICIALIDADE 88


SOCIOFAMILIAR

AULA 16 FAMÍLIA E GÊNERO: QUESTÕES PARA O SERVIÇO 94


SOCIAL
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INTRODUÇÃO

A família é a instituição mais antiga de convivência do ser humano. É nela que


ocorrem as primeiras experiências de socialização dos indivíduos.
A discussão sobre família como porta de entrada para a compreensão de uma
sociedade começa com a indagação sobre o significado do termo família e sobre o
estatuto teórico que a ele atribuímos. A propósito, o que pretendemos circunscrever
ao definirmos família? Qual o estatuto teórico do termo família?
A disciplina de Família e Proteção Social tem por desígnio trazer à tona um panorama
de discussões que atravessam os fundamentos teórico–metodológicos da dinâmica
familiar em sua trajetória histórica e no contexto sociopolítico do país, lançando luz
sobre autores e debates fundamentais para a constituição desse campo e situando
as principais reflexões que têm estabelecido diálogos e intersecções entre família e
proteção social. Além disso, percorremos a legislação específica da área e o trabalho
do Serviço Social junto à família, na relação com a rede de apoio e proteção social.
O presente livro está divido da seguinte forma: é composto pela introdução, na
qual se delimita as intenções da disciplina, acrescido de dezesseis aulas, conclusão,
elementos complementares e referências.
Esperamos que essa disciplina suscite questões promissoras, estimulando mais
explorações e reflexões, e que, ao direcionar o olhar para preocupações práticas e
teóricas que acompanham a temática da família, ela possa afiar pontos salutares para
o aprimoramento intelectual de futuros e futuras assistentes sociais.

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AULA 1
SOBRE OS CONCEITOS
DE FAMÍLIA
Nunca se pensou e repensou tanto sobre família como nos últimos tempos. Estudiosos
conjugam esforços para aprofundar conhecimentos, atualizar teorias e trazer à tona
produções intelectuais históricas e atuais, mobilizando debates desafiadores e diversos
de contribuições e pontos de vista, muitas vezes contrastantes, em torno do assunto.
Nesta seção inicial, resgatamos algumas noções introdutórias imprescindíveis para o
estudo da categoria família.

1.1 Considerações introdutórias

A terminologia família provém da Roma Antiga para designar o conjunto dos escravos
que pertenciam a um mesmo homem, originado de fomulus, que nominava o escravo
doméstico. Na Idade Média, a família tinha por desígnio a conservação das propriedades,
a prática comum de um ofício, a ajuda mútua, a preservação da honra e das vidas. Ela não
refletia o papel afetivo (ÁRIES, 2006).

Família na Roma Antiga


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Roma_Antiga

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A família: santuário ou instituição sitiada? É com esse questionamento que Lasch (1991)
aborda o problema da erosão da família na sociedade contemporânea. O autor pondera
que à medida que os negócios, a política e a diplomacia se tornam mais selvagens e
beliciosos, as pessoas buscam refúgio na vida privada e, sobremaneira, na família.
Contudo, a vida doméstica parece cada vez mais incapaz de proporcionar este conforto.
Será então que a família ainda oferece um refúgio num mundo sem coração?
Com quais facetas a família se apresenta? A partir dessa indagação, oportuno se toma
resgatar Hooks (2019) para quem a família é uma importante estrutura de pertencimento:
uma base comum para pessoas ligadas por vínculos de consanguinidade, hereditariedade
e laços emotivos; um ambiente de cuidado e afirmação, especialmente para aqueles
muitos jovens e muitos velhos, para aqueles que não podem cuidar de si; um espaço
para partilha comum de recursos. Mas Hooks (2019) expressa ressalvas e adverte que
a sociedade atual, ocidental, a opressão sexista perverte e distorce a função positiva da
família. Sendo assim, a família existe como um espaço em que somos educados desde o
berço para aceitar e apoiar formas de opressão.
Retomando o questionamento será que a família ainda oferece um refúgio num
mundo sem coração? Convém salientar a partir de Hooks (2019), mesmo quando somos
amados e cuidados por nossa família, ela simultaneamente nos ensina que esse amor
não é tão importante quanto poder dominar outras pessoas. A luta pelo poder, as regras
autoritárias coercitivas, o gesto bruto de dominação moldam a tal ponto a vida familiar
que não raro ela se torna palco de dor e sofrimento.
Indubitável é que a família é um espaço complexo e multifacetado que expressa a
dinâmica da vida social e carrega consigo um universo de perguntas inacabadas. Dito
isto, algumas indagações surgem, tais como: o que é família? Um grupo de pessoas
ligadas por vínculos de aliança, consanguinidade, parentesco, afinidade? Lugar de afeto e
solidariedade? Mediação na relação entre indivíduo e sociedade?

1.2 Aproximações conceituais

As noções conceituais e constituições familiares se desenvolveram social e


culturalmente no leito da história, portanto, seus significados e status teórico sofrem
variedades de acepções. Das famílias primitivas às chamadas “famílias contemporâneas”
visualizam-se mutações e reconfigurações nas práticas, trajetórias e dinâmicas, em
grande parte dos países.
Conforme Bruschini (2000) é fundamental para o estudo sobre família:

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Dissolver sua aparência de naturalidade, percebendo-a como criação


humana mutável e observando que as relações muitas vezes
coincidentes que conhecemos atualmente entre grupo conjugal, rede
de parentesco, unidade doméstica/residencial podem se apresentar
como instituições bastante diferenciadas em outras sociedades ou
em diferentes momentos históricos (BRUSCHINI, 2000, p. 50).

Osterne (2001) traz reflexões sobre a família em sua multiplicidade de formas e


sentidos. Para a estudiosa, a definição dominante de família congrega um complexo
de palavras afins: pai, mãe, filhos, casa, unidade doméstica, casamento, parentesco.
Além do mais, no imaginário da maioria das pessoas, a família corresponde a um
conjunto de indivíduos aparentados que se ligam entre si por aliança, casamento,
filiação, adoção ocasional ou afinidade. O aporte teórico da autora esclarece que a
família desempenha um papel central na preservação da ordem social, na reprodução
biológica e na repetição da estrutura e relações sociais. Ela assume peculiaridades
quando relacionada à sua condição de classe. Seguindo a orientação conceitual da
autora, reconhece-se a família como unidade de referência, algum lugar que seja o
lar, a casa, o domicílio, o ponto focal onde se possa desfrutar do sentido de pertencer,
onde se possa experimentar a sensação de segurança afetiva e emocional, onde se
possa ser alguém para o outro, apesar das condições adversas, mesmo independente
das relações de parentesco e consanguinidade.
Na família perpassa a noção da existência e importância dos vínculos afetivos e
o entendimento dos significados valorativos intrínsecos na sociedade e na cultura
(SIERRA, 2011). Logo, é da convivência com os adultos é que as crianças aprendem
a reproduzir os padrões culturais vigentes e, da família, ela recebe uma referência que
acompanhará o seu desenvolvimento pessoal.

Deixando esquecidas a origem de seus valores, suas crenças e


normas, o que em geral predomina é a ideia de relações familiares
baseadas na hierarquia, na subordinação, no poder e na obediência.
Aceita se a prevalência da autoridade masculina, admitem-se as
relações desiguais, acredita-se na crença de que o mundo externo
pertence ao masculino e a casa ao feminino. Fora deste referencial,
as famílias são consideradas “incompletas” (OSTERNE, 2001, p. 54).

As formas de organizar a família e a sociedade acabam tornando-se normas


internalizadas pelas pessoas por gerações e gerações e consideradas, como naturais
e inatas, acabando por fazer parte do imaginário social. Isso incide na definição, por
exemplo, do que é ser mãe, filho, pai, criança, homem, mulher, garantindo o desempenho
previsto de cada papel de forma naturalizada. Como lembra Lyra et al:

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A família pode ser considerada como uma síntese desse universo


simbólico e das instituições nas quais se constroem as subjetividades,
onde se reproduz a ordem sociocultural em que estão inseridos e são
atualizadas as relações de gênero em todas as suas dimensões, no
trabalho, no exercício da sexualidade e nas relações de cuidado (LYRA
et al, 2003, p. 81).

Lasch (1991) sugere ser a família o principal agente de socialização, reproduzindo


padrões culturais no indivíduo. Não apenas confere normas éticas, proporcionando à
criança sua primeira instrução sobre as regras sociais predominantes, mas também
molda profundamente seu caráter. Inculca modos de pensar e de atuar que se
transformam em hábitos.
Sarti (2003) elege como ponto de partida a ideia de que a família se delimita
simbolicamente, baseada num discurso sobre si própria, internalizado pelos sujeitos
que, embora tal discurso seja culturalmente instituído, comporta uma singularidade.
Nesse sentido:
Cada família constrói sua própria história, ou seu próprio mito,
entendido como uma formulação discursiva em que se expressam
o significado e a explicação da realidade vivida, com base nos
elementos objetiva e subjetivamente acessíveis aos indivíduos na
cultura em que vivem (SARTI, 2003, p. 26-27).

A autora suscita ainda uma relevante observação: pensar família como uma
realidade que se constitui pela narrativa sobre si própria, é uma forma de buscar uma
definição que não se antecipe à sua própria realidade, mas que nos conduza a pensar
como ela se constrói, constrói sua noção de si, considerando claramente que isto se
faz em cultura e, portanto, conforme os parâmetros coletivos do tempo e espaço que
ordenam as relações de parentesco.

ANOTE ISSO

Com base em Bruschini (2000) apontamos três funções consideradas próprias ao


grupo familiar: função econômica, função socializadora e função de reprodução
ideológica. Cabe agora trazer um breve recorte sobre cada uma delas. A função
econômica, que se estabelece no campo do trabalho e, nesse sentido, a família
é também uma soma de orçamentos; função socializadora de “formação da
personalidade do indivíduo e a socialização primária das crianças” e reprodução
ideológica, que se traduz como esfera de transmissão de conhecimento, hábitos,
costumes, valores (BRUSCHINI, 2000, p. 66).

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A família tem sido abordada sob distintos ângulos que desencadeiam muitas
discussões em torno de seu arcabouço teórico. Enquanto realidade diversa e
contraditória, a família apresenta variados recortes para análise e intervenções a partir
de distintos enfoques, muitas vezes, conflitantes entre si. Desta forma, não havendo
um conceito único para família e, levando em conta os variados aspectos da sociedade
(cultura, economia, educação, política), podem ser observadas múltiplas composições
familiares. Essas composições familiares serão alvo de aprofundamento em aulas
posteriores. Mas já adianto o assunto citando dois exemplos de diversificação do
modelo de família:
Família monoparental: é aquela constituída por um dos pais e seus filhos, ou seja,
formada por apenas a mãe ou o pai e seus descendentes e terá somente a presença
de um genitor que será responsável pelo sustento, educação e criação dos filhos.
Família anaparental: a família anaparental decorre do prefixo “ana”, de origem
grega, indicativo de “falta”, “privação”, quer dizer, se caracteriza pela família sem a
presença dos pais. Ela se constitui basicamente pela convivência entre parentes ou
pessoas, em um mesmo lar.
Ao abrir um trabalho sobre família, espera o leitor ou a leitora encontrar, pelo menos,
uma resposta à indagação: afinal o que é uma família? Ora, a diversidade de arranjos
familiares aliados às coordenadas de gênero e as novas formas de conjugalidades
torna cada vez mais difícil delimitar as fronteiras que cercam a categoria família.
Assim sendo, uma das especificidades das famílias é a fluidez desta definição.

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

Na véspera da audiência em que poderia perder o filho, contar carneiros em nada


ajudou. E naquela manhã, os ponteiros do relógio pendurado sobre a porta do
banheiro da suíte, sem importar se ela dormia ou não, eram categóricos: hora de se
levantar.
Banho.
Roupa.
Café.
Todo dia a rotina era igual. Exceto naquele. Passar a manhã no Fórum, além de não
fazer parte de atividades costumeiras de Carmem, era algo que desagradava.
A “Carta de Notificação”, além de trazer a má notícia da iminência da perda da
guarda de seu filho, inscreveu Carmen para uma infindável luta contra a insônia.

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[...]
Sem coragem para entrar, ela sentiu escorrer no rosto a primeira lágrima. As mãos
começaram a tremer. A boca secou. As pernas bambearam. Precisava sentar-se.
Queria entrar. Não entrou. Sentou-se ali mesmo. Encostou-se no marco da porta,
dobrou os joelhos, abraçou-os. A qualquer momento o ônibus de Pedro chegaria.
Carmem jamais pensou em ter que arrumar as malas do filho. A melhor mãe do
mundo faz malas apenas para passeios.
Por quê?
Ela chorava a culpa que nem mesmo sabia se existia. Acusava-se de ter escolhido
mal, ao mesmo tempo em que tinha certeza: o sacrifício da mãe não é infinito. Há
limite.
Em seu romance A história de Carmem Rodrigues, Ana Luiza Libânio convida a
pensar novos tipos de representações das conjugalidades não hegemônicas. Com
uma descrição fluida e poética do cotidiano, a autora narra a história de Carmem
Rodrigues, uma mulher que, após se apaixonar por Clarissa, resolve romper com
o seu casamento e com o círculo de violência que atravessa sua relação abusiva.
Carmem tem um filho, Pedro, de quem perde a guarda para o seu ex-companheiro
em retaliação ao fato de ela estar em um novo relacionamento e a pessoa ser outra
mulher.
A história de Carmem Rodrigues é um terreno de provocações: liberdade,
descoberta de si, relacionamento abusivo, agressões verbais e físicas, divórcio,
guarda de criança, tentativa de homicídio, religião e Deus como discursos
para legitimar a homofobia, “cura gay”, preconceitos. O romance oferece a
possibilidade de reflexão sobre questões afetas à sexualidade, à homoafetividade, à
heteronormatividade, à violência doméstica, à família, dentre outras historicamente
presentes nas relações sociais fundadas em estruturas opressoras dominantes
e que continuam tão fortes, firmes e ferrenhas. Por fim, após muitas venturas e
desventuras, Carmem Rodrigues alcança a paz que tanto deseja quando o ex-
marido é preso depois de ter tentado matá-la e ela pode viver a plenitude do seu
amor por Clarissa.

Finalizamos a seção ressaltando que essa representação no campo literário é


bastante profícua para dar suporte às reflexões sobre os conceitos plurais de família,
por exemplo, experiências homoafetivas diversificadas.
As concepções que designam a família como estática, uniforme, imutável e unidade
biologicamente determinada pela natureza são inapropriadas.

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AULA 2
FAMÍLIA E TEORIA SOCIAL
Os temas da vida privada, das relações familiares e das grandes mutações
operadas nestes planos nas sociedades contemporâneas no âmbito da família e dos
seus processos de transformação têm ocupado cada vez mais o espaço público.
Reflexões substanciais que remontam a alguns “cânones” do pensamento social
ocidental ocupam a presente seção.

Sociologia
Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Sociolog%C3%ADa#/media/Archivo:Grafsect.png

Iniciando por Émile Durkheim e suas linhas essenciais a respeito da família


conjugal moderna, migramos para as formulações sobre família como subsistema
do sistema social e suas funções, com base no suporte de Talcott Parsons. Logo
mais, convocamos François de Singly para situar o contexto do debate sobre as
conjugalidades, diferenças de sexo e os traços da família contemporânea.

2.1 A família em Émile Durkheim

Durkehim conferia à família um protagonismo na edificação da ordem moral. Como


grupo social, Durkheim prevê a família como instituição, ou seja, entende que seus
membros precisam submeter-se a regras que estão acima deles. Eles têm deveres uns
com os outros e não podem deixar de cumpri-los sem que sofram constrangimentos
sociais, o que significa ser a família um fato social e, portanto, sua existência não se

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explica psicológica nem biologicamente (DURKHEIM, 1973, 1978).


Na família descrita por Durkheim predominam os valores morais, a hierarquia,
o afeto e a integração social. Em sua teoria, Durkheim (1978) indica ser a família
conjugal o último estágio de desenvolvimento da família. Sierra (2011) mostra que
a sequência de seu estudo compreende: a família-clã, a família agnática, a família
patriarcal, a família germânica e a família conjugal dos tempos modernos.
Destacam-se de Durkheim três ideias seminais sobre a família conjugal moderna.
Em primeiro lugar, o autor elucida a passagem da família “paternal” e “patriarcal” para
um novo tipo de família: a família conjugal moderna, formada pelo pai, pela mãe e
pelos filhos menores e não casados. Entre os membros, o parentesco é a base dos
relacionamentos. Deveras, sem a intervenção do Estado, a família conjugal não teria
existido. Em segundo lugar, Durkheim sustenta a ideia da valorização do papel do
indivíduo, dos seus interesses e sentimentos em relação ao coletivo da família. Por fim,
realça a atribuição particular do Estado no contexto dessa nova forma de organização
familiar que considera dominante.
Sierra (2011) postula que apesar de Durkheim possuir uma teoria evolucionista
da família, ele não se limitou a esse estudo, buscando compreender a família como
sistema social. Em grandes linhas, a teoria sociológica da família de Durkheim contribui
para entender que, como instituição, a família sempre existiu, todavia, sua forma é
circunstancial.
Durkheim (1999) trata da definição do papel do Estado no contexto das relações
familiares. Considera ele que a intervenção do Estado é crescente no interior da vida
familiar e que o Estado tornou-se um elemento presente na vida doméstica. Realça,
também, que com “a família conjugal os laços de parentesco se tornam indissolúveis.
O Estado, tomando-os sob a sua garantia, retirou aos particulares o direito de os
quebrar” (DURKHEIM, 1999, p. 39).
E como ele fundamenta este novo papel do Estado? Durkheim (1999) ilustra a
ideia quando refere à necessidade de intervenção estatal a propósito, por exemplo,
da proteção dos órfãos, ou da limitação à intervenção dos pais quando eles excedem
certos limites. Torres (2010) vai dizer que para Durkheim, enquanto na família patriarcal
o poder do pai não tem limites, pois teoricamente será sempre em nome do coletivo
e do interesse “privado” do grupo familiar que ele agirá, na família conjugal moderna,
“liberta” das amarras do parentesco e de interesses particulares do grupo familiar que
se imponham à vontade das pessoas, deve estar a cargo do Estado a regulação dos
interesses, a proteção dos mais vulneráveis (TORRES, 2010).
Sierra (2011), partindo dos constructos do autor francês, aduz que na família conjugal
moderna, cada membro constitui a própria individualidade e esfera de ação, mesmo
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que as crianças ainda estejam subordinadas ao pai, podem ter o próprio destino. É
a intervenção do Estado que torna possível a liberdade e a autonomia. As decisões
do tribunal, por exemplo, a respeito do trabalho infantil; as situações de regulação do
poder parental em caso de divórcio; a limitação ou mesmo interdição do exercício do
poder parental no caso de maus tratos às crianças; a interdição e a criminalização da
violência conjugal constituem exemplos da intervenção mais intensa do Estado na
esfera de ação do grupo doméstico.

2.2 A família em Talcott Parsons e François de Singly

A fim de apresentar dilemas adicionais sobre família e as mudanças sociais,


recorremos a Parsons. Apesar de ser alvo de críticas contundentes pela justificação da
divisão de trabalho entre mulheres e homens, os escritos de Parsons são importantes
para uma visão sobre a legitimidade das funções na esfera familiar, conforme o sexo.
Suas ideias formam um marco teórico na sociologia da família.
Segundo o autor, a família se configura como um subsistema do social em estreita
articulação com a personalidade e opera no desenvolvimento dos indivíduos por meio
da socialização. Duas funções básicas na família são elencadas por Parsons (1956):
socialização dos filhos e, no caso dos adultos, estabilização das personalidades. A
socialização primária (pais a filhos) é descrita como um mecanismo de internalização
da cultura (criança pode constituir-se membro da atmosfera social em que nasceu,
por exemplo). Logo, a segunda função diz respeito às incubências da mãe e do pai,
que devem ser exercidas de maneira complementar. Em sua teoria, Parsons (1956)
usa como modelo a família conjugal norte-americana de classe média, que vivia nos
centros urbanos nos anos 1950.
Parsons (1956) põe em evidência uma teoria dos papéis femininos e masculinos
que auxilia a verificar as funções da família. É a distinção entre o papel expressivo e
instrumental. Veja a síntese abaixo.
Papel expressivo: desempenhado pela mulher no contexto familiar
Papel instrumental: desempenhado pelo marido, provedor de recursos obtidos na
esfera pública.
O homem assume o papel instrumental de obtenção de recursos materiais no
espaço público, no mercado de trabalho e o casamento, assim como o exercício de
uma profissão, tornam-se a base substancial dos seus atributos no cerne familiar.
A ligação com o mundo do trabalho permite-lhe dar um estatuto social à família,
manter os laços com a sociedade e reproduzir os valores. Esta ligação à vida pública
estabelece a diferença do seu papel como homem na família, em relação ao da mulher:

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como pai cabe-lhe socializar os filhos, quer mediando a sua integração na sociedade,
quer sendo um modelo de papel de gênero. Já “o afeto” na família atribui à mulher,
como mãe, o papel expressivo de zelar pela vida emocional dos seus membros,
assim como a responsabilidade pela gestão doméstica. Em outras palavras, o pai,
especializado no seu papel instrumental, é emocionalmente mais distante das crianças
e a mãe protagoniza o exercício do afeto. Em suma, a figura materna desempenha o
protagonismo no processo de socialização e desenvolvimento das crianças. Já o pai
deve exercer atividades remuneradas no mercado de trabalho (PARSONS, 1956).
É preferível que tais incumbências sejam desempanhadas pelos dois sexos. As
mulheres, por exemplo, quando têm a seu cargo crianças, não devem trabalhar no
exterior, pois isso poderia ter como consequência uma competição no terreno familiar.
Se os atributos não cooperam, mulheres e homens lançam-se na competição, deixando
a entidade familiar de operar a contento, ou seja, como terreno proteção e segurança.

ANOTE ISSO

Cuidado com o termo “família desestruturada”, pois está equivocado! Ora, o mundo
contemporâneo é palco de profundas e aceleradas mutações cujos impactos
repercutem nos domínios mais íntimos da vida dos indivíduos. Ademais, nos dias
atuais, a família se mantém flexível, viva, multifuncional e mutável. Não existe
“família desestruturada”, existe, sim, pluralidade de arranjos familiares, com variados
formatos de composição de seus membros. As famílias não são todas iguais.
Fonte: elaboração da autora.

Tendo como ponto de partida as concepções de Durkheim (1978; 1999) sobre


a família moderna ocidental, Singly (2010) define a família contemporânea como
conjugal, relacional e individualista. Conjugal, por sua natureza restrita, centrada
no casal com ou sem filhos; relacional, por enfatizar as relações e não as “coisas”
(bens familiares); e individualista, por realçar a individualidade e a autonomia dos
indivíduos. Singly (2010) traz ainda uma releitura de Parsons (1956; 1966) e das
mudanças que apontam para uma maior independência da família em relação ao
parentesco, tais como: distanciamento da família conjugal em relação à de origem;
menos vigilância e maior liberdade de escolha, inclusive do parceiro; novos laços de
afeição e independência.
Nas sociedades contemporâneas ocidentais, os indivíduos distinguem-se
daqueles das gerações precedentes: com a urbanização, o crescimento dos meios de

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comunicação e a divisão do trabalho, a família e as relações intrafamiliares mutaram-


se de forma a permitir aos seus componentes que exprimam sua originalidade
e autonomia. Outrossim, “a família moderna é um grupo cujos membros têm uma
individualidade maior que antes” (SINGLY, 2010, p. 15).
Em Singly (2010) encontra-se a ideia de que as tensões que atravessam as famílias
contemporâneas são várias e se por um lado podem levar a um equilíbrio instável,
de outro, podem produzir novas versões da vida característica de uma terceira
modernidade.

