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A quem atinge o punitivismo penal? 


Ruth Stein Silva 
Paulo Giovani Moreira da Cunha 
 

 
Ou  seja,  o  punitivismo  penal  deriva  de  uma 
vontade  da  sociedade,  motivada  pela 
insegurança  e  pelo  medo,  de que os criminosos 
sofram  punições  extremamente  severas,  com 
um  ideal  de  que  essa punição exagerada servirá 
de  exemplo  para  que  tais  crimes  não  sejam 
mais  cometidos.  E,  por  essa  pessoa  ter  violado 
as  normas  sociais  e/ou  formais  e  ter  afetado 
negativamente  outros  indivíduos,  ele  mereça 
uma  punição  para  que  ele  nunca  mais  aja  de 
determinada  maneira.  É  a  retomada  de  antigos 
A  cultura  do  punitivismo  e  o  encarceramento  em  massa.  preceitos  sociais,  na  qual  as  pessoas  que 
Disponível  em: 
<https://canalcienciascriminais.com.br/cultura-do-punitivismo-en
cometiam  atos  criminoso  ou  ilícitos  deveriam 
carceramento/>.  Acesso  em  26  de  mar.  2020. ser  punidos  e  sofrer  na intensidade semelhante 
ao  sofrimento  a  quem  causou,  sem  olhar  os 
O  punitivismo  penal  pode  ser  descrito  como  o  motivos e o contexto que levaram a esse ato. 
uso  do  direito  criminal  para  causar  sofrimento 
exacerbado  naqueles  que  infringem  a  lei  ou  as  Quando  falamos  diretamente  do  Brasil,  vemos 
regras  sociais.  Tornou-se  simples  compreender  essa  cultura  se instalar na ideia de que a polícia 
a  influência  do  punitivismo  no  cotidiano  deve  poder  agir  para  proteger  o  “cidadão  de 
devido,  principalmente,  ao  anseio  de  penas  bem”  sem  prestar  contas.  Entretanto,  a 
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mais rigorosas a fim de punir o infrator.   expressão  máxima  do  punitivismo  em  nosso 
país  é  vista  nas  frases  “Bandido  BOM  é 
Esse  quadro  surge  ou  se  agrava em períodos de  bandido  MORTO”  e  “Direitos  humanos  para 
incertezas  e  perdas  sociais,  nos  quais  a  humanos  direitos”,  usadas  como  um slogan por 
criminalidade  e  a  barbárie  avançam  sobre  a  partidos  políticos  e  pessoas  que  se  colocam 
sociedade,  promovendo  uma  onda  de  como  defensores  da  justiça  e  zeladores  da  paz, 
perigosidade  e  medo  que  espreita  os  cidadãos.  da moral e da ordem social. 
Esses  que,  motivados  pelo  sentimento  de 
revanche  e  ódio,  clamam  por  uma  justiça  que  Dentro  dessa  lógica,  observamos  também, 
atue  com  práticas  mais  rígidas,  através  de  principalmente  nas  redes  sociais,  críticas  às 
ações  mais  incisivas  da  polícia  e  de  leis  que  garantem  a  dignidade  de  tratamento 
condenações  mais  rápidas  e  inflexíveis,  e  para  pessoas  em  regime  de  reclusão,  partindo 
esperam  que  o  governo  solucione,  de  alguma  do  princípio  de  que,  como  essas  pessoas 
forma,  esse  sentimento  de  impunidade  que  perturbaram e perverteram o Estado de Direito, 
ronda o imaginário social.  elas  não  seriam  merecedoras  de  garantias 
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sociais.  

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DANTAS, Kelly Marlyn Colaço. O retorno do punitivismo penal. COSTA, Domingo Barroso da. O fetiche punitivista e o colapso do
Cedipe. Disponível em: Estado de Direito. Consultor Jurídico, 2016. Disponível em:
<http://www.cedipe.com.br/3cbpj/docs/artigos_pdf/05_retorno_punit <https://www.conjur.com.br/2016-fev-02/tribuna-defensoria-fetiche-p
ivismo_penal.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2020. unitivista-colapso-estado-direito>. Acesso em: 28 mar. 2020
 

Revista do Pet Economia Ufes. Vol. 1. Julho, 2020. 

