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ENTRE A DOENÇA E O CRIME: AS ORIGENS E CONTRADIÇÕES DO

MANICÔMIO JUDICIÁRIO EM PERNAMBUCO

Mirella Rocha Magalhães


Mestre em História pela UFPE
mirellarocha_16@hotmail.com

Esse trabalho visa compreender a junção da figura do doente e do criminoso em um único


individuo: o “louco criminoso”. Aquele que provadamente cometeu algum tipo de crime
em decorrência de doença mental. Individuo, que segundo o atual código penal brasileiro,
em seu Art. 26 é considerado inimputável, ou seja, isento de pena, contudo, pode sofrer
como sanção penal, a “medida de segurança”, e recolhimento para Hospital de Custódia.
A partir da análise acerca do HCTP, único hospital de custódia do estado de Pernambuco,
localizado na Ilha de Itamaracá, procuramos problematizar a criação da instituição
“manicômio judiciário”, inicialmente idealizada aqui no estado, por Carlos de Lima
Cavalcanti e o médico psiquiatra Ulysses Pernambucano em 1930. Partindo de leituras a
respeito do tema e de denúncias junto ao Ministério Público em relação à quebra de
direitos humanos evidenciadas no HCTP de Pernambuco, noticiadas pela imprensa, é
possível questionar a legitimidade e eficácia dessa instituição, que ainda se perpetua e é
pouco questionada na atualidade, e se ela não seria a forma mais cruel de mortificar e
desumanizar os portadores de transtornos mentais através dos mecanismos já conhecidos
aplicados pelas instituições totais e suas amarras de sustentação.

Palavras-chave: Manicômio Judiciário, HCTP, Pernambuco,


Introdução

O nascimento das prisões como nós conhecemos hoje foi um longo processo que
envolve diversas questões, dentre elas a passagens dos castigos físicos e punições de
flagelo do corpo para uma punição pautada no aprisionamento como forma de coibir
futuros delitos. O fato é que a prisão em sua constituição inicial foi local de punição e não
ressocialização. Manter o individuo longe da sociedade e em certos padrões de restrição
foi o modo como a sociedade no final do século XVIII e início do XIX encontrou de
castigar os indivíduos que de alguma forma romperam com a ordem social, tornando-se
assim, indesejáveis. Foucault (2014) coloca a passagem das punições físicas para o
aprisionamento, trazendo uma nova percepção a respeito do ordenamento jurídico e das
novas práticas de se fazer justiça.

A punição vai se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal,


provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase
diária e entra no da consciência abstrata: sua eficácia é atribuída a sua
fatalidade, não a sua intensidade visível: a certeza de ser punido é que
deve desviar o homem do crime... (FOUCALT, 2014, p. 14)

Contudo, essa nova forma de lidar com o criminoso não significa deixar de impor
ao corpo os suplícios do castigo. De outra forma, esse corpo será alvo da punição e
representará o castigo inerente aqueles que corrompem a ordem.

O poder sobre o corpo, por outro lado, tampouco deixou de existir


totalmente até meados do século XIX. Sem dúvida, a pena não mais se
centralizava no suplício como técnica de sofrimento; tomou como
objeto a perda de um bem ou de um direito. Porém antigos como
trabalhos forçados ou prisão- privação pura e simples de liberdade-
nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao
corpo: redução alimentar, privação sexual, expiação física, masmorra.
Consequências não tencionadas, mas inevitáveis da própria prisão?
(FOUCAULT, 2014, p.20)

A pergunta que finaliza a o trecho anterior é uma reflexão atual da realidade.