ISTO ESTÁ NA REDE

“Vivemos em tempos líquidos. Nada é para durar”, diz Zygmunt Bauman.


Para Zygmunt Bauman, em entrevista concedida ao portal Istoé, amor líquido é
um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos bens de consumo:
mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que
prometem ainda mais satisfação. O amor com um espectro de eliminação imediata
e, assim, também de ansiedade permanente, pairando acima dele. Na sua forma
“líquida”, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode
ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo.
É bom lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de
um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade. Acrescenta o autor que
Em um mundo “líquido”, em rápida mutação, “compromissos para a vida” podem
se revelar como sendo promessas que não podem ser cumpridas — deixando
de serem algo valioso para virarem dificuldades. O legado do passado, afinal, é a
restrição mais grave que a vida pode impor à liberdade de escolha. Mas, por outro
lado, como se pode lutar contra as adversidades do destino sozinho, sem a ajuda de
amigos fiéis e dedicados, sem um companheiro de vida, pronto para compartilhar
os altos e baixo? Nenhuma das duas variedades de relação é infalível. Mas a vida
também não o é. Além disso, o valor de um relacionamento é medido não só pelo
que ele oferece a você, mas também pelo que oferece aos seus parceiros. O melhor
relacionamento imaginável é aquele em que ambos os parceiros praticam essa
verdade.
Fonte: https://istoe.com.br/102755_VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS+NADA+E+PARA+DURAR+/

Nesse encontro, conhecemos de modo abreviado os autores que marcaram o


pensamento sociológico sobre família. É preciso articular passado e presente, até
porque algumas teorias atuais são tributárias de autores fundadores da Sociologia.

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AULA 3
A FAMÍLIA NAS SOCIEDADES
CONTEMPORÂNEAS
Nesta seção, abordamos o tema da família nas sociedades contemporâneas e,
para tanto, convocamos autores que privilegiam o contexto internacional e autores
que tratam especificamente da realidade brasileira.

Família e diversidade
Fonte: https://pixabay.com/pt/vectors/fam%c3%adlia-amor-arco-%c3%adris-menino-2112266/

3.1 Considerações à luz dos clássicos da teoria social

Giddens (2001) sugere que a grande diversidade na composição das famílias e


formas de agregados familiares é um marco distintivo da nossa época. As pessoas
têm menos chances de casar do que no passado, e casam-se numa idade avançada. A
gama de preocupações do autor gira em torno do impacto do mundo contemporâneo
sobre a intimidade:
• O índice de divórcios subiu, contribuindo para o crescimento de famílias
monoparentais.
• Constituem-se famílias recompostas por meio de novos casamentos, ou de
novas relações que envolvem filhos de relacionamentos anteriores.
• As pessoas preferem cada vez viverem juntas, em coabitação, antes do
casamento, ou até em alternativa ao casamento.

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Outra ideia de Giddens (1996) refere-se à passagem do modelo do amor romântico


ao amor confluente. O fato de se tender cada vez mais para relações igualitárias entre
homens e mulheres põe em causa modelos anteriores que eram essencialmente as
mulheres que alimentavam a visão romântica das relações e em que eram elas que
mais se sentiam implicadas na teia emocional e afetiva das relações. O amor confluente
seria a tendência para uma implicação afetiva e emocional igualitariamente partilhada
entre homens e mulheres, também porque se trata hoje de trocas entre parceiros que
estão cada vez mais próximos no plano do desempenho dos papéis sociais.
Para Singly (2010) há três traços característicos da família na sua versão
contemporânea. O primeiro, diz respeito ao fato de a família ser fundamentalmente
relacional, noutras palavras: nela se valorizam mais as relações pessoais do que os
bens materiais. Em segundo lugar, a família contemporânea estaria entre o privado e
o público, ou seja, o papel de certo modo intervencionista do Estado como regulador
de conflitos e decisões e a sua ação enquanto agente socializador das crianças. Em
terceiro lugar, afirma o caráter “individualista” da família contemporânea, querendo
significar com esta classificação o fato de cada vez mais se ter em consideração os
direitos, o bem-estar e a autonomia dos indivíduos no contexto familiar. O autor destaca
ainda como marcas da família contemporânea: o aumento do divórcio, da coabitação, a
redução dos casamentos, o nascimento do que nomeia de uma “família individualista e
relacional”, ou “família moderna 2”, ou ainda de “família da segunda modernidade”.

3.2 Sobre a diversidade de arranjos familiares no Brasil

No tocante aos modelos normativos de família no Brasil contemporâneo,


recorremos então ao estudo de Goldani (1993). Ao tratar das mudanças nas famílias
no Brasil, a autora elucida que os discursos em torno da chamada da família são
também marcados por sexo, idade e classe social e, em geral, aparecem estreitamente
relacionados com certos modelos estereotipados de famílias. Um primeiro modelo de
referência seria o da família patriarcal. Sumarizamos abaixo algumas características
deste modelo de família:
• Presença de parentes.
• Sistema hierárquico e de valores no qual se destacariam a autoridade paterna
e do homem sobre a mulher.
• A monogamia, a indissolubilidade das uniões e a legitimidade dos filhos.
Paralelamente à visão nostálgica de uma imagem da família do passado, diz

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Goldani (1993), onde o casal com filhos e o grupo de parentesco se complementavam,


existem, também, as novas referências - em um país crescentemente urbano emerge
outro estereótipo, o da família “classe média urbana”, usado como padrão pela mídia
em novelas, propagandas etc. Trata-se de uma família ainda centrada ao redor das
funções reprodutivas, onde a criança ocupa um lugar destacado. Neste modelo, o
individualismo, a privacidade e as relações afetivas entre os membros possuem maior
relevância, dando origem a novos padrões de sociabilidade (GOLDANI, 1993).
Acrescenta a autora que no quadro das crescentes dificuldades de reprodução geral da
sociedade brasileira, as especulações sobre a precariedade e instabilidade da instituição
familiar ganham força e são reforçadas pela incapacidade do Estado em prestar os
serviços sociais básicos às famílias carentes e seus dependentes. Legalmente, o Estado
Brasileiro deve oferecer suporte às crianças, aos adolescentes e aos idosos por meio de
programas sociais, o que ajudaria a aliviar as pressões econômica e pessoal destas
famílias. Entretanto, o que se observa é um crescente retrocesso dos serviços públicos.
O Estado trata de minimizar ao máximo sua contribuição e clama por mais ajuda da
comunidade e da família para com seus dependentes (GOLDANI, 1993).
Dado que as famílias não só respondem às metamorfoses sociais, econômicas e
demográficas, mas também as geram, tem sido difícil para os estudiosos da família
brasileira interpretarem as mudanças nas famílias no tempo. A visão dicotômica, entre
o tradicional e o moderno, que considera modelos de família, elaborados com base nas
classes dominantes (rurais) e das classes médias (urbanas) já não satisfaz. Não só por
suas limitações como modelos interpretativos associados a uma concepção de família
e de tipologias de família, mas, também, porque obscurece a realidade da maioria das
famílias brasileiras que pertencem às chamadas camadas populares (GOLDANI, 1993).
Neris (2011) aduz que a instituição familiar é uma carta que se joga entre cidadãos
e o Estado. Esta colocação faz sentido quando se verifica a preocupação da legislação
em situar o lugar e as funções da família na sociedade brasileira como, por exemplo,
a Constituição Federal de 1988 que a conceitua como “base da sociedade”, portanto,
alvo de “especial proteção do Estado”. As definições de família estão atravessadas por
visões de mundo e formas de hierarquização jurídicas das instituições sociais. Para a
pesquisadora, uma análise da família contemporânea far-se-á mais fecunda na medida
em que se acentuam as tramas da complementaridade entre mutações familiares e
sociais e, ao mesmo tempo, considerando-se que, nas definições e nas intervenções
jurídicas da organização familiar, estão em pauta pretensões de manutenção da
própria ordem social por intermédio dos corpos institucionais que a constituem.
Já Fávero (2007) aponta algumas observações no que tange às modificações da

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família tradicional, impulsionadas pelas transformações sociais:

A mudança na relação entre os sexos, um dos pontos centrais da


revolução cultural, foi marcada pelo direito ao divórcio, nascimentos
ilegítimos, aumento de famílias com apenas um dos pais (uma
maioria de mães solteiras), além do aumento das uniões consensuais
– com predomínio dos laços afetivos em detrimento da formalização
da união. Também se caracterizou pela ampliação e fortalecimento
da cultura juvenil, com acentuado abismo entre gerações, revelado
pela desvalorização de regras e valores da geração mais velha,
implicadoras de controle do comportamento humano. Em síntese,
a família tradicional teve seus laços afrouxados nas várias classes
sociais (FÁVERO, 2007, p. 120).

No tocante aos múltiplos modelos de família na contemporaneidade, Skymanski


(2002) apresenta nove tipos de composição familiar: família nuclear, incluindo
duas gerações, com filhos biológicos; famílias extensas, incluindo três ou quatro
gerações; famílias adotivas temporárias; famílias adotivas, que podem ser bi-raciais
ou multiculturais; casais; famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe; casais
homossexuais com ou sem crianças; famílias reconstituídas depois da separação;
várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo.

ANOTE ISSO

No Brasil, o modelo de família constituído no século XIX, que inspirou o Código Civil
de 1916, assumia a feição de nuclear, heterossexual, patriarcal, dominada pela figura
do pai que encarnava a sua honra, dando-lhe nome, sendo seu chefe e gerente,
representando o grupo familiar, cujos interesses sempre prevaleciam sobre as
aspirações dos demais membros. Já a Constituição de 1988 alargou o conceito de
família e concedeu especial proteção à entidade familiar, como base da sociedade.
Em seu Art. 226, parágrafo 5º, a CF assegurou que “homens e mulheres têm os
mesmos direitos na constância da sociedade conjugal”, revogando praticamente
todas as disposições do Código Civil que legitimavam a subordinação feminina.

Itaboraí (2017) problematiza as potencialidades e os desafios da análise das


mudanças nas famílias a partir de uma perspectiva de classe e gênero. Nota que
as famílias estão imbricadas na estratificação social por diversas razões. A autora
defende que as classes se (re) produzem através das famílias, e, inversamente, as
famílias são as unidades de classe. Diferentes tipos de recursos são transmitidos nas
famílias e nelas são tecidas estratégias de representação. O gênero também atravessa

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as famílias, as quais são um lugar central na sua produção, o que inclui a divisão sexual
do trabalho doméstico e remunerado e diversas representações sobre masculinidade
e feminilidade, construídas, reproduzidas ou transformadas nas dinâmicas familiares.
A passagem abaixo condensa o argumento da autora:

A análise das relações assimétricas nas famílias contribui para


rever muitas simplificações, mostrando que a experiência familiar,
subjetiva e objetivamente, é diferenciada segundo o gênero, a idade e
a posição no parentesco. Por outro lado, a perspectiva comparativa de
classes permite identificar semelhanças e contrastes entre contextos
particulares, relativizando processos gerais e iluminando aspectos
e novas questões a partir das variações encontradas (ITABORAÍ,
2017, p. 85).

Destarte, realça a autora que famílias são realidades difíceis de serem enquadradas
em qualquer definição unívoca. Não existe uma definição clara, não ambígua do que
é família, pois a ela é pouco mais do que uma ideologia que influencia e informa as
maneiras pelas quais as pessoas interagem e coresidem umas com as outras. Em
muito se confunde a ideologia da família (um modelo que cada época, sociedade ou
segmento da mesma afirma como “dever ser”) com as famílias reais, as quais são
sempre plurais, complexas e em constante fluxo (ITABORAÍ, 2017).

ISTO ESTÁ NA REDE

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu as uniões homoafetivas


como entidades familiares.
Apesar de o STF ter reconhecido a união estável homoafetiva em 2011 com os
mesmos direitos da heteroafetiva, a conversão dessa união em casamento ainda
dependia de uma sentença judicial, o que só mudou em todo o país em 2013,
com a resolução do CNJ que determinou que nenhum cartório poderia rejeitar a
realização de casamentos homoafetivos. Antes disso, a necessidade de entrar na
Justiça ou a possibilidade de casar diretamente no cartório dependia de onde o
casal morava.
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/06/4934079-lgbtqia+--celebram-avancos-em-10-anos-de-unioes-homoafetivas-no-brasil.html

Por fim, lembramos que a sociedade moderna passou a apresentar muitas formas
alternativas de organizar a família, sobretudo a partir das novas posturas da mulher
no universo do lar e no mercado de trabalho, além das conquistas dos movimentos
gay e feministas mundo afora.
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AULA 4
O PÚBLICO E O PRIVADO
Abordamos aqui o tema da dicotomia público/privado e suas relações com a
categoria família.

Concepção de Esfera Pública desenvolvida por Jürgen Habermas


Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Esfera_p%C3%BAblica#/media/Ficheiro:Concep%C3%A7%C3%A3o_de_Esfera_P%C3%BAblica_desenvolvido_
por_J%C3%BCrgen_Habermas.png

4.1 Um pouco de história

A distinção entre as esferas privada e pública da vida equivale aos domínios da


família e da política, respectivamente. Esfera pública é a arena de debate público
em que os assuntos de interesse geral podem ser discutidos e as opiniões podem
ser formadas. Noutros termos, o “público” é palco da discussão e do debate público
nas sociedades modernas, podendo ser espaços formais e informais. De modo
esquemático, podemos exemplificar:
O público: esfera pública sociopolítica (por exemplo: instituições públicas como
partidos, a imprensa, o Estado) que teria a função precípua de intermediar as relações
entre o Estado e as necessidades da sociedade.
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O privado: composto pela família, pela nossa vida privada, íntima, individual.
Em momentos históricos anteriores, as esferas privada e pública eram
separadas (fisicamente e filosoficamente), perpetuava-se a concepção de que
público/privado seriam entidades diferentes a ponto de o político e público serem
debatidos de forma isolada em relação ao privado, ao pessoal. Do público, era
abstraída a vida doméstica, relegando-a ao esquecimento. Entretanto, é consensual
que, nas complexas sociedades contemporâneas, a vida pública e a vida privada estão
implicadas e conectadas e aquilo que acontece na vida íntima ou privada não está
imune às dinâmicas da esfera pública.

No decorrer do século XX, sobretudo entre as décadas de 1960/1970, a família


ocidental atravessou mudanças de considerável expressão, seguindo os passos das
mutações que circundam a sociedade moderna, como por exemplo: o ingresso das
mulheres brancas de extratos médios e altos da sociedade no mundo do trabalho,
tendo como consequência sua maior autonomia econômica, o que a levou a
reivindicar modificações de suas atribuições conjugais e sociais; maior instabilidade
dos laços conjugais com o aumento do divórcio e da concubinagem; o decréscimo
dos casamentos e da natalidade etc. (NERIS, 2011).
Com base em Meulders-Klein (1992, apud NERIS, 2011), o conceito de vida privada
surgiu na Europa e nos Estados Unidos em meados do século XIX. O “privado” vincula-
se, em sua versão norte-americana, às noções de proteção da intimidade, da liberdade
e do direito individual de existir. Para a Conversão Europeia dos Direitos dos Homens,
o “privado” estaria ligado às relações individuais entre os membros da família. A
propósito, a noção de vida privada estabelece pontes com duas questões fundamentais:
a de indivíduo e a de regulação das relações familiares, quer dizer, pressupõe uma
relação entre o privado e público, uma vez que estes são espaços interligados por uma
produção mútua. Outrossim, o espaço doméstico não se restringe à esfera íntima da
instituição familiar, mas sim está inscrito nas relações sociais.
Por sua vez, Biroli (2014) leciona que a dualidade “público versus privado”
corresponde a uma compreensão restrita da política, que, em nome da universalidade
na esfera pública, define uma série de tópicos e experiências como privados e, como
tal, não políticos. É uma forma de isolar a política das relações de poder na vida
cotidiana ou familiar, negando ou desinflando o caráter político e conflitivo das relações
de trabalho e das relações familiares. O destaque para as exclusões implicadas na

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conformação de uma esfera pública mostra que os valores que nela imperam não são
abstratos nem universais, mas se definiram, historicamente, a partir da perspectiva
de alguns indivíduos em detrimento de outros. Vamos ver na íntegra a tese de Biroli
(2014):

Na modernidade, a esfera pública estaria baseada em princípios


universais, na razão e na impessoalidade, ao passo que a esfera
privada abrigaria as relações de caráter pessoal e íntimo. Se na
primeira os indivíduos são definidos como manifestações da
humanidade ou da cidadania comuns a todos, na segunda é
incontornável que se apresentem em suas individualidades concretas
e particulares. Somam-se, a essa percepção, estereótipos de gênero
desvantajosos para as mulheres. Papéis atribuídos a elas, como a
dedicação prioritária à vida doméstica e aos familiares, colaboraram
para que a domesticidade feminina fosse vista como um traço natural
e distintivo, mas também como um valor a partir do qual outros
comportamentos seriam caracterizados como desvios. A natureza
estaria na base das diferenças hierarquizadas entre os sexos (BIROLI,
2014, p. 31).

4.2 A família entre o público e o privado

Sob o seu ponto de vista, no debate contemporâneo sobre justiça, a esfera


doméstica, sobretudo, as relações familiares, tomada como dimensão das
relações sociais às quais os princípios da justiça não se aplicariam, já que nelas
predominaria o afeto. A suspensão das relações de poder na esfera privada, como
tópico e problema de primeira ordem para as abordagens no âmbito da teoria
política, faz mais do que deixar na sombra as experiências de parte dos indivíduos
ou parte da vida de todos eles. O entendimento do que se passa na esfera pública é
deficiente, nesse caso, porque ficam suspensas e mal compreendidas as conexões
entre as posições e as relações de poder na vida doméstica, no mundo do trabalho
e na esfera dos debates e da produção das decisões políticas. Em outras palavras,
a análise crítica das relações de poder nas esferas convencionalmente entendidas
como não públicas ou não políticas é necessária para se compreenderem as
consequências políticas dos arranjos privados. É impossível descolar a esfera
política da vida social, a vida pública da vida privada, quando se tem como objetivo
a construção de uma sociedade democrática. Mais uma passagem condensa os
constructos da autora:

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Faz sentido, assim, abandonar a visão se que esfera privada e esfera


pública correspondem a “lugares” e “tempos” distintos na vida dos
indivíduos, passando a discuti-las como um complexo diferenciado de
relações, de práticas e de direitos – incluídos os direitos à publicidade
e à privacidade – permanentemente imbricados, uma vez que os
efeitos dos arranjos, das relações de poder e dos direitos garantidos
em uma das esferas serão sentidos na outra (p. 33).

Ela prossegue e adverte que a posição de classe incide também sobre o entendimento
que se tem da vida doméstica e familiar. A família pode assumir a feição de um refúgio
para integrantes de grupos que sofrem discriminação e opressão sistemáticas na
sociedade mais ampla. Pode, também, funcionar como um dos poucos mecanismos
de suporte para pessoas em posição desprivilegiada e socialmente vulnerável. Do
mesmo modo, as privações associadas à opressão de gênero podem ter sentidos
muito distintos para as mulheres em função das variáveis econômicas e sociais.
As dores psicológicas relacionadas à domesticidade e aos papéis convencionais de
gênero, expressas a partir da experiência das mulheres de classe média, não são
equivalentes às privações materiais que incidem diretamente na organização da
esfera doméstica, mas também na relação entre esfera doméstica, trabalho e esfera
pública na vida das mulheres pobres. As formas de organização da esfera doméstica
e seu sentido, assim como o acesso à privacidade, variam não apenas de acordo com
o gênero, mas com a condição de classe e o suporte material disponível.
Outro ponto suscitado por Biroli (2014) diz respeito à dualidade convencional entre
vida pública e vida doméstica que contribuiu para impedir a tematização da violência
doméstica e do estupro no casamento. A primeira foi, por muito tempo, tida como
um problema particular e, em forte medida, naturalizada como parte constitutiva da
relação esperada entre homens e mulheres. O estupro no casamento, por sua vez, até
recentemente foi visto como impossibilidade lógica, uma vez que o direito ao corpo
da mulher era entendido como algo que é transferido para o marido no momento
do casamento. Um dos efeitos desse “pertencimento”, que é, simultaneamente, uma
localização (na esfera doméstica) e uma subordinação (ao marido ou, antes dele,
ao pai), é que em sociedades nas quais prevalecem práticas sexistas e misóginas, a
mulher é alvo de violência tanto na esfera doméstica quanto fora dela, quando esses
laços “protetores” não são reconhecidos.
A ameaça difusa que a violência sexual representa para as mulheres pode ser
pensada como um dos aspectos que as definem como um grupo social distinto dos

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homens. As lutas feministas produziram avanços na legislação relativa à violência


doméstica e ao estupro em diversas partes do mundo, mas permanece alto o número
de estupros e de assassinatos de mulheres por homens com quem elas tiveram
relações afetivas. No Brasil, a atuação do movimento feminista teve como um dos
principais resultados a aprovação da Lei n° 11.340, conhecida como Lei Maria da
Penha, em 2006, que tipifica a violência doméstica contra a mulher e cria mecanismos
para combatê-la. Porém ainda há dificuldades na coibição da violência contra a mulher
que remetem à construção institucional das normas e das políticas, mas também à
tolerância a formas cotidianas da dominação masculina, que podem ser situadas no
âmbito dos costumes (BIROLI, 2014).

ANOTE ISSO

Em briga de marido e mulher se mete a colher!


O entendimento de que aquilo que acontece na vida privada é “assunto de família” e,
portanto, de única e total responsabilidade do indivíduo ecoou a frase imperativa e
equivocada “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.
Defender que a violência doméstica é “assunto de família” é praticar mais um ato
de violência e impede que crimes sejam evitados antes do desfecho trágico. O
conceito de privacidade, o “assunto de família” pode ceder lugar ao espancamento,
ao estupro conjugal, à violência. O silêncio diante de casos de violência doméstica
e familiar também mata. O enfrentamento da violência contra as mulheres é tarefa
árdua e de responsabilidade de todos nós, mulheres e homens.
Fonte: elaborado pela autora.

A sofisticada reflexão de Sierra (2011) contempla o tema da intervenção do Estado


na esfera privada e na pública. Ela ensina que a relação entre Estado e família pode ser
percebida de forma positiva, ou seja, o Estado precisa dividir com a família a função
de proteger a individualidade, instituir leis que regulam as relações em seu interior, a
saber: a lei que libera as mulheres do mando dos maridos ao conceder o divórcio e a
lei que limita a autoridade dos pais. Por outro lado, escreve a autora, a família pode
ficar dependente do Estado, visto como o “substituto econômico do esposo” e, sendo
assim, o Estado tanto pode proteger a liberdade quanto reprimir comportamentos
indesejados.

