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MARINGÁ
2019
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MARINGÁ
2019
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BANCA EXAMINADORA
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Professor: Dr.
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Professor: Me.
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
This article will analyze the application of Restorative Justice in cases of domestic violence,
determining if it is really effective when applied in these cases. Due to the encouragement of
the CNJ to the application of Restorative Justice by the Courts in cases of domestic violence
against women, it has become a discussion of the topic of great relevance, as it raises
questions about the need and non-possibility of applying restorative mechanisms, In view of
the very restorative nature of the Maria da Penha Law and the prohibition that it imposes the
application of other norms with restorative institutes, while safeguarding one of the purposes
of the Law, which is a more attenuating punishment of the aggressor.
Keywords: Restorative Justice. Domestic violence. Maria da Penha Law.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 27
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INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é um problema que a sociedade ainda enfrenta como fruto
do machismo e de uma sociedade que há muito teve a imagem do homem associada como o
único provedor e mantenedor, e em contrapartida a imagem da mulher única e exclusivamente
relacionada à maternidade e cuidados com o lar. Este comportamento social, por muito tempo
considerado comum, concedeu à imagem masculina uma característica de domínio e controle
sobre as vontades e ações da mulher, ocorrendo, por conseguinte, toda espécie de violência
contra ela por parte do próprio companheiro.
Com o passar dos anos ainda se pode notar resquícios da sociedade patriarcal e
machista nos lares, através da ocorrência de violências diversas contra as mulheres. Um ciclo
de violência, muitas vezes difícil de ser quebrado, principalmente pela condição de
vulnerabilidade da vítima.
Após anos de sofrimento e silêncio, uma luz surge no fim do túnel com o advento da
Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) que trouxe mecanismos para coibir, prevenir, punir
e erradicar a violência doméstica contra a mulher. Através dela as mulheres que viviam numa
realidade de violência doméstica puderam reconhecer que eram vítimas de violência, e muitas
delas num ato de coragem denunciaram seus agressores, pois apesar de uma Lei pioneira, com
muito ainda o que ser discutido e colocado em prática, muitas mulheres enxergaram
esperança, na possibilidade de reconstruírem suas vidas longe de qualquer violência, a partir
do momento em que vigorou Lei Maria da Penha.
Em 2017, diante da recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aos
tribunais e varas, para aplicar nos casos de violência doméstica, os mecanismos da Justiça
Restaurativa, que é um meio consensual de resolução de conflito, cujo objetivo primordial é
fazer com que o acusado reconheça seu erro e busque de alguma forma repará-lo. Portanto em
casos de violência contra a mulher o judiciário em determinado momento, após explicar à
vítima sobre Justiça Restaurativa, propõe a ela colocar em prática os mecanismos de
mediação a fim de ela juntamente com o agressor e a comunidade, encontrem uma solução ao
conflito visando reparar o dano e responsabilizar o agressor.
Porém a aplicação da Justiça Restaurativa em casos de violência doméstica contra a
mulher, não é viável, tendo em vista o próprio teor da Lei Maria da Penha e ainda os riscos à
revitimizar a mulher que sofreu violência.
A partir destas premissas, o presente trabalho objetiva uma análise ao tema a fim de
demonstrar a impossibilidade e desnecessidade de aplicação da Justiça Restaurativa em casos
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1 A JUSTIÇA RESTAURATIVA
Conceituar a justiça restaurativa é algo muito complexo devido ao fato de que ela não
possui procedimentos e métodos específicos e obrigatórios, é totalmente informal, sendo
possível a aplicação de diferentes práticas, de acordo com a necessidade de cada comunidade.
Apesar da difícil definição da justiça restaurativa é possível identificar sua
essencialidade, qual seja a afastabilidade do Estado em punir o agente, bem como
apacificação dos envolvidos no conflito, através da reparação dos danos causados à vítima
constituída na responsabilidade do ofensor.