Seriam as condições insalubres, precárias das prisões modernas apenas uma continuação
consciente daquilo que é inerente a vida prisional? As más condições em que vivem os
prisioneiros seria também mais uma forma de punição? Talvez esse raciocínio explique a
continuidade de diversas práticas de humilhação e sofrimento presentes na grande parte
das instituições prisionais. Não mais o corpo será violentamente suplicado, mas a alma
do indivíduo será mitigada pelo sofrimento imposto pela vergonha da condenação e pelas
novas formas de castigo, que se menos suplicantes possam se apresentar, continuam
cumprindo seu papel de punir, agora de forma mais silenciosa e menos publicizada.
A prisão, como as demais instituições totais utilizam do cruel sistema do
encarceramento para garantir o obediência e a mortificação do eu, que Erving Goffman
(2013)1 relaciona a um dos mecanismos de racionalização utilizados como forma de
controlar o grande número de prisioneiros. Através das formas de padronização,
isolamento e flagelo, as instituições totais como os presídios ou hospitais psiquiátricos
criaram um ambiente onde o indivíduo se perde na massa. Em ambas as instituições se
perde controle de si e de suas vontades.
A instituição total tem diversos mecanismos de aniquilação do sujeito, suas
amarras e o controle tornam esse local propicio a diversos tipos de sentimentos. Entre
esses sentimentos, um grande inimigo do indivíduo encarcerado é a noção de perda de
tempo. A passagem do tempo dentro das instituições totais é vista como um período
perdido da vida. O enclausuramento provoca a sensação que a retomada da existência se
dará após a saída da instituição, e o tempo passado ali é apenas algo perdido. Dentro dessa
ideia, penas longas podem acarretar um grande sofrimento. Nessa perspectiva, o doente
mental criminoso está nas piores das situações, pois a pena é ilimitada. O indivíduo pode,
e em muitos casos é o que se evidencia, passar o resto da vida dentro do Hospital de
Custodia. É como se a loucura somada ao crime conferisse a esse indivíduo o pior dos
castigos.

...entre os internados de muitas instituições totais, existe um intenso


sentimento de que o tempo passado no estabelecimento é um tempo
perdido, destruído ou tirado da vida da pessoa; é tempo que precisa ser
“apagado”; é algo que precisa ser “cumprido”, “preenchido” ou
“arrastado” de alguma forma....Por isso o interno tende a sentir que
durante sua estada obrigatória-sua sentença- foi totalmente exilado da
vida. É nesse contexto que podemos avaliar a influencia

1
O termo “instituições totais” é aqui utilizado na perspectiva apontada por Erving Goffman em sua obra
“Manicômios, prisões e conventos”, buscando entender as similaridades do ambiente prisional e da
instituição psiquiátrica como forma de controle e aprisionamento.
desmoralizadora de uma sentença indefinida ou de sentença muito
longa. (GOFFMAN, 2013, p. 64)

Diante das mudanças das relações humanas a respeito do direito, da vida e das
práticas sociais é de se supor que estejamos evoluindo para tempos de maior compreensão
e fortalecimento das igualdades. Contudo, em discordância com o que muito evoluímos
em termos de direitos humanos, ainda vivenciamos situações que nos chocam pela quebra
de tantas lutas de cunho libertador ocorridas nos últimos séculos. Longe do que
poderíamos imaginar, continuamos a perceber a influência de práticas conservadoras e
violentas presentes nas nossas instituições modernas.
Após o holocausto ocorrido na Segunda Guerra Mundial, vivenciamos a criação
de medidas que viriam a surgir como mecanismos de defesa em prol da vida humana.
Dentro desse cenário a criação da Declaração Internacional dos Direitos Humanos em
1948 e sua adoção pela ONU (Organização das Nações Unidas), representou um
momento de união das nações na pactuação de medidas que visavam garantir os direitos
inerentes a pessoa humana em suas diversas perspectivas. A declaração é um símbolo de
mudanças na mentalidade e na forma de se relacionar que representa atualmente o grande
ideal de melhoria e princípios humanitários, que mesmo não obrigando governos
legalmente, influenciou a criação de diversas constituições e tratados internacionais
posteriores a sua criação. “A ideia de “direitos humanos” é resultado do pensamento
filosófico dos tempos modernos, com fundamento na filosofia do racionalismo e no
iluminismo, no liberalismo e democracia, e também no socialismo. “2 Consagrando,
assim, a responsabilidade dos governos com seus pobres, minorias e com a justiça social.
No que diz respeito aos portadores de transtornos mentais, após o longo processo
de Reforma Psiquiátrica iniciado na década de 1960 ainda há muito o que se avançar nas
práticas de cuidados e inclusão. Hospitais foram fechados, fazendo perceber sua
ineficácia, e um novo modelo de atenção foi sendo desenvolvido para dar o suporte
necessário e descontruir toda uma trajetória de segregação. Contudo, em relação ao louco
criminoso, muito pouco foi efetivamente modificado, e continua sendo um dos grandes

