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Especialização em Ciências Criminais e Segurança Pública

Amanda Lousada Fernandes

A Revitimização nos casos de violência sexual contra a mulher.

Rio de Janeiro
2024.1
Amanda Lousada Fernandes

A Revitimização nos casos de violência sexual contra a mulher.

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação


em Ciências Criminais e Segurança Pública, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Especialista.

Orientador: Prof.

Rio de Janeiro
2024.1
3

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta monografia,
desde que citada a fonte.

Assinatura Data
4

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus professores da pós-gradução, que além de extremamente


competentes e didáticos, foram sobretudo humanos.
Agradeço aos meus colegas que tornaram a experiência da especialização muito
mais viva e enriquecedora com seus debates e todo o acolhimento.
Agradeço a minha namorada Karine que nessa reta final de desânimo e problemas
pessoais, me fez acreditar que eu era capaz de concluir mais essa etapa e qualquer outra.
Agradeço as minhas irmãs Nathalia e Maria Eduarda que mesmo em outra cidade e
em outro país se fazem presente e me inspiram muito.
Agradeço a meu pai Eduardo por ter sido meu benfeitor nessa jonarda e sempre
acreditar no caminho transformador da educação.
Agradeço a minha mãe Candida por ter me ensinado a ser uma mulher livre com seu
exemplo e que fez e continua fazendo de tudo para que todos os meus sonhos sejam
realidade.
Agradeço aos meus guias por nunca me desampararem e me levantarem quando eu
caí.
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RESUMO

O presente trabalho observará o tratamento oferecido pelo Poder Judiciário à vítima de


crimes sexuais após a ocorrência dos mesmos. A análise dos aspectos gerais e jurídicos dos
crimes sexuais também será feita com o intuito de contextualizar a mortificação das vítimas
mulheres. A revitimização, em casos que envolvam crimes sexuais, será o foco principal,
sendo assim, serão analisados casos e leis pertinentes a tal objeto de estudo.

Palavras chaves: Revitimização. Crimes sexuais. Dignidade Sexual. Liberdade Sexual.


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SUMÁRIO

1. Da condução dos casos de violência sexual ...................................................................................8


2. Da liberdade e da dignidade sexual .....................................................................................................11
3. Aspectos Jurídicos ................................................................................................................................13
4. Lei Mariana Ferrer ..................................................................................................................... 15
5. Violência Institucional ..........................................................................................................................17
6. Revitimização da Mulher vítima de violência sexual ...........................................................................19
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INTRODUÇÃO

Um estudo governamental recente feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica


Aplicada (IPEA), publicado no dia 02 de março de 2023, aponta que o número estimado de
casos de estupro no Brasil por ano é de 822 mil, equivalente a dois casos por minuto. Com
base nessa estimativa, o Instituto também calculou a proporção dos casos estimados de
estupro que não são identificados nem pela polícia, nem pelo sistema de saúde. A conclusão
é que, dos 822 mil casos anuais, aproximadamente apenas 8,5% chegam ao conhecimento
da polícia e somente 4,2% são identificados pelo sistema de saúde.
Os números não deixam dúvidas: A grande maioria das vítimas de violência sexual
não denuncia o crime sofrido, tampouco busca ajuda. O processo de revitimização está
intrinsicamente ligado ao fato das mulheres desistirem de denunciarem seus agressores ou
de prosseguirem com os processos criminais. A nossa cultura conservadora e hierarquizada
é refletida nas instâncias policiais e judiciais, o que por diversas vezes gera uma forma de
perpetuação da violência contra a mulher, a partir de atos e questionamentos que geram
constrangimento e causam um sofrimento repetido ou continuado nas mulheres vítimas de
violência sexual, mediante uma espécie de violência psicológica, tal fenômeno para a
criminologia recebe o nome de revitimização.
Os crimes sexuais por si só já são crimes de difícil elucidação, seja pela ausência de
testemunhas ou pela dificuldade de comprovação mediante exame de corpo de delito, a
realidade é que na maior parte dos casos resta a palavra da vítima, que é muitas vezes
questionada e desqualificada. Por exemplo, é incomum alguém duvidar de um crime de
roubo, porém se tratando de um crime de estupro é frequente surgirem dúvidas na sociedade
como: “Será que não é exagero? Será que ela não provocou ou facilitou?”. Entretanto, esse
tipo de conduta partindo das autoridades policiais e judiciais deveria ser inadmissível.
Desse modo, a presente pesquisa visa observar e exemplificar esse tipo de conduta,
analisar e refletir sobre as medidas adotadas para a prevenção e a repressão desse tipo de
violência institucional, assim como as políticas públicas aplicadas e os projetos que
viabilizam a efetivação do direito da mulher vítima de violência sexual.
Nesse sentido, no final do ano de 2021, foi sancionada a Lei nº 14.245, que prevê
punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do
processo durante julgamentos.
Nessa direção, tem-se a seguinte pergunta e/ou problema de pesquisa: As políticas
públicas e as leis podem de fato contribuir no enfrentamento do fenômeno da revitimização?
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1 A CONDUÇÃO DOS CASOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Há bastante tempo os crimes sexuais, principalmente o crime de estupro, praticado