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ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

A Lei Menino Bernardo, a comunhão de bens e a interferência do público no


privado
A intervenção do Estado se faz necessária quando há interesse em resguardar um
direito, por exemplo. No caso de abuso e exploração contra crianças e adolescentes,
de violência contra as mulheres, de pagamento de pensão alimentícia, deve ser
assegurando o bem estar daqueles que estão fragilizados e/ou em situação de
violação de direitos. Como futuros assistentes sociais, estejam atentos ao que
preconiza a legislação brasileira em matéria de atuação do Estado na esfera
privada. Vejamos, de modo sintético.
Primeiramente, lançamos a questão: a palmada pode ser aceita como castigo
ou deve ser proibida? O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Art. 18-A
estabelece que:

A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem


o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como
formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto,
pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis,
pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou
por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los
ou protegê-los.

Migrando para outro exemplo, surge a situação hipotética: tenho mais de 70 anos e
quero casar, posso escolher o regime de bens? A resposta é não e convocamos o
Art. 1.641, inciso II Código Civil Brasileiro para esclarecer que é obrigatório o regime
da separação de bens no casamento da pessoa maior de sessenta anos.
E você, futuro (a) assistente social, o que acha da colisão entre a atuação do Estado
e a vida privada? Fica a reflexão, pois isto acontece na prática.
Fonte: elaborado pela autora.

Finalizamos a seção ressaltando que nem os domínios da vida doméstica, pessoal


nem os da vida pública, econômica e política podem ser pensados e discutidos
isoladamente uns dos outros.

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AULA 5
FEMINISMOS E PARENTALIDADE
Destacamos, na presente aula, as ideias tributárias da matriz feminista como
preponderantes para a positivação da igualdade entre mulheres e homens no âmbito
da parentalidade.

5.1 Conceitos e trajetória do movimento

Hooks (2019) entende o feminismo como a luta para acabar com a opressão
sexista. Seu objetivo não é beneficiar apenas um grupo específico de mulheres, uma
raça ou uma classe social de mulheres em particular. E não se trata de beneficiar as
mulheres em detrimento dos homens.
Como movimento político, o feminismo tem sua gênese no século XIX, sendo
tributários de ideias e articulações que foram gestadas do decorrer dos séculos
anteriores. À luz de Biroli (2014), sublinha-se que os feminismos, em suas várias
versões, combinam a militância pela igualdade de gênero com a investigação relativa
às causas e aos mecanismos de reprodução da dominação masculina – voltam-se
substancialmente para transformações nas relações de poder e dominação.
O feminismo compreendido como movimento social foi originado em um cenário
moderno e, em seu momento embrionário, estava relacionado ao leque de exigências
por direitos sociais e políticos, tendo a luta sufragista como ponto focal da mobilização
das mulheres.
Não se pode incorrer no equívoco de que os movimentos feministas possuem
uma linearidade. De modo didático, a história deles é narrada por meio da metáfora
das “ondas”, quer dizer, marcos temporais que auxiliam no entendimento e na
caracterização mais clara e precisa das suas pautas.
Em linhas sumarizadas, resumimos aqui as três grandes ondas. A primeira onda
do feminismo surgiu em meados do século XIX, onde as reivindicações giravam em
torno do reconhecimento de direitos políticos, sociais e econômicos para as mulheres,
que eram subordinadas socialmente pelo estatuto civil. As Revoluções Francesa e
Industrial, bem como a Primeira e Segunda Guerras mundiais foram marcas do
quadro histórico em que a identificação das causas da discriminação das mulheres

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e a reivindicação da igualdade entre elas e os homens, sobretudo, no plano dos


direitos civis e políticos, ocupavam os olhares do feminismo. A segunda onda, por
sua vez, vincula-se ao ressurgimento do movimento feminista na década de 1960 e
o desenvolvimento de uma postura “radical” que identifica o momento embrionário
da dominação masculina na estrutura do patriarcado. Já a partir da década de 1990,
emergem novas dimensões teóricas que denunciam o fato de que a própria retórica
feminista estaria tomada por um ponto de vista ocidental, branco e heterossexual, que
negligenciava os interesses e aspirações de mulheres negras, pobres, trans, lésbicas
etc., como também de grupos subalternos.
Duarte (2003) observa que a vitória dos movimentos feministas é inquestionável
quando se constata que suas bandeiras mais radicais tornaram parte integrante da
sociedade, por exemplo, mulher frequentar universidade, escolher profissão, receber
salários iguais, candidatar-se ao que quiser. “Tudo isso, que já foi um absurdo sonho
utópico, faz parte de nosso dia a dia e ninguém nem imagina mais um mundo diferente”
(p. 151).

A brasileira Bertha Lutz durante a Conferência de São Francisco, em 1945. Ela teve um papel primordial na menção sobre igualdade de gênero no texto
da Carta das Nações Unidas.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismo#/media/Ficheiro:Bertha_Lutz_na_Confer%C3%AAncia_de_S%C3%A3o_Francisco_02.jpg

Hooks (2019) reconhece a pertinência e o vigor que as discussões contidas na


seara dos estudos feministas emprestam para a melhor compreensão das mudanças

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profundas na vida de mulheres e homens que vivem nesta sociedade arraigada


de valores machistas, patriarcais, imperialistas e capitalistas. Ela diz que todos
obtiveram benefícios das revoluções culturais postas em evidência pelo movimento
feminista contemporâneo. No entanto, uma coisa é certa: o movimento não criou uma
revolução constante, tampouco erradicou o patriarcado e/ou o sexismo. Assim sendo,
as conquistas feministas estão sempre em risco.

5.2 Contribuições do movimento feminista para a responsabilidade


parental

No Brasil a igualdade é consagrada no Art. 5 da Constituição Federal Brasileira,


garantindo que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, podendo
usufruir das mesmas oportunidades e papéis dentro da sociedade. A sociedade
evoluiu e com ela o Direito também ganhou novos contornos, consagrando de direitos
fundamentais, dentre eles, a igualdade formal e material, especialmente com relação
à mulher.
No plano internacional, diversos diplomas passaram a consagrar a igualdade de
gênero como direito humano, devendo ser efetivado por todos os países. Dentre eles
destacam-se: a Carta das Nações Unidas, de 1945; a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948; a Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos
Civis a Mulher, de 1948; a Convenção sobre Direitos Políticos da Mulher, de 1953; a
Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969; a Convenção para Eliminar Todas
as Formas de Discriminação Contra a Mulher, de 1979; a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher - Convenção de Belém
do Pará, de 1994 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Contra a Mulher (SILVEIRA, 1998; BENEVIDES, 2016).
Ademais, no que concerne à eliminação da posição subordinada da mulher na vida
pública e privada, Benevides (2016, p. 96) elenca algumas medidas:

Incorporação da igualdade entre mulheres e homens nos textos


constitucionais; edição de leis prevendo sanções contras atos
discriminatórios e crimes cometidos em razão do gênero; garantia
do direito ao voto; proteção à maternidade e compartilhamento
da responsabilidade entre homens e mulheres pela educação e
desenvolvimento dos filhos; garantia de acesso em igualdade de
condições de trabalho, educação, etc.

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Certamente o compartilhamento da responsabilidade entre homens e mulheres


pela educação e desenvolvimento dos filhos é um tema que está entrando na
ordem do dia, também na perspectiva da necessidade de políticas públicas. Tanto a
Conferência Mundial de População e Desenvolvimento, de 1994, como a Conferência
Mundial da Mulher, de 1995, ambas organizadas pelas Nações Unidas, ressaltaram,
em seus documentos básicos, a necessidade de os estados-membros enfatizarem
a responsabilidade masculina para com o exercício da sexualidade, seja em suas
consequências reprodutivas, seja do ponto de vista de prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis. Além disso, ressaltaram a responsabilidade feminina e masculina, não
apenas para a manutenção material da família, mas também a corresponsabilidade
parental que mulheres e homens devem igualmente prestar aos filhos.
Conforme advoga Silveira (1998), a responsabilidade compartilhada com os filhos
indicaria a necessidade de políticas públicas não apenas voltadas para as mulheres,
como também para os homens. Ora, partiram das mulheres as demandas pela licença
paternidade e pelo direito à creche para as crianças, e não somente para os filhos
de mulheres trabalhadoras, o que permitiria, também, aos homens trabalhadores
reivindicar por tais direitos. “No entanto, não houve adesões masculinas a essas
demandas, consagradas como conquistas legais no texto da Constituição Federal de
1988” (p. 67).
Benevides (2016) argumenta que o ativo movimento feminista brasileiro de meados
dos de 1970 foi uma das forças progressistas de defesa da positivação da igualdade
entre mulheres e homens, por exemplo, nos sistemas de direitos humanos. Mister se
faz ressaltar que:
Há quem defenda com razões as transformações sociais acentuaram
as contradições entre mulheres e homens sob diversos aspectos,
causando desigualdades na vida pessoal, conjugal e familiar ou que as
dificuldades vividas na vida privada se projetaram de maneira violenta
por todo corpo social, em muitas regiões do mundo (BENEVIDES,
2016, p. 84).

A autora assinala ainda que, a partir dos anos 1990, surge uma rediscussão
na concepção das desigualdades entre os sexos baseada em gênero. Assim, “o
movimento feminista pode articular reivindicações em defesa dos direitos negados
e violados, definir prioridades e exercer pressões na comunidade internacional” (p.
83). Em síntese, vem se experimentando maior flexibilidade nos papéis maternos e
paternos, devido aos processos mudanças nas definições de gênero e relações de

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poder, bem como ao aumento do entendimento do homem como responsável, tanto


quanto a mulher, pela educação, cuidado e formação moral e psicológica dos filhos.
Na ciência jurídica, essas mudanças revelaram-se como molas propulsoras para
importantes alterações legislativas ocorridas nos anos 2008 e 2014 que normatizam,
no ordenamento jurídico brasileiro, a guarda compartilhada.

ANOTE ISSO

As pautas feministas colocaram em cena a importância e o valor da paternagem


ativa, capaz de dar ressonância positiva à simetria entre mulheres e homens
nas vivências parentais, transformando-as em uma experiência mais satisfatória
para todas as partes envolvidas. O alvorecer de uma espécie de guarda (a guarda
compartilhada) que oportunize essa paridade, por exemplo, são condizentes com o
mote despertado pelo feminismo.

Burckhart (2017) aduz que o Direito incorporou uma série de dispositivos


normativos e decisões judiciais que almejam a igualdade de gênero. Diz o autor que o
campo jurídico passa cada vez mais a ser renovado tendo em vista as reivindicações
sociais e as epistemologias feministas. Contudo, no plano institucional, nota-se que
ainda “remanescem discursos e práticas que invocam concepções sexistas. Trata-se
de uma das grandes contradições para o Direito contemporâneo” (p. 207).
Em suas noções, Pitanguy (2019) menciona a capacidade do movimento feminista
brasileiro de realizar ações políticas por leis e políticas públicas, definindo objetivos
e estratégias de atuação. Fato é que, ao longo das três últimas décadas do século
XX, e ainda hoje, há uma evidente conexão entre o ativismo feminista e as mudanças
em legislações, a proposição de novas leis, a implementação de políticas públicas e
a resistência aos retrocessos.
Hooks (2020), em seu ensaio sobre maternagem e paternagem, defende que
um dos ganhos mais benéficos dos ativismos feministas foi possibilitar uma maior
conscientização cultural da necessidade de participação igual dos homens na criação,
não somente para construir equidade de gênero, mas também para estabelecer
melhores relacionamentos com as crianças. Portanto, argumenta a autora, urge a
necessidade de se conhecer mais sobre a parentalidade feminista e, além disso, se
pensar sobre como, na prática, é possível educar as crianças e os adolescentes em
ambientes antisexistas.

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ISTO ESTÁ NA REDE

Em 06 de março de 2021, o Conselho Federal de Serviço Social – CFESS lançou


um manifesto nacional com as principais lutas do dia internacional da mulher. O
CFESS ressalta que: a categoria de assistentes sociais atua em políticas públicas
em que a maioria de trabalhadoras e usuárias é também de mulheres. Por isso, a
pauta feminista sempre esteve presente nos debates do Serviço Social. O CFESS
compreende que a luta pelos direitos das mulheres, presente nas bandeiras de
luta da categoria, é resultado também das experiências cotidianas nos espaços de
trabalho e não se descola do trabalho profissional, diz a nota.
Fonte: http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/1792

A luta dos feminismos subsidia as mulheres na travessia pelo reconhecimento de


direitos na esfera pública e privada. A igualdade nos direitos políticos conquistada pelo
movimento das mulheres no início do século passado espelhou também igualdade
civil e, por consequência, a promoção da divisão de responsabilidades na criação e
educação dos filhos requer pluralidade de experiências, maior mobilidade para as
mulheres e paternidade ativa e responsável, por exemplo.
A trajetória das famílias no pensamento social brasileiro ocupa a próxima seção.

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AULA 6
A FAMÍLIA NO PENSAMENTO
SOCIAL BRASILEIRO
Na presente aula o objetivo recai no diálogo com estudiosos cânones do pensamento
social brasileiro e com que enfrentam em seus mais diversos horizontes, as versões
da história e da sociabilidade brasileira que, por muito tempo, foram consideradas as
únicas versões oficiais.
Nos limites das linhas que seguem, as informações históricas aqui apresentadas
buscam trazer luz e ampliar a compreensão da categoria família, mas não pretendem
ser exaustivas.
Sierra (2011) mostra que os estudos sobre família no Brasil colônia foram realizados
na década de 1920 e 1930, com objetivo de conhecer e interpretar a formação da
cultura nacional. A articulação entre o patriarcalismo, a miscigenação, a colonização, a
escravidão, o latifúndio e a monocultura estão na base do pensamento social brasileiro
e expressam o esforço intelectual para identificação da especificidade cultural brasileira.

6.1 Convocando alguns clássicos

Freyre (2003) ao fazer sua interpretação da sociedade brasileira, regressa aos


primórdios da nossa colonização pelos portugueses, como forma de entender “o que
somos”. O retrato que ele pinta da sociedade colonial é assim resumido: sociedade
agrária e escravocrata, formada por núcleos dispersos e autossuficientes, dominada
pela família patriarcal. O terreno analítico para buscar o “caráter brasileiro” é a família
brasileira, mais ainda, a casa-grande, que é completada pela senzala.
Freyre (2003) descreve a família patriarcal brasileira no período colonial e suas reflexões
dão conta de uma parte do Brasil, principalmente do nordeste Bahia e Pernambuco. É
no espaço da casa-grande que se delineia os fundamentos da ordem política, social e
econômica da região. O mandonismo e o nepotismo encontram suas origens na extensão
do poder do homem-patriarca sobre todas as outras instituições. No período colonial, os
senhores de engenho dominavam praticamente sozinhos: eram os donos da terra, dos
escravos, das mulheres. Eles eram a força política da sociedade colonial.
Para Freyre (2003), a família colonial não era apenas, nem prioritariamente, esfera
de vivência da autoridade e afetividade entre seus membros, mas era, ao mesmo
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tempo, unidade política, econômica e social que teria uma função fundamental na
definição da história brasileira. Pelo que o autor defende, tal família foi um marco
fulcral na formação sócio-histórica do país.
Ao enfatizar as diferenças culturais entre os povos que se encontram no continente
americano a ser colonizado, Freyre lança seu ponto de vista sociológico, tendo como
eixo central a chamada “família patriarcal”. Nessa perspectiva, ele explana sobre como
se organizaram as famílias no Brasil - em um cenário em que, para a colônia, era
necessário se apossar e povoar urgentemente o novo território -, a partir do intercambio
de algumas culturas: a europeia, do português colonizador; a latino-americana, do índio
colonizado; e a africana, do negro escravizado. Em 1532, no século XVI, a sociedade
brasileira começou a se organizar civil e economicamente com domínio quase exclusivo
da família rural ou semirrural. Nessa conjuntura foi a agricultura que deu as bases para
o fortalecimento dessa sociedade em conjunto com outros fatores como a estabilidade
patriarcal da família, o trabalho fruto da escravização, as uniões entre portugueses e
índias, ao passo que se firmou uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na
técnica de exploração econômica, híbrida de índio - e mais tarde de negro - na composição.
A família patriarcal se instalava em regiões de imensa unidades agrárias de
produção, engenhos de açúcar, fazendas de criação ou de plantação de café. A
estrutura doméstica descrita pelo autor caracterizava-se pela centralidade do núcleo
conjugal e da autoridade masculina, retratada na figura do patriarca, chefe ou coronel
dono do poder. Mais características da família do Brasil colônia: rígida distribuição
de papéis conforme o sexo, controle da sexualidade feminina, regulamentação da
procriação para fins de perpetuar a herança.

ANOTE ISSO
Um dos aspectos marcantes do pensamento de Freyre (2003) é a maneira como
valoriza a contribuição das raças na construção da identidade nacional. Diz ele
que a cultura negra e a indígena são presenças vivas e ativas no desenvolvimento
nacional. Ora, apesar de valiosa, a obra de Freyre (2003) não consegue dar conta
das estruturas e dinâmicas familiares de todo o Brasil de extensão continental,
bem como traz uma harmonia inexistente para as famílias de pertença racial negra,
portanto apresenta limites para dizer da pluralidade étnica na nossa sociedade
e dos conflitos e dificuldades que as famílias não brancas e que não eram da
elite passaram para ter uma família. Outra problemática na teoria de Freyre é a
insistência na ideia de que era as próprias índias que iam buscar relações com
os colonizadores sem mencionar, uma única vez, as violências sexuais praticadas
pelos colonizadores contra elas.

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Os casamentos dos senhores nobres não impediam, nas ideias de Freyre (2003),
que eles mantivessem seus amores furtivos e suas concubinas, na maioria dos casos,
escravizadas, o que reforça o ponto de vista que a formação do Brasil colônia encontra
raízes no sistema poligâmico. Os concubinatos possibilitavam o perfilhamento dos
filhos ilegítimos. Esse foi um quadro pintado mesmo com a presença da igreja na
vida das casas-grandes coloniais, época em que a igreja e os seus ministros eram
considerados autoridade.
Segundo Holanda (1995), a construção da identidade nacional brasileira passa
pelas relações familiares, quer dizer, a família se apresenta como central na definição
de “quem somos” enquanto povo-nação.
Alguns estudiosos têm em comum a compreensão de que esse modelo de estrutura
familiar característico da família brasileira não era único e sofreu variações em sua
organização em função do tempo, do espaço dos diferentes grupos sociais, tendo a
historiografia ocultado formas alternativas de família e privilegiado apenas o modelo
dominante de organização familiar (SAMARA, 2002; BRUSCHINI, 2000).

6.2 Outros olhares sobre a família no Brasil

Contrapondo os cânones sociológicos, a perspectiva de Del Priore (2013) informa


que o perfil do cenário familiar do Brasil colônia, sobretudo, nas capitais do sudeste, era
nuclear e entre suas principais características, se notava “muitos maridos ausentes,
companheiros ambulantes, mulheres chefiando seus lares e crianças circulando entre
casas e sendo criadas por comadres, vizinhas e familiares” (DEL PRIORE, 2013, p.71).
Fora do controle da Igreja que não desistia de implantar na colônia as regras do
matrimônio, Del Priore (2013, p.71) afirma que “grande parte das mulheres pobres
e empobrecidas vivia ao sabor de corriqueiras uniões consensuais” e que tais
associações pareciam contrapor-se às insípidas uniões de elite, em grande parte
contraídas no interesse de manter patrimônios, reforçar esferas de influência ou
pela necessidade de garantir as filhas a proteção que pais desvalidos não podiam
assegurar. Quanto ao concubinato, por exemplo, com base na análise de documentos
da época, a pesquisadora assevera que eram a realidade da maior parte das famílias
e que a própria igreja relativizava essas relações.
Samara (2002) praticamente resume todos esses argumentos ao buscar ilustrar
um panorama da família que extrapola aquele que ficou edificado no imaginário social,
sobretudo a partir da publicação da obra de Freyre (2003). Muitas pesquisas têm

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demonstrado que “as famílias extensas do tipo patriarcal não foram as predominantes,
sendo mais comuns aquelas com estruturas mais simples e menor número de
integrantes” (SAMARA, 2002, p. 28). Nesses termos, a autora adverte que a descrição
de Freyre foi impropriamente utilizada e deve ser reelaborada nos estudos de família, a
partir de critérios que levem em conta temporalidade, etnias, grupos sociais, contextos
econômicos regionais, razão de sexo e movimento da população.
Voltando-se especificamente para o século XVIII, Samara (2002) parte do “Primeiro
Censo Geral do Brasil, realizado durante o Império em 1872, até a última contagem
estatística tomada no ano de 1996” (SAMARA, 2002, p. 29) e, ao verificar que houve
uma tendência no aumento da população feminina em relação ao número total de
habitantes, afirma que essa variável, associada ao aumento da expectativa de vida
das mulheres e o acesso ao mercado de trabalho, refletiu nos casamentos e, por
conseguinte, na organização das famílias. Em se tratando de Brasil, ela sugere que
as mudanças econômicas interferiram estreitamente nos arranjos familiares, de
modo que as famílias podem ser analisadas em conjunturas distintas: as primeiras
configurações de família no Brasil é, em geral, caracterizada e associada aos
engenhos no Nordeste dos séculos XVI e XVII, como pode se depreender também da
obra de Freyre; o segundo momento gira em torno da descoberta das minas de ouro,
ou seja, a mineração no século XVIII; depois, vê-se um padrão de família que é a que
se apresenta com o apogeu do café no século XIX; e, por fim, pesquisas múltiplas
áreas, sobretudo por parte de pesquisadoras atentas às questões de gênero, abordam
as famílias, no plural, dos séculos XX e XXI. As considerações desta pesquisadora
ajudam a compreender a discussão sobre a formação da “família patriarcal”.
Chegando no século XVIII, Samara (2002) demonstra que a descoberta das minas
de ouro atrai o interesse da metrópole e, a partir de então, o eixo econômico que se
centrava unicamente no Nordeste volta-se para o interior do país, para o sul. No trajeto
histórico em que a vida urbana se torna mais intensa e o controle social por parte dos
poderes constituídos fica mais difícil, eram grandes os números de celibatários e havia
muitos concubinatos. As mulheres “exerciam atividades econômicas fora do âmbito
doméstico e as solteiras com prole natural chefiavam famílias” (SAMARA, 2002, p.
33). Resta evidente que o modelo de família patriarcal estava, em geral, restrito à
elite agrária que imperou, sobretudo, nos séculos XVI e XVII. Embora esses arranjos
alternativos, como os formados por mulheres chefes de famílias, não apareçam em
narrativas como as de Freyre, os estudos com ênfase nas relações de gênero dão uma
perspectiva mais ampla das relações familiares dos primeiros séculos de colonização.