A respeito da aplicação das práticas da justiça restaurativa na atualidade, o autor
Carlos Eduardo Vasconcelos, em sua obra “Mediação de Conflitos e Práticas e Restaurativas”
explica:
A justiça restaurativa tem, atualmente, como paradigmas preponderante, a) o
protagonismo voluntário da vítima, do ofensor e de pessoas da comunidade
diretamente afetada, com a colaboração de mediadores (facilitadores); b) a
autonomia responsável e não hierarquizada dos participantes; e c) a
complementaridade crítica em relação às práticas do direito retributivo oficial,
contribuindo, assim, para a concretização dos princípios fundamentais do Estado
Democrático de Direito. (2008, p.261)
As práticas da Justiça Restaurativa são iniciadas pela triagem que consiste na pré-
mediação ou no pré-círculo os quais têm como objetivo ouvir as partes, explicar o que é e
como funciona o andamento das práticas restaurativas, preparando cautelosamente o encontro
e reforçando o papel das partes, bem como a obrigação de uma comunicação construtiva (não
violenta) entre elas.
Alguns critérios devem ser obedecidos nas triagens, neste sentido pontua Carlos
Eduardo Vasconcelos:
São indicados como critérios a serem avaliados nas triagens (pré-círculo ou pré-
mediação), a) a gravidade ou implicação comunitária do ato infracional; b) o indício
de que o autor do fato estaria disposto a assumir essa condição de autor; c) a
inexistência de antecedentes; d) a sanidade mental de vítima e ofensor; e) a livre
manifestação de vontade dos candidatos; f) a apreciação individualizada da
experiência de sofrimento manifestada por vítima(s) e ofensor(es). (2008, p.261)
A Resolução 225 do CNJ tornou a Justiça Restaurativa mais abrangente, podendo ser
utilizada no âmbito do Juizado Criminal e atualmente, e até mesmo em casos de violência
doméstica, alegando o CNJ que a utilização da mesma não exclui o sistema criminal, ou seja,
não pode ser excludente de pena ao agressor.
Como na prática da Justiça Restaurativa não há a figura do juiz, mas sim do facilitador
é comum ver a atuação dos facilitadores nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania (CEJUSC) e nos Núcleos Especiais Criminais (NECRIM). Ao CEJUSC compete
solucionar conflitos no âmbito cível, enquanto que ao NECRIM atua no âmbito penal,
buscando solucionar os crimes de menor potencial ofensivo, consistentes nas ações penais
privadas ou nas ações penais públicas condicionadas a representação.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a Justiça Restaurativa pode ser
aplicada em qualquer fase do processo, até mesmo durante o tempo da sentença e ainda pode
ser uma alternativa à prisão ou fazer parte da pena.
Importante salientar, entretanto, que apesar de buscarem modelos e exemplos de
países que já utilizam de práticas restaurativas no âmbito penal há algum tempo, é necessário
analisar com cautela a realidade do Brasil, pois não há que se esperar resultados iguais ao de
outros países, tendo em vista sociedades com realidades tão distintas, nesse sentido o ilustre
doutrinador Guilherme de Souza Nucci, em sua obra “Manual de Direito Penal, 15ª edição”
pondera:
A Justiça Restaurativa pode ser um ideal válido para a Política Criminal brasileira
nos campos penal e processual penal, mas, insistimos, sem fantasias e utopias e
abstendo-se o jurista (bem como o legislador que o segue) de importar mecanismos
usados em países com realidades completamente diferentes da existente no Brasil.
(NUCCI. 2019, p.359)
A Lei Maria da Penha leva o nome da mulher que por anos lutou e esperou pela
condenação do seu agressor, o próprio marido.
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Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do § 8° do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do
Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em
situação de violência doméstica e familiar.