predominantemente por homens contra vítimas mulheres, se tornaram objeto de estudos e
pesquisas. Muitos juristas pesquisadores e autores debateram o assunto, desenvolvendo
diversas doutrinas e correntes teóricas, tamanha a indignação e importância do debate a
respeito do estupro.
Em muitos casos a abordagem oferecida para as vítimas de violência sexual tem se
mostrado totalmente destrutiva para as condições psicológicas e de recuperação destas.
Nestas situações, o tratamento ofertado tem sido alicerçado em preconceitos, fazendo com
que a vítima sofra uma nova agressão. Parte da doutrina argumenta, porém, que este tipo de
tratamento deve ser entendido como uma continuação da violência original sofrida, só que
desta vez, por parte daqueles que teriam um dever de proteção.
A falta de preparo do Poder Judiciário, em algumas causas, tem provocado uma
condução errada do processo. O preconceito e o machismo estrutural são atitudes que
conduzem mulheres a condição de suspeitas, levando a indagações se as vítimas não teriam
provocado seus agressores com alguma atitude e, até mesmo, se são realmente vítimas ou
não do crime sexual.
A condução inadequada durante o processo pode ter consequências desastrosas para
a vida de uma mulher que já foi fisicamente violentada e o que mais necessita é acolhimento
e justiça para seguir adiante com sua vida. Lastimosamente, não é raro que alguns
representantes do Poder Judiciário ultrapassem os limites dos cargos que exercem e
adentrem o íntimo das vítimas. Tal atitude configura abuso de poder, uma conduta
considerada crime pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Assim sendo, a vítima tem sua conduta questionada a fim de julgar se ela seria
"merecedora" ou não do crime sexual que sofreu. Nesse sentido, durante o processo
criminal de um caso de estupro, observa-se com frequência a defesa do acusado
reiteradamente empregando uma inversão de papéis, o que resulta em constrangimentos e
vexações para a mulher.
A sexualidade feminina é manipulada como um instrumento de controle social há
séculos. A sociedade patriarcal tem orientado as mulheres que elas não comandam sua
sexualidade, tampouco seus desejos, seus corpos convêm somente para atender aos homens.
A mesma linha de pensamento faz com que os homens entendam as mulheres apenas como
objetos sexuais e genitoras.
É possível notar uma verdadeira autoproteção masculina em julgamentos de crimes
de violência sexual, sobretudo considerando que os Tribunais são locais onde a maioria dos
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membros do Poder Judiciário são homens. Dessa forma, quando ocorrem constrangimentos
e humilhações contra a vítima partindo do advogado do acusado, os presentes não o
interrompem, permanecendo em um silêncio condenável e permitindo que a defesa do réu
trate a vítima como suspeita.
Qualquer indivíduo que souber da ocorrência de um crime de estupro poderá
notificar as autoridades para que estas tomem as devidas providências judiciais. O
Ministério Público precisa dar início à persecução penal no momento em que tiver
conhecimento do crime, independentemente da vítima vir a procurar o judiciário ou da
anuência da mesma. Isso ocorre desde 2018, quando a Lei nº 13.718 modificou a ação penal
referente ao crime de estupro para ação penal incondicionada a representação.
Tal modificação ocorreu em função do Direito Penal atuar como protetor dos bens
jurídicos dos indivíduos. Uma vez que a liberdade sexual é um bem jurídico de relevante
importância para a sociedade, os casos que atentem contra ela ganharam maior dimensão se
tornando de ação penal incondicionada a representação.