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No século XVIII, a situação era semelhante em áreas mais pobres do


Sul, que gravitavam em torno das Minas como a Capitania de São Paulo,
com núcleos urbanos em crescimento e uma vida rural mais modesta
que a do Nordeste. Nos engenhos de cana paulista, as escravarias eram
menores. Assim, na falta do braço escravo, lavradores empobrecidos
trabalhavam a terra com suas famílias e aceitavam membros
subsidiários para ajudar na faina diária. No meio urbano, pequenos
negócios e uma gama variada de serviços ligados ao abastecimento
ofereciam oportunidades para a população desvinculada do setor
exportador. Isso favoreceu a atuação das mulheres trabalhadoras
que estavam presentes por toda a parte e ocupavam os espaços que
eram deixados pela migração masculina e a falta de escravos. Tudo
isso, sem dúvida, vai alterar o quadro da organização familiar e das
relações de gênero. [...] Assim, especialmente no meio urbano, os papéis
informais, embora não oficialmente reconhecidos e pouco valorizados,
integravam a vida cotidiana, servindo também para desmistificar, no
sistema patriarcal brasileiro, o papel reservado aos sexos e à rígida
divisão de tarefas e incumbências (SAMARA, 2002, p. 33-34).

É no século XVIII que o passado colonial é encerrado e o século XIX carimba uma
etapa decisiva na trajetória do Brasil, isto é, será possível observar mudanças em
todos os espectros, como o social, político e econômico, ou seja, uma nova etapa da
história do país. Além da mudança da corte portuguesa para o Brasil, outros eventos
políticos, econômicos e sociais, como a Independência em 1822, em que findou o
colonialismo formal, a abolição da escravatura 1888, a proclamação da República
em 1889 e a entrada de imigrantes no país vão marcar este século e alterar padrões
sociais, sobretudo no que se refere à família:

Sem dúvida, todas essas mudanças vão incidir diretamente na família


brasileira que vai aos poucos se distanciando do modelo descrito
por para as áreas de lavoura canavieira do Nordeste nos primeiros
tempos da colonização (SAMARA, 2002, p. 39).

O sistema patriarcal começa a perder suas bases com as transformações na


vida rural e a crescente urbanização do sistema econômico. Na segunda metade do
século XIX, um novo modelo de família construída do seio da burguesia europeia foi
introduzido no Brasil, inaugurando uma nova sociabilidade. Nessa abriu-se espaço
para o advento da família higiênica.
Costa (1989) revela a “aliança” firmada entre os higienistas e o Estado com vistas a
enfraquecer o poder do pai colonial, pois a autoridade pretendida pelo Estado burguês
nascente conflitava com o despotismo patriarcal. A implantação desse Estado exigia,
portanto, o declínio da autoridade do pai, até então absoluto dentro da família, o que

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foi produzido com o concurso dos médicos higienistas.


Para Costa (1989), o cenário foi favorável ao trabalho de médicos higienistas que
interviam na situação sanitária das cidades, na higiene infantil, nos hábitos e costumes
populares, na eugenia ou “ideal de branqueamento” do povo brasileiro, no trabalho fabril
etc., em função dos interesses do Estado. Ou seja, a educação higiênica buscava um
compromisso civil e não se tratava apenas de manter a saúde, mas de transformar
atitudes e pensamentos. Acrescenta o autor que, na conjuntura estrutural no século XIX, a
família patriarcal foi sendo substituída pela família nuclear urbana/ burguesa, sem deixar
de lado sua base patriarcal de supremacia masculina. A higiene, a disciplina, a intimidade,
o amor romântico, o amor materno, a afetividade pareciam ter o mesmo núcleo e foram
preceitos fundamentais na adequação a esse molde burguês.
A família patriarcal foi sendo substituída pela família nuclear urbana. Características
do modelo burguês de família: conforme Osterne (2011):
1. É centrado na criança, no lar e no patrimônio.
2. Autoridade dos pais.
3. Profundo amor parental.
4. Manutenção das crianças junto aos pais no núcleo conjugal.
5. Hierarquia, subordinação, autoridade masculina, relações desiguais.
6. Mundo externo pertence ao masculino e a casa ao feminino.

ISTO ESTÁ NA REDE

Mulheres negras no Brasil colonial em dia de festa


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_colonial_do_Brasil#/media/Ficheiro:Juliao11.JPG

O breve quadro histórico delineado acima ilumina a acepção de que a família é


reconhecida como uma matriz de notável centralidade para o tecido social. Sua
configuração é dinâmica, isto é, palco de mutações que acompanham a evolução
econômica, social e cultural de uma dada sociedade.
Na próxima seção, o olhar volta-se para a família no cerne das Constituições Brasileiras.

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AULA 7
A FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES
BRASILEIRAS: PARTE I
Agora a atenção volta-se para a família no cerne das Constituições Brasileiras e
para o modo como o Estado tratou do assunto. Iniciando pela Constituição Imperial
até Constituição de 1988, que será alvo de aprofundamento na aula 8.

7.1 O tratamento constitucional da família brasileira

Sobre o tratamento constitucional da família brasileira, recorre-se a Castanho (2012)


para quem a história brasileira mostra que o Estado, por diversas vezes, interveio no
âmbito privado das famílias sob a alegação de defesa do interesse público. Embora de
caráter privado, diz a autora, a família se correlacionava diretamente com o Estado por
meio do social, e desta forma era por ele constantemente vigiada, pois preocupava
ao Estado as pessoas doentes, ociosas, criminosas, eis que tudo isso contribuía de
forma negativa ao progresso e sobrecarregava as instituições públicas.
Antes de prosseguir, sumarizamos as Constituições Brasileiras no decurso do tempo:
1ª - Constituição de 1824 (Brasil Império)
2ª - Constituição de 1891 (Brasil República)
3ª - Constituição de 1934 (Segunda República)
4ª - Constituição de 1937 (Estado Novo)
5ª - Constituição de 1946
6ª - Constituição de 1967 (Regime Militar)
7ª - Constituição de 1988 (Constituição Cidadã)

Em 1822 o Brasil tornou-se um império independente e soberano. Após a


independência política, iniciou-se o primeiro processo constitucional brasileiro, por
iniciativa do príncipe D. Pedro, que convocou a primeira Assembleia Geral Constituinte
da história brasileira. A primeira constituição brasileira foi outorgada em razão das
divergências de opiniões que ocorreram durante o trâmite constitucional. Já no
anteprojeto verificou-se o caráter classista, e, consequentemente, antidemocrático do
texto, com certa discriminação quanto aos direitos políticos, além de uma postura
claramente elitista que deixou de fora temas como latifúndio e escravismo, a fim de

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não colocar em risco a aristocracia rural brasileira. Evocam-se sumariamente alguns


traços da constituição do império: xenofobia anticolonialista; limitação do poder do
imperador D. Pedro I, que perdeu o controle das forças armadas para o parlamento;
empreitada constitucional balizada pelos anseios da classe dominante.
No marco antecedente à declaração de independência do Brasil, isto é, no período
colonial, houve fortalecimento da família patriarcal. Isto se deu em virtude de o governo
português não conseguir um notável alcance representativo em toda a colônia. Nesse
âmbito, a família tinha influência central nos padrões culturais do indivíduo, pois era por
meio dela que os indivíduos eram moldados. Deste modo, o modelo patriarcal de família
coadunava com as normas sociais da época. Castanho (2012) explica que o Brasil
deixou de ser colônia, criou sua primeira constituição, porém, inobstante a importância
do instituto da família para a sociedade daquela época, a Constituição do Império não
dedicou qualquer dispositivo à família. Também não havia qualquer lei que tratasse do
tema. Muito embora oficialmente independente de Portugal, as Ordenações Filipinas, por
meio da Lei Imperial de 20 de outubro do ano de 1823, continuaram a viger no Brasil, de
maneira que o direito das famílias continuou sendo objeto das leis portuguesas e da igreja.
Por outro ângulo, visualizou-se a preocupação do texto constitucional de 1824 com
a proteção da família imperial portuguesa no Brasil:

Art. 107. A Assembléa Geral, logo que o Imperador succeder no


Imperio, lhe assignará, e á Imperatriz Sua Augusta Esposa uma
Dotação correspondente ao decoro de Sua Alta Dignidade.
Art. 108. A Dotação assignada ao presente Imperador, e á Sua Augusta
Esposa deverá ser augmentada, visto que as circumstancias actuaes
não permittem, que se fixe desde já uma somma adequada ao decoro
de Suas Augustas Pessoas, e Dignidade da Nação.
Art. 109. A Assembléa assignará tambem alimentos ao Principe
Imperial, e aos demais Principes, desde que nascerem. Os alimentos
dados aos Principes cessarão sómente, quando elles sahirem para
fóra do Imperio.
Art. 112. Quando as Princezas houverem de casar, a Assembléa lhes
assignará o seu Dote, e com a entrega delle cessarão os alimentos.
Art. 113. Aos Principes, que se casarem, e forem residir fóra do
Imperio, se entregará por uma vez sómente uma quantia determinada
pela Assembléa, com o que cessarão os alimentos, que percebiam.
Art. 114. A Dotação, Alimentos, e Dotes, de que fallam os Artigos
antecedentes, serão pagos pelo Thesouro Publico, entregues a um
Mordomo, nomeado pelo Imperador, com quem se poderão tratar as
Acções activas e passivas, concernentes aos interesses da Casa Imperial.
Art. 115. Os Palacios, e Terrenos Nacionaes, possuidos actualmente pelo
Senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo a Seus Successores; e a
Nação cuidará nas acquisições, e construcções, que julgar convenientes
para a decencia, e recreio do Imperador, e sua Familia.

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O casamento civil somente foi legitimado por meio do Decreto n. 181 de 1890:

Art. 108. O casamento civil, único válido nos termos do art. 108 do Dec.
N. 181 de janeiro último, precederá sempre as cerimônias religiosas de
qualquer culto com que desejem solenizá-lo os nubentes. O ministro
de qualquer confissão que celebrar as cerimônias religiosas do
casamento antes do ato civil, será punido com seis meses de prisão
e multa correspondente à metade do tempo.

7.2 Da proclamação da República à Lei do Divórcio de 1977

No ano de 1889 foi Proclamada a República e firmou-se um governo provisório que,


na pessoa de Rui Barbosa, manteve os ideais acerca do casamento que prevaleceu na
Constituição subsequente - a de 1891. A Constituição de 1891, no que se relaciona ao
tratamento dispensado à família, trouxe somente um único dispositivo no bojo da sessão
dedicada à declaração de Direitos: “Art. 72, § 4°: a república só reconhece o casamento civil,
cuja celebração será gratuita”. O enunciado manifesta notório propósito político ao retirar da
Igreja Católica o mando sobre o ato jurídico do casamento. Pelo que é possível perceber,
o Direito Constitucional deste período girava seus interesses em torno de espectros
políticos, do exercício do poder, das atribuições do Estado, da manutenção da ordem e
da segurança. Nota-se, desse modo, que tanto a Constituição Imperial quanto a primeira
Constituição da República não situaram a família no rol de suas prioridades.

Capa do Diário Popular do dia 16 de novembro de 1889 noticiando a proclamação da República.


Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Proclama%C3%A7%C3%A3o_da_Rep%C3%BAblica_do_Brasil#/media/Ficheiro:Capa_do_Di%C3%A1rio_Popular.jpg

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Caminhando com Castanho (2012) para a Era Vargas e as Constituições de 1934


e 1937, em 16 de julho de 1934 foi promulgada a segunda Constituição Republicana
do Brasil. Seu texto representou a transição entre o Estado Liberal Clássico para o
Estado Intervencionista. A Constituição de 1934 determinou ao Estado o dever de
especial proteção à família e dedicou um capítulo (artigos 144 a 147) para cuidar dos
temas casamento e nascimento dos filhos, estabelecendo regras e conceitos, como é
possível observar da leitura abaixo:

Art 144 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob


a proteção especial do Estado.
Parágrafo único - A lei civil determinará os casos de desquite e de
anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio , com
efeito suspensivo.
Art 145 - A lei regulará a apresentação pelos nubentes de prova de
sanidade física e mental, tendo em atenção as condições regionais
do País.
Art 146 - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O
casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo
rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá,
todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que,
perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação
dos impedimentos e no processo da oposição sejam observadas
as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O
registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades
para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do
casamento.
Parágrafo único - Será também gratuita a habilitação para o casamento,
inclusive os documentos necessários, quando o requisitarem os
Juízes Criminais ou de menores, nos casos de sua competência, em
favor de pessoas necessitadas.
Art 147 - O reconhecimento dos filhos naturais será isento de quaisquer
selos ou emolumentos, e a herança, que lhes caiba, ficará sujeita, a
impostos iguais aos que recaiam sobre a dos filhos legítimos.

O dispositivo constitucional acenou para a instituição do casamento como


instrumento de origem da família, mas de modo formal, deixando de apresentar um
conceito de família e seu alcance como direito material. Afora este caráter formal
adotado pela Constituição em comento, uma importante conquista há de ser lembrada,
qual seja: a inserção da família sob proteção especial do Estado, conforme se observa
da leitura do caput do Art. 144 (CASTANHO, 2012). Constatou-se o cuidado do
legislador em atribuir ao Estado o dever de socorrer as famílias com elevado número
de filhos: “Art 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das
leis respectivas: [...] d) socorrer as famílias de prole numerosa.”

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Já a Constituição de 1937 (a Polaca), que criou o Estado Novo de Getúlio Vargas tinha
traços autoritários e centralizadores. O novo normativo constitucional foi outorgado
pela autoridade que vigorava quando da elaboração da Constituição de 1934 e pôs
em cena inovações: à família, continuou sendo dispensada a devida proteção especial
do Estado; notou-se preocupação com a educação dos filhos, cuja obrigação deixou a
cargo dos pais com a colaboração Estatal; verificou-se o reconhecimento de igualdade
entre os filhos naturais e os legítimos; foi dada, por parte do Estado, atenção com a
infância e juventude. Esta Constituição, muito embora atribua à família o dever de
cuidado com os membros da família, chama para o Estado, a responsabilidade, em
casos de falta grave e abandono por parte dos responsáveis (CASTANHO, 2012).
Tratar-se-á em conjunto, das Constituições de 1946, 1967 e 1969 (ou Emenda
Constitucional n. 1 de 17.10.1969). Isto porque, no nexo constitucional da família houve
pouca alteração com relação às constituições anteriores, ou seja, mantiveram-se os
institutos emprestados das Constituições já mencionadas - a família sob a especial
proteção do Estado, o casamento continuava indissolúvel e reconhecimento do casamento
religioso e civil. A inovação que se acresce é o alargamento da assistência à maternidade,
infância e adolescência. É o que se confere com base nos artigos transcritos:

Art 163 - A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel


e terá direito à proteção especial do Estado.
§ 1º - O casamento será civil, e gratuita a sua celebração. O casamento
religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e
as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer
interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público.
§ 2º - O casamento religioso, celebrado sem as formalidades deste artigo,
terá efeitos civis, se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro
Público, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente.
Art 164 - É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à
maternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo de
famílias de prole numerosa.

ANOTE ISSO

Até 1977, o casamento era indissolúvel no Brasil, mantendo a legislação brasileira


as heranças coloniais. É, então, importante mencionar a Emenda Constitucional de
1977 que instituiu o direito ao divórcio. A Lei do Divórcio, Lei n.º 6.515/1977, garantiu
a dissolubilidade do vínculo matrimonial pela separação judicial ou pelo divórcio e a
celebração de nova união, mas manteve restrições, como por exemplo, a dissolução
do casamento só era possível após prévia separação judicial por mais de três anos
ou prévia separação de fato por mais de cinco anos e o divórcio só poderia ser
requerido uma única vez.

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Na linha temporal da história das Constituições brasileiras, a sociedade foi palco


de mutações e junto com ela a família. Os novos contornos continuam a desafiar a
possibilidade de enquadrar a família um conceito único.

ISTO ESTÁ NA REDE

Para milhares de famílias brasileiras, o melhor presente do Natal de 1977 chegou


no dia seguinte ao feriado. Em 26 de dezembro, finalmente foi sancionada a lei que
instituiu o divórcio no país. Até então, o casamento era indissolúvel. A maridos e
esposas infelizes só restava o desquite.
Convidamos para conferir a matéria da Agência Senado na integra: https://www12.
senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/divorcio-demorou-a chegar-no-brasil
Fonte: Agência Senado.

Teceu-se um breve panorama das legislações que regeram os assuntos de família


do país depois de terem sido capturados pelas atenções do Estado. A próxima seção
trata da família na Constituição Brasileira de 1988.

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AULA 8
A FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES
BRASILEIRAS: PARTE II
A família, a Constituição de 1988 e algumas legislações adicionais que versam sobre
o assunto são alvos de aprofundamento nesta aula. O reconhecimento da importância
da família no contexto da vida social está expresso no Art. 226, da Constituição Federal
de 1988, quando afirma que: “a família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado”, endossando o Art. 16, da Declaração dos Direitos Humanos, que traduz a
família como sendo o núcleo natural e fundamental da sociedade, e com direito à
proteção da sociedade e do Estado.

8.1 A família no Código Civil e na Constituição Brasileira de 1988

A Constituição Brasileira de 1988 é considerada uma das mais avançadas do


mundo. Desponta como valor substancial o respeito à dignidade humana ancorado
nos princípios fulcrais da liberdade e da igualdade e, ademais, consagra a família
como base da sociedade, vedando qualquer viés discriminatório. Seria, então, o Brasil
um Paraíso na Terra? Aqui, a discriminação inexiste, reina o primado dos direitos
humanos, e é absoluto o respeito às diferenças? A resposta para estas indagações é
motivo de controversas.

Sessão parlamentar que então estabeleceu a Constituição de 1988


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_brasileira_de_1988#/media/Ficheiro:Sessaoconstituinte.jpg

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Em Dias (2010) encontramos a premissa de que a chamada Constituição Cidadã


alargou o conceito de família, varrendo séculos de hipocrisia ao inserir no âmbito
da proteção jurídica a família dos dias de hoje. Esse redimensionamento, calcado
na realidade que se impôs, acabou afastando da ideia de família o pressuposto de
casamento. Rechaçou o tratamento discriminatório entre os filhos, pois antes filho
tinha rótulo: filho ilegítimo, bastardo, incestuoso, adotivo. Eles não tinham os mesmo
direitos dos chamados “filhos legítimos”. Com os novos preceitos constitucionais,
filho não tem mais adjetivo. Prevaleceu também a igualdade formal entre o homem e
a mulher. A autora ainda recorda que o Código Civil de 1916, vigente até o ano 2003,
dizia ser o homem a “cabeça do casal”, o chefe da sociedade conjugal.

ANOTE ISSO

Na Constituição Federal a família encontra respaldo e a premissa conceitual que


deu origem ao Código de 2002, bem como as características inovadoras que
trouxeram proteção aos diversos modelos familiares. No Art. 226 e seus parágrafos,
estão o leque de princípios referentes ao Direito de Família; União estável; Igualdade
dos cônjuges; Facilitação do divórcio; Igualdade do tratamento entre filhos; União
estável, etc. No cerne da Constituição Federal de 1988 são explícitas como
entidades familiares os seguintes modelos: casamento (art. 226 § 1º e § 2º, CF),
união estável (art. 226 § 3º, CF) e família monoparental (art. 226 § 4º, CF).
À luz da doutrina, examinamos cada uma das entidades explicitadas pela CF/1988.
1. O Código Civil (2002, p. 1) expõe em seu Art. 1.511 que: “O casamento
estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e
deveres dos cônjuges”.
2. Já o Art. 1.723 do Código Civil (2002, p. 1) evidencia os requisitos para
caracterizar a união estável: “É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua
e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
3. A noção de família monoparental, está situada no Art. 226 § 4º, CF/1988:
“Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes”

Dias (2010) acresce que a Constituição concedeu especial proteção à entidade


familiar, como base da sociedade, acabando com a ideia sacralizada da família,
constituída exclusivamente pelos “sagrados” laços do matrimônio, para “crescei e
multiplicai-vos até que a morte os separe”. Além de outorgar proteção ao casamento,

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também reconheceu como entidade familiar, a união estável. Também a Constituição


reconheceu como família o convívio de um dos pais com seus filhos. Com a inclusão
no conceito de família das estruturas monoparentais, a ideia de migrou da genitalidade
para a afetividade. Afinal, a união estável nada mais é do que um relacionamento que
tem por fundamento um vínculo afetivo (DIAS, 2010).
Freire (2020) flagrantes mudanças de foram propostas efetivamente pelo texto da
Constituição Federal de 1988, cujas conquistas, deveram-se, também, à participação
efetiva das mulheres no processo da Constituinte, as quais se manifestaram, por
exemplo, por meio de documentos como a “Carta das Mulheres Brasileiras aos
Constituintes”. Na CF, em seu artigo 226, parágrafo 5º, ao assegurar que “homens
e mulheres têm os mesmos direitos na constância da sociedade conjugal”, revogou
praticamente todas as disposições do Código Civil que legitimavam a subordinação
feminina no que tange ao direito de família. Também se destaca o § 8.º, do art. 226,
que, ao assegurar “a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, reconheceu
o dever do Estado em garantir uma vida sem violência doméstica para as mulheres,
transmutando os artigos do Código Civil de 1916 e do Código Penal discriminatórios e
sexistas em vigor. Ainda segundo Dias (s/d):

A atual Constituição Federal, datada de 1988, patrocinou a maior


reforma já ocorrida no Direito de Família. Três eixos nortearam uma
grande reviravolta nos aspectos jurídicos da família. Ainda que o
princípio da igualdade já viesse consagrado desde a Constituição
Federal de 1937, além da igualdade de todos perante a lei (art. 5ª),
pela primeira vez foi enfatizada a igualdade entre homens e mulheres,
em direitos e obrigações (inc. I do art. 5º). De forma até repetitiva e
afirmando que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal
são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (§ 5º do art.
226). Mas a Constituição foi além. Já no preâmbulo assegura o direito
à igualdade e estabelece como objetivo fundamental do Estado
promover o bem de todos, sem preconceito de sexo (inc. IV do art.
2º) (DIAS, 2010, p. 2).

No Código Civil de 1916 prevaleciam os interesses patrimoniais e as diferenças


de direitos entre o homem, a mulher e os filhos eram flagrantes. Em 2002 o Código
Civil passou por reformas, mas ainda traz em partes do seu texto ideias que ratificam
o modelo de família e de relação conjugal idealizada pelo patriarcado. Por exemplo,
determinações legais mantidas no atual Código Civil ainda legitimam desigualdades
entre homens e mulheres.

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A tentativa do legislador de sepultar as regras jurídicas que já não mais


existiam, no entanto, não foi de todo feliz, pois alguns dispositivos
que denotam tratamento discriminatório ainda se encontram na nova
lei. [...] Não há como deixar de reconhecer que, na nossa realidade
social, o viés patriarcal da família subsiste. O patrimônio ainda está
nas mãos dos homens. Os filhos ficam sob a guarda materna e o
pai é o devedor de alimentos. Assim, dispensar o adimplemento
das obrigações assumidas na separação para a sua conversão
em divórcio foi um duro golpe em prejuízo às mulheres. [...] É ela
que tem os filhos consigo. É ela que tem que cobrar os alimentos,
muitas vezes enfrentando a resistência dos filhos que não querem
ver ‘o pai na cadeia’, mesmo que ele não lhes alcance alimentos. A
mantença de dispositivos na nova lei, cuja inconstitucionalidade já
vinha sendo decantada pela jurisprudência demonstra a resistência
do legislador em se afastar do modelo de família que o Código anterior
retratava, mas que não mais serve para identificar as atuais estruturas
familiares.” (DIAS, 2010, p. 4).

