Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rio de Janeiro
2024.1
Amanda Lousada Fernandes
Orientador: Prof.
Rio de Janeiro
2024.1
3
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta monografia,
desde que citada a fonte.
Assinatura Data
4
AGRADECIMENTOS
RESUMO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
membros do Poder Judiciário são homens. Dessa forma, quando ocorrem constrangimentos
e humilhações contra a vítima partindo do advogado do acusado, os presentes não o
interrompem, permanecendo em um silêncio condenável e permitindo que a defesa do réu
trate a vítima como suspeita.
Qualquer indivíduo que souber da ocorrência de um crime de estupro poderá
notificar as autoridades para que estas tomem as devidas providências judiciais. O
Ministério Público precisa dar início à persecução penal no momento em que tiver
conhecimento do crime, independentemente da vítima vir a procurar o judiciário ou da
anuência da mesma. Isso ocorre desde 2018, quando a Lei nº 13.718 modificou a ação penal
referente ao crime de estupro para ação penal incondicionada a representação.
Tal modificação ocorreu em função do Direito Penal atuar como protetor dos bens
jurídicos dos indivíduos. Uma vez que a liberdade sexual é um bem jurídico de relevante
importância para a sociedade, os casos que atentem contra ela ganharam maior dimensão se
tornando de ação penal incondicionada a representação.
Por se tratar de um crime no qual grande parte dos casos ocorre de forma
clandestina, sem a presença de outros indivíduos que possam testemunhar, o depoimento da
vítima é uma fase processual de importância extrema nos casos de violência sexual. Pois,
ainda que haja testemunhas, apenas a vítima é capaz de detalhar a forma e os meios usados
pelo acusado, além das circunstâncias em que o delito ocorreu.
O momento do depoimento é bastante doloroso para a vítima, ainda que seja muito
relevante para o processo. A partir dele, a vítima acaba por reviver nas lembranças a
violência sofrida e os sentimentos ruins, muitas vezes experienciando como se o crime
estivesse ocorrendo novamente.
Analisando acórdãos do Superior Tribunal Federal verifica-se que o depoimento da
vítima tem valor de prova substancial para a condenação do acusado, em muitos casos é o
único meio de prova, desta forma é imprescindível que a vítima relate tudo que ocorreu com
o máximo de detalhes possível e não se esqueça de como ocorreu o crime, respeitando os
limites dos princípios norteadores da dignidade da pessoa humana.
Ao analisar acórdãos do Superior Tribunal Federal é possível perceber que o
depoimento da vítima é o único meio de prova em muitos processos, por isso, é importante
que a vítima relate o fato com o maior detalhamento possível, sendo respeitado o princípio
da dignidade humana, visto o sofrimento pessoal que esse tipo de delito provoca. O
depoimento da vítima nos casos de violência sexual tem valor de prova substancial para a
1
A lei estabelece que se tratando de crimes que deixam vestígios, como os crimes
sexuais, é indispensável a realização do exame de corpo delito como meio de prova. Ainda
que o réu confesse, tal atitude não faz com que este relevante meio de prova processual seja
dispensado.
Cabe salientar que deixar de realizar o exame de corpo delito nos crimes que deixam
vestígios é compreendido pelo ordenamento jurídico pátrio como uma nulidade processual
em favor do réu.
Sendo a comprovação do ato criminoso o objetivo principal do exame supracitado,
este precisa ser realizado o mais rápido possível após o delito. Tal exame é usado com a
finalidade de investigar meios executórios do crime, assim como produz indícios de
materialidade e autoria, elementos fundamentais para a configuração do crime.
É viável determinar se a conjunção carnal foi ou não consentida através do exame de
corpo delito, além disso, é possível recolher amostras de sêmen, sangue e demais vestígios
que possam relacionar o acusado ao ato criminoso.
Contudo, não é somente com a conjunção carnal que os crimes sexuais se
consumam, atos libidinosos também são criminalmente enquadrados e, nesses casos, é
bastante complicada a produção de provas através do exame de corpo delito.
A liberdade sexual de forma material significa que apenas o indivíduo tem direito de
decidir sobre seu próprio corpo, de acordo com a sua espontânea vontade, não podendo ser
coagido por outrem a fazer uso do seu corpo de maneira diferente daquela que deseja.
Segundo entendimento doutrinário acerca do assunto:
sendo os crimes sexuais não mais entendidos como mero caso de honra, conceito muito
mais subjetivo e arraigado de machismo e preconceitos.
O vocábulo “costumes” era dotado de significado neste contexto legal, explicado
anteriormente na doutrina desta forma:
Uma vez que o ordenamento jurídico concebe leis que visam a punição de condutas
que possam de alguma maneira violar a sexualidade de uma pessoa, a liberdade sexual
está diretamente tutelada.