1.1 O DEPOIMENTO DA VÍTIMA

Por se tratar de um crime no qual grande parte dos casos ocorre de forma
clandestina, sem a presença de outros indivíduos que possam testemunhar, o depoimento da
vítima é uma fase processual de importância extrema nos casos de violência sexual. Pois,
ainda que haja testemunhas, apenas a vítima é capaz de detalhar a forma e os meios usados
pelo acusado, além das circunstâncias em que o delito ocorreu.
O momento do depoimento é bastante doloroso para a vítima, ainda que seja muito
relevante para o processo. A partir dele, a vítima acaba por reviver nas lembranças a
violência sofrida e os sentimentos ruins, muitas vezes experienciando como se o crime
estivesse ocorrendo novamente.
Analisando acórdãos do Superior Tribunal Federal verifica-se que o depoimento da
vítima tem valor de prova substancial para a condenação do acusado, em muitos casos é o
único meio de prova, desta forma é imprescindível que a vítima relate tudo que ocorreu com
o máximo de detalhes possível e não se esqueça de como ocorreu o crime, respeitando os
limites dos princípios norteadores da dignidade da pessoa humana.
Ao analisar acórdãos do Superior Tribunal Federal é possível perceber que o
depoimento da vítima é o único meio de prova em muitos processos, por isso, é importante
que a vítima relate o fato com o maior detalhamento possível, sendo respeitado o princípio
da dignidade humana, visto o sofrimento pessoal que esse tipo de delito provoca. O
depoimento da vítima nos casos de violência sexual tem valor de prova substancial para a
1

condenação do acusado. Neste sentido:

CRIMINAL. RESP. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ABSOLVIÇÃO EM


SEGUNDO GRAU. REVALORAÇÃO DAS PROVAS. PALAVRA DA VÍTIMA.
ESPECIAL RELEVO. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS. RECURSO PROVIDO.
I. Hipótese em que o Juízo sentenciante se valeu, primordialmente, da palavra da
vítima-menina de apenas 8 anos de idade, à época do fato -, e do laudo psicológico,
considerados coerentes em seu conjunto, para embasar o decreto condenatório.
II. Nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, a palavra da vítima tem
grande validade como prova, especialmente porque, na maior parte dos casos, esses
delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam
vestígios. Precedentes.
III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
(STJ. RESP 700.800-RS. 2005)

1.2 O INTERROGATÓRIO DO RÉU

A parte ré é detentora de garantias processuais estabelecidas na Constituição


Federal. Visto que todo processo penal é composto por procedimentos que garantem direitos
e deveres para todos os envolvidos. Dessa forma, o Princípio da Ampla Defesa e do
Contraditório garante ao acusado que o mesmo terá o direito de se defender daquilo que foi
alegado durante o depoimento da vítima e da oitiva das testemunhas. Além disso, outro
princípio constitucional importante de destacar é o Princípio do Devido Processo Legal, este
garante ao réu que durante o seu julgamento terá sua dignidade humana preservada.
Todas as partes envolvidas no processo precisam ter seus Direitos garantidos e
preservados da melhor maneira cabível, o que não ocorre quando a defesa do réu é
fundamentada em humilhação, ofensas e julgamentos à vítima e/ou as testemunhas
envolvidas. A paridade de armas no processo também deve ser um princípio presente e
respeitado, sem que nenhum direito seja violado.
O interrogatório do réu, regularizado nos artigos 185 a 196 do Código de Processo
Penal, é o último ato antes da sentença da fase de instrução, sempre após a acusação. Assim,
o acusado pode se defender das acusações e exercer plenamente seus direitos dentro do
processo.
Cabe lembrar que o acusado tem direito constitucional ao silêncio, não sendo
obrigado a produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere),não podendo ser
forçado a se defender do que lhe foi amputado, fornecer involuntariamente informação ou
sequer responder qualquer pergunta a ele direcionada. Além disso, o silêncio não pode ser
atribuído a seu desfavor, respeitando o princípio da não autoincriminação.
1

1.3 O EXAME DE CORPO DELITO

A lei estabelece que se tratando de crimes que deixam vestígios, como os crimes
sexuais, é indispensável a realização do exame de corpo delito como meio de prova. Ainda
que o réu confesse, tal atitude não faz com que este relevante meio de prova processual seja
dispensado.
Cabe salientar que deixar de realizar o exame de corpo delito nos crimes que deixam
vestígios é compreendido pelo ordenamento jurídico pátrio como uma nulidade processual
em favor do réu.
Sendo a comprovação do ato criminoso o objetivo principal do exame supracitado,
este precisa ser realizado o mais rápido possível após o delito. Tal exame é usado com a
finalidade de investigar meios executórios do crime, assim como produz indícios de
materialidade e autoria, elementos fundamentais para a configuração do crime.
É viável determinar se a conjunção carnal foi ou não consentida através do exame de
corpo delito, além disso, é possível recolher amostras de sêmen, sangue e demais vestígios
que possam relacionar o acusado ao ato criminoso.
Contudo, não é somente com a conjunção carnal que os crimes sexuais se
consumam, atos libidinosos também são criminalmente enquadrados e, nesses casos, é
bastante complicada a produção de provas através do exame de corpo delito.