8.2 Alguns desafios e outras legislações

Em se tratando das transformações constitucionais que ganharam relevo no


decorrer dos anos, Freire (2020) adverte que não foram suficientes para garantir
legitimamente a igualdade de direitos entre os sexos. Com relação à conjugalidade
é possível verificar que ao longo dos séculos o discurso moral e jurídico difundiu
no imaginário coletivo a ideia da vocação inata das mulheres para o casamento e
usou o contrato conjugal como uma ferramenta de controle e de regulamentação e
legitimação de relações hierárquicas e desiguais entre mulheres e homens. Por isso,
diz a autora, apesar das sucessivas modificações e da reforma do texto do Código Civil
de 1916, ainda persiste na lei a sacralização da família e a preservação do casamento.
Sobre esse fato, Dias (2010) argumenta que, em muitos aspectos, esse código
continua omisso, já que, por exemplo, ainda não regulamentou as novas feições
familiares, prejudicando um número significativo de famílias brasileiras que são
chefiadas por mulheres.
Outro aspecto relevante posto em evidência por Dias (2010) refere-se à falta de
responsabilização de quem descumpre os deveres inerentes ao poder familiar, como
não há nenhuma penalidade prevista a quem não cumpre o dever de visitar os filhos.
A resistência em dissolver totalmente o contrato conjugal com o intuito de manter o
modelo de família preconizado pelo ideal burguês também fica evidente pela ausência
de regulamentação da filiação socioafetiva, que impede que sejam estabelecidos

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vínculos de filiação com quem exerce as funções parentais. Por exemplo, se os filhos
completamente abandonados pelo pai passarem a ter estreita vinculação com o
companheiro ou marido da mãe, eles só poderão ser adotados por essas pessoas
com o consentimento expresso do pai. Dias (s/d) aduz que essa restrição revela a
sacralização do vínculo familiar originário em detrimento do elo de afetividade que se
cristaliza.
Mencionamos, segundo elucida Freire (2020), a aprovação da Lei Maria da Penha
(Lei n.º 11.340/2006) que, embora tivesse como propósito coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher, trouxe a previsão de outras formas de entidade familiar
quando definiu família, de forma inédita, como sendo “qualquer relação íntima de afeto”
(artigo 5º, III), tanto por parentesco quanto por relação de afetividade, heterossexual
ou homossexual, alargando assim o rol constitucional; já a alteração do Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei n.º 12.010/2009) apresentou o conceito de família
extensa ou ampliada, como sendo aquela que se estende para além da unidade pais e
filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança
ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

ISTO ESTÁ NA REDE

O Conselho Federal de Serviço Social – CFESS lançou um manifesto nacional em


alusão ao dia da visibilidade lésbica. Vejamos o que diz parte do texto:
São tantos temas e situações que afetam as mulheres que amam e se relacionam
com outras mulheres, que, para dar destaque a essa data, escolhemos dialogar
com assistentes sociais e com a sociedade sobre a família das mulheres lésbicas
e de toda a população de gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). A
condição vivida por LGBTs e suas famílias e a tentativa de intervenção do Estado
e do parlamento brasileiro nessa dimensão da vida cotidiana requer bastante
compreensão e ação por parte de profissionais como nós, que trabalhamos
diariamente com as necessidades mais diversas das famílias que existem, de
fato, na chamada “vida real”. A forma como se concebe uma família é produto
histórico e, portanto, não apresenta uma maneira de ser única e inalterada. Diversas
mudanças ocorreram ao longo da história da humanidade no que se refere à
composição familiar e aos papéis que passaram a ser atribuídos a seus membros,
especialmente a partir da divisão sexual do trabalho e das relações de gênero.
Mesmo ao considerarmos os restritivos padrões estabelecidos socialmente,
cuja base familiar deve ser formada a partir da união entre homem e mulher, é

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inegável, por exemplo, que as mudanças operadas nas últimas décadas alteraram
o lugar social que homens e mulheres ocupam na família. Atualmente, um grande
contingente de mulheres ocupa o lugar de principal provedora, embora ocupem as
vagas de emprego mais precarizadas e com menor remuneração. O tamanho das
famílias também diminuiu com os avanços tecnológicos, que permitiram o controle
da concepção e o planejamento familiar.
Fonte: http://www.cfess.org.br/arquivos/2017-CfessManifesta-VisibilidadeLesbica.pdf

De resto, concluímos a presente seção salientando que as noções de família sofrem


constantes mudanças e, por conseguinte, a sociedade e as normas positivadas passam
por adaptações. A família tida como tradicional, composta pelo pai, mãe e filhos não
é a única possibilidade, tampouco consegue dar conta da realidade plural que o tema
“família” mobiliza, nem o casamento é regra para que uma família se legitime.

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AULA 9
FAMÍLIA E LEGISLAÇÃO: O
CÓDIGO CIVIL E O ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Privilegiamos alguns elementos que consideramos essenciais naquilo que diz
respeito ao Código Civil e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no trato da
categoria família e proteção social.

9.1 O Código Civil

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança aprovada na Resolução


44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 foi um
marco internacional na consolidação dos direitos da criança e do adolescente, pois
estabeleceu prioridade na implantação dos direitos. A Constituição Federal de 1988
antecipou as diretrizes previstas na referida Convenção e postulou: é dever da família,
da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Convocamos agora o Art. 1.634, do Código Civil para esclarecimentos de ordem
conceitual: compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal,
o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: dirigir-lhes
a criação e educação; tê-los em sua companhia e guarda; conceder-lhes ou negar-
lhes consentimento para casarem; nomear-lhes tutor por testamento ou documento
autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o
poder familiar; representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-
los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; exigir que lhes prestem obediência,
respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Extingue-se, sobremaneira, o poder familiar: pela morte dos pais ou do filho; pela

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emancipação, nos termos do art. 5 o , parágrafo único; pela maioridade; pela adoção;
por decisão judicial. Ainda na esteira do Código Civil, importa frisar:

Art 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece


união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior,
os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência
do novo cônjuge ou companheiro.
Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-
se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união
estável.
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos
deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz,
requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida
que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres,
até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar
ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de
crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo
antecedente.
V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de
adoção.
Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder
familiar aquele que:
I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar:
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou
seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo
violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à
condição de mulher;
b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena
de reclusão;
II – praticar contra filho, filha ou outro descendente:
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou
seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo
violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à
condição de mulher;
b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade
sexual sujeito à pena de reclusão.

9.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente

O ECA, surgido em 13 de julho de 1990, é o marco legal que reuniu pautas


reivindicatórias dos movimentos sociais que lutavam pela ideia de que crianças e

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adolescentes são sujeitos de direitos e merecem acesso à cidadania e proteção. O


ECA foi publicado pela Lei Federal nº 8069. Desde então, o Brasil adotou um novo
paradigma de tratamento das questões afetas à proteção dos direitos de crianças e
adolescentes, tais como, a proteção integral, que considera crianças e adolescentes
sujeitos de direitos e garantias fundamentais, em situação de absoluta prioridade.
O ECA expressa ainda a responsabilidade compartilhada entre Estado, sociedade e
família, na garantia de uma infância e adolescência dignas e protegidas.
Em suas disposições preliminares o ECA considera criança, para os efeitos desta
Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze
e dezoito anos de idade. Ademais, é dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
Dito isto, seguimos adiante e sobre o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade o ECA,
em seu Art. 18, normatiza que: a criança e o adolescente têm o direito de ser educados
e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como
formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos
integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores
de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-
los, educá-los ou protegê-los. Para os fins da lei n° 8969/1990, considera-se: I - castigo
físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre
a criança ou o adolescente que resulte em: sofrimento físico; ou lesão. Tratamento
cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao
adolescente que: humilhe; ou ameace gravemente; ou ridicularize.
É ainda direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua
família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar
e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. Já a gestante
ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo
após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude e ouvida
pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, que apresentará
relatório à autoridade judiciária, considerando inclusive os eventuais efeitos do estado
gestacional e puerperal.
O Art. 25 expressa que família natural é a comunidade formada pelos pais ou qualquer
deles e seus descendentes. Já família extensa ou ampliada aquela que se estende para
além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos

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com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e


afetividade. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos
pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento,
mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação.
Naquilo que concerne à família substituta (Art. 28) o ECA é enfático e regulamenta
que a colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção,
independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta
Lei. De modo esquemático e respeitando o conteúdo dos artigos 28 a 32 do ECA:
• Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por
equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão
sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.
• Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu
consentimento, colhido em audiência.
• Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação
de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes
da medida.
• Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma
família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra
situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-
se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.
• A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida
de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe
interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente
com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia
do direito à convivência familiar.
• Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de
comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: que sejam consideradas
e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como
suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais
reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; que a colocação familiar ocorra
prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia;
a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política
indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante
a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso.
• Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por
qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente

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familiar adequado.
• A colocação em família substituta não admitirá transferência da criança ou
adolescente a terceiros ou a entidades governamentais ou não-governamentais, sem
autorização judicial.
• A colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional,
somente admissível na modalidade de adoção.
• Ao assumir a guarda ou a tutela, o responsável prestará compromisso de bem
e fielmente desempenhar o encargo, mediante termo nos autos.

O instituto da guarda será alvo de aprofundamento na seção 10, mas a título


de contextualização, antecipamos que a guarda obriga a prestação de assistência
material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o
direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. Logo, passamos a verificar o que diz o
ECA acerca da tutela. A tutela será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até 18
(dezoito) anos incompletos. O deferimento da tutela pressupõe a prévia decretação da
perda ou suspensão do poder familiar e implica necessariamente o dever de guarda.

ANOTE ISSO

• A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas


quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família
natural ou extensa, na forma do parágrafo único do Art. 25 do ECA.
• É vedada a adoção por procuração.
• Em caso de conflito entre direitos e interesses do adotando e de outras pessoas,
inclusive seus pais biológicos, devem prevalecer os direitos e os interesses do
adotando.
• O adotando deve contar com, no máximo, dezoito anos à data do pedido, salvo se
já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.
• A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e
deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e
parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
• Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos
de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos
parentes.
• Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente
ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.
• O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.

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No período anterior ao ECA, a criança/adolescente era tida como um “adulto em


miniatura”, sem dispor de um tratamento especial. A legislação vigente era o Código
de Menores, de 1979. Fruto de um contexto autoritário, o Código de Menores não
esboçava preocupação com a proteção integral da criança/adolescente, sendo a
finalidade precípua do legislador “tirar de circulação” aqueles que tumultuavam a
ordem social.
Após o advento do ECA alguns direitos fundamentais foram assegurados, tais
como:
a) Direitos à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade - A criança e o adolescente têm
direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, como pessoas humanas em processo de
desenvolvimento. Crianças e adolescentes podem opinar e se expressar, brincar, ter
auxílio, refúgio e orientação.
b) Direito à convivência familiar e comunitária - Crianças e adolescentes têm o
direito de serem criados e educados no seio de sua família, com a convivência familiar
e comunitária garantidas.
c) Direito à profissionalização e à proteção no trabalho - Toda criança e adolescente
tem direito à educação, visando o desenvolvimento tranquilo e saudável, na forma com
que este item seja um exercício da cidadania, além da qualificação para o trabalho.
Segundo o estatuto, a profissionalização deve oferecer condições para a frequência
regular na escola, tendo a prática proibida para menores de 14 anos.
d) Educação, cultura, esporte e lazer - É direito da criança e adolescente ter acesso
à informação, cultura, esporte, lazer diversões e espetáculos, desde que estes estejam
de acordo com a faixa etária do indivíduo.
e) Ser protegido de casos de violência, seja ela física ou psicológica - Diz respeito ao
direito à integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente. A legislação
abrange a preservação da imagem, identidade e autonomia, além dos valores, ideias
e crenças.

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ISTO ESTÁ NA REDE

O Conselho Federal de Serviço Social – CFESS lançou um manifesto nacional em


alusão ao ECA. Vamos observar parte do escrito:
Neste quarto de século, a sociedade brasileira pôde vivenciar a constituição de um
sistema de garantia de direitos, que abarca políticas sociais básicas e especiais,
específicas ou transversais ao segmento infanto-juvenil, e desenvolveu mecanismos,
ainda que insuficientes, voltados à defesa e garantia de direitos. O Brasil
implementou, nas últimas duas décadas, conselhos tutelares, responsáveis por zelar
pelos direitos de crianças e adolescentes, expandindo sua inserção pelo país afora;
criou e consolidou conselhos e fundos dos direitos da criança e do adolescente.
Agregou aos debates em torno da infância a presença do controle social, por meio
dos conselhos, fóruns e conferências, de modo transparente e assegurando a
construção coletiva. Se, por um lado, se avançou no arcabouço da política pública
de viés participativo e com controle popular, não se escapou das armadilhas.
Alguns conselhos de direitos tornaram-se balcão de negociação de convênios, com
ênfase ao cunho cartorial de sua atuação. Por seu turno, os conselhos tutelares,
em alguma medida, sofreram seu aparelhamento político-partidário e religioso.
Contudo, fazem parte da legítima luta pelo poder e do amadurecimento do exercício
democrático na esfera pública, de modo que, nos fluxos e contrafluxos dos
processos sociais, implicam no avanço e retrocesso nos desafios apresentados.
Fonte: http://www.cfess.org.br/arquivos/2017-CfessManifesta-27AnosEca.pdf

Em suma e para finalizar, resta esclarecer alguns pontos que merecem ênfase.
Pois bem, a Doutrina da Proteção Integral firmou-se com a promulgação do ECA,
assegurando às crianças e adolescentes o pleno gozo pleno dos direitos humanos e
dos direitos fundamentais. O melhor interesse da criança e do adolescente deita raízes
no princípio da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, ou seja, a criança e
o adolescente encontram-se em desenvolvimento físico, emocional e intelectual. Em
suma, o ECA regulamentou os pressupostos suscitados pela Constituição Federal
de 1988, formalizando, assim, a Doutrina da Proteção Integral e consolidou um
arcabouço de princípios e regras. O princípio do melhor interesse determina a primazia
das necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação da lei,
deslinde de conflitos, ou mesmo para elaboração de futuras regras. O princípio da
prioridade absoluta, por sua vez, assegura às crianças e adolescentes a prioridade
seja no âmbito judicial, extrajudicial, familiar, social ou administrativo.

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AULA 10
FAMÍLIA E LEGISLAÇÃO: A
GUARDA COMPARTILHADA
Na presente aula trataremos das noções de guarda compartilhada, acentuando
seus conceitos, regulamentação e requisitos, abrangendo a incorporação da Lei nº
13.058/2014 como modelo para a parentalidade no Brasil.

10.1 A Lei n° 13.058/2014: o que mudou?

Afinal, quem faz a lei? Para atender que finalidade? Para ser aplicada por quem e
sob que condições? As leis, bem como sua interpretação e implementação fazem eco
às relações de poder e padrões socioeconômicos e culturais vigentes. Seu conteúdo
normativo e sua legitimidade social estão situados no domínio político e abrangem
embates de poder nacionais e internacionais. Leis e, também, políticas públicas, estão
correlatas a conjunturas políticas. Foi sob a pressão dos feminismos que o Direito
evoluiu no âmbito da vida privada.
Sierra (2011) comenta que o divórcio e a separação são uma das faces da vida conjugal
e das biografias familiares, na medida em que se tornaram experiências sociais inerentes
à própria conjugalidade, que inscrevem as grandes transformações sociais promovidas
pelo processo de modernização social nas trajetórias e nas vidas individuais.

ISTO ESTÁ NA REDE

Divórcios extrajudiciais sobem 26,9% de janeiro a maio de 2021 e disparam na


pandemia; SP lidera ranking nacional, diz o portal G1 São Paulo.
Convido você a conferir a reportagem na íntegra: https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/2021/06/11/divorcios-extrajudiciais-sobem-269percent-entre-janeiro-a-
maio-de-2021-e-disparam-na-pandemia-sp-lidera-ranking-nacional.ghtml.

O Código Civil Brasileiro traz em seu Art. 1.583 as modalidades de guarda possíveis
no ordenamento jurídico, firmando que ela será unilateral ou compartilhada - sendo

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a unilateral aquela em que a responsabilidade sobre os filhos cabe apenas a um


dos genitores e a compartilhada a que divide, da forma mais igualitária possível, a
responsabilidade sobre os filhos. Na íntegra:

Artigo 1.583: A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1º.


Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos
genitores ou a alguém que o substitua (artigo 1.584, § 5º.) e, por
guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de
direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto,
concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

Deveras, o texto trazido pelo artigo acima transcrito não impede que outras
modalidades possam ser concedidas, desde que visem ao bem-estar e aos interesses
da criança. No contexto brasileiro, Gagliano e Pamplona Filho (2014) aduzem que,
em geral, têm-se quatro modalidades de guarda: guarda unilateral; guarda alternada;
guarda de nidação ou aninhamento e guarda compartilhada. Frisa-se mais uma
vez que o Código Civil brasileiro faz alusão a apenas duas modalidades de guarda:
a guarda unilateral e a guarda compartilhada. Todavia, nos limites das linhas que
seguem, trataremos apenas da guarda compartilhada.
A expressão “guarda compartilhada” de crianças refere-se à possibilidade de os filhos de
pais separados serem assistidos por ambos os pais. Nela, os pais têm efetiva e equivalente
autoridade legal, não só para tomar decisões importantes quanto ao bem-estar de seus
filhos, como também de conviver com esses filhos em igualdade de condições.
A guarda jurídica compartilhada já era reconhecida no ordenamento jurídico brasileiro
antes mesmo da primeira lei sobre guarda compartilhada (Lei n. 11.698/2008), no
entanto, a lei não foi assimilada pelo Poder Judiciário, haja vista que, em 2012, apenas
6,01% dos divórcios com filhos tiveram essa modalidade de guarda determinada.
Já a Lei n°. 13.058/2014 alterou a redação dos arts. 1.583 e 1.634 do Código Civil
para instituir, expressamente, tanto a guarda jurídica compartilhada quanto a guarda
física compartilhada. O art. 1.634, que trata a respeito da autoridade parental,
ganhou a expressão “qualquer que seja a situação conjugal dos pais”, ao mencionar
caber a ambos o pleno exercício do poder familiar, consagrando a guarda jurídica
compartilhada (ROSA, 2015; RAMOS, 2016, RIBEIRO, 2017).
A propósito, sancionada em 22 de dezembro de 2014 pela Presidente Dilma
Rousseff, a chamada “Nova Lei da Guarda Compartilhada” – Lei n° 13.058, alterou os
artigos 1.583 a 1.585 e 1.634, da Lei n° 10.406/2002 – Código Civil para estabelecer
o significado da expressão guarda compartilhada e para dispor sobre a aplicação
desse instituto jurídico. A Lei n° 13.058/2014 trouxe algumas inovações: os genitores

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separados passam a ter tempo de convívio com os filhos e uma distribuição equilibrada,
devendo dividir as decisões sobre a sua vida. Se não houver acordo entre os genitores,
o Juiz (a), nos termos da previsão legal, pode determinar obrigatoriamente que ela
seja compartilhada, salvo exceções previstas no art. 1.584 §2º e §5º do Código Civil.
A Lei n° 11.698/2008 presumia que a opção do compartilhamento seria aplicada
quando houvesse uma convivência harmoniosa entre os pais (RODRIGUES, 2017). A partir
da publicação da Lei n° 13.058 de 2014, como se depreende, a mudança na legislação
normatiza o deferimento da guarda compartilhada mesmo quando houver litígio, quer
dizer, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-
se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada esta modalidade.
Por derradeiro, destaca-se que artigo 1.584, § 2º, do Código Civil normatiza apenas duas
situações em que o sistema da guarda não será exercido de forma compartilhada: quando
um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar; quando um dos genitores
declarar ao magistrado que não deseja o exercício da guarda dos filhos.
Duas situações, de caráter excepcional, autorizariam a aplicação da guarda
unilateral: 1) o reconhecimento do quadro grave de alienação parental por parte de
um dos genitores; 2) alguma situação apresentada pelos profissionais atuantes nas
lides familiares, a ser verificada no caso concreto.
Outro aspecto a ser aferido é no tocante a uma eventual medida protetiva, prevista
na Lei Maria da Penha, em relação a um pai que tenha praticado algum tipo de
violência doméstica contra a companheira (ou ex-companheira). Rosa (2015) oberva
que tal fato não implica na impossibilidade do exercício da guarda compartilhada.
Em havendo o deferimento da medida que pode, inclusive, impedir o contato com a
mulher ofendida, o juiz pode restringi-lo às decisões da vida da criança/adolescente
ou solicitar que a comunicação seja realizada por intermédio de pessoa de confiança
da mulher (ROSA, 2015).
Outra ressalva da Lei n° 13.058/2014 foi a previsão de multa para o estabelecimento
público ou privado que negar informações a um dos pais sobre seus filhos, visto
que cabe a ambos o acompanhamento do direito à educação e à saúde destes.
Imperioso referir que a Lei n. 11.698/2008 ao estabelecer a possibilidade da guarda
compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro, trouxe a seguinte redação ao art.
1.584, § 2º, do Código Civil: quando “não houver acordo entre a mãe e o pai quanto
à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”.
Entretanto, com a expressão “sempre que possível”, acabou sendo equivocadamente
interpretado que o compartilhamento somente seria possível com acordo entre os
genitores (Rosa, 2015). Ora, filhos de pais que mantêm o diálogo e se entendem bem,
sequer precisam de normas e princípios sobre guarda compartilhada. “A lei jurídica

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vigente é exatamente para quem não consegue estabelecer um diálogo, ou seja, para
aqueles que não se entendem sobre o compartilhamento das responsabilidades dos
próprios filhos” (MOCELIN, 2017, p. 37).

ANOTE ISSO

Interessante esclarecer: com a Lei n° 13.058/2014 o filho continua residindo com


um dos pais, visto que, em sentido oposto ao que muitas pessoas pensam, a Lei
preceitua a fixação de uma base residencial, isso significa que ou o pai ou a mãe
terá o que até pouco tempo se denominava como custódia física. Acontece que
todas as decisões que envolvam a vida dos filhos devem ser firmadas em conjunto
pelos pais. Vale lembrar que a guarda compartilhada não implica ausência de
pagamento de pensão alimentícia e o genitor que não tem a base de residência
deverá, também, prover a subsistência do filho e custear o encargo.
Fonte: elaborado pela autora.

10.2 Mudanças no Código Civil e a questão da guarda compartilhada

Passamos ao exame do quadro comparativo entre a redação originária do artigo


1.583 e 1.584 do Código Civil de 2002, as modificações após a Lei n° 11.698/2008 e,
por fim, as alterações implementadas pela Lei n° 13.058/2014.

Código Civil (redação original Código Civil (após a Código Civil (após após a
Lei 10.406/2002) Lei n° 11.698/2008) Lei n° 13.058/2014)
Art. 1.583. No caso de dissolu- Art. 1.583. A guarda será unila- Sem alteração
ção da sociedade ou do vínculo teral ou compartilhada.
conjugal pela separação judicial
por mútuo consentimento ou
pelo divórcio direto consensual,
observar-se-á o que os cônjuges
acordarem sobre a guarda dos
filhos.