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Contudo,  essa  lógica  vai  contra  à  premissa  e  nas  carceragens  das  delegacias, para um total 
social  da  punição  judicial, na qual a Justiça não  de  460  mil  vagas  disponíveis,  ocupando  em 
serve  somente  para  punir o indivíduo. Também  torno  de  197%  da  disponibilidade  de  detenção, 
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é  dever  dela  reeducar  e  reinserir  dentro  da  sendo esses dados referente a junho de 2019 . 
sociedade  aqueles  que  estão  sendo  punidos, 
esse  conceito  é  recordado  pelo  coordenador  do  Essa  realidade  carrega  consigo  a  total  falta  de 
Departamento  de  Monitoramento  e  segurança  e  estrutura  para  abrigar  os detentos, 
Fiscalização  do  Sistema  Carcerário  e  do  que,  amontoados  em  celas  e  sem  recursos, 
Sistema  de  Execução  de  Medidas  muitas  vezes  são  coagidos  a  se  filiarem  a 
Socioeducativas  (DMF),  do  Conselho  Nacional  organizações  criminosas  para  que  não  morram 
de  Justiça  (CNJ),  Luís  Lanfredi.  Assim,  antigos  durante o cumprimento da pena. 
condenados,  ao  saírem  do  seu  período  de 
Todavia,  essa  não  é  a  realidade  enxergada  pela 
reclusão,  devem  estar  prontos  e  preparados 
população  ou  divulgada  por  grande  parte  da 
para  a  vida  em  sociedade,  não  necessitando 
mídia  alarmista  e  sensacionalista.  Ainda  que 
recorrer  a  métodos  ilícitos  para  sobreviver. 
pese  o  fato  de  que  a  recuperação  e  reeducação 
Dessa  forma,  é  dever  do  Estado  assegurar  que 
dos  detentos  tornam-se  tarefas  ainda  mais 
os  réus  recebam  tratamentos  adequados  e 
difíceis.  Dentro  da  atual  estrutura  do  sistema 
sejam  reeducados  e  preparados  para  que  não 
prisional  brasileiro,  o  preconceito  e  o  ódio  se 
voltem à criminalidade. 
manifestam  a  partir  de  uma  imagem  da 
A  posição  esperada  pelo  governo  mediante  sociedade  em  que os apenados passam por uma 
essas  situações  é  situada  a  partir  de  leis,  como  vida  de  bonanças,  sendo  sustentados  pelo 
exemplo  a  Lei  de  Execução  Penal  (Lei  Estado  e  quando  saem,  saem  piores  do  que 
7.210/1984).  Ela  consiste  em  um  regimento  entraram,  pois  seria  isso  parte  da  natureza 
extenso  com  intuito  de  garantir  que  o  Estado  criminal  intrínseca  a  um  condenado,  o  que 
respeite  os  direitos  e  deveres  dos  detentos  e  provoca,  além  de  revolta,  um  pavor  social 
condenados. Ela tem, em suas diretrizes, o ideal  contra  esses  ex-detentos.  Assim,  a mentalidade 
de  garantir  que  o  infrator  tenha  direito  à  que  acaba  por  dominar  é  a  de  que  a 
alimentação  e  a  vestimentas  adequadas,  acesso  criminalidade  vai  disparar  visto que já existiam 
às  assistências  básicas  como  a  saúde  e  criminosos na rua e mais deles serão soltos. 
educação,  além  do  direito  de  contato  com  o 
Infelizmente,  isso  é  realmente  visto,  mas  não 
mundo  exterior  por  meio  de  correspondências. 
porque  eles  são  criminosos  por  natureza  e, sim 
Dessa  forma,  a  garantia  de  que  os  direitos 
por  conta  do  descaso  da  sociedade  e  do  Estado 
penais  serão cumpridos e preservados em todas 
3 para  com  estas  pessoas,  pela  falta  de 
as instâncias . 
oportunidades  de  emprego  ao saírem, o que faz 
Todavia,  a  realidade  é  outra, a realidade é dura,  com  que  vejam  como  única  saída  o  retorno  à 
fria  e doentia. Enxerga-se nos presídios um alto  ilegalidade. 
nível  de  descaso  social,  a  precariedade  das 
Quando  falamos  da massa carcerária brasileira, 
instalações  e  de  higiene,  o  que  leva  a 
é  necessário  entender  e  analisar  quem  são  os 
disseminação  de  doenças  evitáveis ou tratáveis, 
indivíduos  que  estão  sendo  presos  e  quais  são 
além  da  superlotação  na  maioria  dos  presídios. 
os  fatores  que  levaram  à  prisão.  Em  dados  do 
Para  que  possamos  ter  dimensão  da 
Depen,  em  2018  cerca  de  61,7%  dos 
superlotação,  podemos  avaliar  os  dados 
encarcerados  eram  pretos  ou  pardos,  enquanto 
fornecidos  pelo  Departamento  Penitenciário 
a  população  branca  na  mesma  situação  era 
Nacional  (Depen),  na  qual  constam,  em  2019, 
equivalente  a  37,22%  do  total.  De  toda  a 
cerca  de  766  mil  presos  em unidades prisionais 
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Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. 2019.
3
RAMOS, Maria Carolina de Jesus. Punitivismo, Lei de Execução Penal Disponível em:
e Direito Penal do Inimigo. Canal ciências criminais, 2018. Disponível. <https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZTk3ZTdmMDEtMTQxZS00Y
em: mExLWJhNWYtMDA5ZTllNDQ5NjhlIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMt
<https://canalcienciascriminais.com.br/punitivismo-direito-penal-inimi NDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9>. Acesso em: 12 mar.
go/>. Acesso em: 28 mar. 2020. 2020.
 

Revista Pet Economia Ufes. Vol. 1. Julho, 2020. 