2 DA LIBERDADE E DA DIGNIDADE SEXUAL

A liberdade sexual de forma material significa que apenas o indivíduo tem direito de
decidir sobre seu próprio corpo, de acordo com a sua espontânea vontade, não podendo ser
coagido por outrem a fazer uso do seu corpo de maneira diferente daquela que deseja.
Segundo entendimento doutrinário acerca do assunto:

A liberdade sexual, entendida como aquela parte da liberdade referida ao exercício da


própria sexualidade e, de certo modo, a disposição do próprio corpo, aparece como bem
jurídico merecedor de uma proteção específica, não sendo suficiente para abranger toda
sua dimensão a proteção genérica concedida à liberdade geral (CONDE, 2004, p. 206).

A dignidade sexual está diretamente relacionada com a liberdade sexual, bem


jurídico já mencionado e resguardado pela lei, sendo considerado crime toda conduta que
restrinja ou ofenda o direito à liberdade sexual.
Até a reforma do Código Penal de 2009, o crime de estupro fazia parte dos “crimes
contra o costume”. Após, o Código Penal empregou o título “crimes contra a dignidade
sexual”, transmitindo, assim, uma visão mais sensível e humana à temática. Não foi uma
mudança apenas na denominação, tal gesto fomentou o entendimento da dignidade sexual
como um direito humano fundamental e bem jurídico tutelado pelo ordenamento brasileiro,
1

sendo os crimes sexuais não mais entendidos como mero caso de honra, conceito muito
mais subjetivo e arraigado de machismo e preconceitos.
O vocábulo “costumes” era dotado de significado neste contexto legal, explicado
anteriormente na doutrina desta forma:

O vocábulo "costumes" é aí empregado para significar (sentido restrito) os hábitos da


vida sexual adaptada à conveniência e disciplina sociais. O que a lei penal se propõe, in
subjecta materi, é o interesse jurídico concernente à preservação do mínimo ético
reclamado pela experiência social em torno dos fatos sexuais. (HUNGRIA, LACERDA
e FRAGOSO, 1983, p. 93).

Uma vez que o ordenamento jurídico concebe leis que visam a punição de condutas
que possam de alguma maneira violar a sexualidade de uma pessoa, a liberdade sexual
está diretamente tutelada.
Conforme Greco (2016), no momento em que a sociedade toma conhecimento da
ocorrência de um estupro, as pessoas tendem a estigmatizar e julgar a dignidade da vítima,
como se a partir do fato esta estivesse suja, contaminada pelo sêmen do agressor. Por isso, e
por demais fatores, as vítimas decidem não reportar o crime às autoridades.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o princípio fundamental em um
estado democrático de direito, no ordenamento jurídico brasileiro, ele está previsto no artigo
1º, inciso II da Constituição Federal. Tal princípio garante a proteção das necessidades
vitais intrínsecas do ser humano.
Na doutrina a dignidade já foi conceituada da seguinte maneira:

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na


autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a
pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que,
somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem
todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade.
(MORAES.2017, p. 245)

A aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana garante uma vida


efetivamente digna e justa para os indivíduos, por isso, deve estar para além da letra da lei,
o ideal é que esta seja alcançada por todos dentro de uma sociedade.
Ao contrário, a vítima de um crime sexual é consternada exatamente em sua
dignidade, o estupro violenta a intimidade da pessoa de maneira intensa, dolorida e
traumática. É tirado da vítima, de forma violenta, seu direito à liberdade sexual, o domínio
sobre seus prazeres, seus desejos e sobre seu próprio corpo.
Ainda que o grande número de ocorrências de crimes sexuais no Brasil já seja por si
só assustador, é sabido que uma boa parte das várias vítimas desse tipo de delito sequer
1

procura às autoridades para notificar o fato criminoso.