2
Compreender os Direitos Humanos. Manual de educação para os direitos humanos. 3ª edição em Língua
Inglesa: European Training and Research Centre for Human Rights and Democracy (ETC) Graz, 2012. P.
51.
desafios. Pois o Manicômio Judiciário representa a grande contradição de oscilar entre: “
o modelo jurídico-punitivo e o modelo psiquiátrico-terapêutico. O primeiro vê o sujeito
capaz de ser, tanto moral como penalmente, responsabilizado por suas ações. O
segundo...enquanto sujeito de seus impulsos e desejos. ” (IBRAHIM, 2014, p.64)

Brasil e a criação dos Manicômios Judiciários

Foi no período imperial, em 1830 que o Código Penal pela primeira vez falou
sobre o doente mental considerado criminoso. Nesse momento, o louco criminoso vai ser
destinado para casa de familiares ou locais específicos.

10, § 2º, que não seriam julgados criminosos os “loucos de todo o


gênero, salvo se tiverem lúcidos intervalos e neles cometerem o crime”.
Já o artigo 12, coloca que “os loucos que tiverem cometido crimes serão
recolhidos às casas para eles destinadas, ou entregues às suas famílias,
como ao juiz parecer mais conveniente” (BRASIL, 1830).

Apenas na segunda metade do século XIX instituições destinadas a doentes


mentais começaram a ser construídas no Brasil, sendo a primeira, o Hospício Pedro II, no
Rio de Janeiro, que esteve em funcionamento de 1841 a 1852. É preciso entender que
esses locais tinham a função de aprisionamento, e não cuidado, sendo criados com
objetivo especifico de resolver m problema causado por aqueles que não estando em plena
lucidez, praticaram atos criminosos, e precisavam ser punidos, como uma resposta a
sociedade.
Posteriormente, o Código Penal de 1890, já após a proclamação da República,
segue a mesma lógica, e em seu artigo 27, § 3º, prevê que não serão considerados
criminosos: “Os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem
absolutamente incapazes de imputação”. (BRASIL, 1890). O Decreto nº 1.132, de 1903,
alguns anos mais tarde, traz uma mudança importante, ao definir em seu artigo 2º, a
necessidade de laudo médico para realizar a internação. (BRASIL, 1903). Apesar disso,
o Código Civil de 1916, em seu artigo 457, estabelecia que: “Os loucos, sempre que
parecer inconveniente conservá-los em casa, ou o exigir o seu tratamento, serão também
recolhidos em estabelecimento adequado” (BRASIL, 1916). Apontando o internamento
como uma medida sempre necessária diante do inconveniente da loucura.
Outro ponto importante dentro da mudança jurídica ao tratar o portador de
transtorno mental criminosos, foi a criação da “medida de segurança” no Código Penal
de 1940, criado pelo então presidente Getúlio Vargas durante o Estado Novo. A partir
desse momento, ficou definido, em seu artigo 91, que os agentes irresponsáveis,
inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento, deveriam ser internados em manicômios judiciários, pelo prazo
mínimo de um a seis anos, dependendo da pena mínima prevista para o crime, podendo a
internação ser substituída pela liberdade vigiada (BRASIL, 1940). É importante salientar
que o código definia apenas o tempo mínimo de internação, mas não estipulava tempo
máximo, o que acabou por tornar a medida de segurança um mecanismo altamente cruel,
condenando esses indivíduos a penas muito longas.
Sérgio Carrara (2010) aponta que no Brasil a partir da legislação de 1903, no bojo
das reformas introduzidas no Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, “cria-
se uma seção especial para abrigar os “loucos criminosos”” (CARRARA, 2010, p. 17).
Seção essa, que recebeu o nome de “Seção Lombroso”, homenageando o psiquiatra
criminal italiano César Lombroso que fez surgir o termo “criminoso nato”, entendendo
que alguns criminosos nasceriam com uma tendência para o crime. Apenas em 1921
nasceria o primeiro Manicômio Judiciário, também no Rio de Janeiro. Fazendo surgir no
país essa instituição tão complexa e contraditória, como coloca o próprio Carrara:

