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Ano
SÃO PAULO
2022
CARMEM DE BARROS BARBOSA
SÃO PAULO
2022
CARMEM DE BARROS BARBOSA
BANCA EXAMINADORA
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo uma revisão bibliográfica crítica acerca da
apreciação jurídico penal do crime do feminicídio, transpassando pelo viés feminista
do estudo de gênero e da relação social da construção do papel da mulher ao longo
dos séculos. A sociedade patriarcal impõe a dominação dos homens nas mulheres,
e, diante disso, o gênero feminino se encontra inferiorizado numa relação de poder
amplamente enraizada na sociedade, se tornando um alvo fácil para agressões
físicas e mentais, que, num ato extremo, levam a morte, caracterizando assim o
crime de feminicídio. A luz do direito penal buscou-se um debate acerca do
feminicídio e suas implicações.
ABSTRACT
The present work aims at a critical bibliographic review about the penal legal
appreciation of the crime of feminicide, going through the feminist bias of the gender
study and the social relation of the construction of the woman's role throughout the
centuries. The patriarchal society imposes the domination of men over women, and,
in view of this, the female gender is inferiorized in a power relationship widely rooted
in society, becoming an easy target for physical and mental aggression, which, in an
extreme act, leads to death, thus characterizing the crime of feminicide. In the light of
criminal law, a debate about feminicide and its implications was sought.
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9
2. UMA QUESTÃO DE GÊNERO ............................................................................ 10
2.1 VIOLÊNCIA DE GÊNERO E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ........... 12
2.2 CENÁRIO BRASILEIRO ................................................................................. 14
3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA QUANTO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER .... 19
3.1 LEI MARIA DA PENHA ................................................................................... 19
3.2 MODALIDADE DE VIOLÊNCIA ...................................................................... 22
4. FEMINICÍDIO ....................................................................................................... 25
4.1 FEMINICÍDIO – IMPACTO NO BRASIL .......................................................... 25
4.2 AS FORMAS DE VIOLÊNCIAS RECEPCIONADAS PELA LEI MARIA DA
PENHA ................................................................................................................. 26
4.3 FEMINICÍDIO E HOMICÍDIO .......................................................................... 28
4.4 AS CARACTERÍSTICAS DO FEMINICÍDIO ................................................... 32
4.5 DAS MEDIDAS PROTETIVAS ....................................................................... 34
4.5.1 Suspensão da Posse ou Restrição do Porte de Armas, com Comunicação
ao Órgão Competente, nos Termos da Lei n. 10.826/2003 ............................... 34
4.5.2 Afastamento do Lar, Domicílio ou Local de Convivência com a Ofendida.
...........................................................................................................................35
4.5.3 Proibição de Aproximação da Ofendida, de Seus Familiares e das
Testemunhas, Fixando Limite Mínimo de Distância Entre Estes e o Agressor. 35
4.5.4 Proibição de Contato com a Ofendida, Seus Familiares e Testemunhas
por Qualquer Meio Eletrônico ............................................................................ 36
4.5.5 Proibição de Frequentar Determinados Lugares a Fim de Preservar a
Integridade Física e Psicológica ........................................................................ 36
4.5.6 Prestação de Alimentos Provisionais ou Provisórios. ............................... 37
5. CONDIERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 38
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 41
9
1. INTRODUÇÃO
É assim que Silvia Federici, autora de CALIBÃ E A BRUXA (2017) coloca que
a sexualidade feminina se transformou em algo acintoso, errado, digno de
confessionário; um tema de discussão. Na igreja, como salienta Federici (2017), as
mulheres não eram nada. Dado momento em que a Igreja compreendeu como uma
ameaça o controle da reprodução, que se encontrava nas mãos das mulheres, foi
colocado como uma possível explosão demográfica, o que seria um problema para a
estabilidade econômica e social da época.
Os grupos hereges, que vivem em harmonia entre homens e mulheres,
praticando o ―amor livre‖, passaram a ser perseguidos, principalmente pelos seus
aspectos sexuais, sendo acusados de sodomia e de licenciosidade sexual em seus
informes.
Como colocado por Porto (2004, p.30), a violência se caracteriza por ser um
dos fenômenos mais angustiantes do mundo moderno, visto que, está em todas as
esferas sociais, e, na atualidade, se tornou banalizada e rotineira, assim, por
consequência, ―um estado de indiferença, onde o ato violento ou não-violência são
vistos como um simples dado do cotidiano‖.
No ano de 1979, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a
Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW), conhecida como a Lei Internacional dos Direitos da Mulher. Tal
convenção buscou a promoção dos direitos das mulheres pela igualdade de gênero,
assim como repudiar qualquer tipo de discriminação.
Como colocado pela CEDAW (1979), em seu Artigo 1º:
Tal medida de igualdade precisa ser tomada pois, como colocado por Porto
(2014), uma das violações contra os direitos humanos mais praticadas e legitimada
no mundo é a violência contra as mulheres, podendo afetar a vítima de forma
corporal, psíquica, sua saúde e também seu senso de segurança. Tal cenário é
caracterizado como um problema de saúde pública.