§ 1º Compreende-se por guarda


unilateral a atribuída a um só
dos genitores ou a alguém que
o substitua (art. 1.584, § 5o)
e, por guarda compartilhada a
responsabilização conjunta e o
exercício de direitos e deveres
do pai e da mãe que não vivam
sob o mesmo teto, concernen-
tes ao poder familiar dos filhos
comuns.

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§ 2º A guarda unilateral será § 2° Na guarda compartilhada,


atribuída ao genitor que revele o tempo de convívio com os
melhores condições para filhos deve ser dividido de forma
exercê-la e, objetivamente, mais equilibrada com a mãe e com o
aptidão para propiciar aos filhos pai, sempre tendo em vista as
os seguintes fatores: I – afeto condições fáticas e os interesses
nas relações com o genitor e dos filhos. I - (revogado); II -
com o grupo familiar; II – saúde (revogado); III - (revogado).
e segurança; III – educação.
§ 4º Vetado Sem alteração
§ 5º A guarda unilateral obriga
o pai ou a mãe que não a
detenha a supervisionar os
interesses dos filhos, e, para
possibilitar tal supervisão,
qualquer dos genitores sempre
será parte legítima para solicitar
informações e/ou prestação de
contas, objetivas ou subjetivas,
em assuntos ou situações que
direta ou indiretamente afetem
a saúde física e psicológica e a
educação de seus filhos.
Art. 1.584. Decretada a separa- Art. 1.584. A guarda, unilateral Sem alteração
ção judicial ou o divórcio, sem ou compartilhada, poderá ser: I
que haja entre as partes acordo – requerida, por consenso, pelo
quanto à guarda dos filhos, será pai e pela mãe, ou por qualquer
ela atribuída a quem revelar me- deles, em ação autônoma de
lhores condições para exercê-la. separação, de divórcio, de dis-
solução de união estável ou em
medida cautelar; II – decretada
pelo juiz, em atenção a neces-
sidades específicas do filho,
ou em razão da distribuição de
tempo necessário ao convívio
deste com o pai e com a mãe.
§ 1º Na audiência de conciliação, Sem alteração
o juiz informará ao pai e à
mãe o significado da guarda
compartilhada, a sua importância,
a similitude de deveres e direitos
atribuídos aos genitores e as
sanções pelo descumprimento
de suas cláusulas.

§ 2º Quando não houver acordo § 2º Quando não houver acordo


entre a mãe e o pai quanto à entre a mãe e o pai quanto à
guarda do filho, será aplicada, guarda do filho, encontrando-
sempre que possível, a guarda se ambos os genitores aptos
compartilhada. a exercer o poder familiar, será
aplicada a guarda compartilhada,
salvo se um dos genitores
declarar ao magistrado que não
deseja a guarda do menor.

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§ 3º Para estabelecer as § 3º Para estabelecer as


atribuições do pai e da mãe e atribuições do pai e da mãe e
os períodos de convivência sob os períodos de convivência sob
guarda compartilhada, o juiz, guarda compartilhada, o juiz,
de ofício ou a requerimento de ofício ou a requerimento
do Ministério Público, poderá do Ministério Público, poderá
basear-se em orientação basear-se em orientação técnico
técnico profissional ou de profissional ou de equipe
equipe interdisciplinar. interdisciplinar, que deverá visar
à divisão equilibrada do tempo
com o pai e com a mãe.
§ 4º A alteração não autorizada § 4º A alteração não autorizada
ou o descumprimento imotivado ou o descumprimento imotivado
de cláusula de guarda, unilateral de cláusula de guarda unilateral
ou compartilhada, poderá impli- ou compartilhada poderá impli-
car a redução de prerrogativas car a redução de prerrogativas
atribuídas ao seu detentor, in- atribuídas ao seu detentor.
clusive quanto ao número de
horas de convivência com o fi-
lho.
Parágrafo único. Verificando § 5º Se o juiz verificar que o Sem alteração
que os filhos não devem perma- filho não deve permanecer sob
necer sob a guarda do pai ou da a guarda do pai ou da mãe,
mãe, o juiz deferirá a sua guarda deferirá a guarda à pessoa
à pessoa que revele compatibili- que revele compatibilidade
dade com a natureza da medida, com a natureza da medida,
de preferência levando em conta considerados, de preferência, o
o grau de parentesco e relação grau de parentesco e as relações
de afinidade e afetividade, de de afinidade e afetividade.”
acordo com o disposto na lei es-
pecífica.
§ 6º Qualquer estabelecimento
público ou privado é obrigado a
prestar informações a qualquer
dos genitores sobre os filhos
destes, sob pena de multa de
R$ 200,00 (duzentos reais) a
R$ 500,00 (quinhentos reais)
por dia pelo não atendimento da
solicitação.
Tabela 1 - Mudanças no Código Civil e guarda compartilhada
Fonte: elaborada pela autora.

Necessário é realçar que, embora presente no ordenamento jurídico brasileiro


desde 2008, a guarda compartilhada exigiu novo regramento, não apenas para sua
efetividade, mas, sobretudo, para trazer novos esclarecimentos e diretrizes. O advento
da Lei n° 13.058/2014 oportunizou uma releitura da noção de guarda compartilhada
em si e surgiu da necessidade de reequilibrar os papéis parentais, diante da guarda
uniparental concedida sistematicamente à mãe.

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AULA 11
FAMÍLIA E LEGISLAÇÃO:
A LEI MARIA DA PENHA
Esta aula tem por objetivo versar sobre o fenômeno da violência contra as mulheres,
com ênfase no marco jurídico de avanço nos direitos presentes na Lei Maria da Penha.

Casa da mulher brasileira em Brasília


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Viol%C3%AAncia_dom%C3%A9stica_no_Brasil#/media/Ficheiro:CasadaMulherBrasileira.jpg

11.1 Violência contra as mulheres

A desigualdade entre mulheres e homens é um marco presente na maioria das


sociedades, se não em todas. Sobreleva a lição de Beauvoir (1980, p.17): “Ora, a mulher
sempre foi, se não a escrava do homem, ao menos sua vassala; os dois sexos nunca
partilharam o mundo em igualdade de condições”.
O campo de estudos sobre violência de gênero, especificamente a violência dirigida
à mulher, desponta como uma abordagem teórico-metodológica situada a partir da

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militância feminista, internacional e nacional, pela igualdade de gênero. Bandeira (2014)


ilustra que a qualificação e a análise da problemática da violência contra a mulher
ocorreram à medida que o movimento feminista desconstruiu a ideia corrente de que
o aparato sexual era inerente à natureza das mulheres e dos homens, deslocando
as concepções acerca dos sexos do âmbito biológico e as inscrevendo na trama da
história. Seguindo as pisadas da autora, mister se faz ressaltar que a violência contra
as mulheres:

[...] ocorre motivada pelas expressões de desigualdades baseadas na


condição de sexo, a qual começa no universo familiar, onde as relações
de gênero se constituem no protótipo de relações hierárquicas. Porém,
em outras situações, quem subjuga e quem é subjugado pode receber
marcas de raça, idade, classe, dentre outras, modificando sua posição
em relação àquela do núcleo familiar (BANDEIRA, 2014, p. 450).

Hooks (2019) escreve que o movimento feminista contemporâneo foi bem-sucedido


em chamar a atenção para a necessidade de dar um basta à violência dos homens
contra as mulheres. Entretanto, a despeito de muitos anos de intensa dedicação a
essa causa, esse tipo de violência atinge patamares exponenciais.
Performar um estudo sobre a violência doméstica faz perguntar: afinal, onde foram
gestadas as desigualdades de gênero? Aqui, não se pretende fornecer um inventário
exaustivo para responder a esta indagação. Ela serve para relembrar as pistas
sugeridas por Osterne (2011), para quem as desigualdades de gênero ancoram-se
na existência de uma histórica e cultural hierarquia entre homens e mulheres, com
primazia do masculino, respaldada na “lógica” da diferença biológica entre os sexos.
Manifesta-se numa ordem social e material fortemente simbólica, que inferioriza,
submete e discrimina a condição feminina em grande parte das áreas da convivência
humana. Está presente na família, nas igrejas, no mercado de trabalho, nos processos
de trabalho, nas instituições, nos partidos políticos, nos movimentos sociais, enfim,
no imaginário coletivo sob a forma de representações sociais. Aos homens, o cérebro,
a inteligência, a razão lúcida, a capacidade de decisão. Às mulheres, o coração a
sensibilidade e os sentimentos.

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ANOTE ISSO

A violência contra a mulher pode ser compreendida à luz da Lei n° 11.340/2006


- Lei Maria da Penha, a qual define esse tipo de violência como toda aquela que
e praticada contra a mulher baseada em questão de gênero e no âmbito da
unidade doméstica, da família ou quando presente qualquer relação íntima de
afeto, ocasionando a vítima morte, qualquer tipo de lesão ou sofrimento físico,
bem como qualquer tipo de dano patrimonial, moral, psicológico ou sexual. A Lei
supramencionada tem seu momento embrionário no bojo da luta feminista no
combate às situações de violência masculina contra as mulheres. Ao articular as
três esferas do poder - Executivo, Legislativo e Judiciário, a Lei Maria da Penha
consolidou estratégias de prevenção, assistência e proteção às mulheres. Todavia,
no que tange aos seus direitos, mais uma vez toma-se de empréstimo a atualidade
de Beauvoir (1980): mesmo quando os direitos lhe são abstratamente reconhecidos,
um longo hábito impede que encontrem nos costumes sua expressão concreta.
Fonte: elaborado pela autora.

11.2 Considerações sobre a Lei Maria da Penha

Passamos a observar tópicos da Lei Maria da Penha que merecem um olhar atento.
Em suas disposições preliminares, a Lei n° 11.340/2006 cria mecanismos para
coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º
do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais
ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência
e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Deveras, toda
mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura,
nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem
violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual
e social.
Vejamos o que diz o Art. 5°:

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Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar


contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que
lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço
de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

A Lei Maria da Penha tipifica as formas de violência e estabelece que: a) a violência


física é entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde
corporal; b) a violência psicológica é entendida como qualquer conduta que lhe cause
dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação
de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; c) a
violência sexual é qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a
participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação
ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais
e reprodutivos; d) a violência patrimonial é qualquer conduta que configure retenção,
subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,
documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo
os destinados a satisfazer suas necessidades; e) a violência moral, entendida como
qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
O Art. 22 dispõe sobre as medidas protetivas de urgência e normatiza que constatada
a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz
poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes
medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão
competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

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II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;


III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite
mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e
psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe
de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e;
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento
individual e/ou em grupo de apoio.

Já o Art. 23 trata das medidas protetivas de urgência à ofendida:


I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de
proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo
domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos
a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação
básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição,
independentemente da existência de vaga.

No ano de 2012, a Lei Maria da Penha foi considerada pela Organização das Nações
Unidas (ONU) como a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica,
ficando atrás apenas do Chile e da Espanha. A Lei n° 11.340/2006 representa um
potencial avanço para a sociedade brasileira. Mas, apesar dos incrementos e garantias,
não é difícil constatar que a violência doméstica continua a crescer.
Em 2020 a Lei Maria da Penha celebrou catorze anos de existência com duas
significativas alterações e alguns desafios: a primeira em 3 de abril, na Lei nº 13.984,
e a segunda em 7 de julho, na Lei nº 14.022. A Lei nº 13.984 tornou obrigatório que
agressores frequentem centros de educação e de reabilitação e sejam acompanhados

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psicossocialmente para evitar a reincidência dos crimes. Deveras, a Lei nº 14.022


assegura a continuidade do funcionamento habitual dos órgãos que compõem a
rede de assistência às vítimas amparadas pela Lei Maria da Penha. Além de incluir
no grupo de amparados contra a violência doméstica e familiar idosos, pessoas com
deficiência, crianças e adolescentes.

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

Diante do contexto pandêmico mundial, os protocolos que a maioria dos países


adotou para conter a disseminação da doença elevaram os índices de violência
doméstica e acarretaram consequências diretas no contexto das dinâmicas
familiares, atingindo, sobremaneira, as mulheres. Nessa esteira, confere-se na
íntegra a alerta de Dubravka Simonovic, Relatora especial da Organização das
Nações Unidas - ONU sobre Violência contra a Mulher:

É mais provável que as taxas de violência doméstica generalizada


aumentem, como já sugerem relatórios iniciais policiais e de denuncia
telefônica. Para muitas mulheres e crianças, o lar pode ser um lugar
de medo e abuso. Esta situação piora consideravelmente em casos de
isolamento, como as quarentenas impostas durante a pandemia da
COVID-19. [...] Todos os Estados devem fazer esforços significativos
para lidar com a ameaça da COVID-19, mas sem deixar para trás
mulheres e crianças vitimas de violência domestica, já que isto poderia
levar a um aumento da violência doméstica, incluindo feminicídios
provocado por parceiros.
Fonte: https://nacoesunidas.org/relatora-da-onu-estados-devem-combater-violencia-domestica-na-quarentena-por-covid-19/.

A propósito, o assistente social que atua no atendimento às mulheres que


sofrem violência necessita estar capacitado para lidar com a violência e com a
complexidade desse problema. É preciso ainda que haja um conhecimento da rede
socioassistencial para que possam ser efetuados os devidos encaminhamentos,
pois há de se levar em conta que no atendimento chegam casos de flagrante
gravidade e a vida da mulher pode depender desse atendimento.

Por se tratar de um fenômeno complexo e enraizado nos costumes, que envolve


relações íntimas de afeto e, sobretudo, está alicerçado em relações desiguais de
gênero que continuam firmes, fortes e ferrenhas, combater esta forma de violência
sempre foi tarefa árdua.

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AULA 12
FAMÍLIA E LEGISLAÇÃO:
O ESTATUTO DO IDOSO
Esta aula tem por objetivos: apontar considerações sobre marcos regulatórios que
dispõem sobre a velhice; elencar elementos essenciais que estão contemplados no
Estatuto do Idoso.

Conselho Municipal do Idoso de Coronel Fabriciano, em Minas Gerais, durante o desfile do Dia da Pátria
Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_do_Idoso#/media/Ficheiro:Conselho_Municipal_do_Idoso_no_desfile_do_Dia_da_Independ%C3%AAncia_2015,_Coronel_
Fabriciano_MG.JPG

12.1 Marcos regulatórios

Nos últimos 20 anos o Brasil não para de envelhecer. Neste país, a história das
pessoas na velhice vem sendo atravessada pela efervescência de lutas e desafios,
principalmente no que diz respeito à garantia de direitos e à efetivação de políticas
públicas.
A Constituição Federal inaugurou uma nova concepção de política social,
assegurando direitos sob a égide da Seguridade Social. A CF de 1988 direciona o foco
para as pessoas velhas nos artigos 203, 229 e 230. O Art. 203 preconiza o seguinte:

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A assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social, e tem
por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes
carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV
- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência
e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia
de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme
dispuser a lei.

Já o Art. 229 firma que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade. Por fim, o Art. 230 determina que:

A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas


idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo
sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 1º Os
programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente
em seus lares. § 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida
a gratuidade dos transportes coletivos urbanos

A Lei n° 8.742, de 7 de dezembro - Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) passou


a garantir o chamado benefício de prestação continuada - BPC, assegurando 1 (um)
salário mínimo à pessoa com 65 anos ou mais que não tenha meios, nem através de
sua família, de prover a própria sobrevivência.
Em 4 de janeiro de 1994, há outro marco para a história dos idosos no contexto brasileiro:
a Política Nacional do Idoso, primeira lei de política pública especificamente direcionada
para as pessoas velhas. A política nacional do idoso tem por objetivo assegurar os
direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e
participação efetiva na sociedade e reger-se pelos seguintes princípios:

I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao


idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na
comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;
II - o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral,
devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos; III - o
idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza; IV - o idoso
deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a
serem efetivadas através desta política; V - as diferenças econômicas,
sociais, regionais e, particularmente, as contradições entre o meio
rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos poderes
públicos e pela sociedade em geral, na aplicação desta lei.

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Sobre o Estatuto do Idoso, passaremos a versar sobre os principais aspectos que


julgamos necessário lançar luz, respeito o conteúdo disposto na Lei.

12.2 Considerações sobre o Estatuto do Idoso

A Lei 10.841, de 1 de outubro de 2003 dispõe sobre o estatuto do idoso, O Art. 1°


afirma: Art. 1 É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados
às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. A referida Lei, ao tratar
do direito à vida, postula sobre o envelhecimento enquanto direito personalíssimo e,
portanto, sua proteção é um direito social garantido pelo Estado.
Determina a Lei que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência,
discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos,
por ação ou omissão, será punido na forma da lei, sendo dever de todos prevenir a
ameaça ou violação aos direitos do idoso.
Em relação ao direito à liberdade, ao respeito e à dignidade o Estatuto é enfático
e assevera que é obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a
liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis,
políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis e esclarece que O
direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos: I – faculdade de ir,
vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições
legais; II – opinião e expressão; III – crença e culto religioso; IV – prática de esportes
e de diversões; V – participação na vida familiar e comunitária; VI – participação na
vida política, na forma da lei; VII – faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação. Já
o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias
e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais. Outrossim, é dever de todos zelar pela
dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Pois bem, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) é assegurada atenção
integral à saúde do idoso, devendo contar com profissionais especializado nas áreas
de Geriatria e Gerontologia Social. Incumbe, ainda, ao Poder Público fornecer aos
idosos, gratuitamente, acesso a determinados medicamentos.
O Estatuto do Idoso também discorre sobre o direito à educação, cultura, esporte
e lazer. Em síntese: o idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões,
espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade;

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o Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando


currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele
destinados; os cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas
de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à
vida moderna; os idosos participarão das comemorações de caráter cívico ou cultural,
para transmissão de conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido
da preservação da memória e da identidade culturais; nos currículos mínimos dos
diversos níveis de ensino formal serão inseridos conteúdos voltados ao processo de
envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso, de forma a eliminar o preconceito
e a produzir conhecimentos sobre a matéria; a participação dos idosos em atividades
culturais e de lazer será proporcionada mediante descontos de pelo menos 50% nos
ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso
preferencial aos respectivos locais; os meios de comunicação manterão espaços
ou horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa, educativa,
artística e cultural, e ao público sobre o processo de envelhecimento; as instituições de
educação superior ofertarão às pessoas idosas, na perspectiva da educação ao longo
da vida, cursos e programas de extensão, presenciais ou a distância, constituídos por
atividades formais e não formais; o poder público apoiará a criação de universidade
aberta para as pessoas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de
conteúdo e padrão editorial adequados ao idoso, que facilitem a leitura, considerada a
natural redução da capacidade visual.

ANOTE ISSO

Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada a gratuidade dos


transportes coletivos públicos urbanos e semiurbanos, exceto nos serviços seletivos
e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares. Para ter
acesso à gratuidade, basta que o idoso apresente qualquer documento pessoal que
faça prova de sua idade. Nos veículos de transporte coletivo de que trata este artigo,
serão reservados 10% (dez por cento) dos assentos para os idosos, devidamente
identificados com a placa de reservado preferencialmente para idosos. No caso das
pessoas compreendidas na faixa etária entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco)
anos, ficará a critério da legislação local dispor sobre as condições para exercício da
gratuidade nos meios de transporte.
Fonte: Estatuto do Idoso.

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O Estatuto abrange que as condições físicas, intelectuais e psíquicas devem ser


asseguradas no exercício de atividade profissional do idoso; sendo vedado qualquer
tipo de discriminação. Ao Poder Público, compete criar e estimular programas de
profissionalização especializada, preparação dos trabalhadores para a aposentadoria
com antecedência mínima de 1 (um) ano e estímulo às empresas privadas para
admissão de idosos ao trabalho.
O idoso tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou
desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição
pública ou privada. A assistência integral na modalidade de entidade de longa
permanência será prestada quando verificada inexistência de grupo familiar, casa-lar,
abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da família. Toda instituição
dedicada ao atendimento ao idoso fica obrigada a manter identificação externa visível,
sob pena de interdição, além de atender toda a legislação pertinente. Além disso, as
instituições que abrigarem idosos são obrigadas a manter padrões de habitação
compatíveis com as necessidades deles, bem como provê-los com alimentação
regular e higiene indispensáveis às normas sanitárias e com estas condizentes, sob as
penas da lei. Já nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos
públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria.
Pelas disposições do Estatuto, rege-se como crime a ação de discriminar as
pessoas idosas; deixar de prestar assistência a sua saúde; abandoná-las em
hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não
prover suas necessidades básicas; expor a perigo a sua integridade e a sua saúde
física ou psíquica; apropriar-se de ou desviar bens, provento, pensão ou qualquer outro
rendimento delas; negar-lhes o acolhimento ou a permanência como abrigadas; exibir
ou veicular informações ou imagens depreciativas ou injuriosas a elas; coagi-las a
doar, contratar, testar ou outorgar procuração. As penas variam desde 2 (dois) meses
a 12 (doze) anos de detenção ou reclusão e multa.

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ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),


o número de pessoas idosas no Brasil cresceu. Nos últimos anos, aumentou de
9,1% para 11,3% do total da população, no período de 1999 a 2009. De acordo com
projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS), o período de 1975 a 2025 será
o da era do envelhecimento, já que se espera a população idosa no Brasil cresça
16 vezes nesse período, colocando o país no ranking da sexta população idosa do
mundo, ou seja, mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. No entanto,
no Brasil, apesar dos significativos avanços garantidos pelo Estatuto do Idoso,
promulgado em 2003, a pessoa idosa é vitima de várias formas de violência, como
a negligência, a discriminação, a crueldade e a opressão. E muitas vezes, o número
de ocorrências de violência contra a pessoa idosa é subnotificada. O Disque 100,
serviço de atendimento telefônico gratuito que registra os mais diversos tipos de
queixas de violação aos direitos humanos e que funciona 24 horas por dia, recebe,
em média, 125 denúncias de violência praticada contra a pessoa idosa em todo o
país, ou cinco por hora.
Fonte: http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/1188

A população idosa é um segmento presente no trabalho cotidiano de assistentes


sociais e/ou estagiários de serviço social que atuam na formulação, planejamento
e execução das políticas públicas. Na prática, a categoria deve lutar pela formação
de uma cultura antiviolência e pelo efetivo enfrentamento à violação de direitos
de idosos e idosas, oferecendo o acesso aos direitos com qualidade, incluindo
capacitação e formação continuada. Cabe recordar o Código de Ética quando
estabelece que é dever do assistente social na sua relação com os usuários
democratizar as informações e o acesso aos programas disponíveis no espaço
institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à participação dos/as
usuários/as.

Para concluir, realçamos que o Estatuto do Idoso representou um avanço


expressivo naquilo que concerne aos direitos dos idosos. Todavia, sua aplicabilidade
está condicionada ao conjunto da sociedade, que se traduz na materialização de uma
cultura de defesa intransigente, proteção, garantia dos direitos dos idosos.

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AULA 13
FAMÍLIA E PROTEÇÃO
SOCIAL: A ASSISTÊNCIA
SOCIAL NO BRASIL
A presente aula tem por finalidades: elencar elementos essenciais que estão
contemplados na organização da assistência social no Brasil; tecer considerações
sobre documentos que dispõem sobre a assistência social no Brasil e fornecem
subsídios para a melhoria da qualidade de vida de famílias em situação de pobreza e
vulnerabilidade.