Os manicômios judiciários são instituições complexas, que conseguem


articular, de um lado, duas das realidades mais deprimentes das
sociedades modernas - o asilo de alienados e a prisão - e, de outro, dois
dos fantasmas mais trágicos que “perseguem” a todos criminoso e o
louco. (CARRARA, 2010, p.17)

Como já comentado essa instituição parece ter sido criada com o intuito de
segregar ainda mais pesadamente esse indivíduo especifico, como coloca Thomas Szasz
(1977):

É um jogo perverso. O tribunal joga segundo a regra ‘coroa eu ganho,


cara você perde’. Se é culpado, o acusado vai para a prisão; se não é
culpado mas é louco, é enviado a um hospital para loucos-criminosos.
Por que acho este jogo perverso? Porque, se a intenção do tribunal ou
da sociedade fosse realmente oferecer tratamento psiquiátrico a certos
delinquentes, isso poderia muito bem ser feito na prisão. O fato de que
dispomos assim dos delinquentes, abandonando-os à psiquiatria, me
parece uma fraude monumental. Para o paciente delinquente não existe
nem absolvição para sua culpa, nem tratamento. Isso não é mais que um
método cômodo para ‘se livrar’ dos indivíduos que apresentam
comportamentos anti-sociais” (SZASZ, 1977, p. 148)

Alguns anos após a criação do primeiro Manicômio Judiciário brasileiro, em 1984,


ano em que o país lutava pelas Diretas já, e o fim do regime militar, a Lei nº 7.209, alterou
alguns dispositivos do Código Penal de 1940. Nesse momento a medida de segurança se
estabelece como regra, ampliando a internação em hospital de custódia e tratamento, mas
deixa aberta a possibilidade de submeter o portador de transtorno mental apenas a
tratamento ambulatorial para os fatos previstos como crimes sujeitos a detenção, e não a
reclusão, explícitos nos artigos 96 e 97 (BRASIL, 1984). A lei estabelece essas medidas
como forma de assegurar, teoricamente, o recolhimento e tratamento dos loucos
criminosos. Ocorre também a mudança nominal de Manicômio Judiciário, para Hospital
de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), o que não conseguiu refletir mudanças
reais no tratamento dado aos pacientes.

HCTP: Ulysses Pernambucano e o primeiro Manicômio Judiciário do Estado de


Pernambuco

A história do primeiro manicômio judiciário de Pernambuco está ligada a figura


de Ulysses Pernambucano, médico de grande importância no âmbito da saúde mental do
estado, tendo criado o Hospital Ulysses Pernambucano, atualmente conhecido como
Hospital da Tamarineira.
Em 1916, Ulysses Pernambucano, voltava ao Recife e vinha a ocupar a função de
alienista, no Hospital de Alienados da Tamarineira. Lidando com todas as adversidades
presentes no local, Ulysses irá deixar sua marcar e se tornar nome principal no que tange
a saúde mental do estado. Em 1926 é retirado da direção da Tamarineira e nomeado chefe
do Serviço de Demografia Sanitária, Estatística e Propaganda do Departamento de Saúde
Pública de Pernambuco.
Em 1930, por conta da ascensão de Getúlio Vargas ao poder e o
consequente início da “Era Vargas” no Brasil (governo que se propunha
democrático, mas que convergiu ao autoritarismo), é nomeado para
Pernambuco o interventor federal Carlos de Lima Cavalcanti. Este,
favorável às ideias e ânsias defendidas por Ulysses, de ampliação e
reforma da assistência aos enfermos mentais, o nomeia para mais uma
vez o cargo de diretor da Tamarineira. E é pelo decreto n° 26, de 10 de
Janeiro de 1931, que formalmente é criada a Divisão de Assistência a
Psicopatas (termo corrente na época, de equivalência a “enfermos
mentais”) do Estado de Pernambuco. A partir da Assistência a
Psicopatas, toda a estrutura de atendimento, prevenção e reabilitação
psiquiátrica do estado iria, sem exceções, ser afetada. (BRITO)