Ainda, conforme o CEDAW (1979, p.3), os Estados que se comprometeram a
adotar tal Convenção, conforme Artigo 2º, deve-se:
E, para isso, é preciso que o Estado atue nas esferas públicas, e incentive a
esfera privada, para que os meios sociais, econômicos e culturais apresentem
medidas apropriadas, inclusive se tratando do caráter legislativo, para ―para
assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o objetivo de
garantir-lhe o exercício e gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em
igualdade de condições com o homem‖ (CEDAW, 1979, p.3 – Artigo 3º).
Assim, cabe colocar, conforme Guimarães e Pedroza (2015, p.264), é
precioso aliar as dimensões ética, política e cultural, e essas precisam se encontrar
em um constante diálogo para que haja uma reflexão, e, após isso, ações para se
seguir o proposto nos direitos humanos.
Assim, quando se compreende a violência como uma violação dos direitos
humanos, é possível se atentar aos índices altos de violência contra mulheres e
promover dignidade a igualdade.
Tal situação é triste, pois as famílias que são atingidas pela violência
doméstica sofrem graves consequências. Os filhos dos casais acabam sendo
criados nesse clima de conflito, sem paz, dentro de um cenário violento e machista,
assistindo os pais agredirem suas mães. Isso acaba atingindo as crianças
psicologicamente, desenvolvendo nelas problemas comportamentais.
19
O autor Lima nos ensina que a incidência da Lei Maria da Penha está
condicionada a presença de 03 requisitos cumulativos, quais são: a mulher como
sujeito passivo; a prática de violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou
21
[...] estão protegidas pela Lei Maria da Penha não apenas esposas,
companheiras, amantes, namoradas ou ex-namoradas, como
também filhas e netas do agressor, sua mãe, sogra, avó, ou qualquer
outra parente do sexo feminino com a qual haja uma relação
doméstica, familiar ou íntima de afeto (LIMA, p. 901, 2016).
contrário do requisito anterior, nesse caso é exigido que exista laço de natureza
familiar entre o agressor e a vítima.
Em relação a previsão referente a ―relação intima de afeto‖, entende-se que
deve ser interpretado de forma restritiva, considerando somente as relações que
impliquem em envolvimento sexual e amoroso, mesmo que não exista coabitação.
Como, por exemplo, a relação de noivado (LIMA, p. 902, 2016).
Pode se observar que a estrutura da legislação consiste em identificar qual a
ação que configura violência doméstica ou familiar contra a mulher, posteriormente
menciona os espaços onde ocorre a violência e, finalmente, descreve
minuciosamente as condutas que configuram a violência física, psicológica, sexual,
patrimonial e moral (DIAS, p. 01, 2018).
Importante ressaltar que as formas de violência elencadas pela legislação não
são de conteúdo exclusivamente criminal. Assim, nem todas ações que configuram a
violência doméstica vão incidir em delitos e serem alvo do direito penal (DIAS, p. 01,
2018).
Desse modo, pode-se afirmar que a Lei Maria da Penha considera violência
doméstica as ações narradas em seu artigo 7º quando essas ocorrem no âmbito das
relações domésticas, familiares ou afetivas (conforme ensina o artigo 5º).
No entanto, referidas condutas tipificadas em lei e reconhecidas como
violência doméstica, não configuram, por isso, crimes que desencadeiam uma ação
penal (DIAS, p. 02, 2018).
4. FEMINICÍDIO
qualificando o feminicídio como crime hediondo. Tal inclusão pode ser considerada
uma conquista das mulheres após os vários movimentos feministas.
O feminicídio é uma situação muito triste que assola vários países. Atinge
mulheres de várias idades, cores, classe social, etnia. Não existe diferença sob
esses aspectos. É um problema social e de saúde pública, com grande desiquilíbrio
e desigualdade estrutural.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 35,6%
das mulheres do mundo sofreram violência sexual ou física praticada pelo parceiro
ou violência sexual praticada por qualquer outro homem. A ONU Mulheres estima
que no mundo 66 mil mulheres foram mortas pelo gênero, ou seja, simplesmente por
ser mulher em meados de 2004 a 2009 (BRASIL, 2013).
Foram realizados alguns estudos recentemente e concluiu-se que os
feminicídios domésticos, aqueles que são praticados dentro de casa,
compreenderam cerca de metade dos casos de mulheres assassinadas no Brasil
entre 2009 e 2014, e ainda, em 40% desses casos, parceiros ou ex-parceiros são os
autores dos delitos.
Nesse contexto, o feminicídio que consiste no homicídio de mulheres por
conta do gênero acabou se tornando uma ferramenta para manutenção da
subordinação das mulheres perante os homens. As mulheres são vítimas em todos
os lugares, na rua, no trabalho, em casa, mas na maioria das vezes são vítimas em
sua intimidade.