Na maior parte das vezes, os crimes sexuais são cometidos em locais privados, ou
pelo menos distantes de possíveis testemunhas do delito. Tal condição significa que na
maioria dos casos estão presentes somente autor e vítima, não existindo prova testemunhal e
recaindo sobre o depoimento da vítima uma necessidade e um peso muito maior diante do
processo penal.
Por isso, a palavra da vítima é constantemente desacreditada e invalidada, como se a
mulher pudesse ter colaborado de alguma forma para a consumação do ato ou ainda como
se estivesse degenerando a realidade do ocorrido, fazendo com que a vítima ocupe um lugar
de ofendida e tenha que se defender durante o processo.
Esse, entre outros, é um dos motivos das vítimas de crimes sexuais não procurarem o
poder Judiciário após o abuso sofrido para que o agressor possa ser responsabilizado
penalmente. Além disso, a descrença no judiciário, a condição financeira da vítima, o receio
do julgamento social e o medo de vir a sofrer agressões psicológicas pelos representantes do
poder judiciário no processo, são outras razões significativas para a falta de exposição do
crime por parte da vítima.
O Fórum Nacional de Segurança Pública divulgou dados sobre estupro no país
referente ao primeiro semestre de 2023. Segundo a pesquisa, que foi realizada envolvendo
vinte e seis estados da federação e mais o Distrito Federal, em observação dos dados
de Boletim de Ocorrência da Polícia Civil, no Brasil, durante o período, a cada 8 minutos,
uma menina ou mulher foi estuprada, maior número da série iniciada em 2019 pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Foram registrados 34 mil estupros e estupros de
vulneráveis de meninas e mulheres de janeiro a junho de 2023, o que representa aumento de
14,9% em relação ao mesmo período do ano passado.
O Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) divulgou outro dado importante
acerca do tema: Mesmo durante a pandemia de Covid-19 (março de 2020 a dezembro de
2021) houve um aumento significativo de casos, chegando a 100.398 registros.
A criação de delegacias especializadas permite, em alguns locais, que mulheres
sejam ouvidas por outras mulheres ao notificarem crimes sofridos, fazendo com que a
vítima não precise narrar com detalhes o fato para representantes da justiça que sejam
homens. Além de um possível constrangimento, diversas vezes eles adotavam uma conduta
em favor do agressor, tratando a vítima com preconceitos, julgamentos e não acolhendo a
mesma. Acerca desse tópico encontra-se a seguinte análise:

Era, na verdade, a narração de um filme pornográfico, no qual o ouvinte, embora


fazendo papel de austero, muitas vezes praticava atos de verdadeiros “voyeurismo”,
estendendo demasiadamente, os depoimentos das vítimas tão somente com a
finalidade de satisfazer-lhe a imaginação doentia. (GRECO.2016, p. 13)
1

É notório o despreparo e a falta de acolhimento de alguns membros do poder


Judiciário para lidar com vítimas de crimes sexuais, atitudes como as supracitadas
representam violação grave aos Direitos Humanos, pois a vítima passa a ter um papel de
suspeita e julgada no processo, ainda que alguns dos agentes façam isso de forma
inconsciente.

3 ASPECTOS JURÍDICOS

Como anteriormente mencionado, no ano de 2009 foram feitas modificações no


Código Penal, por exemplo, a Lei nº 12.015, de 7 de agosto, fez com que no artigo 213 do
Código as figuras do estupro e atentado violento ao pudor fossem unificadas.
A partir da nova redação até os dias atuais, a lei não faz distinção se a vítima do
crime sexual é homem ou mulher. Conforme regularizado no artigo 223 do Código Penal:

Art.213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção


carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º-Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de
18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º-Se da conduta resulta morte
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
(BRASIL, 2009, art. 213)
Além disso, a referida lei tornou o crime de estupro mais abrangente, os atos
libidinosos também passaram a ser considerados no tipo penal, não somente a conjunção
carnal.
O crime de estupro configura entre os crimes considerados hediondos na legislação
brasileira, tamanha sua gravidade e repulsa social. O objeto material do crime de estupro é a
pessoa constrangida, seu corpo que foi usado para fins de satisfazer, contra sua vontade, a
libido de outrem, mediante força moral ou física.
Ao se tratar de crimes sexuais, a lei penal disciplina sobre a dignidade sexual da
pessoa, como citado anteriormente. A nova forma de abordagem, independente do gênero e
levando em consideração a liberdade sexual foi e tem sido uma conquista, porém ainda
assim existe certa ambiguidade na utilização do termo “dignidade”. Este vocábulo mesmo
assim pode ser interpretado e utilizado de forma moralmente discriminatória: como meio de
medida do quanto a vítima é ou não digna da violência sexual sofrida.
Entretanto, é importante ressaltar que as modificações no texto do Código Penal
devem ser interpretadas associando dignidade à defesa da liberdade sexual dos indivíduos.
Pois, as mudanças não aconteceram no sentido de ainda defender a moral, mas sim a fim de
1

estimular a sociedade a repugnar o crime em si.