Conforme Greco (2016), no momento em que a sociedade toma conhecimento da
ocorrência de um estupro, as pessoas tendem a estigmatizar e julgar a dignidade da vítima,
como se a partir do fato esta estivesse suja, contaminada pelo sêmen do agressor. Por isso, e
por demais fatores, as vítimas decidem não reportar o crime às autoridades.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o princípio fundamental em um
estado democrático de direito, no ordenamento jurídico brasileiro, ele está previsto no artigo
1º, inciso II da Constituição Federal. Tal princípio garante a proteção das necessidades
vitais intrínsecas do ser humano.
Na doutrina a dignidade já foi conceituada da seguinte maneira:
3 ASPECTOS JURÍDICOS
Ainda nos aspectos jurídicos que se referem aos crimes sexuais, temos a Súmula nº
608 do Superior Tribunal Federal (STF), é esta súmula que modificou o crime de estupro
para crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, não é necessária a representação
da vítima para que o acusado seja criminalmente responsabilizado.
5 VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL
2019 ( Lei de Abuso de Autoridade), com a mesma finalidade de evitar e tipificar como
delito a violência secundária contra a vítima. Assim, podemos observar na letra desta lei:
"Violência Institucional
Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a
procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita
necessidade:
I - a situação de violência; ou
II - outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos,
gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3 (dois terços).
§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida
revitimização, aplica-se a pena em dobro." (BRASIL, 2022, art. 15-A)
expande para além do mundo jurídico, diversos casos são trazidos à tona e discutidos em
ambientes comuns e, principalmente, comentados nas redes sociais.
Dessa maneira, em junho de 2022, foi divulgado um vídeo no qual uma Juíza
intimidava uma vítima de estupro de apenas 11(onze) anos de idade a continuar com uma
gravidez decorrida da violência. A juíza no vídeo faz a seguinte pergunta para a criança:
“você aguentaria mais um pouquinho?” Se referindo à gravidez, com a finalidade de que a
menina vítima não a interrompesse. E ainda: “você acha que o pai do bebê concordaria em
entregar para adoção?” Desta vez se referindo ao agressor que a engravidou durante o
estupro.
Este caso supracitado é um claro exemplo de violência secundária decorrente de
violência institucional. A criança além de ter sido vítima do crime de estupro, acabou
ficando grávida em decorrência de tal violência, procurou um hospital a fim de interromper
a gravidez e os agentes de saúde do local se recusaram a fazer o procedimento, mesmo
sendo caso em que a lei assim permite. Os funcionários do hospital afirmaram que, segundo
normas internas, o procedimento só poderia ser realizado até 20 (vinte) semanas de gravidez
e a menina estava na 22ª (vigésima segunda) semana. Dessa maneira, foi exigida uma
autorização judicial para realização do procedimento.
É nítido o despreparo do hospital no acolhimento da vítima, além disso, os
funcionários do local agiram contra a lei, que assegura o direito ao aborto legal, a qualquer
tempo de gestação, às mulheres vítimas do crime de estupro.
O caso se torna ainda mais revoltante quando ao buscar o Poder Judiciário, a fim de
apenas concretizar seu direito já assegurado pela legislação, a criança de apenas 11(onze)
anos foi submetida a uma audiência e intimidada pela juíza durante todo o tempo do rito.
Ao final da audiência a juíza além de indeferir o pedido do aborto, sem qualquer
respaldo legal, ainda decidiu por colocar a criança em um abrigo, a afastando de sua mãe,
sob o argumento de que a genitora estivesse influenciando a realização do procedimento
abortivo.
Fica bastante claro neste exemplo real que a vítima, uma criança de apenas 11 (onze)
anos de idade, sofreu uma sequência de violências. Primeiro o estupro, segundo, a violência
decorrente do despreparo do hospital e por último, a violência sofrida pelo poder judiciário.
Infelizmente, configurando uma inconfundível Revitimização.
Dessa forma, mesmo que cessada a agressão original, a vítima é obrigada a reviver a
violência, sendo novamente vitimizada.
A concepção de revitimização pode ser associada à violência institucional. Nestes
casos, a instituição que deveria ter um papel de acolhimento da vítima acaba por promover
um novo sofrimento, tornando um momento que deveria ser de segurança pós-trauma em
algo que também lhe causa sofrimento. Nesse sentido:
Julgar, pedir para que a vítima dê o depoimento sobre o acontecido várias vezes, fazer
perguntas ofensivas ou vexatórias a ela ou tratá-la sem oferecer apoio adequado são
comportamentos que remetem à ideia de tonar a pessoa vítima novamente. É
quando ela sofre uma nova violência causada pelo Estado, no papel dos agentes
públicos ou por profissionais de saúde que a atendem e questionam as condições
em que aconteceu a situação -fazendo com que a vítima revisite o trauma.