Chegou-se à conclusão de que a residência é onde ocorre o maior número de
mortes das mulheres vítimas de violência, tendo em vista que o índice de mulheres
morta na rua, por se envolverem em crimes, brigas ou outros delitos é baixo. O
índice de homicídio comum tem caído, no entanto, o índice de feminicídio tem
aumentado dia após dia (ONU, 2013).
Resta claro que sempre existe uma ligação dos elementos quando ocorre os
feminicídios. A tipologia e a conceituação de cenários são aproximações
necessárias e bastante elucidativas, que são elaboradas a partir a partir da análise
30
Até 2015, foram nove os países que tentaram fazer modificações em sua
norma penal na tentativa de enquadramento do feminicídio: Colômbia em 2015,
Costa Rica em 2007, Chile em 2010, Guatemala em 2008, Peru em 2011, México
em 2013, El Salvador em 2012, Brasil em 2015. (GARITA, 2013; GOMES, 2015).
São inúmeras as críticas e forte a resistência para uma resposta penal aos
crimes de feminicídio. Muitas das críticas realizadas tratam de argumentos
relevantes, porém, a maioria dos argumentos necessita de se comprovar a
gravidade para ser reconhecido, a comprovação da brutalidade e da desigualdade
perpetradas em situações que ocorrem as violências praticadas contra as mulheres.
Mesmo que todos estes argumentos tenham fundamento jurídico, o que se
espera é demonstrar quais os significados para garantir ou desconstituir uma lei
penal, que pune violência de contra as mulheres. O reconhecimento penal de forma
específica e adequada do feminicídio é uma forma de nomear um complexo
conjunto, que por sua vez, ocasiona morte e a violência direcionada as mulheres.
Não existe palavra para descrever e expressar o horror vivenciado pela
prática do feminicídio, não é nada comparado com a violência de gênero que a
palavra tenta descrever, desde as vivências posteriores como as anteriores da
violência da mensagem que se queria anunciar.
Para Enriquez (2010, p.74), tipificar ―confronta a universalidade da lei com a
singularidade do que ela nomeia‖ e é por isso que, mais do que acreditar da força e
na eficácia do Direito Penal, se socorrer a ele significa demonstrar de que lado está
politicamente falando, em meio a disputas de poder.
O que se percebe é que o feminicídio se constituiu em uma categoria
sociológica, nitidamente diferençável e que adquiriu especificidade normativa a partir
da Convenção de Belém do Pará, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir
e Erradicar a Violência contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral da
Organização dos Estados Americanos (OEA) em 09 de junho de 1994 e ratificada
pelo Brasil em 27 de novembro de 1995.
Via de regra, essa medida evita novos ataques, pois a própria vítima fiscaliza
seu cumprimento, noticiando a Delegacia de Polícia, caso o agressor se aproxime.
Nessa medida, é estipulado uma metragem em que o agressor fica proibido de se
aproximar da vítima de seus familiares.
Se no caso concreto, o agente ultrapassar a metragem fixada pelo
magistrado, o agressor poderá ser preso por violar uma ordem judicial. Uma nova
solução uma para assegurar o distanciamento é a monitoração eletrônica, que foi
introduzida no Código de Processo Penal no artigo 319 e inciso IX, redação pela Lei
n. 12.403/2011.
Cumpre que a efetividade da medida de justifica na limitação de distância que
é imposta ao agressor, distância tanto da vítima como de seus familiares e
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prosseguir com sua vida, sem sombra do passado, sem medo de ter que encontrar
aquela pessoa que só trouxe amargura e dor para sua vida.
Se ocorrer o descumprimento da medida imposta pelo juiz, esta pode ser
noticiada por qualquer e, após registrado em boletim de ocorrência por
desobediência, o agressor poderá ser advertido e até ter sua prisão decretada. Isso
também é uma forma de assegurar a liberdade da vítima e forma de fazer com que
ela se sinta segura.
5. CONDIERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Clara de Jesus Marques; FONSECA, Rosa Maria Godoy Serpa da.
Considerações sobre violência doméstica, gênero e o trabalho das equipes de
saúde da família. Rev. Esc. Enferm. USP. 2008.
BRASIL. . Lei nº. 8.072/1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos
do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072.htm>. Acesso em: 30
abr. 2019.
CASTRO, Lana Weruska Silva. O crime passional de Doca Street. Canal Ciências
Criminais. Atualizado em 18/12/2020. Disponível em :
https://canalcienciascriminais.com.br/crime-passional-doca-street/. Acesso em 20 de
abr de 2021.
42
brasileiro-da-nomeacao-feminista-as-praticas-juridicas-no-plenario-do-juri.pdf>.
Acesso em: 15 de jun. 2021
SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação
& Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul./dez. 1995, pp. 71-99.