À frente da saúde mental do estado, Ulysses, vai abrir caminho para a criação de
vários núcleos de saúde mental. Dentre as obras idealizadas por ele está a criação do
Manicômio Judiciário, que inicialmente funcionou provisoriamente nas dependências do
Hospital da Tamarineira. Posteriormente, sendo seu funcionamento foi transferido em
definitivo em agosto de 1953, para as dependências do Engenho Monjope, em Igarassu.
Hoje o HCTP funciona em anexo à Penitenciária Agrícola de Itamaracá.
O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Pernambuco (HCTP PE)
atualmente fica localizado na Ilha de Itamaracá, a 47km da capital, Recife. O HCTP de
Pernambuco foi inaugurado em 1982. Em 2011, o HCTP vinculava-se à Secretaria de
Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos de Pernambuco. O Hospital de
Custódia de Pernambuco era a terceira unidade em população dos HCTP’s e das Alas de
Tratamento Psiquiátrico (ATPs), o que correspondia a 11% dos Estabelecimentos de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico (ECTPs) do país e a 41% das pessoas internadas nos
estabelecimentos da Região Nordeste. A população total do HCTP-PE era de 433
indivíduos, entre os quais 203 estavam em medida de segurança e 230 em situação
temporária. No HCTP-PE, pelo menos 30% (61) dos indivíduos em medida de segurança
não deveriam estar internados por cumprirem medida de segurança com a periculosidade
cessada ou por terem sentença de desinternação, medida de segurança extinta ou
internação sem processo judicial.
Pouco se sabe dos percursos históricos de formação e consolidação do manicômio
judiciário em Pernambuco, contudo, o importante é perceber que a transformação dessa
instituição em Hospital de Custodia não modificou as bases de origem prisional e punitiva
da instituição.
Em agosto de 2017 foi realizada videoconferência com o objetivo de discutir
medidas para a desinstituucionalização do Hospital de Custodia de Pernambuco.
Articulação entre a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o Sistema Judiciário visando
ao incremento das ações territoriais e comunitárias de Saúde Mental, juntamente com o
Ministério Público de Pernambuco (MPPE) abordaram medidas básicas sobre a
empreitada desse processo.
Ainda no ano de 2017 medidas da Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres)
começaram a serem articuladas para possibilitar um processo de desinstitcionalização do
HCTP-PE. Em um processo complexo e repleto de entraves a tentativa é que os pacientes
que não consigam retornar ao lar, possam ser amparados pelo estado e acolhidos em
Residências Terapêuticas, como já é vivenciado pelos demais portadores de transtornos
mentais do país. Norma Cassimiro, gerente do HCTP na época, já apontava a dificuldade
em conseguir com que familiares recebessem esses indivíduos de volta ao lar, e colocava
a importância da saída dos mesmos do sistema institucional, como ponto decisivo no
processo de recuperação. É preciso entender as engrenagens históricas que movem as
instituições totais, para saber as ineficiências, já comprovadas. O isolamento imposto aos
criminosos portadores de transtornos mentais, de certo agrava sua condição de doentes e
torna cada vez mais distante a possibilidade de retorno ao convívio social.