Acerca do instituto da revitimização, ainda que não seja especificadamente em
crimes sexuais, a Lei nº 13.505/2017 trouxe alterações substanciais na Lei de Violência
Doméstica nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Com as mudanças, o atendimento policial
e pericial às vítimas deve ser especializado, ininterrupto e feito, preferencialmente, por
servidores do sexo feminino.
Outro importante aspecto jurídico está na publicação da Resolução de nº 253 em
setembro de 2018 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a qual discorre sobre a proteção
para as vítimas de crimes e sobre abuso de poder, sendo manifestado em seu artigo 1º o
seguinte:

Art. 1º O Poder Judiciário deverá, no exercício de suas competências, adotar as


providências necessárias para garantir que as vítimas de crimes e de atos infracionais
sejam tratadas com equidade, dignidade e respeito pelos órgãos judiciários e de seus
serviços auxiliares.
§1º Para os fins da presente Resolução, consideram-se vítimas as pessoas que tenham
sofrido dano físico, moral, patrimonial ou psicológico em razão de crime ou ato
infracional cometido por terceiro, ainda que não identificado, julgado ou condenado
(CNJ, 2018, p. 2)

Ainda nos aspectos jurídicos que se referem aos crimes sexuais, temos a Súmula nº
608 do Superior Tribunal Federal (STF), é esta súmula que modificou o crime de estupro
para crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, não é necessária a representação
da vítima para que o acusado seja criminalmente responsabilizado.

4 LEI MARIANA FERRER

O caso da modelo Mariana Ferrer, acontecido em Santa Catarina no final de 2018,


foi uma ocorrência acerca de crimes sexuais que alcançou publicidade nacional. A jovem
alegou que foi agredida sexualmente, inclusive estuprada, saindo de uma festa pelo
empresário André de Camargo Aranha.
Não apenas o caso em si, como também sua audiência foi bastante comentado e
alarmante. No decurso da audiência, Mariana foi agredida verbalmente repetida vezes pela
defesa do acusado. Durante o episódio vexatório, a vítima se sentiu humilhada e chegou a
suplicar desesperada para que as autoridades presentes no ato judicial interrompessem e
limitassem as falas do advogado de André.
O fato de a audiência ter sido realizada virtualmente fez com que o vídeo circulasse
nos meios de comunicação e redes sociais e gerasse enorme comoção, indignação e muitas
manifestações em defesa da vítima.
Pelo notótio absurdo na maneira que a audiência foi conduzida e toda humilhação
sofrida pela modelo, o ocorrido provocou o Poder Legislativo, sendo a Lei 14.245
1

sancionada em 22 de novembro de 2021, a lei planejada com a finalidade de coibir a prática


de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de
aumento de pena no crime de coação no curso do processo, ficou conhecida como lei
Mariana Ferrer.
A coação mencionada na lei se refere à prática comum de intimidação da vítima,
especialmente nos casos de crimes sexuais, a partir de questionamentos durante a audiência
acerca da conduta da vítima e da veracidade do depoimento da mesma. Cabe ressaltar que
nos processos envolvendo crimes sexuais, a pena para a coação é acrescida em 1/3.
De acordo com esta lei estão todas as partes vedadas de manifestações sobre
elementos e circunstâncias alheias ao fato a ser apurado. Além disso, ela expressamente
proíbe o uso de linguagem, informações ou de materiais que ofendam a dignidade tanto da
vítima quanto das testemunhas.
Isto pode ser observado no artigo 3º da referida lei, que ainda deixa claro que,
durante o processo, todas as partes e demais devem zelar pela integridade física e
psicológica da vítima, conforme escrito:

Art. 3º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal),


passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 400-A e 474-A:
“Art. 400-A. Na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem
crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais
presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena
de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o
cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:
I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de
apuração nos autos;
II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade
da vítima ou de testemunhas.”
“Art. 474-A. Durante a instrução em plenário, todas as partes e demais sujeitos
processuais presentes no ato deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de
responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz presidente garantir o
cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:
I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de
apuração nos autos;
II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade
da vítima ou de testemunhas.”
A partir da publicação desta Lei, conhecida como Lei Mariana Ferrer, especialmente
em processos nos quais são julgados crimes de violência sexual, existe a garantia legal e
judicial de não constrangimento tanto da vítima quanto das testemunhas, sob pena de
responsabilização criminal e civil de quem praticar ofensas.

5 VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL

A Lei nº 14.321 foi sancionada em 31 de março de 2022 e tipifica o crime de


“Violência Institucional”, inserindo o artigo 15-A na Lei nº 13.869, de 5 de setembro de
1

2019 ( Lei de Abuso de Autoridade), com a mesma finalidade de evitar e tipificar como
delito a violência secundária contra a vítima. Assim, podemos observar na letra desta lei:

"Violência Institucional
Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a
procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita
necessidade:
I - a situação de violência; ou
II - outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos,
gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3 (dois terços).
§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida
revitimização, aplica-se a pena em dobro." (BRASIL, 2022, art. 15-A)