Ao explicar violência de gênero Alice Bianchini expõe em sua obra “Coleção Saberes
Monográficos - Lei Maria da Penha”:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou
por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual. (BRASIL. 2006)
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Sendo assim, importante destacar que toda violência doméstica é baseada no gênero, e
isso tem a ver com os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher na sociedade e como
estes papéis são interpretados. Na maioria dos casos os papéis desempenhados pelas mulheres
se mostram inferiorizados pelos homens, os quais julgam ter papéis mais importantes e isso
faz com que eles acreditem que tenham um domínio sobre a relação e sobre a mulher. Neste
sentido pontua Alice Bianchini em sua obra “Coleção Saberes Monográficos - Lei Maria da
Penha”:
sentido Alice Bianchini em sua obra “Coleção Saberes Monográficos - Lei Maria da Penha”
expõe:
centros de educação e reabilitação, pois se assim não for, o resultado não será o esperado, ou
seja, a desconstrução do perfil violento não será efetivo, é a ideia que Alice Bianchini em sua
obra “Coleção Saberes Monográficos - Lei Maria da Penha”, explora:
O tratamento, se imposto por um juiz ou aceito pelo agressor apenas para evitar um
mal maior, qual seja, a prisão, não é o ideal. Os agressores podem se comportar
nesses centros da maneira como eles imaginam que os outros esperam que eles se
comportem e dizer coisas que imaginam que os outros esperam que eles digam. Se o
comprometimento obtido dos agressores para com a reflexão, em contrapartida, for
real, e a assunção de responsabilidades subsistir à assunção de culpa, os resultados
podem ser bastante satisfatórios. (BIANCHINI. 2015, p.70)
A Lei Maria da Penha também alterou alguns pontos do Código de Processo Penal e
do Código Penal, pois por se tratar a violência doméstica contra a mulher de um crime
bárbaro e até mesmo considerá-la uma violação dos direitos humanos, a Lei trouxe
mecanismos que além de coibir e prevenir, protegem a vítima, prova disto é o processo penal
diferenciado.
O rito processual nos casos de violência doméstica contra a mulher possui pela Lei
uma forma mais simplificada que torna o processo mais célere, garantindo de fato a proteção
da mulher.
A aplicação do Código de Processo Penal em casos de violência doméstica é
subsidiária, de acordo com o art.13 da Lei 11.340/2006.
Medidas Protetivas de Urgência são autorizadas pelo juiz em casos de violência
doméstica contra a mulher. São exemplos de medidas protetivas afastamento do lar ou do
local de convivência entre o agressor e a vítima, proibição de aproximar-se o agressor da
vítima, e há também a suspensão de visitas aos filhos, bem como a prestação de alimentos
provisórios à prole.
As Medidas Protetivas podem ser aplicadas de imediato pelos juízes e ainda de acordo
com a Lei 13.827/2009, o juiz pode requisitar o auxílio de força policial, determinar busca e
apreensão, e a remoção de pessoas que estejam em convívio com a vítima, ou o pagamento de
multas.
Um ponto interessante de alteração da Lei 13.827/2009, foi que em Municípios que
não forem sede de Comarca, poderá o delegado determinar de imediato que o agressor seja
afastado da vítima, ou ainda poderá o Policial o fazer quando o Município não for sede de
Comarca e não houver nenhum delegado disponível no momento da denúncia (Art. 12-C, Lei
13.827/2009).
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sofrida em seus lares, uma opressão instituída pela cultura do patriarcado e do machismo,
onde a “união familiar” se sobrepunha, a todo e qualquer custo, às vontades, emoções e
integridades (física e psicológica) da mulher.
Há crimes que merecem punição, com foco voltado mais à retribuição do que à
restauração (ex: homicídio, extorsão mediante sequestro, tráfico ilícito de drogas).
Outros, sem dúvida, já admitem a possibilidade de se pensar, primordialmente, em
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restauração (ex.: crimes contra a propriedade, sem violência; crimes contra a honra;
crimes contra a liberdade individual). (NUCCI. 2019, p.359)
A Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais) tem como princípios
orientadores a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a
celeridade, conforme disposto em seu artigo 2º, e tem como objetivo (artigo 62) reparar os
danos e aplicar penas não privativas de liberdade.
Diante disso, importante afirmar que a criação dos Juizados Especiais Criminais (Lei
9.099/95) foi um marco na justiça de todo país, principalmente por carregar em seu teor um
modelo de Justiça Restaurativa. Entretanto, houve um incômodo no tocante a sua
aplicabilidade no âmbito da violência doméstica contra a mulher, devido ao artigo 41 da Lei
Maria da Penha que dispõe expressamente sobre a não aplicabilidade da Lei dos Juizados
Especiais Criminais:
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro
de 1995. (BRASIL, 2006)
A discussão tem como alegações o fato de a violência doméstica contra a mulher não
poder ser considerada crime de menor potencial ofensivo, pois se assim fosse considerada
seria um desrespeito a valoração normativa do bem jurídico tutelado pela Lei Maria da Penha.