(GERALDO.2020, p. 1)
O crime de violência sexual é por si só desumano e cruel o que faz com que muitas
vítimas nunca superem de fato o trauma da violência sofrida. Contudo, em busca de justiça,
a vítima ainda precisa enfrentar um longo caminho processual após a ocorrência do crime. É
evidente que procedimentos como depoimentos e exames de corpo delito, já citados, são
indispensáveis para a elucidação do delito, contudo, essas experiências geram mais
constrangimentos e sofrimento.
Requer bastante coragem para falar da violência sofrida e romper o silêncio
socialmente imposto. Ainda assim, a vítima após fazer o martírio de buscar a justiça nem
sempre é respeitada durante o processo penal. E tal atitude recorrente das autoridades
desencoraja as demais vítimas mulheres a também denunciarem o crime. De acordo com
Atlas da Violência (2018), estima-se que somente 10% a 15% de casos de violência
sexual ocorridos no país são notificados para as autoridades judiciais brasileiras.
A mulher vítima de crime sexual também está suscetível a ser vitimizada pela
sociedade civil, não apenas pelas autoridades. Por esse ângulo:
CONCLUSÃO
Com base no estudo desempenhado, foi possível observar que revitimização das
mulheres vítimas de crimes sexuais é um tema igualmente importante e complexo, que não
é novo para a criminologia, especialmente a criminologia feminista, porém, como foi
observado, dá os seus primeiros passos lentos na legislação brasileira.
Qualquer indivíduo que seja vítima de um crime, sobretudo quando se trata de
crimes sexuais, experiencia traumas, que por si só já o tornam vítima novamente. As
autoridades competentes, assim como o entorno da vítima, precisam ajudá-la de maneira
que a vida dela possa seguir e não seja resumida na agressão sofrida.
O direito como ciência humana caminha de acordo com a sociedade. Dessa maneira,
foram demonstrados neste estudo avanços e possíveis caminhos para uma realidade
melhorada, em que vítimas mulheres recebam o acolhimento justo após os crimes sofridos.
Contudo, é utópico acreditar que o direito penal, através das leis e sanções, possa
efetivamente prevenir delitos.
A revitimização das mulheres, em especial de vítimas de crimes sexuais, é um
problema real e estrutural, enfrentado pelo gênero feminino há muito tempo. Vítimas que já
estão fisicamente e psicologicamente abaladas continuam a ser hostilizadas por aqueles que
justamente deviam acolhê-las e protegê-las.
Já é sabido que as leis, mesmo que severas, não impedem que crimes de maneira
geral ocorram, tampouco os crimes sexuais, mas é fundamental que instituições como as
instituições de saúde e o poder Judiciário estejam preparadas para fornecer pelo menos o
atendimento apropriado para as vítimas.
Esse estudo não pretende esgotar o tema que é por demais importante e amplo para a
instrução do direito penal brasileiro. Mas a partir desse trabalho pôde-se concluir que: Por
se tratar de um problema estrutural e até interdisciplinar, é mais eficaz a capacitação de
profissionais, o estímulo a pesquisas e a criação de políticas públicas que foquem não só no
combate à violência, mas também em sua prevenção e proteção às vítimas, do que a criação
de leis focadas na repressão e punição tanto dos crimes de violência sexual quanto de
violência institucional e/ou secundária responsável pelo fenônemo da revitimização aqui
apresentado e debatido.
2
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Ana Paula. Abuso: a cultura do estupro no Brasil. Rio de Janeiro, Globo livros,
2020.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v. 4.
BRANDALISE, Camila. "Se ela bebeu, não pode ser vítima": 5 vezes em que a
Justiça foi machista. Disponível em:
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/11/08/nao-seu-deu-respeito-5-vezes-em-
que-a-justica-foi-machista.htm Acesso em: 29 jan. 2024.
BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei nº, 11.340, de 07 de agosto de 2006. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso
em: 27 de jan. 2024
CONDE, Francisco Munoz. Derecho Penal: Parte especial. 15. ed. Valencia: Tirant Lo Blanch,
2004.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Efeito de lei contra a revitimização será mais simbólico do que
efetivo. Disponível em: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/brasil/2022/04/efeito-
de-lei-contra-revitimizacao-sera-mais-simbolico-do-que-efetivo.html Acesso em: 28 de out.
2023
GERALDO, Nathália. Revitimização: O que é e como podemos impedir que vítimas revivam
o trauma. UOL Universa, 18 dez. 2020. Disponível em:
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/12/18/revitimizacao.htm?cmpid=copiaec
2
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte especial. 13. ed. Niterói: Impetus, 2016, v. 3.
MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. Imprenta: São Paulo,
Saraiva, 2017.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2017.