A partir da publicação da referida lei, o termo “revitimização” deixa de ser apenas


doutrinário e alcança o texto legislativo, conferindo legalidade àquilo que juristas e
pesquisadores já criminalizavam faz tempo.
Ainda assim, as Leis nº 14.245/2021 e nº 14.321/2022, anteriormente citadas são
mais simbólicas do que efetivas, uma vez que focam na repressão e não na prevenção da
revitimização ou no devido acolhimento da vítima da violência sexual e, posteriormente,
também vítima de violência institucional.
Nesse sentido, se dá o estudo do projeto de Projeto de Lei 3890/20, que visa à
criação do Estatuto em defesa da vítima de crimes ou calamidades públicas, de autoria do
deputado Rui Falcão. Nas palavras do mesmo: “Com base no reconhecimento da dignidade
das vítimas de violência, pandemias, calamidades públicas e grave perturbação da ordem
social, o estatuto pretende implementar direitos e garantir o acesso a serviços públicos
fundamentais”
Dentre outras medidas, o projeto de lei determina que servidores públicos,
especialmente das áreas jurídicas, de saúde e segurança, obtenham capacitação
especializada, com o intuito de aprofundar sua sensibilização em relação às necessidades
das vítimas e promover efetivo acolhimento às mesmas.
No projeto também está mencionado o direito da vítima de não repetir o depoimento
diversas vezes, sendo obrigada a reviver o fato traumático, salvo pedido expresso e
fundamentado.
“Por ele, o depoimento que ela daria na delegacia já valeria para os registros oficiais.
Se necessário um acompanhamento psicológico, teria uma estrutura melhor com redes de
apoio do governo com a sociedade", explica Lúcia Nunes Bromerchenkel, promotora de
Justiça Criminal de São Paulo.
Uma vez que a discussão acerca do tema da violência institucional ganha força e se
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expande para além do mundo jurídico, diversos casos são trazidos à tona e discutidos em
ambientes comuns e, principalmente, comentados nas redes sociais.
Dessa maneira, em junho de 2022, foi divulgado um vídeo no qual uma Juíza
intimidava uma vítima de estupro de apenas 11(onze) anos de idade a continuar com uma
gravidez decorrida da violência. A juíza no vídeo faz a seguinte pergunta para a criança:
“você aguentaria mais um pouquinho?” Se referindo à gravidez, com a finalidade de que a
menina vítima não a interrompesse. E ainda: “você acha que o pai do bebê concordaria em
entregar para adoção?” Desta vez se referindo ao agressor que a engravidou durante o
estupro.
Este caso supracitado é um claro exemplo de violência secundária decorrente de
violência institucional. A criança além de ter sido vítima do crime de estupro, acabou
ficando grávida em decorrência de tal violência, procurou um hospital a fim de interromper
a gravidez e os agentes de saúde do local se recusaram a fazer o procedimento, mesmo
sendo caso em que a lei assim permite. Os funcionários do hospital afirmaram que, segundo
normas internas, o procedimento só poderia ser realizado até 20 (vinte) semanas de gravidez
e a menina estava na 22ª (vigésima segunda) semana. Dessa maneira, foi exigida uma
autorização judicial para realização do procedimento.
É nítido o despreparo do hospital no acolhimento da vítima, além disso, os
funcionários do local agiram contra a lei, que assegura o direito ao aborto legal, a qualquer
tempo de gestação, às mulheres vítimas do crime de estupro.
O caso se torna ainda mais revoltante quando ao buscar o Poder Judiciário, a fim de
apenas concretizar seu direito já assegurado pela legislação, a criança de apenas 11(onze)
anos foi submetida a uma audiência e intimidada pela juíza durante todo o tempo do rito.
Ao final da audiência a juíza além de indeferir o pedido do aborto, sem qualquer
respaldo legal, ainda decidiu por colocar a criança em um abrigo, a afastando de sua mãe,
sob o argumento de que a genitora estivesse influenciando a realização do procedimento
abortivo.
Fica bastante claro neste exemplo real que a vítima, uma criança de apenas 11 (onze)
anos de idade, sofreu uma sequência de violências. Primeiro o estupro, segundo, a violência
decorrente do despreparo do hospital e por último, a violência sofrida pelo poder judiciário.
Infelizmente, configurando uma inconfundível Revitimização.