Fonte: https://www.google.com/search?q=senado+federal+wikipedia&tbm=isch&ved=2ahUKEwjCn_-U7YbxAhV1u5UCHTCqABEQ2-cCegQIABAA&oq=senado+fed
eral+wikipedia&gs_lcp=CgNpbWcQAzIECAAQGDoICAAQsQMQgwE6BQgAELEDOgIIADoECAAQAzoECAAQQ1CIww1YmeMNYOrkDWgAcAB4AIAB7wGIAaEjkgEGM
C4xOS41mAEAoAEBqgELZ3dzLXdpei1pbWfAAQE&sclient=img&ei=gMO-YMLfH_X21sQPsNSCiAE&bih=969&biw=1920#imgrc=-pt98l7_oj16qM

13.1 Assistência social no Brasil

A assistência social era pautada no clientelismo, assistencialismo, caridade e ações


pontuais. Com o advento da CF de 1988 o status da assistência social modificou-se e

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passou a figurar no rol das políticas públicas no âmbito da Seguridade Social. Vejamos
abaixo o Art. 194 da CF de 1988:

A seguridade social, um mecanismo de bem-estar que compreende


um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos
e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde,
à previdência e à assistência social.

A assistência social é um direito social não contributivo que provê os mínimos


sociais e o atendimento das necessidades básicas de famílias e indivíduos que dela
necessitem por meio da oferta de serviços, benefícios, programas e projetos. Isso
foi graças a aprovação da Lei nº 8.742, em 7 de dezembro de 1993 - Lei Orgânica da
Assistência Social – que teve o escopo de assegurar uma política de proteção a quem
necessita e tratar do modelo de assistência social no terreno dos direitos sociais. Na
aprovação do texto, o intuito era superar a lógica da caridade, do assistencialismo e do
favor. Vejamos a definição que a LOAS conferiu à assistência social como: direito do
cidadão e dever do Estado é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê
os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa
pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. A
assistência social tem por objetivos:

I - a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos


e à prevenção da incidência de riscos, especialmente:
a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e
à velhice;
b) o amparo às crianças e aos adolescentes carentes;
c) a promoção da integração ao mercado de trabalho;
d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a
promoção de sua integração à vida comunitária; e
e) a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família;
II - a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente
a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de
vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos;
III - a defesa de direitos, que visa a garantir o pleno acesso aos direitos
no conjunto das provisões socioassistenciais.
Parágrafo único. Para o enfrentamento da pobreza, a assistência
social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo
mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências
sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais.

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O Art. 4º diz que a assistência social rege-se pelos princípios que seguem:

I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as


exigências de rentabilidade econômica;
II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário
da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito
a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar
e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de
necessidade;
IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação
de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações
urbanas e rurais;
V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos
assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo poder público
e dos critérios para sua concessão.

O Art. 5 trata das diretrizes e esclarece:


I - descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera
de governo;
II - participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações
em todos os níveis;
III - primazia da responsabilidade do Estado na condução da política
de assistência social em cada esfera de governo.

A LOAS concebeu ainda a competência de cada ente federativo. Compete à União:


I - responder pela concessão e manutenção dos benefícios de prestação continuada
definidos no art. 203 da Constituição Federal; II - cofinanciar, por meio de transferência
automática, o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de
assistência social em âmbito nacional; III - atender, em conjunto com os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, às ações assistenciais de caráter de emergência; IV -
realizar o monitoramento e a avaliação da política de assistência social e assessorar
Estados, Distrito Federal e Municípios para seu desenvolvimento.
E sobre as competências dos Estados: I - destinar recursos financeiros aos
Municípios, a título de participação no custeio do pagamento dos benefícios eventuais
de que trata o art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Estaduais
de Assistência Social; II - cofinanciar, por meio de transferência automática, o
aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os projetos de assistência
social em âmbito regional ou local; III - atender, em conjunto com os Municípios,

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às ações assistenciais de caráter de emergência; IV - estimular e apoiar técnica e


financeiramente as associações e consórcios municipais na prestação de serviços
de assistência social; V - prestar os serviços assistenciais cujos custos ou ausência
de demanda municipal justifiquem uma rede regional de serviços, desconcentrada, no
âmbito do respectivo Estado; VI - realizar o monitoramento e a avaliação da política de
assistência social e assessorar os Municípios para seu desenvolvimento.
Já aos municípios cabem: I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamento
dos benefícios eventuais de que trata o art. 22, mediante critérios estabelecidos pelos
Conselhos Municipais de Assistência Social; II - efetuar o pagamento dos auxílios
natalidade e funeral; III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, incluindo
a parceria com organizações da sociedade civil; IV - atender às ações assistenciais
de caráter de emergência; V - prestar os serviços assistenciais de que trata o art. 23
desta lei; VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e
os projetos de assistência social em âmbito local; VII - realizar o monitoramento e a
avaliação da política de assistência social em seu âmbito.

ANOTE ISSO

De acordo com a LOAS a assistência social organiza-se pelos seguintes tipos de


proteção: I - proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e
benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade
e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; II - proteção social especial:
conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir
para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito,
o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e
indivíduos para o enfrentamento das situações de violação de direitos. Deveras,
as proteções sociais básica e especial serão ofertadas pela rede socioassistencial,
de forma integrada, diretamente pelos entes públicos e/ou pelas entidades e
organizações de assistência social vinculadas ao Suas.

Fonte: Lei Orgânica da Assistência Social.

13.2 Marcos regulatórios

Os principais marcos regulatórios que têm como propósito firmar a implantação da


Assistência Social como direito previsto na Seguridade Social são:

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• A Lei Orgânica da Assistência Social: assegura uma política de proteção a


quem necessita e trata do modelo de assistência social no terreno dos direitos sociais.
• A Política Nacional de Assistência Social: implementa o Sistema Único de
Assistência Social.
• A Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/
SUAS-2005): disciplina a gestão pública da Política de Assistência em todo território
brasileiro.
• A Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social de
Recursos Humanos (NOB/RH): padroniza das carreiras do SUAS, por meio de
diretrizes nacionais, para a implementar ações específicas com vistas à qualificação
e valorização dos profissionais do SUAS.
• A Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais: organiza o SUAS por
níveis de complexidade: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e
Alta Complexidade e caracteriza os serviços ofertados.

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

O Conselho Federal de Serviço Social lançou a cartilha “Parâmetros para Atuação


de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social”. O documento contribui
para que a prática profissional se efetive em consonância com os processos de
fortalecimento do projeto ético-político do serviço social. A seguir, veremos um
trecho do documento, mas recomendamos a leitura na íntegra sanar dúvidas e
deixá-los atentos às deliberações, discussões e sistematizações do CFESS:
Considerando que a expansão da política de assistência social vem demandando
cada vez mais a inserção de assistentes sociais comprometidos/as com a
consolidação do Estado democrático dos direitos, a universalização da seguridade
social e das políticas públicas e o fortalecimento dos espaços de controle social
democrático e isso requer o fortalecimento de uma intervenção profissional crítica,
autônoma, ética e politicamente comprometida com a classe trabalhadora e com
as organizações populares de defesa de direitos, o Conselho Federal de Serviço
Social lançou a cartilha “Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política
de Assistência Social” com o objetivo de reunir parâmetros que definem estratégias
e procedimentos para o exercício do profissional e contribuir para fortalecer a
intervenção profissional, em consonância com as competências e atribuições
privativas asseguradas na Lei 8662/1993.
Fonte: http://www.cfess.org.br/arquivos/Cartilha_CFESS_Final_Grafica.pdf.

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De resto e por fim, salientamos que os documentos normativos da assistência social


no Brasil consideraram estratégias de acolhimento e acompanhamento das famílias,
grupos e indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade, pobreza, risco
pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam ações
especializadas da proteção social.
A organização da assistência social no Brasil ainda é alvo de discussão e, na
próxima seção, centralizamos a atenção nos Serviço de Proteção e Atendimento
Integral à Família (PAIF), Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias
e Indivíduos.

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AULA 14
FAMÍLIA E PROTEÇÃO SOCIAL:
PAIF E PAEFI
Seguindo com o tema “família e proteção social” nesta aula vamos centralizar a
atenção nos Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), Serviço de
Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI).

14.1 O PAIF

O Art. 6 da LOAS estabelece que a assistência social organiza-se pelos seguintes


tipos de proteção: I - proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos
e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade
e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; II - proteção social especial:
conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir para a
reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o fortalecimento
das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o
enfrentamento das situações de violação de direitos. Deveras, as proteções sociais
básica e especial serão ofertadas pela rede socioassistencial, de forma integrada,
diretamente pelos entes públicos e/ou pelas entidades e organizações de assistência
social vinculadas ao Suas.
As proteções sociais, básica e especial serão ofertadas no Centro de Referência
de Assistência Social (CRAS) e no Centro de Referência Especializado de Assistência
Social (CREAS), respectivamente, e pelas entidades sem fins lucrativos de assistência
social. A LOAS nos informa que o CRAS é a unidade pública municipal, de base territorial,
localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada
à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e à
prestação de serviços, programas e projetos socioassistenciais de proteção social
básica às famílias. Quanto ao CREAS é a unidade pública de abrangência e gestão
municipal, estadual ou regional, destinada à prestação de serviços a indivíduos e
famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de
direitos ou contingência, que demandam intervenções especializadas da proteção

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social especial. Ambos são unidades públicas estatais instituídas no âmbito do Suas,
que possuem interface com as demais políticas públicas e articulam, coordenam e
ofertam os serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social.
Pois bem, a Resolução n° 109, de 11 de novembro de 2009, do Conselho
Nacional de Assistência Social (CNAS), aprovou a Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais, organiza Sistema Único de Assistência Social por níveis de
complexidade: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta
Complexidade. Veja a síntese abaixo:
I - Serviços de Proteção Social Básica:
• Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF);
• Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos;
• Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência
e idosas.
II - Serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade:
• Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
(PAEFI);
• Serviço Especializado em Abordagem Social;
• Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), e de Prestação de Serviços à Comunidade
(PSC);
• Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e
suas Famílias;
• Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.
III - Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade:
• Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades: - abrigo
institucional; - Casa-Lar; - Casa de Passagem; - Residência Inclusiva;
• Serviço de Acolhimento em República;
• Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
• Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.

Nosso olhar recairá especificamente no PAIF e no PAEFI, mantendo a literalidade da


norma padrão vigente, ou seja, a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.
Em primeiro lugar, mister se faz definir O Serviço de Proteção e Atendimento
Integral à Família – PAIF. O PAIF consiste no trabalho social com famílias, de caráter
continuado, com a finalidade de fortalecer a função protetiva das famílias, prevenir
a ruptura dos seus vínculos, promover seu acesso e usufruto de direitos e contribuir
na melhoria de sua qualidade de vida. Prevê o desenvolvimento de potencialidades
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e aquisições das famílias e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários,


por meio de ações de caráter preventivo, protetivo e proativo. O trabalho social do
PAIF deve utilizar-se também de ações nas áreas culturais para o cumprimento
de seus objetivos, de modo a ampliar universo informacional e proporcionar novas
vivências às famílias usuárias do serviço. As ações do PAIF não devem possuir caráter
terapêutico. É serviço baseado no respeito à heterogeneidade dos arranjos familiares,
aos valores, crenças e identidades das famílias. Fundamenta-se no fortalecimento
da cultura do diálogo, no combate a todas as formas de violência, de preconceito,
de discriminação e de estigmatização nas relações familiares. Realiza ações com
famílias que possuem pessoas que precisam de cuidado, com foco na troca de
informações sobre questões relativas à primeira infância, a adolescência, à juventude,
o envelhecimento e deficiências a fim de promover espaços para troca de experiências,
expressão de dificuldades e reconhecimento de possibilidades. Tem por objetivos:
fortalecer a função protetiva da família, contribuindo na melhoria da sua qualidade
de vida; prevenir a ruptura dos vínculos familiares e comunitários, possibilitando a
superação de situações de fragilidade social vivenciadas; promover aquisições sociais
e materiais às famílias, potencializando o protagonismo e a autonomia das famílias e
comunidades; promover acessos a benefícios, programas de transferência de renda
e serviços socioassistenciais, contribuindo para a inserção das famílias na rede de
proteção social de assistência social; promover acesso aos demais serviços setoriais,
contribuindo para o usufruto de direitos; apoiar famílias que possuem, dentre seus
membros, indivíduos que necessitam de cuidados, por meio da promoção de espaços
coletivos de escuta e troca de vivências familiares.

14.2 O PAEFI

Passamos agora a apresentar o PAEFI. É o serviço de apoio, orientação e


acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de
ameaça ou violação de direitos. Compreende atenções e orientações direcionadas
para a promoção de direitos, a preservação e o fortalecimento de vínculos familiares,
comunitários e sociais e para o fortalecimento da função protetiva das famílias diante
do conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de
risco pessoal e social. O atendimento fundamenta-se no respeito à heterogeneidade,
potencialidades, valores, crenças e identidades das famílias. O serviço articula-se com
as atividades e atenções prestadas às famílias nos demais serviços socioassistenciais
nas diversas políticas públicas e com os demais órgãos do Sistema de Garantia de

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Direitos. Deve garantir atendimento imediato e providências necessárias para a inclusão


da família e seus membros em serviços socioassistenciais e/ou em programas de
transferência de renda, de forma a qualificar a intervenção e restaurar o direito.
Quanto ao público-alvo do PAEFI, a Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais esclarece que são famílias e indivíduos que vivenciam violações de
direitos por ocorrência de: - Violência física, psicológica e negligência; - Violência sexual:
abuso e/ou exploração sexual; - Afastamento do convívio familiar devido à aplicação
de medida socioeducativa ou medida de proteção; - Tráfico de pessoas; - Situação
de rua e mendicância; - Abandono; - Vivência de trabalho infantil; - Discriminação em
decorrência da orientação sexual e/ou raça/etnia; - Outras formas de violação de
direitos decorrentes de discriminações/submissões a situações que provocam danos
e agravos a sua condição de vida e os impedem de usufruir autonomia e bem-estar; -
Descumprimento de condicionalidades do PBF e do PETI em decorrência de violação
de direitos.
Já os objetivos giram em torno de: contribuir para o fortalecimento da família no
desempenho de sua função protetiva; - Processar a inclusão das famílias no sistema
de proteção social e nos serviços públicos, conforme necessidades; - Contribuir
para restaurar e preservar a integridade e as condições de autonomia dos usuários;
- Contribuir para romper com padrões violadores de direitos no interior da família; -
Contribuir para a reparação de danos e da incidência de violação de direitos; - Prevenir
a reincidência de violações de direitos.

Habitações precárias sob um viaduto em São Paulo


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Problemas_sociais_do_Brasil

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ANOTE ISSO

Trabalho essencial ao PAIF: acolhida; estudo social; visita domiciliar; orientação


e encaminhamentos; grupos de famílias; acompanhamento familiar; atividades
comunitárias; campanhas socioeducativas; informação, comunicação e defesa
de direitos; promoção ao acesso à documentação pessoal; mobilização e
fortalecimento de redes sociais de apoio; desenvolvimento do convívio familiar
e comunitário; mobilização para a cidadania; conhecimento do território;
cadastramento socioeconômico; elaboração de relatórios e/ou prontuários;
notificação da ocorrência de situações de vulnerabilidade e risco social; busca ativa.
Trabalho essencial ao PAEFI: acolhida; escuta; estudo social; diagnóstico
socioeconômico; monitoramento e avaliação do serviço; orientação e
encaminhamentos para a rede de serviços locais; construção de plano individual
e/ou familiar de atendimento; orientação sociofamiliar; atendimento psicossocial;
orientação jurídico-social; referência e contrarreferência; informação, comunicação e
defesa de direitos; apoio à família na sua função protetiva; acesso à documentação
pessoal; mobilização, identificação da família extensa ou ampliada; articulação
da rede de serviços socioassistenciais; articulação com os serviços de outras
políticas públicas setoriais; articulação interinstitucional com os demais órgãos do
Sistema de Garantia de Direitos; mobilização para o exercício da cidadania; trabalho
interdisciplinar; elaboração de relatórios e/ou prontuários; estímulo ao convívio
familiar, grupal e social; mobilização e fortalecimento do convívio e de redes sociais
de apoio.
Fonte: Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.

A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais representou uma conquista


significativa para a assistência social no Brasil, estabelecendo tipologias que
contribuem para ressignificar a oferta e a garantia do direito socioassistencial.

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ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

São princípios éticos que orientam a intervenção dos profissionais da área de


assistência social: a) Defesa intransigente dos direitos socioassistenciais; b)
Compromisso em ofertar serviços, programas, projetos e benefícios de qualidade
que garantam a oportunidade de convívio para o fortalecimento de laços familiares
e sociais; c) Promoção aos usuários do acesso a informação, garantindo conhecer
o nome e a credencial de quem os atende; d) Proteção à privacidade dos usuários,
observado o sigilo profissional, preservando sua privacidade e opção e resgatando
sua historia de vida; e) Compromisso em garantir atenção profissional direcionada
para construção de projetos pessoais e sociais para autonomia e sustentabilidade;
f) Reconhecimento do direito dos usuários a ter acesso a benefícios e renda e a
programas de oportunidades para inserção profissional e social; g) Incentivo aos
usuários para que estes exerçam seu direito de participar de fóruns, conselhos,
movimentos sociais e cooperativas populares de produção; h) Garantia do acesso
da população a política de assistência social sem discriminação de qualquer
natureza (gênero, raça/etnia, credo, orientação sexual, classe social, ou outras),
resguardados os critérios de elegibilidade dos diferentes programas, projetos,
serviços e benefícios; i) Devolução das informações colhidas nos estudos
e pesquisas aos usuários, no sentido de que estes possam usá-las para o
fortalecimento de seus interesses; j) Contribuição para a criação de mecanismos
que venham desburocratizar a relação com os usuários, no sentido de agilizar e
melhorar os serviços prestados. Mais ainda: os princípios éticos das respectivas
profissões deverão ser considerados ao se elaborar, implantar e implementar
padrões, rotinas e protocolos específicos, para normatizar e regulamentar a atuação
profissional por tipo de serviço socioassistencial.
Fonte: http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-RH.pdf

Para finalizar, ressaltamos ser imprescindível a prestação de serviços pautada no


conhecimento e compromisso ético e político dos profissionais que atuam junto às
famílias atendidas pela política de assistência social.

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AULA 15
FAMÍLIA E PROTEÇÃO
SOCIAL: MATRICIALIDADE
SOCIOFAMILIAR
Ainda no assunto “família e proteção social”, vamos direcionar luz sobre a
matricialidade sociofamiliar prevista na Política Nacional de Assistência Social.

15.1 As linhas essenciais da PNAS

O conteúdo previsto na PNAS forma a matriz de referência para as linhas que


ocupam esta seção.
A Resolução n° 145, de 15 de outubro de 2004 aprovou a Política Nacional de
Assistência Social e refletiu a gestão da assistência social na perspectiva do Sistema
Único de Assistência Social – SUAS.
O SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui-se na
regulação e organização em todo o território nacional das ações socioassistenciais.
Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário a atenção
às famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que
passam a ser definidos pelas funções que desempenham, pelo número de pessoas que
deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda, gestão compartilhada,
co-financiamento da política pelas três esferas de governo e definição clara das
competências técnico-políticas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com
a participação e mobilização da sociedade civil, e estes têm o papel efetivo na sua
implantação e implementação. O SUAS materializa o conteúdo da LOAS, cumprindo
no tempo histórico dessa política as exigências para a realização dos objetivos e
resultados esperados que devem consagrar direitos de cidadania e inclusão social.
O SUAS define e organiza os elementos essenciais e imprescindíveis à execução da
política de assistência social possibilitando a normatização dos padrões nos serviços,
qualidade no atendimento, indicadores de avaliação e resultado, nomenclatura dos
serviços e da rede socio-assistencial e, ainda, os eixos estruturantes e de subsistemas
abaixo descritos:

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• Matricialidade Sociofamiliar.
• Descentralização político-administrativa e Territorialização.
• Novas bases para a relação entre Estado e Sociedade Civil.
• Financiamento.
• Controle Social.
• O desafio da participação popular/cidadão usuário.
• A Política de Recursos Humanos.
• A Informação, o Monitoramento e a Avaliação.

Em conformidade com o texto normativo da PNAS, abaixo apresentamos a base


organizacional do SUAS intitulada “matricialidade sociofamiliar”.

15.2 Matricialidade sociofamiliar: do que se trata?

As reconfigurações dos espaços públicos, em termos dos direitos sociais assegurados


pelo Estado Democrático de um lado e, por outro, dos constrangimentos provenientes da
crise econômica e do mundo do trabalho, determinaram transformações fundamentais
na esfera privada, resignificando as formas de composição e o papel das famílias. Por
reconhecer as fortes pressões que os processos de exclusão sociocultural geram sobre
as famílias brasileiras, acentuando suas fragilidades e contradições, faz-se primordial sua
centralidade no âmbito das ações da política de assistência social, como espaço privilegiado
e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus
membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida. Essa correta percepção
é condizente com a tradução da família na condição de sujeito de direitos, conforme
estabelece a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei
Orgânica de Assistência Social e o Estatuto do Idoso.