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população  penitenciária  brasileira,  em  dados  morte,  que  vai  contra  o  direito  à  vida  de  todo 
de  2019,  apenas  4,94%  eram  do  sexo  feminino,  ser humano. 
enquanto  os  95,06%  restantes  eram  do  sexo 
masculino.   Podemos  perceber  o  avanço  dessas  idéias 
quando  observamos os discursos que ganharam 
Segundo  o  Depen, grande parcela da população  espaço  nos  últimos  anos  e  que  receberam 
carcerária  é  presumidamente  inocente,  já  que  grande  apoio  e  destaque  nas  últimas  eleições. 
são  provisórios  e  aguardam  julgamento,  em  São  ideias  que  defendem  a  redução  de  direitos 
2019,  cerca  de  35%  dos  766  mil  detentos  não  dos  encarcerados,  o  endurecimento  de  penas  e 
foram  julgados  definitivamente.  Analisa-se,  liberdade  de  ação  para  a  polícia.  Esse  discurso 
então,  que  grande  parte  da  massa  carcerária  é  utilizado  por  grupos  políticos,  e  endossa  a 
não  possui  meios  para  prosseguir  e  adiantar  o  ideia  de  que  certas  figuras  políticas  são  heróis 
julgamento,  dependendo,  majoritariamente,  da  que  salvarão  o  povo  do  sofrimento  e 
defensoria  pública.  Essa  que  demonstra  ser  extinguirão  o  medo,  através  das  medidas 
ineficaz  e  escassa  para  atender  a  demanda  citadas  anteriormente,  gerando  prestígio  para 
acumulada.  Isso  é  visto  com  clareza  em  São  esses grupos.  
Paulo,  que  abriga  cerca  de  30%  de  toda  a 
população  carcerária  do  Brasil,  e  conta  com  Nesse  sentido,  é  visível  que  o  resultado  das 
menos  de  800 defensores e defensoras públicas,  últimas eleições reforça a cultura punitivista no 
que,  além  do  trabalho  na  defensoria  criminal,  Brasil  e  a  forma  como  ela  vem  se  espalhando 
possuem outras atribuições.  como uma resposta à violência e à desigualdade 
que  assola  nosso  país.  No  ponto  em  que 
Isso  demonstra  que,  para  ter  direitos,  é  estamos,  todos  estão  sedentos  por  justiça  e por 
necessário  ter  poder  aquisitivo.  Para  o  justiceiros,  mas  no  fim  de  toda  discussão 
procedimento  de  um  julgamento  legítimo,  é  voltamos  a  mesma  questão:  quem  é  atingido  (e 
necessário  que  o  indivíduo  possua  meios  quem se beneficia) pelo punitivismo penal? 
financeiros  para subsidiar uma defesa. Todavia, 
essa  questão  de  classe  não  é  enxergada.  O  atingido  é  o  pobre  e  negro  que  está  sendo 
Inclusive,  com  a  caça  aos  políticos  corruptos  e  enquadrado  pela  polícia  e  não  possui  meios  de 
os  julgamentos  dos  mesmos,  esses  que  se  defender  no  julgamento.  Esse  que,  muitas 
possuem  poder  e  influência,  perpassam sobre a  vezes,  é  preso  provisoriamente  e  se  encontra  à 
ideia  que  a  Justiça  é  cega  e  imparcial,  que  espera  de  um  defensor  público,  para  que  seu 
pobres  e  ricos  sofrem  com  o  mesmo  caso  prossiga  no  judiciário.  Esse  defensor  que 
julgamento.  E  por  isso  há  um  clamor para uma  talvez  nem  tenha  tempo  de  julgar  o  caso  até 
justiça  mais  severa,  já  que  ela  é,  teoricamente,  que  aquele  detento  morra  na  prisão  por  N 
neutra.   fatores.  E,  aqueles  que  se  beneficiam  desse 
sistema,  ficam  cada  vez  mais  evidentes  no 
Atualmente,  existe  um  certo  clamor social para  Brasil,  eles  se  beneficiam  do  pânico  e  do  caos, 
o  retorno  do  que  é  chamado  de  Direito  Penal  semeiam  a  discórdia  para  vender  a  "solução". 
Máximo.  Ele  consiste  no  endurecimento  das  Muitas  vezes  estão  nas  bancadas  evangélica, 
leis  já  existentes,  na  transformação  de  penas,  para  se  manter  e  beneficiar  aqueles  que  o 
tornando-as  mais  severas,  além  de  idealizar  a  sustentam.  Todavia,  o  principal beneficiado é o 
transformação  de  atos  que  podem  ser  capitalismo,  com  seu  reinado  de  terror,  que 
resolvidos  em  âmbito  civil  em  crimes  passíveis 
de  punição.  Esse  clamor  urge,  também, 
algumas vezes pedindo a legalização da pena de 
explorados sob seu poder.  
julga  a  cor  e  a  classe, para manter dominados e 

Revista do Pet Economia Ufes. Vol. 1. Julho, 2020. 

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