Fernando dos Santos chegou ao Hospital de Custódia e Tratamento


Psiquiátrico (HCTP-PE), em Itamaracá, com 25 anos. Hoje, aos 55,
permanece internado, mesmo que a ordem judicial determinando sua
saída do único manicômio judiciário do estado tenha sido expedida há
dois anos. A história de Fernando se repete com outros 14 internos, que
já deveriam ser reinseridos à sociedade, mas não deixam o HCTP
porque os parentes não os aceitam de volta. Julgados pelas próprias
famílias, os pacientes são condenados a uma prisão perpétua à
brasileira. São pessoas que, apesar de já terem cumprido a medida de
segurança definida pela Justiça, permanecem enclausuradas sem
previsão para sair. (Diário de Pernambuco, 2014)

A repulsa pela própria família faz com que o portador de transtorno mental acabe
se configurando como um preso perpetuo. Inimputável perante a lei, sua sentença se torna
a mais dura e perversa dentro do contexto em que está inserido. A rejeição social ao crime
é ampliada pelo medo da doença mental. Sem estrutura do estado, e sem aceitação, resta
a esses indivíduos permanecerem no HCTP, provavelmente até o final de suas vidas. Em
uma trajetória histórica marcada pelo sofrimento e pelo esquecimento.
O trabalho censitário de Debora Diniz (2011) feito no ano de 2011 mostra a face
das instituições de custodia no país, revelando que a maioria dos indivíduos em situação
de medida cautelar estão na instituição devido a morosidade do sistema de julgamento.
Boa parte ainda não havia tido, na época, a resolução de seus processos, e aguardava
parecer judicial sobre sua condição de preso portador de transtorno mental. No caso do
HCTP de Pernambuco especificamente, a situação não era diferente, constatando como a
lentidão da justiça em casos como esses, podem se configurar como uma das principais
causas da superlotação dessas instituições, comprometendo toda as logica de cuidado e
atenção.
Com capacidade para 372 usuários, o Hospital de Custodia de
Pernambuco, possuía no ano de 2011, o total de 433 internos, sendo boa
parte em condição temporária. Dos 230 indivíduos em situação
temporária no HCTP-PE, 21% (48) estavam internados para realizar
exame de sanidade mental e 70% (160) estavam com o exame de
sanidade mental e aguardavam decisão judicial para andamento
processual. A previsão do Código de Processo Penal é de que a
internação para a realização do exame de sanidade mental não
ultrapasse 45 dias, salvo se os peritos demonstrarem a necessidade de
maior prazo. Da população em situação temporária que estava
aguardando laudo de sanidade mental no HCTP-PE, a média de espera
era de sete meses, ao passo que nos demais estabelecimentos do país
era de onze meses. Dos indivíduos à espera do laudo de sanidade
mental, 31% (15) aguardavam dentro do prazo previsto pelo Código de
Processo Penal e 67% (32) aguardavam por um período superior a esse
prazo. (DINIZ, 2011)

Atualmente, dos 58 pacientes com alvarás que estão no processo de desinternação


no HCTP, 20 estão em processo de articulação com familiares e 38 necessitam de
Residências Terapêuticas viabilizadas. Para Norma Cassimiro, as Residências
Terapêuticas surgem como uma estratégia para a desinstitucionalização, “que é um
processo mais amplo, por exemplo, o indivíduo vai se desligar de regras impostas pela
unidade prisional e adquirir vida própria como a hora do almoço não será mais às 11h,
mas na hora que ele tiver fome” (Pernambuco Notícias, 2017). De abril a setembro de
2017, 86 pacientes saíram da unidade, apenas um para residência terapêutica.
Ainda esse ano, em fevereiro, foi realizada inspeção do Ministério Público do
Trabalho ao HCPT, onde foram detectadas várias falhas dentro da instituição, constatando
que os trabalhadores estão com a saúde e segurança expostas dentro da instituição.
Problemas de instalação, rede elétrica foram algumas das irregularidades encontradas.
Constatando problemas anteriormente apontados pelo relatório do Conselho Regional de
Medicina (CREMEPE). Mesmo com várias equipes de apoio, a unidade sofre com crônica
carência de recursos humanos;