6 REVITIMIZAÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL

O termo revitimização decorre de uma violência secundária. Após uma violência


primária sofrida, a vítima é exposta a outra violência ou ainda a uma violência continuada.
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Dessa forma, mesmo que cessada a agressão original, a vítima é obrigada a reviver a
violência, sendo novamente vitimizada.
A concepção de revitimização pode ser associada à violência institucional. Nestes
casos, a instituição que deveria ter um papel de acolhimento da vítima acaba por promover
um novo sofrimento, tornando um momento que deveria ser de segurança pós-trauma em
algo que também lhe causa sofrimento. Nesse sentido:

Julgar, pedir para que a vítima dê o depoimento sobre o acontecido várias vezes, fazer
perguntas ofensivas ou vexatórias a ela ou tratá-la sem oferecer apoio adequado são
comportamentos que remetem à ideia de tonar a pessoa vítima novamente. É
quando ela sofre uma nova violência causada pelo Estado, no papel dos agentes
públicos ou por profissionais de saúde que a atendem e questionam as condições
em que aconteceu a situação -fazendo com que a vítima revisite o trauma.
(GERALDO.2020, p. 1)

O crime de violência sexual é por si só desumano e cruel o que faz com que muitas
vítimas nunca superem de fato o trauma da violência sofrida. Contudo, em busca de justiça,
a vítima ainda precisa enfrentar um longo caminho processual após a ocorrência do crime. É
evidente que procedimentos como depoimentos e exames de corpo delito, já citados, são
indispensáveis para a elucidação do delito, contudo, essas experiências geram mais
constrangimentos e sofrimento.
Requer bastante coragem para falar da violência sofrida e romper o silêncio
socialmente imposto. Ainda assim, a vítima após fazer o martírio de buscar a justiça nem
sempre é respeitada durante o processo penal. E tal atitude recorrente das autoridades
desencoraja as demais vítimas mulheres a também denunciarem o crime. De acordo com
Atlas da Violência (2018), estima-se que somente 10% a 15% de casos de violência
sexual ocorridos no país são notificados para as autoridades judiciais brasileiras.
A mulher vítima de crime sexual também está suscetível a ser vitimizada pela
sociedade civil, não apenas pelas autoridades. Por esse ângulo:

A sociedade civil também deve pautar questões de crimes contra mulher e de


masculinidade tóxica, relacionada à agressividade dos homens e à cultura do estupro e
do assédio, para que as vítimas saiam do lugar de medo. Rever estereótipos de gênero e
preconceitos que culpabilizam a vítima, como pesquisar a vida pregressa dela,
rotular por fotos nas redes sociais ou tentar associá-la a padrões ligados ao
comportamento, também faz parte dessa mudança social (GERALDO,2020, p.1).

As mulheres vítimas de crimes sexuais recorrentemente passam por julgamentos,


preconceitos, ofensas, humilhações, condutas que fazem parte do fenônemo da
revitimização até aqui discutido. Todas essas razões muitas vezes complicam ou
impossibilitam que a vítima seja capaz de seguir sua vida, transformando-a em refém do
próprio trauma.
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CONCLUSÃO

Com base no estudo desempenhado, foi possível observar que revitimização das
mulheres vítimas de crimes sexuais é um tema igualmente importante e complexo, que não
é novo para a criminologia, especialmente a criminologia feminista, porém, como foi
observado, dá os seus primeiros passos lentos na legislação brasileira.
Qualquer indivíduo que seja vítima de um crime, sobretudo quando se trata de
crimes sexuais, experiencia traumas, que por si só já o tornam vítima novamente. As
autoridades competentes, assim como o entorno da vítima, precisam ajudá-la de maneira
que a vida dela possa seguir e não seja resumida na agressão sofrida.
O direito como ciência humana caminha de acordo com a sociedade. Dessa maneira,
foram demonstrados neste estudo avanços e possíveis caminhos para uma realidade
melhorada, em que vítimas mulheres recebam o acolhimento justo após os crimes sofridos.
Contudo, é utópico acreditar que o direito penal, através das leis e sanções, possa
efetivamente prevenir delitos.
A revitimização das mulheres, em especial de vítimas de crimes sexuais, é um
problema real e estrutural, enfrentado pelo gênero feminino há muito tempo. Vítimas que já
estão fisicamente e psicologicamente abaladas continuam a ser hostilizadas por aqueles que
justamente deviam acolhê-las e protegê-las.
Já é sabido que as leis, mesmo que severas, não impedem que crimes de maneira
geral ocorram, tampouco os crimes sexuais, mas é fundamental que instituições como as
instituições de saúde e o poder Judiciário estejam preparadas para fornecer pelo menos o
atendimento apropriado para as vítimas.
Esse estudo não pretende esgotar o tema que é por demais importante e amplo para a
instrução do direito penal brasileiro. Mas a partir desse trabalho pôde-se concluir que: Por
se tratar de um problema estrutural e até interdisciplinar, é mais eficaz a capacitação de
profissionais, o estímulo a pesquisas e a criação de políticas públicas que foquem não só no
combate à violência, mas também em sua prevenção e proteção às vítimas, do que a criação
de leis focadas na repressão e punição tanto dos crimes de violência sexual quanto de
violência institucional e/ou secundária responsável pelo fenônemo da revitimização aqui
apresentado e debatido.
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