ANOTE ISSO

A família, independentemente dos formatos ou modelos que assume, é mediadora


das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente os
deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades
comunitárias de vida. Todavia, não se pode desconsiderar que ela se caracteriza
como um espaço contraditório, cuja dinâmica cotidiana de convivência é
marcada por conflitos e geralmente, também, por desigualdades, além de que nas
sociedades capitalistas a família é fundamental no âmbito da proteção social.
Fonte: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf

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O texto da PNAS nos informa ser preponderante retomar que as novas feições
da família estão intrínseca e dialeticamente condicionadas às transformações
societárias contemporâneas, ou seja, às transformações econômicas e sociais, de
hábitos e costumes e ao avanço da ciência e da tecnologia. O novo cenário tem
remetido à discussão do que seja a família, uma vez que as três dimensões clássicas
de sua definição (sexualidade, procriação e convivência) já não têm o mesmo grau
de imbricamento que se acreditava outrora. Nesta perspectiva, podemos dizer que
estamos diante de uma família quando encontramos um conjunto de pessoas que
se acham unidas por laços consanguíneos, afetivos e, ou, de solidariedade. Como
resultado das modificações acima mencionadas, superou-se a referência de tempo e
de lugar para a compreensão do conceito de família. O reconhecimento da importância
da família no contexto da vida social está explícito no artigo 226, da Constituição Federal
do Brasil, quando declara que a: “família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado”, endossando, assim, o artigo 16, da Declaração dos Direitos Humanos,
que traduz a família como sendo o núcleo natural e fundamental da sociedade, e
com direito à proteção da sociedade e do Estado. No Brasil, tal reconhecimento se
reafirma nas legislações específicas da Assistência Social – Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, Estatuto do Idoso e na própria Lei Orgânica da Assistência Social
– LOAS, entre outras.
Embora haja o reconhecimento explícito sobre a importância da família na vida
social e, portanto, merecedora da proteção do Estado, tal proteção tem sido cada vez
mais discutida, na medida em que a realidade tem dado sinais cada vez mais evidentes
de processos de penalização e desproteção das famílias brasileiras. Nesse contexto,
a matricialidade sociofamiliar passa a ter papel de destaque no âmbito da Política
Nacional de Assistência Social – PNAS. Esta ênfase está ancorada na premissa de
que a centralidade da família e a superação da focalização, no âmbito da política de
Assistência Social, repousam no pressuposto de que para a família prevenir, proteger,
promover e incluir seus membros é necessário, em primeiro lugar, garantir condições
de sustentabilidade para tal. Nesse sentido, a formulação da política de Assistência
Social é pautada nas necessidades das famílias, seus membros e dos indivíduos.
Pesquisas sobre população e condições de vida nos informam que as transformações
ocorridas na sociedade contemporânea, relacionadas à ordem econômica, à
organização do trabalho, à revolução na área da reprodução humana, à mudança de
valores e à liberalização dos hábitos e dos costumes, bem como ao fortalecimento

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da lógica individualista em termos societários, redundaram em mudanças radicais na


organização das famílias. Dentre essas mudanças pode-se observar um enxugamento
dos grupos familiares (famílias menores), uma variedade de arranjos familiares
(monoparentais, reconstituídas), além dos processos de empobrecimento acelerado
e da desterritorialização das famílias gerada pelos movimentos migratórios. Essas
transformações, que envolvem aspectos positivos e negativos, desencadearam um
processo de fragilização dos vínculos familiares e comunitários e tornaram as famílias
mais vulneráveis.
A vulnerabilidade à pobreza está relacionada não apenas aos fatores da conjuntura
econômica e das qualificações específicas dos indivíduos, mas também às tipologias
ou arranjos familiares e aos ciclos de vida das famílias. Portanto, as condições de
vida de cada indivíduo dependem menos de sua situação específica que daquela que
caracteriza sua família. No entanto, percebe-se que na sociedade brasileira, dada
as desigualdades características de sua estrutura social, o grau de vulnerabilidade
vem aumentando e com isso aumenta a exigência das famílias desenvolverem
complexas estratégias de relações entre seus membros para sobreviverem. Assim,
essa perspectiva de análise, reforça a importância da política de Assistência Social
no conjunto protetivo da Seguridade Social, como direito de cidadania, articulada à
lógica da universalidade. Além disso, há que considerar a diversidade sociocultural
das famílias, na medida em que estas são, muitas vezes, movidas por hierarquias
consolidadas e por uma solidariedade coativa que redundam em desigualdades e
opressões. Sendo assim, a política de Assistência Social possui papel fundamental no
processo de emancipação destas, enquanto sujeito coletivo. Postula-se, inclusive, uma
interpretação mais ampla do estabelecido na legislação, no sentido de reconhecer que
a concessão de benefícios está condicionada à impossibilidade não só do beneficiário
em prover sua manutenção, mas também de sua família. Dentro do princípio da
universalidade, portanto, objetiva-se a manutenção e a extensão de direitos, em
sintonia com as demandas e necessidades particulares expressas pelas famílias.
A propósito, a centralidade da família com vistas à superação da focalização,
tanto relacionada a situações de risco como a de segmentos, sustenta-se a partir
da perspectiva postulada. Ou seja, a centralidade da família é garantida à medida
que na Assistência Social, com base em indicadores das necessidades familiares,
se desenvolva uma política de cunho universalista, que em conjunto com as
transferências de renda em patamares aceitáveis se desenvolva, prioritariamente,

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em redes socioassistenciais que suportem as tarefas cotidianas de cuidado e que


valorizem a convivência familiar e comunitária. Além disso, a Assistência Social,
enquanto política pública que compõe o tripé da Seguridade Social, e considerando
as características da população atendida por ela, deve fundamentalmente inserir-se
na articulação intersetorial com outras políticas sociais, particularmente, as públicas
de Saúde, Educação, Cultura, Esporte, Emprego, Habitação, entre outras, para que as
ações não sejam fragmentadas e se mantenha o acesso e a qualidade dos serviços
para todas as famílias e indivíduos.

Esplanada dos Ministérios


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Esplanada_dos_Minist%C3%A9rios_em_2018.jpg

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ISTO ESTÁ NA REDE

O Conselho Federal de Serviço Social – CFESS lançou um manifesto nacional em


alusão 2º Seminário Nacional sobre O Trabalho do/a Assistente Social na Política de
Assistência Social. Vejamos o que destaca o documento a respeito da precarização
do trabalho e desafios ético-políticos e profissionais na política de assistência social:
No dia a dia do trabalho no Suas, a/o assistente social se depara com a contradição
perene entre as demandas e lutas por direitos da classe trabalhadora e os ditames
da acumulação do capital, que impõem a mercantilização de bens e serviços e
colocam a profissão no “fio da navalha” dos antagonismos de classe, numa luta
permanente para assegurar direitos. Se, por um lado, os direitos sociais friccionam
a ordem do capital, por outro, também contribuem para sua reprodução [...] O
trabalho na política de assistência social - submetido a baixos salários, contratos
precarizados (menos de 50% de trabalhadores/as das secretarias municipais
de assistência social tinham vínculos como estatutário ou celetista - Censo
Suas, 2015), ausência de condições técnicas e éticas para realização de suas
competências e atribuições - esbarra cotidianamente nesses limites e desafia a/o
assistente social a situá-los na totalidade histórica, como condição para não cair no
voluntarismo e pragmatismo. Materializar a política de assistência social e defender
direitos pode e deve ser uma estratégia interventiva fundamental para socializar
informações, construir processos coletivos educativos e politizadores, com vistas a
soldar o poder popular.
Fonte: http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS2020-ManifestaEdeBatalhas2017-2020.pdf

Para finalizar, realçamos que somos classe trabalhadora e devemos lutar pelos
direitos da população e pelas condições dignas de trabalho e garantias trabalhistas
para a categoria.

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AULA 16
FAMÍLIA E GÊNERO: QUESTÕES
PARA O SERVIÇO SOCIAL
Chegamos ao final do percurso e o tema da última aula é “família e gênero”. A
categoria gênero possibilita desvelar significados atribuídos às relações sociais e aos
comportamentos individuais na sociedade. O gênero desponta como uma categoria
marcante para compreender a representação das desigualdades no âmbito familiar e
social.

16.1 Sexo versus gênero

Osterne (2011) escreve que as desigualdades de gênero ancoram-se na existência


de uma histórica e cultural hierarquia entre homens e mulheres, com primazia do
masculino, respaldada na “lógica” da diferença biológica entre os sexos. Manifesta-
se numa ordem social e material fortemente simbólica, que inferioriza, submete e
discrimina a condição feminina em grande parte das áreas da convivência humana.
Está presente na família, nas igrejas, no mercado de trabalho, nos processos de
trabalho, nas instituições, nos partidos políticos, nos movimentos sociais, enfim, no
imaginário coletivo sob a forma de representações sociais. Aos homens, o cérebro,
a inteligência, a razão lúcida, a capacidade de decisão. Às mulheres, o coração a
sensibilidade e os sentimentos.
Para Piscitelli (2004), instigante e desafiador, o conceito de gênero foi disseminando-
se rapidamente a partir da metade da década de 1970. Parte significativa da atração
exercida por esse conceito reside no convite que ele oferece para um novo olhar sobre
a realidade, esboçando as distinções entre características consideradas femininas e
masculinas no cerne das hierarquias presentes no social.
Nos dias de hoje, é comum opor os estudos sobre mulher aos estudos de gênero.
Ao mesmo tempo, ainda é frequente a confusão entre gênero e mulher. As duas
situações são compreensíveis quando se pensa na história do pensamento feminista.
Ora, o conceito de gênero se desenvolveu no marco dos estudos sobre mulher e
compartilhando vários de seus pressupostos. Todavia, a formulação do conceito

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de gênero procurava superar problemas relacionados à utilização de algumas das


categorias centrais nos estudos sobre mulheres (PISCITELLI, 2004).
A intenção do uso da categoria gênero no lugar da categoria sexo tem uma primeira
função ou consequência de rejeitar a imposição por um determinismo biológico sobre
o que seria “ser mulher” e “ser homem”.
No que tange às diferenciações sexo versus gênero, pode-se sugerir que quem
apresentou essa diferença conceitual de forma mais elaborada foi Simone de
Beauvoir, em sua emblemática obra O segundo Sexo. Beauvoir apresenta a chamada
tese culturalista, segundo a qual a condição feminina, o destino social da mulher,
que é identificado com a maternidade, o matrimônio, não é definido em razão de
uma natureza, mas surge de uma elaboração coletiva, de tradições entranhadas e
herdadas a partir de um processo de transmissão cultural que vai sendo internalizado
desde a infância. Não se nasce mulher, torna-se mulher: embora cada ser humano
nasça com um aparelho reprodutivo (feminino ou masculino, que é o sexo), aquilo
que se espera desse indivíduo de comportamento, de características, de atitude social
é sempre objeto de idealização constituída por forças históricas e sociais, que são
compartilhadas pelos grupos sociais de forma difusa. Por isso a mulher, quando nasce
com o aparelho reprodutor feminino, vai desde o nascimento sendo apresentada a
uma série de comportamentos que são tidos como ideais para esse corpo sexuado.
Não que a natureza da mulher seja fixa, imutável, mas porque os ditames sociais, de
forma lenta e consentida, fundamentam aquela vocação, aquela performance como a
identificação entre sexo e gênero.
Pois bem, maior parte do pensamento feminista aceita o “sexo” como uma variável
dicotômica simples e perene. O sexo biológico é responsável pelo dimorfismo sexual
da espécie humana e pela possibilidade da gravidez e da amamentação, exclusiva
das mulheres. Já as características de temperamento e de comportamento que são
associadas à feminilidade (e que servem para justificar a posição diferenciada de
mulheres e homens na sociedade) pertencem ao universo do gênero, resultado da
ação de instituições e práticas sociais voltadas a garantir sua permanente reprodução
e naturalização. Dito de outra forma: apesar de o sexo biológico estabelecer um padrão
de expectativas de gênero, ele nem sempre corresponde à identidade de gênero. O
fato de nascer homem ou mulher não significa que ele ou ela venha a ser masculino
ou feminino (MIGUEL, 2014).
A difusão social da problemática do gênero foi possível graças, principalmente,

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às mobilizações feministas que puseram em cena o caráter não natural da divisão


dos papéis sexuais. As origens do questionamento sobre o gênero datam do século
XV. Entretanto, somente no século XX foram colocadas frontalmente em causa as
discriminações que faziam das mulheres alvo. Bento (2015) diz que o que ficou
conhecido ao longo da década de 1970 e consolidado na década de 1980 como
estudos sobre a “mulher” passou a assumir matizes singulares no final dos anos
oitenta, dando forma aos estudos de gênero. Alguns criticam que a alteração da
terminologia (de “estudos da mulher” para “estudos de gênero”) não representou uma
mudança de enfoque, visto que a perspectiva relacional, enquanto uma preocupação
metodológica, ainda não foi incorporada plenamente.

ANOTE ISSO

O laborioso trabalho de Butler (2016) contribuiu de modo significativo para


reformulações críticas do conceito de gênero. Não se pretende aqui mergulhar
a fundo nos méritos e lacunas das formulações da referida autora e, portanto,
grifamos apenas alguma das suas ideias: o próprio constructo chamado “sexo”,
talvez, seja tão culturalmente construído quanto o gênero e, a rigor, talvez o sexo
sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero
revela-se nula. O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição
cultural do sexo, dito de outra forma, o gênero não está para a cultura como o sexo
para a natureza.
Fonte: elaborado pela autora.

Pois bem, já Bento (2015) sugere as seguintes indagações: como o gênero funciona
nas relações sociais? De que maneira o gênero dá sentido à organização e à percepção
do conhecimento histórico? Quais as representações simbólicas em torno das
diferenças percebidas entre os sexos? Como e por que estas diferenças contribuem
para criação e manutenção de poderes? Gênero talvez seja uma das categorias
primeiras que são interiorizadas. Difícil é delimitar quando aprendeu que o fato de
possuir um pênis ou uma vagina seria o pilar definidor de hábitos, comportamentos e
condutas. A autora referida ilustra que, quando nascemos, já encontramos a sociedade
na qual estamos inseridos com as classificações do que seja pertencente ao gênero
masculino e ao gênero feminino. Ela diz:

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O gênero, neste caso, deve ser entendido como uma categoria


classificatória construída socialmente. O primeiro “carimbo social” que
recebemos é aquele que identifica a qual gênero nós pertencemos. O
gênero é uma das primeiras matrizes geradoras de sentido para os
atores sociais. Os cientistas sociais também são portadores de um
gênero e processam a leitura do mundo que os cerca por meio dessa
matriz geradora de sentidos e definidora de comportamentos. Ao
afirmar isto, não se quer dizer que o campo de estudos sobre “relações
de gênero” não possa se desvincular dessa teia tecida entre militantes
feministas e cientistas sociais, ou que não seja possível fazer uma
abordagem analítica das relações de gênero. As possibilidades
abertas por este campo de estudo são inesgotáveis, estamos apenas
no início da sua história. Apenas é importante ressaltar as dificuldades
em realizar um estudo relacional sem o viés do gênero do pesquisador
(BENTO, 2015, p. 52).

As teorias travadas no bojo das discussões sobre gênero são imensas e impossíveis
de serem contempladas neste tópico. A intenção aqui foi suscitar alguns pontos que
parecem significativos.

16.2 Gênero em debate

É importante trazer à tona os nexos entre a categoria gênero e o Serviço Social e


evidenciar a pertinência do assunto para o ensino nesta área. Ora, não é possível negar
as variadas situações de exclusão social vivenciadas pelos usuários de programas e
projetos sociais em virtude da orientação sexual e/ou identidade de gênero. A propósito,
os princípios e valores do Projeto Ético-Político do Serviço Social incorporam avanços
nas discussões acerca dos direitos da população LGBTQIA+ pela livre orientação e
expressão sexual.
Em seus princípios fundamentais o Código de Ética do assistente social estabelece:
Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões
de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual,
identidade de gênero, idade e condição física.
A Resolução CFESS n° 845 de 26 de fevereiro de 2018 dispõe sobre atuação
profissional do assistente social em relação ao processo transexualizador. O
documento considera que a construção de uma sociedade radicalmente justa e
democrática sem preconceitos de origem, raça, sexo, orientação sexual, identidade
de gênero, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação é princípio inscrito
no Código de Ética do(a) Assistente Social. Explicita que os direitos da livre orientação

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sexual e livre identidade de gênero constituem direitos humanos de lésbicas, gays,


bissexuais, travestis e transexuais (LGBTQIA+), no sentido de assegurar o pleno
exercício da cidadania e a saúde integral da população LGBTQIA+ e resolve que:
• As (Os) assistentes sociais deverão contribuir, no âmbito de seu espaço de
trabalho, para a promoção de uma cultura de respeito à diversidade de expressão
e identidade de gênero, a partir de reflexões críticas acerca dos padrões de gênero
estabelecidos socialmente.
• É competência da/o assistente social prestar acompanhamento a sujeitos
que buscam as transformações corporais em consonância com suas expressões e
identidade de gênero.
• Quando pertinente, cabe à(ao) assistente social emitir opinião técnica a
respeito de procedimentos relacionados às transformações corporais.
• A (O) assistente social deverá respeitar o direito à autodesignação das/os
usuários do serviço como pessoas trans, travestis, transexuais, transgêneros.
• É dever da(o) assistente social defender a utilização do nome social das(os)
usuárias(os), na perspectiva do aprofundamento dos direitos humanos.
• Cabe à(ao) assistente social atender e acompanhar crianças e adolescentes
que manifestem expressões de identidades de gênero trans, considerando as
inúmeras dificuldades que enfrentam no contexto familiar, escolar e demais relações
sociais nesta fase peculiar de desenvolvimento na perspectiva do Código de Ética
Profissional da(o) Assistente Social.
• É vedado à(ao) assistente social a utilização de instrumentos e técnicas que
criem, mantenham ou reforcem preconceitos à população trans.

De resto, percebemos a necessidade de orientar e ensinar os termos que implicam


o respeito à diversidade, pois a utilização de terminologia inadequada configura
também um ato discriminatório. Então, à luz do glossário da diversidade elaborado
pela Coordenadoria de Diversidade Sexual e Enfrentamento da Violência de Gênero da
Universidade Federal de Santa Catarina, apresentamos alguns conceitos:

• Agênero ou Genderqueer ou não-binária: pessoa que não se identifica nem


como pertencente ao gênero masculino nem ao feminino.
• Assexual: pessoa que não têm atração e interesse na atividade sexual. Alguns
especialistas reconhecem a assexualidade como orientação sexual, outros discordam.
• Bissexual: pessoa que sente atração sexual por mais de um gênero. A diferença
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entre a bissexualidade e a homossexualidade é que também pode haver hipótese de


atração entre pessoas do sexo oposto.
• Cis/cisgênero: pessoa cuja identidade de gênero é a mesma de seu sexo
biológico.
• Gênero: conjunto de valores socialmente construídos que definem as diferentes
características (emocionais, afetivas, intelectuais ou físicas) e os comportamentos
que cada sociedade designa para homens e mulheres. Diferente do sexo, que vem
determinado como o nascimento, o gênero se aprende e se pode modificar, sendo
portanto, cultural e socialmente construído.
• Homossexual: pessoa que sente atração física e afetiva por pessoa do mesmo
sexo ou gênero.
• Identidade sexual: refere-se à percepção de si mesmo como homem ou
mulher, diferentemente da orientação sexual que se refere à atração por um sexo ou
outro ou ainda ambos os sexos.
• Intersexual: pessoa que possui variação de caracteres sexuais incluindo
cromossomos, gônadas e/ou órgãos genitais que dificultam sua identificação como
totalmente feminino ou masculino. Essa variação pode envolver ambiguidade genital,
combinações de fatores genéticos e aparência.
• Lésbica: mulher que experimenta amor romântico e/ou atração sexual por
outras mulheres.
• Orientação sexual: diz respeito à atração que se sente por outros indivíduos.
Ela geralmente também envolve questões sentimentais, e não somente sexuais. Ela
pode ser assexual (nenhuma), bissexual (atração por mais de um gênero - ou, por dois
gêneros e outros gêneros), heterossexual (atração pelo gênero oposto), homossexual
(atração pelo mesmo gênero) ou panssexual (atração por todos os gêneros).
• Panssexualidade: também denominada como omnissexualidade,
polissexualidade ou trissexualidade é caracterizada pela atração sexual ou romântica
por pessoas independentemente do sexo ou gênero das mesmas. Podem sentir-
se atraídas/os por homens, mulheres ou também por pessoas que não se sentem
identificadas com o seu gênero incluindo interssexuais, transsexuais e intergêneros.
• Transexual: pessoa que possui uma identidade de gênero oposta ao sexo
designado (normalmente no nascimento). Geralmente usa hormônios, mas há
exceções. Nem toda pessoa transexual deseja fazer cirurgia para mudança de sexo.

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ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

Processo transexualizador: demandas para o assistente social.


Já vimos que a Resolução CFESS n° 845 de 26 de fevereiro de 2018 dispõe sobre
atuação profissional do/a assistente social em relação ao processo transexualizador.
Em linhas sintéticas, o processo transexualizador é um conjunto de procedimentos
e estratégias que tem como escopo precípuo realizar modificações corporais
do sexo, em virtude de um sentimento de desacordo entre seu sexo biológico
e seu gênero, em atendimento às legislações e pareceres médicos. O Processo
Transexualizador foi incorporado pelo Sistema Único de Saúde por meio da Portaria
nº 1.707/GM/MS, de 18 de agosto de 2008 e da Portaria nº 457/SAS/MS, de 19 de
agosto de 2008. Sugerimos a leitura integral dos documentos.
O Código de Ética do assistente social deve referenciar todas as ações da
categoria profissional para que possamos contribuir para a promoção de espaços
garantidores e reprodutores de direitos. O Processo transexualizador, em específico,
carrega consigo demandas concernentes às violações de direitos reproduzidas em
uma sociedade arraigada de preconceitos e discriminações, que violenta o indivíduo
nas múltiplas dimensões e não respeita as diversidades. A defesa intransigente
dos direitos humanos, a autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos
sociais são prerrogativas fulcrais nos espaços de atuação do assistente social.
E como a atuação do Serviço Social na equipe multidisciplinar no Processo
Transexualizador pode acontecer na prática? Elencamos a seguir alguns pontos
esclarecedores: 1) olhar ampliado, ou seja, o indivíduo deve ser visto integralmente
(observando o contexto social, econômico e cultural no qual ele está inserido
e todas as variáveis de seu processo de transformação individual e social; 2)
combater o modelo patologizador da transexualidade; 3) prestar acompanhamento
aos usuários que buscam as transformações corporais em consonância com suas
expressões e identidade de gênero.
Fonte: elaborado pela autora.

Finalizamos a disciplina recordando alguns princípios fundamentais do Código de


Ética: Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas
a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo;
Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito
à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das
diferenças.

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CONCLUSÃO

A disciplina de Família e Proteção Social teve por objetivo trazer à tona um panorama
de discussões que atravessam os fundamentos teórico–metodológicos da dinâmica
familiar em sua trajetória histórica e no contexto sociopolítico do país, lançando luz
sobre autores e debates fundamentais para a constituição desse campo e situando
as principais reflexões que têm estabelecido diálogos e intersecções entre família e
proteção social. Além disso, examinamos a legislação específica da área e o trabalho
do Serviço Social junto à família.
Para concluir, convocamos indagações já aludidas: o que pretendemos
circunscrever ao definirmos família? Qual o estatuto teórico do termo família? Pois
bem, a multiplicidade de arranjos familiares aliados às relações de gênero, as novas
formas de conjugalidades torna cada vez mais difícil atribuir concepção única à
categoria família. Assim sendo, uma das particularidades das famílias é a fluidez
desta definição. A família é um instituto em eterna mutação.
De resto e por fim, reforçamos que o Código de Ética do assistente social deve
referenciar todas as ações da categoria profissional para que possamos contribuir com
a promoção de espaços garantidores de direitos e, desse modo, recordamos alguns
princípios fundamentais: reconhecimento da liberdade como valor ético central e das
demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos
indivíduos sociais; defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo; empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando
o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à
discussão das diferenças.

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ELEMENTOS COMPLEMENTARES

LIVRO
Título: Família: teorias e debates
Autor: Vania Morales Sierra
Editora: Editora Saraiva
Sinopse: Trata das dinâmicas e processos
familiares, objeto de preocupação prática e teórica
do Serviço Social brasileiro. Vania Morales Sierra
contribui, de forma didática e abrangente, para
a apreensão de suas problemáticas e questões
mais recorrentes.

FILME
Título: Que horas ela volta?
Ano: 2015
Sinopse: Aborda os conflitos que acontecem
entre uma empregada doméstica e seus
patrões de classe média alta e faz uma crítica
as desigualdades da sociedade brasileira.

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WEB

O site do Conselho Federal de Serviço Social é um informativo eletrônico que traz as


principais notícias sobre o Serviço Social brasileiro. Vale a pena conferir e se atualizar.
http://www.cfess.org.br/

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