A sala de curativo possui aeração insuficiente, e está equipada com


maca , escadinha de 02 degraus, foco luminoso materiais descartáveis
em mesa de apoio; Refeitório precário, insalubre, mal aerado; Escala
de Plantão Médico conta apenas com 02 profissionais por semana,
sendo domingo e terça-feira;....Faltam Projetos terapêuticos Singulares
(PTS) e Institucional (PTI); Unidade pouco influenciada pelas Políticas
de Humanização, reproduz equipes que não se relacionam
minimamente e falta maior interação; (RELATÓRIO DE
FISCALIZAÇÃO, 05 de Abril de 2017)

Conclusão

Desde a década de 1940, o manicômio judiciário se configurou como lugar


preconizado para o cumprimento de tratamento compulsório do transtorno mental.
Psicopatologias ou anormalidades são detectadas pela perícia psiquiátrica, dentro do
sistema penal, em função do delito praticado e do estado mental do envolvido no
momento do crime, para a definição do cumprimento de pena ou de medida de segurança
no sistema prisional. A partir da formalização da Lei Antimanicomial em 2001, há uma
recomendação para que os HCTP se reorientem segundos novos parâmetros da saúde
mental (Brasil, 2002)
Kalline Lira (2016), em seu trabalho, aponta programas inovadores, como o
Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ) em Minas Gerais, iniciado
em 1999, e o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator em Goiás, onde é possível
perceber a viabilidade de um acompanhamento ao longo do processo criminal, oferecendo
atenção integral e Inter setorial da rede pública de assistência. Ambos os projetos têm
como premissas uma atenção psicossocial do sujeito assistido, sem internação em
instituição fechada. Com um olhar que visa a sociabilidade dos sujeitos com transtorno
mental em conflito com esses projetos viabilizam a permanência do convívio desses
indivíduos com a sociedade.
Se entendemos que após o processo de redemocratização, com a Constituição
Federal de 1988, o papel do Estado na Saúde passa a ser discutido nos ideais da reforma
sanitária, instituindo o programa do Sistema Único de saúde (SUS), garantindo direito a
saúde a todos, é preciso ter um olhar mais humanizado para com os indivíduos acometidos
com a doença mental, que se tornaram infratores. Esse assunto deve ser observado pela
ótica da saúde publica, e primordialmente deve ser garantido o cuidado assistencial.
Infelizmente em sua maioria a ação voltada para essa população especifica se
mostra extremamente deficiente. O sistema prisional, mitiga todos pressupostos
terapêuticos necessários e cria uma condição extremamente difícil. Tanto as instituições
psiquiátricas, como as prisões são locais onde: “nesses estabelecimentos uma
determinada população é fragilizada, por sua condição social ou mental o sistema social
como um todo transforma essa fragilidade em desrespeito por sua condição de sujeitos de
direitos. ” (OLIVEIRA, 2016, p. 67), ferindo, assim, muitas vezes os direitos humanos.
Se estamos em busca de uma sociedade mais igualitária e solidária, onde as relações
sociais se pautem no respeito e garantia da dignidade humana, o debate a respeito do fim
dos HCTP’s precisa ganhar força, e a história dos portadores de transtornos mentais que
cometeram delitos precisa ganhar mais visibilidade e empatia nos debates.
No estado de Pernambuco o HCTP PE ainda se mantém como uma instituição
contraditória, e notadamente ineficiente, no sentido da ressocialização e medidas de
cunho terapêutico. Silenciados e afastados do centro urbano os prisioneiros que lá
habitam são o retrato do esquecimento, do indesejado. E apesar das políticas públicas
estarem caminhando para a desnstitucionalização, em acordo com a Reforma psiquiátrica,
o HCTP parece estar atrasado nesse processo, demonstrando, mais uma vez, a importância
de voltarmos os olhos para essa intuição, e tudo que ela representa em termos de opressão
e silenciamente. Estão presos não apenas criminosos, mas pessoas acometidas pela
doença, e que continuam sendo castigadas, mesmo que a lei as considere “inimputáveis”.
Como coloca
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