Na ocasião em que foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade
do artigo supramencionado, a Defensoria Pública da União (DPU) defendeu ser o dispositivo
inconstitucional, pois no entendimento dela ia contra o disposto no artigo 89 da Lei dos
Juizados Especiais Criminais, por não permitir pedido de suspensão do processo, a decisão
dos ministros do STF reconheceu ser o artigo 41 da Lei Maria da Penha constitucional, e teve
como fundamento o art. 226, § 8º da Constituição Federal, que dispõe que o Estado
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seguintes) que o Estado deve prestar total amparo a vítima, a fim de que ela se recomponha, e
consiga seguir a vida sem a dependência (sobretudo econômica e emocional) do companheiro.
No tocante a participação e restauração da comunidade as políticas públicas de
campanhas de enfrentamento a violência de gênero e de educação de direitos humanos e das
mulheres nas escolas, bem como a atuação de entidades das comunidades, são exemplos de
mecanismos restaurativos para a comunidade, a qual tem o poder de atuar em conjunto com o
Estado para erradicar a violência de gênero.
Sendo assim, não é necessário a implementação de outros mecanismos restaurativos,
tendo em vista que a própria Lei Maria da Penha traz em seus dispositivos o dever do Estado
a assistir à vítima, aplicar as ações cabíveis para reeducar o agressor e ainda a promoção da
atuação da comunidade, ou seja, o efetivo cumprimento da Lei traria um resultado positivo de
mudança no quadro de violência doméstica contra a mulher no Brasil.
Portanto, conclui-se que o efetivo cumprimento das políticas públicas inseridas na Lei
Maria da Penha, as quais possuem caráter restaurativo, já seria suficiente para cumprir com o
objetivo de restauração, qual seja o envolvimento da comunidade, bem como o amparo a
vítima e a reeducação, bem como a responsabilização do agressor.
Não há necessidade de se falar em alternativas, antes de colocar em prática o que está
previsto na Lei Maria da Penha. O Estado não pode se abster de executar o que é dever dele, e
o Judiciário não pode simplesmente adotar as práticas restaurativas em casos tão graves como
a violência doméstica contra a mulher, cuja luta para obter tutela jurisdicional foi longa e
intensa, sob o argumento de que o sistema penal atual é um fracasso (algo que obviamente
deve ser repensado e reestudado), neste sentido o ilustríssimo penalista Guilherme de Souza
Nucci, discorre:
Vale ressaltar, no entanto, que qualquer solução adotada na esfera legislativa passa,
necessariamente, pelas mãos do Poder Executivo, que precisa liberar verbas para a
implementação de inúmeros programas de prevenção, punição e recuperação de
criminosos. Não é possível que o Parlamento modifique sistematicamente leis,
fornecendo a impressão de que isso basta à solução no combate à criminalidade, sem
que o administrador libere as verbas necessárias ao seu implemento. (NUCCI. 2019,
p.355)
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BIANCHINI, Alice. Coleção Saberes Monográficos - Lei Maria da Penha. 4 ed. São
Paulo. Ed. SaraivaJur, 2018.
JESUS, Damásio de. Violência contra a mulher: aspectos criminais da Lei n. 11.340/2006,
2ª ed. Ed. Saraiva, 2015.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal,15ª ed. Ed. Forense, 2019.
MEIADO, Guilherme de Paula. Justiça Restaurativa: novos olhares sob o sistema penal
brasileiro. Disponível em:http://www.unisalesiano.edu.br/biblioteca/monografias/60449.pdf.
Acesso em 21 de novembro 2019.
JESUS, Davi Reis de Jesus. Justiça Restaurativa para os autores de violência doméstica e
familiar contra a mulher: uma possibilidade de prevenção e protagonismo. Disponível
em:
https://www.ibccrim.org.br/docs/2019/liberdade_27.pdf?fbclid=IwAR3dbvwaCfucurfiJN5P7
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